PH Matéria Técnica FENÓTIPO OU GENÓTIPO? Eis a questão! Qual a melhor caminho para obter os potros desejados? Por: Dr. Carlos Rangel* D esde os primórdios da existência e utilização deste belo animal que criamos, o melhoramento das raças equinas tem sido insistente e constantemente buscado, mas nem sempre alcançado em qualidade, beleza ou na frequência que se deseja. Particularmente em nosso criatório tão especial, onde – além das características que se pretende para todas as raças – a Natureza nos brindou com as cores de pelagens exuberantes, exóticas e únicas para cada animal, essa busca tem sido a tônica 44 Paint Horse de todos os haras de Paint Horses, não só pela satisfação de criar formosuras, como pelo resultado econômico que promove. Como sabemos, os Paints vieram dos selvagens mustangs, cavalos levados pelos espanhóis que se multiplicaram livremente nas planícies da América do Norte, após escaparem ou serem levados pelos índios, que preferiam os animais que tivessem mais cores. Esta escolha também se tornou frequente entre os cowboys, cuja tradição se mantém até os dias atuais em várias partes do mundo, incluindo nosso País. beleza, para a grande aventura da atividade equestre. A Ciência e a Tecnologia, particularmente nos últimos tempos, avançam vertiginosamente em todas as áreas e a referida busca de melhoramento genético dos Paints não se exclui desta rápida evolução. Nunca se falou – e se utilizou – tanto o conhecimento sobre o DNA, desde a proposição de seu modelo estrutural, feita por Watson e Crick, em 1953. Segmentos formados por este composto molecular compõem o gene, que é a unidade que contém cada uma das informações que irão determinar as características herdadas dos pais pelos filhos. O conjunto de todas as informações genéticas de uma espécie forma o seu genoma. Meio século se passou, desde o ‘descobrimento’ do DNA, para que todo o genoma humano pudesse, em 2003, ter seus cerca de 25.000 genes totalmente conhecidos com a conclusão do ‘Projeto do Genoma Humano’, que As qualidades naturais dos mustangs foram bastante meteve iniciou em 1990, dedicado ao complexo estudo de seu lhoradas pela contribuição genética dos Puro Sangue Ingleses sequenciamento por um consórcio internacional formado por levados durante a colonização anglicana dos Estados Unidos, 17 países, incluído o Brasil. dando origem ao Quarto de Milha. Destes, os que apresentaEm 1995, reunivam pelagens coloridas ram-se em Lexington, KY, deram origem aos atuais “...num espaço de tempo muito cur- nos USA, 70 cientistas de Paint Horses. A busca das coto o crescente conhecimento científico 20 países e lançaram o res – cada vez mais sofispermitirá o rápido desenvolvimento tec- Projeto do Genoma Equibaseado no humano, ticadas – se tornou então nológico da Genética Equina, a qual – a no, coletando a genética de 15 importante componente exemplo de outras culturas agropecuárias cavalos que foram distrida raça, pois valoriza, – se tornará um eficiente instrumento de buídos em 22 laboratórios embeleza e individualiza previsibilidade ao alcance de qualquer de 12 países, com a finacada animal, tornando a criatório que se pretenda buscador de qua- lidade de estudar o mapa pelagem uma característilidade e beleza para seus Paint Horses.” genético equino, busca a mais para os criadocando elucidar doenças, res, proprietários e aficiodesenvolver vacinas, tranados deste maravilhoso tamentos e exames, mas também para fundamentar as caracteanimal, além da conformação, das qualidades esportivas, de rísticas genéticas das cores da pelagem dos cavalos, sabidamente lida ou de recreação. a mais rica e variada entre todos os mamíferos, principalmente Assim, o Paint se tornou, junto com seus irmãos QM, nos Paint Horses. o mais versátil dos cavalos e, ao mesmo tempo, um objeto de Em 2002, já haviam sido mapeados 900 genes nas desejo colorido para as pessoas, usuárias ou não deste atleprincipais universidades e laboratórios de vários países e, em ta, cuja integração com o ser humano é única, pois nenhum 2005, o Instituto Americano de Pesquisa do Genoma Humaoutro animal permite uma interação física tão completa, gano alertou para os benefícios do sequenciamento do genoma nhando o primeiro um parceiro de façanha, destreza e beleza equino na Medicina, o que posteriormente foi constatado pelo e o segundo cerca de 500 quilos de força, velocidade... e mais Paint Horse 45 conhecimento de cerca de 80 variantes genéticas de alterações musculoesqueléticas, neuromusculares, cardiovasculares e respiratórias similares aos mesmos distúrbios observados em seres humanos. Em 2007, a primeira sequência dos genes equinos foi completada e puderam ser concluídas, entre outras, pesquisas sobre a imunodeficiência combinada severa do cavalo Árabe, a paralisia periódica do Quarto de Milha e a conhecida síndrome branca letal do Paint Horse Overo, no locus EDNRB do cromossoma ECA17q. para sua prole. Com frequência, ela pode ser determinada Ultimamente, o conhecimento e as ferramentas desenatravés da identificação genética precisa da cor e do cálculo volvidas a partir do sequenciamento do genoma do cavalo perpercentual exato desta possibilidade. mite explorar muitos aspectos de sua saúde a partir dos traços Vários testes genéticos já se encontram disponíveis genéticos, estando em andamento pesquisas sobre hipoplasia como, só por exemplos, o do gene E, para o preto dominante cerebelar, megacólon, doenças musculares e ósseas, mas princisobre o alazão. O gene A, que interfere na atuação do E, por palmente sobre a determinação genética das cores da pelagem determinar a distribuição desta cor apenas nas extremidades dos cavalos. do cavalo (pernas, cauda e crina). O conhecido TO, gene doHá mais de 6.000 anos o homem domesticou o cavalo minante que determina a presença e distribuição das manchas e, desde então, as cores das pelagens o têm fascinado, pois deterbrancas que cruzam o dorso dos Paint Tobianos, ao contrário minadas cores ou sua distribuição na pelagem agradam mais a do que define o gene O, também dominante, onde este cruzacertas culturas ou preferências pessoais aumentando sua busca mento não aparece, determinando um Paint Oveiro. e seu valor econômico, fazendo com que os criadores procurem Também já são conhecidos genes dominantes diluisaber qual a probabilidade dores das cores das pelade produzirem animais gens como o gene SB do que satisfaçam este merca“...acompanharmos pari passu a ver- sabino, que determina do de cavalos de cores estiginosa evolução de toda e qualquer ciên- o padrão de branco no pecíficas ou raras a partir cia genética hipológica é o caminho mais baixo abdômen e na cara dos garanhões e matrizes e curto para o sucesso no desenvolvimento do cavalo, o gene G do que dispõem. da raça Paint e, por consequência, daque- cinza que durante a vida O Brasil tem o 4° clareiam gradativamente les que a ela se dedicam.” maior rebanho de cavalos o cavalo até se torne totaldo mundo, atrás apenas mente branco ou o gene da China, México e EstaW que determina a pelados Unidos. A maior parte de seus mais de 6 milhões de anigem branca com a pele rosada desde o nascimento. mais são utilizados na lida diária do campo, mas estima-se que Outros genes, também dominantes, atuam clareando as haja cerca de 50 mil atletas que praticam regularmente esportes cores escuras, como o gene CR creme que dilui a cor castanha que envolvem cavalos e um crescente número de milhares de determinando um potro baio encerado (buckskin) ou dilui a pessoas se dedica ao turismo equestre. Nosso País detém o repelagem alazã, levando-o à típica pelagem baia amarilha. Há, corde de transferência de embriões em cavalos, com mais de ainda, o gene Z prata que atua exclusivamente sobre os pelos 4.000 procedimentos por ano, em mais de 40 centrais de repropretos determinando nos potros uma coloração cinza. dução assistida. Para todos estes genes a tecnologia já oferece testes de Tem sido crescente o número de testes genéticos modeterminação genética que identificam a presença de um ou leculares que permitem prever qual a probabilidade de um dois deles em cada animal, determinando sua hetero ou homocavalo com padrão de cor especial passar esta característica zigose para cada cor, e as interações entre elas. 46 Paint Horse Todo esta ciência e tecnologia genética aplicada à criação poderá tornar tudo tão previsível e fornecer tanta certeza que afetará o encantamento que a espera das cores oferece aos criadores de Paint Horses? A resposta obviamente é: não!, mas com possibilidade de acerto que se aproxima da certeza, pode-se concluir que, num espaço de tempo muito curto, o crescente conhecimento científico permitirá o rápido desenvolvimento tecnológico da Genética Equina, a qual – a exemplo de outras culturas agropecuárias – se tornará um eficiente instrumento de previsibilidade ao alcance de qualquer criatório que se pretenda buscador de qualidade e beleza para seus Paint Horses. Qual a importância do mapeamento genético equino? Para a Hipologia em geral, ele torna possível o isolamento de genes associados à resistência ou vulnerabilidade a doenças específicas, à velocidade e eficiência do crescimento, às características reprodutivas, ao desempenho atlético, à conformação, etc., mas para os criadores de Paints – uma vez mais – ele adiciona uma importante contribuição: a possibilidade da pré-definição da pelagem do futuro potro a partir do estudo genético da matriz e do garanhão escolhidos para determinado cruzamento. O que é fenótipo e o que é genótipo? Genótipo é o conjunto de informações genéticas presentes em cada célula de qualquer ser vivo. Ou seja, ele é que determina como será, por exemplo, a conformação, força muscular, agilidade, beleza e nesta – por evidente –, as cores e sua distribuição na pelagem de um cavalo Paint. Fenótipo é o conjunto de características observadas em um ser vivo que se constituem na manifestação de seu genótipo. Ou seja, ele é o que poderá, na prática, ser constatado como resultado da sua carga genética, por exemplo, a conformação, força muscular, agilidade, beleza e nesta – por evidente – as cores e sua distribuição de um cavalo Paint. Desde os primórdios da civilização, o cavalo fez parte de atividades humanas no trabalho, na guerra, no esporte e no laser e a procura de se obter animais cada vez mais fortes, ágeis, resistentes e bonitos foi constante. Porém, esta busca ocorreu – e ocorre até os dias de hoje – através da simples observação dos aspectos externos dos animais candidatos à procriação, ou seja, apenas pelo fenótipo. Fugir do empirismo da observação fenotípica ao qual a civilização esteve submetida até hoje – dado o pouco conhecimento de Genética Equina – e adotar a tecnologia oferecida pelas bases científicas rigorosamente definidas pelo genótipo de cada animal torna-se, desde já, a escolha mais certa para o acasalamento consciente para um fim pretendido, ou seja, para a obtenção de determinada cor e sua distribuição na pelagem que se quer em um futuro potro Paint, além obviamente das demais características físicas e comportamentais desejáveis e que são comuns a todos as raças. Num momento em que o desenvolvimento de novas ciências e tecnologias – tais como a Engenharia Genética, a Biologia Molecular, a Bioinformática e a Nanotecnologia do DNA – passam a nos oferecer o que, há muito, já desfrutam outras atividades agropecuárias com conhecimento suficiente para desenvolverem ou até inventarem novos animais ou vegetais de grande valor, acompanharmos pari passu a vertiginosa evolução de toda e qualquer ciência genética hipológica é o caminho mais curto para o sucesso no desenvolvimento da raça Paint e, por consequência, daqueles que a ela se dedicam. Seguir este caminho tem sido objeto de minha dedicação constante atual e é minha humilde pretensão de que todos aqueles que têm o bom gosto de criar, ter ou simplesmente admirar lindos Paints aceitem meu convite de virem comigo no estudo da Genética Equina e suas aplicações práticas e imediatas em nosso Brasil, seu maior criatório depois dos Estados Unidos da América, o berço dos Paint Horses. Para isso é que aceitei o honroso convite da Paint Horse Magazine de ocupar algumas páginas de cada edição, dedicando-as à divulgação dos conhecimentos tanto os básicos como os mais recentes e aplicáveis da Genética Equina. Farei isso com a preocupação constante em ser tão simples como exato nas explanações, cujas matérias, com base em informações teóricas – didática e previamente fornecidas – estarão sempre focadas na prática diária, favorecendo o dia a dia e os resultados da tecnologia genética aplicada a estas divinas obras de arte ambulantes, também conhecidas como Paint Horses. __________________________________ *médico, criador e proprietário do Haras Vila Colonial em Analândia, SP Paint Horse 47