Fratura de um instrumento endodôntico no canal radicular de um molar
inferior esquerdo – relato de caso.
(1)
Priscila Terribile Dallagnol. E-mail: [email protected]
(2)
Igor Volpatto. E-mail: [email protected]
(3)
Mateus Hartmann. E-mail: [email protected]
Faculdade Imed - Escola de Odontologia
RESUMO: Limas endodônticas são instrumentos ou ferramentas metálicas empregadas como agentes
mecânicos na instrumentação dos canais radiculares e são fabricados normalmente com liga de aço
inoxidável ou de Níquel-Titânio (Ni-Ti). A cinemática primordial das limas é a de limagem, ou seja,
movimentos de introdução no canal radicular, pressão na parede do canal radicular e remoção. O bom
conhecimento de todos os fatores relacionados aos instrumentos leva à otimização dos procedimentos
terapêuticos e é imprescindível para o melhor aproveitamento de cada um deles. Isso ajuda também a
diminuir os riscos operacionais decorrentes do seu uso, tais como a fratura do instrumento e degraus nas
paredes dos canais radiculares. A fratura durante o uso clínico pode ocorrer por carregamento de
torção, flexão rotativa e por suas combinações, por inabilidade do operador, desgaste do instrumento e
canais curvos ou atrésicos. Instrumentos fraturados e retidos no interior do canal apodem afetar o
resultado do tratamento endodôntico. A lima endodôntica pode ser ou não removida do canal radícula. O
propósito desse trabalho é relatar um caso clínico de fratura de lima endodôntica ocorrido na Clínica
Odontológica III da escola IMED.
Palavras-chave: Endodontia; Fratura.; Canal Radicular.
ABSTRACT: Files are endodontic instruments or metal tools employed as agents in mechanical
instrumentation of the root canals and are usually manufactured with stainless steel alloy or nickeltitanium (Ni-Ti). The kinematics of files is essential for sharpening, or moves introduction into the root
canal pressure in the root canal wall and remove. Good knowledge of all factors related to the instruments
leads to the optimization of therapeutic procedures and is essential for the best use of each. This also
helps reduce operational risks arising from its use, such as the fracture of the instrument and steps on the
root canal walls. The fracture during clinical use may occur for torsional loading, rotating bending and
combinations thereof, the inability of the operator, tool wear and curved canals or atretic. Fractured
instruments and retained within the channel apodem affect the outcome of endodontic treatment. The
endodontic file may or may not be removed from the channel radicle. The purpose of this study is to
report a case of fracture of endodontic file occurred in the Dental Clinic III school IMED.
Keywords: Endodontics.; fracture.; Root Canal.
INTRODUÇÃO
O tratamento endodôntico consiste em limpeza, desinfecção, moldagem e obturação do canal
radicular, buscando o reparo tecidual. Dentre as várias fases do tratamento endodôntico, no preparo
químico-mecânico de um canal radicular, os instrumentos endodônticos sofrem tensões extremamente
adversas que variam com a anatomia do canal, com as dimensões dos instrumentos e com a habilidade do
profissional. Essas tensões adversas modificam continuamente a resistência à torção e a flexão rotativa
dos instrumentos endodônticos durante a instrumentação de um canal radicular. Para ocorrer a fratura por
torção é preciso que a ponta do instrumento endodôntico fique imobilizada e na outra extremidade (cabo)
seja aplicado um torque superior ao limite de resistência à fratura do instrumento. O torque (T) pode ser
definido como o efeito rotatório criado por uma força (F) distante do eixo de rotação de um objeto. É
calculado pela equação: Torque = F.R onde, R (raio) é a distância entre o ponto de aplicação da força (F)
e o eixo de rotação do objeto. A força no Sistema Internacional de Unidades é expressa em Newton (N).
(ETEVALDO et al., 2005)
A presença de deformação plástica das hélices observada quando da retirada do instrumento
endodôntico de um canal radicular durante a instrumentação, dá um alerta de que uma fratura por torção é
iminente. Assim, durante a instrumentação de um canal radicular é importante que o profissional retire o
instrumento do interior de um canal com maior frequência e o examine cuidadosamente. Instrumentos
endodônticos deformados devem ser descartados antes de a falha (fratura) ocorrer. (DIAS et al., 2009)
Para instrumentos acionados manualmente, o controle da intensidade do torque aplicado ao cabo do
instrumento durante a instrumentação de um canal radicular é um procedimento difícil de ser obtido
principalmente para instrumentos delgados. Sentir o momento de cessar o carregamento de torção sem
causar deformação plástica ou a fratura do instrumento, fica atrelado ao conhecimento das propriedades
mecânicas do instrumento endodôntico, à habilidade e à experiência do profissional.
A fratura por fadiga é imprevisível e acontece sem que haja qualquer aviso prévio. A vida em
fadiga não depende do torque aplicado ao instrumento endodôntico, mas do número de ciclos e da
intensidade das tensões trativas e compressivas aplicadas na área flexionada de um instrumento
endodôntico. O número de ciclos é obtido pela multiplicação da velocidade de rotação empregada no
ensaio pelo tempo para ocorrer a fratura do instrumento endodôntico. (SOARES, I. J., GOLDEBERG, F.,
2011) A fratura por fadiga é cumulativo e está relacionada com a intensidade das tensões trativas e
compressivas impostas na região de flexão rotativa do instrumento endodôntico. A intensidade das
tensões é um parâmetro específico para ocorrer a fratura por fadiga de um instrumento endodôntico. Esta
relacionada à geometria (forma e dimensões) dos canais e dos instrumentos endodônticos. (ETEVALDO
et al., 2005)
Os instrumentos fraturados no interior dos canais radiculares muitas vezes não permitem o acesso
à região apical do dente diminuindo com isso o bom prognóstico do tratamento. Por essa razão, cada caso
deve ser muito bem avaliado antes da sequencia do procedimento, avaliando o local em que se encontra
(terço médio ou apical), o tipo, o tamanho, a acessibilidade ao instrumento, a condição periapical e a
expectativa do paciente, analisandos e os riscos e benefícios. (RAMOS, 2009)
Segundo KEREKES E TRONSTAD (1979) a frequência de instrumentos endodônticos fraturados
no interior dos canais radiculares varia de 2 a 6% e o sucesso na remoção tem sido reportado variando de
55 a 79% dos casos, conforme estudo de NAGAI et al.,1986.
Sendo o caso uma biopulpectomia, o tecido pulpar que permanece na porção não atingida do
canal na quase totalidade dos casos, não se encontra infectado e sim apenas inflamado, entretanto o
prognóstico destes casos é favorável. Desta forma a melhor conduta é proservar o caso e não havendo
êxito pode-se optar pela complementação cirúrgica. Nos casos das necropulpectomias, temos uma
situação mais difícil a ser resolvida, pois a porção mais apical do canal radicular não atingida pelo
preparo biomecânico não será desinfectada e, conseqüentemente, o material séptico, colônias microbianas
e toxinas aí existentes funcionarão como uma constante fonte de irritação aos tecidos periapicais, levando
o caso quase sempre a um prognóstico desfavorável. Nestas situações são válidas as tentativas de
aplicação de curativos que possam ter ação à distância, entretanto estes casos quase sempre impõem a
necessidade de complementação cirúrgica. Na impossibilidade de uma complementação cirúrgica o caso
poderá estar fadado ao fracasso. LEAL, 1998 e ZUOLO & IMUARA 1998, em todas essa situações, o
cliente deve ser avisado do acidente e qual o curso que o tratamento vai seguir e o prognóstico provável
do dente.
OBJETIVO
Oobjetivo deste estudo foi relatar um caso clínico de fratura de instrumento endodôntico que ocorreu na
Clínica Odontologia III da escola IMED.
METODOLOGIA
Esse artigo foi baseado em um caso clínico e embasado em revisão bibliográfica, abordando o tema de
fratura de lima endodôntica.
CASO CLÍNICO
Paciente de 24 anos, do sexo feminino, apresentou-se no Setor de Triagem da Escola de
Odontologia da IMED para avaliação odontológica. No exame clínico foram feitos testes de vitalidade
com Endo Ice, teste de percussão com cabo do espelho e palpação apical e radiográfico (Figura 1) e
constatou-se a necessidade de tratamento endodôntico no primeiro molar esquerdo desta paciente (dente
36).
O diagnóstico obtido através dos exames clínicos e radiográfico foi de pulpite irreversível, pois a
dor era espontânea, intensa e difusa aliviando com o friu.
Na primeira sessão do tratamento endodôntico realizou-se a análise e medidas da radiografia
periapical. A paciente foi anestesiada, a cirurgia de acesso realizada, obtendo-se a forma de contorno e
removendo todo o teto da câmara pulpar, o dente foi isolado absolutamente com lençol de borracha,
grampo 26 e arco de Ostby.
Para localizar os canais a sonda reta foi utilizada e para o preparo da entrada dos canais as brocas
Gates Gliden 1,2 e 3. Tendo a visualização completa dos canais, que no caso eram três canais radiculares,
executou-se a odontometria, onde a medida para o comprimento real de trabalho (CRT) foi obtida
(Figuras 2 e 3). Foi então utilizado como medicação intracanal hidróxido de cálcio (Ca(OH)²). A paciente
relatou pequeno desconforto somente por algumas horas após o tratamento aliviando com Paracetamol
750mg e estando bem no dia seguinte.
Na segunda sessão do tratamento a paciente foi novamente anestesiada e isolada como descrito
anteriormente e deu-se início ao preparo químico-mecânico (PQM) dos canais radiculares com limas tipo
k de primeira série. Os canais radiculares foram irrigados com Hipoclorito de Sódio a 2,5% (NaOCl
2,5%) e EDTA 17%, intercalados. A lima anatômica inicial foi a #15 e a lima anatômica final a #40,
utilizando-se como lima de patência a #10 entre cada um dos instrumentos. Após finalizada a
instrumentação escalonada com recuo anatômico dos 3 canais radiculares, novo curativo foi feito com
algodão umedecido no tricresol formalina e selado com guta percha e cimento de ionômero de vidro
convencional. Nenhum medicamento foi prescrito a paciente.
Na terceira sessão a paciente retornou sem relatar dor pós operatória, edema ou outro sintoma,
somente que um pedaço da restauração havia caído. Foi removido o selamento temporário, isolado e
removido o algodão. Os canais foram inundados com NaOCl 2,5% para posterior prova dos cones. Já na
prova dos cones notou-se que o cone selecionado para o canal mésio-vestibular não entrou na medida
proposta. Mesmo assim, executou-se a radiografia da prova do cone e ao processá-la contatou-se a fratura
da lima neste canal radicular (Figura 4).
Observando a posição da lima e a dificuldade de retira-lá, algumas tentativas foram feitas para se
conseguir ultrapassá-la, com limas de menor diâmetro, porém, sem obter êxito, seguiu-se com a obturação
dos canais radiculares. Para isso, os canais foram secos com cones de papel absorvente, o cimento
utilizado foi o Endofill, e a técnica de obturação foi a técnica de condensação lateral com espaçadores
digitais. (Figura 5). A fratura da lima estava a nível apical, por isso optou-se por não remover o
fragmento.
O dente foi restaurado provisoriamente com cimento de ionômero de vidro e após dois meses foi
restaurado com resina composta A2E e A2D. A paciente não se queixou de nenhuma dor ou inchaço. Foi
feita radiografia de controle pós restauração.
IMAGENS
Figura 1: Radiografia Inicial
Figura 2: Imagem mostrando odontometria
Figura 3: Imagem mostrando odontometria
Figura 4: Radiografia mostrando imagem da prova do cone e instrumento fraturado
Figura 5: Radiografia mostrando a obturação dos canais radiculares
Figura 6: Radiografia mostrando tratamento final, endodôntico/ restaurador.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos considerar que durante o tratamento endodôntico, acidentes podem
ocorrer como a fratura de um instrumento, perfurações e desvios do canal radicular dificultando assim a
conclusão do tratamento. Em alguns casos de fratura o fragmento pode servir como obturação do canal
radicular, o prognóstico será favorável se o fragmento estiver a nível apical e menos favorável se estiver a
nível cervical ou médio do canal radicular. O prognóstico do caso depende da qualidade da obturação
final, que tem como objetivo conseguir o selamento tridimensional da região.
O Cirurgião-Dentista deve se resguardar de processos judiciais por meio de uma documentação
odontológica completa e adequadamente preenchida, ou até mesmo para dar explicações sobre a situação
para o paciente, pois ele deve ser informado da fratura da lima no interior no seu elemento dentário. A
prática da odontologia requer conhecimentos, habilidade e bom senso. É obrigação do Cirurgião-Dentista
aumentar sua habilidade, o mais próximo possível de sua capacidade de acordo com seu talento. Aprender
só a técnica não é suficiente. O Cirurgião-Dentista precisa aprender a cuidar do paciente como um todo.
Falhas devidas ao estabelecimento incorreto do diagnóstico e, conseqüentemente, da seleção imprópria do
caso a ser tratado devem ser exorcizados da prática endodôntica. Assim, o profissional Cirurgião-Dentista
deve realizar todo o trabalho baseado numa técnica coerente e de forma diligente, além de nunca se
esquecer que ele é um prestador se serviços e como tal, além de ter sua profissão regulada pelo estatuto
do Conselho Federal de Odontologia em seu Código de Ética Odontológica, em caso de um processo para
aferir a responsabilidade civil entrará em sena o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, em um processo a primeira peça de fundamental importância é o prontuário odontológico, peça
probatória do tratamento que deverá ser arquivada pelo prazo mínimo de 20 anos. O prontuário expressa
perfeitamente o dever de informar o paciente e isso não é apenas um dever moral, mas um dever jurídico
previsto no artigo do Código de Defesa do Consumidor.
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