Lócus de Controle Interno: Uma Característica de Empreendedores? Autoria: Marcelo de Castro Callado, Josemeire Alves Gomes, Luiz Eduardo dos Santos Tavares Resumo Em estudos multinacionais, o lócus de controle interno tem sido empiricamente associado à atividade empreendedora. No sentido de contribuir com evidências empíricas nacionais que permitam alavancar a pesquisa realizada no Brasil em comparação com determinadas experiências internacionais, o presente estudo tem por objetivo descrever os traços de personalidade, em particular o lócus de controle, de uma amostra de estudantes e empreendedores. Uma pesquisa descritiva quantitativa foi realizada tendo como base a Escala de Levenson. Os resultados mostram que a dimensão de internalidade é maior do que as dimensões de externalidade na amostra de empreendedores e estudantes, não tendo sido encontrada nenhuma diferença significativa entre os dois grupos. Finalmente, não se encontrou evidência de disparidades em relação a esta variável nas análises de gênero. Introdução Os fatores determinantes que estimulam a atividade empreendedora podem ser investigados em muitos níveis. Na esfera individual, por exemplo, é possível avaliar os motivos pelos quais as pessoas decidem se tornar donos dos seus próprios negócios. De outra maneira, pode-se examinar como o mercado e seus mecanismos de regulação ativam o empreendedorismo. Podem-se ainda considerar as diferenças entre países e analisar se há fatores culturais envolvidos no grau de atividade empreendedora. Em relação a este último aspecto, evidências mostram que alguns países e sociedades são mais efetivos em estimular a atividade empreendedora, o que resulta em maiores taxas de abertura de novos negócios (REYNOLDS; STOREY; WESTHEAD, 1994). A explicação para estas diferenças encontra base nos fatores culturais e econômicos. No Brasil, pesquisadores da área de empreendedorismo têm incluído em suas agendas de pesquisa um espaço para discussão sobre a influência cultural no comportamento empreendedor (e.g. LEMOS, 2005). Poucas evidências empíricas, no entanto, existem no sentido de comparar este comportamento ao de outros países, em estudos de natureza crosscultural. Estudos internacionais desta natureza são mais comuns em outros países. Thomas e Mueller (2000), por exemplo, ao avaliarem a orientação empreendedora em diversos países encontraram evidências de que a freqüência de traços de personalidade normalmente associados a empreendedores, como o lócus de controle interno, decresce à medida que a distância cultural dos Estados Unidos aumenta. No sentido de contribuir com evidências empíricas nacionais que permitam alavancar a pesquisa realizada no Brasil com o objetivo de comparação internacional, este trabalho busca a resposta para o seguinte questionamento: como se caracteriza o lócus de controle entre os empreendedores no Brasil? Em Smith, Dugan e Trompenaars (1997), os autores mostram que o lócus de controle interno encontra-se inversamente relacionado ao nível de desenvolvimento de um país. Tal qual foi chamado pelos autores, empreendedores de países menos modernos, como o México, exibem um lócus de controle interno maior do que aqueles situados em países mais modernos, como a Holanda e Suécia. Tal divergência instiga ainda mais o desenvolvimento de bancos de dados que descrevam características do empreendedor brasileiro para o propósito de futuras 1 comparações. Neste sentido, o objetivo do presente estudo é descrever os traços de personalidade, em particular o lócus de controle, de uma amostra de estudantes e empreendedores. O artigo está estruturado da seguinte maneira: em primeiro lugar contextualizam-se os traços de personalidade como uma das dimensões de modelos multidimensionais sobre comportamento empreendedor. Em seguida, desenvolve-se o esteio teórico que suportará as análises sobre a mensuração do lócus de controle, apresentando os principais modelos existentes. Metodologia e análises dos resultados são mostradas na seqüência para por fim traçar comparações entre os resultados deste estudo e outros de natureza similar. Revisão Conceitual Muito do esforço inicial em entender o empreendedorismo e a criação de novos negócios focava as características individuais dos empreendedores. Desde o trabalho seminal de McClelland (1961)1 que defendia a necessidade de auto-realização como característica da personalidade empreendedora, o campo tem examinado diferentes traços da personalidade como o auto-controle, a propensão ao risco e os valores pessoais numa variedade de diferentes estudos. Alguns pesquisadores renomados, como Morris (2001), destacam que a maioria das questões pesquisadas na área de empreendedorismo está vinculada à tentativa de construção (ou desconstrução) de traços e características de empreendedores (e.g. McCLELLAND, 1961; GARTNER, 1988; DORNELAS, 2001). Segundo Gartner (1988), esta linha orientada pelos traços de personalidade foi caracterizada como “inadequada para explicar o fenômeno do empreeendedorismo”. Atualmente, o empreendedorismo tem sido entendido como um processo complexo e multifacetado, que reconhece as variáveis sociais (mobilidade social, cultura, sociedade), econômicas (incentivos de mercado, políticas públicas, capital de risco) e psicológicas como influenciadoras no ato de empreender (DE VRIES, 1985). A variedade de perspectivas é melhor entendida através de uma abordagem integrativa que tem sido atualmente desenvolvida para explicar o comportamento empreendedor. Nesta linha, sugere-se que o empreendedorismo é uma atividade que só pode ser explicada através da combinação simultânea de elementos individuais associados a este fenômeno. Entre os autores que reconhecem esta multidimensionalidadade estão: Gartner (1985), Shaver e Scott (1991) e, mais recentemente, Korunka et al. (2003). Mesmo reconhecendo o avanço legítimo que amplia o entendimento do fenômeno empreendedorismo, este trabalho volta à dimensão inicial dos estudos, por entender que poucas pesquisas empíricas nacionais avaliaram a real existência de traços psicológicos freqüentemente associados a empreendedores. Carland et al. (1984) sintetizam algumas características que são freqüentemente citadas em estudos nacionais posteriores como sendo próprias do espírito empreendedor. Entre elas: lócus de controle interno, necessidade de realização, propensão ao risco, criatividade, visão, alta energia, postura estratégica e autoconfiança. Para entender cada uma destas variáveis é necessário primeiro compreender seu real sentido para depois avaliar sua existência entre uma população de interesse. De maneira específica, Rotter introduziu, na década de 60, o construto lócus de controle, baseado na teoria da aprendizagem social (PASQUALI; ALVES; PEREIRA, 1998). De acordo com Barros et al. (1993, apud RIBEIRO, 2000) segundo esta teoria, as variáveis de personalidade e as características do meio, consideradas individualmente, não explicam o 2 comportamento, pois é preciso considerar a interação do sujeito com o ambiente. Os comportamentos sociais são aprendidos e não determinados geneticamente e a personalidade é construída através de experiências vivenciadas pelo sujeito que, com o objetivo de controlar as situações, orienta seu comportamento por objetivos. A probabilidade da ocorrência de um determinado comportamento relaciona-se não só com a importância dos fins ou dos reforços, mas também com a antecipação ou expectativa acerca desses fins. Assim, a teoria da aprendizagem social descreve o comportamento como uma função das expectativas, do valor do reforço e do impacto das situações psicológicas, pondo em relevo a cognição e o comportamento, as expectativas e os reforços, as características individuais e as influências situacionais (BARROS, 1991 apud RIBEIRO, 2000). Rotter (1966, apud MILLER; KETS DE VRIES; TOULOUSE, 1982), ao estudar o lócus de controle, estabeleceu uma escala de mensuração interna e externa da percepção do indivíduo em relação ao controle do que acontece com ele e com a vida dele. Assim, o lócus de controle pode ser interno ou externo. Pessoas com lócus de controle interno tendem a atribuir a si mesmas a responsabilidade pelo que acontece a elas, se sentem responsáveis pelo controle da maior parte das situações que enfrentam e acreditam que podem interferir nos resultados destas situações. Pessoas com lócus de controle externo tendem a atribuir a responsabilidade sobre o que lhes acontece aos outros ou a coisas externas a elas, não se sentem com o controle das situações pelas quais passam. Geralmente são pessoas que acreditam que o destino, a sorte ou Deus é responsável pelo que lhes ocorre. Wenzel (1993) refere-se ao lócus de controle como sendo o modo como uma pessoa percebe a relação entre seus esforços e o resultado de um evento. Para Dela Coleta (1987), o lócus de controle é uma variável que busca explicar uma característica relativa à percepção das pessoas sobre a fonte de controle dos acontecimentos em que estão envolvidas, variando ao longo de um contínuo, tendo em um extremo a percepção de controle interno ou internalidade e no outro extremo o controle externo ou externalidade. A pessoa externamente orientada não percebe claramente esta relação e acredita que os resultados de um evento estão além de seu controle. Por outro lado, a pessoa internamente orientada acredita que os resultados de um evento são conseqüências de suas ações, habilidades, esforços e estão sob seu controle (KAUFMANN; WELSH; BUSHMARIN, 1995; NOE, 1986, NORIEGA et al., 2003). Nesta mesma linha, Spector e O’Connell (1994) definem que o lócus de controle é uma variável da personalidade que exprime as expectativas generalizadas do indivíduo de que o controle de sua vida é determinado por ele próprio ou que os resultados de suas ações pessoais sejam controlados por fontes externas. Segundo os autores, o lócus de controle vem sendo estudado em vários contextos, inclusive o organizacional. Ao estudar a relação entre o nível de controle e o desempenho de funcionários nas organizações, Spector (1986) identificou uma significativa relação entre o alto nível de controle quando associado a altos níveis de satisfação no trabalho, compromisso, envolvimento, desempenho e motivação. Spector e O’Connell (1994) argumentam que, numa perspectiva teórica, pode-se esperar que indivíduos com lócus de controle externo, os quais de fato não acreditam que podem controlar aspectos importantes de seus ambientes, são mais propensos a considerar o ambiente de trabalho ameaçador e estressante. O lócus de controle constitui uma das características de personalidade que permite explicar o comportamento organizacional estratégico e significa algo que todas as pessoas têm e que as diferenciam na forma como cada uma se relaciona com o mundo (MILLER; KETS DE VRIES; TOULOUSE, 1982). Pesquisas posteriores feitas em outros países estabeleceram uma 3 relação entre o lócus de controle interno e a propensão do indivíduo engajar-se em uma atividade empreendedora (GARTNER, 1985; PERRY, 1990; SHAVER; SCOTT, 1991; KAUFMANN; WELSH; BUSHMARIN, 1995). Em todos os trabalhos anteriormente citados, a mensuração do lócus de controle se faz através de algum tipo de escala. Segundo Dela Coleta (1987), a mais amplamente utilizada é a Escala de Lócus de Controle Interno-Externo (I-E) de Rotter, que por meio de processos de análise fatorial ficou reduzida a 23 itens válidos, nos quais se constitui a sua forma atual, tendo cada item duas opções de respostas, uma interna e outra externa. Segundo a autora, os resultados de pesquisas desenvolvidas posteriormente levaram pesquisadores a questionarem a validade do conceito unidimensional de lócus de controle suposto pela Escala de Rotter, sugerindo uma diversidade no significado psicológico da externalidade. Desta forma foi que Levenson (1974, apud Pasquali et al., 1998), baseado na escala I-E de Rotter, propôs uma nova escala na qual a dimensão da externalidade foi dividida em duas, “porque supunha que as pessoas, ao acreditarem no poder de outras sobre si mesmas, difeririam daquelas que percebiam o mundo como imprevisível e incontrolável” (DELA COLETA, 1987). De acordo com a autora, na subdivisão da escala de Levenson, a internalidade (I) mediria o grau em que o sujeito acredita que mantém controle sobre sua vida, a externalidade (P) mediria a percepção de que este controle estaria nas mãos de pessoas poderosas e a externalidade atribuída ao acaso (C) mediria a percepção de ser controlado pelo acaso, sorte ou destino. Com base na escala adaptada, estudos empíricos foram realizados no sentido de validá-la. No estudo desenvolvido com estudantes, os resultados encontrados por Walkey (1979) corroboraram as idéias de Levenson (1974, apud Pasquali et al, 1998), por demonstrarem consistentes níveis de estabilidade entre as três dimensões da escala IPC. A escala de Levenson (IPC) foi traduzida e adaptada ao contexto brasileiro por Dela Coleta (1987). Buscando uma forma mais adequada à compreensão, Dela Coleta (1987) introduziu algumas modificações no instrumento, que passou de seis níveis de resposta na escala original para apenas cinco níveis de resposta na escala adaptada. Em outro estudo baseado na escala de Levenson (1974), Pasquali, Alves e Pereira (1998) validaram a escala entre empregados de uma empresa de telecomunicações ao mesmo tempo em que constataram que o nível de internalidade dos entrevistados caia com o aumento da experiência profissional. Utilizando escala semelhante num grupo de empreendedores e estudantes russos, Kaufmann, Welsh e Bushmarin (1995) encontraram mais força na dimensão Interna (I) entre os estudantes do que entre empreendedores. Destes achados emerge a primeira hipótese deste trabalho. H1: Os empreendedores apresentam um lócus de controle interno menor do que os estudantes. Gartner (1985), ao descrever o fenômeno da criação de um novo negócio, integrou o lócus de controle como uma das características psicológicas inerentes ao indivíduo empreendedor. Segundo Nelson (1991), o lócus de controle interno é relacionado na literatura dos pequenos negócios como uma característica da personalidade do empreendedor. De maneira mais abrangente, Nelson (1991) examina a relação entre o lócus de controle e o sucesso do negócio de mulheres empreendedoras. Utilizando as dimensões lócus de controle interno e externo da escala de Rotter, o autor afirma que as mulheres empreendedoras pesquisadas em seu estudo apresentaram um elevado índice de internalidade, quando comparadas com mulheres da população em geral. A questão do gênero associada ao lócus de controle também foi 4 trabalhada por Smith, Dugan e Trompenaars (1997), que encontraram evidências de maiores índices de internalidade entre homens do que entre mulheres. Em Mueller (2004) o autor avança nesta temática sugerindo que a associação entre o gênero e o lócus de controle está em essência ligada à cultura do país, que poder ser mais masculina ou mais feminina. Destas reflexões surgem outras hipóteses de trabalho: H2: As mulheres empreendedoras apresentam um lócus de controle interno menor do que os homens empreendedores. No estudo desenvolvido sobre empreendedorismo, Perry (1990) concluiu que o lócus de controle interno e a motivação dos empreendedores, quando comparado ao restante da população, é mais elevado. Por ser uma característica atribuída aos empreendedores, Filion (1999) acrescenta que estes se sentem responsáveis pelo que lhes acontece e que, por isso, “trabalham duro” para conseguir melhorar a sua vida e a das pessoas a sua volta. Eles se sentem capazes de gerar mudanças, eles acreditam em si mesmos. Assim, surge a terceira hipótese de trabalho: H3: Empreendedores apresentam na avaliação do lócus de controle uma dimensão de internalidade maior do que as dimensões de externalidades. Finalmente, a relação entre lócus de controle interno e o empreendedorismo foi estudada por Kaufmann, Welsh e Bushmarin (1995), que focaram suas pesquisas em empreendedores da República Rússia. Os anos de economia fechada vividos por estes empreendedores, segundo os autores, possivelmente criaram condições culturais que induziram a percepção do controle mais voltado aos outros do que a eles próprios. O instrumento utilizado também foi a escala multidimensional de lócus de controle de Levenson e os resultados demonstraram que, quando comparados a outros países, os empreendedores russos têm baixos índices de internalidade. Na comparação com outros países espera-se encontrar no Brasil níveis de internalidade semelhante ao de países com o mesmo grau de desenvolvimento econômico, o que remete a quarta e última hipótese de trabalho. H4: Empreendedores no Brasil apresentam características internas de lócus de controle semelhantes àquelas encontradas entre empreendedores de países com o mesmo grau de desenvolvimento. A seção seguinte mostra os passos metodológicos da pesquisa. Metodologia A presente pesquisa é descritiva quantitativa. Foram utilizadas duas populações diferentes: alunos do curso de Administração e empreendedores com negócios já estabelecidos formalmente em diversos setores da economia. A amostra de alunos universitários foi constituída de 201 indivíduos, distribuídos por gênero em 53,2% indivíduos do sexo masculino e 46,8% do sexo feminino, com a idade média de 23,2 anos e desvio padrão de 5,66 anos. Do total de alunos pesquisados, 64,7 % estavam na primeira metade do curso de administração (10 semestres) e o restante na segunda metade do curso. A amostra de empreendedores é composta de 32 indivíduos distribuídos por gênero em 59,4 % de indivíduos do sexo masculino e 40,6% do sexo feminino. 5 A Escala Multidimensional de Lócus de Controle de Levenson, adaptada para a população brasileira por Dela Coleta (1987) foi o instrumento utilizado neste estudo para a avaliação do lócus de controle. A escala de Dela Coleta (1987) possui o total de 24 itens distribuídos em 03 sub-escalas. A sub-escala I, composta pelos itens 1, 4, 5, 9, 18, 19, 21 e 23, mede o grau de internalidade e quanto mais alto o escore, mais os sujeitos supõem que eles próprios são os controladores dos fatos que ocorrem em suas vidas. A sub-escala P, composta pelos itens 3, 8, 11, 13, 15, 17, 20, 22, mede o grau de externalidade associado a outros poderosos e quanto mais alto o escore, maior a indicação de que o sujeito supõe que pessoas poderosas têm controle sobre suas vida. A sub-escala C, composta pelos itens 2, 6, 7, 10, 12, 14, 16, 24, mede o grau de externalidade ligado ao acaso e quanto mais alto o escore, maior a indicação de que o sujeito explica os acontecimentos de sua vida como ligados ao acaso, ao azar, ao destino e à vontade de Deus. Cada item foi dividido em cinco níveis (concordo totalmente, concordo, indeciso, discordo, discordo totalmente) que correspondem a valores de 5, 4, 3, 2, 1, respectivamente, podendo cada individuo em cada sub-escala obter um escore variando entre 8 e 40. Desta forma cada indivíduo obtém três escores, um em cada sub-escala. Para a coleta de dados foram distribuídos questionários individuais onde os pesquisadores não influenciaram na interpretação das afirmações nem com relação às respostas fornecidas. A administração dos questionários na amostra de estudantes foi feita em duas universidades: uma pública e outra privada, de maneira eqüitativa. Em relação à amostra de empreendedores, os pesquisadores aplicaram parte dos questionários em reuniões de empresários na Federação das Indústrias do Estado e os demais entre comerciantes e empresários de estabelecimentos de serviços. A coleta de dados aconteceu no mês de março de 2006. Para testar as hipóteses 1, 2 e 3 deste estudo utilizou-se análise da variância entre as médias dos fatores e entre os grupos estudados, através de tabelas ANOVA, geradas a partir de um software para o tratamento estatístico de dados. Faz-se também o teste de F e suas significâncias, que representam o nível de significância das variáveis independentes em relação às variáveis dependentes, para verificar a aceitação ou a rejeição das hipóteses. Complementar a esta análise foi utilizado o λ (Lambda de Wilks), que é um teste estatístico cujos valores variam entre 0 e 1. Caso valor do λ de Wilks esteja próximo de 1, significa dizer que as médias dos grupos (centróides) não parecem ser diferentes umas das outras, enquanto valores próximos de zero indicam que as médias dos grupos parecem ser diferentes (MALHOTRA, 2001, p. 484). Para testar a hipótese 4, foi feita uma comparação baseada nos dados dos empreendedores de Brasil e Rússia, discriminados por gênero. A metodologia utilizada levou em consideração as diferenças entre as escalas aplicadas na Rússia e Brasil. No estudo realizado na Rússia foi utilizada a escala multidimensional de lócus de controle de Levenson, enquanto no estudo realizado no Brasil foi utilizada a escala de Dela Coleta (1987), que é uma adaptação ao contexto brasileiro da escala de Levenson. . 4 Discussão dos Resultados Com relação às médias e desvios-padrão atingidos pelos empreendedores em cada uma das sub-escalas IPC, encontramos os resultados indicados na TAB.1. Quanto à hipótese 1, que os empreendedores apresentam um lócus de controle interno menor dos que os alunos universitários, os resultados, advindos da análise de variância (TAB.2), sugerem que não existe diferença significativa com relação a sub-escala I. Porém observa-se uma diferença quanto à percepção da sub-escala C, relativa a externalidade, onde os alunos pontuam mais 6 que os empreendedores, demonstrando que os fatores externos para os alunos adquirem um nível de importância maior do que para os empreendedores. Submetido ao teste do λ de Wilks (TAB 3.) estas diferenças não são significantes. Tabela 1 - Média e desvio-padrão da pontuação de alunos e empreendedores das subescalas IPC I ω x Alunos Universitários Empreendedores Homens+mulheres N = 201 Homens N = 107 Mulheres N = 94 Homens+mulheres N = 32 Homens N = 19 Mulheres N = 13 P σ ω x C σ ω x σ 29,19 3,48 18,65 4,18 18,84 4,17 29,36 3,72 18,43 4,08 18,62 4,49 28,99 3,19 18,90 4,30 19,09 3,77 29,25 3,35 18,38 3,76 17,53 6,10 28,32 3,23 18,53 4,10 18,95 6,60 30,62 3,15 18,15 3,34 15,46 4,79 Tabela 2 – Análise de variância entre empreendedores e alunos para os fatores IPC soma dos quadrados I P C TABELA ANOVA GL média dos quadrados F Sig. 2,511084241 18 0,13950468 1,093518 1,764960899 22 0,080225495 0,612989 7,262790391 24 0,302616266 2,708586 0,360 0,913 0,000 Tabela 3 - λ de Wilks para Empreendedores e alunos para os fatores IPC I P C λ de Wilks 0,999610876 0,999377487 0,989493854 Em relação à hipótese 2, que as mulheres empreendedoras apresentam um lócus de controle interno menor do que os homens empreendedores, observando a tabela ANOVA (TAB. 4), não parecem existir diferenças significantes entre o lócus de controle entre homens e mulheres, achado corroborado pelo λ de Wilks (TAB. 5), optando assim pela rejeição da hipótese. Tabela 4 – Análise de variância entre empreendedores dos gêneros masculino e feminino para os fatores IPC soma dos quadrados I P C TABELA ANOVA GL média dos quadrados F Sig. 3,185416667 11 0,289583333 1,277574 2,41875 11 0,219886364 0,82976 3,46875 14 0,247767857 0,991071 0,305 0,614 0,500 Tabela 5 - λ de Wilks para empreendedores dos gêneros masculinos e femininos e os fatores IPC I λ de Wilks 0,882707432 7 P C 0,997552342 0,918723438 A hipótese 3, que empreendedores apresentam na avaliação do lócus de controle uma dimensão de internalidade maior do que as dimensões de externalidades, é confirmada com significância pelos dados empíricos como mostrados na TAB. 1. Destaca-se que, quanto à externalidade, a sub-escala P, relativa ao controle que pessoas poderosas exercem sobre sua vida sobressai-se sobre a sub-escala C, relativa à maior indicação quanto à influência que o acaso, o azar e o destino podem exercer sobre os acontecimentos da vida dos indivíduos. Comparando os resultados utilizando o argumento de que o nível de desenvolvimento das economias emergentes tem relação com os resultados de lócus de controle encontrados, usa-se a categoria de economias emergentes como definida pelo Fundo Monetário Internacional (IMF, 2006). Os resultados deste trabalho são interpostos com pesquisa semelhante realizada na Rússia. Desta forma, conclui-se que a hipótese 4 é confirmada, conforme demonstrado na TAB. 6. Embora as escalas sejam diferentes, todas as variáveis (IPC) utilizadas na Rússia ficam na metade superior da escala, mostrando uma percepção de influência semelhante de todas as variáveis. Entretanto na escala utilizada no Brasil apenas o fator I se encontra na metade superior da escala. Os outros fatores (P e C) ficam na metade inferior da escala, indicando a percepção de uma influência menor destes fatores para o empreendedor. Tabela 6 – Desempenho comparativo sub-escalas IPC entre economias emergentes: Brasil e Rússia I Empreendedores Brasil Empreendedores Rússia Empreendedores Brasil Homens N = 19 Homens N = 105 Mulheres N = 13 Empreendedores Rússia Mulheres N = 67 P C ω x σ ω x σ ω x σ 28,32 3,23 18,53 4,10 18,95 6,60 30,10 7,84 28,45 9,11 24,97 8,18 30,62 3,15 18,15 3,34 15,46 4,79 28,79 8,35 23,33 9,74 24,70 6,37 Fonte: cálculos dos autores assim como adaptado de KAUFMANN; WELSH; BUSHMARIN (1995) Considerações Finais Este estudo traz evidências empíricas pioneiras sobre o lócus de controle de um grupo de empreendedores e universitários. Os resultados suportam os relatos da literatura de que os empreendedores possuem lócus de controle interno acentuado. Ao comparar a amostra de empreendedores com a amostra de estudantes, não se encontrou diferenças significativas, o que reforça os rumos da pesquisa na área de empreendedorismo sobre a necessidade de entender o comportamento empreendedor dentro de uma visão multidimensional, que vai além dos traços psicológicos. Confrontando os resultados desta pesquisa com os resultados de outros estudos semelhantes, levanta-se a necessidade urgente de acentuar as discussões sobre as influências culturais no comportamento empreendedor. Mais do que um traço psicológico o lócus de controle parece 8 ser uma variável afetada pelo contexto situacional de um país. Se tal pressuposto for comprovado, poderia se propor que pesquisas futuras incluíssem nos seus modelos de comportamento empreendedor fatores como antecedentes sociais, pessoais e históricos. As diferenças estudadas com relação ao gênero dentro da amostra de empreendedores reforçam a influência dos fatores culturais do país. Num país onde o público feminino é o sexto mais empreendedor do mundo, é de se esperar que uma característica associada a empreendedores, como o lócus de controle interno, seja mais forte entre as empreendedoras brasileiras do que entre empreendedoras femininas de outros locais do mundo. Finalmente, estudos longitudinais são sugeridos de tal forma a acompanhar a evolução do lócus de controle a mudanças contextuais. É de se esperar que ao longo prazo se descubra como os fatores sociais, econômicos, políticos e históricos interferem na maneira como as pessoas, e de maneira específica os empreendedores, compreendem o quanto os acontecimentos a sua volta dependem exclusivamente da sua força de vontade ou estão à mercê da sorte ou da decisão de poderosos. Referências bibliográficas BARROS, A. M. (1991). Expectativas de controlo interno-externo: revisão da literatura e análise dos instrumentos. Psicologia, v. 8, n. 1, p. 79-92, 1991 apud RIBEIRO, Célia. 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