Lócus de Controle Interno: Uma Característica de Empreendedores?
Autoria: Marcelo de Castro Callado, Josemeire Alves Gomes, Luiz Eduardo dos Santos
Tavares
Resumo
Em estudos multinacionais, o lócus de controle interno tem sido empiricamente associado à
atividade empreendedora. No sentido de contribuir com evidências empíricas nacionais que
permitam alavancar a pesquisa realizada no Brasil em comparação com determinadas
experiências internacionais, o presente estudo tem por objetivo descrever os traços de
personalidade, em particular o lócus de controle, de uma amostra de estudantes e
empreendedores. Uma pesquisa descritiva quantitativa foi realizada tendo como base a Escala
de Levenson. Os resultados mostram que a dimensão de internalidade é maior do que as
dimensões de externalidade na amostra de empreendedores e estudantes, não tendo sido
encontrada nenhuma diferença significativa entre os dois grupos. Finalmente, não se
encontrou evidência de disparidades em relação a esta variável nas análises de gênero.
Introdução
Os fatores determinantes que estimulam a atividade empreendedora podem ser investigados
em muitos níveis. Na esfera individual, por exemplo, é possível avaliar os motivos pelos quais
as pessoas decidem se tornar donos dos seus próprios negócios. De outra maneira, pode-se
examinar como o mercado e seus mecanismos de regulação ativam o empreendedorismo.
Podem-se ainda considerar as diferenças entre países e analisar se há fatores culturais
envolvidos no grau de atividade empreendedora. Em relação a este último aspecto, evidências
mostram que alguns países e sociedades são mais efetivos em estimular a atividade
empreendedora, o que resulta em maiores taxas de abertura de novos negócios (REYNOLDS;
STOREY; WESTHEAD, 1994). A explicação para estas diferenças encontra base nos fatores
culturais e econômicos.
No Brasil, pesquisadores da área de empreendedorismo têm incluído em suas agendas de
pesquisa um espaço para discussão sobre a influência cultural no comportamento
empreendedor (e.g. LEMOS, 2005). Poucas evidências empíricas, no entanto, existem no
sentido de comparar este comportamento ao de outros países, em estudos de natureza crosscultural. Estudos internacionais desta natureza são mais comuns em outros países. Thomas e
Mueller (2000), por exemplo, ao avaliarem a orientação empreendedora em diversos países
encontraram evidências de que a freqüência de traços de personalidade normalmente
associados a empreendedores, como o lócus de controle interno, decresce à medida que a
distância cultural dos Estados Unidos aumenta. No sentido de contribuir com evidências
empíricas nacionais que permitam alavancar a pesquisa realizada no Brasil com o objetivo de
comparação internacional, este trabalho busca a resposta para o seguinte questionamento:
como se caracteriza o lócus de controle entre os empreendedores no Brasil?
Em Smith, Dugan e Trompenaars (1997), os autores mostram que o lócus de controle interno
encontra-se inversamente relacionado ao nível de desenvolvimento de um país. Tal qual foi
chamado pelos autores, empreendedores de países menos modernos, como o México, exibem
um lócus de controle interno maior do que aqueles situados em países mais modernos, como a
Holanda e Suécia. Tal divergência instiga ainda mais o desenvolvimento de bancos de dados
que descrevam características do empreendedor brasileiro para o propósito de futuras
1
comparações. Neste sentido, o objetivo do presente estudo é descrever os traços de
personalidade, em particular o lócus de controle, de uma amostra de estudantes e
empreendedores.
O artigo está estruturado da seguinte maneira: em primeiro lugar contextualizam-se os traços
de personalidade como uma das dimensões de modelos multidimensionais sobre
comportamento empreendedor. Em seguida, desenvolve-se o esteio teórico que suportará as
análises sobre a mensuração do lócus de controle, apresentando os principais modelos
existentes. Metodologia e análises dos resultados são mostradas na seqüência para por fim
traçar comparações entre os resultados deste estudo e outros de natureza similar.
Revisão Conceitual
Muito do esforço inicial em entender o empreendedorismo e a criação de novos negócios
focava as características individuais dos empreendedores. Desde o trabalho seminal de
McClelland (1961)1 que defendia a necessidade de auto-realização como característica da
personalidade empreendedora, o campo tem examinado diferentes traços da personalidade
como o auto-controle, a propensão ao risco e os valores pessoais numa variedade de diferentes
estudos. Alguns pesquisadores renomados, como Morris (2001), destacam que a maioria das
questões pesquisadas na área de empreendedorismo está vinculada à tentativa de construção
(ou desconstrução) de traços e características de empreendedores (e.g. McCLELLAND, 1961;
GARTNER, 1988; DORNELAS, 2001). Segundo Gartner (1988), esta linha orientada pelos
traços de personalidade foi caracterizada como “inadequada para explicar o fenômeno do
empreeendedorismo”.
Atualmente, o empreendedorismo tem sido entendido como um processo complexo e
multifacetado, que reconhece as variáveis sociais (mobilidade social, cultura, sociedade),
econômicas (incentivos de mercado, políticas públicas, capital de risco) e psicológicas como
influenciadoras no ato de empreender (DE VRIES, 1985). A variedade de perspectivas é
melhor entendida através de uma abordagem integrativa que tem sido atualmente
desenvolvida para explicar o comportamento empreendedor. Nesta linha, sugere-se que o
empreendedorismo é uma atividade que só pode ser explicada através da combinação
simultânea de elementos individuais associados a este fenômeno. Entre os autores que
reconhecem esta multidimensionalidadade estão: Gartner (1985), Shaver e Scott (1991) e,
mais recentemente, Korunka et al. (2003).
Mesmo reconhecendo o avanço legítimo que amplia o entendimento do fenômeno
empreendedorismo, este trabalho volta à dimensão inicial dos estudos, por entender que
poucas pesquisas empíricas nacionais avaliaram a real existência de traços psicológicos
freqüentemente associados a empreendedores. Carland et al. (1984) sintetizam algumas
características que são freqüentemente citadas em estudos nacionais posteriores como sendo
próprias do espírito empreendedor. Entre elas: lócus de controle interno, necessidade de
realização, propensão ao risco, criatividade, visão, alta energia, postura estratégica e
autoconfiança. Para entender cada uma destas variáveis é necessário primeiro compreender
seu real sentido para depois avaliar sua existência entre uma população de interesse.
De maneira específica, Rotter introduziu, na década de 60, o construto lócus de controle,
baseado na teoria da aprendizagem social (PASQUALI; ALVES; PEREIRA, 1998). De
acordo com Barros et al. (1993, apud RIBEIRO, 2000) segundo esta teoria, as variáveis de
personalidade e as características do meio, consideradas individualmente, não explicam o
2
comportamento, pois é preciso considerar a interação do sujeito com o ambiente. Os
comportamentos sociais são aprendidos e não determinados geneticamente e a personalidade é
construída através de experiências vivenciadas pelo sujeito que, com o objetivo de controlar
as situações, orienta seu comportamento por objetivos. A probabilidade da ocorrência de um
determinado comportamento relaciona-se não só com a importância dos fins ou dos reforços,
mas também com a antecipação ou expectativa acerca desses fins. Assim, a teoria da
aprendizagem social descreve o comportamento como uma função das expectativas, do valor
do reforço e do impacto das situações psicológicas, pondo em relevo a cognição e o
comportamento, as expectativas e os reforços, as características individuais e as influências
situacionais (BARROS, 1991 apud RIBEIRO, 2000).
Rotter (1966, apud MILLER; KETS DE VRIES; TOULOUSE, 1982), ao estudar o lócus de
controle, estabeleceu uma escala de mensuração interna e externa da percepção do indivíduo
em relação ao controle do que acontece com ele e com a vida dele. Assim, o lócus de controle
pode ser interno ou externo. Pessoas com lócus de controle interno tendem a atribuir a si
mesmas a responsabilidade pelo que acontece a elas, se sentem responsáveis pelo controle da
maior parte das situações que enfrentam e acreditam que podem interferir nos resultados
destas situações. Pessoas com lócus de controle externo tendem a atribuir a responsabilidade
sobre o que lhes acontece aos outros ou a coisas externas a elas, não se sentem com o controle
das situações pelas quais passam. Geralmente são pessoas que acreditam que o destino, a sorte
ou Deus é responsável pelo que lhes ocorre.
Wenzel (1993) refere-se ao lócus de controle como sendo o modo como uma pessoa percebe a
relação entre seus esforços e o resultado de um evento. Para Dela Coleta (1987), o lócus de
controle é uma variável que busca explicar uma característica relativa à percepção das pessoas
sobre a fonte de controle dos acontecimentos em que estão envolvidas, variando ao longo de
um contínuo, tendo em um extremo a percepção de controle interno ou internalidade e no
outro extremo o controle externo ou externalidade. A pessoa externamente orientada não
percebe claramente esta relação e acredita que os resultados de um evento estão além de seu
controle. Por outro lado, a pessoa internamente orientada acredita que os resultados de um
evento são conseqüências de suas ações, habilidades, esforços e estão sob seu controle
(KAUFMANN; WELSH; BUSHMARIN, 1995; NOE, 1986, NORIEGA et al., 2003).
Nesta mesma linha, Spector e O’Connell (1994) definem que o lócus de controle é uma
variável da personalidade que exprime as expectativas generalizadas do indivíduo de que o
controle de sua vida é determinado por ele próprio ou que os resultados de suas ações pessoais
sejam controlados por fontes externas. Segundo os autores, o lócus de controle vem sendo
estudado em vários contextos, inclusive o organizacional. Ao estudar a relação entre o nível
de controle e o desempenho de funcionários nas organizações, Spector (1986) identificou uma
significativa relação entre o alto nível de controle quando associado a altos níveis de
satisfação no trabalho, compromisso, envolvimento, desempenho e motivação. Spector e
O’Connell (1994) argumentam que, numa perspectiva teórica, pode-se esperar que indivíduos
com lócus de controle externo, os quais de fato não acreditam que podem controlar aspectos
importantes de seus ambientes, são mais propensos a considerar o ambiente de trabalho
ameaçador e estressante.
O lócus de controle constitui uma das características de personalidade que permite explicar o
comportamento organizacional estratégico e significa algo que todas as pessoas têm e que as
diferenciam na forma como cada uma se relaciona com o mundo (MILLER; KETS DE
VRIES; TOULOUSE, 1982). Pesquisas posteriores feitas em outros países estabeleceram uma
3
relação entre o lócus de controle interno e a propensão do indivíduo engajar-se em uma
atividade empreendedora (GARTNER, 1985; PERRY, 1990; SHAVER; SCOTT, 1991;
KAUFMANN; WELSH; BUSHMARIN, 1995).
Em todos os trabalhos anteriormente citados, a mensuração do lócus de controle se faz através
de algum tipo de escala. Segundo Dela Coleta (1987), a mais amplamente utilizada é a Escala
de Lócus de Controle Interno-Externo (I-E) de Rotter, que por meio de processos de análise
fatorial ficou reduzida a 23 itens válidos, nos quais se constitui a sua forma atual, tendo cada
item duas opções de respostas, uma interna e outra externa. Segundo a autora, os resultados de
pesquisas desenvolvidas posteriormente levaram pesquisadores a questionarem a validade do
conceito unidimensional de lócus de controle suposto pela Escala de Rotter, sugerindo uma
diversidade no significado psicológico da externalidade.
Desta forma foi que Levenson (1974, apud Pasquali et al., 1998), baseado na escala I-E de
Rotter, propôs uma nova escala na qual a dimensão da externalidade foi dividida em duas,
“porque supunha que as pessoas, ao acreditarem no poder de outras sobre si mesmas,
difeririam daquelas que percebiam o mundo como imprevisível e incontrolável” (DELA
COLETA, 1987). De acordo com a autora, na subdivisão da escala de Levenson, a
internalidade (I) mediria o grau em que o sujeito acredita que mantém controle sobre sua vida,
a externalidade (P) mediria a percepção de que este controle estaria nas mãos de pessoas
poderosas e a externalidade atribuída ao acaso (C) mediria a percepção de ser controlado pelo
acaso, sorte ou destino. Com base na escala adaptada, estudos empíricos foram realizados no
sentido de validá-la. No estudo desenvolvido com estudantes, os resultados encontrados por
Walkey (1979) corroboraram as idéias de Levenson (1974, apud Pasquali et al, 1998), por
demonstrarem consistentes níveis de estabilidade entre as três dimensões da escala IPC.
A escala de Levenson (IPC) foi traduzida e adaptada ao contexto brasileiro por Dela Coleta
(1987). Buscando uma forma mais adequada à compreensão, Dela Coleta (1987) introduziu
algumas modificações no instrumento, que passou de seis níveis de resposta na escala original
para apenas cinco níveis de resposta na escala adaptada.
Em outro estudo baseado na escala de Levenson (1974), Pasquali, Alves e Pereira (1998)
validaram a escala entre empregados de uma empresa de telecomunicações ao mesmo tempo
em que constataram que o nível de internalidade dos entrevistados caia com o aumento da
experiência profissional. Utilizando escala semelhante num grupo de empreendedores e
estudantes russos, Kaufmann, Welsh e Bushmarin (1995) encontraram mais força na
dimensão Interna (I) entre os estudantes do que entre empreendedores. Destes achados emerge
a primeira hipótese deste trabalho.
H1: Os empreendedores apresentam um lócus de controle interno menor do que
os estudantes.
Gartner (1985), ao descrever o fenômeno da criação de um novo negócio, integrou o lócus de
controle como uma das características psicológicas inerentes ao indivíduo empreendedor.
Segundo Nelson (1991), o lócus de controle interno é relacionado na literatura dos pequenos
negócios como uma característica da personalidade do empreendedor. De maneira mais
abrangente, Nelson (1991) examina a relação entre o lócus de controle e o sucesso do negócio
de mulheres empreendedoras. Utilizando as dimensões lócus de controle interno e externo da
escala de Rotter, o autor afirma que as mulheres empreendedoras pesquisadas em seu estudo
apresentaram um elevado índice de internalidade, quando comparadas com mulheres da
população em geral. A questão do gênero associada ao lócus de controle também foi
4
trabalhada por Smith, Dugan e Trompenaars (1997), que encontraram evidências de maiores
índices de internalidade entre homens do que entre mulheres. Em Mueller (2004) o autor
avança nesta temática sugerindo que a associação entre o gênero e o lócus de controle está em
essência ligada à cultura do país, que poder ser mais masculina ou mais feminina. Destas
reflexões surgem outras hipóteses de trabalho:
H2: As mulheres empreendedoras apresentam um lócus de controle interno
menor do que os homens empreendedores.
No estudo desenvolvido sobre empreendedorismo, Perry (1990) concluiu que o lócus de
controle interno e a motivação dos empreendedores, quando comparado ao restante da
população, é mais elevado. Por ser uma característica atribuída aos empreendedores, Filion
(1999) acrescenta que estes se sentem responsáveis pelo que lhes acontece e que, por isso,
“trabalham duro” para conseguir melhorar a sua vida e a das pessoas a sua volta. Eles se
sentem capazes de gerar mudanças, eles acreditam em si mesmos. Assim, surge a terceira
hipótese de trabalho:
H3: Empreendedores apresentam na avaliação do lócus de controle uma
dimensão de internalidade maior do que as dimensões de externalidades.
Finalmente, a relação entre lócus de controle interno e o empreendedorismo foi estudada por
Kaufmann, Welsh e Bushmarin (1995), que focaram suas pesquisas em empreendedores da
República Rússia. Os anos de economia fechada vividos por estes empreendedores, segundo
os autores, possivelmente criaram condições culturais que induziram a percepção do controle
mais voltado aos outros do que a eles próprios. O instrumento utilizado também foi a escala
multidimensional de lócus de controle de Levenson e os resultados demonstraram que,
quando comparados a outros países, os empreendedores russos têm baixos índices de
internalidade. Na comparação com outros países espera-se encontrar no Brasil níveis de
internalidade semelhante ao de países com o mesmo grau de desenvolvimento econômico, o
que remete a quarta e última hipótese de trabalho.
H4: Empreendedores no Brasil apresentam características internas de lócus de
controle semelhantes àquelas encontradas entre empreendedores de países com o mesmo
grau de desenvolvimento.
A seção seguinte mostra os passos metodológicos da pesquisa.
Metodologia
A presente pesquisa é descritiva quantitativa. Foram utilizadas duas populações diferentes:
alunos do curso de Administração e empreendedores com negócios já estabelecidos
formalmente em diversos setores da economia. A amostra de alunos universitários foi
constituída de 201 indivíduos, distribuídos por gênero em 53,2% indivíduos do sexo
masculino e 46,8% do sexo feminino, com a idade média de 23,2 anos e desvio padrão de
5,66 anos. Do total de alunos pesquisados, 64,7 % estavam na primeira metade do curso de
administração (10 semestres) e o restante na segunda metade do curso. A amostra de
empreendedores é composta de 32 indivíduos distribuídos por gênero em 59,4 % de
indivíduos do sexo masculino e 40,6% do sexo feminino.
5
A Escala Multidimensional de Lócus de Controle de Levenson, adaptada para a população
brasileira por Dela Coleta (1987) foi o instrumento utilizado neste estudo para a avaliação do
lócus de controle. A escala de Dela Coleta (1987) possui o total de 24 itens distribuídos em 03
sub-escalas. A sub-escala I, composta pelos itens 1, 4, 5, 9, 18, 19, 21 e 23, mede o grau de
internalidade e quanto mais alto o escore, mais os sujeitos supõem que eles próprios são os
controladores dos fatos que ocorrem em suas vidas. A sub-escala P, composta pelos itens 3, 8,
11, 13, 15, 17, 20, 22, mede o grau de externalidade associado a outros poderosos e quanto
mais alto o escore, maior a indicação de que o sujeito supõe que pessoas poderosas têm
controle sobre suas vida. A sub-escala C, composta pelos itens 2, 6, 7, 10, 12, 14, 16, 24,
mede o grau de externalidade ligado ao acaso e quanto mais alto o escore, maior a indicação
de que o sujeito explica os acontecimentos de sua vida como ligados ao acaso, ao azar, ao
destino e à vontade de Deus. Cada item foi dividido em cinco níveis (concordo totalmente,
concordo, indeciso, discordo, discordo totalmente) que correspondem a valores de 5, 4, 3, 2,
1, respectivamente, podendo cada individuo em cada sub-escala obter um escore variando
entre 8 e 40. Desta forma cada indivíduo obtém três escores, um em cada sub-escala.
Para a coleta de dados foram distribuídos questionários individuais onde os pesquisadores não
influenciaram na interpretação das afirmações nem com relação às respostas fornecidas. A
administração dos questionários na amostra de estudantes foi feita em duas universidades:
uma pública e outra privada, de maneira eqüitativa. Em relação à amostra de empreendedores,
os pesquisadores aplicaram parte dos questionários em reuniões de empresários na Federação
das Indústrias do Estado e os demais entre comerciantes e empresários de estabelecimentos de
serviços. A coleta de dados aconteceu no mês de março de 2006.
Para testar as hipóteses 1, 2 e 3 deste estudo utilizou-se análise da variância entre as médias
dos fatores e entre os grupos estudados, através de tabelas ANOVA, geradas a partir de um
software para o tratamento estatístico de dados. Faz-se também o teste de F e suas
significâncias, que representam o nível de significância das variáveis independentes em
relação às variáveis dependentes, para verificar a aceitação ou a rejeição das hipóteses.
Complementar a esta análise foi utilizado o λ (Lambda de Wilks), que é um teste estatístico
cujos valores variam entre 0 e 1. Caso valor do λ de Wilks esteja próximo de 1, significa
dizer que as médias dos grupos (centróides) não parecem ser diferentes umas das outras,
enquanto valores próximos de zero indicam que as médias dos grupos parecem ser diferentes
(MALHOTRA, 2001, p. 484).
Para testar a hipótese 4, foi feita uma comparação baseada nos dados dos empreendedores de
Brasil e Rússia, discriminados por gênero. A metodologia utilizada levou em consideração as
diferenças entre as escalas aplicadas na Rússia e Brasil. No estudo realizado na Rússia foi
utilizada a escala multidimensional de lócus de controle de Levenson, enquanto no estudo
realizado no Brasil foi utilizada a escala de Dela Coleta (1987), que é uma adaptação ao
contexto brasileiro da escala de Levenson.
.
4 Discussão dos Resultados
Com relação às médias e desvios-padrão atingidos pelos empreendedores em cada uma das
sub-escalas IPC, encontramos os resultados indicados na TAB.1. Quanto à hipótese 1, que os
empreendedores apresentam um lócus de controle interno menor dos que os alunos
universitários, os resultados, advindos da análise de variância (TAB.2), sugerem que não
existe diferença significativa com relação a sub-escala I. Porém observa-se uma diferença
quanto à percepção da sub-escala C, relativa a externalidade, onde os alunos pontuam mais
6
que os empreendedores, demonstrando que os fatores externos para os alunos adquirem um
nível de importância maior do que para os empreendedores. Submetido ao teste do λ de Wilks
(TAB 3.) estas diferenças não são significantes.
Tabela 1 - Média e desvio-padrão da pontuação de alunos e empreendedores das subescalas IPC
I
ω
x
Alunos Universitários
Empreendedores
Homens+mulheres
N = 201
Homens
N = 107
Mulheres
N = 94
Homens+mulheres
N = 32
Homens
N = 19
Mulheres
N = 13
P
σ
ω
x
C
σ
ω
x
σ
29,19
3,48
18,65
4,18
18,84
4,17
29,36
3,72
18,43
4,08
18,62
4,49
28,99
3,19
18,90
4,30
19,09
3,77
29,25
3,35
18,38
3,76
17,53
6,10
28,32
3,23
18,53
4,10
18,95
6,60
30,62
3,15
18,15
3,34
15,46
4,79
Tabela 2 – Análise de variância entre empreendedores e alunos para os fatores IPC
soma dos quadrados
I
P
C
TABELA ANOVA
GL média dos quadrados F
Sig.
2,511084241
18
0,13950468 1,093518
1,764960899
22
0,080225495 0,612989
7,262790391
24
0,302616266 2,708586
0,360
0,913
0,000
Tabela 3 - λ de Wilks para Empreendedores e alunos para os fatores IPC
I
P
C
λ de Wilks
0,999610876
0,999377487
0,989493854
Em relação à hipótese 2, que as mulheres empreendedoras apresentam um lócus de controle
interno menor do que os homens empreendedores, observando a tabela ANOVA (TAB. 4),
não parecem existir diferenças significantes entre o lócus de controle entre homens e
mulheres, achado corroborado pelo λ de Wilks (TAB. 5), optando assim pela rejeição da
hipótese.
Tabela 4 – Análise de variância entre empreendedores dos gêneros masculino e feminino
para os fatores IPC
soma dos quadrados
I
P
C
TABELA ANOVA
GL média dos quadrados F
Sig.
3,185416667
11
0,289583333 1,277574
2,41875
11
0,219886364
0,82976
3,46875
14
0,247767857 0,991071
0,305
0,614
0,500
Tabela 5 - λ de Wilks para empreendedores dos gêneros masculinos e femininos e os
fatores IPC
I
λ de Wilks
0,882707432
7
P
C
0,997552342
0,918723438
A hipótese 3, que empreendedores apresentam na avaliação do lócus de controle uma
dimensão de internalidade maior do que as dimensões de externalidades, é confirmada com
significância pelos dados empíricos como mostrados na TAB. 1. Destaca-se que, quanto à
externalidade, a sub-escala P, relativa ao controle que pessoas poderosas exercem sobre sua
vida sobressai-se sobre a sub-escala C, relativa à maior indicação quanto à influência que o
acaso, o azar e o destino podem exercer sobre os acontecimentos da vida dos indivíduos.
Comparando os resultados utilizando o argumento de que o nível de desenvolvimento das
economias emergentes tem relação com os resultados de lócus de controle encontrados, usa-se
a categoria de economias emergentes como definida pelo Fundo Monetário Internacional
(IMF, 2006). Os resultados deste trabalho são interpostos com pesquisa semelhante realizada
na Rússia. Desta forma, conclui-se que a hipótese 4 é confirmada, conforme demonstrado na
TAB. 6. Embora as escalas sejam diferentes, todas as variáveis (IPC) utilizadas na Rússia
ficam na metade superior da escala, mostrando uma percepção de influência semelhante de
todas as variáveis. Entretanto na escala utilizada no Brasil apenas o fator I se encontra na
metade superior da escala. Os outros fatores (P e C) ficam na metade inferior da escala,
indicando a percepção de uma influência menor destes fatores para o empreendedor.
Tabela 6 – Desempenho comparativo sub-escalas IPC entre economias emergentes:
Brasil e Rússia
I
Empreendedores
Brasil
Empreendedores
Rússia
Empreendedores
Brasil
Homens
N = 19
Homens
N = 105
Mulheres
N = 13
Empreendedores
Rússia
Mulheres
N = 67
P
C
ω
x
σ
ω
x
σ
ω
x
σ
28,32
3,23
18,53
4,10
18,95
6,60
30,10
7,84
28,45
9,11
24,97
8,18
30,62
3,15
18,15
3,34
15,46
4,79
28,79
8,35
23,33
9,74
24,70
6,37
Fonte: cálculos dos autores assim como adaptado de KAUFMANN; WELSH; BUSHMARIN
(1995)
Considerações Finais
Este estudo traz evidências empíricas pioneiras sobre o lócus de controle de um grupo de
empreendedores e universitários. Os resultados suportam os relatos da literatura de que os
empreendedores possuem lócus de controle interno acentuado. Ao comparar a amostra de
empreendedores com a amostra de estudantes, não se encontrou diferenças significativas, o
que reforça os rumos da pesquisa na área de empreendedorismo sobre a necessidade de
entender o comportamento empreendedor dentro de uma visão multidimensional, que vai
além dos traços psicológicos.
Confrontando os resultados desta pesquisa com os resultados de outros estudos semelhantes,
levanta-se a necessidade urgente de acentuar as discussões sobre as influências culturais no
comportamento empreendedor. Mais do que um traço psicológico o lócus de controle parece
8
ser uma variável afetada pelo contexto situacional de um país. Se tal pressuposto for
comprovado, poderia se propor que pesquisas futuras incluíssem nos seus modelos de
comportamento empreendedor fatores como antecedentes sociais, pessoais e históricos.
As diferenças estudadas com relação ao gênero dentro da amostra de empreendedores
reforçam a influência dos fatores culturais do país. Num país onde o público feminino é o
sexto mais empreendedor do mundo, é de se esperar que uma característica associada a
empreendedores, como o lócus de controle interno, seja mais forte entre as empreendedoras
brasileiras do que entre empreendedoras femininas de outros locais do mundo.
Finalmente, estudos longitudinais são sugeridos de tal forma a acompanhar a evolução do
lócus de controle a mudanças contextuais. É de se esperar que ao longo prazo se descubra
como os fatores sociais, econômicos, políticos e históricos interferem na maneira como as
pessoas, e de maneira específica os empreendedores, compreendem o quanto os
acontecimentos a sua volta dependem exclusivamente da sua força de vontade ou estão à
mercê da sorte ou da decisão de poderosos.
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Notas Finais
1
Brockhaus (1982) alerta que não há, no trabalho de McClelland, uma conecção direta entre a
necessidade de auto-realização e a decisão de iniciar um novo negócio.
11
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1 Lócus de Controle Interno: Uma Característica de