Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Enfermagem Lilian Silva de França A luta das enfermeiras por um espaço na FAB: a turma pioneira de oficiais (1981-1984) Rio de Janeiro 2010 Lilian Silva de França A luta das enfermeiras por um espaço na FAB: a turma pioneira de oficiais (1981-1984) Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Jane Márcia Progianti Rio de Janeiro 2010 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CBB F814 França, Lilian Silva de. A luta das enfermeiras por um espaço na FAB: a turma pioneira de oficiais (1981-1984) / Lilian Silva de França. - 2010. 123 f. Orientadora: Jane Márcia Progianti. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Enfermagem. 1. Enfermagem militar - Brasil – História – 1981-1984. 2. Enfermeiras – Brasil. 3. Força Aérea Brasileira. I. Progianti, Jane Márcia. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título. CDU 614.253.5 Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação. _________________________ Assinatura _____________________ Data Lilian Silva de França A luta das enfermeiras por um espaço na FAB: a turma pioneira de oficiais (1981-1984) Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade. Aprovada em 23 de fevereiro de 2010. Banca Examinadora: _________________________________________ Profª. Drª. Jane Márcia Progianti (Orientadora) Faculdade de Enfermagem da UERJ _________________________________________ Profª. Drª. Tânia Cristina Franco Santos Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ _________________________________________ Profª. Drª. Suely de Souza Baptista Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ Rio de Janeiro 2010 DEDICATÓRIA Dedico essa dissertação aos meus queridos pais, Jorge de França e Nelma Silva de França, que juntos são simplesmente a luz da minha vida, meus melhores amigos, companheiros... simplesmente um belo presente de Deus. Também dedico essa dissertação a todos os enfermeiros e enfermeiras do Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica (QCOA), meus queridos amigos de profissão, como forma de reconhecimento pela relevância do trabalho desempenhado por vocês nas unidades da FAB pelo Brasil, executando brilhantemente a assistência de enfermagem nas diversas missões em terra, mar ou ar. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me permitir essa experiência de vida e por sempre me levar por caminhos retos e prósperos; Aos meus queridos pais, de quem herdei toda força e coragem para desbravar as trilhas dos caminhos a mim destinados; À minha irmã por sempre me incentivar e me motivar nessa jornada; Ao meu marido Leandro por toda compreensão nos diversos dias e noites que dediquei exclusivamente a esse projeto; Às minhas amigas do Mestrado, Ingryd, Vanessa e Ana Paula Munhen, que muito me auxiliaram nessa jornada; Aos meus chefes Ten Cel Med Dargains e Ten Cel Enf Elizabeth, da Base Aérea de Santa Cruz, por todo apoio dispensado; Ao Núcleo de Pesquisa em História da Enfermagem Brasileira (NuphebrasEEAN/UFRJ), pelo auxílio no aprimoramento desse trabalho; À minha querida professora Suely de Souza Baptista por toda orientação e inspiração; À minha querida orientadora, professora Jane Márcia Progianti, que me recebeu de braços abertos e que me auxiliou a conduzir brilhantemente essa dissertação; Às minhas amigas de Pirassununga/SP, onde esse sonho foi construído, e que muito me auxiliaram nos momentos difícieis: Cap Dent Marcelle, Ten Enf Angela, Ten Enf Isis, Ten Enf Érika e 3S SEF Janice; Aos sujeitos do meu estudo, por toda generosidade com que contribuíram para essa pesquisa; Agradeço ainda especialmente a algumas pessoas que foram fundamentais no decorrer dessa dissertação: Ten Cel Enf Lídia (Diretoria de Saúde da Aeronáutica - DIRSA), Maj Mus QFO FAB Sahara Burity (Museu Aeroespacial - MUSAL),Ten QCOA Arq Rosana (Centro de Documentação e Histórico da Aeronáutica CENDOC) e Ten QCOA Bib Márcia (Museu Aeroespacial - CENDOC). Obrigada a todos! RESUMO FRANÇA, Lilian Silva de. A luta das enfermeiras por um espaço na FAB: a turma pioneira de oficiais (1981-1984). 2010. 123 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Este estudo, de cunho histórico-social, tem como objeto a inserção de enfermeiras como oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) por meio do pioneiro Quadro Feminino de Oficiais (QFO). O marco inicial do estudo refere-se ao início do Estágio de Adaptação militar, em 02 de agosto de 1982 no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR), localizado na cidade do Rio de Janeiro. O marco final do estudo diz respeito ao término do período inicial obrigatório de dois anos de cumprimento de serviço ativo dessas enfermeiras, que culminou com a promoção das mesmas ao posto de 1°Tenente (1984). Os objetivos do estudo são: descrever as circunstâncias de inserção das enfermeiras no processo seletivo do QFO, analisar o processo de incorporação do habitus militar durante o Estágio de Adaptação, e discutir as estratégias de luta das enfermeiras militares para ocuparem seus lugares devidos nos hospitais da FAB. A técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista e ocorreu no período de abril a maio de 2009 em hospitais da FAB da cidade do Rio de Janeiro. Foram entrevistadas cinco enfermeiras militares da primeira turma do QFO. O estudo foi cadastrado no SISNEP e aprovado pelo Comitê de Ética da FAB. Todos os sujeitos assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido e o Termo de doação de depoimento oral. O método utilizado foi o da História oral temática o referencial teórico do estudo foi baseado no pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu, cujos conceitos de poder simbólico, habitus, campo, espaço social e violência simbólica sustentaram a construção desta dissertação. Para a análise e interpretação dos dados, seguimos os passos propostos por Maria Cecília Minayo de ordenação de dados, que compreendeu a transcrição na íntegra dos depoimentos; classificação cronológica e temática dos documentos escritos; classificação dos dados e a análise final. Evidenciou-se que diversos motivos incentivaram as enfermeiras a almejarem sua inserção na FAB como a boa remuneração, estabilidade financeira, progressão profissional, desbravamento de um novo campo de trabalho, clientela diferenciada, aposentadoria com salário integral e pioneirismo na FAB. O objetivo do Estágio de Adaptação militar foi inculcar do habitus militar nas candidatas a partir de ensinamentos baseados na hierarquia, disciplina, ética, dever e compromisso militar. Ao se inserirem nos hospitais da FAB, as enfermeiras receberam diversos cargos e funções, galgando um poder simbólico sobre a equipe de enfermagem. As inevitáveis lutas simbólicas dessas enfermeiras ocorreram com os médicos militares, com a equipe de enfermagem, com as enfermeiras civis e com a própria administração do hospital, e revelaram aspectos característicos de violência simbólica desencadeada por lutas de gênero e pela manutenção do poder, visto que as enfermeiras, dotadas de status de chefe e de militar, se inseriram num campo eminentemente masculino. Palavras-Chave: Enfermagem. História da enfermagem. Enfermagem militar. Militares. ABSTRACT This study, historical-social, has as its object the inclusion of nurses as officers of the Brazilian Air Force (FAB) by the pioneer Table Female Officers (QFO). The first milestone in the study refers to the start of Stage Adaptation military on August 02th, 1982 in Center for Specialized Instruction Air Force (CIEAR), located in Rio de Janeiro. The final conquest of the study relates to the expiration of the initial mandatory two years of active service with these nurses, which led to the promotion of same to the rank of 1st Lt. (1984). The study aims to describe the circumstances of the nurses integration in the selection process of the QFO, analyze the process of incorporation of military habitus during Stage Adaptation, and discuss strategies to fight of the military to occupy their proper places in the FAB hospitals. The technique of data collection used was the interview and took place between April and May 2009 in hospital of FAB in the city of Rio de Janeiro. Five nurses from military first group of QFO were interviewed. The study was registered in SISNEP and approved by the Ethics Committee of FAB. All subjects signed the informed consent and donation term oral testimony. The method used was thematic oral history of the theoretical study was based on the thought of French sociologist Pierre Bourdieu, whose concept of symbolic power, habitus, field, social space and symbolic violence claimed the construction of this dissertation. For the analysis and interpretation of data, we follow the steps proposed by Maria Cecilia Minayo sort of data, which comprised the full transcript of testimony, chronological and thematic classification of the written documents, data classification and the final analysis. It was found that various reasons have encouraged nurses to aim their insertion in the FAB as good pay, financial stability, professional development, clearing a new field, distinguished clientele, retirement with full pay and pioneer in FAB. The goal of the adaptation was to inculcate the military habitus in military candidates from teachings based on hierarchy, discipline, ethics, duty and military commitment . When they entered in FAB hospitals, the nurses received a variety of positions and functions, climbing a symbolic power of the nursing staff. The inevitable symbolic struggles of nurses occurred with military doctors, with the nursing staff, with nurses and civilians, with proper administration of the hospital, and showed the characteristic features of symbolic violence triggered by gender struggles and maintaining power, as nurses, with their status as military chief and, inserted in a predominantly male field. Keywords: Nursing. History of nursing. Military nursing. Military personnel. LISTA DE FIGURAS Figura 1- Postos e graduações da Força Aérea Brasileira..................................... 15 Figura 2- Chamada para o “I Encontro do Corpo Feminino da Aeronáutica” em 2007......................................................................................................... 18 Figura 3- O Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito (segundo da direita para a esquerda), inaugurando o monumento alusivo aos 25 anos da mulher na FAB, no CIAAR (24/08/2007)............ 19 Figura 4- Monumento alusivo aos 25 anos da mulher na FAB exposto no CIAAR...................................................................................................... 19 Figura 5- Selo comemorativo aos 25 anos de inserção da mulher na FAB.......................................................................................................... 20 Figura 6- Marca da “Força Aérea Brasileira” modelo 2B........................................ Figura 7- Visita do Ministro da Aeronáutica ao alojamento das alunas do Quadro Feminino de Oficiais no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR)/RJ.......................................................................... 31 Figura 8- Capa da Revista Aerovisão de maio de 1982......................................... Figura 9- Chegada das alunas ao CIEAR............................................................... 56 Figura 10- Chegada das alunas ao alojamento do CIEAR....................................... Figura 11- Alunas do QFO com uniforme de Educação Física e com roupão de banho....................................................................................................... 60 Figura 12- Instrutoras da Marinha do Brasil acompanhadas pelo Ministro da Aeronáutica Délio Jardim de Mattos........................................................ 64 Figura 13- Instrutora da Marinha do Brasil no comando de uma esquadrilha durante o Estágio de Adaptação ao QFO................................................ 64 Figura 14- Grupamento de Alunas do QFO no desfile cívico-militar de 07 de setembro de 1982 no Rio de Janeiro....................................................... 69 Figura 15- Distintivo do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA)......... 70 Figura 16- 2° Tenente Enfermeira Neyde da Costa Carpinteira logo após a formatura................................................................................................. 75 Figura 17- Cópia do diploma de conclusão do Estágio de Adaptação ao QFO........ 75 23 47 56 Figura 18- Adesivo comemorativo à formatura da 1ª turma do QFO nomeada “Demoiselle” pelas formandas................................................................ 76 Figura 19- Capa do convite de formatura da 1ª turma do QFO................................ Figura 20- Cópia da Carta-Patente do posto de 2º Tenente do QFO....................... 77 Figura 21- Uniforme hospitalar n°1 e n°2 para o QFO.............................................. 85 Figura 22- Enfermeira do QFO trajando o uniforme hospitalar n°2.......................... 76 85 LISTA DE SIGLAS CFRA – Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica CIAAR– Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica CIEAR – Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica EAN– Escola Anna Nery EB – Exército Brasileiro FAB – Força Aérea Brasileira FEB – Força Expedicionária Brasileira ICA – Instrução do Comando da Aeronáutica MAER – Ministério da Aeronáutica MB – Marinha do Brasil ONU – Organização das Nações Unidas PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher QCOA – Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica QFG – Quadro Feminino de Graduadas da Reserva da Aeronáutica QFO – Quadro Feminino de Oficiais da Reserva da Aeronáutica SIGPES – Sistema de Informações Gerenciais de Pessoal da Aeronáutica SISNEP – Sistema Nacional de Informação sobre Ética e Pesquisa envolvendo Seres Humanos UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................... 12 1 A FORÇA AÉREA BRASILEIRA............................................................... 22 2 O CONTEXTO DO ESTUDO...................................................................... 26 2.1 O Contexto Histórico-Social..................................................................... 26 2.2 O Surgimento do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica........... 30 3 BASE TEÓRICA E METODOLÓGICA DO ESTUDO................................. 34 3.1 Base Teórica.............................................................................................. 34 3.2 Trajetória Metodológica............................................................................ 37 3.2.1 Tipo de Pesquisa e Abordagem.................................................................. 37 3.2.2 Método........................................................................................................ 38 3.2.3 Delimitação Temporal................................................................................. 39 3.2.4 Aspectos Éticos........................................................................................... 40 3.2.5 Fontes ........................................................................................................ 40 3.3.6 Método de Análise de Dados...................................................................... 45 4 ENFERMEIRAS EM BUSCA DE NOVOS DESAFIOS: O PROCESSO SELETIVO................................................................................................... 5 O ESTÁGIO DE ADAPTAÇÃO: A INCULCAÇÃO DO HABITUS MILITAR...................................................................................................... 6 55 A INSERÇÃO DAS ENFERMEIRAS MILITARES NOS HOSPITAIS DA FAB: AS LUTAS SIMBÓLICAS................................................................. 7 46 79 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 102 REFERÊNCIAS........................................................................................... 108 APÊNDICE A – Carta de solicitação de autorização a Diretoria de Saúde da Aeronáutica............................................................................................ 116 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista......................................................... 117 APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido.................... 120 APÊNDICE D – Termo de doação de depoimento oral.............................. 121 ANEXO A – Carta de autorização da Diretoria de Saúde da Aeronáutica. 122 ANEXO B – Carta de aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa............. 123 12 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este estudo, de cunho histórico-social, tem como objeto o processo de inserção de enfermeiras como oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) pelo Quadro Feminino de Oficiais (QFO). O marco inicial refere-se ao ano em que foi criado, no então Ministério da Aeronáutica (MAER), o Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA), através da Lei nº 6.924, de 29 de junho de 1981, que foi regulamentada pelo Decreto nº 86.325, de 1º de setembro de 1981. O final deste estudo diz respeito ao término do período inicial obrigatório de dois anos de cumprimento de serviço ativo dessas enfermeiras, que culminou com a promoção das enfermeiras ao posto1 de Primeiro-Tenente, em 1984. É relevante iniciar o contexto deste estudo com um pouco sobre a história da enfermagem militar no Brasil que se cruza com a história da inserção das mulheres nas Forças Armadas brasileiras. Os primórdios da inserção das mulheres na enfermagem militar brasileira remonta a 1942, ano da inserção do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A enfermagem, profissão eminentemente feminina, representa a categoria profissional pioneira que inseriu profissionalmente mulheres nas Forças Armadas. (BERNARDES; LOPES, 2007, p.452) No tocante a essa inserção pioneira, cabe relembrar que o Serviço de Saúde da Força Expedicionária Brasileira (FEB) 2 foi criado no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial com a função de mobilizar profissionais de saúde para a guerra. O recrutamento de enfermeiras pelo Exército Brasileiro (EB) se deu por voluntariado, sendo selecionadas 67 moças que realizaram o Curso de Emergência de Enfermeiras da Reserva do Exército, que foram as primeiras mulheres e enfermeiras a ingressarem no serviço ativo das Forças Armadas no país, passando a pertencer ao Quadro de Enfermeiras da Reserva do Exército. Na ocasião, a Marinha do Brasil (MB) não convocou mulheres para os seus Quadros que atuaram na Segunda Guerra Mundial. (MEDEIROS, 2001, p.34-39) 1 Posto é o grau hierárquico do oficial, conferido por ato do Presidente da República ou do Ministro de Força Singular e confirmado em Carta-Patente. (BRASIL, 1980) Os Postos da FAB são: 1◦Tenente, 2◦ Tenente, Capitão, Major, Tenente-Coronel, Coronel, Brigadeiro, Major-Brigadeiro, Tenente-Brigadeiro e Marechal-do-Ar. (BRASIL, 2008c) 2 A FEB era formada pelas três Forças Armadas: Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira. (MEDEIROS, 2001, p.34-39) 13 O processo de seleção das enfermeiras da FAB para também integrarem o Serviço de Saúde da FEB, diferentemente do EB, foi atribuído à Escola Anna Nery (EAN). À época, a EAN era considerada a escola oficial padrão para efeito de criação e equiparação de outras escolas de enfermagem. (BAPTISTA; BARREIRA, 2000, p.22) De acordo com Medeiros (1987, p.135-223), foram recrutadas seis enfermeiras voluntárias diplomadas pela EAN para servirem exclusivamente à FAB, a saber: Antonieta de Holanda Martins, Isaura Barbosa Lima, Judith Areas, Maria Diva Campos, Ocimara Ribeiro, e Regina Cerdeira Bordalo. As enfermeiras da FAB foram enviadas para os Estados Unidos e lá receberam treinamento nos hospitais americanos e acompanharam a tropa da Aeronáutica, servindo inicialmente no 154 th Station Hospital em Civitavecchia e logo após no 12th General Hospital em TirrenaLivorno, onde permaneceram até o final da guerra. Como cita Oliveira (2007, p.137), ao regressarem da Segunda Guerra Mundial, em 1945, apesar de suas atuações nos hospitais de campanha terem sido dignas de diversos elogios, as enfermeiras da FEB foram simplesmente desmobilizadas. Vale ressaltar que a luta dessas mulheres para continuarem ocupando as posições de poder e de prestígio por elas conquistadas durante a Segunda Guerra Mundial se arrastou por alguns anos. Esta situação só veio a ser resolvida mediante a convocação das enfermeiras do EB e da FAB ao serviço ativo, no mesmo posto que ocupavam durante a guerra, que era o de 2º Tenente, pelas Leis n° 3.160 de 01 de junho de 1957 e n° 3.632 de 10 de setembro de 1959. (BRASIL, 1957 e BRASIL, 1959) Era de se esperar que com a inserção de mulheres na Segunda Guerra Mundial, estariam abertas as portas para as mulheres trilharem a carreira militar, entretanto, não foi o que aconteceu. As Forças Armadas do Brasil só recomeçaram a incorporá-las às suas tropas muitos anos depois. A seleção para mulheres militares só reaparece em 1980 pela pioneira Marinha do Brasil, só que dessa vez a inserção se daria por meio de concurso público federal exclusivo para mulheres diplomadas e não mais por voluntariado. Em 1980 foi criado o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha do Brasil, cujo objetivo era compor as equipes técnicas e administrativas, desenvolvendo atividades relativas às suas áreas profissionais, como por exemplo: 14 medicina, enfermagem, odontologia, serviço social e farmácia. (ORICHIO, 2006, p.55) No ano seguinte, em 1981, a FAB realizou seu concurso público federal para a composição do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA) que abrangia o Quadro Feminino de Oficiais (QFO) e o Quadro Feminino de Graduados (QFG). O QFO contemplava a presença de profissionais de enfermagem, psicologia, fonoaudiologia, nutrição, serviço social, biblioteconomia e análise de sistemas, enquanto que o QFG era composto pelas especialidades técnico de enfermagem e área de informática. As principais características do QFO era a exclusividade de acesso às mulheres e a possibilidade de seguir carreira na FAB até o posto de Tenente-Coronel. A ilustração a seguir (Figura 1), mostra os símbolos representativos que fazem parte dos uniformes da Força Aérea Brasileira. O objetivo da ilustração é auxiliar na compreensão do escalonamento dos postos da FAB, grifando a promoção das oficiais do QFO ao longo da carreira militar: 15 OFICIAIS-GENERAIS MARECHAL-DO-AR (Apenas em tempos de guerra) TENENTE-BRIGADEIRO-DO-AR (Máximo posto em tempos de paz - Apenas para a especialidade Aviação) MAJOR-BRIGADEIRO BRIGADEIRO OFICIAIS SUPERIORES TENENTE-CORONEL (Último posto alcançável para as militares do QFO) CORONEL MAJOR OFICIAIS INTERMEDIÁRIOS CAPITÃO OFICIAIS SUBALTERNOS PRIMEIRO TENENTE SEGUNDO TENENTE (Após a formatura do QFO) ASPIRANTE-A-OFICIAL (Alunas do QFO) GRADUADOS SUBOFICIAL PRIMEIRO SARGENTO CABO TAIFEIRO-MOR SOLDADO SEGUNDA CLASSE TAIFEIRO SEGUNDA CLASSE SEGUNDO SARGENTO SOLDADO PRIMEIRA CLASSE TERCEIRO SARGENTO TAIFEIRO PRIMEIRA CLASSE Figura 1 - Postos e graduações da Força Aérea Brasileira Fonte: BRASIL. Comando da Aeronáutica. Centro de Comunicação Social da Aeronáutica. Postos e Graduações da FAB. Brasília, DF, 2008c. Disponível em: <http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?page=postos_graduacoes>. Acesso em: 13 de maio de 2008. 16 Foi o Decreto n° 86.325, de 01 de setembro de 1981, que regulamentou a Lei n° 6.924, de 29 de junho de 1981 que criou no Ministério da Aeronáutica o Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica e também regulamentou as condições de recrutamento, seleção inicial, matrícula, convocação, condições para a permanência definitiva no serviço ativo e ainda estabeleceu normas para a organização e o funcionamento dos Estágios de Adaptação. (BRASIL, 1981a; BRASIL, 1981b) A motivação para a realização deste estudo, que trata sobre uma parte da história da Força Aérea Brasileira que se cruza com uma parte importante da história da enfermagem brasileira, é conseqüência da minha inserção como enfermeira militar na FAB em 2005. Em 2004, como aluna do último ano do curso de graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery, pleiteei um estágio extracurricular no Hospital de Força Aérea do Galeão (HFAG), localizado na cidade do Rio de Janeiro. Após ser aprovada no processo seletivo iniciei o estágio prático neste hospital, e me identifiquei com o papel desempenhado pelas então, Majores-Enfermeiras do QFO, cujas funções e atribuições estavam sempre relacionadas com chefia, liderança e administração hospitalar. Em 2005, aprovada no concurso público federal de caráter temporário para enfermeira da FAB, por meio do Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica (QCOA), fui designada a servir num hospital de pequeno porte no interior da Organização Militar Academia da Força Aérea, localizada na cidade de Pirassununga/SP, e assim, já na condição de Tenente-Enfermeira, pude manter contato com as demais enfermeiras pioneiras integrantes do Quadro Feminino de Oficiais pelo Brasil. Servindo atualmente na Base Aérea de Santa Cruz, na cidade do Rio de Janeiro, continuo mantendo freqüentes contatos com essas enfermeiras, visto que hoje elas galgam o posto de Tenente-Coronel Enfermeira e ocupam, em sua maioria, os mais altos cargos de chefia de enfermagem dos grandes hospitais da Força Aérea espalhados pelo Brasil. Cabe ressaltar que Quadro Feminino de Oficiais (QFO) foi criado em 1981 e extinto em 1991, quando foi substituído pelo Quadro que integro, o Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica (QCOA). As principais características do QCOA são o caráter temporário de sua contratação não superior a nove anos de efetivo serviço, a promoção máxima ao posto de Primeiro-Tenente, a possibilidade 17 de candidatura para profissionais de ambos os sexos e a abertura de vagas para profissionais com nível superior em diversas especialidades como enfermagem, serviço social, nutrição, biblioteconomia, fonoaudiologia, fisioterapia, pedagogia, analise de sistemas, engenharia, direito e outras. Meu interesse pela história da enfermagem brasileira desenvolveu-se durante o curso de graduação em enfermagem na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando fui bolsista de Iniciação Científica com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre os anos de 2002 e 2004, pelo no Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras), do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Como bolsista, desenvolvi dois sub-projetos de Iniciação Científica 3, recebi premiações 4 e publiquei um artigo na Revista Brasileira de Enfermagem 5. Unir os temas “enfermagem”, “Força Aérea Brasileira” e “história da enfermagem” foi bem fácil, pois ao realizar uma breve pesquisa acerca da temática, percebi a existência de poucas fontes sobre a história da primeira turma do QFO e quase nada sobre a trajetória das enfermeiras dessa turma. Assim, deparei-me com uma face da história da enfermagem brasileira pouco explorada e decidi sobre o objeto da minha dissertação de mestrado. Indo ao encontro dos meus objetivos, durante todo o ano 2007, a FAB, por meio do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, organizou uma série de homenagens alusivas aos 25 anos de inserção da mulher na suas fileiras, tomando como marco inicial a inserção da primeira turma no curso de formação ao QFO, em agosto de 1982, ou seja, estava sendo desconsiderado o pioneirismo de inserção das seis enfermeiras que participaram da Segunda Guerra Mundial. Essas homenagens foram amplamente divulgadas pelos meios de comunicação nacionais e basearam-se em reportagens, criação de vídeo institucional, realização de solenidades, desfile militar, “Portões Abertos” para a população, palestras, exposições, formaturas, criação de um monumento (Figura 4), 3 “A enfermeira-chefe como figura-tipo nos campos de estágio hospitalares da Escola Anna Nery em meados do século XX” e “Perfis de enfermeiras-chefes no sanatório de Tuberculose e de Psiquiatria em meados do século XX”. Orientadora Profª Drª Ieda de Alencar Barreira 4 Prêmio “A Lâmpada” 2004 / 2° lugar - Categoria Aluno de Graduação- Escola de Enfermagem Anna Nery e Prêmio “Nuphebras 11 anos fazendo História” 2004 / 3° lugar- Categoria discente- Escola de Enfermagem Anna Nery. 5 “FRANÇA,L.S.;BARREIRA,I.A. A enfermeira-chefe como figura-tipo em meados do século XX”. Rev Bras Enferm, Brasília, DF, v.57.n.4, p.508-11, jul/ago. 2004. 18 lançamento de um selo (Figura 5) e de um carimbo em parceria com o Ministério das Comunicações e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. (D´AGOSTINO; FURRER; BARBOSA, 2007, p.05) A abertura das homenagens ocorreu entre os dias 24 e 26 de agosto de 2007, com o I Encontro do Corpo Feminino da Aeronáutica que foi realizado no Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica (CIAAR), que é uma Organização Militar de Ensino localizada em Belo Horizonte/MG. (NONATO; MEIRELES, 2007, p.04-05) A Figura 3 mostra que a abertura do evento contou com a presença do Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito, que inaugurou o monumento alusivo aos 25 anos da mulher na FAB, exposto no CIAAR. Figura 2 - Chamada para o “I Encontro do Corpo Feminino da Aeronáutica”, em 2007 Fonte: FERREIRA, L. C.; BARROS, K. S. Fim de semana histórico no CIAAR. Noticiário da Aeronáutica. Brasília, DF, Ano XXX, n.13, p.06-07, ago. 2007a. 19 Figura 3 - O Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito (segundo da direita para a esquerda), inaugurando o monumento alusivo aos 25 anos da mulher na FAB, no CIAAR (24/08/2007) Fonte: FERREIRA, L.C.; BARROS, K.S. 25 anos da mulher militar na FAB será comemorado em BH. Noticiário da Aeronáutica, Brasília, DF, Ano XXX, n. 11, p.07, jul. 2007b. Figura 4 - Monumento alusivo aos 25 anos da mulher na FAB exposto CIAAR Fonte: VICTOR, E. A Força Aérea Brasileira e seus vôos pioneiros e modernos. Aerovisão, Brasília,DF, Ano XXXIII, n. 220, p.40-42, jul./ set. 2007a. 20 Figura 5 - Selo comemorativo aos 25 anos de inserção da mulher na FAB Fonte: ENCONTRO DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA, n.1, 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CIAAR, 2007. Para o desenvolvimento do estudo, os seguintes objetivos foram traçados: • Descrever as circunstâncias de inserção das enfermeiras no processo seletivo do Quadro Feminino de Oficiais da Aeronáutica; • Analisar o processo de incorporação do habitus militar durante a realização de atividades desenvolvidas no Estágio de Adaptação; e • Discutir as estratégias de luta das enfermeiras militares para ocuparem seus lugares devidos nos hospitais da Força Aérea Brasileira. Além de promover a produção da pesquisa em enfermagem, este estudo engaja-se também no objetivo de estimular novos desafios para a profissão de enfermagem e de permitir o avanço de conhecimentos sobre a história da enfermagem brasileira, história da enfermagem militar brasileira e ainda sobre a história das conquistas da mulher na sociedade ao longo do tempo. A dissertação está estruturada em quatro capítulos: Nas Considerações Iniciais apresento o objeto de estudo, o marco inicial e final, o contexto do surgimento da inserção da mulher na enfermagem militar brasileira durante a Segunda Guerra Mundial, o retorno da enfermagem militar no Brasil na década de 1980, a justificativa do estudo, minha aproximação com o objeto, minhas indagações, os objetivos do presente estudo, a relevância do estudo e a estruturação da dissertação. No Primeiro Capítulo apresento um pouco sobre a história do campo do estudo, que é o da Força Aérea Brasileira. 21 No Segundo Capítulo enfoco o contexto político e social do final da ditadura militar brasileira, o movimento feminista e o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) como importante conquista da mulher na sociedade. Por fim, situo no contexto histórico, social e político do Brasil, a criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica. No Terceiro Capítulo apresento a base teórica e metodológica do estudo, apresentando alguns conceitos de Pierre Bourdieu como poder simbólico, violência simbólica, habitus, campo social e dominação masculina. Descrevo ainda a metodologia que foi utilizada para o alcance dos objetivos e o processo de análise de dados. No Quarto Capítulo trago a temática do processo seletivo para o ingresso no Quadro Feminino de Oficiais e enfoco as razões e motivações que levaram as enfermeiras a concorrerem a uma vaga neste concurso. O Quinto Capítulo é dedicado ao Estágio de Adaptação, que foi o curso de formação, fundamental para a inculcação do habitus militar. No Sexto Capítulo descrevo a inserção no campo e as lutas simbólicas vivenciadas pelos sujeitos durante o desenvolvimento das atividades diárias. Nas Considerações Finais, apresento uma reflexão sobre os itens discutidos ao longo de toda a dissertação que permitiram o alcance dos objetivos propostos. 22 1 A FORÇA AÉREA BRASILEIRA Conhecer um pouco sobre o surgimento e sobre a missão da instituição Força Aérea Brasileira, que é o campo do estudo, auxilia a situar essa instituição no cenário político nacional e na compreensão da sua relevância para o Brasil. O surgimento da Força Aérea Brasileira ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. Embora o debate em torno da criação de uma Força Aérea única, fundindo as já existentes aviações do Exército e da Marinha, assim como a criação de um Ministério exclusivo para gerenciar a aviação brasileira viesse ocorrendo desde o início dos anos 30, a guerra na Europa acabou por reforçar essa tendência, consolidando a idéia de que era preciso centralizar os meios aéreos do país. O desperdício e os problemas decorrentes de um gerenciamento em separado de múltiplas aviações, militares e civis, constituiu-se num dos principais argumentos em favor da criação do Ministério do Ar, e além disso, somando-se às carências materiais típicas de um país com insuficiência de recursos financeiros, havia ainda toda uma organização militar estruturada ainda nos moldes da Primeira Guerra Mundial. Após amplos debates e campanhas na imprensa, Getúlio Vargas, em 20 de janeiro de 1941, assinou o Decreto-Lei n° 2.961, criando o Ministério da Aeronáutica (MAER) e estabelecendo a fusão das Forças Aéreas do Exército e da Marinha numa só corporação, denominada Forças Aéreas Nacionais. Pouco depois, em 22 de maio de 1941, o Decreto-Lei n° 3.302 mudou o nome da recém-nascida Força Aérea para Força Aérea Brasileira (FAB), nome que permanece até os dias de hoje. (BRASIL, 1941a; BRASIL, 1941b) 23 Figura 6 - Marca da “Força Aérea Brasileira” modelo 2B Fonte:BRASIL. Comando da Aeronáutica. Centro de Comunicação Social da Aeronáutica. Manual de uso da marca da Força Aérea Brasileira.Brasília,DF,fev. 2008a. Disponível em: <http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?page=manual_marca>. Acesso em: 12 mar. 2009. A Força Aérea Brasileira obteve seu batismo de fogo durante a Segunda Guerra Mundial participando da guerra anti-submarino no Atlântico Sul. Na Europa, como integrante FEB, lutou ao lado dos Aliados na frente italiana. Foram enviadas para a Itália duas unidades aéreas da FAB, o 1º Grupo de Aviação de Caça, (o Senta a Pua!), e a Primeira Esquadrilha de Ligação e Observação (1ª ELO). Em 2001, o Ministério da Aeronáutica (MAER) foi extinto e transformado em Comando da Aeronáutica (COMAER), passando a ser subordinado ao Ministério da Defesa pela Medida Provisória n.º 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002). (BRASIL, 2001) Hoje, a FAB é a maior Força Aérea da América Latina em contingente, número de aviões e poder de fogo. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. (BRASIL, 1988) As Forças Armadas atuarão quando os instrumentos relacionados no artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil6 estiverem esgotados, 6 A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, policiais militares e corpo de bombeiros militares. (BRASIL, 1988) 24 indisponíveis, inexistentes ou insuficientes. Nesta hipótese, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem. (BRASIL, 2004b) As atribuições constitucionais do Comando da Aeronáutica são: defender a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem. (BRASIL, 2007b) Defender a Pátria significa preservar a independência, a autodeterminação e a soberania do país para exercer os atos políticos. Significa, também, assegurar o respaldo para a manutenção da unidade nacional, das instituições e da integridade do patrimônio nacional, abrangendo o território, os recursos materiais e os valores histórico-culturais. Ou seja, defender a pátria significa preservar os interesses vitais da Nação. (BRASIL, 2007b) Garantir os poderes constitucionais traduz-se por assegurar, no quadro de um Estado Democrático de Direito, a existência e, sobretudo, o livre exercício dos poderes da República. (BRASIL, 2007b) Por garantir a lei, entende-se assegurar, por iniciativa de qualquer um dos poderes constitucionais, e quando insuficiente ou esgotada a capacidade das demais expressões e instrumentos do poder nacional, o cumprimento da lei, dos direitos e deveres estabelecidos no ordenamento jurídico vigente. (BRASIL, 2007b) Garantir a ordem significa assegurar condições para o equilíbrio e a harmonia sociais, proporcionando o nível de segurança necessário ao desenvolvimento do País, que configuram a ordem interna - mais abrangente do que a ordem pública, que é arbitrada por lei. Para a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, a Força Aérea contribui com as outras Forças e órgãos federais exercendo o controle do espaço aéreo de áreas sensíveis; executando a defesa das instalações aeronáuticas, aeroportuárias e de outras instalações consideradas de interesse; provendo o transporte aéreo necessário à atuação das demais organizações envolvidas; e dando suporte de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução sempre que solicitado. (BRASIL, 2007b) As atribuições subsidiárias do Comando da Aeronáutica consistem em tratar dos assuntos de sua competência, quer de natureza militar, quer de natureza civil, buscando sempre a racionalização de todos os recursos envolvidos com os objetivos de cooperar com o desenvolvimento nacional, cooperar com a defesa civil; orientar, 25 coordenar e controlar as atividades de aviação civil; prover a segurança da navegação aérea; contribuir para a formulação e condução da política aeroespacial nacional, estabelecer, equipar e operar, diretamente ou mediante concessão, a infraestrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária; operar o Correio Aéreo Nacional e cooperar na repressão a delitos transnacionais. Resumidamente, a missão da Aeronáutica é: “Manter a soberania do espaço aéreo nacional com vistas à defesa da Pátria”. (BRASIL, 2007b) A Aeronáutica é uma instituição nacional permanente e regular, organizada com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República. É composta por suas Organizações Militares, suas instalações, suas aeronaves, seus equipamentos e os seus membros. Denominam-se Organizações Militares, as organizações da Aeronáutica que possuem denominação oficial, regulamento, Quadro de organização e Quadro de cargos privativos, próprios. O Comando da Aeronáutica, órgão integrante da estrutura regimental do Ministério da Defesa e subordinado diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, tem por finalidade preparar os órgãos operativos e de apoio da Aeronáutica para o cumprimento da sua destinação constitucional e das atribuições subsidiárias. (BRASIL, 2004a) O § 1º do artigo 10 da Lei n° 6.880, de 09 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, cita que quando houver conveniência para o serviço de qualquer das Forças Armadas, o brasileiro possuidor de reconhecida competência técnico-profissional ou de notória cultura científica poderá, mediante sua aquiescência e proposta do Ministro da Força interessada, ser incluído nos Quadros ou Corpos da Reserva e convocado para o serviço na ativa em caráter transitório. (BRASIL, 1980) 26 2 O CONTEXTO DO ESTUDO 2.1 O contexto histórico-social O contexto do estudo, de redemocratização do país, tem relações diretas com o contexto anterior, que foi o da ditadura militar no Brasil (1964-1979). O período da ditadura militar foi marcado por perseguições, mortes, torturas e desaparecimentos. Foram sucessões de atos institucionais, atos complementares, leis de segurança nacional, e decretos-leis que configuraram a ditadura como um regime forte, destinado a conservar a ordem, entendendo como desordem qualquer manifestação de opinião contrária. O discurso da ditadura militar era “moralizar” o país através de suas regras econômicas, políticas e comportamentais do cidadão. (COLLING, 1997, p.21 e 22). No final da década de 1970, amplos setores sociais passaram a exigir fim da ditadura militar. Em 1979 permitiu-se a reorganização de diversos partidos políticos e três anos depois foram realizadas eleições diretas para governadores. Alencar; Carpi; Ribeiro (1994, p.404) citam que o general João Batista Figueiredo fora eleito presidente em 1978 por via indireta e governou com uma Constituição reformada, o que permitiu a extinção dos Atos Institucionais. Entretanto, o Executivo ainda era árbitro supremo já que, através das chamadas “salvaguardas” do Estado, podia-se decretar o Estado de Emergência ou o Estado de Sítio, independentemente de consulta ao Legislativo. De acordo com Alencar, Carpi e Ribeiro (1994, p.404), em agosto de 1979, após uma ampla campanha pública, foi decretada a anistia, beneficiando muitos brasileiros presos ou exilados que buscaram integra-se novamente à vida nacional. Por outro lado, o governo forçou uma reforma partidária com o objetivo de dividir a oposição. Nesse contexto foram extintos os partidos políticos vigentes, a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), e surgem diversos outros partidos como PDT (Partido Democrático Trabalhista), PSD (Partido Democrático Social), PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), e o PT (Partido dos Trabalhadores). Ações 27 terroristas, praticadas por grupos clandestinos contrários à abertura política marcaram esse período. À época, a conjuntura econômica não era nada satisfatória. Alencar, Carpi e Ribeiro (1994, p.406-415) mostram que no período de 1960 a 1976, os 5% de maior renda (cerca de cinco milhões de brasileiros) tiveram sua participação aumentada em mais de 10%, enquanto que os 80% mais pobres (cerca de 76 milhões de brasileiros) tiveram seus rendimentos diminuídos em mais de 10%, ou seja, a renda nacional não estava sendo distribuída, estava havendo uma concentração de renda e as classes de alta renda tiveram sua capacidade de comprar multiplicada, resultando num incremento à industrialização. A situação econômica do país não era boa, a dívida externa atingiu 50 bilhões de dólares em 1980, o processo inflacionário atingia níveis inéditos de 94,7% de junho de 1979 a maio de 1980 e o fenômeno do desemprego agravou-se. No final da década de 1970, a população brasileira chegava a 125 milhões e existia um abismo que separava a minoria extremamente rica da grande massa empobrecida. Em 1980, o Brasil já era predominantemente urbano, com 70% da população vivendo em cidades com mais de 50 mil habitantes e o resultado foi o declínio da qualidade de vida nas metrópoles. O Rio de Janeiro já contava com mais de um milhão de favelados, a mortalidade infantil aumentava, crescia o número de automóveis nas ruas e também os índices de acidentes automobilísticos. A maior parte dos brasileiros enfrentava condições cada vez piores de moradia, transporte coletivo, de saúde, higiene, educação e lazer. As cidades já contavam com cerca de 15 milhões de menores abandonados, cresce a especulação imobiliária e junto com ela a poluição atmosférica, das águas, sonora e visual. A saúde da população também estava um caos. Nessa época, 40% da população era desnutrida e 20 milhões de pessoas tinham dentição precária. A proliferação de doenças endêmicas e epidêmicas era facilitada por uma ausência de infra-estrutura e higiênica básica. (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1994, p.415) A expansão do mercado de trabalho e do sistema educacional que estava em curso num país que se modernizava, gerou, ainda que de forma excludente, novas oportunidades para as mulheres. Este processo de modernização, acompanhado da efervescência cultural de 1968, de novos comportamentos afetivos e sexuais relacionados ao acesso a métodos anticoncepcionais e ao recurso às terapias psicológicas e à Psicanálise, impactou no mundo privado. Novas experiências 28 cotidianas entraram em conflito com o padrão tradicional de valores nas relações familiares, sobretudo por seu caráter autoritário e patriarcal. Nessas circunstâncias, o Ano Internacional da Mulher, 1975, oficialmente declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU), propiciou o cenário para início do movimento feminista no Brasil, ainda fortemente marcado pela luta política contra o regime militar. (SARTI, 2004, p.39) O reconhecimento oficial pela ONU da questão da mulher como problema social, favoreceu a criação de uma fachada para um movimento social que ainda atuava nos bastidores da clandestinidade, abrindo espaço para a formação de grupos políticos de mulheres que passaram a existir abertamente. Outro traço que marca a trajetória particular do feminismo no Brasil, pelo menos quando comparado ao dos países europeus, diz respeito ao próprio caráter dos movimentos sociais e sua relação com o Estado. Os movimentos sociais urbanos organizaram-se em bases locais, enraizando-se na experiência cotidiana dos moradores das periferias pobres, dirigindo suas demandas ao Estado como promotor de bem-estar social. Organizados em torno de reivindicações de infra-estrutura urbana básica como água, luz, esgoto, asfalto e bens de consumo coletivos, esses movimentos tinham como parâmetro o mundo da reprodução - a família e suas condições de vida - que caracteriza a forma tradicional de identificação social da mulher, e esta foi a razão da existência do feminismo. (SARTI, 2004, p.40) A anistia de 1979 permitiu a volta dos exilados (homens e mulheres) no começo dos anos 1980. Esse retorno contribuiu para fortalecer a corrente feminista no movimento das mulheres brasileiras. As exiladas traziam em sua bagagem não apenas a elaboração de sua experiência política anterior, com também a influência de um movimento feminista atuante, principalmente da Europa. Além disso, a própria experiência de vida no exterior, com uma organização doméstica distinta dos tradicionais padrões patriarcais da sociedade brasileira, repercutiu decisivamente tanto em sua vida pessoal quanto em sua atuação política. O saldo do exílio, de umas, e a experiência de ter ficado no país nos anos 1970, de outras, que construíram o feminismo local, fez deste encontro de aliadas um novo panorama. (SARTI, 2001, p.41) Nos anos 80 o movimento de mulheres no Brasil era uma força política e social consolidada. Explicitou-se um discurso feminista em que estavam em jogo as relações de gênero. As idéias feministas difundiram-se no cenário social do país, 29 produto não só da atuação de suas porta-vozes diretas, mas do clima receptivo das demandas de uma sociedade que se modernizava como a brasileira. Os grupos feministas alastraram-se pelo país. Houve significativa penetração do movimento feminista em associações profissionais, partidos, sindicatos, legitimando a mulher como sujeito social particular. (SARTI, 2001, p.41) Outra importante conquista social da mulher na época do restabelecimento da democracia no Brasil foi a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde Mulher (PAISM). O PAISM foi lançado pelo Ministério da Saúde em 1983, sendo anunciado como uma nova e diferenciada abordagem da saúde da mulher e constitui-se também na primeira vez em que o Estado brasileiro propôs explicitamente, e implantou, embora de modo parcial, um programa que contemplava a regulação da fecundidade. Esse fato levantou suspeitas acerca de possíveis intenções ocultas de controle da natalidade. O PAISM foi pioneiro, inclusive no cenário mundial, ao propor o atendimento à saúde reprodutiva das mulheres, no âmbito da atenção integral à saúde, e não mais a utilização de ações isoladas em planejamento familiar, e por isso os movimentos de mulheres, de imediato, passaram a lutar por sua implementação. A adoção do PAISM representou um passo significativo em direção ao reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres, mesmo antes de ganhar os diversos foros internacionais de luta. (OSIS, 1998, p.31) O momento em que o PAISM foi lançado era de grande efervescência no Brasil, com intensa atuação de movimentos sociais e da sociedade civil, em geral, lutando pelo restabelecimento da democracia. Considerando o conteúdo e os antecedentes do Programa, observa-se que ele reuniu condições para se constituir em um evento socialmente relevante, um fato capaz de mobilizar muitos setores da sociedade para discutí-lo. Assim, é possível depreender que o lançamento do PAISM teve um amplo significado social, constituindo-se em elemento promotor de debates, bastante importantes naquele momento histórico de democratização da sociedade brasileira. O ponto crucial do conteúdo do PAISM foi a inclusão da anticoncepção como uma das atividades da assistência integral à saúde da mulher. Isto porque essa inclusão se contrapôs à abordagem do planejamento familiar que era, até então, largamente praticada no país. (OSIS, 1998, p. 28 e 29) 30 2.2 O Surgimento do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica Amplamente falando sobre as conquistas das mulheres, no Brasil, as mulheres ganharam o direito de freqüentar universidades em 1874, a partir de 1932 puderam ser votadas, mas só a partir de 1981 puderam jogar futebol profissionalmente, o principal esporte do país. Mas o grande conjunto de mudanças para as mulheres do Brasil veio realmente a partir dos anos 1980, quando aumentou a bancada feminina no Congresso Nacional, surgiram as primeiras delegacias voltadas para o atendimento a mulheres vítimas de violência e por último as escolas militares se abriram para elas, primeiro, a Marinha e depois a Aeronáutica. (D´ARAÚJO, 2003, p.73) É interessante ainda situar a questão da mulher como integrante das Forças Armadas. As mulheres são consideradas em geral, como seres que precisam ser “protegidos”, e isso justificava a exclusão delas de certas atividades consideradas de risco e de rigor disciplinar e, portanto, masculinas, e por isso, até então, elas eram excluídas da vida militar. (D´ARAÚJO, 2003, p.72) A vida militar é associada a riscos, alta mobilidade geográfica, separação temporária da família, exposição a perigos, treinamentos intensivos, disciplina férrea, exercícios físicos pesados, obediência profissional acima de qualquer direito ou dever pessoal, além da violência da guerra. (MCCUBBIN; DAHL; HUNTER apud D´ARAÚJO, 2003, p.72) Por isso, a relação da mulher com a vida militar sempre esteve associada apenas ao seu papel de esposa e aos constrangimentos que a profissão do marido exercia sobre ela e sua família. Socialmente, a mulher poderia ser afetada pela vida militar, mas não poderia ser parte dela. Um dos aspectos mais mencionados em relação à família do militar (sexo masculino) é a instabilidade da vida escolar dos filhos e a impossibilidade de a esposa poder dedicar-se a uma profissão, pois em função das freqüentes mudanças, as esposas se veriam obrigadas a exercer as funções de donas de casa abandonando uma possível carreira no mercado de trabalho. Este enfoque sobre as mulheres e as Forças Armadas começou a mudar à medida em que novos direitos foram emergindo, entre eles o de a mulher poder escolher uma profissão vinculada às polícias e às próprias Forças Armadas. (D´ARAÚJO, 2003, p.72-73) 31 Situando a criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA) no contexto histórico-social do Brasil, observamos que este Corpo, destinado exclusivamente ao ingresso das mulheres na FAB, surge no bojo do governo presidencial de João Baptista Figueiredo que vigorou de 15 de março de 1979 a 15 de março de 1985. O então Ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos, cujo mandato fora de 1979 a 1985, participou ativamente da articulação, formulação e implantação da criação do CFRA. A figura abaixo mostra a visita do Ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos (figura central de terno claro) ao alojamento das alunas do Quadro Feminino de Oficiais no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR)/RJ. Figura 7 - Visita do Ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos ao alojamento das alunas do Quadro Feminino de Oficiais no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR)/RJ Fonte: CYRINO, S.B.F. A história da mulher na Força Aérea Brasileira e as perspectivas para o futuro In: ENCONTRO DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA, n. 1, 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CIAAR, 2007. O CFRA surge sob os moldes do Corpo Feminino de Oficiais da Reserva da Marinha, que também foi por processo seletivo público exclusivo para mulheres, e que também tinha o objetivo de compor as equipes técnicas e administrativas que desenvolveriam atividades relativas às suas áreas profissionais. A cerimônia de formatura do Corpo Feminino de Oficiais da Reserva da Marinha ocorreu em 12 de dezembro de 1981. (ORICHIO, 2006, p.55) 32 Observa-se que tanto o pioneiro Corpo Feminino de Oficiais da Reserva da Marinha, quanto o Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica, surgem coincidentemente muito próximos e durante o contexto histórico nacional de redemocratização. O CFRA foi destinado a suprir a Aeronáutica com Oficiais e Graduados para o exercício de funções técnicas e administrativas nas Organizações Militares, mediante convocação para o serviço ativo. As funções técnicas e administrativas seriam exercidas apenas por pessoal habilitado e qualificado nas categorias profissionais a serem estabelecidas e divulgadas, anualmente, pelo Ministro da Aeronáutica. (BRASIL, 1981b) Observamos que esta explicação mostra o porquê da criação dos referidos Quadros, mas não explica o porquê da exclusividade feminina. Nessa época, já havia diversos outros oficiais militares de diversas profissões na Aeronáutica, e havia também algumas poucas mulheres civis exercendo funções diversas, entretanto ainda não havia nenhuma mulher militar. O CFRA era constituído por dois Quadros: o Quadro Feminino de Oficiais da Reserva da Aeronáutica (QFO), composto de pessoal graduado ou pós-graduado por estabelecimento de ensino de nível superior em cursos reconhecidos oficialmente, de conformidade com a legislação federal e pelo Quadro Feminino de Graduados da Reserva da Aeronáutica (QFG), composto de pessoal com habilitação profissional adquirida em cursos de estabelecimento de ensino médio. (BRASIL, 1981b) Compreender a posição da mulher na sociedade à época nos ajuda a explicar o contexto de abertura de um campo profissional para mulheres. Remetendo ao histórico da ditadura militar no Brasil, torna-se viável traçar uma hipótese do porquê da criação de vagas para as mulheres nas Forças Armadas. Analisando todo o contexto histórico à época, de fim da ditadura militar, redemocratização do país, retorno de exilados políticos e movimento feminista, é possível considerar que um forte objetivo era proporcionar a retomada da simpatia e da confiança da população pelo militarismo no Brasil. A inserção de mulheres militares na FAB também traria lucros simbólicos para a instituição. Permitindo a inserção de mulheres nas Forças Armadas, haveria uma grande divulgação nacional positiva sobre o concurso, abriria-se um campo profissional para as mulheres, indo ao encontro dos ideais feministas, dos direitos 33 iguais entre os sexos e ainda seria desfeita a imagem dos terríveis e misteriosos “homens militares” que percorreram a imprensa durante a ditadura no Brasil. Nesse sentido, Bourdieu (1999, p.58) cita que quando a aquisição do capital simbólico e do capital social constitui a única forma possível de acumulação, as mulheres são valores que é preciso conservar ao abrigo da ofensa e da suspeita, valores que investidos nas trocas, podem produzir alianças, isto é, capital social e aliados prestigiosos. O lucro simbólico que elas podem trazer depende, por um lado, do valor simbólico das mulheres disponíveis para troca, isto é, de sua reputação e sobretudo de sua castidade. 34 3 BASE TEÓRICA E METODOLÓGICA DO ESTUDO 3.1 Base Teórica Ao realizar buscas por fontes sobre o assunto, senti-me ainda mais motivada pelo tema, à medida em que foram sendo levantadas questões como a inculcação e incorporação do habitus militar com seus princípios de hierarquia, disciplina, ética, dever e compromisso militar e as inevitáveis lutas simbólicas que ocorreram entre os agentes que atuaram no mesmo campo. Assim, o referencial teórico do estudo é baseado no pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu, cujos conceitos de poder simbólico, habitus, campo, espaço social e violência simbólica sustentaram a construção desta dissertação. Estes conceitos surgiram da análise dos fatos narrados pelos sujeitos durante as entrevistas e evidenciaram que os referidos conceitos se encaixaram nas etapas em questão, como a divulgação do processo seletivo, a motivação para a participação neste concurso, as etapas do processo de seleção, o curso de formação militar, a solenidade de formatura e, por fim, a inserção nos hospitais da FAB, onde efetivamente iniciaram-se as lutas simbólicas entre as enfermeiras recém-chegadas e os agentes que já dominavam o campo. De acordo com Bourdieu (1989, p.7-14), o poder simbólico é invisível, sempre dissimulado, constrói a realidade fazendo com que os agentes a ele se subordinem. Para que o poder simbólico seja exercido é preciso que haja cumplicidade daqueles que se submetem, com a consciência ou não daqueles que a ele estão sujeitos ou mesmo que o exercem. O poder varia de acordo com a posição ocupada pelo agente no campo social. O poder simbólico constitui um poder de construção da realidade que tende a estabelecer o sentido imediato do mundo, em particular do mundo social. Dessa forma, a cultura dominante tem papel relevante, pois contribui no sentido de assegurar uma comunicação imediata entre os seus membros e assim distinguindoos das outras classes; para a desmobilização das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida, através da definição das distinções. (BOURDIEU, 1989, p. 9-10). 35 Para Bourdieu (1989, p.14), o poder simbólico age como o poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e a ação sobre este. Trata-se de um poder capaz de permitir a obtenção daquilo que equivale ao obtido pela força física ou econômica. O autor também afirma que as relações de comunicação são, na maioria das vezes, relações de poder, que podem inclusive permitir a acumulação de poder simbólico. Evidencio neste estudo o poder simbólico exercido tanto sobre enfermeiras durante o treinamento militar, quanto o poder simbólico exercido sobre elas e por elas durante sua chegada e inserção de fato nos hospitais da FAB. De acordo com Bourdieu (1989, p.11-12), o poder simbólico traz consigo a violência simbólica, que é caracterizada pelo autor como a dominação de uma classe sobre a outra, reforçando a sua própria força que a fundamenta, e contribuindo para a “domesticação dos dominados”. Assim, violência simbólica entre o dominador e o dominado é expressa de forma subjetiva nas relações de dominação e só se institui de fato por intermédio da efetiva adesão que o dominado concede ao dominante e por conseqüência também concede à dominação. (BOURDIEU, 1999, p.47) Bourdieu (1996, p.29-30) cita que historicamente, a dominação masculina não deixa de ser uma forma particular e particularmente acabada de violência simbólica, evidenciando que divisões espaciais entre espaços masculinos e femininos no trabalho e nos corpos são diferenciados, permanecendo a dominação do masculino sobre o feminino. A força simbólica é uma forma de poder que é exercida sobre os corpos como que por magia, sem que haja qualquer coação física, entretanto essa magia só atua com o apoio das predisposições que agem como impulsionadoras na zona mais profunda dos corpos. (BOURDIEU, 1999, p.50) Campo é um espaço multidimensional que possui objetivos específicos e é hierarquizado de acordo com a distribuição desigual dos diversos tipos de capital de seus agentes, o que confere a estes diferentes posições, poderes e força. (BOURDIEU, 1989, p.134-135) Espaço social, de acordo com o autor significa: O espaço social é um espaço multidimensional, um conjunto aberto de campos relativamente autônomos, ou seja, subordinados quanto ao seu funcionamento e às suas transformações. No interior de cada um dos subespaços, estabelecem-se lutas contínuas de diferentes formas envolvendo os ocupantes das posições dominantes e 36 os ocupantes das posições dominadas. As alianças e lutas concorrenciais são estabelecidas com o propósito de assegurar as posições no interior dos espaços ou, em outras circunstâncias ampliá-las. (BOURDIEU, 1989, p.153) O presente estudo considera como espaço social as Forças Armadas brasileiras e como campo considera a instituição Força Aérea Brasileira, enfocando inicialmente o Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR), localizado no Campo dos Afonsos/RJ, onde foi realizado o curso de formação militar e posteriormente os hospitais da FAB onde os sujeitos foram designados a servir após a formatura. Outro conceito que será utilizado neste estudo é o de habitus, e mais especificamente o de habitus profissional e o habitus militar. Habitus é um conhecimento adquirido, uma disposição incorporada, duradoura e transferível, que resulta de um longo processo de aprendizado, produto do contato das pessoas com as diversas estruturas sociais. O habitus primário é aquele que é produzido e adquirido nas relações familiares. O habitus adquirido em conseqüência da inserção em outros espaços sociais resulta da percepção, apreciação e da ação realizada em determinadas condições sociais. E mais, através do habitus, o passado da pessoa sobrevive, mas de forma atualizada. (BOURDIEU, 1989, p.61) Assim, utilizarei ainda a análise do Estágio de Adaptação como um processo de inculcação do habitus militar buscando reproduzir os objetivos da instituição Força Aérea Brasileira, de imposição da cultura dominante como cultura legítima. Bourdieu (1989, p.81) cita ainda que tanto a razão quanto a razão de ser de uma instituição, ou de uma medida administrativa e dos seus efeitos sociais, não está na vontade de um indivíduo ou de um grupo, mas sim no campo de forças antagonistas ou complementares no qual, em função dos interesses associados às diferentes posições e dos habitus dos seus ocupantes, se gerem as vontades e no qual se redefine continuamente, na luta (e através da luta) a realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos. Durante a inserção das enfermeiras nos hospitais da FAB, foi possível observar a incorporação de um capital específico mediante a associação do habitus militar com o habitus profissional, permitindo com que as mesmas galgassem lucros simbólicos e poder no campo, gerando as lutas simbólicas. 37 As lutas simbólicas ocorrem pelo poder de se fazer ver, de se fazer crer e se dar a conhecer, pois em meio à luta pela imposição de uma visão do mundo legítima, os agentes detêm um poder proporcional ao seu capital simbólico, ou seja, ao reconhecimento que recebem de um grupo. (BOURDIEU, 1998, p.82) 3.2 Trajetória Metodológica 3.2.1 Tipo de pesquisa e abordagem Trata-se de uma pesquisa qualitativa de natureza histórico-social que visa discutir o processo de inserção de enfermeiras como oficiais da Força Aérea Brasileira. A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de motivos, significados, crenças, aspirações, valores e atitudes, correspondendo a um espaço mais profundo das relações dos processos que não podem ser simplesmente reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1995, p.05) Minayo (2004, p.23) destaca ainda que a pesquisa social tem uma carga histórica e assim como as teorias sociais refletem a posições frente à realidade, momentos do desenvolvimento e da dinâmica social, preocupações e interesses de classes e grupos determinados. A pesquisa social não pode ser estática ou estanque. Ela só pode ser conceituada historicamente e entendendo-se todas as contradições e conflitos que permeiam o seu caminho. A abordagem histórica investiga acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na sociedade de hoje e para compreendermos melhor o presente. (LAKATOS; MARCONI, 2003) Na avaliação da trajetória da enfermagem na sociedade brasileira, é necessário considerar inicialmente que os diversos momentos da vida do país resultaram do jogo de forças políticas, econômicas e ideológicas que também configuraram a organização sanitária de cada época, e que não se estruturaram apenas para atender às necessidades da população, mas resultaram da 38 concorrência entre os vários grupos sociais que formam o sistema produtivo e que apresentavam demandas divergentes entre si. (BARREIRA, 1999b, p.90) A pesquisa histórica assumiu uma nova versão a partir da História Nova, que ampliou o corpus documental histórico quando passou a considerar a existência de novas fontes, como documentos figurados, orais, textos escritos, fotografias, filmes, produtos de pesquisas arqueológicas e outros. A História Nova compreende em uma nova concepção do documento, vindo acompanhada de críticas ao mesmo. A História Nova destaca a relevância destes documentos e reconhece-os como documentos históricos. (LE GOFF, 1992, p.256 e 281) Barreira (1999b, p.90) ressalta que os estudos históricos interessam muito à enfermagem, pois a construção de uma memória coletiva é o que possibilita a tomada de consciência daquilo que somos realmente, enquanto produto histórico, o desenvolvimento da auto-estima coletiva e a tarefa de (re)construção da identidade profissional. Assim, o desvelamento da realidade mediante o estudo da história da enfermagem é libertador e permite um novo olhar sobre a profissão. Barreira (1999b, p.90) comenta que também é necessário compreender que se a enfermagem, enquanto prática social, é condicionada pelo contexto onde atua, ela também exerce influência na sociedade em que se insere, segundo as forças sociais em jogo no campo da saúde e, além disso, que sobre as determinações históricas recorta-se a ação coletiva de homens e mulheres e a ação de pessoas que ocupam posições estratégicas, em dado momento ou situação, pois a aceitação de que o indivíduo só pode atuar dentro das condições determinadas pela organização econômica da sociedade e pelo poder político, não elimina a força de certas personalidades nem a imprevisibilidade das opções individuais. Assim, é preciso reconhecer que na história da enfermagem, no passado e no presente, ressaltam figuras que, por sua atuação, se constituem em marcos referenciais. 3.2.2 Método O método utilizado será o da História Oral Temática. Meihy (2007, p.38) cita que a história oral temática, mesmo abrigando índices de subjetividade, é mais passível de confrontos que se regulam a partir de datas, fatos, nomes e situações, e 39 geralmente equivale à formulação de documentos que se opõem às situações estabelecidas. A história oral temática é sempre de caráter social e nela as entrevistas não são capazes de se sustentarem sozinhas ou em versões únicas. Vale ressaltar ainda que de acordo com Meihy (2007, p.39), atualmente a história oral já é parte integrante do debate sobre a função do conhecimento social e atua em uma linha que questiona a tradição historiográfica centrada em documentos oficiais; por isso ela é hoje inerente aos debates sobre a tendência da história contemporânea. Como pressuposto, a história oral implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado e é isso que a marca como história viva. A história oral privilegia a realização de entrevistas com pessoas que realmente participaram ou presenciaram os acontecimentos tendo como conseqüência a produção de fontes de consulta para outros estudos e a formação de um acervo aberto para pesquisas futuras. (ALBERTI, 2005, p.18). Para Alberti (2005, p.30) a história oral como um método de pesquisa não é um fim em si mesma, e sim um meio de conhecimento e seu emprego é justificado quando o contexto da investigação científica já está previamente definido. Thompson (1998, p.18) cita que a História Oral contribui para a elaboração de uma história democrática, possibilitando novas versões da história ao dar voz a diferentes narradores e ainda permitiu construir a história a partir das próprias falas daqueles que a vivenciaram e que participaram de determinado período, mediante suas referências e também seu imaginário. 3.2.3 Delimitação temporal O marco inicial do estudo refere-se ao ano em que foi criado, no então Ministério da Aeronáutica (MAER), o Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA), através da Lei nº 6.924, de 29 de junho de 1981 que foi regulamentada pelo Decreto nº 86.325, de 1º de setembro de 1981. O marco final deste estudo diz respeito ao término do período inicial obrigatório de dois anos de cumprimento de serviço ativo dessas enfermeiras, que culminou com a promoção das mesmas ao posto de 1° Tenente (1984). 40 3.2.4 Aspectos Éticos O presente projeto foi cadastrado no SISNEP (Sistema Nacional de Informação sobre Ética e Pesquisa envolvendo seres humanos) com a folha de rosto nº 236.315. O SISNEP é um sistema de informação via internet que facilita o registro de pesquisa entre seres humanos e orienta a tramitação de cada projeto para que todos sejam submetidos à apreciação ética antes do seu início. Antes de ser enviado ao Comitê de Ética da Casa Gerontológica de Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes, que responde pela aprovação dos projetos de pesquisa em saúde no âmbito da Aeronáutica na cidade do Rio de Janeiro, solicitei o parecer sobre a coleta de dados à Diretoria de Saúde da Aeronáutica (Apêndice A) resultando num parecer favorável desta Diretoria (Anexo A). Após a aprovação da pesquisa pela Diretoria de Saúde da Aeronáutica, esta mesma Diretoria enviou o projeto para o Comitê de Ética e Pesquisa da Casa Gerontológica de Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes, que também resultou num parecer favorável sob o protocolo de pesquisa nº 0001.0.339.000-09 (Anexo B). 3.2.5 Fontes As principais fontes utilizadas foram os documentos escritos e os depoimentos orais dos sujeitos do estudo. Documentos escritos Foram utilizados diversos documentos escritos como Constituição Federal da República Federativa do Brasil, Medida Provisória, Leis, Decretos-lei, Decretos, Portarias, Regulamentos, Estatuto dos militares, Diário Oficial da União, revistas e jornais da época, Manual da Aluna, comprovante de inscrição deferida, comprovante de pagamento da taxa de inscrição, Formulário de preenchimento de opções de localidades, convite de formatura, diploma de conclusão de Estágio de Adaptação e Carta-Patente. 41 Para o cumprimento da fase de ordenação de dados, todos os documentos foram organizados por temáticas, a saber: processo seletivo, Estágio de Adaptação e inserção nos hospitais da FAB; e posteriormente foram organizados em ordem cronológica. As leituras tiveram papel de grande importância nessa fase seleção de fontes e antes que fossem utilizadas na pesquisa, cada fonte recebeu uma ficha de identificação, com a finalidade de informar o tipo de documento, origem, local, data de elaboração, autor, título, assuntos, objetivos, demais informações pertinentes e observações gerais. Os documentos escritos foram buscados entre os meses de abril a julho de 2009 e foram localizados na Biblioteca Nacional, Biblioteca da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Biblioteca Setorial de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal do Rio de Janeiro, exposição do Museu Aeroespacial da Força Aérea Brasileira intitulada “A força mulher - A trajetória da mulher militar na FAB: Passado - Presente - Futuro” 7, acervo pessoal dos sujeitos do estudo, Biblioteca do Museu Aeroespacial (MUSAL), Centro de Documentação e Histórico da Aeronáutica (CENDOC), Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR), Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON) 8 e site oficial da FAB 9. Depoimentos orais dos sujeitos do estudo Os depoimentos foram coletados na perspectiva da História Oral Temática através de entrevistas que seguiram um roteiro, ainda que flexível, com a finalidade de obter informações essenciais à compreensão da situação, informações essas que os documentos não fornecem. A técnica de coleta de dados dos depoentes foi a entrevista e com a finalidade de guiá-la, segui um roteiro elaborado por mim (Apêndice B) para que fossem direcionadas as indagações de acordo com os objetivos do estudo, por isso, estruturei-os em categorias, a saber: identificação, formação profissional, processo seletivo, Estágio de Adaptação, formatura e inserção nos hospitais da FAB. 7 (BRASIL, 2007a) 8 (BRASIL, 2008d) 9 (BRASIL, 2008b) 42 Alberti (2005, p.37-38) cita que as entrevistas temáticas são aquelas que versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido e que em geral, a escolha de uma entrevista temática é adequada para o caso de tema que tem estatuto relativamente definido com a trajetória de vida dos depoentes, como por exemplo, um período determinado cronologicamente, uma função desempenhada ou o envolvimento e a experiência em acontecimentos ou conjunturas específicas. Os sujeitos do estudo foram 05 enfermeiras da primeira turma do Quadro Feminino de Oficiais da Aeronáutica e que já haviam sido nomeadas ao posto de Tenente-Coronel Enfermeira. Ao cederem os depoimentos, quatro dos cinco sujeitos ainda estavam no serviço ativo e apenas uma já estava na Reserva Remunerada da Aeronáutica. Os potenciais sujeitos foram buscados por mim no mês de setembro de 2008, por meio do Sistema de Informações Gerenciais de Pessoal da Aeronáutica (SIGPES), através do Sistema Tico-Tico, que consiste em um almanaque virtual de Oficiais (Marechal-do-Ar, Tenente-Brigadeiro, Major-Brigadeiro, Brigadeiro, Coronel, Tenente-Coronel, Major, Capitão Segundo-Tenente e Primeiro Tenente), Graduados (Suboficiais e Sargentos), Praças especiais (Alunos de curso de formação de Oficiais), e Praças (Cabos, Soldados e Taifeiros) do serviço ativo da Aeronáutica. Trata-se de um conteúdo de consulta reservado aos militares do Comando da Aeronáutica por meio de senha pessoal fornecida após cadastro individualizado. Desta forma, foi utilizada a busca avançada pelos potenciais sujeitos com os seguintes parâmetros: QUADRO: Quadro Feminino de Oficiais, DATA DA FORMATURA: 06/12/1982, POSTO: Tenente-Coronel, ESPECIALIDADE: Enfermagem. Após a primeira busca realizada foram excluídas as militares que não servissem em Organizações Militares do Estado do Rio do Janeiro pela viabilidade da pesquisa. Assim, foram encontrados 10 (dez) potenciais sujeitos que estavam alocados nas seguintes Organizações Militares: Casa Gerontológica de Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes (CGABEG), Diretoria de Saúde da Aeronáutica (DIRSA), Hospital de Força Aérea do Galeão (HFAG), Hospital Central da Aeronáutica (HCA), Hospital de Aeronáutica dos Afonsos (HAAF), e Instituto de Fisiologia Aeroespacial Brigadeiro Médico Roberto Teixeira (IFISAL). 43 Entretanto, ao entrar em contato com as referidas Organizações militares, fui informada que três dos potenciais sujeitos, apesar de seus nomes constarem no SIGPES, já haviam sido transferidas para a Reserva Remunerada, logo, não estavam mais cumprindo o expediente de trabalho e por esse motivo me foram negados seus telefones particulares. Um outro sujeito em potencial encontrava-se em licença especial para tratamento médico de dependente e, portanto, também não estava cumprindo expediente. Outro potencial sujeito recusou-se a participar da pesquisa e outro não foi encontrado. Durante a realização de uma das entrevistas, a entrevistada me forneceu o telefone de uma Tenente-Coronel enfermeira que estava na Reserva Remunerada. Desta forma convidei-a para a entrevista e fui bem sucedida. As demais enfermeiras que se inseriram como sujeitos da pesquisa foram contactadas por mim por meio telefônico diretamente para as Organizações Militares em que estas servem e desta forma foi marcado um encontro com cada uma separadamente nos respectivos locais de trabalho. As entrevistas ocorreram entre os meses de abril e maio de 2009. A média de idade das participantes do estudo é de 51 anos de idade, 80% possui o estado civil solteira e 20% divorciada, 80% estudou na Escola de Enfermagem Anna Nery e apenas 20% na Universidade Gama Filho, 80% terminou a graduação em enfermagem em 1981 e 20% em 1980, 80% era recém-formado quando ingressou na FAB apenas 20% teve uma experiência de trabalho anterior. Sobre a escolha da profissão de enfermeira, 100% escolheu cursar a graduação em enfermagem porque admirava a profissão e desejava uma carreira na área da saúde. Com a autorização dos sujeitos, os depoimentos foram gravados em formato digital mp3 num dispositivo portátil com diversas funções. A função do aparelho utilizada foi a gravação de voz. Para a transcrição do depoimento o arquivo de som foi transferido para um microcomputador. O recurso utilizado foi o programa de computador e executor de mídia digital Windows Media Player 9 series® que facilitou a execução do áudio permitindo avanço e retrocesso do som quando necessário. Cada entrevista durou aproximadamente cinqüenta minutos. Alguns dias após as entrevistas, os depoimentos orais foram transcritos por mim, na íntegra, em programa editor de texto Word 2007®, integrante do Microsoft® Office Home and Student 2007. 44 Com a finalidade de formalizar a cessão dos depoimentos orais obtidos, foi lido aos sujeitos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C) que foi elaborado de acordo com o preconizado na Resolução nº 196, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que aprova as diretrizes e normas para pesquisa envolvendo seres humanos. O referido termo contempla as principais informações sobre o projeto, como objeto de estudo, objetivos, as formas de contato com o pesquisador. Por exigência das próprias entrevistadas, visto que quatro das cinco entrevistadas ainda estavam no serviço ativo, este termo de consentimento também garantiu o anonimato e confidencialidade nesta pesquisa, e por isso, durante a citação de trechos de depoimentos, foi atribuída a letra (E) para todas as entrevistadas, seguida de um número que indica a ordem da coleta dos depoimentos. (BRASIL, 1996) Após a transcrição dos depoimentos os sujeitos assinaram o Termo de Doação de Depoimento Oral (Apêndice D). Os depoimentos foram colocados em um CD (compact disc) e doados ao Centro de Memória Nalva Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ, contribuindo para a história da enfermagem brasileira como fontes primárias para estudos posteriores. Foi realizada uma entrevista-piloto, em setembro de 2008, para a verificação do instrumento de coleta de dados. Durante a entrevista surgiram muitas informações novas que auxiliaram na melhoria do roteiro, entretanto a depoente não se recordava de muitos fatos importantes que se relacionavam diretamente ao objeto de estudo, por isso a entrevista piloto não foi incluída na pesquisa total. Após a realização da entrevista foi solicitado aos sujeitos o fornecimento de qualquer fonte primária do acervo pessoal que pudesse servir como informação para a pesquisa ou apenas ilustração. Assim, os sujeitos doaram para a pesquisa a cópia dos seguintes itens: diploma de conclusão do Estágio de Adaptação, Carta-Patente, Manual da Aluna, comprovante de inscrição deferida, comprovante de pagamento da taxa de inscrição, fotografias, Revista Aerovisão de maio de 1982, formulário de preenchimento de opções para classificação, adesivo comemorativo pela formatura da 1a turma do QFO e convite de formatura da referida turma. Demais fontes Para a realização dessa dissertação, também foram utilizadas outras fontes como que abordavam aspectos relevantes sobre a temática do estudo, como artigos, 45 livros, três dissertações, uma tese e uma palestra em slides intitulada A história da mulher na Força Aérea Brasileira e as perspectivas para o futuro, que foi apresentada durante o I Encontro do Corpo Feminino da Aeronáutica, que ocorreu no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIAAR), em Belo Horizonte , no ano de 2007. As referidas fontes foram localizadas na Biblioteca da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na Biblioteca Setorial de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Museu Aeroespacial. Foram utilizadas figuras e fotografias com a finalidade meramente ilustrativa. 3.2.6 Método de análise de dados Para a análise e interpretação dos dados, segui a sugestão de Minayo (2004, p.234-238) que contempla os seguintes passos: ordenação de dados, classificação dos dados e análise final. Durante a fase de ordenação dos dados, eu mesma transcrevi na íntegra os cinco depoimentos, realizei uma ordenação cronológica e temática dos documentos escritos, e articulei os depoimentos orais com os documentos escritos. Na fase de classificação dos dados realizei uma leitura exaustiva dos achados que permitiu a construção das categorias empíricas e teóricas das idéias contidas em cada documento. Ao realizar a leitura de cada documento, agrupei os dados nas temáticas pré-estabelecidas ou nas categorias que emergiam do texto. Nesta fase também organizei e agrupei as fotografias e as figuras nas categorias do estudo para que essas ilustrações pudessem auxiliar o leitor na visualização dos fatos. Na etapa da análise final pude articular os documentos escritos e os depoimentos orais ao referencial teórico da pesquisa, apontando para a hipótese teórica e para os objetivos do estudo. 46 4 ENFERMEIRAS EM BUSCA DE NOVOS DESAFIOS: O PROCESSO SELETIVO Este capítulo discute principalmente os aspectos relacionados às circunstâncias de inserção das enfermeiras no processo seletivo do Quadro Feminino de Oficiais da Aeronáutica. Para entendermos melhor os fatos que ocorreram à época, mostrarei como foi a divulgação do concurso, ou seja, como as candidatas tiveram acesso às informações sobre o processo seletivo, quais foram as razões e motivações para concorrer a uma vaga nesse concurso e por último mostrarei os depoimentos das entrevistadas sobre a vivência pessoal e familiar no que tange à aprovação de fato. A divulgação do concurso ocorreu por diversos meios de comunicação em todo o Brasil como jornais de grande circulação, folhetos, revistas da Aeronáutica e outros. Assim, as candidatas enfermeiras tomaram ciência da abertura do concurso público federal que abrangia vagas para o ingresso na FAB como oficiais, que proporcionaria, dentre outros benefícios, estabilidade financeira e promoções periódicas de posto e, além disso, pela primeira vez aceitaria mulheres militares em suas fileiras. Em maio de 1982, a Revista Aerovisão, do então Ministério da Aeronáutica, trouxe em sua capa a foto de três modelos vestidas com as fardas desenhadas exclusivamente para as mulheres, e a chamada para a reportagem foi intitulada “A mulher na Força Aérea Brasileira”, evidenciando que o objetivo principal da reportagem era divulgar o processo seletivo principalmente para o efetivo da Aeronáutica e seus familiares, já que o âmbito de distribuição da revista era apenas interno. (BRASIL,1982e) 47 Figura 8 – Capa da Revista Aerovisão de maio de 1982 Fonte: BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Aerovisão. A mulher na Força Aérea Brasileira. Brasília, DF, Ano X, n. 111, maio. Paginação irregular. 1982e. Dentre os jornais importantes que circulavam á época, destaca-se a reportagem do jornal O Fluminense de 28 de fevereiro de 1982, com o título: “Inscrição para o Corpo Feminino” trazendo ao leitor as principais informações referentes ao processo seletivo: O Ministério da Aeronáutica colocará a disposição dos interessados a partir de hoje até 12 de abril, as inscrições para o concurso de admissão ao Estágio de Adaptação ao Quadro Feminino de Oficiais da Reserva. O Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica é composto de: I-alunas dos estágios de adaptação, II- alunas do Quadro Feminino de Oficiais (QFO) e III- alunas do Quadro Feminino de Graduadas (QFG). (INSCRIÇÃO...,1982, p.10) Da mesma forma, o jornal Última Hora de 01 de março de 1982 divulgou uma nota com o título “Corpo Feminino da Aeronáutica tem inscrições” que informava sobre a abertura das inscrições, os requisitos básicos para a participação no 48 processo seletivo, os locais de realização de inscrições, as especialidades e as vagas inicialmente previstas no edital: O Ministério da Aeronáutica vai abrir inscrições hoje [...] para o concurso de admissão ao estágio de adaptação ao Quadro Feminino de Oficiais da Reserva [..]. Para participar do concurso a candidata deve ser brasileira, não estar sub judice ou condenada, ser solteira e não servir de arrimo, estar com a situação regularizada, ter no máximo 28 anos [...] No Rio, a inscrição pode ser feita no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica [...] O Quadro Feminino abrange as seguintes especialidades cujas vagas serão por todo o país: Enfermagem (41), Psicologia (16), Fonoaudiologia (4), Nutrição (6), Assistência social (8), Biblioteconomia (15) e Análise de sistemas (10). (CORPO..., apud CYRINO, 2007) Chama a atenção ainda, a nota publicada no jornal O Globo, intitulada “Mulheres nas Forças Armadas”, onde é feita uma crítica pelo jornalista sobre a abertura de vagas para mulheres na FAB: “[...] O ingresso das moças nas Forças Armadas não parece oferecer qualquer vantagem social, excetuando-se, é claro, a melhoria do nível econômico das referidas jovens e de suas famílias [...]” (MENDONÇA apud CYRINO, 2007). Podemos observar que o objetivo principal da divulgação da seleção era mostrar que tratava- se de um processo seletivo de âmbito nacional e aberto a qualquer candidata do sexo feminino que satisfizesse aos requisitos previstos no edital e principalmente que detivesse o capital cultural específico para a profissão escolhida. Pode-se evidenciar que a divulgação do concurso ocorreu em diversos meios de comunicação, demonstrando a transparência do processo seletivo e reafirmando seu caráter público de candidatura. Realizando uma análise mais profunda do processo seletivo, Bourdieu (2001a, p.61) acrescenta que o poder dos agentes e dos mecanismos que dominam atualmente o mundo econômico e social repousa em uma concentração extraordinária de todos os tipos de capital, econômico, político, militar, científico, tecnológico, fundamento de uma dominação simbólica sem precedente, que se exerce através do domínio das mídias, elas próprias manipuladas, não raro à sua revelia. Assim, observamos que a propaganda, que enfatiza um curso de formação militar exclusivo para mulheres, traz embutido um apelo a participação das candidatas do sexo feminino pela reafirmação da suas características de gênero e de possuir o capital cultural desejado. A disponibilização de vagas para profissões, 49 em sua maioria, eminentemente femininas, foi nitidamente um meio de facilitação para a atração de um grande número de mulheres. A Portaria nº 1.550/GM3, de 07 de dezembro de 1981, que se refere às instruções reguladoras para recrutamento, seleção inicial, matrícula e ingresso no QFO cita que as principais condições para o ingresso no Quadro eram: ser brasileira nata; não estar sub judice ou condenada, ser solteira e não servir de arrimo; ter no máximo 28 anos de idade referidos a 01 de janeiro do ano em que o Estágio de Adaptação ao QFO for iniciado, estar habilitada em uma das profissões divulgadas, requerer inscrição ao comandante do CIEAR, local onde seria realizado o Estágio de Adaptação militar, indicar a localidade onde desejava servir e ter recolher a taxa de inscrição no valor de Cr$1.200,00 (um mil e duzentos cruzeiros). (BRASIL, 1981c) Duas restrições importantes do edital, que são os critérios de “ser solteira e não servir de arrimo” merecem atenção especial. No edital não estão explícitas as inferências do estado civil ou da condição de prover qualquer tipo de auxílio à família com a candidatura ou investidura à carreira militar. Percebe-se, que neste quesito, o edital mostrou-se como um instrumento de violência simbólica à medida que segregou diversas candidatas do sexo feminino pelo seu estado civil ou posição junto à família, não sendo encontrado qualquer motivo para a existência tais restrições. De acordo com Bourdieu (1996, p.29-30) a dominação masculina é uma forma particular de violência simbólica, proporcionando divisões entre espaços masculinos e femininos, e reforçando a autoridade do homem sobre a mulher. Dando continuidade às etapas do processo seletivo, o comprovante de pagamento da taxa de inscrição deveria ser enviado ao CIEAR, juntamente com o cartão de inscrição devidamente preenchido e com fotografia. Posteriormente este cartão seria devolvido à candidata por via postal com as indicações de inscrição deferida ou indeferida e ainda com os dados necessários para a concentração inicial, que para as candidatas do Rio de Janeiro, ocorreu no estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã. No concurso de admissão com vistas à matrícula no Estágio de Adaptação, as candidatas foram submetidas aos seguintes exames de caráter eliminatório: conhecimentos especializados (prova de enfermagem), conhecimentos gerais (prova de Estudos de Problemas Brasileiros e prova de Língua Portuguesa), exame médico, exame de aptidão física e teste psicotécnico. (BRASIL, 1981c) 50 As candidatas selecionadas para a matrícula deveriam apresentar o diploma da profissão oficialmente reconhecido pela legislação federal pertinente e registrado no Ministério da Educação e Cultura e ainda a carteira do registro em Conselho Regional. (BRASIL, 1981c) Esses requisitos evidenciam que as candidatas deveriam ter um capital cultural específico, que era o curso superior em enfermagem completo, cursado em instituição de ensino reconhecida nacionalmente. Bourdieu (1989, p.149) comenta sobre a importante relação existente entre o diploma e o reconhecimento social, onde o valor relativo do trabalho não determina o valor do nome, mas o valor institucionalizado do título que serve de investimento que permite que se mantenha o valor do trabalho. Assim, o título profissional ou escolar é uma espécie de regra jurídica de percepção social, um ser-percebido que é garantido como um direito. Quanto às razões e motivações, observa-se que diversos foram os motivos que levaram as enfermeiras a aspirarem ao ingresso no espaço social das Forças Armadas e no campo da Força Aérea Brasileira. Assim, observa-se que o desbravamento de um novo campo de trabalho como enfermeira e como militar foi motivo para a participação das candidatas no processo seletivo: Primeiro porque era uma coisa assim nova! A mulher nas Forças Armadas...só tinha Marinha, um ano na frente... e também a segurança do trabalho. Um campo novo para poder trabalhar como militar e como enfermeira, e também seguro. (E1) Quanto à motivação da candidata pelo desbravamento de um novo campo de trabalho como enfermeira e como militar, concordo com Notat apud Barreira (1999a, p.125), quando dizem que as profissões femininas ou feminilizadas nota-se uma aspiração intensa pelo reconhecimento social e pela criação de novas identidades, o que caracteriza um movimento, no qual as mulheres tentam, por via da qualificação, se desvencilhar da idéia de vocação. As Forças Armadas detêm o monopólio do uso legítimo da violência previsto em lei. O sistema militar é estruturado com base nas relações de comandoobediência que estão de acordo com a disciplina e a hierarquia e é norteado pela crença absoluta no valor da corporação e por ser totalmente leal à nação, que 51 significa algo muito maior do que a própria corporação e do que a vida de cada um dos seus integrantes. (LEIRNER, 1997, p.19 e 68) No entanto, algumas enfermeiras procuraram a carreira militar pela possibilidade de conhecer diversas as regiões do Brasil e por acreditar num bom emprego: [...] Eu queria conhecer o Brasil, mas eu queria conhecer o Brasil sem perder o emprego! Eu tinha que ficar num lugar que favorecesse as duas coisas, um bom emprego e que eu pudesse morar em vários estados... (E2) Este bom emprego poderia ser pela excelente remuneração, estabilidade financeira, clientela diferenciada e a aposentadoria com salário integral: O salário! O salário era muito mais alto que os outros! E dava estabilidade [...] Uma clientela diferenciada, não corre risco de vida, porque em outros hospitais... um salário mais alto que a média, pode trabalhar num emprego só, pode trabalhar e cuidar dos seus filhos [...] Você está tranqüilo, vai se aposentar com o salário integral [...] (E5) O depoimento reforça principalmente a questão do status econômico dos militares à época, pois ao comparar o salário recebido por uma enfermeira civil e uma enfermeira militar à época, observava-se que a enfermeira militar galgava um soldo muito maior e mais benefícios do que as demais enfermeiras civis, visto que as enfermeiras militares recebem pelo posto e não pelas atividades exercidas. [...] O salário delas [enfermeiras civis] não era tão baixo, mas era baixo, bem mais baixo. (E3) Bourdieu (1989, p.134) cita que o poder de um determinado agente no espaço social pode ser definido pela posição que ele ocupa em diferentes campos, quer dizer, na distribuição dos diversos tipos de capitais: o econômico, o cultural, o social e também o capital simbólico, geralmente chamado de prestígio, reputação ou fama, que é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital. Outra depoente ressalta como motivação a progressão da carreira militar, determinada por promoções periódicas de posto, tornando-a hierarquicamente superior ao longo da carreira, fato este que proporciona também a progressão profissional pelo aumento das responsabilidades e da complexidade das atividades exercidas pelos militares de acordo com o posto alcançado: 52 Eu queria ter um trabalho em que eu tivesse um salário razoável, e conseguisse fazer o meu trabalho, [...] Colocando em prática aquilo que eu aprendi na Faculdade [...] eu fiquei mais preocupada em relação ao salário, eu queria ter uma carreira também, eu queria poder me dedicar, mas ter um retorno financeiro também... (E3) Apesar dos militares serem considerados “misteriosos” pela pouca informação divulgada sobre suas atribuições nos quartéis em tempos de paz, a população em geral tinha conhecimento dos diversos benefícios sociais e econômicos específicos da profissão militar. Assim, é possível relacionar o status social dos militares à época como conseqüência não só do seu status de defesa nacional, do poder, da ordem e da guerra, mas também do seu status econômico. Os depoimentos das entrevistadas explicam o porquê do concurso ter sido muito disputado e almejado por diversas candidatas pelo Brasil. Aprovadas nesse processo seletivo, elas galgariam um alto status profissional e conseqüentemente social e econômico, idêntico ao status galgado pelos homens militares da época. Reforçando a aspiração de diversas candidatas a seguirem carreira na Aeronáutica, a revista Aerovisão de maio de 1982 mostrou que inicialmente foram disponibilizadas 100 vagas para o Quadro Feminino de Oficiais divididas entre as seguintes áreas de atuação: Enfermagem (41), Psicologia (16), Fonoaudiologia (04), Nutrição (06), Assistência social (08), Biblioteconomia (15) e Análise de sistemas (10). A revista trouxe ainda a relação entre candidatos inscritos e vagas disponíveis para o concurso. A disputa pelas vagas de enfermagem foi bastante considerável à época, onde 1.070 candidatas disputaram as 41 vagas disponíveis, equivalendo a uma relação de 26,09 candidatas/vaga, fato este que reafirma o grande interesse pelo concurso por parte das enfermeiras à época. (BRASIL, 1982e) A vivência da aprovação no processo seletivo foi considerada como um fator de grande felicidade para as candidatas aprovadas, para seus familiares e amigos: Foi uma coisa assim muito legal... Você fazer um concurso logo recente, recémformada, eu não tinha nem um ano de formada, você fazer o concurso e passar para um Quadro novo, ser da primeira turma, isso aí foi muito legal! A família todo mundo muito coruja! Os pais, minha irmã, os outros parentes, todo mundo: “Ah, você é mulher... Vida militar... Primeira turma da Aeronáutica”... Todo mundo vibrou muito... Os amigos...! (E1) Os depoimentos expressam ainda a grande alegria das cadidatas na iminência de ingressar nas fileiras da FAB, onde aceditavam que teriam reconhecimento social por estarem numa instituição reconhecida nacionalmente, 53 detentora de poder bélico e com diversos benéficos sociais e econômicos aos seus integrantes. Fazer parte de um Quadro inédito e ser da turma das primeiras mulheres a ingressar na FAB, mesmo não tendo experiência profissional por ser recém-formada, só aumentou a vibração e o orgulho das candidatas: Ah eu fiquei muito feliz! Muito feliz! [Meus pais] Ficaram muito felizes, satisfeitos! Porque eu estava me encaminhando! E muito bem! (E3) Eu só tenho pai e irmãos, eu já não tinha a minha mãe, então ficaram contentes também! Ele então deve ter ficado super orgulhoso! (E4) Os depoimentos supracitados mostram que a vivência positiva da aprovação foi totalmente compartilhada com seus familiares. Observa-se a importância da aceitação familiar para a complementação da felicidade das candidatas pela aprovação. Tal fato é típico da condição feminina, que traz embutida consigo o encargo de ser “socialmente aceita” e “orgulhar sua família”. Observa-se que o sentimento de contentamento perante a aprovação no concurso, tanto para as candidatas quanto para os seus familiares, foi algo imensurável e indescritível. O ingresso nas Forças Armadas despertou nas enfermeiras o sentimento da “vitória da mulher na sociedade”, do “reconhecimento” enfermagem como profissão de relevância social, da vitória pela “igualdade” de direitos entre mulheres e homens, da “igualdade” de benefícios econômicos e sociais entre os gêneros e da “igualdade” de treinamentos que necessitassem de vigor físico. Além de mostrar para toda a sociedade que por serem pioneiras, estariam construindo a história da FAB e das mulheres na sociedade, as mulheres da primeira turma da Aeronáutica também tinham de provar a que vieram, tinham o objetivo de “agradar” tanto para permanecerem quanto para abrirem caminhos para as demais interessadas, perpetuando e ampliando as conquistas das mulheres na sociedade. A aprovação no processo seletivo proporcionou às candidatas um lucro simbólico que demarcou não apenas a transição do mundo civil para o mundo militar, mas determinou a incorporação de um habitus consoante com as expectativas sociais ligadas tanto à profissão de enfermagem quanto à posição de mulher da época. Sabe-se que toda pessoa que é instituída sente-se obrigada a estar de acordo com aquilo que dela se espera, à altura de sua função, e a esse respeito, vale ressaltar que: 54 O verdadeiro milagre produzido pelos atos de instituição [consagração] reside no fato de que eles conseguem fazer crer aos indivíduos consagrados que eles possuem uma justificação para existir, ou melhor, que sua existência serve para alguma coisa. (BOURDIEU, 1998, p.99 e 106) . A expressão da felicidade das candidatas e de seus familiares pela aprovação demonstra que as mesmas estavam aceitando todas as regras do jogo, principalmente a aceitação do habitus militar, movidas pelos diversos fatores motivacionais já citados, somados às propagandas da mídia e ao status social e econômico denotado aos militares à época. Conforme Bourdieu (1999, p.52 e 53): “o poder simbólico não pode se exercer sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que só se subordinam a ele porque o constroem como poder”. Assim percebe-se que essa construção prática, longe de ser um ato consciente, livre, deliberado de um “sujeito” isolado, é ela própria, resultante de um poder, inscrito duradouramente no corpo dos dominados sob forma de esquemas de percepção e de disposições (a admirar, respeitar, amar...) que o tornam sensível a certas manifestações simbólicas do poder. Evidenciamos que as mulheres e enfermeiras estavam dispostas a provar o seu potencial em toda a sua amplitude. Ingressando no ambiente militar, as enfermeiras estavam cientes que estariam prestes a se inserir num ambiente eminentemente masculino, enfrentar medos, treinamentos militares, conviver com hierarquia e disciplina férrea, participar de instruções de tiro, ir ao front se necessário, passar horas sob o sol em formaturas militares, sobreviver em ambientes inóspitos e hostis, voar em diversos tipos de aeronaves, ter contato com diversos tipos de animais selvagens e peçonhentos, estar disposta 24 horas para o serviço militar, viajar pelo Brasil a serviço, morar em qualquer estado do Brasil se for necessário, abrir mão da família, assistir a militares feridos em situações reais ou de treinamento militar, enfrentar situações difíceis com coragem perante situações jamais experimentadas e principalmente abrir mão da própria vida pela Pátria. 55 5 O ESTÁGIO DE ADAPTAÇÃO: A INCULCAÇÃO DO HABITUS MILITAR Neste capítulo, analiso o processo de incorporação do habitus militar pelas enfermeiras durante o Estágio de Adaptação, que foi o curso de formação militar, caracterizado como a última etapa do processo seletivo. No Estágio de Adaptação foram matriculadas as candidatas aprovadas na seleção inicial ao QFO que estavam classificadas dentro do número de vagas fixado e que obtiveram o parecer favorável da Junta Especial de Avaliação. As candidatas selecionadas foram comunicadas por meio de telegrama. O Estágio de Adaptação ocorreu no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR), localizado no Campo dos Afonsos/RJ, durante quatro meses, em regime de semi-internato, iniciando suas atividades em 02 de agosto de 1982. O não aproveitamento em qualquer fase do Estágio de Adaptação ao QFO, ou a falta de conceito favorável, implicaria no desligamento da aluna, cessando direitos, deveres e prerrogativas concedidas e impedindo a sua convocação para o serviço ativo. (BRASIL, 1981c) As figuras a seguir ilustram a chegada das alunas para o início do Estágio de Adaptação no CIEAR. Na Figura 9, é importante atentar tanto para o sorriso das candidatas, quanto para as malas cheias, provavelmente de roupas e utensílios pessoais das alunas, indispensáveis para o regime de semi-internato. 56 Figura 9 – Chegada das alunas ao CIEAR Fonte: CYRINO, S.B.F. A história da mulher na Força Aérea Brasileira e as perspectivas para o futuro In: ENCONTRO DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA, n.1, 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CIAAR, 2007. Na Figura 10, evidenciamos a entrada das alunas nos alojamentos e a presença de instrutoras da Marinha, devidamente fardadas, na recepção das alunas. Figura 10 – Chegada das alunas ao alojamento do CIEAR Fonte: CYRINO, S.B.F. A história da mulher na Força Aérea Brasileira e as perspectivas para o futuro In: ENCONTRO DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA, n.1, 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CIAAR, 2007. 57 Para efeito de remuneração, uso do uniforme e precedência hierárquica durante todo o Estágio, as alunas foram assemelhadas a Aspirante-a-Oficial. Elas estavam cientes que no dia da formatura seriam promovidas ao posto de SegundoTenente, e que durante a carreira militar, seriam constantemente avaliadas em diversos quesitos, podendo ser promovidas aos seguintes postos: Primeiro-Tenente, Capitão, Major e Tenente-Coronel. (BRASIL, 1981b) Observa-se que as enfermeiras do QFO poderiam galgar apenas o posto máximo de Tenente-Coronel, ou seja, não poderiam alcançar o posto máximo da FAB, que em tempos de paz, é o de Tenente-Brigadeiro, exclusivo até hoje apenas para oficiais da especialidade Aviação. No início do Estágio foi distribuído o Manual da Aluna, que era um importante documento de porte obrigatório, contendo informações relevantes referentes a todas as determinações e ordens em vigor. As informações contidas no Manual versavam sobre a legislação básica do CIEAR, o objetivo do estágio, o período escolar, os horários, a formatura diária, o atendimento médico-dentário, o uso dos alojamentos, realização de refeições, uso do telefone, uso estacionamento, freqüência às aulas, condições de exclusão por conveniência do ensino ou da aluna, uso dos uniformes, escalas de serviço, serviço de Chefe de Turma, uso das apostilas, deveres da aluna, o uso do traje civil, utilização da piscina, locais de acesso proibidos e permitidos e as regras para o recebimento de visitas. (BRASIL,1982a) As prescrições contidas no Manual eram de conhecimento obrigatório e a alegação de desconhecimento das mesmas não seria considerada como justificativa. O Manual ainda deixou bem claro o objetivo do estágio de adaptação era formar oficiais do QFO que exerceriam funções técnicas e administrativas, em organizações militares, mediante convocação para o serviço ativo. (BRASIL,1982a) Uma das principais regras estabelecidas pelo Manual era que todas as alunas deveriam manter conduta e apresentação pessoal corretas, ser assídua e pontual, cumprir os regulamentos e normas, cumprir as obrigações escolares, zelar pelo material e instalações escolares, contribuir com o seu procedimento correto para a manutenção do prestígio do CIEAR junto às coletividades civil e militar, e assistir às aulas mesmo quando dispensada da parte prática das mesmas. (BRASIL,1982a) Conclui-se que o Manual da Aluna foi um instrumento facilitador que visou de fato inculcar nas alunas um novo habitus, o militar. As prescrições do Manual 58 sintetizavam o novo estilo de vida a ser seguido caracterizadas pela grande quantidade de regras fundamentadas na responsabilidade, disciplina, hierarquia e organização, deixando esses princípios evidentes como os pilares do militarismo e tornando-os, portanto, fundamentais e indispensáveis para conhecimento das alunas logo no primeiro dia de contato com esse novo habitus. Para Bourdieu e Passeron (2008, p.29), a seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é sociologicamente necessária à medida em que essa cultura deve sua existência às condições sociais da qual ela é produto, e sua inteligibilidade à coerência e às funções da estrutura das relações significantes que a constituem. Bourdieu (1998, p.61) afirma que o habitus está expresso nos modos de agir dos agentes, pois é resultante da incorporação dos conhecimentos adquiridos nas diversas culturas, no passado e no presente e formam uma parte do capital cultural. As rotinas das atividades previstas no Estágio ocorriam de segunda a sextafeira de 08h00min às 16h15min, com um total de 07 horas diárias de estudos, totalizando 35 horas semanais. (BRASIL,1982a) Dentre as diversas características do Estágio destacava-se o deslocamento sempre marchando, as rápidas trocas de uniformes, o estudo intensivo, a grande quantidade de avaliações e as características de semi-internato. Podemos evidenciar a extensa rotina das atividades previstas, a grande quantidade de matérias a serem estudadas e a presença constante de atividades típicas da carreira militar: Nós passamos os primeiros quinze dias sem poder sair, aí realmente foi algo puxado [...] Então era um alojamento com mais de sessenta pessoas, aquele falatório! Não tinha tempo livre! Era uma coisa diferente! Acordava cinco e pouca da manhã, a Alvorada era 6hs [...] E veste uniforme, e vai para fila... Para o café da manhã tem que ir marchando, na hora do almoço vai marchando... Foi um período na verdade curto e agente tinha muita coisa para aprender, muitos regulamentos, várias provas, muitas coisa para estudar, coisas novas que estavam fora do que agente conhecia da carreira... Muito estudo, muita prova, muita aula...! (E1) Então você faz uma aula e eles mandam você colocar outro uniforme [...] Você tinha que ficar trocando de uniforme o dia todo, com rapidez e deixando tudo arrumado, aí eu ficava... Sobe escada, desce escada [...] (E2) Era o dia inteiro! Era puxado! Era bem puxado! Na parte da manhã agente tinha todo o estudo na sala de aula de instrução militar e matérias mesmo ligadas à parte militar e à tarde nós tínhamos Educação Física a tarde inteira. Toda tarde! Era para ficarmos sem sair, mais de sessenta dias, mas a nossa turma... Éramos cento e cinqüenta e poucas mulheres, a maioria filha de militares, de Brigadeiros, disso e daquilo, e o pessoal chorou muito lá para agente conseguir sair nos finais de semana! Com um mês eu acho que agente começou a sair nos finais de semana! Mas o curso durou quatro meses!(E3) 59 Era o dia todo, tinha instrução militar, tinha educação física, era o dia todo e todo dia, agente ficou presa [...] (E4) Era horário integral, de formação militar, agente ficava lá e só saía às sextas-feiras. (E5) Podemos observar que as alunas passaram por rígidos treinamentos militares, atividades de condicionamento físico, aulas exaustivas e testes diários de situações de hierarquia e disciplina, indispensáveis para a inculcação do habitus militar. De acordo com Bourdieu (1999, p.62), o ponto de honra, que é a forma peculiar de sentido do jogo que se adquire pela submissão prolongada às regularidades e às regras da economia de bens simbólicos é o princípio do sistema de estratégias de reprodução pelas quais os homens, detentores do monopólio dos instrumentos de produção e reprodução do capital simbólico, visam a assegurar a conservação ou o aumento desse capital com estratégias orientadas no sentido de transmissão dos poderes e dos privilégios herdados. Sobre uma avaliação geral de todo o conteúdo programático do curso, as entrevistadas enfatizaram: Na verdade a maioria [das instruções] era realmente sobre a parte de regulamentos e sem isso não dá para você depois seguir uma carreira sem ter a mínima noção do que os regulamentos dizem. Tivemos [aulas sobre] correspondência, tivemos alguma coisa de aula de Português, mas a grande maioria eram mesmo regulamentos e Educação Física todo dia, o último tempo de aula era de Educação Física. (E1) A parte disciplinar, da instrução militar... Eu acho que tem que ser por aí mesmo! Mas por exemplo a parte teórica eu acho que não! Eu acho que poderiam ter sido abordadas outras coisas até de interesse da própria profissão de cada uma... Enfermeiras, nutricionistas... Porque eles deram muita coisa, não da instrução prática nem algumas coisas de instrução militar... Mas tiveram matérias que agente viu que não levaram a lugar nenhum! (E3) Foi bom! Em termos de leis, da coisa militar mesmo, mas eu acho que exatamente ficou faltando a preparação para tua profissão na área militar! E eu acho que não tem até hoje! (E4) Eu acho que o conteúdo eram só matérias militares! Porque agente estava aprendendo a ser militar na verdade! Só que agente não sabia muito bem encaixar porque agente era civil! Agente não sabia usar aquilo! Depois de um tempo que fomos ver o que estávamos aprendendo! Na hora você não tinha muita idéia [...] (E5) O conteúdo programático do Estágio de Adaptação envolvia basicamente o condicionamento físico e o estudo de regulamentos militares, que são indispensáveis para a inculcação do habitus militar, ou seja, para o doutrinamento da aluna. 60 As aulas de Educação Física ocorriam todos os dias e sempre no último tempo de aula e com uniforme específico. Todos os regulamentos militares estavam dispostos em apostilas impressas que eram distribuídas às alunas através da secretaria do Corpo de Alunas. (BRASIL,1982a) As alunas que seguissem todas as suas instruções estariam efetivamente iniciando a incorporação do habitus militar e conseqüentemente tornando-se um membro de reprodução do capital simbólico. É importante frisar que a aluna poderia pedir exclusão do Estágio a qualquer momento, entretanto, as regras não mudariam em nenhuma hipótese, e caso não houvesse a concordância com qualquer prescrição do Estágio, era preferível que a própria aluna solicitasse sua exclusão ao invés de ser desligada. (BRASIL,1982a) Bourdieu e Passeron (2008, p.63 e 64) justificam a questão da exclusão do aluno quando dizem que a principal força da imposição do reconhecimento da cultura dominante como cultura legítima e do reconhecimento correlativo da ilegitimidade do arbitrário cultural dos grupos ou classes dominadas reside na exclusão que adquire uma força simbólica, que parece àqueles que a ela se submetem, como a sanção de sua indignidade cultural. Figura 11 – Alunas do QFO com uniforme de Educação Física e com roupão de banho 61 As alunas concorreram às escalas de serviço diárias de Aluna-de-Dia ao Corpo de Alunas e de Chefe de Turma. Os deveres das alunas que estivessem escaladas eram, dentre outros, retirar as faltas da turma, fazer a apresentação da turma ao instrutor, deslocar a turma em forma para locais de instrução, fiscalizar a entrada e saída da turma dos recintos de instrução, notificar e controlar os uniformes previstos para as aulas, manter a disciplina da turma mesmo nos intervalos de instrução e zelar para que as alunas não se afastassem demais dos locais de instrução, mesmo nos intervalos das aulas. Qualquer irregularidade encontrada pela aluna de serviço, que era a responsável pela supervisão das demais alunas, deveria ser imediatamente levada ao conhecimento do comandante do Corpo de Alunos. (BRASIL,1982a) As visitas eram proibidas durante a semana, entretanto, nos finais de semana era facultada a entrada de familiares no pátio do prédio do Corpo de Alunos. (BRASIL,1982a) Perguntadas sobre a existência de algum curso específico na área de enfermagem, as depoentes responderam: Não tinha nada a ver com enfermagem. Era adaptação mesmo para [ser] militar. (E1) Ainda sobre a existência de algum tipo de tratamento diferenciado dispensado às enfermeiras, as depoentes relatam: Não! Foi igual para todo mundo! (E3) Assim, observamos que o Estágio focou a preparação do aluno quanto ao aprendizado de leis, regulamentos, normas e costumes militares e ainda proporcionar às alunas um bom condicionamento físico, compatível com o desejável para a carreira militar. Bourdieu (2001b, p.121) cita que as estratégias escolares dependem não só do capital cultural e por isso não podem ser isolados do conjunto das estratégias conscientes ou inconscientes pelas quais os grupos tentam manter ou melhorar sua posição na estrutura social. Quanto à remuneração percebida durante o Estágio, as depoentes relatam: 62 O Estágio era remunerado. Era Estágio de Adaptação, então agente ganhava como aluna! (E1) Sim, Aspirantes recebiam como Suboficial. (E2) As informações sobre a remuneração são confirmadas pela reportagem publicada no Jornal do Brasil de 07 de dezembro de 1982 ao citar a entrevista feita com a primeira colocada da turma no dia da formatura: [Cynthia] ainda não sabe quanto vai ganhar, e imagina apenas que será um salário maior que o soldo de aluna que recebia até agora, de Cr$108 mil. (DÉLIO...,1982, p.2). A assiduidade e as regras de uso do alojamento também eram quesitos muitos cobrados no Estágio. No que tange à assiduidade no curso, era estritamente obrigatória a presença das alunas em todas as atividades previstas no Estágio. As faltas às formaturas ou aulas eram lançadas no talão da Chefe de Turma e recolhida pela aluna de serviço. As faltas às formaturas diárias sem motivo justificado eram consideradas transgressões disciplinares10. Desta forma, a cada aula que a aluna não comparecesse ou não assistisse integralmente corresponderia à perda de 01(um) ponto se a falta fosse considerada justificada e 03 (três) pontos se a falta fosse considerada não justificada. (BRASIL,1982a) As regras de uso do alojamento também estavam estabelecidas já que era vedada a utilização do mesmo durante os horários previstos para as aulas, era proibida a entrada de pessoas estranhas e não era permitido deixar objetos fora do armário ou pendurar peças do vestiário nas camas e armários. O alojamento das alunas deveria ser mantido em perfeito estado de limpeza, arrumação e conservação, inclusive com a manutenção das camas de acordo com o padrão estabelecido. (BRASIL,1982a) Questionadas sobre a formação dos instrutores responsáveis pelas diversas disciplinas durante o Estágio de Adaptação, os sujeitos responderam: Era o pessoal do CIEAR [...] A grande maioria era de oficias. Só alguns, na parte de Educação Física, que eram Graduados [Sargentos]. (E1) Eram intendentes, aviadores, médicos, foram quatro instrutoras da Marinha, eram duas médicas, uma psicóloga, e uma enfermeira. Elas eram nossas instrutoras e 10 Transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar e será apreciada para efeito de punição. (BRASIL, 1975) 63 cada uma ficava com uma esquadrilha [...] Nós éramos quatro esquadrilhas! Alfa, Bravo, Charlie e Delta. (E2) De acordo com os depoimentos, podemos observar que uma das estratégias pedagógicas utilizadas pelo CIEAR foi dividir a turma em grupos, que na FAB são chamados de esquadrilhas. Já que a turma era composta por mais de cem alunas, este recurso permitiria que o aprendizado fosse ampliado pelo número reduzido de alunas por sala. Outro recurso utilizado foi a participação de instrutores militares FAB com formação profissional diferenciada, ou seja, médicos, aviadores, intendentes e sargentos de diversas especialidades. É importante frisar a presença de quatro instrutoras da primeira turma da Marinha do Brasil com a finalidade de ministrar instruções diversas e principalmente de servir de exemplo para que as futuras oficiais pioneiras da FAB pudessem compreender como ser oficial, como comandar, e principalmente como se comportar diante de um meio totalmente masculino. O relacionamento entre os instrutores e a turma também foi descrito pelos sujeitos: Era uma coisa nova para eles, mas eles procuravam manter a hierarquia, mas sempre com alguma coisa mais agradável do que estariam com os homens, porque era um Quadro novo e o Comandante do CIEAR, ele dizia que não éramos as meninas dos olhos dele, tanto que ele nem deixou que agente... Queria fazer um acampamento, queria fazer um negócio de caminhada fora, uma caminhada que os homens faziam e para nós foi proibido, como chamam “Quadro das florzinhas” (E1) A nossa turma é pioneira! Então, para todo mundo, tanto para nós quanto para eles foi tudo muito novo!”(E2) Ah... Agente foi tratada meio assim como “coisinha de cristal” [...] (E4) Ah, eles queriam mostrar que eram durões... Aquele negócio de militar, mas só que eram mesmo paternalistas [...] (E5) 64 Figura 12 – Instrutoras da Marinha do Brasil acompanhadas pelo Ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos Fonte: CYRINO, S.B.F. A história da mulher na Força Aérea Brasileira e as perspectivas para o futuro In: ENCONTRO DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA, n.1, 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CIAAR, 2007. Figura 13 – Instrutora da Marinha do Brasil no comando de uma esquadrilha durante o Estágio de Adaptação ao QFO Fonte: CYRINO, S.B.F. A história da mulher na Força Aérea Brasileira e as perspectivas para o futuro In: ENCONTRO DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA, n.1, 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CIAAR, 2007. De acordo com o Manual da Aluna, poderia ser excluída do corpo discente a aluna que utilizasse meios ilícitos durante a realização das provas, não obtivesse aproveitamento mínimo exigido em qualquer fase do Estágio, ultrapassasse o limite 65 máximo permitido de pontos perdidos, fosse considerada incapaz de prosseguir no estágio por motivo de saúde, dado por parecer médico ou então que cometesse falta grave. Às alunas que solicitassem por qualquer motivo sua exclusão voluntária, os trâmites para a exclusão seriam imediatamente viabilizados. (BRASIL, 1982a). Bourdieu e Passeron (2008, p.29) citam que a ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica na medida em que a delimitação objetivamente implicada no fato de impor e de inculcar certas significações, convencionadas, pela seleção e a exclusão que lhe é correlativa, como dignas de ser reproduzida por uma ação pedagógica, reproduz a seleção arbitrária de um grupo ou uma classe opera objetivamente em e por seu arbitrário cultural. Quanto à vivência pessoal de toda essa experiência do Estágio de Adaptação, as candidatas comentaram: [...] Tiveram algumas coisas que me chateavam, por exemplo, tinha que pensar igual a todo mundo! Isso me chateou profundamente porque eu tive que me controlar muito porque eu tenho opinião a respeito de tudo e tinha que controlar a opinião [...] Se [o Estágio] passasse de quatro meses eu não agüentava, eu ia embora! A minha forma de ser para me adaptar ao militarismo daquela época, como era... Realmente foi um esforço muito grande! [...] Estudar, decorar... Isso era coisa fácil! [...] (E2) Ah! Foi uma experiência inédita para mim porque é uma coisa diferente! Mas foi uma coisa boa, eu encarei bem, não tive dificuldades! (E3) Foi bom, eu gostei, ficamos presas lá, fazendo coisas diferentes, curti! (E4) Achei muito chato! Tive enxaqueca todos os dias! Não porque era militar, mas porque as pessoas são difíceis, então [...] A convivência era difícil! Muitas mulheres, muitas normas, não poder sair no início, agente ficou em quarentena, não podia falar com ninguém, não podia telefonar, era assim um terrorismo... Depois não! Depois liberou aí ficou melhor, mas também tinha muita pressão por causa de nota, para gente ficar aonde que agente queria! Uma situação difícil [...] Praticamente gente do Brasil inteiro... Era complicado!(E5) A análise das informações referidas pelas entrevistadas sobre Estágio de Adaptação oferecido ao QFO demonstra que este foi um curso específico para a formação militar dos sujeitos, onde as alunas foram treinadas para comandar e liderar subordinados nas unidades em que foram designadas. Assim, o Estágio de Adaptação resumidamente atuou na inculcação do habitus militar enfocando aspectos relacionados às atribuições de um Oficial da FAB, às prerrogativas inerentes da ética do cumprimento do dever e do compromisso militar e às bases da profissão militar que são a hierarquia e disciplina, e que são instrumentos simbólicos que permitem identificar a profissão de Militar. 66 De acordo com Bourdieu (2007, p.211), a escola, enquanto “força formadora de hábitos”, propicia aos que se encontram direta ou indiretamente submetidos à sua influência, não tanto esquemas de pensamentos particularizados, mas uma disposição geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação, os quais pode-se dar o nome de habitus cultivado. O Oficial, de acordo com o Estatuto dos Militares, é preparado ao longo da carreira para o exercício de funções de comando, chefia e direção, sendo que o comando é considerado a soma de autoridade, deveres e responsabilidades de que o militar é investido legalmente quando conduz homens ou dirige uma organização militar. O comando é vinculado ao grau hierárquico e constitui uma prerrogativa impessoal, em cujo exercício o militar se define e se caracteriza como chefe. (BRASIL, 1980) Quanto à ética militar, o Estatuto dos Militares ressalta que o sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar, a saber: amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal; exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo; respeitar a dignidade da pessoa humana; cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes; ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados; zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum; empregar todas as suas energias em benefício do serviço; praticar a camaradagem e desenvolver, permanentemente, o espírito de cooperação; ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada; abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de matéria sigilosa de qualquer natureza; acatar as autoridades civis; cumprir seus deveres de cidadão; proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular; observar as normas da boa educação; garantir assistência moral e material ao seu lar e conduzir-se como chefe de família modelar; conduzir-se, mesmo fora do serviço ou quando já na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro militar; abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar 67 negócios particulares ou de terceiros e zelar pelo bom nome das Forças Armadas e de cada um de seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética militar. (BRASIL, 1980) Quanto ao dever do militar, o Estatuto dos Militares cita que os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar à Pátria e ao seu serviço, e compreendem essencialmente a dedicação e a fidelidade à Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida; o culto aos Símbolos Nacionais; a probidade e a lealdade em todas as circunstâncias; a disciplina e o respeito à hierarquia; o rigoroso cumprimento das obrigações e das ordens; e a obrigação de tratar o subordinado dignamente e com urbanidade. (BRASIL, 1980) É importante frisar que, apesar da importância de todos os preceitos citados, a vida militar não se sustenta sem seus pilares, que são a disciplina e a hierarquia, e que foram devidamente inculcados durante a formação militar: Nós éramos tratadas como alunas e saímos como Segundo-Tenente e agente sempre tinha aquela coisa! Sempre tinha uma que queria ser... Não levar a coisa do jeito que era, mas eles tratavam agente assim e agente tinha que corresponder com hierarquia e disciplina. (E1) A hierarquia e a disciplina são as bases das Forças Armadas, sendo que a disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo, e a hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada, e reformados. (BRASIL, 1980) Perguntadas sobre a adaptação com a disciplina e hierarquia militar, as entrevistadas responderam: A Escola Anna Nery já era bem militarizada. Aquela coisa do uniforme sempre correto, sempre arrumado! Eu também não tive dificuldade nenhuma. Quem foi da Escola Anna Nery sabe que já era meio militarizada, então eu não tive dificuldade nenhuma. Eu acho que quando agente entra numa coisa agente tem que seguir as regras, então tem que procurar cumprir. (E1) 68 Para mim não houve tanto problema [...] Aliás a enfermagem da [Escola] Anna Nery tinha muito a ver com isso! Era um sistema meio militar na época. Eram umas coisas que...Umas ordens que [...] eu vinha de uma Universidade Federal, agente estava tendo abertura política, agente estava lutando pelos direitos e de repente eu estou no militarismo. Minhas amigas que me conhecem não aceitavam. Elas ficavam: “Como é que você conseguiu?” Você tem que ter objetivos na vida... pessoais... E isso aí é o modelo! Você não pode sair da disciplina e da hierarquia militar! É o modelo militar que se você acabar com isso no militarismo, acabou o militarismo! Acaba com tudo! Você é civil! (E2) Muito bem! Eu sou disciplinada, eu era da [Escola] Anna Nery, que também já era um quartel [...] (E5) Bourdieu e Passeron (2008, p.65) enfatizam que o sucesso de toda educação escolar depende fundamentalmente da primeira educação que a percebeu, mesmo e sobretudo quando a Escola recusa essa prioridade em sua ideologia, pois sabe-se que através do conjunto de aprendizagens ligadas à conduta cotidiana da vida e em particular através da aquisição da língua, criam-se disposições lógicas que são dominada pelo estado prático. Nestes casos observa-se que as alunas já estavam habituadas com um estilo de vida regrado por terem vivido experiências anteriores tanto familiares quanto na EAN. À época, a EAN era considerada altamente rígida na formação de suas alunas tanto no ensino da enfermagem quanto na formação ética e moral das alunas. Barreira (1999a, p.177) relata que o produto educacional saído da EAN era conforme a tradição da profissão, com seu caráter paramilitar, onde a aparência da aluna, principalmente quando uniformizada, era um ponto de extrema relevância assim como a pontualidade, a assiduidade, as recompensas e punições de natureza moral, dentre outros. Esse fato justifica o porquê das alunas em questão não terem tido dificuldades durante a incorporação do habitus militar, visto que o processo de formação do seu habitus profissional de enfermeira foi muito parecido com os moldes do militarismo. Bourdieu (2007, p.206) comenta que: [...] os homens formados em uma dada disciplina ou em uma determinada escola, partilham um certo “espírito”, literário ou científico [...] Tendo sido moldados dos num certo modelo [...], os espíritos assim modelados [...] Encontram-se dispostos a manter com seus pares uma relação de cumplicidade e comunicação imediatas. Logo após o início do Estágio de Adaptação, aproximava-se o desfile cívico militar de 07 de setembro, que seria realizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, em comemoração ao dia da Independência do Brasil. Como pela primeira vez a 69 Aeronáutica estava formando mulheres militares, foi decidido pela instituição que as alunas, apesar de estarem há pouco tempo no Estágio, participariam do desfile de 07 de setembro daquele ano, 1982. As candidatas revelaram detalhes do evento: [...] E com pouco tempo que agente estava lá, nós entramos 02 de agosto, em poucas semanas, acho que duas, eles acharam que seria interessante agente marchar no dia 07 de setembro, então com menos de um mês agente começou um treinamento para desfilar 07 de setembro... Era Ordem Unida quase que até de noite! Além das aulas teóricas... Muita Ordem Unida! “Para mim foi uma coisa inusitada! Realmente a turma correspondeu, porque treinar para desfilar... Nós saímos lá do início da Avenida Rio Branco, lá perto do aterro do Flamengo, e agente foi desfilando até a [Avenida] Presidente Vargas, na altura da entrada do Sambódromo! [...] Foi cansativo! Para gente chegar lá, agente acordou de madrugada, fomos de ônibus até a estação de Marechal Hermes, então agente pegou o trem até a Central do Brasil e da Central do Brasil agente pegou o metrô para saltar na Avenida Rio Branco... Fardada e de forma especial porque agente usou a camisa de manga comprida, luvas brancas, gravatinha... E a família de todo mundo foi lá para a concentração, para o desfile... E para nós foi uma coisa! Um mundo novo! E o desfile realmente é uma coisa emocionante! A primeira vez! E o público aplaudindo, gritando... As mulheres desfilando... Dizendo que agente desfilava melhor do que os homens... Foi muito interessante! (E1) Parecia uma apresentação! Parecia festa de debutante, quando você é apresentada à sociedade! (E2) Ah! Foi emocionante porque naquela época também o desfile era uma coisa mais valorizada! Hoje em dia eu acho que isso acabou! Mas naquela época era uma coisa importante que a própria população, o povo em geral... Eles valorizavam mais e para nós foi emocionante! (E3) Ah, foi fantástico! Emocionante! Porque as mulheres ficavam gritando: “Eh! Viva as mulheres! Vocês conseguiram!” Então foi muito legal! (E4) Foi muito legal! Estava todo mundo muito motivado, as famílias foram ver, foi muito gratificante, muito legal, agente foi de trem, uma experiência diferenciada [...] (E5) Figura 14– Grupamento de Alunas do QFO no desfile cívicomilitar de 07 de setembro de 1982 no Rio de Janeiro Fonte: CYRINO, S.B.F. A história da mulher na Força Aérea Brasileira e as perspectivas para o futuro In: ENCONTRO DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA, n.1, 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CIAAR, 2007. 70 Assim, o desfile cívico-militar de 07 de setembro de 1982, contou, pela primeira vez , com as primeiras mulheres militares da Aeronáutica, caracterizando-o portanto, como um evento importante na história da primeira turma de oficiais, principalmente por ser o primeiro evento dotado de grande força simbólica, visto que as mesmas estavam sendo, de certa forma, “apresentadas” à sociedade. Durante o Estágio de Adaptação, o uniforme era um importante objeto de fiscalização, sendo proibida qualquer modificação do mesmo por parte das alunas. A ordem era que as alunas sempre observassem a correta constituição do uniforme para o dia. As alunas possuíam vários tipos de uniformes, que eram identificados por números e letras e para cada ocasião cabia um uniforme específico sendo na maioria das vezes, acompanhado pelo distintivo do CFRA, que foi aprovado pela Portaria n°550/GM6, de 13 de maio de 1982. (BRASIL, 1982b) Figura 15 – Distintivo do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA) Fonte: BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Portaria n° 550/GM6, de 13 de maio de 1982. Aprova o distintivo de curso do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica - CFRA. Boletim do Ministério da Aeronáutica. Brasília, DF, n.113-5, 31 maio. p.79-80. 1982b. O uso do traje civil era permitido apenas para a entrada e saída do quartel, nos dias não úteis, atentando-se para a proibição do uso de shorts, minissaias, bermudas, mini-blusas e “collants excessivamente decotados”. (BRASIL, 1982a) Quanto ao recebimento do uniforme previsto para o Estágio de Adaptação, a maioria da turma recebeu todo o uniforme previsto, somente algumas peças faltaram para algumas alunas, que receberam tecido correspondente. Nós recebíamos fardamento! [Mas] faltou! Deram tecido e eu me lembro que a minha mãe é costureira e eu levei umas quatro mulheres para a minha casa, minha mãe cortou, cada uma ia para um canto, alinhavava e depois passava na máquina... As saias [...] (E2) 71 Apesar da apresentação pessoal ser um quesito muito cobrado na vida militar, observou-se a necessidade de oficializar uma documentação que versasse apenas sobre as normas de apresentação pessoal e de utilização de adornos por parte das mulheres militares, englobando o comportamento das mesmas em diversas situações possíveis que ocorressem após o término do Estágio de Adaptação. Assim, no dia 04 de outubro de 1982 foi disponibilizada a Portaria n° 1.114/GM6, que aprovou as normas complementares de conduta ético-militar, de apresentação pessoal em atividades sociais e do uso de adornos por parte das militares do CFRA. (BRASIL, 1982c) Essa Portaria enfocou que, embora a conduta ético-militar do pessoal da Aeronáutica já estivesse de modo geral prevista nas leis, regulamentos e normas em vigor, a criação do CFRA trouxe novos direcionamentos que exigiram adaptações e conceituações próprias, e que desta forma, esta portaria destacaria os aspectos de maior relevância que necessitavam de interpretações precisas e de procedimentos uniformes, de modo a que se evitassem distorções ou discrepâncias de comportamento e que evitassem ferir os usos e costumes da boa conduta militar da Aeronáutica. (BRASIL, 1982c) Quanto à conduta ético-militar, a Portaria n°1.114/GM6 cita que a conduta ético-militar deverá em todas as circunstâncias, ser orientada de acordo com as prescrições do Estatuto dos Militares, Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, e dos demais regulamentos, mas que também deveria atender os seguintes preceitos: “o respeito à sua condição de mulher, à dignidade de seu papel em família, bem como às tradições de disciplina e decoro da Aeronáutica.” (BRASIL, 1982c) Desse modo, era especialmente recomendado à integrante do CFRA: ser discreta em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada; abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de assuntos sigilosos; proceder de maneira ilibada na vida pública e particular; conduzir-se dentro e fora do âmbito militar, de modo que não fossem prejudicados os princípios de disciplina de nivelamento hierárquico e decoro militar; abster-se de fazer uso do posto ou graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza, ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros; evitar, em público e quando uniformizada, a demonstração de familiaridade; evitar gestos e atitudes consagradas como manifestações de gentileza e apreço no relacionamento social, mas que se tornam incompatíveis, quando envolvendo militar uniformizado; cultivar o “espírito de corpo” 72 e projetar uma imagem favorável do papel da mulher na Aeronáutica; empregar todas as energias em benefícios do serviço, cumprindo rigorosamente suas obrigações; não se comprometer irregularmente com encargos de família, principalmente se solteira; evitar relacionamento íntimo ou socialmente reprovável com superiores, pares e subordinados hierárquicos; evitar relacionamentos de amizade ou de intimidade com pessoas de reputação duvidosa; não demonstrar intimidade com outrem mediante atitudes ou gestos comprometedores; não invocar circunstâncias de matrimônio ou encargos de família para eximir-se de obrigações funcionais; não freqüentar, quando uniformizada, bares ou ambientes pouco recomendáveis; e ainda não usar gírias, expressões ou gestos incompatíveis com a conduta militar e não transitar em público conduzindo, quando uniformizada, objetos estranhos ao uniforme. (BRASIL, 1982c) No que tange à apresentação pessoal, a referida Portaria ressalta que, visando manter a boa apresentação pessoal, a militar deveria ter especial atenção no esmerado uso do uniforme, procurando ser discreta no uso da maquiagem e uso de adornos; abster-se do uso de penteados exagerados como alto e cheio, ou cobrindo a testa, ainda que parcialmente, bem como o uso de quaisquer postiços e quanto às unhas, estas poderiam ser tratadas e pintadas apenas com esmalte transparente. (BRASIL, 1982c) Quanto à apresentação pessoal em atividades sociais, era previsto que a militar só poderia freqüentar clubes e cassinos militares do círculo que lhe correspondesse, mesmo quando existisse vínculo matrimonial entre militares de diferentes círculos, e o comparecimento da militar a eventos sociais decorrentes da atividade militar que se realizasse no âmbito da Organização Militar, deveria ser feito exclusivamente em seu círculo e quando convidada a participar de eventos de outro círculo, a militar poderia comparecer, fazendo-o obrigatoriamente em traje civil. (BRASIL, 1982c) Nos assuntos relacionados ao uso de adornos, foi determinado que não seria permitido o uso de colar que ficasse à mostra, seria permitido apenas o uso de uma única pulseira desde que formada de uma única volta simples e com espessura máxima de um centímetro. O uso de brinco era permitido, sendo que o referido adorno deveria ser pequeno e discreto não podendo ter argola nem pingente. O uso de anel, aliança e relógio era permitido. (BRASIL, 1982c) 73 Sobre o casamento, aplicava-se às alunas o prescrito no Estatuto dos Militares, onde o militar da ativa poderia contrair matrimônio, desde que fosse observada a legislação civil específica, todavia, era vedado o casamento às Praças especiais, com qualquer idade, enquanto estivessem sujeitas aos regulamentos dos órgãos de formação de Oficiais, de Graduados e de Praças, cujos requisitos para admissão exigissem a condição de solteiro, salvo em casos excepcionais, a critério do Ministro da respectiva Força Armada. As Praças especiais que contraíssem matrimônio em desacordo com o previsto seriam excluídas do serviço ativo, sem direito a qualquer remuneração ou indenização. No caso das militares do CFRA já formadas, o casamento com homem estrangeiro somente poderia ser realizado após autorização do então Ministro da Aeronáutica. (BRASIL, 1980) Quanto ao real cumprimento das prescrições da Portaria n° 1.114/GM6, de 04 de outubro de 1982, as candidatas informam: Era o que está escrito: jóias, anéis unhas, esmalte claro... Isso era seguido à risca! (E1) Funcionava! No início quando nós chegamos aqui, todas nós... Era o coque... Mas é uma coisa assim até boa, não só o coque, mas você ter uma apresentação melhor! Se cuidar mais, estar sempre arrumada. A apresentação pessoal aqui no meio militar sempre foi muito valorizada. Foi mais no passado quando nós ingressamos aqui do que hoje em dia, mas eu considerei até uma coisa positiva! Seguíamos à risca! (E3) Isso realmente existia! E até hoje tem! Você não pode usar batom muito vermelho, esmalte muito vermelho, às vezes até hoje você vê, mas na lei não pode... Brincos pendurados [...] (E4) Eu acho que quando agente entrou era muito seguido. Agente usava só brinco pequeno, coque, unha nunca usamos vermelha, essas coisas todas... e era emblemático isso, a minha colega pintou o cabelo de loiro [...] e mandaram ela pintar o cabelo novamente. Era da primeira turma. Até porque chegou muita mulher e perdeu um pouco daquele foco, porque nove pessoas é mais fácil, agora um montão... Hoje até o comprimento da saia é diferente, antes era saia abaixo do joelho, era mais cobrado! (E5) O ciclo de formação militar das alunas do QFO se encerrou com o segundo evento do curso dotado de grande força simbólica, que foi a solenidade de formatura da turma. A solenidade ocorreu em 06 de dezembro de 1982, no CIEAR, contou com a presença de várias autoridades civis e militares e foi marcada por diversos rituais como missa de ação de graças, honras militares ao Ministro da Aeronáutica, entrega de insígnias, compromisso das Tenentes e por fim o desfile militar. (BARROS, 2007) 74 De acordo com Mc Laren apud Santos (2004, p. 83) “o ritual é uma forma de ação simbólica, composta primariamente por gestos (atos simbólicos dinâmicos) e posturas (uma parada simbólica da ação)”. Os Estatuto dos Militares enfoca que todo cidadão, após ingressar em uma das Forças Armadas mediante incorporação, matrícula ou nomeação, prestará compromisso de honra, no qual afirmará a sua aceitação consciente das obrigações e dos deveres militares e manifestará a sua firme disposição de bem cumprí-los. O compromisso do incorporado, do matriculado e do nomeado, a que se refere o artigo anterior, terá caráter solene e será sempre prestado sob a forma de juramento à Bandeira Nacional na presença de tropa ou guarnição formada, conforme os dizeres estabelecidos nos regulamentos específicos das Forças Armadas, e tão logo o militar tenha adquirido um grau de instrução compatível com o perfeito entendimento de seus deveres como integrante das Forças Armadas. (BRASIL, 1980) Vale citar o compromisso firmado pelas formandas na solenidade de formatura, também transcrito no convite: Ao ser declarada Segundo-Tenente da Força Aérea Brasileira, prometo cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinada, respeitar superiores hierárquicos, tratar com afeição os irmãos de Armas e com bondade os subordinados e dedicar-me inteiramente ao serviço da Pátria, cuja honra, integridade e instituições defenderei com o sacrifício da própria vida. A formatura foi um evento dotado de grande força simbólica que representou o término do processo seletivo, e marcou o início da trajetória das primeiras oficiais enfermeiras a ingressarem na FAB por meio de concurso público federal. 75 Figura 16 - 2◦ Tenente Enfermeira Neyde da Costa Carpinteira logo após a formatura Figura 17 – Cópia do diploma de conclusão do Estágio de Adaptação ao QFO 76 Figura 18 – Adesivo comemorativo à formatura da 1ª turma do QFO nomeada “Demoiselle11” pelas formandas Figura 19 – Capa do convite de formatura da 1ª turma do QFO 11 “Demoiselle” foi um invento de Alberto Santos Dumont. Foi o primeiro avião produzido em série e influenciou definitivamente a indústria da aviação, especialmente a indústria européia, no começo do século XX. (VICTOR, 2007b, p.20) 77 Figura 20 – Cópia da Carta-Patente do posto de 2º Tenente do QFO Após a formatura, as Oficiais Enfermeiras do QFO foram designadas a desempenhar funções compatíveis com suas habilitações e qualificações profissionais em diversos hospitais pelo Brasil. As alunas aprovadas foram relacionadas em ordem decrescente das médias finas obtidas, o que serviu de base para a determinação das respectivas antiguidades12, ou seja, ordenação hierárquica pela pontuação geral obtida no curso de formação militar, conforme o depoimento a seguir: Foi por antiguidade! Durante o curso! No final do curso nós fomos classificadas. Classificação geral! De acordo com essa classificação cada uma de nós era chamada e: “Olha, você está nessa classificação, você pode escolher tal e tal lugar!” (E3) 12 A precedência entre militares da ativa do mesmo grau hierárquico, ou correspondente, é assegurada pela antigüidade no posto ou graduação, salvo nos casos de precedência funcional estabelecida em lei. A antigüidade em cada posto ou graduação é contada a partir da data da assinatura do ato da respectiva promoção, nomeação, declaração ou incorporação, salvo quando estiver taxativamente fixada outra data. Havendo empate, outros critérios serão estabelecidos, dentre eles, a antigüidade será estabelecida entre militares do mesmo Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, pela posição nas respectivas escalas numéricas ou registros existentes em cada Força. (BRASIL, 1980) 78 A nomeação das oficiais da primeira turma do QFO foi divulgada pela Portaria n° 1.430/GM1, de 06 de dezembro de 1982, que além de nomeá-las, também as convoca para o serviço ativo pelo prazo de dois anos obrigatórios e as relaciona por ordem de antiguidade. As militares convocadas para o serviço ativo, tornaram-se titulares de deveres, responsabilidades, direitos, honras, prerrogativas e remuneração previstos na legislação em vigor e nas disposições previstas em leis e regulamentos. (BRASIL, 1982d) 79 6 A INSERÇÃO DAS ENFERMEIRAS MILITARES NOS HOSPITAIS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA: AS LUTAS SIMBÓLICAS NO CAMPO MILITAR Neste capítulo, discuto as estratégias de luta das enfermeiras militares para ocuparem seus lugares devidos nos hospitais da Força Aérea Brasileira. As alunas que concluíram com aproveitamento o Estágio de Adaptação foram nomeadas Segundo-Tenente da Reserva da Aeronáutica e convocadas para o serviço ativo por um período inicial de dois anos obrigatórios, quando então seriam promovidas ao posto de Primeiro-Tenente. (BRASIL, 1981b) De acordo com o Decreto n◦ 86.325, de 01 de setembro de 1981, a convocação e as prorrogações para o serviço ativo não implicavam em compromisso de tempo mínimo de permanência na FAB, ou seja, as integrantes do QFO poderiam ser licenciadas a qualquer tempo, a bem da disciplina ou a pedido, sendo que o licenciamento a pedido somente seria concedido ao militar que tivesse cumprido o tempo inicial a que se obrigou a servir de dois anos. (BRASIL, 1981a) Após o período inicial de dois anos, a permanência definitiva no serviço ativo só seria assegurada às integrantes do QFO, de acordo com as necessidades da Aeronáutica e por ato do respectivo Ministro, após 08 (oito) anos de serviço em atividade militar. (BRASIL, 1981a) Às integrantes do QFO em serviço ativo seriam aplicadas as disposições da Lei de Promoções de Oficiais da Ativa das Forças Armadas e de seu regulamento para a Aeronáutica. À época, a referida Lei previa que as vagas de Primeiro-Tenente seriam preenchidas por Segundos-Tenentes que completassem no mínimo 02 (dois) anos de interstício. Já as vagas de Capitão seriam preenchidas por PrimeirosTenentes, as vagas de Major por Capitães e as vagas de Tenente-Coronel por Majores sendo que para cada promoção, o Oficial deveria completar no mínimo 06 (seis) anos de interstício. (BRASIL, 1981a) As integrantes do QFO que galgassem a permanência definitiva no serviço ativo reverteriam Reserva Remunerada da Aeronáutica (inatividade ou aposentadoria), ao atingirem as seguintes idades-limite: Tenente-Coronel (56 anos); Major (52 anos); Capitão, Primeiro-Tenente ou Segundo-Tenente (48 anos). (BRASIL, 1981a) 80 Ao ingressarem nas unidades para as quais foram destinadas, as enfermeiras do QFO, primeiras oficiais de enfermagem dos hospitais da FAB por meio de concurso público federal, receberam imediatamente um cargo militar e depararamse, em sua maioria, com um campo configurado por uma equipe de enfermagem composta por enfermeiras civis, sargentos com formação de técnico em enfermagem (sexo masculino), auxiliares de enfermagem civis, além de Soldados e Cabos com pouca qualificação em enfermagem. [...] Tinham poucos homens Graduados, dos civis também eram poucos homens, tinha no centro-cirúrgico e os andares agente tinha alguns Cabos que fizeram o curso e entraram para a enfermagem. Tinha uma escola de [formação para] auxiliar de enfermagem aqui dentro do hospital, então eles fizeram o curso e os mais antigos hoje são Sargentos, mas quando nós chegamos aqui eles eram cabos da enfermagem. Não havia Sargentos [do sexo masculino] de enfermagem. (E1) [...] As outras [enfermeiras] que tinham lá eram realmente civis antigas, de concursos federais e os outros eram sargentos da enfermagem, homens, Cabos, Soldados [...] (E2) Quase que junto às oficiais enfermeiras, chegam também aos hospitais da FAB os sargentos (do sexo feminino) do QFG que possuíam curso técnico de enfermagem e que concluíram o curso de formação militar com aproveitamento. Os Sargentos [do sexo feminino] tinham entrado pouco antes da gente, foi quase junto! [...] (E1) E foi nesse campo que as enfermeiras militares se inseriram, ocupando imediatamente o cargo de chefe de toda a equipe de enfermagem e de tudo o que estivesse relacionado às atividades regulamentadas pela profissão, já que, apesar de recém-chegadas às unidades de destino, e em sua maioria recém-formadas, possuíam o maior grau hierárquico da especialidade. Vale ressaltar que no meio militar o único fator que determina a posição dos agentes num determinado serviço é a antiguidade, ou seja, o militar que detêm o maior grau hierárquico sempre será o chefe, e assim sucessivamente. As serem questionadas sobre os cargos e as funções que receberam ao ingressarem nos hospitais, as depoentes responderam: Quando cheguei eu recebi a chefia da UI-5 [Unidade de Internação nº5] que é maternidade/ginecologia e obstetrícia [...] Ou seja, recebi a chefia de uma maternidade, obstetrícia, ginecologia e berçário! (E1) 81 Eu era enfermeira-chefe! Fazia tudo o que uma enfermeira-chefe faz! Coordenar, planejar, participar das reuniões... Era a subseção de enfermagem [que era subordinada] à seção de atividades complementares. Então agente era vinculada a um médico, um Major-Médico psiquiatra. Se você olhar minhas alterações [histórico profissional do militar] você vai ver... Eu era chefe da subseção de enfermagem, chefe do Centro-cirúrgico, chefe do Ambulatório... Era chefe de todo mundo! Eu era a única enfermeira! Apareceu o meu nome em tudo! [...] Por incrível que pareça, apesar de ser enfermeira, eles me colocavam em tudo o que era formação... A coordenação de formação de Soldados [...] então eu fui elaborar, eu comecei a elaborar tudo, dentro da enfermagem, rotinas, livros, tudo eu fui elaborando com aquilo que eu conhecia da faculdade... Até parede eu consegui derrubar para fazer uma passagem específica para o paciente [...] Essa parte de gestoria... Colocaram tudo para cima de mim! (E2) (grifo nosso) Num primeiro momento eu fiquei até meio perdida porque eu recebi muitas atribuições! Eles nunca tinha tido uma enfermeira! Então eu recebi logo duas chefias! Uma chefia da Emergência! Eu nunca tinha sido chefe! Minha experiência era muito pouca! Aliás, de todas nós aqui! Então eu fui logo sendo chefe da emergência, chefe da central de material e no decorrer de todos os anos acabei sendo chefe de todos os lugares aqui do hospital, até chegar à chefia geral [de enfermagem]! (E3) Eu fui ser chefe da subdivisão de enfermagem, por causa da antiguidade, não por experiência profissional, porque eu não tinha! (E5) O cargo militar é um conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades cometidos a um militar em serviço ativo. As obrigações inerentes ao cargo militar devem ser compatíveis com o correspondente grau hierárquico e são definidas em legislação ou regulamentação específicas. Os cargos militares são providos com pessoal que satisfaça aos requisitos de grau hierárquico e de qualificação exigidos para o seu desempenho, e o seu provimento deverá ser feito por ato de nomeação ou determinação expressa da autoridade competente. (BRASIL, 1980) Um fato interessante observado pelas depoentes foi o recebimento de chefias e funções que antes pertenciam a outros profissionais de saúde do hospital: A chefia da UI-5 [Unidade de Internação n° 5], que eu assumi, era de uma enfermeira civil e a carga [material permanente do setor] do andar que era de um médico, ele passou para mim!(E1) O mais antigo era um Suboficial [...] e aí ele passou para mim o serviço. (E2) O cargo militar anda em conjunto com a função militar, e de acordo com o Estatuto dos Militares, função militar é o exercício das obrigações inerentes ao cargo militar. Dentro de uma mesma Organização Militar, quando houver a necessidade de substituições para assumir cargo ou responder por funções, bem como as normas, atribuições e responsabilidades relativas, devem ser respeitadas a precedência hierárquica e a qualificação profissional do militar. (BRASIL, 1980) 82 A grande quantidade de cargos e funções que foram direcionados às enfermeiras recém-chegadas é um fator que nos remete à idéia geral que percorre a administração dos hospitais de que a enfermeira é capaz de desempenhar diversas funções ao mesmo tempo, principalmente nas áreas de chefia, administração, supervisão e formação profissional, que por um lado causa uma sobrecarga do trabalho da enfermeira, mas que por outro lado lhe proporciona poder no campo hospitalar, caracterizado por um lucro simbólico e conseqüentemente por uma posição privilegiada nesse campo. Outro fator importante para a grande quantidade de cargos e funções direcionados às enfermeiras é justificado por Bourdieu (1999, p. 44) como uma visão androcêntrica, que é continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina e pelo fato de suas disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino instituído na ordem das coisas. Esse preconceito desfavorável ocorre quotidianamente em inúmeras trocas entre os sexos e são as mesmas disposições que levam os homens a deixar às mulheres as tarefas inferiores e as providências “ingratas e mesquinhas”, visto que as enfermeiras em questão não receberam cargos de grande relevância na administração central do hospital. O foco central do preconceito é que as mesmas tarefas podem ser consideradas nobres e difíceis quando realizadas por homens, ou insignificantes e imperceptíveis, fáceis e fúteis quando são realizadas por mulheres. Os trabalhos atribuídos às mulheres são sempre sem qualificação e é porque toda a profissão, seja ela qual for, vê-se de certo modo qualificada pelo fato de ser realizada por homens, e mesmo diante de todas as lutas das mulheres para fazer reconhecer suas qualificações, as tarefas a elas impostas sempre visarão empobrecer o trabalho feminino, mantendo decisoriamente o valor do trabalho masculino. BOURDIEU (1999, p.75-76) E assim, como agentes autorizados a exercerem diversas funções, as enfermeiras iniciaram suas atividades como oficiais pioneiras nos ambientes hospitalares da FAB. Questionadas sobre como se sentiam no desenvolvimento de suas atividades, as enfermeiras manifestaram necessidade de se adaptar, de aprender, e também expressaram desespero e sentimento de estarem perdidas: 83 Ah, era tudo novo [...] Dificuldades todo mundo tem, e eu resolvi ser militar então eu acho que eu tenho que me enquadrar! Às vezes agente vê as coisas, não concorda, acha que deveria ser de maneira diferente... É militar, mas é ser humano! Agente tem que ter amor e respeito pelo nosso nome, então quando você assina o nome, você tem que saber o que você está fazendo! (E1) (grifo nosso) [...] Para mim foi um aprendizado porque [...] você não é só enfermeira, você é enfermeira, você é instrutora, você é Oficial, você tem que dar aulas, corrigir provas, fazer cursos na área de ensino [...] (E2) Eu fiquei perdida! Tive que aprender muita coisa até com os Graduados [Suboficiais e Sargentos] com os civis... E eles foram me ajudando e eu comecei a ver como é que eu tinha que desenvolver a minha chefia! Depois com o talento mesmo agente vai! No início foi difícil para mim! Até porque não recebi grandes informações! Não tinha quem passasse nada para mim! (E3) Perdida! Desesperada! Depois foi melhorando... Porque eu era recém-formada [...] (E5) Assim, considero que a determinação de um grande volume de trabalho às enfermeiras foi a primeira estratégia de violência simbólica exercida sobre elas nos ambientes hospitalares. É possível observar que as enfermeiras acreditavam que estavam recebendo um excesso de funções simplesmente por serem enfermeiras e chefes, e por isso aceitavam todas as atribuições que lhes eram impostam, mesmo cientes de que não possuíam experiência ou conhecimento suficiente para o desenvolvimento de tais atividades, e ainda justificam o aceite às regras impostas por acharem que têm que se enquadrar por serem militares. Esse fato é justificado por Bourdieu (1999, p.47), quando diz que a violência simbólica só se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante e, portanto, à dominação, e quando esta relação é incorporada e vista como natural. Durante o desenvolvimento das diversas funções e atribuições que receberam, as enfermeiras começaram a aprender as especificidades de atuação de uma enfermeira militar, adequando seus conhecimentos profissionais e militares prévios nas atividades diárias, de acordo com as especificidades exigidas pelo campo militar, visto que o habitus profissional de uma enfermeira militar é indissociável do seu habitus militar. O horário de trabalho nos hospitais da FAB variava de acordo com a rotina da instituição, mostrando que, de uma maneira geral, todos os profissionais cumpriam praticamente as mesmas horas de trabalho semanais previstas: O expediente aqui na época era de 07hs às 15hs todo dia. Na verdade a enfermagem entrava mais cedo por conta da hora da passagem de serviço e as outras pessoas, o pessoal na verdade chegava 08hs [...] (E1) 84 O horário normalmente era de 07hs às 13hs, eu ficava mais na chefia de enfermagem, meio período! Eu era a única enfermeira! (E2) Inicialmente o horário era de 08 às 16hs. Nós tirávamos serviço, porque todo militar tem uma escala de serviço e o nosso, nesse caso, era voltado para supervisão de enfermagem! O nosso horário de serviço era diferente do horário das enfermeiras civis porque a maioria das enfermeiras civis [...] Eram plantonistas. De uma maneira geral era de acordo com o posto mesmo! [...] (E3) Eram dois turnos, era de 08hs às 15hs e mais plantão [de enfermagem]. (E5) Para o exercício da profissão nos hospitais da FAB, as enfermeiras deveriam utilizar obrigatoriamente uma farda específica de cor branca, chamada de uniforme hospitalar, e em outros eventos militares, as enfermeiras geralmente eram solicitadas a trajarem o uniforme azul, intitulado de 7º (sétimo) uniforme. O branco para o hospital e o 7° [uniforme azul] para representações. (E3) No hospital era sempre branco. (E5) De acordo com a Portaria nº 1.550/GM3 de 07 de dezembro de 1981, os uniformes de uso interno da área de especialização de saúde do QFO teriam a seguinte numeração e composição: o uniforme hospitalar nº 1 era composto por vestido branco com cinto, meia branca social e sapato branco de salto baixo, e o uniforme hospitalar nº 2 era composto por abrigo branco, jaleco branco com cinto, calça branca, cinto branco, sapato branco de salto baixo e meia branca social. No bolso superior direito dos uniformes hospitalares ainda estariam visíveis o nome da Oficial, o posto e a especialidade. 85 Figura 21 – Uniforme hospitalar n°1 e n°2 para o QFO Fonte: BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Portaria n◦1.550/ GM3 de 07 de dezembro de 1981. Aprova as instruções reguladoras para recrutamento, seleção inicial, matrícula no Estágio de Adaptação e ingresso no Quadro Feminino de Oficiais da Reserva da Aeronáutica e dá outras providências. Brasília, DF. Boletim do Ministério da Aeronáutica. n.113-12, 31 dez. p.87-91.1981c. . Figura 22 – Enfermeira do QFO trajando o uniforme hospitalar n°2 86 Questionadas sobre a representatividade do uso de uma farda num ambiente hospitalar, devidamente identificada pelo nome, posto e especialidade, as enfermeiras, relataram: Com grandes responsabilidades, não é? A responsabilidade do azul, do militar e a responsabilidade do branco, ou seja, você tem que honrar os dois uniformes [...] Você está numa [...] Instituição séria! [...] Mas existe uma coisa chamada tradição! Tradição você não quebra! Para mim é uma honra fazer parte das duas coisas, tanto da tradição do azul quanto do branco! (E2) Eu sentia orgulho de ser militar. A questão do uniforme eu sempre gostei porque eu era da [Escola] Anna Nery [...] e lá agente usava um uniforme que ninguém gostava, mas eu adorava! Era aquela touca... Porque eu achava que representava o que eu era! Então hoje ficou uma bagunça, cada um faz o que quer e ninguém mais sabe quem é quem! (E5) No ambiente militar, o uniforme é caracterizado pelo principal emblema que é composto por outros pequenos emblemas como insígnias, distintivos, tarjetas, coberturas e platinas. O uniforme do militar é dotado de forte valor simbólico, pois não se caracteriza somente por uma estratégia que proporciona igualdade no grupo e sim por proporcionar a representação da profissão e principalmente a distinção de postos hierárquicos, permitindo a demarcação dos espaços ocupados pelos agentes situados num mesmo campo. Santos (1998, p.38) cita que os militares se usam de artefatos, que são os uniformes e seus complementos, que correspondem ao vestuário e acessórios, que ajudam a compor a representação do indivíduo, ou seja, sua posição social. Durante o desenvolvimento de suas atividades diárias, as enfermeiras não exerciam exclusivamente as funções próprias da enfermagem. Por várias vezes, como todos os outros profissionais do hospital, elas eram recrutadas para cumprirem escalas de comparecimento em eventos sociais, como representações, aplicação de provas em concursos públicos, recepções e desfiles militares, que são eventos muito comuns na vida militar, reforçando sempre a idéia de que primeiramente, as Tenentes eram militares, e em segundo lugar, eram enfermeiras: Aqui eu ainda participei de desfile [militar] umas duas vezes de 07 de setembro [...] (E1) Eu era instrutora, [cumpria] representações militares [...] aplicava as provas de escola no concurso nacional. (E2) Militar e enfermeira! Era chefe, enfermeira, dava plantão, formatura, escala de serviço, representação, jantar [...] (E4) 87 Aos poucos, as enfermeiras militares foram aprimorando suas habilidades nas relevantes chefias que exerciam e foram conseguindo um evidente controle de todas as atividades que eram desenvolvidas no hospital. As enfermeiras agregaram um capital e conseguiram evidentemente um poder de decisão sobre a maioria dos agentes da equipe da enfermagem. Bourdieu (1989, p.136) comenta que “o conhecimento da posição ocupada no espaço comporta uma informação sobre as propriedades intrínsecas (condição) e relacionais (posição) dos agentes”, sendo este fato bem evidenciado no caso dos ocupantes das posições intermédias ou médias que além dos valores médios ou medianos das suas propriedades, devem um certo número das suas características mais típicas ao fato de estarem situadas entre os dois pólos do campo, no ponto neutro do espaço, e de oscilarem entre as duas posições extremas. As lutas simbólicas Como era de se esperar, o poder galgado pelas enfermeiras no ambiente hospitalar começou a incomodar os demais agentes do campo. A figura da mulher, chefe, militar e enfermeira nesse campo deu inicio às lutas simbólicas desses agentes com os médicos, com a equipe de enfermagem, com as enfermeiras civis, e com a própria administração da instituição. As lutas das enfermeiras visavam simplesmente a manutenção do lucro simbólico e do espaço galgado por elas no campo através do trabalho que desempenhavam. Vale ressaltar que, à época, a FAB só incorporava médicos militares do sexo masculino e que, quando as enfermeiras se apresentaram nos hospitais, a maioria dos médicos já galgava um grau hierárquico superior ao delas. No campo militar, o relacionamento entre médicos e enfermeiras era considerado difícil: A relação com os médicos sempre foi uma relação difícil! Enfermeiro com médico é sempre uma relação difícil! (E3) As enfermeiras relataram que, ao ingressarem nos hospitais militares tiveram que se impor, mesmo sendo bem recebidas pelos médicos militares, que demonstraram boa educação e conduta ética com as novas colegas de trabalho. 88 Mas nós fomos muito bem acolhidas [pelos médicos militares] (E2) A grande maioria aqui era masculina e eles tratavam a gente muito bem, tratavam agente de uma maneira respeitosa, embora muita gente fosse hierarquicamente superior, mas tratavam agente de uma forma cordata. (E1) De acordo com Bourdieu (1999, p.98), o carisma masculino é, por um lado, o charme do poder, a sedução que a posse exerce, por si mesma, sobre os corpos, e este fato é justificado, pois a dominação masculina encontra, no desconhecimento do dominado, um dos seus melhores suportes. Entretanto, apesar da boa receptividade, evidencia-se que a presença das mulheres ocupando o mesmo campo impôs aos agentes masculinos uma mudança de atitudes no cotidiano hospitalar. A presença das mulheres forçou os médicos militares mudarem o modo de falar, de se comportar e até mesmo de pensar, visto que agora eles deveriam conviver diariamente, no mesmo ambiente de trabalho, com mulheres enfermeiras do mesmo círculo hierárquico13 e conseqüentemente com o mesmo status militar de Oficial: No primeiro momento foi muito engraçado porque como os homens falam de mulheres normalmente, futebol, palavrão... Porque eles ainda não tinham percebido que havia mulheres, quando eles começaram a perceber que não podiam falar as mesmas coisas, eles foram mudando! (E2) Percebemos que diante dessa disputa, os médicos deixando claro às enfermeiras sua posição, utilizando os próprios princípios da hierarquia militar e impondo a elas o silêncio: [...] Disciplina, hierarquia... Tenente fala pouco e procura ouvir mais. (E1) (grifo nosso) Pela análise de Bourdieu (1999, p.71) as injunções continuadas, silenciosas e invisíveis, que ocorrem no mundo sexualmente hierarquizado no qual são lançadas, preparam as mulheres, ao menos tanto quanto os explícitos apelos à ordem, a aceitar como evidentes, naturais e inquestionáveis prescrições e procriações arbitrárias que, inscritas na ordem das coisas, imprimem-se insensivelmente na ordem dos corpos. 13 Círculos hierárquicos são âmbitos de convivência entre os militares da mesma categoria e têm a finalidade de desenvolver o espírito de camaradagem, em ambiente de estima e confiança, sem prejuízo do respeito mútuo. (BRASIL, 1980) 89 As enfermeiras reconheciam suavemente que os médicos militares eram machistas e lhes davam ordens que não davam aos homens com o mesmo nível hierárquico delas: Os Coronéis... Na época tinha uns aqui mais machistas! Você via que para o homem ele não mandava, mas para nós mandava. (E4) (grifo nosso) Eu acho que encima de outros oficiais homens eles não cobravam algumas coisas que cobravam das oficiais mulheres tipo uniforme... Cabelo preso [...] Por sinal não [nos] deixavam fazer [algumas] coisas. (E5) Mesmo os homens bem intencionados, visto que a violência simbólica não opera na ordem das intenções conscientes, realizam atos discriminatórios excluindo as mulheres, reduzindo suas reivindicações a caprichos, tornando-as merecedoras apenas de uma palavra de apaziguamentos, dirigindo-se a elas com termos familiares, ou então, chamando-as e reduzindo-as de algum modo à sua feminilidade pelo fato de desviar a atenção para seu penteado ou para algum traço corporal. Estas atitudes contribuem para constituir a situação diminuída das mulheres e cujos efeitos cumulativos estão registrados nas estatísticas da diminuta representação das mulheres nas posições de poder, sobretudo econômico e político. (BOURDIEU, 1999, p.74-75) O fato de exigirem obediência foi reconhecido pela enfermeira como discriminação de gênero: Discriminação eu acho que sempre tem porque os homens acham que agente tem mais é que obedecer! [...] (E5) Bourdieu (1999, p.55) enfatiza que uma relação de dominação só funciona por meio da cumplicidade de tendências e depende, para sua perpetuação ou transformação, da estrutura de um mercado de bens simbólicos, cuja lei fundamental é que as mulheres nele são tratadas como objetos que circulam de baixo para cima. Entretanto, apesar das evidentes formas de violência simbólica desencadeada por questões de gêneros, os desencontros entre médicos e enfermeiras também deve ser considerado, já que é um tema amplamente estudado e historicamente conhecido decorrente das relações de poder existentes nos ambientes hospitalares. Mintzberg apud Lima e Binsfeld (2003, p.100 e 101) identifica o hospital moderno como um duplo sistema de autoridade, onde uma linha descenderia da 90 administração até o pessoal hospitalar, obedecendo a um rígido esquema hierárquico, autoritário e centralizado e a segunda linha é decorrente do poder de saber dos médicos que lhes permite confrontar a administração na luta pela defesa de seus interesses profissionais. Assim, esse sistema duplo acarreta uma permanente disputa de poder e conseqüentemente desencadeamento de conflitos pela tentativa de manutenção da posição no campo: Eu tive realmente que me impor! Com os homens também em alguns momentos [...] Eu era a única e eles eram mais do que eu e eu tinha que me impor e me impus! (E2) Cecílio (1999, p.321 e 322) traz o tema “poder no hospital” pelos seguintes itens: os médicos são os únicos profissionais realmente autônomos no hospital; a natureza do saber médico é um saber-poder; é a indeterminação que separa o saber médico dos saberes periféricos e dos saberes profanos; são as formas de funcionamento e de circulação do saber médico que constituem o saber dos profissionais de enfermagem como um saber periférico e o saber do doente como um saber profano; e por último, o pessoal de enfermagem pode ser considerado uma plataforma de mediação entre os doentes e o poder médico. O poder masculino agregado ao poder médico foi decisivo para que as enfermeiras militares aceitassem o princípio da inferioridade e da exclusão da mulher. Tal fato foi manifestado pelas agentes desse estudo, quando hoje, reconheceram que tinham regras mais rígidas em seu processo de trabalho: [...] Os clínicos, os médicos, o pessoal das outras profissões na verdade começam sempre mais tarde que a enfermagem, porque tinha a passagem de serviço, então agente chegava mais cedo. (E1) O médico sempre teve algum... Tipo assim... Folga num dia e no outro dia dobra [...] (E3) Ainda hoje, as enfermeiras não compreendem a dominação imposta pelos homens: Eu acho que não é porque eu era mulher, eu acho que era mais por eu ser enfermeira! (E5) 91 E apesar de tudo, a invasão de suas consciências pelo poder onipresente dos homens, as fazem pensar que a opressora é a própria mulher, possivelmente por diferenças da patente militar: Então não foi entre os homens que eu senti discriminação, foi entre “as Sargentos femininas” com as oficiais femininas! [...] (E2) Tal desconhecimento é um das características da vítima de violência simbólica. A violência simbólica se processa através de um ato que se efetiva aquém da consciência e da vontade e confere um “poder hipnótico” no qual o agente desconhece a vivência da mesma. (BOURDIEU, 1999, p.53 e 54) Vale lembrar que quando chegaram nos hospitais, as enfermeiras encontraram uma equipe de enfermagem composta por enfermeiras civis, Sargentos (sexo masculino) com formação técnica em enfermagem, auxiliares de enfermagem civis, além de Soldados e Cabos. Juntamente com as enfermeiras, chegaram também os Sargentos (do sexo feminino) do QFG que possuíam curso técnico de enfermagem. Antes da chegada das enfermeiras militares nos hospitais da FAB, a maioria das chefias era ocupada por Graduados (Suboficiais ou Sargentos) ou pelas enfermeiras civis. Assim, a chegada de uma nova chefia, que além de possuir nível superior em enfermagem ainda tinha o posto de Tenente, transformou completamente o serviço de enfermagem neste campo: Quando nós chegamos, nós tivemos que ocupar esses lugares! Tivemos que tomar algumas atitudes! Às vezes nem muito simpáticas! [...] (E3) Tal fato gerou uma insatisfação na equipe de enfermagem que já estava atuando no campo e que se viram perdendo espaço. Esses agentes tentaram manter a posição no campo “testando” as novas militares recém-formadas: [...] aí eles queriam dar uma “testada” tipo “Essa novinha vai me mandar?” Teve isso sim, mas por pouco [tempo]! (E4) No entanto, o círculo de trabalhadores de enfermagem é bem hierarquizado e muito similar ao círculo hierárquico do militarismo. Assim como o Oficial será o chefe dos Graduados (Suboficiais e Sargentos), das Praças (Cabos, Soldados e Taifeiros), 92 e dos civis, o enfermeiro sempre será o chefe da equipe de enfermagem (atendentes, parteiras, auxiliares e técnicos de enfermagem): [...] Só que eles [os Sargentos] gostavam de assumir algumas chefias... eles assumiam... [mas] não podiam, porque agente era enfermeiro, mas faz parte... hierarquia... é um negócio que não tem muito o que discutir. (E5) De acordo com as prerrogativas legais da profissão, o enfermeiro será sempre o líder da equipe de enfermagem. Cecílio (1999, p.317 e 318) ressalta que a linha do poder na enfermagem é vertical, que vai do enfermeiro ao auxiliar de Enfermagem. Por isso, o enfermeiro sempre assumirá as funções de chefia da equipe de Enfermagem nas unidades. Dentro de um hospital, a equipe de enfermagem caracteriza-se pelo maior percentual de quadro de pessoal. Surge então a figura do enfermeiro que possui tarefas diretamente relacionadas com sua atuação junto ao cliente, bem como a liderança da equipe de enfermagem e o gerenciamento dos recursos – físicos, materiais, humanos, financeiros, políticos e de informação – para a prestação da assistência de enfermagem. Do enfermeiro é exigido conhecimento (que conheça o que faz), habilidades (que faça corretamente) e tenha atitudes adequadas para desempenhar seu papel objetivando resultados positivos. (CUNHA; NETO, 2006, p.481) Apesar dos Sargentos (do sexo feminino) do QFG e das oficias do QFO integrarem o grupo mulheres militares concursadas pioneiras nos hospitais da FAB e de possuíam praticamente a mesma idade, as enfermeiras do QFO, possuíam um maior capital cultural, que era o diploma de graduação em enfermagem, e assim, uma maior posição hierárquica, permitindo com que galgassem uma posição privilegiada no campo. Entretanto, este fato inicialmente não foi bem aceito pelas militares do QFG: [...] Porque elas [os Sargentos do sexo feminino] também eram as primeiras [mulheres militares dos hospitais da FAB], só que eu era chefia, então eu tinha que me impor! (E2) Se por um lado os homens do serviço de enfermagem não causaram muitas resistências às oficiais enfermeiras, por outro, os Sargentos (do sexo feminino) do QFG, também pioneiras, não aceitaram a idéia de serem comandadas por uma mulher no campo militar masculino: 93 [...] Um dos Sargentos [do sexo feminino] me deu muito problema, porque além dela ser mais velha que eu na idade, eu tinha 22 e ela devia ter uns 24, e já ter uma experiência profissional, porque ela já vinha [de um hospital público de grande porte], então ela colocou a mão na cintura e falou assim mesmo: “O que é que essa menina vai fazer lá no hospital?” Assim mesmo! Eu morri de rir e disse: “Essa menina não vai trabalhar sozinha não, eu só sei trabalhar em equipe, e você faz parte da minha equipe”. Essa foi a minha resposta para ela! [...] (E2) A atitude de enfrentamento das oficiais enfermeiras perante a equipe de enfermagem, administrativamente e militarmente subalterna, nos permite observar que as oficiais enfermeiras já tinham o habitus militar inculcado e reproduziram o que aprenderam durante o Estágio de Adaptação, ou seja, o conhecimento de que sem disciplina e hierarquia não há vida militar: [...] A responsabilidade [pela equipe de enfermagem] era minha, a postura era muito forte em relação ao uniforme, à apresentação pessoal e à forma de se portar [...] (E2) Tal fato garantiu a posição privilegiada das oficiais no campo e, detentoras de poder hierárquico e capital cultural, conseguiram se firmar no campo da chefia de enfermagem: [...] Eu acho que agente conseguiu assumir o nosso lugar, mostrando que agente não estava querendo brigar com ninguém. (E4) Cabe ressaltar que antes da chegada das enfermeiras militares nos hospitais da FAB, as enfermeiras civis já ocupavam a posição de chefe de enfermagem, pois apesar de serem civis, eram as únicas profissionais que detinham do capital cultural necessário por possuírem nível superior na especialidade. Assim, com a chegada das oficiais: Tinham as civis enfermeiras [...] agente chegou recém-formada, e os lugares que elas ocupavam [eram as] chefias. Elas estavam quase para se aposentar e ficaram subalternas a pessoas de vinte e poucos anos, sem experiência... tiveram alguns problemas dentro do núcleo da enfermagem[...] (E5) Diante de tal fato, as oficiais defendiam sua posição e em seu discurso revelavam a forte presença do habitus militar em defesa da instituição: [...] A enfermeira militar vai ter muito mais obrigações, muito mais funções do que a enfermeira civil! A enfermeira civil ela não tem um vínculo muito forte com a instituição porque ela vem aqui, faz o trabalho dela bem feito, mas ela é plantonista, 94 ela acaba o plantão ela vai embora! E agente não! Agente continua... Agente tem que tomar conhecimento de todos os problemas do hospital, resolver... (E3) As informações das entrevistadas são confirmadas por Castro (1990, p.46) ao citar que nos cursos de formação militar, durante a inculcação do habitus militar, os militares aprendem que são diferentes dos civis, também chamados de “paisanos”, e não apenas diferente, mas também melhores, principalmente pelos fortes vínculos que têm entre si e com a instituição. Observa-se que, nos depoimentos, não existe o reconhecimento de seu poder simbólico em relação às enfermeiras civis, o que reforça a existência do mesmo: [...] Agente não veio para ocupar o lugar delas [das enfermeiras civis], ou tirar o lugar delas! (E1) No entanto as enfermeiras militares reconheceram a distância existente entre elas e as enfermeiras civis que foi gerada pela posição privilegiada que ocuparam no campo por terem adquirido o habitus militar: Com as enfermeiras civis, algumas tratavam agente bem, mas elas se mantinham distante da gente... Elas já estavam praticamente no final da carreira [...] (E1) Verifica-se, portanto, um afastamento entre as enfermeiras civis e as enfermeiras militares à medida em que as civis foram tendo consciência de classe. Bourdieu (2007, p.189) cita que não é a condição de classe que determina o indivíduo, mas o sujeito que se autodetermina a partir da tomada de consciência, parcial ou total, da verdade objetiva de sua condição de classe. Apesar das enfermeiras militares não reconheceram que vieram para ocupar o lugar das enfermeiras civis, elas estavam dotadas de um grande poder simbólico perante a equipe de enfermagem. Para Bourdieu (1989, p.14), o poder simbólico age como o poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e a ação sobre este. Trata-se de um poder capaz de permitir a obtenção daquilo que equivale ao obtido pela força física ou econômica. O autor também afirma que as relações de comunicação são, na maioria das vezes, relações de poder, que podem inclusive permitir a acumulação de poder simbólico. 95 Deste modo, a chegada das enfermeiras militares nos hospitais como chefes forçou uma realocação das funções das enfermeiras civis, que perderam poder e foram destinadas a executar funções de enfermeira diarista, atuando juntamente aos profissionais de nível técnico na assistência direta ao paciente: [...] Nós assumimos todas as chefias e elas [enfermeiras civis] foram para os cuidados [de enfermagem]. Porque quando tem [enfermeira] militar, [as militares] tem que ser as chefias, então [...] Todas [as militares] assumiram uma chefia e as civis assumiram a assistência. (E5) Assim, a perda de posição no campo para as enfermeiras militares evidencia a violência simbólica sofrida pelas enfermeiras civis. Entretanto, essa violência simbólica não foi iniciada pelas enfermeiras militares e sim desencadeada por um ato da administração ao determinar a sobreposição de poderes do militar sobre o civil. Após alguns anos de convivência, as enfermeiras civis e as enfermeiras militares conseguiram manter um ambiente harmônico nos ambientes de trabalho, todavia, as enfermeiras militares jamais perderam sua posição perante a equipe de enfermagem: [...] Mas no final todos acabamos nos entrosando e tendo um bom relacionamento profissional! (E3) A mais poderosa luta ocorreu entre as enfermeiras e a própria administração dos hospitais em que se inseriram. Quando chegaram aos hospitais militares, as enfermeiras militares encontraram muitas dificuldades com a administração geral. Os chefes gerais, que eram os homens médicos militares, não reconheceram a posição ocupada pelas mulheres enfermeiras e interditaram a elas qualquer oportunidade de agregar mais conhecimentos na área de administração hospitalar e da própria enfermagem: Tinha um curso que eu queria fazer de Qualidade Total e aí eu era mais antiga [possuía maior grau hierárquico] que um Intendente, [...] Eu me inscrevi e o Major que era o Intendente do curso [responsável pelo curso], tirou o meu nome o colocou o do amigo dele, aí eu fui reclamar com o diretor, aí ele disse: “Não, nesse momento não vai dar!” e eu fiquei muito chateada! Aquilo ali foi terrível. (E2) Nós tivemos muitos cursos aqui dentro do hospital porque isso [fazer cursos fora da unidade] foi até uma falha mesmo! Eu não sei se faltou experiência nossa! O interesse até existia, mas agente acabou cansando porque agente pedia muito para participar de congressos, fazer alguma coisa... E agente não tinha um bom retorno! Sempre os médicos conseguiram ir para congressos, fazer cursos aqui e ali e 96 quando chegava na hora da enfermeira “Ah, não podia porque como é que vai ficar o setor que você chefia?” E nós nunca fomos um número assim muito significativo, já por isso aí! Por exemplo, eu nunca participei de um congresso! Participei de congresso de enfermagem antes de entrar para a FAB! Depois eu não conseguia mais! Não conseguia fazer nenhum curso assim muito voltado! As poucas colegas que fizeram foi com muita dificuldade [...] (E3) (grifo nosso) Uma falta de entendimento da direção [...] Você quer implantar algumas coisas que não são aceitas, plano de cuidados de enfermagem... Pela Aeronáutica só [fiz] cursinho de uma semana, mas Especialização, Mestrado... Não! Eu acho que nós fomos prejudicadas por sermos as primeiras, agente ficou mais em evidência, se fosse liberada todo mundo sabia onde estava indo, então era muito mais restrito [...] Eu fui pedir para fazer um curso, uma Pós-graduação, e me disseram “Olha, em horário de expediente, nem pensar!” Então era mais complicado, estudar à noite, tudo à noite [...] (E5) (grifo nosso) O fato da cúpula da administração hospitalar ser eminentemente masculina foi o fator decisivo para a eclosão de lutas nesse campo. Bourdieu (1999, p.60) enfatiza que a divisão sexual está inscrita na divisão das atividades produtivas a que nós associamos a idéia de trabalho, e mais amplamente, na divisão do trabalho de manutenção do capital social e do capital simbólico, que atribui aos homens o monopólio de todas as atividades oficiais, públicas, de representação, e em particular de todas as trocas de honras. Observa-se que não era interessante para os homens permitir que as mulheres pudessem galgar maiores lucros simbólicos, pois dessa forma, elas se tornariam uma ameaça à hegemonia masculina. Bourdieu (1999, p.62) confirma esta afirmação ao comentar que as mulheres são geralmente excluídas de todos os lugares públicos em que se realizam jogos comumente considerados os mais sérios da existência humana, que são os jogos de honra. Elas são excluídas em nome do princípio da igualdade de honra, que exige que o desafio só seja válido se dirigido por a um homem e principalmente a um homem “honrado”. É interessante perceber que os depoimentos mostram que a mesma Força Aérea Brasileira que inicialmente lançou diversas reportagens nos jornais sobre a realização de um concurso para o ingresso de mulheres de diversas profissões para se candidatarem, mostrando que a presença da mulher e da profissional era importante para a instituição, aos poucos parece que desiste de vê-las ocupando o mesmo espaço e, de certa forma cria estratégias para que as mesmas não conseguissem agregar maior capital cultural, perpetuando a violência simbólica e a sua posição de dominador no campo, detentor de um poder simbólico que o utiliza principalmente quando se sente ameaçado. 97 Corroborando com a afirmação, Bourdieu (1996, p.29-30) cita que historicamente, a dominação masculina não deixa de ser uma forma particular e particularmente acabada de violência simbólica, evidenciando que divisões espaciais entre espaços masculinos e femininos no trabalho e nos corpos são diferenciados, permanecendo a dominação do masculino sobre o feminino. O poder simbólico exercido pelos homens militares trouxe consigo a violência simbólica que, de acordo com Bourdieu (1989, p.11-12), é caracterizada pelo autor como a dominação de uma classe sobre a outra, reforçando a sua própria força que a fundamenta, e contribuindo para a “domesticação dos dominados”. Um dos fatores desencadeantes dessa violência simbólica também advinha da questão da progressão hierárquica da carreira militar. Vale ressaltar que a administração do hospital representava a autoridade máxima presente e era composta basicamente por médicos militares que estavam em graus hierárquicos superiores aos das enfermeiras. No campo militar, os círculos hierárquicos e a distinção entre “liderança e comando” são elementos que apontam para uma estrutura organizacional altamente escalonada. Itens como medalhas, diplomas e cursos são expressões de um elemento da hierarquia tão importante quanto suas patentes, que e o sistema de classificação. (LEIRNER, 1997, p.84) O sistema de classificação começa no primeiro dia da carreira do militar e termina quando ele vai para a Reserva Remunerada, que é a inatividade. Pela classificação do militar se define o que foi, o que é, e o que vai ser cada indivíduo dentro da Força, e a partir dela se definem as trajetórias pessoais e como isso vale para todos, constitui um parâmetro para os militares pensarem sobre si mesmos. A classificação é uma espécie de pontuação na carreira militar onde são somadas as notas e conceitos obtidos em cursos, medalhas, elogios e condecorações, assim como dela se subtraem punições e repreensões, e tudo isso em conjunto forma o mérito que o militar deve prosseguir na escala hierárquica. Além do mérito, o tempo de serviço também é um elemento que possibilita a mobilidade na escala hierárquica. (LEIRNER, 1997, p.84) Ou seja, impedir o aprimoramento profissional das enfermeiras representava, além de uma questão de gênero, uma questão de progressão profissional, pois dessa forma, as mulheres militares não conseguiriam uma melhor posição na 98 carreira militar, já que estavam praticamente impedidas de manifestar um dos seus principais valores militares, que é o aprimoramento técnico-profissional. De acordo com o Estatuto dos Militares, são manifestações essenciais do valor militar: o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e pelo solene juramento de fidelidade à Pátria até com o sacrifício da própria vida; o civismo e o culto das tradições históricas; a fé na missão elevada das Forças Armadas; o espírito de corpo, orgulho do militar pela organização onde serve; o amor à profissão das armas e o entusiasmo com que é exercida; e o aprimoramento técnico-profissional. (BRASIL, 1980) Os resultados das lutas simbólicas As estratégias de luta das enfermeiras foram determinadas pela sua posição no campo militar. Percebemos que as estratégias utilizadas por essas agentes foram eficientes para a reconfiguração do serviço de enfermagem, onde elas passaram a exercer maior poder. No entanto, quando se defrontaram com os médicos militares assistenciais e da administração geral, elas não conseguiram impor sua visão de mundo. Tal fato culminou com o encerramento do QFO, em 1991 que era caracterizado pela exclusividade de mulheres, estabilidade assegurada e progressão na carreira militar. O QFO foi substituído pelo Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica (QCOA). O QCOA tem como principais características a heterogeneidade de sexos, grande diversidade de especialidades profissionais, o caráter temporário de contratação não superior a 09 (nove) anos de serviço ativo, e a possibilidade de galgar o posto máximo de Primeiro-Tenente. Resumidamente, desde 1991, só há a contratação de enfermeiras temporárias da FAB, diferente do que ocorre com médicos que possuem um Quadro específico, o Quadro de Oficiais Médicos, cujas principais características são as promoções periódicas de posto, heterogeneidade de sexos, estabilidade assegurada e a possibilidade de galgar o penúltimo posto da FAB, que é o de Major-Brigadeiro. A contratação temporária de enfermeiras para servirem à FAB e serem substituídas a cada nove anos por outras enfermeiras justifica, em parte, a ocorrência de todas as lutas simbólicas já descritas nesse estudo. 99 Hoje, as enfermeiras pioneiras do QFO galgam o posto máximo da carreira previsto para o Quadro, que é o de Tenente-Coronel, e lamentam que as demais enfermeiras do QCOA, apesar de realizarem exatamente as mesmas atividades que as enfermeiras pioneiras realizavam, não poderão chegar ao mesmo posto, nem usufruir da estabilidade: Então o que eu espero é que continue a haver concursos para efetivar as enfermeiras porque a minha tristeza nesse momento é sair como Tenente-Coronel e deixar só as Tenentes, no caso, temporárias! E eu não acho justo! As Tenentes [temporárias] têm uma experiência muito boa, têm formação muito boa, especialização [...] Agente faz tudo muito rápido, agente elabora as coisas muito rápido e isso é importante! Então a minha tristeza é isso! Eu creio que a FAB vai mudar isso, vocês vão até Coronel, vai haver o Quadro de Apoio, eu acredito nisso! Agente que abriu a porta e então agente não pode fechar as portas para nós! Eu abri pra aviadoras, abri para médicas, dentistas... Todo mundo fica [estabilizado], e nós [enfermeiras] não resolvemos? Eu já escrevi isso e já mandei por e-mail para as autoridades. (E2) [Sendo Oficial de carreira] Você vê mais dedicação, você veste a camisa, então você se dedica mais, é importante! É uma pena que o [Quadro] da ativa acabou! Porque não é a mesma coisa, com certeza você chegar achando que vai embora... Você vai ter que procurar alguma coisa! E agente não! [...] Mas já estão revendo para voltar isso [o Quadro de carreira], só que para chegar aonde agente chegou... Se entrar hoje, vai ter um buraco aí [em relação às patentes] que eu não sei como é que vai ficar, mas eu acho que vai fazer falta! (E4) E mesmo assim hoje em dia só tem QCOA [Quadro temporário], não têm mais um Quadro fixo [estabilizado], porque a idéia é que os enfermeiros têm que “dar” plantão e quando você vai à Tenente-Coronel [você não “dá” plantão]... Então eles querem resolver o problema de imediato [...] mas não é só na Aeronáutica não [...] (E5) Bourdieu (1999, p.76) comenta que como conseqüência da dominação masculina, o trabalho da mulher tende a permanecer invisível, o que é atestado pelo fato de que as mulheres estão ainda muito comumente privadas do título hierárquico correspondente à sua função real. Bourdieu (1999, p.110 e 111) cita ainda que a melhor prova das incertezas dos estatutos atribuídos às mulheres no mercado de trabalho reside no fato de que elas são sempre menos remuneradas que os homens e mesmo quando todas as coisas são em tudo iguais, elas obtêm cargos menos elevados com os mesmos diplomas e, sobretudo são mais atingidas pelo desemprego, pela precariedade de empregos e relegada com mais facilidade a cargos de trabalho parcial. Para Bourdieu, estes fatos permitem prever que as mulheres serão as principais vítimas da política neoliberal, no que tange a precarização do trabalho. 100 Reavaliando suas trajetórias na Força Aérea Brasileira, as enfermeiras pioneiras do QFO mostram que apesar de não terem conseguido se firmar no campo militar, obtiveram lucro na realização pessoal: [...] Eu sempre gostei do que eu faço e aqui eu acho que agente aprendeu muito! [...] Agente aprendeu muito! Muitas dificuldades... Eu gosto de ser militar, abracei a carreira e tive facilidade de me adaptar [...] Eu gosto, estou terminando gostando! (E1) Privilégio! Então essa experiência foi boa para a família toda! Mas para os meus filhos, para o desenvolvimento deles... Foi muito bom! Abre-se um leque de possibilidades dentro dessa história da vida militar! (E2) Para mim foi [uma experiência] muito positiva! [...] Então eu saio da Força Aérea muito realizada. Realmente sem mágoa nenhuma! Estou muito bem! (E3) Eu acho que a Aeronáutica deu tudo pra mim que eu tenho atualmente, até meu exmarido eu conheci na Aeronáutica, então foi positiva [...] Então eu acho que pra mim foi bom, foi um sonho realizado! (E5) Observamos ainda as influências do habitus militar e da dominação masculina na vida privada dos sujeitos ao caracterizar do estado civil dos sujeitos do estudo na data da realização da entrevista. O fato de 80% das entrevistadas possuir o estado civil solteira e 20% ser divorciada nos permite refletir sobre as inferências da formação militar, no que tange à formação e do habitus militar na vida privada dos sujeitos do estudo. Pode-se sugerir que a inculcação do habitus militar e a violência simbólica sofrida por elas durante a vida militar interferiu na vida familiar dos sujeitos. E só é possível compreender tal fato à medida que tentamos compreender a homologia entre as estruturas das posições masculinas e das posições femininas nos diferentes espaços sociais. De acordo com Bourdieu (1999, p.126), a verdade das relações estruturais de dominação sexual se deixa realmente entrever a partir do momento em que observamos que as mulheres que atingiram os mais altos cargos (chefes, diretoras...) têm que “pagar”, de certo modo, por este sucesso profissional com um menor sucesso na ordem doméstica (divórcio, casamento tardio...). Finalizo esta dissertação com uma justificativa, à luz de Bourdieu, para a perpetuação das lutas nos hospitais da FAB até os dias de hoje. Segundo o autor, uma vez instaurada a violência simbólica, é totalmente ilusório crer que ela pode ser vencida apenas com as armas da consciência da vontade, pois os efeitos e as 101 condições que propiciam a dominação estão duradouramente inscritas nos corpos sobre as formas de aptidões e inclinações. Essas tendências se expressam e se vivenciam dentro da lógica do sentimento ou do dever e mesmo quando as pressões externas são abolidas e as liberdades formais são adquiridas, a auto-exclusão e a “vocação” vêm substituir a exclusão expressa e conduz as mulheres a se excluírem. A dominação imprime traços perduráveis nos corpos e os efeitos que ela exerce consiste em atribuir às mulheres a responsabilidade de sua própria opressão. (BOURDIEU, 1999 p.51-52) 102 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA), composto pelo Quadro Feminino de Oficiais (QFO) e Quadro Feminino de Graduados (QFG), proporcionou a oportunidade de mulheres com diversas formações profissionais, ingressarem na Força Aérea Brasileira, por meio de concurso público federal. O processo seletivo para ingresso no CFRA foi de âmbito nacional e aberto a qualquer candidata do sexo feminino que satisfizesse aos requisitos previstos no edital. A divulgação do concurso ocorreu em diversos meios de comunicação, demonstrando a transparência do processo seletivo e reafirmando seu caráter público de candidatura. No concurso de admissão com vistas à matrícula no Estágio de Adaptação, as candidatas foram submetidas aos seguintes exames de caráter eliminatório: conhecimentos especializados (prova de enfermagem), conhecimentos gerais (prova de Estudos de Problemas Brasileiros e prova de Língua Portuguesa), exame médico, exame de aptidão física e teste psicotécnico. As candidatas enfermeiras selecionadas para a matrícula deveriam apresentar o diploma da profissão, oficialmente reconhecido pela legislação federal pertinente e registrado no Ministério da Educação e Cultura, e ainda a carteira do registro em Conselho Regional. Esses requisitos evidenciam que as candidatas deveriam ter um capital cultural específico, que era o curso superior em enfermagem completo cursado em instituição de ensino reconhecida nacionalmente. Os depoimentos das entrevistadas explicam claramente o porquê do concurso ter sido muito disputado e almejado por diversas candidatas pelo Brasil. Aprovadas nesse processo seletivo, elas galgariam um alto status profissional e conseqüentemente social e econômico, idêntico ao status galgado pelos homens militares da época, ressaltando o prestígio exercido pelas Forças Armadas na população em geral. Além do status profissional, outros diversos fatores contribuíram para as enfermeiras almejarem seguir a carreira militar, como a possibilidade de conhecer as diversas regiões do Brasil, a excelente remuneração, a estabilidade financeira, a clientela diferenciada, a aposentadoria com salário integral e principalmente a 103 possibilidade de progressão da carreira militar, que é determinada por promoções periódicas de posto e conseqüentemente pela progressão profissional ao longo da carreira. O Estágio de Adaptação das enfermeiras, que foi o curso de formação militar, ocorreu durante quatro meses sob o regime de semi-internato, e ocorreu no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR), no Rio de Janeiro. No início do Estágio foi distribuído o Manual da Aluna, que foi um importante documento de porte obrigatório, contendo informações relevantes referentes a todas as determinações e ordens em vigor. Uma das principais regras estabelecidas pelo Manual era que todas as alunas deveriam manter conduta e apresentação pessoal corretas, ser assídua e pontual, cumprir os regulamentos e normas, e cumprir com as obrigações escolares. O Estágio de Adaptação caracterizou-se pela inculcação da habitus militar nas alunas pelas aulas teóricas e práticas de regulamentos, atividades militares e instruções de condicionamento físico. O Estágio contou com diversas atividades fundamentadas na responsabilidade, disciplina, hierarquia e organização, e principalmente enfocando aspectos imprescindíveis de apresentação pessoal e conduta das alunas. Em alguns casos observou-se que algumas alunas já estavam habituadas com um estilo de vida regrado por terem vivido experiências anteriores, tanto familiares, quanto durante a formação do habitus profissional na Escola Anna Nery (EAN). À época, a EAN era considerada altamente rígida na formação de suas alunas, tanto no ensino da enfermagem quanto na formação ética e moral. O ciclo de formação militar das alunas da primeira turma do QFO se encerrou com a solenidade de formatura da turma, que ocorreu em 06 de dezembro de 1982 no CIEAR e foi marcada por diversos rituais como missa de ação de graças, honras formandas e por fim o desfile militar. As alunas aprovadas foram relacionadas em ordem decrescente das médias finas obtidas, o que serviu de base para a determinação das respectivas antiguidades e conseqüentemente para a escolha das localidades em que desejassem servir. Após a formatura, as Oficiais enfermeiras do foram designadas a desempenhar funções compatíveis com profissionais em diversos hospitais pelo Brasil. suas habilitações e qualificações 104 A inserção das enfermeiras nos hospitais na FAB foi caracterizada por algumas lutas simbólicas. Durante o desenvolvimento das diversas funções e atribuições que receberam, as enfermeiras iniciaram o aprendizado das especificidades de atuação de uma enfermeira militar, adequando seus conhecimentos profissionais e militares prévios nas atividades diárias. A primeira luta das enfermeiras no campo hospitalar evidenciada nesse estudo foi relacionada com os médicos militares, visto que, o relacionamento entre médicos e enfermeiras no campo militar era considerado difícil. As enfermeiras relataram que, ao ingressarem nos hospitais militares tiveram que se impor. Apesar da boa receptividade pelos médicos, evidenciou-se que a presença das mulheres ocupando o mesmo campo impôs aos agentes masculinos uma mudança de atitudes no cotidiano hospitalar. A presença das mulheres forçou os médicos militares a mudarem o modo de falar, de se comportar e até mesmo de pensar, visto que agora eles deveriam conviver diariamente, no mesmo ambiente de trabalho, com mulheres enfermeiras do mesmo círculo hierárquico. As enfermeiras reconheciam suavemente que os médicos militares eram machistas e lhes davam ordens que não davam aos homens com o mesmo nível hierárquico delas, e o fato de exigirem obediência foi reconhecido pela enfermeira como discriminação de gênero. Entretanto, apesar das evidentes formas de violência simbólica desencadeadas por questões de gêneros, os desencontros entre médicos e enfermeiras também deve ser considerado, já que é um tema amplamente estudado e historicamente conhecido, decorrente das relações de poder existentes nos ambientes hospitalares que é decorrente do poder de saber dos médicos, que lhes permite confrontar a administração na luta pela defesa de seus interesses profissionais. O poder masculino agregado ao poder médico foi decisivo para que as enfermeiras militares aceitassem o princípio da inferioridade e da exclusão da mulher e, ainda hoje, as enfermeiras não compreendem a dominação imposta, e apesar de tudo, a invasão de suas consciências pelo poder onipresente dos homens as fazem pensar que a opressora é a própria mulher, possivelmente por diferenças da patente militar. 105 A segunda luta no campo militar hospitalar vivenciada pelas enfermeiras ocorreu entre elas e a equipe de enfermagem. A equipe de enfermagem encontrada pelas enfermeiras militares ao chegarem nos hospitais, era composta por enfermeiras civis, Sargentos (sexo masculino) com formação técnica em Enfermagem, auxiliares de enfermagem civis, além de Soldados e Cabos com pouca formação em enfermagem. Juntamente com as enfermeiras, chegaram também os Sargentos (do sexo feminino) do QFG que possuíam curso técnico de enfermagem. As enfermeiras militares encontraram a maioria das chefias sendo ocupadas por Graduados ou pelas enfermeiras civis, o que foi imediatamente desfeito pelas enfermeiras do QFO, pois o círculo de trabalhadores de enfermagem é bem hierarquizado e o enfermeiro será sempre o líder da equipe de enfermagem e assumirá as funções de chefia da equipe de enfermagem nas unidades. Apesar dos Sargentos (do sexo feminino) do QFG e as oficias do QFO integrarem o grupo mulheres militares concursadas pioneiras nos hospitais da FAB e de possuírem praticamente a mesma idade, as enfermeiras do QFO, possuíam um maior capital cultural, que era o diploma de graduação em enfermagem e uma maior posição hierárquica, de Oficial, permitindo com que galgassem uma posição privilegiada no campo, e este fato inicialmente não foi bem aceito pelas militares do QFG que não aceitaram a idéia de serem comandadas por uma mulher no campo militar masculino. A atitude de enfrentamento das enfermeiras do QFO perante a equipe de enfermagem, administrativamente e militarmente subalterna, nos permite observar que as enfermeiras já tinham o habitus militar inculcado e reproduziram o que aprenderam durante o Estágio de Adaptação, garantindo sua posição privilegiada no campo. A terceira luta vivenciada pelas enfermeiras ocorreu entre as enfermeiras militares e as enfermeiras civis, que antes da chegada das enfermeiras militares, eram as chefes dos serviços enfermagem. Apesar das enfermeiras militares não reconheceram que vieram para ocupar o lugar das enfermeiras civis, elas estavam dotadas de um grande poder simbólico perante toda a equipe de enfermagem, forçando a realocação das funções das enfermeiras civis que perderam poder e posição, ao serem destinadas à execução de funções de enfermeira diarista, atuando com os profissionais de nível técnico na 106 assistência direta ao paciente, evidenciando uma violência simbólica sobre as enfermeiras civis. Após alguns anos de convivência, as enfermeiras do QFO conseguiram manter um ambiente harmônico nos ambientes de trabalho com a equipe de enfermagem, e jamais perderam sua posição de chefe. A quarta e última luta ocorreu entre as enfermeiras e a própria administração dos hospitais em que se inseriram. Os agentes dominadores, que eram os chefes gerais, caracterizados pelos médicos militares que galgavam graus hierárquicos superiores aos das enfermeiras sentiram-se incomodados com a posição ocupada pelas mulheres, e utilizaram-se do poder simbólico que detinham para negar, mesmo que inconscientemente, toda e qualquer atividade que promovesse a elas, qualquer tipo crescimento profissional ou vantagem. O fato da cúpula da administração hospitalar ser eminentemente masculina foi o fator decisivo para a eclosão de lutas nesse campo. Observa-se que não era interessante para os homens permitir que as mulheres pudessem galgar maiores lucros simbólicos, pois dessa forma, elas se tornariam uma ameaça à hegemonia masculina. Ou seja, impedir o aprimoramento profissional das enfermeiras representava, além de uma questão de gênero, uma questão de progressão profissional. O QFO foi extinto em 1991 e substituído pelo Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica (QCOA), cuja principal características é o caráter temporário de contratação não superior à 09 (nove) anos de serviço ativo, e a possibilidade de galgar o posto máximo de Primeiro-Tenente. A violência simbólica sofrida pela enfermeira, chefe e militar foi um fator extremamente relevante e decisivo para o término do QFO. Entretanto, fatores relacionados às próprias enfermeiras, também foram decisivos, pois as enfermeiras militares pioneiras da FAB não se uniram pela permanência do Quadro para enfermeiras ou em prol do seu próprio aprimoramento profissional. Avaliando o cenário da enfermagem militar no Brasil, é possível observar que a enfermagem militar da FAB não perdeu posição só no campo dos hospitais, mas também no espaço das Forças Armadas brasileiras. Hoje, a Força Aérea Brasileira, a maior Força Aérea da América Latina em contingente, número de aviões e poder de fogo, possuidora da missão de “Manter a soberania do espaço aéreo nacional com vistas à defesa da Pátria”, é a única Força 107 Armada do Brasil cuja contratação de enfermeiras, desde 1991, é de caráter exclusivamente temporário, fato este que ratifica o resultado das lutas simbólicas das enfermeiras do QFO. 108 REFERÊNCIAS ALBERTI, V. Manual de história oral. 3.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005. ALENCAR, F; CARPI, L; RIBEIRO, M V. História da sociedade brasileira. 13.ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1994. BAPTISTA, S.S.; BARREIRA, I.A. A enfermagem na universidade brasileira: buscando espaços, conquistando posições. Esc. Anna Nery Rev. Enferm., Rio de Janeiro, v.4,n.1, p.21-30, abr. 2000. BARREIRA, I.A. Contribuição da história da enfermagem brasileira para o desenvolvimento da profissão. Esc. Anna Nery Rev. 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SELEÇÃO INICIAL COMO FICOU SABENDO DO CONCURSO? O QUE ERA OBRIGATÓRIO PARA CONCORRER ÀS VAGAS DO QFO? QUAIS AS PROFISSÕES QUE ESTAVAM PREVISTAS NO EDITAL? QUANTAS VAGAS FORAM OFERECIDAS NO CONCURSO PARA ENFERMAGEM? QUANTAS CANDIDATAS? QUAIS FORAM AS RAZÕES E MOTIVAÇÕES QUE LEVARAM A SENHORA A CONCORRER A UMA VAGA PARA ENFERMAGEM NO QUADRO FEMININO DE OFICIAIS? COMO A SENHORA VIVENCIOU A APROVAÇÃO NO CONCURSO? COMO A SUA FAMÍLIA REAGIU A SUA INTENÇÃO DE REALIZAR O CURSO, A SUA APROVAÇÃO E A SUA DECISÃO DE ENTRAR NESSE QUADRO? ESTÁGIO DE ADAPTAÇÃO ONDE O CURSO FOI REALIZADO? QUANTO TEMPO DUROU O CURSO? COMO ERA DESENVOLVIDO O CURSO DE FORMAÇÃO MILITAR (HORÁRIOS, INSTRUÇÕES, LIBERAÇÕES)? QUANTAS ENFERMEIRAS FIZERAM O CURSO? DURANTE O ESTÁGIO DE ADAPTAÇÃO, O FARDAMENTO FOI RECEBIDO GRATUITAMENTE OU FOI FORNECIDO AUXÍLIO- FARDAMENTO? QUEM ERAM OS INTRUTORES? COMO OS INSTRUTORES (CIVIS OU MILITARES, HOMENS OU MULHERES) SE COMPORTAVAM PERANTE A TURMA? HAVIA ALGUMA ESPECIFICIDADE NO CURSO COM RELAÇÃO AO TRATAMENTO DISPENSADO ÀS ENFERMEIRAS? 118 COMO A SENHORA VIVENCIOU A EXPERIÊNCIA DE ESTAR REALIZANDO UM CURSO PARA SE TORNAR ENFERMEIRA MILITAR? O CURSO DE FORMAÇÃO MILITAR FOI MUITO DIFERENTE EM RELAÇÃO A OUTRAS EXPERIÊNCIAS RELACIONADAS À ENFERMAGEM? HOUVE ALGUM CURSO DA ÁREA DE ENFERMAGEM DURANTE O CURSO DE FORMAÇÃO? COMO A SENHORA VIVENCIOU A DISCIPLINA E A HIERARQUIA MILITAR DURANTE O CURSO? QUAL A AVALIAÇÃO DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO CURSO? HAVIA REMUNERAÇÃO DURANTE O CURSO DE FORMAÇÃO? QUAL ERA O VALOR? O QUE REPRESENTOU PARA A SENHORA O DESFILE MILITAR NO RIO DE JANEIRO NO DIA 07 DE SETEMBRO DE 1982? FORMATURA QUANTAS ENFERMEIRAS SE FORMARAM (CONCLUIRAM O CURSO)? O QUE A FORMATURA REPRESENTOU PARA A SENHORA? COMO SUA FAMÍLIA PERCEBEU A FORMATURA? A FORMATURA ATINGIU REPERCUSSÃO NACIONAL? COMO SE DEU A LOTAÇÃO PARA AS ORGANIZAÇÕES MILITARES? INSERÇÃO NOS HOSPITAIS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA EM QUAL ORGANIZAÇÃO DE SAÚDE A SENHORA FOI DESIGNADA A SERVIR? QUAL ERA O HORÁRIO DE TRABALHO? ELE ERA DIFERENCIADO DE OUTROS PROFISSIONAIS? QUAIS FORAM AS FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES QUE FORAM DESIGNADAS À SENHORA? A SENHORA ASSUMIU A FUNÇÃO DE ALGUM OUTRO PROFISSIONAL COM A SUA CHEGADA? COMO A SENHORA SE SENTIA DESENVOLVENDO ESSAS NOVAS FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES? SENDO ENFERMEIRA MILITAR, A SENHORA RECEBEU ATRIBUIÇÕES DIVERSAS OU ESCALAS RELACIONADAS AO MILITARISMO E À ENFERMAGEM? COMO A SENHORA SE VIA COMO UMA DAS POUCAS MULHERES MILITARES (SENÃO A ÚNICA) NA ORGANIZAÇÃO MILITAR EM QUE FOI SERVIR? QUAL FOI A RECEPTIVIDADE NO LOCAL DE TRABALHO (MÉDICOS MILITARES E EQUIPE DE ENFERMAGEM)? A SENHORA SOFREU ALGUM TIPO DE DISCRIMINAÇÃO AO INSERIR-SE NA FAB? A SENHORA RECEBIA ALGUM TIPO DE BENEFÍCIO POR SER ENFERMEIRA MILITAR, OU APENAS POR SER MULHER? 119 QUAL ERA O UNIFORME PRINCIPAL DE TRABALHO? QUANTOS UNIFORMES ERAM UTILIZADOS? QUAIS ERAM AS SITUAÇÕES QUE PREVIAM O USO DE CADA UNIFORME? COMO A SENHORA SE VIA VESTIDA DE UNIFORME? COMO ERA A PROPORÇÃO ENTRE O VALOR DO SALÁRIO PAGO E O SALÁRIO MÍNIMO À ÉPOCA? QUAL ERA A RELAÇÃO ENTRE O SALÁRIO DA ENFERMEIRA MILITAR E O SALARIO DE UMA ENFERMEIRA CIVIL À ÉPOCA? QUAL ERA A DIFERENÇA ENTRE AS FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES DE UMA ENFERMEIRA CIVIL E DE UMA ENFERMEIRA MILITAR À ÉPOCA? ONDE ERAM FEITAS AS REFEIÇÕES? QUAIS CURSOS RELEVANTES A SENHORA JÁ FEZ DEPOIS DE SE TORNAR ENFERMEIRA MILITAR? A SENHORA APLICOU NA FORÇA AÉREA O CONTEÚDO APRENDIDO COMO ENFERMEIRA MILITAR NO CURSO DE FORMAÇÃO? A PORTARIA Nº 1.114/GM6 DE 04 DE OUTUBRO DE 1982, QUE APROVOU AS NORMAS COMPLEMENTARES DE CONDUTA ÉTICO-MILITAR, DE APRESENTAÇÃO PESSOAL E EM ATIVIDADES SOCIAIS E O USO DE ADORNOS POR PARTE DAS MILITARES DO CORPO FEMININO DA RESERVA DA AERONÁUTICA ERA FIELMENTE SEGUIDA NOS LOCAIS DE TRABALHO? EM QUANTAS ORGANIZAÇÕES MILITARES A SENHORA JÁ SERVIU ATÉ HOJE? -FAÇA UMA AVALIAÇÃO GERAL DE SUA TRAJETÓRIA COMO ENFERMEIRA MILITAR DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA -SE CONSIDERAR NECESSÁRIO, FAÇA QUALQUER OUTRA COLOCAÇÃO 120 APÊNDICE C- Termo de consentimento livre e esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO CENTRO BIOMÉDICO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM-MESTRADO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO A senhora está sendo convidada para participar da pesquisa referente ao meu projeto de Mestrado em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro intitulado “Mulheres, Chefes e Militares: A inserção da Enfermeira na Força Aérea Brasileira”. Trata-se de um estudo históricosocial com tem como objetivos: descrever as razões e motivações que levaram as candidatas enfermeiras a participarem do processo seletivo para ingresso no Quadro Feminino de Oficiais da Aeronáutica, analisar as estratégias utilizadas pelas enfermeiras para cumprirem às exigências do curso de formação militar, e discutir a inserção das enfermeiras nos hospitais da Força Aérea Brasileira. A sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento a senhora pode recusar-se a responder qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição Comando da Aeronáutica. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder verbalmente as perguntas que serão feitas. Seu depoimento será gravado em gravador portátil e armazenado no formato Mp3. Caso seja autorizado pela senhora, o depoimento será posteriormente doado para do Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery (UFRJ), Centro de Memória Nalva Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ e ao Laboratório de Pesquisa em História da Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO). Não há riscos relacionados com sua participação. Os benefícios relacionados com a sua participação são as contribuições para a construção da memória da História da Enfermagem Brasileira. A senhora receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço da pesquisadora, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. _________________________ LILIAN SILVA DE FRANÇA Pesquisadora principal: Lílian Silva de França 1°Ten QCOA Enf / OM: Base Aérea de Santa Cruz / COREN-RJ 125470 Tel: (21)30780376 [email protected] CEP: 23555-024 Orientadora: Prof ª Dr ª Jane Márcia Progianti [email protected] Rio de Janeiro, ___de_____________de 200__. Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento, sem sofrer qualquer tipo de punição ou constrangimento. _______________________________ Sujeito da Pesquisa *Obs: O título e os objetivos dessa dissertação foram modificados pelos pareceristas durante o Exame de Qualificação, que ocorreu em 16 de novembro de 2009, na Faculdade de Enfermagem da UERJ. 121 APÊNDICE D- Termo de doação de depoimento oral UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO BIOMÉDICO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM-MESTRADO TERMO DE DOAÇÃO DE DEPOIMENTO PROJETO DE PESQUISA: “Mulheres, Chefes e Militares: A inserção da Enfermeira na Força Aérea Brasileira”. AUTORA: Lílian Silva de França- Mestranda da Faculdade de Enfermagem da UERJ Tendo prestado depoimento para esta pesquisa que tem como objeto o processo de inserção de enfermeiras como oficiais na Força Aérea Brasileira, autorizo a mestranda da Faculdade de Enfermagem da UERJ, Lilian Silva de França, a divulgar e arquivar as gravações do meu depoimento no Centro de Memória Nalva Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ. __________________, _____de_____________de 200__. _________________________________ Assinatura do Depoente _________________________________ Assinatura da Pesquisadora *Obs: O título dessa dissertação foi modificado pelos pareceristas durante o Exame de Qualificação, que ocorreu em 16 de novembro de 2009, na Faculdade de Enfermagem da UERJ. 122 ANEXO A- Carta de autorização da Diretoria da Saúde da Aeronáutica 123 ANEXO B - Carta de aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa *Obs: O título dessa dissertação foi modificadoo pelos pareceristas durante o Exame de Qualificação, que ocorreu em 16 de novembro de 2009, na Faculdade de Enfermagem da UERJ.