webvet Número 05 Outubro 2004 Toxocaríase em seres humanos e o contato com animais de estimação* Leonardo P. Brandão, MV, MMV Gerente técnico operação animais de companhia – MERIAL Saúde Animal Toxocara canis é um nematódeo que parasita o intestino de canídeos. Lobos, raposas e coiotes podem ser acometidos, mas são os cães que servem como reservatório final para o parasita. Diversos trabalhos publicados indicam que a prevalência da doença em cães depende de vários fatores, tais como a idade do animal, habitat e histórico prévio de parasitismo. Os vermes adultos vivem no intestino delgado e disseminam seus ovos por meio das fezes do animal. Logo após serem eliminados, os ovos não são capazes de infectar outro hospedeiro, levando de 2 a 7 semanas, sob condições adequadas, para se tornarem infectantes (estágio L2 embrionado). Embora os cães possam ser contaminados ao ingerirem os ovos do parasita, a via transplacentária ainda é considerada a forma mais importante de transmissão nessa espécie. INTRODUÇÃO Uma vez infectados pelos ovos larvados de T. canis, os seres humanos podem apresentar uma miríade de sintomas, tais como o desenvolvimento de uma forma ocular da doença (pela migração errática da larva para a retina), da forma visceral e também da assintomática. A maioria das pessoas exposta ao parasita não desenvolve a doença e certas pesquisas demonstraram que sua incidência é baixa. Entretanto, nos últimos anos, a toxocaríase humana tem recebido grande atenção. O temor da doença causou mudanças nas leis de vários países com o objetivo de restringir * Baseado no artigo de WOLFE, A.; WRIGHT, I.P. Human toxocariasis and direct contact with dogs, Veterinary Records, 152 (14):419-22, 2003. webvet a defecação de cães em áreas públicas. Ainda que várias vias de transmissão do T. canis tenham sido pesquisadas, tais como a ingestão de larvas presentes em carne infectada ou ainda a transmissão dos ovos por mosquitos, a ingestão de ovos presentes no solo contaminado é considerada a mais significante. Enquanto a toxocaríase em seres humanos é creditada primariamente à ingestão de ovos de T. canis presentes no solo, este artigo fornece dados sobre a elevada concentração de ovos encontrados no pelame de cães e o potencial de transmissibilidade para seres humanos pelo contato direto com os animais. ESTUDO Os autores retiraram amostras de pêlo da região perianal, da face caudal dos membros posteriores e da porção ventral da cauda de 60 cães de várias regiões do Reino Unido e Irlanda, com idade variando entre 8 semanas e 15 anos, provenientes de abrigos de animais, fazendas e domicílios. Nenhuma das amostras estava visivelmente contaminada por fezes. Cada amostra foi pesada e processada (lavada por centrifugação e filtrada em filtros de diferentes tamanhos) para a separação dos ovos. As amostras de pelame foram então examinadas por microscopia óptica e os ovos classificados em 4 grupos: não viáveis, viáveis (ou intactos), embrionando (com duas ou mais divisões) e embrionados (contendo larvas). Ovos contendo larva visível, mas ainda imatura, foram classificados como embrionando. Foram recuperados ovos de T. canis em 15 amostras (25% do total). Ao todo foram recuperados 71 ovos, dos quais 3 (4,2%) estavam embrionados, 17 (23,9%) embrionando, 36 (50,7%) viáveis e 15 (21,2%) não viáveis. As concentrações dos ovos no pelame variaram de 0,69 a 300 ovos/g de pêlo (média: 3,33 ovos/g). Os ovos em estado embrionando e embrionado foram encontrados nas concentrações de 180 e 20 ovos/g de pêlo, respectivamente. Essas concentrações são muito maiores do que as relatadas em amostras de solo. Os autores discutem que esta é a primeira vez em que o pelame de cães foi examinado para a pesquisa de ovos de T. canis, tendo sido recuperados ovos embrionados do parasito em concentrações elevadas. Dos ovos encontrados no pelame dos cães, 4,2% estavam embrionados e 23,9% embrionando, valores semelhantes aos de ovos encontrados no solo. Entretanto, as concentrações de ovos no pelame, em termos do número total de ovos embrionados e embrionando, foram muito maiores do que as de ovos encontrados no solo. As pessoas podem ser infectadas pela ingestão de ovos presentes no solo, mas na opinião dos autores, os resultados sugerem que este risco é muito menor do que fora previamente sugerido. O fato de que 25% das amostras de pêlos obtidas dos cães continham ovos de T. canis pode significar que esta seja uma importante fonte de transmissão da doença às pessoas. Se um cão está infectado por T. canis e possui ovos do parasita em seus pêlos, qualquer um que acariciar este animal pode contaminar as mãos e ingerir os ovos do parasita; não havendo necessidade de que o pêlo seja ingerido propriamente. A densidade de ovos do parasita nos pêlos dos animais foi maior do que a do solo, o que aumenta a probabilidade de que este contato direto com os cães, e não com o solo, possa servir como fonte de infecção para as pessoas. Estes resultados podem explicar porque a incidência de pessoas webvet expostas ao parasita, demonstrada por testes sorológicos, é maior do que a incidência de pessoas doentes. Como a maioria dos ovos encontrados nos cães é não infectante, um número maior de pessoas pode ser exposto aos antígenos de T. canis sem desenvolver a migração larval e, conseqüentemente, a doença. A menor concentração de ovos embrionados no pêlo dos cães resulta numa menor incidência da doença em seres humanos. CONCLUSÃO Os pesquisadores concluíram que o pelame dos cães pode conter concentrações elevadas de ovos de T. canis e que o contato direto com esses animais representa um risco potencial de transmissão da doença para seres humanos. Para outras informações técnicas, sugestões ou comentários, escreva para a Merial através do e-mail [email protected] ou ligue no 0800-135133.