UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
A COMPANHIA E AS LETRAS:
UM ESTUDO SOBRE O PAPEL DO
EDITOR NA LITERATURA
TEODORO KORACAKIS
Rio de Janeiro
2006
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
A COMPANHIA E AS LETRAS: UM ESTUDO SOBRE O
PAPEL DO EDITOR NA LITERATURA
Por
TEODORO KORACAKIS
Tese apresentada ao Instituto de Letras da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro como
requisito para obtenção do título de Doutor em
Literatura Comparada.
Orientador: Prof. Dr. Italo Moriconi
Rio de Janeiro
2006
2
Agradecimentos
Ao meu orientador Italo Moriconi, pela interlocução e confiança na minha pesquisa;
Ao professor Victor Hugo Adler Pereira, pelo incentivo desde os tempos da graduação;
Ao professor Aníbal Bragança, pelas sugestões e indicações bibliográficas fundamentais;
Aos colegas da Área de Tecnologias para o Desenvolvimento Social da Finep, pelo
convívio estimulante;
À Maria Angélica Savelli, Rosa Damaso e toda a equipe da biblioteca da Finep, pelo
auxílio na busca de livros;
Aos amigos André Villela, André Vinícius Pessoa e Marcelo Landau, pelo estímulo e
diálogo;
Ao amigo Jacir Guimarães, o primeiro a ouvir o plano geral da tese;
Ao editor Luiz Schwarcz, objeto vivo desta tese, pela concessão da fundamental entrevista;
À Isa Pessoa, Luis Augusto Marcelino e Sérgio Sant Anna, pela concessão das entrevistas;
À equipe da Companhia das Letras, especialmente Eliane Trombini e Ana Paula Hisayama,
pelos dados e informações;
Ao meu tio, o historiador Carlos Francisco Moura, referência na minha prática de pesquisa;
Ao meu pai Constantino, pelo apoio e minha introdução precoce no convívio de escritores e
editores;
À minha mãe Lair, pelo estímulo e contribuição na pesquisa;
À Denise
esposa, amiga e revisora
figura decisiva na realização desta tese;
À minha filha Isabel, pelo carinho e compreensão durante o trabalho.
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SUMÁRIO
Introdução
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
5
Questões preliminares
10
1.1
Morte e ressurreição dos estudos sobre vida literária
11
1.2
Um sobrevôo pela história da edição
14
1.3
O editor por ele mesmo: a denegação do econômico
18
A Companhia das Letras
39
2.1 A formação da Companhia
40
2.2
O catálogo da Companhia
56
2.3
O editor da Companhia
96
2.4
Os escritores da Companhia
107
2.5 Uma análise da Companhia
133
A coleção Literatura ou Morte
145
Conclusões
183
Bibliografia
190
Resumo / Abstract
204
Anexos / Ilustrações
4
Introdução
Esta tese pretende se inserir no âmbito de estudos sobre a vida literária
brasileira, campo de estudo que se detém nas circunstâncias da produção literária. O
aspecto da vida literária no qual ela vai se deter é o papel do editor na produção cultural, e
mais especificamente na produção da ficção.
Normalmente a figura do editor fica pouco iluminada no estudo da produção
intelectual, ofuscada tanto pelo valor simbólico do objeto-livro quanto pela fascinação da
função autor exercida pelos escritores. Tradicionalmente, nos estudos literários, o escritor é
tratado pelo nome, sendo a sua biografia considerada elemento importante para o
entendimento da literatura. O editor
e a instituição que representa
tem sua identidade
escondida pela genérica expressão mercado editorial . A presente tese pretende, portanto,
olhar a produção literária iluminando a figura do editor, entendendo a empresa editorial
como elemento constitutivo e decisivo do sistema literário.
Nossa abordagem iluminadora da atividade editorial na literatura será
realizada por uma investigação no âmbito da produção literária brasileira contemporânea.
Dentre a totalidade das editoras brasileiras do período final do século XX e início do século
XXI, escolhemos nos deter nas atividades da editora paulista Companhia das Letras,
comandada por Luiz Schwarcz.
Um dos motivos dessa escolha foi termos identificado ao iniciarmos as
nossas pesquisas que a Companhia das Letras tornou-se a editora brasileira central no
período estudado. Não pelo número de livros produzidos ou lucro auferido, mas por ter se
tornado uma referência para o sistema editorial brasileiro pela qualidade técnica e valor
cultural de seus livros. O antropólogo argentino Gustavo Sorá, ao estudar a produção
5
editorial brasileira de literatura do final do século XX, como parte das pesquisas para o
desenvolvimento de sua tese de doutorado no Museu Nacional / UFRJ, corrobora a nossa
hipótese inicial:
A Companhia das Letras é o referencial que definiu no final dos anos 80
novos esquemas de percepção e apreciação do bom livro, não a partir da
imposição de um movimento literário, escola ou corrente de idéias
particular, mas inventando concepções editoriais profissionais, que
envolvem os novos livros de prestígio. A imposição desse modo de produção
só completou sua irrupção ou legitimação com o aparecimento posterior de
editoras assemelhadas que se reconhecem e são reconhecidas por referência
à Companhia das Letras e a seu estilo literário-ensaístico. (SORÁ, 1997, p.
169 - 170)
A Companhia das Letras ao surgir em 1986 traz como novidade um projeto
editorial que diz pretender conciliar profissionalismo com a relevância cultural e literária
das obras a serem publicadas, ou seja, pretende unir a dimensão empresarial à cultural: a
Companhia e as Letras. A atividade da Companhia das Letras marca o campo editorial
brasileiro na virada do século XX para o XXI, tornando-se uma indicação de qualidade
para os livros que edita e uma possibilidade de consagração literária e lucros financeiros
para os seus autores. No desenvolvimento da sua curta história até o momento, ela se
tornou a partir do início da década de 1990 a editora de referência também no campo de
ficção brasileira, reunindo em seu catálogo alguns dos nossos principais ficcionistas
contemporâneos, como Moacyr Scliar, Rubem Fonseca, Sérgio Sant Anna, Carlos Heitor
Cony e Bernardo Carvalho.
Vale registrar que no âmbito desta tese entenderemos como editora literária
aquela que publica literatura num sentido amplo: textos de ficção, teatro, poesia ou ensaio.
Obras nas quais a função autor contribui decisivamente para a determinação do seu valor
simbólico. A publicação de literatura não é necessariamente hegemônica nos catálogos
dessas editoras, mas tem papel fundamental no estabelecimento do valor da marca e das
suas diferenças em relação às concorrentes.
6
O crítico José Castello, em artigo publicado em 2005, como Gustavo Sorá,
também constata que a Companhia das Letras
e o seu editor
teve papel marcante na
história editorial brasileira, sendo referência de qualidade para outras editoras a partir da
consolidação de sua trajetória de sucesso:
O aparecimento da Companhia das Letras, no ano de 1986, provocou um
salto de qualidade no mercado editorial brasileiro. A partir dos novos
padrões gráficos e do grande rigor na escolha dos originais praticados pela
editora de Schwarcz, outros editores tiveram que repensar, e alterar seus
próprios parâmetros profissionais. [...]
O nome de Luiz Schwarcz está inevitavelmente associado a esta pequena
revolução, da qual, na verdade, ele foi o grande mentor. (CASTELLO, 2005,
p. 3)
O editor Luiz Schwarcz pode ser visto como um empresário-editor, que
possui um elo com a tradição personalista do setor ao ser o responsável último pela
definição de estratégias e até da seleção de originais e ao mesmo tempo possui um sistema
de produção editorial profissionalizado, no qual uma equipe de editores auxiliares, formada
até por alguns sócios, tem relativa autonomia. Schwarcz realiza tanto as atividades de
editor na concepção americana do termo, que é a de quem seleciona, lê os originais e se
relaciona com os autores, como realiza também as atividades de publisher, sendo o
responsável pela administração e estratégias empresariais da editora. A Companhia das
Letras ainda pode ser pensada como um projeto pessoal do seu editor e a expressão da sua
vontade. A dimensão pró-ativa e personalista de Luiz Schwarcz em relação aos produtos da
sua editora nos levará a investigar inclusive a dimensão autoral que o editor pode adquirir
na produção textual dos livros. Verificaremos, inclusive, como essa dimensão autoral pode
se caracterizar num caso paradigmático, o da encomenda de obras ficcionais.
Outro motivo que nos levou a escolher a Companhia das Letras como objeto
central da tese é o fato de não haver nenhum estudo de grande fôlego dedicado
exclusivamente a ela, que, em 2006, completa 20 anos.
7
Apesar de a tese se debruçar por vários gêneros de produção editorial
já
que é impossível separarmos radicalmente a produção de ficção da produção editorial como
um todo , estamos particularmente interessados na produção da ficção e no que ela tem de
específico.
Vale mencionar que a teoria da literatura ao afirmar-se como disciplina
autônoma acaba por apartar a literatura das questões de mercado. Para o pesquisador Italo
Moriconi, a academia acaba por promover uma divisão tanto prática quanto conceitual:
existe a literatura enquanto parte da cultura cotidiana, que se estrutura como mercado (o
mundo da vida , regido pelas relações de troca), e existe a literatura enquanto parte da
cultura especializada , formada pelo conjunto dinâmico das instituições pedagógicas
(MORICONI, 2005, p. 3). A presente tese tenta superar essa cisão, não associando a priori
sucesso de mercado com pouco valor literário, mas, pelo contrário, buscando descobrir as
possibilidades da qualidade literária conseguir atingir seu público gerando lucro.
Passaremos agora a descrever o esquema geral da tese para cumprir esses
objetivos. O primeiro capítulo será mais genérico, formulando algumas questões teóricas e
históricas que são importantes para investigarmos o papel do editor. Cada subcapítulo
funcionará como um pequeno ensaio mais ou menos independente em relação aos outros,
servindo de contraponto e controle para a leitura dos capítulos seguintes. O primeiro
subcapítulo explicará como a tese se insere no panorama atual dos estudos literários. Os
subcapítulos 1.2 e 1.3 farão um sobrevôo sobre as relações entre o editor e o escritor na
produção da ficção, iluminando especialmente o discurso do próprio editor. Será um breve
panorama de algumas abordagens já realizadas sobre o tema e dos principais momentos
históricos dessa relação, utilizando especialmente estudos da história da edição .
O segundo capítulo, dividido em cinco subcapítulos, será dedicado a um
estudo de caso sobre o papel do editor a partir da experiência de Luiz Schwarcz e sua
editora Companhia das Letras. No primeiro subcapítulo, será analisada a formação da
Companhia das Letras, levando em conta suas raízes na Editora Brasiliense, onde houve a
iniciação de Schwarcz no mundo editorial. No subcapítulo seguinte, será examinado
detalhadamente o catálogo das publicações da editora, que nos servirá como guia para o
8
entendimento de suas ações. O terceiro subcapítulo utilizará entrevistas realizadas com o
editor Luiz Shcwarcz para desenhar o modo como ele vê e participa da atividade editorial.
No quarto, investigaremos a relação dos autores brasileiros de ficção em atividade com a
editora, em contraponto às relações que mantiveram com outras editoras pelas quais
publicaram. No último subcapítulo, serão confrontadas e consolidadas as questões
levantadas nos outros subcapítulos e será analisado o papel da editora e de seu editor na
literatura brasileira.
O terceiro capítulo se debruçará sobre uma coleção ficcional de encomenda
realizada pela Companhia das Letras, a coleção Literatura ou Morte. Com ela, poderemos
observar como a dimensão autoral do editor pode marcar obras ficcionais. Além de
investigarmos o papel do editor no resultado dessas obras, estaremos analisando um
interessante grupo de obras da literatura brasileira, e até latino-americana, pelo fato de
pertencerem a uma coleção ficcional temática de encomenda. Ou seja, como cada escritor
resolve a encomenda na interação com o editor. Nesse capítulo, pretendemos realizar um
diálogo entre duas dimensões da literatura: o ambiente da sua produção e o resultado
textual efetivo.
O quarto e último capítulo, com função de conclusão, conectará as questões
surgidas nos três capítulos e tentará dar conta da questão central desta tese que é o estudo
do papel do editor na literatura.
Antes de começarmos o desenvolvimento do corpo da tese, vale a pena
mencionar que o estudo de caso com a Companhia das Letras somente revela uma
possibilidade de papel editorial que pode ser assumido. E apenas assim ele pode ser visto.
Esta tese não pretende ser nenhuma receita de bolo nem uma supervalorização de um
projeto editorial. Apenas constata a importância e o sucesso ditoriais que levou esse projeto
a ter se tornado uma referência na produção editorial brasileira contemporânea, como já foi
constatado pelos pesquisadores citados e até pelo senso comum.
9
Capítulo 1
Questões preliminares
Tentaremos neste capítulo antecipar algumas questões teóricas e históricas
para, quando começarmos a estudar a participação da editora Companhia das Letras no
cenário editorial brasileiro, já estarem contextualizadas algumas questões básicas. Para
isso, desenvolveremos, em um primeiro subcapítulo, as principais características do
momento acadêmico brasileiro atual, no qual parece haver uma volta dos estudos sobre o
pólo autoral da produção literária e da própria vida literária em si. No subcapítulo seguinte,
faremos um panorama dos principais momentos históricos sobre o papel do editor. No
subcapítulo 1.3, daremos voz ao próprio editor
atividade
como ele vê as particularidades da sua
e utilizaremos o conceito de denegação do econômico formulado por Pierre
Bourdieu para analisarmos seu discurso.
1.1. Morte e ressurreição dos estudos sobre vida literária
Os estudos literários, a partir da década de 1960, foram deixando de encarar
com seriedade trabalhos que focassem questões relativas ao ambiente da produção literária,
10
que também podemos chamar de vida literária . Por um lado, isso se deve a um mergulho
profundo nos pressupostos estruturalistas, como o da morte do autor de Roland Barthes,
que propõe que se deixe em segundo plano, ou se esqueça, o pólo autoral do texto, para
focar as atenções no texto propriamente dito e na sua estrutura. O outro enfoque que, até
por uma leitura errada dos seus pressupostos, afastou a produção literária da cena
acadêmica foi a própria estética da recepção, com sua proposta de iluminar especialmente o
receptor, deixando o produtor do texto literário na penumbra. Por isso tudo, nesse período,
a vida literária não foi um dos temas mais visitados pelos estudos literários. A sociologia do
conhecimento e a história da cultura acabaram por tomar timidamente esse terreno
desocupado, mas deixando de cumprir um papel que só os estudos literários seriam capazes
de realizar em relação à vida literária: transitar pela via de mão dupla entre a produção
literária e os textos ficcionais efetivamente produzidos. Essa falta de interesse resultou
numa quase ausência de estudos literários que abordassem a vida literária das últimas
décadas do século XX.
Mas do vazio total, já nos últimos anos do século, os estudos literários
voltaram a percorrer esse campo, o que sinaliza um início de século XXI fértil nesses
estudos, tanto nos centros acadêmicos europeus e americanos como nos periféricos, no
nosso caso o Brasil. Uma análise superficial dos trabalhos apresentados nos últimos
congressos da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC)
reunião de 2001
a partir da
pode confirmar a tendência: são inúmeros os trabalhos que investigam a
vida literária nos seus mais diversos aspectos. E esses trabalhos muitas vezes abordam a
vida literária brasileira recente, especialmente carente de estudos.
Falando em lacunas nos estudos literários, não podemos deixar de mencionar
que um dos aspectos menos abordados da vida literária, no caso a brasileira, envolve a
produção e o mercado literário, ou seja, a dimensão produtiva da literatura. Um dos poucos
trabalhos realizados recentemente no campo dos estudos literários que levam em conta os
fatores da produção literária é O preço da leitura, das professoras Marisa Lajolo e Regina
Zilberman. A pesquisa meticulosa das professoras nos revela aspectos produtivos da
literatura brasileira, assunto muitas vezes considerado desagradável pelos defensores da
11
literatura como algo celestial desenvolvido por entes especiais, ungidos por um dom
superior. João Ubaldo Ribeiro, no artigo De olho no mercado , reproduzido parcialmente
em O preço da leitura, revela ironicamente a existência do pensamento que não enxerga o
caráter laboral e, portanto, remunerável da atividade artística:
Escrever, compor, pintar, atuar, nada disso é trabalho, é o exercício lúdico,
revigorante, glamuroso e sublime de um dom artístico [...] O sujeito senta,
sintoniza suas antenas privilegiadas com as musas, e, como quem respira ou
pratica qualquer ato destituído, produz a obra de arte. Ela já traz em si a sua
própria recompensa, e o artista, esse escolhido da fortuna, não precisa mais
nada para sobreviver. (apud LAJOLO, 2001, p. 19)
Esse tipo de pensamento caricaturado por João Ubaldo, por incrível que
pareça, encontra eco dentro dos estudos literários, o que é revelado pelo silêncio reticente
que temas como esses encontram na produção acadêmica da área, salvo exceções, como já
mencionado.
Voltando à questão da retomada do autor como objeto acadêmico, o
historiador francês Roger Chartier, já no início da década de 1990, no ensaio Figuras do
autor , que faz parte de seu A ordem dos livros, ao analisar os estudos literários e a história
do livro produzidos na época, caminha no mesmo sentido das nossas análises:
Quer ignore o autor ou o deixe a cargo de outros especialistas, a história do
livro tem sido praticada como se suas técnicas e descobertas fossem
irrelevantes para a história dos produtores de textos, ou como se esta fosse
destituída de qualquer importância para a compreensão das obras. Nestes
últimos anos, contudo, assistimos à volta do autor. Tomando a distância em
relação a perspectivas que concentravam a atenção exclusivamente no
funcionamento interno dos sistemas de signos, a crítica literária quis
reinscrever as obras em sua própria história. (CHARTIER, 1999, p. 34)
Apesar das inúmeras diferenças que possuem entre si, diversas correntes da
crítica literária contemporânea têm como objetivo comum rearticular o texto ao seu autor.
Mas Chartier, na sua análise, observa que várias mudanças ocorreram nesse renascimento:
12
É certo que não se trata de restaurar a figura romântica magnífica e solitária
do autor soberano, cuja intenção (primeira e última) encerra a significação
da obra, e cuja biografia dirige a escrita em uma transparente imediatez. O
autor, tal como ele faz a sua reaparição na história e teoria literária, é, ao
mesmo tempo, dependente e reprimido. (CHARTIER, 1999, p. 35)
Para Chartier, esses limites são, por um lado, a impossibilidade de controlar
a recepção de sua obra e por outro a incapacidade de controle total da própria produção da
obra, devido aos outros atores presentes, especialmente a figura do editor.
Finalizando este capítulo, cabe dizer que nossa tese tenta trazer para o
campo dos estudos literários um esforço acadêmico já desenvolvido em outros campos do
saber
especialmente os da história e da comunicação social , o de tirar da penumbra a
atividade editorial. Exemplo desse esforço em outros campos é a tese de doutorado
defendida por Aníbal Bragança, na Escola de Comunicações e Artes da USP, em 2001,
intitulada Eros pedagógico: a função editor e a função autor, na qual é realizado um
detalhado mapeamento da função editor, colocando-se programaticamente contra o
ocultamento dessa função numa nova história dos livros. (BRAGANÇA, 2001)
1.2
Um sobrevôo pela história da edição
O poeta e crítico Ferreira Gullar, no ensaio, de 1965, Problemas estéticos
na sociedade de massa , utilizando um repertório ortodoxamente marxista, observa que não
existe nenhuma impropriedade em se encarar a obra de arte como mercadoria na sociedade
13
capitalista. Para ele, aqueles que se chocam com o surgimento de uma arte de massa e a
conseqüente aproximação entre arte (num sentido amplo do termo, que inclui a literatura) e
mercado sentem uma nostalgia mistificadora de um período histórico pré-capitalista, onde
existiria um paraíso desinteressado para uma atividade artística superior:
A arte de massa é, em essência, mercadoria, e nisso também ela se define
como legítimo produto da sociedade capitalista, na qual tudo se transforma
em mercadoria. [...] Trata-se de uma condição nova que a arte passou a
enfrentar com o surgimento da burguesia e que é, sob certos aspectos, um
avanço com relação à arte do passado, muito mais aristocrática e impositiva.
[...] Numa sociedade desse tipo a comercialização da arte é inevitável e, mais
que isso, é o caminho que ela tem para satisfazer as novas necessidades
emocionais e espirituais do homem. Se, com razão, devemos repelir as
formas de arte estereotipadas, imbecilizantes, que proliferam na cultura de
massa, devemos fazê-lo sem perder a noção real do problema da arte
contemporânea e sem perder de vista as circunstâncias em que os artistas do
passado realizaram suas obras.
Há uma tendência a idealizar as condições de trabalho do artista no passado,
e isso só prejudica a apreciação do problema atual. De fato, na vasta maioria
do tempo em que transcorre a história da cultura, a arte esteve submetida a
imposições de toda ordem, servindo ao poder absoluto, ao Clero, aos nobres,
aos burgueses. (GULLAR, 1984, p. 136 - 7)
Aproveitando a virada de pescoço que Gullar dá para o passado,
examinaremos alguns momentos decisivos dessa longa transição da literatura para tornar-se
mercadoria, saindo de um modo de produção artístico caracterizado como mecenato para
outro no qual a figura controladora do fazer literário não é mais o mecenas, mas sim o
editor
e a instituição que ele representa é a editora que visa ao lucro.
Um mapeamento histórico completo dessa transição, focado nas relações
entre o editor, o autor e o próprio resultado literário, é algo impensável pelos limites deste
trabalho. No entanto, a partir de estudos de historiadores culturais podemos identificar os
momentos decisivos das mudanças ocorridas nos sistemas editoriais nacionais do Ocidente
a partir do século XIV.
14
Os quatro volumes do monumental Histoire de L Edition Française,
realizado a partir de pesquisa coordenada por Roger Chartier e H. J. Martin, publicado
entre 1982 e 1986, identifica três fases paradigmáticas da edição na história da França, que,
por analogia, podemos identificar como fases diferentes da história do editor na cultura
ocidental. A forma inicial de edição seria a leitura em voz alta de um novo texto
prática
corrente nas universidades e cortes medievais, que permaneceu até a invenção da imprensa.
Mas, ainda no século XVIII, publicar um texto poético podia ser lê-lo em voz alta em um
salão ou em sociedade literária. Nessa fase, não existia a figura do editor. A relação que o
escritor, como outros produtores artísticos, mantinha com aqueles que os remuneravam
pelo fazer artístico era a de mecenato, que subsistiu e pode sempre subsistir na ausência de
um mercado artístico para mediar a relação entre o artista e o público. No mecenato, quem
propicia a remuneração ou qualquer vantagem ao artista é um patrono, que tem interesse na
produção de obras artísticas por motivos variados, que não se tratam de auferir lucros com
a comercialização da obra artística, no nosso caso, o livro.
A etapa seguinte, que vai da invenção da imprensa por Gutemberg até o
início do século XIX, seria dominada pela figura do livreiro-editor. O capital mercantil
toma cena paulatinamente, sendo o livreiro-editor um comerciante de livros que também
possui uma oficina tipográfica ou que contrata um impressor. O negócio se vincula aos seus
próprios catálogos, apesar de eles, muitas vezes, diversificarem seus produtos por
intercâmbio com seus colegas, especialmente de fora da sua área de vendas. O negócio do
editor fica intimamente ligado à sua comercialização.
A terceira e definitiva fase da história da edição dá-se com o
estabelecimento do editor moderno, que na França ocorre na década de 1830. O editor
passa a deter uma missão empresarial particular, mais intelectual do que técnica ou
comercial. Para Chartier, o editor se vê como um intelectual e cuja atividade se faz em
igualdade com a dos autores; daí, suas relações freqüentemente difíceis e tensas (apud
BRAGANÇA, 2001, p. 128). É essa figura empresarial que escolhe um programa editorial,
propondo, consultando, delegando e executando. O editor passa a ter o controle de todos os
elementos que definem o livro: o texto, as ilustrações, a disposição gráfica e as formas de
15
difusão. Roger Chartier, em entrevista publicada em 1999, comenta as singularidades do
editor moderno em relação à fase anterior:
Naturalmente, o editor do século XIX tem uma atividade comercial, mas se
caracteriza por seu papel como coordenador de todas as possíveis seleções
que levam um texto a se transformar em livro, e tal livro em mercadoria
intelectual, e esta mercadoria intelectual em um objeto difundido, recebido e
lido. As fronteiras são sempre muito instáveis, e mais complicadas do que se
pensa em uma primeira aproximação. Mas se mantemos esta idéia de
profissionalização, de autonomia crescente em relação à livraria, talvez
possamos ter um critério importante que deverá ser matizado com o papel
textual desempenhado por alguns editores. (CHARTIER, 2001, p. 48)
Essa divisão tripartite da história da edição feita por Chartier foi o ponto de
partida para inúmeros estudiosos, tanto para concordarem com ela como para discordarem.
No Brasil, o professor Aníbal Bragança, já em 2001, na sua tese de doutorado, ao revisar
detalhadamente o desenvolvimento histórico das atividades do editor contesta e reformula a
periodização concebida por Chartier. Ele propõe que não se fale em fases, mas em tipos
ideais da função editor, já que, embora o seu surgimento se dê num contexto histórico
específico, que o explica, os tipos coexistem, um não desaparece quando surge o novo
(BRAGANÇA, 2001, p. 121). Ele concebe quatro tipos ideais: o impressor-editor, o
livreiro-editor, o empresário-editor e o executivo-editor.
Aníbal Bragança começa seu afastamento do modelo de Chartier ao estipular
como início da função editor a própria invenção da imprensa. Para ele, antes da invenção
da imprensa não existia edição, considerando, portanto, a primeira fase da história da
edição no modelo do historiador francês como um período pré-editorial. A função editor
surgiria com o aparecimento da figura do impressor-editor, entre 1450 e 1550, cujas marcas
essenciais são o domínio das técnicas tipográficas e a propriedade de uma oficina gráfica.
No modelo formulado por Bragança, a partir de meados do século XVI até
meados do século XIX o tipo ideal hegemônico no controle da atividade editorial é o
livreiro-editor, figura associada por Chartier a um período bem mais extenso, que engloba o
tipo ideal anterior.
16
O terceiro tipo ideal formulado, o empresário-editor, corresponde à terceira
fase da periodização de Chartier, que o chama de editor moderno. Aníbal Bragança define
assim as competências desse tipo ideal
hegemônico na história ocidental entre 1850 e
1950, e, no Brasil, até os dias de hoje:
O importante é que tenha um conhecimento do mercado de bens culturais,
para criar uma política editorial e estabelecer as linhas de atuação para
realizá-la. [...] Pode ter gráfica ou livraria, mas isso não é necessário, o
importante é estabelecer com elas boas relações. (BRAGANÇA, 2001, p.
126)
Aníbal Bragança vislumbra para o empresário-editor três responsabilidades
básicas, que englobam e superam as atividades dos tipos ideais anteriores. A primeira é a
de escolher os originais a serem publicados, o que pode envolver desde a encomenda de
livros até a formatação de coleções. A segunda é a própria fabricação do livro, ou seja,
transformar um texto em um produto único, mas com vários exemplares. A terceira
responsabilidade do editor é a distribuição, fazer chegar o livro à livraria, e, em última
instância, ao consumidor de livros, o leitor.
O quarto tipo ideal identificado por Aníbal Bragança é o executivo-editor,
em emergência nos países em que a comunicação de massa é mais rentável a partir da
década de 1950. No Brasil só a partir da década de 1980 a figura do executivo-editor
começa a disputar a hegemonia com a do empresário-editor. A figura do executivo-editor
representa uma transformação da empresa editorial, que deixa de representar um projeto
cultural e empresarial específico, expressão de vontades pessoais, para ser um projeto
impessoal, que visa, primordialmente, a maximizar a rentabilidade do capital acionário. Ao
nosso ver, um projeto assim não excluiria necessariamente obras de valor literário ou
cultural, já que produzir essas obras também pode ser uma atividade lucrativa. A grande
diferença desse tipo ideal é a sua falta de autonomia, sendo um preposto dos efetivos
proprietários da empresa. Nessas grandes empresas também acaba havendo uma divisão
das antigas atividades do empresário-editor: chama-se de editor o profissional que lê os
17
originais e se relaciona com os autores; e de publisher, a figura que está mais ligada à
dimensão empresarial da atividade editorial.
1.3
O editor por ele mesmo: a denegação do econômico
Importante material para analisarmos o papel dos editores são os
depoimentos e textos críticos produzidos por eles próprios para analisar sua atividade.
Faremos neste subcapítulo uma análise dos discursos de alguns representantes das figuras
do empresário-editor e do executivo-editor na segunda metade do século XX, a partir de
textos que esses editores brasileiros e estrangeiros tiveram publicados em livro, escritos por
eles mesmos ou originados por entrevistas e depoimentos.
No final do subcapítulo, cotejaremos o discurso mais ou menos uniforme
desses editores com o conceito de denegação do econômico, formulado pelo sociólogo
Pierre Bourdieu na década de 1970. Este apanhado do pensamento dos editores sobre o seu
papel e o da sua atividade empresarial servirá tanto como um sintético panorama do
pensamento dos editores e da própria atividade editorial a partir da década de 1950 no
mundo
e, principalmente, no Brasil
quanto como um contraponto para o estudo de caso
com Luiz Schwarcz e a sua Companhia das Letras.
Sigfried Unseld, diretor de importante editora alemã, a Suhrkamp, reuniu no
livro O autor e seu editor, publicado originalmente em 1978, alguns de seus textos sobre o
universo da produção do livro, englobando um ensaio sobre a sua participação no cenário
18
editorial alemão e análises sobre as relações entre autores e seus editores. Unseld faz um
estudo de caso sobre essa relação, detendo-se nos seguintes autores de língua e cultura
alemãs: Herman Hesse, Bertold Brecht, Rainer Maria Rilke e Robert Walser. A primeira
parte do livro, o ensaio intitulado A missão do editor de textos literários , aborda a sua
experiência à frente de uma editora central na produção literária alemã da segunda metade
do século XX, a Suhrkamp, para desenhar um modelo de editora literária e do modo de agir
daqueles que a dirigem.
Uma questão recorrente no livro é a tensa relação entre o autor de literatura e
seu editor. Na sua primeira abordagem sobre o tema, no ensaio inicial, Sigfried Unseld
explica assim o desconforto dessa relação:
O mal-estar persistente que caracteriza a relação entre o autor e seu editor é
resultado da própria atividade do editor, que, como Jano, tem duas faces. Ele
precisa conforme diz Brecht produzir aquela mercadoria sagrada que é
o livro e também vendê-la, isto é, precisa associar a atividade intelectual ao
comércio, para que aquele que escreve essa literatura possa viver e aquele
que o edita tenha condições para fazê-lo. Em 1913, Alfred Döblin
expressou-o à sua maneira: O editor pisca um olho para o escritor e outro
para o público. Mas o terceiro, o olho da sabedoria, olha diretamente para a
carteira . (UNSELD, 1986, p. 18)
Mas Unseld nos lembra que a fórmula atividade intelectual e comercial é
muito sucinta para expressar a atividade editorial, que seria uma função pública. Para ele, o
editor, por meio de uma empresa econômica, produz literatura para determinado tipo de
público. A identificação com um grupo de produção e consumo de literatura leva em conta
diferentes motivações, não se desprendendo, no entanto, do aspecto financeiro. Voltando à
fórmula, ele observa que a situação do editor é singular porque ele assume a um tempo a
responsabilidade intelectual e a responsabilidade material das atividades da sua casa
(UNSELD, 1986, p. 19). E ele constata que essa situação é inevitável enquanto o livro for
uma mercadoria. Após essas considerações, Unseld coloca uma questão crucial para todos
os interessados no tema, apesar de ter sido formulada de modo bastante pessoal:
19
Até que ponto uma editora cuja organização, como a de todas outras
empresas, é capitalista e precisa buscar lucros pode propor uma literatura,
que, como toda grande literatura, se situa sempre do lado dos fracos e dos
oprimidos, contra a maximização dos lucros, contra um impiedoso aumento
da expansão, contra a exploração de nossas bases ecológicas pela técnica, e a
favor de novos direitos fundamentais para o indivíduo? (UNSELD, 1986, p.
20)
Podemos reformular a pergunta de Unseld para: Como o editor concilia a sua
atividade de produzir livros que pode ir contra o sistema econômico em que sua empresa
está inserida com a necessidade de buscar lucro nesse mesmo sistema? A resposta não é
simples
se é que existe alguma , mas ela não deve ser imobilizadora. Ela pode se dar na
prática. O principal modo de difusão de idéias, que podem ser críticas, até mesmo de
oposição, ao sistema econômico, político e legal vigente, é a produção de bens culturais
que obedecem a regras dispostas nesse sistema. Não podemos negar que o papel do editor
que publica obras contra o sistema pode ser paradoxal: contestá-lo no conteúdo das obras
que publica e, ao mesmo tempo, reforçá-lo ao fazer parte dele produzindo aquelas obras.
Ao abordar a singularidade da editora literária, Unseld observa que ela se
define pela natureza das relações que mantém com os autores; a situação ideal se
estabeleceria numa relação de troca: os dois pólos dão e ganham alguma coisa do outro.
Exemplifica essa relação virtuosa mencionando que o conjunto dos autores de uma editora
proporciona a cada um o apoio, a segurança, uma base para a comunicação (UNSELD,
1986, p. 32). Quando uma casa editorial consegue reunir um conjunto de bons autores com
algo em comum, não só a editora se beneficiaria, como cada um dos autores sairia
ganhando.
Sigfried Unseld utiliza o exemplo do editor Peter Suhrkamp para demonstrar
como deveriam ser as relações entre o editor e o escritor de literatura. Unseld relembra um
episódio ocorrido na década de 1950 quando ele fazia parte da equipe editorial de
Suhrkamp. Os dois, mais outro membro da equipe, discutiam como deveriam encaminhar
uma negociação com um escritor iniciante, quando o próprio Suhrkamp pronunciou a
seguinte frase: Observem o seguinte: todo autor, por mais jovem que seja, nos supera em
20
muito a todos os três, porque é uma personalidade criadora! . (UNSELD, 1986, p. 32). Essa
visão comungada por Unseld e Suhrkamp revela um modo de encarar o autor literário como
uma singularidade quase mística, que o editor não deve macular com sua influência. A
relação ideal entre editor e escritor nesse prisma seria aquela em que o editor dá condições
de segurança ao escritor para ele desenvolver toda sua capacidade criadora:
A literatura é sempre aquilo que os autores fazem dela. As responsabilidades
do editor literário podem ter mudado um pouco no fluxo do processo de
comunicação literária, mas no fundo permanecem as mesmas: estar à
disposição do autor, aberto àquilo que sua obra traz de novo, e contribuir
para a sua difusão. (UNSELD, 1986, p. 58)
Unseld justifica assim a visão idealizada que editores e profissionais do
ramo editorial, como ele, têm do autor de obras literárias:
Para quem, como o editor, se encontra na linha de interseção de exigências
interiores e exteriores, dos objetivos literários e materiais dos autores, que vê
as imensas dificuldades de ordem social e econômica que acompanham a
vida de um escritor e a produção de suas obras, é com freqüência difícil
deixar de sentir e apreciar a obra e deixar de considerar o autor como alguém
especial. (UNSELD, 1986, p. 37)
Esse tipo de visão, que exagera a importância do autor e dá ao editor um
papel passivo, apesar de ser datada, é compartilhada por vários outros editores de épocas
posteriores. Vale ressaltar que muitos desses editores que se vêem como passivos são
sujeitos ativos na história intelectual e na própria história da literatura.
Outro depoimento de importante ator do pólo editorial publicado em livro
foi O negócio do livro. Trata-se de relato autobiográfico do americano Jason Epstein,
surgido inicialmente sob a forma de palestras proferidas na biblioteca pública de Nova
York em 1999. O livro reconstrói a trajetória profissional de Epstein na indústria editorial
americana da segunda metade do século XX, incluindo uma passagem na Editora
21
Doubleday e 40 anos como diretor editorial da Ramdom House. Trajetória marcada pela
publicação de autores como Norman Mailer, E. R. Doctorow e Philip Roth, para
mencionarmos escritores do campo da ficção.
Epstein é, segundo o professor Aníbal Bragança, em sua resenha sobre o
livro, um representante da transição entre os editores-empresários e os editores-executivos
da indústria da mídia
(BRAGANÇA, 2002). Essa posição intermediária acaba se
revelando na sua posição pendular entre os pólos econômicos e culturais, tentando sempre
uma síntese entre eles nos comentários que faz sobre a atividade editorial ao narrar sua
trajetória pessoal. Seu relato inicia com uma sintomática caracterização do negócio da
edição de livros, que leva Aníbal Bragança, em sua resenha, a considerá-la, especialmente
pelo seu parágrafo inicial, anti-histórica:
O negócio da edição de livros é por natureza pequeno, descentralizado,
improvisado, pessoal; mais bem desempenhado por pequenos grupos de
pessoas com afinidades, devotadas ao seu ofício, zelosas de sua autonomia,
sensíveis às necessidades dos escritores e aos diversos interesses dos
leitores. Se o dinheiro fosse o principal objetivo, essas pessoas
provavelmente teriam de ter escolhido outras carreiras. [...] Mas a maioria
dos editores que conheci, prefere, como eu, considerar-se devoto de um
ofício cuja recompensa é o ofício em si e não o seu valor em dinheiro.
(EPSTEIN, 2002, p. 19)
Além de desconsiderar as transformações históricas, a afirmação inicial
aponta para o editor um papel de ponte entre os interesses dos escritores e dos leitores.
Podemos ainda inferir que para Epstein o editor seria o responsável por encaixar esses
interesses, não havendo neles nenhuma ação intelectual deliberada. Em seguida, afirma que
o dinheiro não é a mola propulsora do negócio do livro. Concordaríamos com esse ponto de
vista se ele quisesse dizer que os objetivos do negócio ultrapassam um simples lucro
imediato. Mas não é isto que é efetivamente dito. Epstein soma, nesse trecho, antihistoricismo a um pressuposto anticapitalista na sua concepção do negócio editorial.
Imaginar uma atividade negocial ou laborativa que traz a sua recompensa no exercício da
atividade em si é um idealismo exagerado, que nos leva a uma pergunta: Como um negócio
22
fadado ao fracasso financeiro, a lucros limitados, pode se manter e se reproduzir? Como a
resposta a essa pergunta contrairia qualquer lógica, podemos considerar essa concepção de
Epstein como retórica e mitificadora, porém reveladora e compartilhada por muitos no
universo editorial. Pode até se aplicar a certo tipo de editor, mas não pode ser considerada
como regra geral. Essa concepção é repetida e reforçada em outros trechos do livro. Ele
chega a afirmar que publicar livros assemelha-se mais a uma vocação ou a um esporte
amador, em que o objetivo principal é a atividade em si em vez do seu resultado financeiro
(EPSTEIN, 2002, p. 19). Trechos como esse são radicalizações daquilo que o sociólogo
francês Pierre Bourdieu vai chamar de denegação do econômico, como ainda veremos.
Apesar desses pressupostos, algumas das suas análises sobre a atividade
editorial são bastante lúcidas, amparadas na sua grande experiência no setor. Citando o
exemplo da Editora Ramdom House no transcorrer da segunda metade do século XX,
realça o papel do catálogo na constituição de uma editora, opinião semelhante, como
vimos, a do editor Siegfried Unseld, e que, como será visto no desenvolvimento desta tese,
será compartilhada também pelo editor-proprietário da Companhia das Letras, Luiz
Schwarcz:
Tradicionalmente, a Ramdom House e as outras editoras cultivavam seus
catálogos como o seu mais importante ativo, escolhendo os títulos por seu
valor permanente tanto quanto por sua atração imediata. [...] Mesmo as
editoras mais fortes dependiam de seus catálogos e consideravam os bestsellers golpes de sorte. Em suas memórias, Bennett Cerf, o co-fundador e
presidente da Ramdom House, escreveu que quando a Ramdom House
adquiriu a Alfred A. Knopf em 1960, as duas podiam fechar pelos próximos
vinte anos ou mais e ganhar mais dinheiro do que agora ganhamos, porque
nosso catálogo é como encontrar ouro na calçada . (EPSTEIN, 2002, p. 31 32)
Nessas análises, o seu pressuposto que praticamente opunha o negócio do
livro ao lucro capitalista é relativizado. Para ele, um bom catálogo de livros que
continuasse vendendo ano após ano é o que garante o sucesso comercial de uma editora que
pretenda ter um papel cultural relevante. Na verdade, o seu tipo ideal de editora não é
23
antieconômico, mas sim economicamente mais conservador, preferindo a venda segura de
livros com um ciclo de venda longo a apostar em best-sellers, que teriam vendas aceleradas
no momento do lançamento, mas que, em certo momento, deixariam de vender e até
poderiam gerar encalhes consideráveis.
Epstein, ao comentar os impactos das novas tecnologias, que, a partir do
final do século XX, alteraram significativamente o mundo editorial, enxerga uma
permanência da essência do trabalho editorial, se bem que com profundas modificações no
modo de distribuição dos livros. Para ele, a transformação de manuscritos em livros
continuará um processo manual que pode levar anos, e envolve escritores e editores. E
nesse momento da sua análise, Epstein vislumbra um papel ativo dos editores de textos na
produção do livro ao constatar que as emoções do editor de textos estão quase tão
presentes no resultado final quanto as do autor (EPSTEIN, 2002, p. 46). Constatação
paradoxal vindo de quem tem um discurso bastante articulado de defesa da criação literária
do escritor como algo autônomo e individual.
No Brasil, há uma escassez de livros publicados com as reflexões de editores
brasileiros. A reflexão mais importante, conforme o professor Aníbal Bragança
(BRAGANÇA, 2002), continua sendo A barca de Gleyre, de Monteiro Lobato, publicada
na década de 1940, compilação de sua larga correspondência ativa (1903
escritor e tradutor mineiro Godofredo Rangel
1943) com o
amigo e colaborador constante das
atividades editoriais de Monteiro Lobato , na qual discute sua experiência como editor,
refletindo criticamente sobre a atividade editorial. Por nossa tese se debruçar sobre o papel
de um editor brasileiro da virada do século XX para o XXI, a correspondência de Monteiro
Lobato não será analisada, até porque a riqueza desse material para a história editorial faz
de A barca de Gleyre um objeto de estudo que vem sendo explorado em outros trabalhos.
Já no final da década de 1980, a professora Jerusa Pires Ferreira e sua equipe
da Escola de Comunicação e Artes da USP desenvolveram o projeto Editando o Editor, que
vem publicando em livro depoimentos de editores brasileiros que militaram no setor, já
tendo produzido seis volumes, com os seguintes editores: Jacó Guinsburg, da Editora
Perspectiva; Flávio Aderaldo, da Hucitec; Ênio Silveira, da Civilização Brasileira; Cláudio
24
Giordano, da Oficina do Livro; e Jorge Zahar. Os depoimentos são colhidos pela equipe de
pesquisa do projeto, que, posteriormente, os transforma em texto. Os volumes já publicados
da série Editando o Editor trazem relatos e comentários que podem ser úteis para
mapearmos como o editor brasileiro contemporâneo e de um passado recente vê o seu papel
na produção cultural.
Um dos depoimentos mais ricos da coleção, concedido em 1996, foi o de
Jorge Zahar, editor e proprietário da Zahar Editores, fundada em 1956, e, posteriormente,
da Jorge Zahar Editores, criada em 1985, ambas voltadas para a publicação de livros
acadêmicos dos campos das ciências humanas e sociais. Jorge Zahar esteve sempre bastante
conectado com o que se produzia nas universidades brasileiras, onde buscou seus principais
colaboradores, tanto para encomendar e produzir textos nacionais quanto para selecionar
textos de autores estrangeiros. Sérgio Miceli, em texto introdutório ao volume dedicado a
Jorge Zahar, nos lembra que o editor não exercia as atividades editoriais solitariamente. A
partir dos anos 60, a própria definição de áreas temáticas específicas, a seleção dos textos a
serem traduzidos e publicados, o trabalho efetivo de tradução e revisão, e a produção dos
textos de introdução aos principais ensaios estrangeiros foram confiados a jovens cientistas
sociais brasileiros, como os irmãos Octavio e Gilberto Velho e Moacyr Palmeira. Em
outras editoras de porte semelhante a Zahar Editores
tanto do passado como do presente
algumas dessas tarefas são muitas vezes exercidas pessoalmente pelo editor, como a
seleção de textos e a produção de prefácios. O compartilhamento dessas atividades com
esse jovem corpo acadêmico nacional instigou-lhes a realizar uma leitura pessoal de
tradições intelectuais estrangeiras, mesclando correntes doutrinárias contrastantes, abrindo
horizontes de provocação intelectual até então inexplorados , na observação de Miceli.
(FERREIRA, 2001, p. 20-21)
Essa ação acabou influenciando decisivamente na produção de textos
acadêmicos no Brasil, repercutindo diretamente na produção de textos introdutórios às
obras estrangeiras, e também estimulando indiretamente a produção de textos ensaísticos
autônomos
que esses jovens passaram a produzir em seguida. Apesar do
compartilhamento de muitas atividades, a estratégia editorial global era obviamente uma
25
prerrogativa da editora. Jorge Zahar explica assim quais livros dentro do universo das
ciências humanas e sociais eram escolhidos para a publicação, explicitando a política
editorial de suas empresas:
Não é pelo fato de eu ser socialista que eu só faria livros socialistas. Nunca
fiz livros nazistas, isso de modo nenhum, e não farei. Mas livros de
contestação ao marxismo, de caráter universitário, científico, perfeito, editei
vários. Também publiquei autores antimarxistas. Minha ênfase maior caía,
porém, sobre os livros marxistas, e aí prevalecia também uma razão. Esses
livros tinham mais mercado que os livros antimarxistas, coisa que já não
acontece mais. (FERREIRA, 2001, p. 37-38)
Zahar nos revela que a sua escolha tende a ser por livros que pertencem a
uma interseção entre o seu projeto pessoal de divulgação do pensamento marxista com o
interesse do mercado. O importante é que haja uma conexão entre o projeto pessoal e o
mercado, devendo existir uma sintonia do editor não só com o que se produz, mas também
com o desejo de consumo dos leitores, no caso de leitores de textos de ciências humanas e
sociais. Jorge Zahar nesse trecho mostra que o seu catálogo tem uma elasticidade, podendo
abarcar várias abordagens dentro do seu tema; tem um foco principal: textos marxistas; e
tem um limite: a não publicação de livros que advoguem um pensamento radical de direita.
A política editorial vai influenciar e ser influenciada pelo público leitor de livros
acadêmicos a partir desses parâmetros, com até a possibilidade de mudanças mais radicais,
como a de os livros expressamente marxistas deixarem de ser o foco, como ele deixa
transparecer ao final do trecho transcrito.
Para terminar esta parte dedicada a Jorge Zahar, vale a pena nos
aproveitarmos de mais outro ensinamento importante desse editor, ao apresentar de modo
sintético a cadeia do livro, que ele chama de seqüência editorial: primeiro vem o autor,
obviamente, e depois vêm o editor, o gráfico e o livreiro (FERREIRA, 2001, p. 46). Os
elementos principais do sistema editorial estão expostos, com clareza e precisão, na fala do
experiente editor, com 78 anos ao conceder a entrevista. Vale mencionar que novamente
um editor identifica no autor o ponto de partida da produção do livro.
26
Outro editor que publica preferencialmente textos ensaísticos nas áreas das
ciências humanas e sociais, que também teve depoimento, colhido em 1987, transformado
em livro pelo projeto Editando o Editor, foi Jacó Guinsburg, da Editora Perspectiva. Ele
fundou a editora em 1965, organizando seu catálogo prioritariamente em torno de séries e
coleções, tradicional estratégia de organização de catálogo, que será praticada também nas
décadas seguintes por editoras como a Brasiliense e a própria Companhia das Letras. As
áreas de conhecimento focadas pela Perspectiva são semelhantes às das editoras de Jorge
Zahar, apesar de Guinsburg privilegiar mais uma bibliografia de humanidades em geral do
que as de ciências sociais. O perfil ideológico das obras e autores publicados pela
Perspectiva se afasta de um marxismo mais ortodoxo, privilegiando a publicação de textos
de vanguarda das correntes renovadoras surgidas, inclusive em relação às artes, nos anos 50
e 60, no Brasil e no exterior.
Jacó Guinsburg deu um rico depoimento, no qual desenvolveu mais uma
análise crítica da atividade editorial do que relatou a sua experiência concreta frente à
Editora Perspectiva. No capítulo sintomaticamente intitulado Um livro é muito mais que
um autor , ele não se furta em definir o que é uma editora:
É um sistema de relações, que se destina a produzir uma certa obra. Esta
obra, no plano editorial, não é só o texto do autor; o manuscrito do autor é
uma potencialidade. Da mesma forma que uma peça de teatro não é apenas o
texto do autor; porque a obra teatral só existe quando é realizada em cena, o
texto é apenas uma potencialidade da obra. Um livro é muito mais que um
autor, porque incorpora um trabalho tremendo de uma equipe. E não é um
trabalho só de materialização. (AMORIM, 1989, p. 54)
Guinsburg defende que a realização de uma obra é coletiva, envolvendo até
a própria seleção ou escolha do texto. No entanto, não vislumbra como uma dessas
atividades que resultam no livro o procedimento prévio à escrita do autor, como a
encomenda ou a formatação de determinada coleção ou série, procedimento comum na
própria Editora Perspectiva. Assim como Jorge Zahar, ao analisar o ciclo de produção do
livro, fixa o seu início na sua escritura preliminar pelo autor.
27
Jacó Guinsburg, que além de editor é professor universitário e escritor de
livros sobre teatro, publicados pela sua própria editora, também faz um longo e relevante
comentário sobre a atividade empresarial em geral e a possível dicotomia entre a dimensão
empresarial e o papel cultural da editora:
Em princípio, você não faz nenhuma empresa na vida, se ela não é
acompanhada de ilusões. Sempre há um princípio utópico que está na ponta
de sua realização prática, e quem não tem ilusões não faz nada,
simplesmente não pode dar um passo, principalmente na empresa. Toda
empresa tem embutida uma ponta utópica, que pode ser o ganho de fortunas,
pode ser outras coisas, mas em geral as pessoas, principalmente o
empresário e as pessoas que empreendem, procuram não apenas uma
segurança material, mas, como todo o mundo, ligam a esta conquista
material sempre outros aspectos, além de questões de poder, de domínio
sobre as coisas, e também de satisfações de ordem psicológica, cultural etc.,
até uma projeção na história. Tudo isso é utopia, utopia que acompanha
qualquer iniciativa, e muito mais num campo cultural.
Quando a gente se aproxima do processo editorial, da produção editorial
com esta paixão, naturalmente tem muitas ilusões, e essas ilusões sempre
acabam sofrendo o impacto da realidade, porque uma editora, além de
veicular obras às vezes importantes, escritos e textos que a gente gostaria de
ver veiculados, é uma empresa. A empresa editorial tem seu processo, sofre
os efeitos da vida econômica e da vida social de um país, tanto quanto outras
empresas, e talvez mais do que outras. (AMORIM, 1989, p. 23-24)
Ele aponta que a própria atividade empresarial em si traz objetivos que
ultrapassam o financeiro, mas evidentemente não podem contrariá-lo. No planejamento
estratégico empresarial, utilizado, a partir da década de 1990, por muitas empresas
ocidentais que ultrapassam a dimensão familiar, esse objetivo maior da empresa é
denominado de missão da empresa , que muitas vezes não está registrado, mas está
explícito nas suas realizações e modos operacionais. Para Guinsburg, não constatar ao
iniciar uma empresa a importância da dimensão financeira é o que ele chama de ilusão. A
especificidade da empresa editorial seria que a importância da sua missão, a de produzir
livros, e, portanto, cultura, levaria a que muitos empreendedores tenham essas ilusões
exacerbadas. Paradoxalmente, Guinsburg nos mostra que essas ilusões podem permanecer
28
em editores experientes como ele, ao afirmar que, por pensar a sua editora mais como um
projeto cultural do que como uma empresa econômica, não seja um editor bem-sucedido .
(AMORIM, 1989, p. 26)
Apesar da modéstia dessa última frase, ao falar da sua experiência frente à
Perspectiva, ele realça o papel pioneiro da sua editora em lançar coleções, como a Debates,
dedicada à literatura ensaística do campo das humanidades, inaugurada em 1968, com a
publicação de O personagem de ficção, coletânea com ensaios de Antonio Candido, Anatol
Rosenfeld, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Salles Gomes. Interessante observar no
seu testemunho as possíveis vantagens econômicas de racionalização da produção que a
editora pode ter ao publicar livros organizados em coleções:
A coleção Debates pretendia não carregar no custo das capas, ter uma capa
universal e, ao contrário da idéia hoje vigente, de que o livro deve ser
individualizado pelo menos a que está no momento em moda, porque
amanhã essa moda muda , deve ter uma apresentação cativante, uma
proposta que pelo menos fisgue o olho do leitor; a nossa proposta era
vender a idéia de coleção. (AMORIM, 1989, p. 59-60)
Uma idéia extremamente racional economicamente em diferentes aspectos.
Primeiro por baratear o preço do livro. Ao se fazer um planejamento gráfico único,
incluindo a capa, para vários livros, o custo de produção por livro diminui. Além disso, ao
não se pensar o livro como algo individual, mas como parte de uma coleção, a compra de
um livro leva a uma potencial compra de outro volume da coleção. O prestígio de
determinado livro da coleção no imaginário do leitor ou a satisfação efetiva com a sua
leitura podem ser transferidos para os outros livros da coleção, o que também pode ocorrer
entre livros da mesma editora, mesmo que não sejam organizados em coleção, como vimos
anteriormente. Mas, organizados em coleções, essa transferência de valor simbólico entre
livros é potencializada, podendo haver uma fidelidade do leitor aos livros da coleção. A
partir da sedimentação do prestígio da coleção Debates, no início da década de 1970,
pertencer a ela valia como um certificado de qualidade no campo das ciências humanas
garantia de que o conteúdo se aproximava do pensamento de vanguarda nesse campo. Mas
29
é bom observarmos que a coleção pode ser uma estratégia adequada não só para propostas
editoriais alicerçadas na qualidade de conteúdo. A coleção também pode ser adequada para
propostas editoriais que objetivam produzir livros de consumo mais fácil e público mais
amplo. Agrupar esses livros em coleções racionaliza a produção e as vendas, havendo o
mesmo processo de transferência do valor entre livros, apesar de se tratar de outro tipo de
valor.
Vale lembrar que a Editora Ática
principal editora brasileira no setor de
didáticos e paradidáticos nas últimas décadas do século XX e início do XXI
utiliza
largamente a estratégia de agrupar livros sob a forma de coleção e séries, como forma de
racionalização da produção, como podemos apreender das palavras de José Adolfo de
Granville Ponce, membro da equipe editorial da Ática nos anos 90:
A coleção é muito importante. O efeito de sinergia: um livro colabora com o
outro. É mais fácil para a editora produzir no interior de conjunto
predeterminado do que trabalhar um livro isoladamente. O custo de
produção e divulgação do livro isolado será sempre muito maior. (apud
BORELLI, 1996, p. 148 & GOLDBERG, 2004, p. 111)
Apesar de organizar livros em coleções ser uma estratégia recorrente na
edição moderna, a Editora Perspectiva teve um papel precursor com suas coleções no
cenário editorial brasileiro a partir de finais da década de 1960. Posteriormente, já na
década de 1980, a idéia de coleção em editoras não-didáticas foi retomada inicialmente pela
Brasiliense e em seguida pela Companhia das Letras.
Guinsburg, em seu depoimento, acaba por dividir a atividade editorial entre
dois grandes paradigmas econômicos, um no qual a editora trabalha a favor do mercado e
outro contra , como ele mesmo explica:
Hoje existem duas maneiras de se trabalhar e estas duas maneiras definem os
tipos de editores: uma maneira é aquela a favor do mercado, aquilo que se
supõe que seja o mercado. E existe aquilo que se supõe a maneira de
trabalhar do contra . O editor trabalha na contramão por várias razões: ou
30
porque acha que existe um canto, uma fissura onde pode penetrar, isto é,
existe um campo, embora pequeno, inexplorado, onde pode marcar presença,
satisfazer uma necessidade de alguma ordem, ou porque tem um projeto
contracultural, contra-ideológico, etc; as possibilidades de êxito, neste tipo
de coisa, são às vezes tão grandes quanto as do a favor . (AMORIM, 1989,
p. 31-32)
Na verdade, essas duas alternativas, contra e a favor do mercado, são
dois paradigmas de estratégias editoriais opostas. Trabalhar a favor do mercado, como nos
fala Guinsburg, é viabilizar livros que vão no mesmo sentido do gosto médio do público,
identificando o que ele quer consumir e respondendo a isto de modo preciso. As empresas
editoriais que fazem essa opção se sintonizariam com o gosto do público, sem criar
necessidades que não obedecessem a este gosto médio. Por outro lado, trabalhar contra o
mercado , para Guinsburg, pode acarretar em duas formas diversas de atuação: tentar
explorar nichos de público ainda não contemplados pela produção de livros, ou influenciar
o público e criar uma necessidade de consumo que ele não tem, como é o caso das
vanguardas.
É relevante a posição de Guinsburg de que trabalhar contra o mercado
também traz possibilidades de grandes lucros. Utilizando essa hipótese, de ação contra o
mercado , opta-se por um segmento do mercado já existente, diluindo-se a concorrência
pela segmentação. Trabalhando com a segmentação, as tiragens são menores, o que diminui
os riscos de encalhe. Funciona como na produção de bens de luxo, em que se perde na
escala, mas se adequa a produção ao real tamanho do mercado, e pode-se cobrar mais por
unidade de um produto de maior valor simbólico.
Nessa visão, a opção mais radical de enfrentamento do mercado é quando o
editor opta por uma estratégia editorial que tenta se antecipar ao público e criar necessidade
de consumo cultural, que já existia potencialmente ou não. Como já mencionamos, uma
estratégia que privilegie uma vanguarda cultural está influindo no padrão de consumo da
cultura, sendo de início contra o mercado , mas que com a receptividade pode tornar-se
uma mercadoria com bom posicionamento no mercado, atraindo outras editoras para a sua
produção. Ser uma editora inovadora pode ser uma vantagem na conquista de novos
31
mercados, mas não garante a fidelidade de consumo. Guinsburg desenvolve mais esse
paradigma de editor ativo que influencia o mercado cultural em vez de simplesmente
satisfazer necessidades já estabelecidas:
O editor não pode apenas receber a demanda do público e satisfazê-la,
garantindo um lucro. Só é editor na medida em que propõe, seja adiantandose a esta demanda, quando conhece os movimentos culturais, seja por achar
que, mesmo sem receptividade garantida pela sociedade, a obra deve ser
publicada. É uma situação entre o mercado e o editor. É o que acontece
também em outras áreas. Isso decorre de processos que escapam aos
indivíduos. O editor tem de apostar. Se ele sente que uma obra tem valor,
deve fazê-la. É quase obrigação fazê-la, na medida de suas possibilidades. E
é assim que se faz nas boas editoras. Isso, contudo, não é mensurável; não
existe tratado sobre isso, não existe fórmula. A fórmula está no próprio
editor, no seu self. (AMORIM, 1989, p. 35)
O editor do qual ele fala teria um papel de fomentador cultural que
ultrapassa a demanda conhecida. Ele editaria obras que não seriam do gosto do
consumidor, mas obras que deveriam ser do seu interesse, segundo critérios próprios.
Apesar de Guinsburg considerar esses critérios como ligados a características pessoais do
editor, acreditamos que eles também têm uma dimensão social, na medida em que
representam escolhas em última instância do grupo intelectual de que mais se aproxima. No
entanto, esses critérios mesmo sendo compartilhados se sedimentam na figura do editor.
Não negamos que viabilidade e retorno econômicos sejam fundamentais na atividade
editorial, mesmo no caso de editoras menores, mas, entre as várias possibilidades de
publicação, a escolhida é a que adequa a possibilidade de retorno econômico às
características próprias da empresa editorial e seu editor-proprietário.
Outro editor que prestou rico depoimento à série Editando o Editor, foi Ênio
Silveira, editor-proprietário da Civilização Brasileira, entrevistado em 1990. O seu
depoimento funcionou mais como um relato biográfico do que uma análise crítica do papel
do editor. Ênio contou uma série de histórias que ajudam a entender por que ele e a sua
editora foram referência no mercado editorial brasileiro e na própria produção de ficção nas
32
décadas de 1960, 1970 (inclusive com projeto cultural, ideológico e político divergente
daquele dos dirigentes do regime militar imposto no Brasil de 1964) e meados da década de
1980. Mas em seu depoimento não se furtou a abordar a dicotomia contra ou a favor do
mercado , utilizando para isso a metáfora do feijão e o sonho, cristalizada na obra de
Orígenes Lessa, publicada pela primeira vez em 1938:
O editor, que se preze como tal, vive sempre oscilando entre dois pólos, bem
caracterizados pelo livro do Orígenes Lessa, O feijão e o sonho. Se ele se
dedica só ao feijão, ele não é bom editor. E se ele se dedica só ao sonho, ele
quebra a cara muito rapidamente, numa sociedade capitalista ele está fadado
ao insucesso. O contraponto feijão/sonho é que dá a justa medida da
qualidade de um editor. Mas ele não pode se deixar dominar só pelo feijão,
infelizmente ocorre em todo o mundo, sobretudo hoje em dia, em que a
atividade editorial passou a ser um apêndice dos meios de comunicação.
(ALMEIDA, 1993, p. 96)
Ênio, marxista convicto, vê a atividade editorial na sociedade capitalista
como algo que deva ter um equilíbrio entre o feijão e o sonho, que podemos substituir por
lucro e valor literário. Ele é um bom editor se publica livros de qualidade, mas só terá
sucesso comercial se os seus livros venderem bem. No seu raciocínio, podemos imaginar
que valor literário não caminha junto com boas vendas. No seu discurso, o sonho deve
compensar o feijão, satisfazendo, simultaneamente, as necessidades intelectuais e
econômicas do editor. Pode-se pensar num arranjo em que o livro de venda fácil subsidia o
livro de maior valor cultural, apesar de na sua prática editorial Ênio ter conseguido sucesso
de vendas com livros de prestígio literário, como no ano de 1956, em que publicou O
encontro marcado, de Fernando Sabino, e O velho e o mar, de Ernest Hemingway, este
último vendendo cerca de um milhão de exemplares em 28 anos. Mas Ênio também
reproduziu na prática o seu discurso compensatório, publicando obras já produzidas para
serem best-sellers, como os livros de Agatha Christie, Ian Fleming e Daphne du Morier,
que garantiam a saúde financeira da Civilização Brasileira (HALLEWELL, 2005, p. 537) e
a possibilidade de publicar livros para um público mais restrito. Para o gosto erudito de
Ênio Silveira, o feijão e o sonho não ficariam nunca no mesmo prato
33
o destino de
Campos Lara, o poeta protagonista da obra de Orígenes Lessa, seria um só: morrer à
míngua. Nessa visão, caberia ao editor de qualidade proporcionar a dosagem entre os dois
elementos no catálogo da editora para que livros de qualidade possam ser publicados.
Discurso diverso terá Luiz Schwarcz ao se propor publicar somente livros de qualidade, e
ter lucro com isto, como veremos no prosseguimento desta tese.
Deixando um pouco a voz do editor de lado, vale a pena, neste final de
subcapítulo, utilizarmos a voz do sociólogo francês Pierre Bourdieu para entendermos
melhor a recorrente visão entre os editores
evidenciada nos depoimentos citados
de que
a atividade editorial de obras de qualidade literária e cultural é uma atividade empresarial
especial, praticamente anticapitalista, na qual o lucro não é o motor principal. Pierre
Bourdieu, em 1977, publica um ensaio na revista Actes de la Recherche en Sciences
Sociales intitulado A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens
simbólicos , que apresenta uma rica abordagem sobre essa questão a partir da análise das
empresas dedicadas ao campo artístico na França da época, elaborando uma explicação que
ele vai chamar de denegação do econômico. Sua formulação tanto vale para o comércio
quanto para a produção de bens artísticos e culturais. Bourdieu introduz assim a
especificidade da denegação do econômico nas empresas que têm o artístico e o cultural
como foco, e o perigo para o analista de não levar em conta essa dimensão:
O comércio da arte comércio das coisas de que não se faz comércio
pertence à classe das práticas em que sobrevive a lógica da economia précapitalista [...] e que funcionando como se tratasse de denegações práticas,
não conseguem fazer o que fazem a não ser procedendo como se não o
fizessem: desafiando a lógica habitual, essas duplas práticas prestam-se a
duas leituras opostas, mas igualmente falsas, que acabam desfazendo a sua
dualidade e duplicidade essenciais, reduzindo-as seja à denegação, seja ao
que é denegado, ao desinteresse ou ao interesse. (BOURDIEU, 2004, p. 19)
Ou seja, a atividade do negócio da arte e de bens culturais de grande valor
simbólico, entre elas as atividades de edição de literatura e obras culturalmente relevantes,
não pode se assumir como negócio. Os atores sociais que realizam essas atividades
34
empresariais devem demonstrar desinteresse pelo lucro e mesmo assim atingi-lo. Bourdieu
adverte que para entendermos essas empresas temos que aceitar a convivência entre o
interesse e o desinteresse econômico delas, não podendo se excluir qualquer uma das
dimensões. A denegação do econômico não exclui totalmente a dimensão econômica.
Portanto, tanto a atitude de acreditarmos no discurso de que o negócio do livro é antes
cultural do que econômico, como vimos ser dito repetidas vezes nas páginas anteriores,
quanto a de não acreditarmos, entendendo-o como uma mitificação total, não facilita a
compreensão dos discursos e práticas dessas editoras.
Para Bourdieu, sistemas econômicos fundados nessa denegação só
funcionam como discurso e como prática mediante um recalcamento constante e coletivo
do interesse especificamente economicista. Esse recalcamento torna a busca ostensiva do
sucesso comercial como uma atitude que deve ser evitada nesse ambiente. No entanto,
essas empresas possuem uma racionalidade econômica que funciona de modo peculiar,
como explica o sociólogo francês:
Neste cosmo econômico definido, em seu próprio funcionamento, por uma
recusa do comercial que, de fato, é uma denegação coletiva dos interesses e
ganhos comerciais, as condutas mais antieconômicas , as mais
desinteressadas visivelmente, aquelas que, em um universo econômico
habitual seriam as mais condenadas sem o menor dó, contêm uma forma de
racionalidade econômica (até mesmo, no sentido restrito) e, de modo algum,
excluem seus autores dos ganhos, inclusive econômicos prometidos aos
que se conformam à lei do universo. Ou por outras palavras, ao lado da
busca do lucro econômico que, ao transformar o comércio dos bens
culturais em comércio semelhante aos outros, e não dos mais rentáveis
economicamente (como nos é lembrado pelos mais experientes, ou seja, os
mais desinteressados dos comerciantes de arte) se contenta em ajustar-se à
demanda de uma clientela antecipadamente convertida, existe lugar para a
acumulação do capital simbólico, como capital econômico ou político
denegado, irreconhecido portanto, legítimo , crédito capaz de garantir,
sob certas condições, e sempre a prazo, ganhos econômicos . Os produtores
e vendedores de bens culturais, empenhados em operações do tipo
comercial, condenam-se a si mesmo, e não somente de um ponto de vista
ético e estético, porque privam-se das possibilidades oferecidas àqueles que,
por saberem reconhecer as exigências específicas do universo, ou, se
quisermos, irreconhecer e fazer irreconhecer os interesses em jogo em sua
35
prática, utilizam os meios de obter os ganhos do desinteresse. (BOURDIEU,
2004, p. 19 - 20)
Para Bourdieu, no interior do universo que denega o econômico funciona
uma racionalidade econômica específica, que, inclusive, gera ganhos econômicos
imediatos. Mas os códigos internos menosprezam esses ganhos. Paradoxalmente, quanto
mais a empresa parecer desinteressada maiores serão as possibilidades do seu sucesso
comercial. Autoproclamar-se interessada em ganhos comerciais, por outro lado, pode a
excluir dos ganhos econômicos desse universo específico. A pecha de comercial é quase
sempre dita para acusar o concorrente. O único ganho econômico valorizado explicitamente
é o aumento do capital simbólico, ou seja, a marca da empresa ou o nome do seu
proprietário serem reconhecidos publicamente como uma garantia de valor para seus
produtos. O empreendimento econômico cultural e artístico só pode ser bem-sucedido, até
mesmo economicamente , se conciliar as necessidades econômicas com a convicção
que as exclui. O sistema da denegação do econômico implica a convivência da empresa
editorial com antigas formas de mecenato transmutadas em formas de mecenato estatal
explícito ou outros modos de trocas de interesses com o sistema político ou empresarial
fora do universo artístico ou cultural.
Pierre Bourdieu, nesse mesmo ensaio, constata que a denegação do
econômico no campo da produção e circulação de bens culturais implica que se tente
apagar o papel empresarial dessa produção. Editores, marchands e empresários da área
musical encobrem a sua própria atividade para que o olhar externo seja orientado em
direção ao produtor aparente
pintor, compositor, escritor , em poucas palavras, em
direção ao autor, impedindo o questionamento a respeito do que autoriza o autor, do que dá
a autoridade de que o autor se autoriza (BOURDIEU, 2004, p. 21-22). Ele explica como
essa dissimulação funciona e quais suas conseqüências:
A ideologia da criação, que transforma o autor em princípio primeiro e
último do valor da obra, dissimula que o comerciante da arte (marchand de
quadros, editor, etc.) é aquele que explora o trabalho do criador fazendo
36
comércio do sagrado e, inseparavelmente, aquele que, colocando-o no
mercado, pela exposição, publicação ou encenação, consagra o produto
caso contrário, este estaria votado a permanecer no estado de recurso natural
que ele soube descobrir tanto mais fortemente quanto ele mesmo é mais
consagrado. O comerciante de arte não é somente aquele que outorga à obra
um valor comercial, colocando-a em relação com um certo mercado; não é
somente o representante, o empresário, que defende, como se diz, os
autores que lhe agradam . Mas, é aquele que pode proclamar o valor do
autor que defende (cf. a ficção do catálogo ou do comunicado destinado à
imprensa) e, sobretudo, empenhar, como se diz, seu prestígio em seu
favor, atuando como banqueiro simbólico que oferece, como garantia,
todo o capital simbólico que acumulou (e, realmente, passível de ser perdido
em caso de erro). (BOURDIEU, 2004, p. 22)
O papel de consagrador da obra literária que os editores efetivamente
realizam é minimizado. A obra em si e o seu produtor aparente
quem assina a obra
tomam conta da cena. No entanto, o prestígio do editor pode consagrar a obra literária que
publica. O seu prestígio acumulado é emprestado a cada obra
mas de forma que quem
fica iluminado é a nova obra e o seu autor. Nesse universo, os editores apagam os rastros de
sua atividade de co-produção e consagração, mas a sua marca fica na própria publicação da
obra sob seu apadrinhamento. Nesse contexto, uma visão mitificadora do escritor, no
discurso do editor, é extremamente funcional.
Os exemplos das práticas e, especialmente, os discursos dos editores
examinados até o momento ilustram e comprovam o modelo proposto por Bourdieu. Em
relação à denegação do econômico, os depoimentos de Unseld, Epstein, Zahar, Guinsburg e
Ênio Silveira funcionam praticamente como uma contraprova. Em relação ao encobrimento
da sua atividade para que sejam iluminados a obra e o autor, os depoimentos dos editores
citados também corroboram a hipótese de Bourdieu. Quando passarmos a estudar a
experiência do editor Luiz Schwarcz frente à Companhia das Letras, encontraremos
proposta diversa à da denegação do econômico, mas que com ela dialoga de forma
inequívoca: umas vezes se afastando radicalmente, outras vezes se aproximando
dissimuladamente.
37
Capítulo 2
A Companhia das Letras
Este é o capítulo central da tese e será dividido em cinco subcapítulos. No
primeiro, será analisada a formação da editora Companhia das Letras, incluindo uma busca
de suas raízes na Editora Brasiliense de finais da década de 1970 e início da de 1980, onde
houve a iniciação do editor-proprietário da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, no
mundo editorial. No subcapítulo seguinte, será examinado o catálogo de todas as
38
publicações da editora na sua história
que completa 20 anos em 2006 , que servirá como
guia para o entendimento das ações da editora. O terceiro subcapítulo utilizará entrevistas
realizadas com o editor Luiz Schwarcz para desenhar o modo como ele vê e participa da
atividade editorial. No quarto, será investigada a relação dos autores brasileiros de ficção
em atividade com a editora em contraponto às relações que mantiveram com outras editoras
pelas quais publicaram. No último subcapítulo, serão confrontadas e consolidadas as
questões levantadas nos outros subcapítulos e analisado o papel da editora
e seu editor
na literatura brasileira.
2.1
A formação da Companhia
Um dos modos de estudarmos a origem da Companhia das Letras é fazermos
uma abordagem histórica da sua formação. Devemos dar um passo atrás e acompanharmos
a trajetória do seu editor-proprietário, Luiz Schwarcz, como membro da equipe editorial da
Editora Brasiliense a partir de finais da década de 1970, onde permaneceu até 1986, quando
fundou sua própria editora.
Segundo Laurence Hallewell, no seu monumental O livro no Brasil, a
Editora Brasiliense, fundada na década de 1940 por Arthur Neves, egresso da Companhia
Editora Nacional, teve como projeto inicial reeditar Monteiro Lobato em duas coleções,
uma para adultos e outra para crianças, que seriam vendidas de porta em porta
(HALLEWELL, 2005, p. 369). O sucesso do empreendimento estimulou a Brasiliense a
tornar-se uma editora especializada em coleções, publicando já na década de 1960 séries,
como Contos Jovens, Teatro Universal, Uma Nova Mulher e Sexo e Educação, dedicadas
39
tanto à literatura quanto a obras não-ficcionais e de popularização de conhecimentos
científicos, segmentando o seu catálogo de acordo com públicos específicos. A Brasiliense
abriu também espaço para uma interpretação mais à esquerda da realidade nacional,
publicando obras do geógrafo Josué de Castro e do historiador Caio Prado Júnior, parceiros
constantes da editora. Este último acabou assumindo o controle da editora em 1962, após a
saída de Arthur Neves.
Mas a Brasiliense somente passou a ter um papel mais destacado no cenário
editorial
especialmente na publicação de livros para o público universitário
quando o
filho de Caio Prado Junior, Caio Graco Prado, o substituiu no comando da empresa a partir
de 1975. A editora redirecionou sua estratégia, orientando-se especificamente para um
público jovem e universitário que surgia nos últimos anos da ditadura. Nos três primeiros
anos da década de 1980, publicou mais livros do que em todo período anterior, desde a sua
fundação. Só em 1981, lançou 415 títulos, entre lançamentos e reedições, vendendo dois
milhões de exemplares (HALLEWEL, 2005, p. 661). A sua estratégia editorial ancorava-se
na formatação de coleções de pequenos livros voltados para o público jovem, como as
coleções Primeiros Passos, Tudo é história, Encanto Radical, Primeiros Vôos, Cantadas
Literárias e Circo das Letras. Além do público-alvo, o que unia essas coleções era que cada
uma apresentava um número de títulos amplo e os livros tinham poucas páginas e
dimensões pequenas, permitindo um preço de capa baixo, adequado ao poder aquisitivo do
seu público. No início da década de 1980, a Editora Brasiliense tornara-se uma das três
maiores editoras do país.
A coleção pioneira e de maior sucesso de vendas é a Primeiros Passos, cujos
volumes começaram a ser publicados em 1980, e, até janeiro de 1989, lançou 215 títulos,
publicando cinco milhões de exemplares, segundo dados da própria editora na 7a edição de
um dos títulos, publicado em 1989, O que é contracultura (PEREIRA, 1989, p. 102 - 103).
Eram livros que tinham em torno de cem páginas, com formato de livro de bolso (15,5cm x
11,5cm), impressos em papel de qualidade inferior ao padrão que era utilizado em outras
publicações da editora
as coleções Encanto Radical e Tudo é História passaram a
obedecer ao mesmo formato. Os títulos da coleção Primeiros Passos se espalhavam pelos
40
temas mais variados, como O que é sociologia, O que é romance policial, O que é rock, O
que é aventura e O que é energia nuclear. Na verdade, eram sempre textos introdutórios a
esses temas, escritos de modo leve, estimulando sempre o jovem a buscar outras leituras
correlatas. Funcionava como uma enciclopédia crítica, publicando abordagens diversas
sobre quase todas as áreas de conhecimento, sem preconceitos disciplinares. Qualquer
assunto seria relevante para essa eclética enciclopédia. Os textos não eram nada imparciais
e muitas vezes representavam uma visão radical de determinada escola de pensamento
sobre o tema escolhido.
Muitos dos autores eram membros de prestígio do mundo acadêmico que
também conseguiam produzir textos simples que atingissem um leitor leigo em
determinado tema. Esses textos contrastavam com outras obras acadêmicas desses autores,
bem mais eruditas. Eram autores nacionais das mais diversas ideologias e correntes de
pensamento, mas a maioria era marcada pela ideologia de esquerda e uma posição crítica
em relação ao tema que abordava. Escreveram para a coleção nomes como Marilena Chauí,
Carlos Alberto Messeder Pereira, Florestan Fernandes, Jean-Claude Bernadet e o próprio
Caio Prado Júnior teve um texto usado pela coleção. O volume O que é ideologia, de
Marilena Chauí, foi o principal sucesso de vendas, chegando a vender 120 mil exemplares.
(HALLEWELL, 2005, P.662)
O exame detalhado dos exemplares nos mostra que os livros dessa coleção
pretendiam ser geradores de uma infinidade de leituras, preferencialmente de obras
publicadas pela própria Brasiliense. Já na página anterior à folha de rosto era sugerida uma
série de leituras afins, todas publicadas pela editora. No caso de O que é contracultura
havia sete indicações. No final do texto, eram feitas novas sugestões bibliográficas
agora
indicações de leituras complementares feitas pelo autor, não necessariamente publicadas
pela Brasiliense. Após o texto, ainda eram anunciados os últimos lançamentos da editora e
relacionados todos os títulos da Primeiros Passos. Importante realçar que logo após as
indicações bibliográficas do autor aparecia o seguinte aviso:
Caro leitor:
41
As opiniões expressas neste livro são as do autor, podem não ser as suas.
Caso você ache que vale a pena escrever um outro livro sobre o mesmo
tema, nós estamos dispostos a estudar sua publicação com o mesmo título
como segunda visão . (PEREIRA, 1989, p. 97)
Apesar desse convite, meramente retórico ou não, apenas três títulos
é psicanálise, O que é informática e O que é espiritismo
O que
mereceram a publicação de uma
segunda visão até 1989. Muitos títulos da coleção permanecem no catálogo pelo menos até
o período de redação desta tese, no final de 2005, sendo vendidos ao consumidor por R$
15,00, com algum sucesso de vendas, já que ainda são facilmente encontrados em livrarias
universitárias.
Outra coleção de intenções paradidáticas de grande sucesso junto aos jovens
universitários foi a coleção Encanto Radical. Ela publicava pequenas biografias ensaísticas
de figuras históricas brasileiras ou estrangeiras que possuíssem características de
radicalidade nas suas idéias ou atitudes, segundo critérios da editora. Foram dedicados
volumes a escritores, líderes revolucionários, artistas, intelectuais
personalidades tão
díspares como Pascal, Mae West, Mané Garrincha, Joaquim Nabuco e Pancho Villa.
Muitos dos biografados eram controversos e os biógrafos normalmente eram de uma
parcialidade assumida, sendo advogados de defesa e propagandistas dos seus personagens.
Os biógrafos também possuíam perfis quase tão ecléticos quanto os biografados. Os autores
faziam parte da cena cultural nacional. Alguns deles eram pesquisadores ligados a
universidades, como na coleção Primeiros Passos; mas muitos outros eram escritores ou
artistas que tinham uma ligação intelectual mais forte com determinada figura a ser
biografada. Um dos escritores que produziu um considerável número dessas biografias foi o
poeta Paulo Leminski.
A prolífica Brasiliense da década de 1980 também publicava literatura. Mais
uma vez os livros eram agrupados prioritariamente em coleções ou séries e os títulos
tentavam atingir o mesmo público jovem dos livros de não-ficção.
A coleção Circo das Letras era dedicada a publicar obras de ficção de
autores estrangeiros de prestígio que de alguma forma eram considerados revolucionários,
42
vanguardistas ou questionadores pela sua produção ficcional, como James Joyce, Franz
Kafka, Joseph Conrad e John Fante. A coleção ainda tinha espaço para uma literatura
considerada menor quando publicada originalmente, como textos da geração beat
americana
incluindo On the Road, de Jack Kerouac, que era publicado pela primeira vez
no Brasil em 1984 , e obras eróticas, como História d´O, de Pauline Réage. A Circo das
Letras também lançou várias obras do romance policial noir americano, tornando mais
populares no Brasil autores como David Goodis, Raymond Chandler e Dashiell Hammet. A
coleção não possuía uma identificação visual tão nítida como as outras coleções da
Brasiliense. O que identificava seus livros era a aparição em algum lugar da capa de seu
logotipo.
A outra coleção dedicada à literatura, batizada de Cantadas Literárias, abria
mais espaço à produção contemporânea, incluindo a literatura nacional. Publicava
pequenos romances, coletâneas de contos, novelas, narrativas autobiográficas, livros de
poemas, sendo aberta à mistura de gêneros e à experimentação. O formato era singular,
11,5cm X 20cm, mais estreito que o livro convencional, e aproximando o seu tamanho ao
do livro de bolso (figura 1). Sua capa também era de fácil identificação. Era dividida
horizontalmente em três blocos. No primeiro, de cima para baixo, apareciam o logotipo da
editora e o título da obra; na parte central havia uma ilustração; e na parte debaixo
constavam o nome do autor e o logotipo da coleção.
O primeiro volume publicado foi Porcos com asas, dos italianos Marcos
Radice e Lidia Rivera
definido pela editora como um diário sexo-político de dois
adolescentes. Foram publicadas obras de autores estrangeiros de diversas épocas, como D.
H. Lawrence e Walt Whitman, mas privilegiava autores contemporâneos como o espanhol
Pablo Casado.
No âmbito da literatura nacional, publicou até 1986 as seguintes obras:
Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu
Tanto faz, de Reinaldo Moraes
Passatempo, de Francisco Alvim
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Um telefone é muito pouco, de Silvia Escorel
A teus pés, de Ana Cristina César
Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva
Caprichos e relaxos, de Paulo Leminski
Drops de abril, de Chacal
Makaloba, de Edílson Martins
Fliperama sem creme, Teixeira Coelho
Pelos pêlos, Alice Ruiz
Marcou, dançou: manual de sobrevivência na cela, de José Augusto
Fontes
A fuga
Reynaldo Guaranys
Um copo de cólera, de Raduan Nassar
Finesse e fissura, de Ledusha
Dama da noite, Alita Sá Rego
Strip-tease, de Martha Medeiros
No simples exame da lista, podemos constatar a importância dessa coleção
para a literatura de início de 1980. Principalmente por alargar as possibilidades de consumo
para uma literatura dita marginal, produzida na década de 1970 de forma editorial precária,
quase artesanal, por autores de propostas diversas como Paulo Leminski, Chacal, Ana
Cristina César, entre outros.
Flora Süssekind, no seu estudo Literatura e vida literária , ao comentar a
continuidade da produção desses poetas na década de 1980, destaca a importância do papel
da Brasiliense no aumento do público de autores inicialmente marginalizados pelo sistema
editorial, mas que têm de fazer uma opção entre permanecer em um esquema alternativo ou
ser publicado por uma editora com acesso às livrarias:
Divisão que se apresentaria de maneira mais nítida no início dos anos 80,
quando Chico Alvim, a própria Ana Cristina, Leminski, Chacal, Alice Ruiz
44
e, mais tarde, Cacaso seriam convidados pela Editora Brasiliense para reunir
em volume seus livros editados inicialmente de forma independente. O que
se realizaria com bastante sucesso de público. E com a ampliação do número
de interlocutores potenciais de seus textos de cerca de 500 conhecidos
para dez, quinze mil pessoas. (SÜSSEKIND, 2004, p. 122)
Alice Ruiz, poetisa publicada na coleção, testemunhou que o próprio Luiz
Schwarcz já participava da seleção de obras literárias para a coleção Cantadas Literárias,
sendo algumas vezes o responsável por convidar escritores da cena da poesia marginal a
publicar suas obras, como no seu próprio caso e no de seu marido, Paulo Leminski:
É, eu já fui catalogada inclusive como poeta marginal porque esses primeiros
livros, tanto o Navalha quanto o Paixão eram independentes, eles não tinham
a chancela de uma editora. Aliás, até para completar isso, quando a gente
conheceu o Luiz Schwarcz, eu e o Paulo, o Luiz na época, a Brasiliense
tinha uma livraria na época, também, e aí nós presenteamos o Luiz Schwarcz
que era também editor da Brasiliense. Trabalhava na Brasiliense e era o
criador de várias coleções, dentre elas a Cantadas Literárias e nós
presenteamos alguns livros para ele e ele falou: "Ah, mande mais que eu
coloco na livraria , e um dia ele ligou para gente, para os dois, foi
simultâneo o negócio, propondo uma edição. Ele falou: se vocês tiverem
coisas inéditas, a gente junta e fazemos uma publicação. E assim nasceu o
meu livro Pelos pêlos. (RUIZ, s/d)
Mas também existem casos de autores da chamada poesia marginal que
conseguiam publicar textos paradidáticos de temas do seu conhecimento e interesse na
coleção Encanto Radical, ou mesmo na Primeiros Passos, mas não conseguiam ter suas
obras poéticas mais experimentais publicadas na série Cantadas Literárias, como podemos
ver pelo testemunho do poeta Glauco Mattoso em texto publicado em livro que se debruça
sobre as relações entre autor e editor sob o ponto de vista do autor:
Foi na Editora Brasiliense, entretanto, que publiquei meus primeiros títulos
sob contrato. Anteriormente eu recorrera a diversas modalidades de edição
(coletâneas datilografadas em casa, apostiladas em copiadoras, folhetos
45
frente-verso xerocados, poemários em formato de livro, mas publicados
cooperativamente por editoras extracomerciais tipo Pindaíba ou Trote), mas
em 1981, quando meu fanzine Jornal Dobrabil teve suas folhas avulsas
reunidas num volume graficamente bem-acabado, fui apresentado ao editor
Caio Graco pelo professor e crítico de cinema Jean-Claude Bernadet, com
quem participei do quadro de colaboradores do Lampião. Na época a
Brasiliense se expandia a ponto de tornar-se uma das maiores casas do país,
e lançava as coleções de bolso Primeiros Passos, onde cada volume abordava
determinado assunto como se fosse um verbete enciclopédico para préuniversitários, mas associando a conscientização política à orientação paradidática. Nessa coleção assinei os volumes O que é poesia marginal (1981) e
O que é tortura (1984). [...]
Quando se tratou, porém, de estudar uma possível edição da minha antologia
poética, Caio não foi tão receptivo quando fora no caso dos ensaios de bolso:
colocou na fila e foi adiando até que eu perdesse a paciência, enquanto as
antologias de Chacal ou Leminski, mas palatáveis (porque menos chulas,
provavelmente), iam saindo dentro do cronograma. (BUSATO, 2004, p. 57 58)
A coleção Cantadas Literárias também permite uma maior divulgação de
ficcionistas como Caio Fernando Abreu, Reinaldo Moraes e Raduan Nassar, unindo boa
vendagem a uma boa repercussão na crítica. A coleção forma, associando esses autores
numa coleção, um verdadeiro cânone de malditos que encontrariam no jovem seu públicoalvo. No entanto, de todos os livros da coleção, o que atingiu maior vendagem foi a
narrativa memorialística do jovem estreante Marcelo Rubens Paiva, Feliz ano velho,
justamente a obra para a qual o adjetivo maldito pode ser mais inadequado.
Bem mais comportada esteticamente do que suas companheiras de coleção, a
narrativa da experiência real da infância e juventude do autor, que se torna paraplégico,
atingiu em cheio o gosto do público jovem quando publicada em 1982. O regime militar,
que vivia seus últimos anos, também aparecia nas reminiscências do autor, a partir da
história de seu pai, preso político morto pelos militares. O tema político aparece na
perspectiva do jovem da geração que viveu sua infância e juventude sob o regime militar,
ou seja, o seu provável leitor. Outros temas de interesse desse jovem apareciam no texto,
como o sexo, a maconha e o ambiente universitário. A linguagem direta, despojada e
informal é outra característica do texto que facilitou a adesão em massa de um leitor em
46
formação, que teve como um dos revisores outro autor, com mais experiência, que já tinha
sido publicado também pela coleção, Caio Fernando Abreu. O prefácio de Luiz Travassos,
ex-presidente da UNE e contemporâneo de Marcelo Rubens Paiva, mostra um pouco como
foi a recepção desse livro pelo jovem:
O teu livro está um barato, porque dá para sentir um gozo aberto, tipo poker
descoberto. No fundo eu acho que a transa da literatura está ligada à transa
da verdade (assim como a revolução, o amor e um montão de coisas). E é aí
que está todo o pique do que você escreveu. A tua história está transada de
um jeito putamente terno, bem-humorado, erótico e sedutor, o que, aliás, é a
sua maneira de ser. (PAIVA, 1984, p. 7)
Não necessariamente a maioria dos 120 mil leitores de Feliz ano velho,
conseguidos em seus dez primeiros meses (HALLEWELL, 2005, p. 662), se interessaria
pelas outras obras da coleção, mas a possibilidade estava aberta. Na verdade, a
transferência não se concretizou, mostrando a singularidade da obra de Marcelo Rubens
Paiva na coleção, que conseguia chegar à sua 32a edição já em 1984.
Luiz Schwarcz, em entrevista concedida em 2002 à jornalista e pesquisadora
Cecília Costa, analisa o que a Brasiliense, da qual ele participou, trouxe de novo no cenário
editorial brasileiro:
No caso da Brasiliense, acho que ela trouxe uma novidade: visão de nicho de
mercado. Encontrou um público jovem, abriu as portas para esse público,
criou coleções e novidades como a coleção Primeiros Passos e o Circo das
Letras. Também tinha uma noção de marketing e foi democratizadora, ao
atrair um público que estava batendo na porta do mercado cultural, querendo
ler, ir a festivais de cinema, às reuniões da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SPBC). (COSTA, 2002, p. 1)
A especificidade da Editora Brasiliense na década de 1980 sob a condução
de Caio Graco Prado foi a utilização da estratégia de organizar sua produção em coleções
para atingir um nicho de mercado específico, o do jovem leitor, e ao mesmo tempo formá-
47
lo como leitor. Ao jovem brasileiro que iniciava a sua maturidade intelectual durante a
década da abertura era oferecida uma série de leituras organizadas
ficcionais e depois também ficcionais e poéticas
inicialmente não-
por uma editora em ascensão. O jovem
teria seu gosto formado e direcionado para determinadas opções intelectuais, políticas e
estéticas deliberadamente e sem constrangimento. Como alternativa à ditadura que se
encerrava, era oferecida uma verdadeira biblioteca libertária, repleta de beats, poetas
marginais e heróis revolucionários. Se utilizarmos a dicotomia contra/a favor do mercado
explicitada por Guinsburg, podemos dizer que a Brasiliense trabalha contra o mercado, na
medida em que participa da criação de novas necessidades de leitura, formando um novo
leitor, mas trabalha a favor do mercado na medida em que capta uma necessidade de
consumo latente num nicho determinado. A Brasiliense da década de 1980 moldava e era
moldada pelo seu público preferencial, o jovem leitor.
É esse contexto editorial que serviu de escola para o jovem Luiz Schwarcz,
nascido em 1956, que ingressou na Brasiliense em 1978, com pouco mais de 20 anos, para
um estágio prático, por sugestão de Eduardo Suplicy, então professor de administração da
Fundação Getúlio Vargas, onde Luiz estudava (HALLEWELL, 2005, p. 663). Em pouco
tempo se transformou no principal auxiliar de Caio Graco Prado, participando ativamente
da história de sucesso da Brasiliense de 1978 até 1986, quando saiu para fundar a
Companhia das Letras. Nesse ínterim, chegou a iniciar uma carreira acadêmica,
ingressando no mestrado em Ciências Sociais na USP, do qual desistiu em pouco tempo,
para se dedicar ao trabalho na Brasiliense. (CASTELLO, 2005, p. 7)
Em matéria publicada na Gazeta Mercantil em janeiro de 2003, a partir de
entrevista com Schwarcz, é dito que o editor decidiu sair da Brasiliense e fundar a sua
própria editora porque Caio Graco insistia em dirigir suas publicações prioritariamente ao
público jovem, considerando que a formação dos novos leitores seja fundamental para o
crescimento do hábito de leitura (NEVES, 2003, p. 1). Schwarcz, por outro lado, queria
publicar para um público adulto, que incluiria também aqueles que iniciaram a leitura pela
Brasiliense.
48
A rápida ascensão da Companhia das Letras na parte final da década de 1980
vai coincidir com a queda de prestígio da Brasiliense
no mesmo período e com a mesma
rápida velocidade. A Brasiliense chega nos anos de 1990 sem a sombra do vigor que tinha
no início da década anterior, recebendo ainda o golpe da perda da liderança de Caio Graco,
que faleceu em junho de 1992.
A Brasiliense não é o único modelo editorial para Schwarcz. Cecília Costa,
na introdução de entrevista já citada anteriormente, menciona também a contribuição que
tiveram outras experiências editoriais na formação do pensamento de Schwarcz como
editor. A empresa editorial que vai fundar aproveita tanto as experiências da Brasiliense
quanto às de suas principais concorrentes na década de 1980:
Faz questão de explicar que ela é o resultado de um mix de experiências
anteriores: a preocupação gráfica e também de conteúdo da Nova Fronteira,
nos tempos de Sérgio Lacerda, a ousadia da Record em tratar o livro como
um produto comercial e as inovações da Brasiliense, na época buliçosa da
redemocratização. (COSTA, 2002, p. 1)
Schwarcz abriria sua editora com um capital inicial de US$ 140.000,
proveniente da venda de um apartamento e, em menor parte, de empréstimos da família
(NEVES, 2003, p. 1), proprietária da gráfica Cromocart. O nome Companhia das Letras foi
inspirado na empresa mercantilista de comércio internacional da época colonial Companhia
das Índias, tendo sido criada para a identidade visual da nova editora uma série de
logotipos. (HALLEWEL, 2005, p. 662)
O designer responsável pelos logotipos foi João Baptista da Costa Aguiar,
que vai buscar na gráfica pré-moderna referências para a montagem dos pequenos
desenhos, que se sintonizam com o nome da editora, formando um conjunto que ecoa a
expansão marítima portuguesa e a fascinação pela viagem e pela descoberta (figura 2).
Chico Homem de Melo, ao analisar a confecção de marcas na década de 1980, em todo o
universo do design gráfico brasileiro, dá destaque ao trabalho de João Baptista da Costa
49
Aguiar na Companhia das Letras, concebido, segundo Chico Homem, no contrafluxo das
tendências construtivas e desconstrutivas que marcavam o design brasileiro da época:
Utiliza-se para isso das antigas vinhetas tipográficas e de fios de espessuras
distintas, produzindo uma atmosfera clássica e sofisticada. No entanto, as
reviravoltas não param por aí. Ao invés de estabelecer uma imagem
definitiva para o sinal, ele cria uma família de imagens, todas relacionadas a
meios de transporte de novo em sintonia com o nome da editora. Anos
depois, o sistema amplia-se ainda mais, sendo criados sinais com grafismos
diferenciados para as publicações destinadas aos públicos infantil e juvenil.
A marca não é mais uma marca única, mas um sistema de marcas ordenadas
segundo um padrão matricial. (MELO, 2003, p. 23 - 24)
Companhia das Letras é o nome fantasia da editora, o nome que ela adotou
para ser reconhecida junto ao público. A empresa foi efetivamente registrada como Editora
Schwarcz, já que pelo direito comercial brasileiro a palavra companhia só pode ser
utilizada por empresas de capital aberto, constituídas através de sociedade anônima.
A adoção de determinado nome pelas editoras
contato direto com o público
e outras empresas que têm
é uma forma de construção da identidade. Gustavo Sorá, em
ensaio já citado, nos mostra o que a análise do nome das editoras pode revelar:
Em sua naturalidade, escondem-se escolhas que descrevem, de maneira
condensada, as restritas combinatórias de lógicas culturais e econômicas que
cada agente pode assumir para se fazer reconhecer em um espaço de relações
e possibilidades. (SORÁ, 1997, p. 172)
A não-adoção do nome Editora Schwarcz como sua identidade reconhecida é
bastante significativa na medida em que evita a tradicional e personalista adoção do nome
do fundador, como José Olympio, Martins Fontes ou Jorge Zahar. Também não foi
utilizada designação nacionalista, como Brasiliense, Civilização Brasileira, Tempo
Brasileiro ou Companhia Editora Nacional, que identifica a fundação da editora com um
novo modo de pensar o país. Gustavo Sorá, ao analisar o nome Companhia das Letras,
50
observa que ele como a expressão marchand de quadros, reúne os representantes e as
representações do mundo dos negócios com o universo literário, artístico: a razão do amor
ao mercado e o amor à arte; economia e cultura (SORÁ, 1997, p. 172 - 173). O nome
Companhia das Letras funciona como verdadeira bandeira: superar a dicotomia entre o
feijão e o sonho e construir uma experiência onde lucro, qualidade literária e relevância
cultural e acadêmica possam caminhar no mesmo sentido.
A editora foi criada em março de 1986, logo após a introdução do Plano
Cruzado, em fevereiro, que conseguiu, com congelamento de salários e preços, estancar
provisoriamente a inflação e conseqüentemente aumentar o consumo, inclusive de livros. A
entrada efetiva da nova editora no mercado se deu em outubro, com o lançamento de quatro
livros simultâneos: Rumo à estação Finlândia, de Edmund Wilson; A graça de Deus, de
Bernard Malamud; o Anticrítico, de Augusto de Campos, e uma antologia de poemas de W.
H. Auden. (CONTI, 1986, p. 136 & SORÁ, 1997, p. 163)
O primeiro livro de grande sucesso já veio com um desses lançamentos,
Rumo à estação Finlândia, obra ensaística do crítico literário inglês Edmund Wilson, texto
multidisciplinar que traça uma genealogia da revolução russa, se detendo tanto em homens
que fizeram a história quanto naqueles que escreveram a história. Um estudo acadêmico
complexo e erudito, que não parecia destinado a ser um sucesso de vendas no ano de 1986.
No entanto, a primeira edição se esgotou em três dias e foi seguida por dez reedições,
vendendo 110 mil exemplares. Para se ter uma idéia do seu sucesso comercial, basta dizer
que esse ensaio apareceu, ainda em novembro de 1986, na lista da revista Veja (principal
semanário informativo brasileiro) dos dez livros de não-ficção mais vendidos, ocupando
durante várias semanas de 1987 o primeiro lugar, ultrapassando inclusive o best-seller
escrito pelo médico João Uchoa Jr., Só é gordo quem quer, que chegara a superar os 500
mil exemplares vendidos.
Simultaneamente à sua chegada às livrarias, Rumo à estação Finlândia já
tinha merecido uma resenha detalhada e altamente favorável na seção Livros, da revista
Veja, do dia 22 de outubro, escrita pelo jornalista Mário Sérgio Conti, que muito tempo
depois teria um livro seu publicado pela Companhia das Letras. Na última página da
51
resenha, também aparecia um box onde se registrava o aparecimento da nova editora, com
declarações de Luiz Schwarcz, que já anunciava que sua editora pretendia publicar apenas
livros sofisticados , já que, no Brasil ao menos nas cidades, existe um público interessado
em livros de alto nível, principalmente obras, que sejam, ao mesmo tempo, literariamente
boas e cientificamente válidas (CONTI, 1986, p. 136). No mesmo número da revista
apareceram resenhas de outros dois lançamentos da editora. Na edição seguinte, é
publicada extensa matéria, novamente de caráter francamente positivo, sobre o outro
lançamento da editora, o Anticrítico, de Augusto de Campos. Essa presença maciça da
Companhia das Letras nas páginas da Veja
ou em qualquer espaço da grande imprensa ou
de publicações menores dedicadas a lançamentos editoriais
estava apenas começando, e
em grande estilo. A partir daí os lançamentos da Companhia das Letras intermitentemente
apareciam com destaque onde quer que se falasse de livros. Essa utilização intensa da
publicidade gratuita, pelo envio à imprensa dos livros antes de chegarem às livrarias e de
releases detalhados escritos por profissionais habilitados, tornou-se mais um diferencial da
editora. Como exemplo, podemos citar que, no lançamento dos dois primeiros volumes da
monumental obra de Elio Gaspari, que estuda o período do governo dos militares no Brasil
pós-64, o próprio Luiz Schwarcz encomendou pessoalmente um release ao jornalista
Zuenir Ventura. Para realizar o seu trabalho, em finais de 2002, Zuenir passou um fim de
semana de imersão junto a Elio Gaspari, tendo inclusive acesso ao material utilizado para
produzir os dois volumes de Ilusões Armadas, reunidos na imensa biblioteca pessoal do
autor (VENTURA, 2002). Essas ótimas condições de trabalho concedidas por Schwarcz até
para a confecção do press release revelam o profissionalismo e ousadia com que a editora
planeja a divulgação dos seus lançamentos na imprensa.
Mas a penetração inicial avassaladora dos lançamentos da Companhia das
Letras na imprensa, especialmente na revista Veja, gerou uma reação das editoras mais
tradicionais, que já estavam estabelecidas. Ênio Silveira, em depoimento já citado,
concedido em 1990 para a equipe da professora Jerusa Pires Ferreira, da Escola de
Comunicação da USP, faz duras críticas aos possíveis privilégios dados à nova editora:
52
É claro que todo editor tenta ter uma boa relação com a imprensa. A
Companhia das Letras tem, porque, por exemplo, num dado momento, o seu
editor tinha uma boa relação de amizade com o redator de livros da Veja, por
isso houve um período em que quase tudo que eles publicavam tinha
cobertura ampla, o que ajudou muito o estabelecimento da editora.
(ALMEIDA, 1993, p. 147 - 148)
No entanto, no mesmo depoimento, o antigo editor reconhece o valor do
editor calouro, especialmente pela sua iniciativa em divulgar os seus lançamentos por todos
os meios disponíveis:
Eu disse isso a respeito desse menino, o Luiz Schwarcz, da Companhia das
Letras, que é um bom editor, eu acho até que ele é um editor sério, ele está
fazendo seu métier direitinho, e ele tem uma capacidade de divulgar muito
boa e invulgar até. Eu diria que boa parte do sucesso da Companhia das
Letras se deve a esta enorme capacidade que ele tem de ter uma boa
imprensa, a imprensa ajuda, não apenas o best-seller, ajuda o bom livro
também. [...] (ALMEIDA, 1993, p. 146)
A Companhia das Letras surge como uma novidade na cena editorial
brasileira da segunda metade da década de 1980, estabelecendo-se como concorrente direto
das editoras estabelecidas que tinham um catálogo literário de qualidade, como a José
Olympio, a Civilização Brasileira e até a Brasiliense, que iniciava a sua curva descendente;
e incomodando também grandes editoras com catálogos híbridos, que misturavam obras
literárias de qualidade com obras meramente comerciais, como as editoras Nova Fronteira e
Record. A nova empresa editorial foi vista pelos concorrentes tanto como uma ameaça
quanto como uma experiência inovadora que deveria ser observada para que seus
resultados positivos servissem como modelo para essas próprias editoras, como podemos
ver pelas declarações de Ênio Silveira.
Nos seus primeiros 12 meses de atividades, a Companhia das Letras lançou
48 títulos, quatro por mês. Em 2003, já eram lançados 150 títulos, cerca de 12 novos títulos
a cada mês, em 2005 atingiu a marca de 170 títulos anuais, ultrapassando a marca total de
dois mil títulos (CASTELLO, 2005, p. 3). O faturamento em 1986 foi de 4.369.712,90
53
cruzados. O faturamento em 2003 já era de 37.778.380,00 reais, segundo dados da editora.
Em 1988, a empresa Caminho Editorial, do Grupo Moreira Salles, proprietário do
Unibanco, adquiriu 33% da participação acionária da Companhia das Letras, com o valor
sendo mantido em segredo, ficando os 67% restantes com Schwarcz e sua esposa Lilia,
professora de antropologia da USP. Pelo menos até 2003, é Fernando Moreira Salles o
integrante do Grupo Moreira Salles que tinha participação mais efetiva na administração da
editora, integrando inclusive seu conselho editorial (NEVES, 2003, p. 5). Participavam da
administração da editora, em 2003, Sérgio Windholsque, diretor da área financeira; Lilia
Schwarcz, que dirige a Companhia das Letrinhas e a Cia. das Letras e cuida das
publicações da área de ciências humanas; Maria Emília Bender, responsável pela
coordenação editorial; e Elisa Braga, que cuida da área de produção (NEVES, 2003, p. 4).
Nessa época, além de Lilia e Luiz, a principal responsável pela área editorial
da empresa já era Maria Emília Bender, participando da seleção de originais e atividades
editoriais junto aos escritores
atividades que são também exercidas por outras editoras
auxiliares, como Heloísa Jahn. Na verdade, Maria Emília Bender e Heloísa Jahn possuem
atividades específicas de editor, na concepção americana, enquanto Schwarcz acumula com
essa função a de publisher, que é a dimensão empresarial da atividade editorial.
Nas informações institucionais do site da editora, em maio de 2005, consta
que os quadros fixos da empresa distribuem-se nos departamentos de edição, produção
gráfica, divulgação e atendimento a professores, vendas e administração, contabilizando
cerca de 90 funcionários. Conta também com um corpo de colaboradores eventuais nas
áreas de tradução, preparação de texto, revisão, pesquisa iconográfica, ilustração e design
gráfico.
Estabelecia-se um modelo enxuto de editora, não comportando um parque
gráfico, e terceirizando várias outras atividades. No entanto, com essa equipe permanente
mínima consegue resultados editoriais e econômicos de vulto considerável, tendo um
faturamento de quase 40 milhões de reais em 2003, compatível com o de empresas de porte
médio na classificação vigente estipulada pelo Ministério da Indústria e Comércio, que na
sua portaria Número 176, de 1o de outubro de 2002, define empresa de porte médio como
54
aquela cujo faturamento bruto anual está entre R$ 10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos
mil reais) e R$ 60.000.000,00 (60 milhões de reais).
Se, no aspecto administrativo, se caracterizara por não estar presa a uma
gráfica ou a uma livraria, quanto à estratégia editorial traz uma proposta bastante clara:
produzir livros de qualidade tanto no conteúdo quanto tecnicamente, escritos
prioritariamente por autores ainda em atividade no Brasil e no mundo. E, o mais
revolucionário de tudo, num ambiente dominado pela denegação do econômico: ter lucro
produzindo bons livros, num sistema de relacionamento altamente profissional com os
escritores e demais atores envolvidos. No próximo subcapítulo
editora
a análise do catálogo da
e nos seguintes, continuaremos a investigar o papel da Companhia das Letras no
cenário cultural e literário brasileiro.
2.2. O catálogo da Companhia
Chamamos de catálogo de uma editora o conjunto de obras publicadas por
essa editora. Quase sempre esse catálogo materializa-se em uma publicação impressa
nos
últimos anos muitas editoras também disponibilizam seus catálogos em meio eletrônico, na
internet, sem deixar de lado o catálogo impresso. Essas publicações são excelente material
para analisarmos a atuação de uma editora. O catálogo de uma editora funciona como uma
verdadeira cédula de identidade, sendo extremamente revelador de suas atividades e do
modo como ela estabelece a sua individualidade em relação às outras editoras.
A Companhia das Letras sempre deu bastante importância à publicação dos
seus catálogos, realizando um bom trabalho de catalogação e de produção gráfica. Dedica a
esses catálogos o mesmo cuidado editorial que tem com os seus livros. O exame do seu
catálogo físico pode nos ajudar a compreender melhor a atuação da editora e dimensionar a
coerência na publicação dos seus livros. O público-alvo desses catálogos são tanto os
livreiros, que recebem o catálogo juntamente com as listas de preço, quanto os possíveis
55
leitores, que recebem o catálogo em feiras ou outros eventos dedicados à divulgação do
livro. Os catálogos são publicados anualmente por volta de abril/maio, época próxima da
realização das bienais do livro.
Tivemos acesso aos catálogos de 1999, 2003, 2004 e 2005. Todos
mereceram planejamento gráfico cuidadoso, a cargo dos principais designers e artistas
plásticos que produzem os livros da editora. Ângelo Venosa foi o responsável pela
concepção visual das edições de 1999 e 2003 e Raul Loureiro pelas de 2004 e 2005. A
partir de 2004, o cuidado com a publicação anual do catálogo tornou-se ainda maior. Ele
passou a ser dividido em duas partes: a primeira com os lançamentos dos últimos 12 meses,
separados por assunto e acompanhados por sinopse; e a outra com todos os títulos já
publicados pela editora, classificados por sobrenome de autor, por título e assunto. Esta
última, chamada de catálogo de todos os tempos, tem inclusive o nome dos responsáveis
mencionados nos créditos da publicação: Adriana Cerelo em 2004 e em 2005, com a
parceria de Thaís Ritcher nesse segundo ano. Apesar de ser mencionado em texto
introdutório ao catálogo de 2004 que ele engloba todos os títulos publicados, verificamos
que pelo menos alguns títulos efetivamente lançados pela Companhia das Letras não
aparecem nem na edição de 2004 nem na de 2005. Podemos citar como exemplo O
Chalaça, de 1992, e Terra Papagalli, de 1997, ambos escritos por José Roberto Torero, e
quatro obras do peruano Mario Vargas Llosa: A cidade e os cachorros, Lituma nos Andes,
Pantaleón e as visitadoras e Tia Julia e o escrevinhador. Essa omissão se deve a uma
provável cessão dos direitos de publicação dessas obras para outras editoras; como no caso
das obras de José Roberto Torero, que passaram a ser publicadas pela Editora Objetiva já
na década de 1990. Os títulos dedicados aos públicos infantis e juvenis possuem catálogo
individualizado, que será examinado posteriormente.
O catálogo de 2004 servirá como material básico para a nossa análise. Ele é,
como vimos, o primeiro a separar os lançamentos do último ano do catálogo de todos os
tempos , tendo sido elaborado com mais cuidado que a sua edição seguinte, contendo uma
nota explicativa dos editores em relação às mudanças que eram introduzidas e um sumário
inicial, bem como um índice remissivo ao final. A abordagem gráfica de Raul Loureiro, que
56
utiliza na capa (figura 3) e no miolo uma série de fotografias antigas
meados do século
XX , em preto e branco, dos arquivos da Hulton Archices e da Getty Images, representam
os tradicionais elementos que integram os logotipos da Companhia das Letras: a
motocicleta, o carro, o avião e o trem. Trata-se de uma concepção visual cuidadosa que por
um lado é arrojada e conectada com o estágio atual do design gráfico no Brasil e no mundo,
e, por outro lado, traduz graficamente uma mensagem de apego à tradição, de ligação com
o passado comum recente da civilização ocidental no século XX .
Não iniciaremos a análise pelo labiríntico catálogo de todos os tempos, já
que correríamos o risco de nos perdermos na sua imensidão. Começaremos aos poucos,
estudando inicialmente os lançamentos dos últimos 12 meses, que funcionam como uma
amostra representativa do conjunto e como um retrato da produção da editora às vésperas
de completar 20 anos. Trabalhar com uma fração do total também nos facilitará bastante a
realização de algumas análises estatísticas.
Os títulos dos lançamentos vêm acompanhados do nome do autor e de
pequenas sinopses, sendo divididos pelas seguintes 12 seções: ficção brasileira; ficção
estrangeira; policial; poesia; não-ficção; Retratos do Brasil; Jornalismo Literário; O
Escritor e a Cidade; biografias, memórias, diários e entrevistas; gastronomia; cinema,
música e teatro; e fotografia. No espaço dedicado à ficção brasileira aparecem 18
lançamentos
que nem sempre são primeiras edições
de romances, contos (incluindo
coletâneas e antologias) e narrativas autobiográficas. Algumas são obras de autores
contemporâneos consagrados e que publicam na Companhia das Letras já há algum tempo
como Bernardo Carvalho, Carlos Heitor Cony, Rubem Fonseca, Sérgio Sant Anna e
Moacyr Scliar (reedição)
tendo sido realizado um lançamento de cada um. Esses autores
fazem parte de um cânone recente, sendo cada um apontado por vários críticos como os
principais ficcionistas brasileiros da atualidade. Não é por acaso que esses cinco autores
estão relacionados na publicação Literatura Brasileira Hoje, de Manuel da Costa Pinto,
que faz um inventário dos principais autores brasileiros contemporâneos. Também
aparecem ficções de autores que já tiveram sucesso de vendas, mas que ainda estão em
processo, mais ou menos polêmico, de consagração literária
57
que poderão ter sucesso ou
não, como Chico Buarque, Michel Laub e Patrícia Melo. Traz também obras de autores
publicados anteriormente por editoras menores, como Dionísio Jacob e Almicar Bettega
Barbosa, este último sendo identificado como pertencente à chamada geração 90, sendo
incluído em algumas antologias de contos dos principais ficcionistas brasileiros
contemporâneos. São registrados também como lançamentos reedições de romances de
autores de um passado recente: Nelson Rodrigues (sob os pseudônimos de Suzana Flag e
Myrna), Marcos Rey e Jean-Claude Bernadet. É relacionada também como lançamento de
ficção a coleção Vozes do Golpe que reúne dois relatos pessoais e duas histórias de ficção
sobre o golpe de 1964, feitas por encomenda, escritas por Carlos Heitor Cony, Zuenir
Ventura e Luis Fernando Verissimo. Foi publicado também um volume de contos
pertencente à coleção Boa Companhia, incluindo textos de 12 autores contemporâneos
a
maioria já publicada por um dos selos da editora , indo dos mais consagrados, como
Sérgio Sant Anna, Bernardo Carvalho e Ana Miranda, a escritores menos conhecidos,
como Pedro Cavalcanti e Maria Telles Ribeiro; chegando a publicar um conto do próprio
editor Luiz Schwarcz.
Se contarmos também duas obras que foram catalogadas no espaço dedicado
ao romance policial, a Companhia das Letras publicou, entre janeiro de 2003 e abril de
2004, 13 obras ficcionais inéditas de autores contemporâneos, incluindo duas obras
coletivas. Apesar de quantitativamente esse número ser inexpressivo, qualitativamente ele
representa algumas das principais obras de ficção lançadas no período por ficcionistas
brasileiros. Entre elas, estão obras que atingiram sucesso tanto de vendas como de crítica e
foram vencedoras de vários prêmios literários, como Budapeste, romance de Chico
Buarque; Vôo da madrugada, volume de contos de Sérgio Sant Anna; e a narrativa
Mongólia, de Bernardo Carvalho.
Na seção ficção estrangeira aparecem 39 obras. Quase todas obras
contemporâneas publicadas pela primeira vez no Brasil. O atraso em relação à publicação
em seu país de origem é em torno de três anos, mas em alguns casos essa diferença pode
aumentar, como é o caso de obras do sul-africano J. M. Cotzee, ganhador do prêmio Nobel
de literatura em 2003. Aproveitando a divulgação motivada pela premiação, foram lançadas
58
três obras de Coetzee, incluindo Vida e época de Michael K, de 1983, que ainda não
possuía edição brasileira.
Numa breve olhada sobre os lançamentos de ficção estrangeira da
Companhia das Letras, podemos observar a tendência de se publicar obras provenientes de
diversas literaturas nacionais, e não apenas das literaturas mais centrais, como a americana,
a francesa e a inglesa. Como exemplo da multiplicidade de nacionalidades que aparecem no
espaço dedicado à ficção estrangeira, podemos mencionar os seguintes escritores
contemporâneos que tiveram obras lançadas pela editora no período: o moçambicano Mia
Couto, o italiano Niccoló Ammaniti, o americano Don DeLillo, o chinês Há Jin, o espanhol
Javiér Marias, o húngaro Sándor Márai, o português José Saramago, o japonês Kenzaburo
Oe, o britânico de origem indiana Salman Rushdie e o albanês Ismail Kadaré. A
diversidade de obras e línguas faz a editora utilizar uma grande equipe de tradutores,
incluindo Eduardo Brandão e o poeta Paulo Henriques Britto, que traduziram três obras
cada um.
Pela leitura do catálogo constata-se que a premiação do Nobel ou Booker
Prize é um elo comum entre diversas dessas obras, servindo como um potencial sinal de
sucesso no mercado nacional. Se compararmos os lançamentos de ficção contemporânea
estrangeira com os de ficção nacional, podemos concluir que o lançamento nacional é mais
arriscado na medida em que ele é realmente inédito, sendo esse o seu primeiro teste de
recepção. Os lançamentos de ficção estrangeira já tiveram seu potencial de sucesso medido
nos países em que já foram publicados, tanto pelo número de exemplares vendidos quando
pela recepção da crítica e prêmios que recebeu. A obra estrangeira inédita no Brasil já é
lançada com um passado , o que facilita inclusive os esforços de divulgação.
A literatura policial é um outro gênero bastante explorado pela Companhia
das Letras e isto se reflete nos lançamentos de 2004. Foram lançados 14 romances policiais
de autores contemporâneos de várias nacionalidades, sendo dois deles brasileiros: o exdelegado Joaquim Nogueira e o teórico da psicanálise Luiz Alfredo Garcia-Roza, que lança
seu quarto livro policial, cujo protagonista é o policial Espinosa, todos com boa recepção
do público. Entre os autores estrangeiros, destacam-se a inglesa P. D. James e o americano
59
Denis Lehane, cujo livro anterior, Sobre meninos e lobos, também publicado pela editora,
atingiu boa vendagem e elogios da crítica especializada nesse gênero literário.
Na parte dedicada à poesia constam cinco lançamentos. Um deles é uma
coletânea de poemas de 16 autores contemporâneos, que é mais um volume da coleção Boa
Companhia. São publicadas também três obras de autores brasileiros contemporâneos: uma
seleta de quatro livros do jovem poeta Carpinejar, nascido em 1972, intitulada Caixa de
Sapatos; o livro Macau, de Paulo Henriques Britto, tradutor de várias obras publicadas pela
Companhia das Letras; e Ser longe, de Fernando Moreira Salles, um dos sócios da
Companhia das Letras. Foi também lançada uma nova antologia poética de Vinícius de
Moraes, organizada pelos poetas Eucanaã Ferraz e Antônio Cícero. Pode-se dizer que a
publicação de obras de poesia brasileira pela editora é quase eventual, não sendo no
período 2003/2004 uma linha forte dentro do catálogo da editora.
A seção intitulada
não-ficção
é a que contém maior número de
lançamentos: 44. Ela abriga obras ensaísticas com uma abordagem multidisciplinar das
áreas das ciências humanas e sociais, incluindo também obras com abordagens históricas e
filosóficas das ciências exatas e biomédicas. Existem desde obras de maior profundidade
intelectual
com maior ou menor dose de academicismo , como Política em Espinosa, de
Marilena Chauí, Reflexões sobre o exílio e outros ensaios, do palestino Edward Said, e
Diante da dor dos outros, da americana Susan Sontag, até obras de divulgação científica,
de autores como Oliver Sacks e Stephen Jay Gould. São 16 obras de brasileiros e o restante
de autores de origem diversa, predominando mais os autores europeus e americanos. Numa
mirada sobre os títulos podemos identificar a literatura como o tema mais presente,
abordado em pelo menos algum de seus aspectos em cerca de 11 obras, como a coletânea
de ensaios sobre literatura imaginativa O castelo de Axel, de Edmund Wilson e o
Dicionário de lugares imaginários, que tem como um dos autores o argentino Alberto
Manguel. É bom observar que os livros de não-ficção de autores brasileiros normalmente
foram escritos recentemente, enquanto os de autores estrangeiros apresentam uma
defasagem que pode chegar a mais de dez anos em relação à data de sua produção. Mas
também há lugar para edições de obras bem mais antigas
60
de autores nacionais ou não ,
incluindo quase sempre notas e textos interpretativos, como é o caso de Paulística etc, de
Paulo Prado, e a edição comemorativa dos cem anos de A ética protestante e o espírito do
capitalismo, de Max Weber.
As três seções seguintes são dedicadas às coleções que tiveram volumes
lançados no período. A extensa coleção Retratos do Brasil, dedicada a textos clássicos que
tentam explicar o que é o Brasil, lançou o seu 24o volume, a História do Brasil pelo método
confuso, versão sarcástica da nossa história escrita por Mendes Fradique no início do
século XX. A coleção Jornalismo Literário, que publica textos jornalísticos com tratamento
literário originados na atividade investigativa de jornalistas brasileiros e estrangeiros,
lançou no período cinco dos seus seis livros até aquele momento, incluindo a obra clássica
do jornalismo literário A sangue frio, de Truman Capote e a reportagem investigativa Chico
Mendes
crime e castigo, de Zuenir Ventura. Foi também publicado o volume brasileiro da
coleção O Escritor e a Cidade: Carnaval do fogo, de Ruy Castro. Essa coleção
por editora estrangeira e publicada pela Companhia das Letras no Brasil
concebida
publica textos
encomendados a autores de várias nacionalidades tendo uma metrópole como tema. No
Brasil, o autor escolhido foi Ruy Castro que produziu um misto entre ensaio histórico e
ficção sobre a cidade do Rio de Janeiro. Pela observação do catálogo de 2004, podemos
intuir que, no período, a estratégia de lançamentos de livros por meio de coleções stricto
sensu não foi tão central na produção da editora como foi em outros anos.
É também dedicada uma seção aos lançamentos de biografias, memórias,
diários e entrevistas. Foram lançadas oito obras, das quais apenas três são escritas por
brasileiros. Entre os livros publicados estão a biografia de Isaac Newton, um relato sobre o
fim do governo Pinochet, um esboço biográfico sobre Euclides da Cunha, uma seleção de
textos jornalísticos de Fernando Morais e um texto sobre a vida da mulher na China atual
escrita pela jornalista chinesa Xinran. Além dessas obras, que se aproximam da abordagem
da coleção Jornalismo Literário, também aparecem nessa seção uma seleção de cartas
escritas e recebidas por Vinícius de Moraes, as memórias de Edward Said
que tinha
morrido recentemente, em setembro de 2003 , e um texto religioso do século XIII
Legenda Áurea , que reúne a história de santos da Igreja Católica.
61
A parte dos lançamentos se encerra registrando a publicação de dois livros
dedicados à gastronomia; um ao cinema; dois à música popular brasileira, com letras de
Caetano Veloso e Gilberto Gil; e um livro de fotos de Sebastião Salgado.
Como retrato numérico dos 141 lançamentos da editora publicados de
janeiro de 2003 a abril de 2004, levando em conta as divisões temáticas estipuladas pelo
próprio catálogo, podemos apresentar o quadro abaixo. Vale a pena fazer algumas
observações sobre a feitura do quadro. O número de obras pode ser maior do que a do
número de autores, pois há casos em que se publica mais de uma obra de um mesmo autor.
No caso de obras coletivas contamos apenas uma autoria, a do organizador do volume;
sendo sua a nacionalidade considerada. Os números totais de autores são menores do que a
soma do número de autores por seção, pois existem casos de autores que estão presentes em
mais de uma seção.
Seções
Obras
Autores brasileiros
Ficção brasileira
18
Ficção estrangeira
39
Policial
14
2
Poesia
5
5
Não-Ficção
44
16
Coleção Retratos do
1
1
5
2
1
1
8
3
Autores estrangeiros
15
37
9
26
Brasil
Coleção Jornalismo
3
Literário
Coleção O Escritor e
a Cidade
Biografias,
memórias, diários e
entrevistas
62
5
Gastronomia
2
2
Cinema, música,
3
3
1
1
141
47
teatro
Fotografia
Total
O número de obras lançadas
81
não se contando as dos selos Companhia das
Letrinhas (não foi encontrado registro preciso do número de lançamentos no período) e Cia.
das Letras (no total de 20 lançamentos)
atinge 141 títulos, o que dá quase 12 títulos por
mês, um número razoavelmente alto para uma editora que se propõe a publicar livros de
qualidade, deixando de fora o filão dos livros didáticos e o dos livros esotéricos/religiosos.
Os números da Companhia não chegam perto dos números de títulos de grandes editoras
como a Ediouro, Nova Fronteira e Record
esta última chegando em meados de 2005 a
lançar 28 livros por mês (BITTENCOURT, 2005). No entanto, superam o número de
lançamentos anuais da editora de porte e de modo de produção semelhantes, como a
Editora Objetiva. Segundo a sua coordenadora editorial Isa Pessoa, em prefácio escrito para
A versão do autor, a capacidade de publicação da Objetiva no início do século XXI não
ultrapassa os oitenta títulos anuais, somando neste total títulos estrangeiros e brasileiros .
(BUSATO, 2004, p. 12)
Os lançamentos caracterizados como ficção
incluindo o gênero policial
atingem o número de 71 títulos, quase 50% do total. Se somarmos todas as outras seções
não-ficcionais
deixando apenas as obras poéticas de fora
atingiremos o número de 65
obras. Isto mostra que a Companhia das Letras caminha no sentido de deixar de ser uma
editora que publica prioritariamente obras das ciências humanas (no caso ensaios com
evidentes características literárias), para ser tornar uma editora que também dá um grande
peso à ficção, havendo um equilíbrio entre os dois gêneros.
Se olharmos para a nacionalidade dos autores de ficção
incluindo o gênero
policial , verificaremos que 47 são estrangeiros, cerca de 75%, enquanto apenas 17 são
63
brasileiros, cerca de 25%. Ou seja, quantitativamente, a editora está priorizando a ficção
estrangeira em relação à nacional. Mas, como vimos, a importância dos autores brasileiros
contemporâneos
e de suas obras
que a editora publicou no período revela que, se
quantitativamente as obras de ficção nacional não são maioria nos lançamentos do período,
qualitativamente elas possuem um enorme peso relativo no catálogo.
Examinando o pólo não-ficcional dos lançamentos, observaremos que nele
há um equilíbrio entre o número de autores nacionais e estrangeiros. Tiveram obras
lançadas 27 autores brasileiros, 44% do total, e 35 autores de outras nacionalidades, 56%.
O número de autores nacionais e estrangeiros que tiveram obras não-ficcionais lançadas no
período praticamente se equivale, contrastando bastante com o desequilíbrio que ocorre em
relação aos textos ficcionais. Derivado do enorme desequilíbrio na distribuição de
nacionalidade de autores de ficção, um certo desequilíbrio acaba prevalecendo na
distribuição da nacionalidade do total de 128 autores publicados: 47 autores brasileiros,
37% do total, e 81 autores de outras nacionalidades, 63% do total.
Verifica-se também um pequeno número de lançamentos de volumes que
fazem parte de coleções formais, com identidade gráfica própria, apesar da maioria dos
lançamentos normalmente fazerem parte de uma área temática coesa expressa no catálogo,
como ficção brasileira, poesia, gastronomia, etc. A própria seção não-ficção na Companhia
das Letras tem características de conteúdo próprias, como a multidisciplinaridade
apresentada em cada texto e o estilo literário da escrita.
Na observação dos lançamentos do curto período de um ano, chama a
atenção a recorrente presença de dois escritores na autoria e colaboração em mais de um
livro, até de gêneros diferentes. Um deles é Moacyr Scliar. Ele teve, no período, relançado
seu romance O centauro no jardim
publicado pela Editora Nova Fronteira em 1980;
participa, com um texto, da coletânea de contos Boa Companhia e com o conto Mãe Judia
1964, da coleção Vozes do Golpe; e escreve o ensaio Saturno nos trópicos: a melancolia
européia chega ao Brasil, no qual faz um panorama sobre o sentimento da melancolia a
partir de textos literários de vários autores. O outro é Ruy Castro, que escreveu a crônica
Carnaval no fogo: crônica de uma cidade excitante demais, volume da coleção O Escritor
64
e a Cidade, e organizou o volume de correspondência ativa e passiva do poeta Vinícius de
Moraes. A Companhia durante a sua história acaba arregimentando um bom número de
colaboradores fiéis, como os dois citados, que participam de vários projetos da editora.
Apesar do catálogo de 2005 não separar os lançamentos por assunto, vale a
pena darmos uma rápida olhada neles, especialmente para observarmos alguns novos
caminhos que estão sendo trilhados pela editora e que não apareciam no catálogo anterior.
Na verdade são duas linhas de obras que não são inéditas, mas aparecem junto aos
lançamentos, pois o formato editorial é novo. Uma das linhas corresponde ao lançamento
de novas edições dos romances de Érico Verissimo, totalizando 14 obras, aproveitando a
comemoração do primeiro centenário de seu nascimento.
A outra linha traz relançamentos e obras
venda
quase sempre grandes sucessos de
do catálogo da Companhia das Letras em formato menor, com planejamento
gráfico simples e padronizado, com custo de produção e de venda menor, denominada
Companhia de Bolso. Esses volumes não se destinam apenas aos pontos tradicionais de
vendas de livros
as livrarias , mas também a pontos alternativos, especialmente bancas
de jornais. Cada volume custa para o leitor de R$ 14,00 a R$ 22,00, bem abaixo dos valores
normais de venda dos livros da editora, que dificilmente custam menos do que R$ 30,00, no
ano de 2005. A Companhia de Bolso tem como principal concorrente a coleção Pocket, da
Editora gaúcha LPM, que publica um extenso número de obras no formato de bolso
iniciada no início da década de 1990, já publicou, até 2005, mais de 400 títulos. No
catálogo da Companhia das Letras de maio de 2005 aparecem os cinco primeiros volumes
lançados por essa série: Cem dias entre céu e mar, de Amir Klink; Nova antologia poética,
de Vinícius de Moraes; Além do bem e do mal, de Friedrich Nietzche; O evangelho
segundo Jesus Cristo, de José Saramago; e Estação Carandiru, de Drauzio Varella. No
correr do ano de 2005 foram lançados mais cinco volumes, incluindo Agosto, de Rubem
Fonseca. Dois dos volumes lançados, Cem dias entre céu e mar e Estação Carandiru, já
tinham vendidos mais do que 300 mil exemplares antes de serem editados no formato de
bolso.
65
Começaremos agora a análise do catálogo de todos os tempos da Companhia
das Letras, conforme foi publicado em abril de 2004. Esse catálogo possibilita a consulta
por autor, título e assunto, registrando a publicação, na consulta por título de, no total,
1.485 obras, de outubro de 1986 até abril de 2004. O que dá a média de sete livros por mês
ou 87 livros por ano. Consideramos, para os efeitos dessa contabilidade, que uma obra seria
o volume ou conjunto de volumes que podem ser vendidos autonomamente. Esse número
não inclui as obras do selo Companhia das Letrinhas e, evidentemente, algumas obras que
foram deixadas de fora do catálogo por motivos não totalmente esclarecidos, como
mencionamos anteriormente. Segundo depoimento de Luiz Schwarcz ao jornalista José
Castello, a Companhia das Letras já tinha ultrapassado, em setembro de 2005, a marca dos
dois mil títulos publicados.
A divisão por assuntos é bem mais detalhada
extremamente complexo de classificação
o que acarreta um trabalho
do que a usada nos lançamentos, passando de
12 para 37 assuntos diferentes. O catálogo de 2004 nos servirá como guia e fonte principal
de informações, mas seus dados serão complementados com os fornecidos pelos catálogos
dos outros anos, pela consulta ao catálogo eletrônico disponível no site da editora e pela
consulta aos próprios livros e textos de referência. Segue a relação de assuntos com o
respectivo número de obras publicadas em cada um:
Administração e economia
Antropologia
13
49
Aventuras e viagens
37
Biografias, memórias e diários
Ciências
132
66
Ciência Política
54
Cinema, teatro, TV, meios de comunicação
Coleção O Escritor e a Cidade
4
Coleção Grandes Descobertas
2
Coleção Jornalismo Literário
66
6
28
Coleção Literatura ou Morte
Coleção Retratos do Brasil
Coleção Vida Cotidiana
8
23
15
Coleção Virando Séculos
7
Crítica e Teoria Literária
73
Esportes
7
Ficção
conto e crônica
Ficção
romance e novelas
Filosofia
88
266
52
Fotografia
15
Gastronomia
20
História da Arte
16
História do Brasil
História Geral
130
191
Humor 11
Informática
6
Jornalismo e Relatos
78
Jovem (Cia. das Letras)
96
Meio Ambiente e Ecologia
Moda
16
4
Música
Poesia
Policial
24
54
87
Psicologia
Religião
Sociologia
27
25
62
Saúde, Doenças e Medicina
67
15
O aumento do número de classificações se deve a um maior detalhamento da
seção não-ficção, que aparece nos lançamentos, mas não no catálogo de todos os tempos, já
que foi substituída pelas diversas disciplinas em que foi desdobrada. Torna-se uma
classificação extremamente complexa na medida em que uma das características que
aparecem em várias obras de não-ficção da editora é a multidisciplinaridade
a interdisciplinaridade
e até mesmo
da abordagem. Com o esforço de determinar a disciplina exata a
que corresponde cada publicação, o catálogo de todos os tempos acaba por ir, de certo
modo, contra características de não-ficção do catálogo da Companhia das Letras: a
multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade. Por outro lado, a classificação mais
detalhada acaba por comprovar que mesmo se olharmos para um tema ou disciplina
específicos a editora tem um número razoável de livros, não havendo o volume isolado,
sem pertencer a qualquer grupo de livros.
Podemos observar também que uma coleção formal nunca foi uma estratégia
prioritária da editora, a não ser nos selos dedicados aos públicos infantil e infanto-juvenil.
O que há, de forma abundante, na verdade, são séries de livros sobre os mesmos temas, até
com planejamento gráfico semelhante, mas sem se constituírem em coleção. As coleções
identificadas no catálogo, portanto, são apenas sete: Vida Cotidiana, O Escritor e a Cidade,
Jornalismo Literário, Virando Séculos, Retratos do Brasil, Literatura ou Morte e Grandes
Descobertas. Mas, ao estudarmos as coleções, conseguimos entender melhor a intervenção
editorial
ficando mais claro as direções que a editora pretende dar à produção textual.
Examinar as coleções da editora é radiografar suas ações e diagnosticar suas intenções.
A coleção Vida Cotidiana foi a pioneira na história da Companhia. É a
versão brasileira da coleção concebida pela editora francesa Hachette Littératures, que
publica obras históricas, na perspectiva da vida privada, retratando como era o cotidiano
em determinadas épocas da história mundial. A editora francesa publicou, desde 1984, 85
títulos da coleção La Vie Quotidienne, quase todos de autores franceses que realizam
pesquisas históricas nos aspectos culturais e comportamentais. A Companhia das Letras
lançou no Brasil, a partir de 1988, 18 volumes, interrompendo a continuidade da coleção no
início do século XXI, não figurando inclusive na versão de 2005 do catálogo de todos os
68
tempos nem no site da editora. Entre os volumes publicados estão Os bordéis franceses, O
Brasil nos tempos de D. Pedro II - 1831-1899, Paris nos tempos do Rei Sol, Berlim no
tempo de Hitler e O Egito no tempo de Ramsés. Todos os textos tentavam unir o rigor da
pesquisa historiográfica com a abordagem de aspectos pouco explorados da história e uma
linguagem mais acessível do que é normalmente a linguagem acadêmica. Quase todas as
obras eram traduções das publicadas pela coleção original francesa, mas alguns poucos
volumes, apesar de escritos por autores franceses, não pertenciam à coleção francesa, como
no caso de O Brasil nos tempos de D. Pedro II - 1831-1899, escrita pelo historiador
francês, discípulo de Braudel, Frédéric Mauro. Os volumes da coleção possuíam identidade
visual própria (figura 4). No alto da capa aparecia o nome da coleção; logo abaixo o título
da obra, e, em seguida, o nome do autor, uma ilustração a partir de reprodução de pintura e
o logotipo da editora. Era uma concepção gráfica clássica e sóbria, dando ao mesmo tempo
idéia de tradição e objetividade, que ainda seria bastante imitada por editoras concorrentes.
A coleção fez bastante sucesso no Brasil com os primeiros lançamentos, o que não se
manteve no desenvolvimento da coleção.
O Escritor e a Cidade é uma coleção concebida pela editora inglesa
Bloomsbury, que mantém uma ligação comercial forte com a Companhia das Letras. A
editora inglesa encomendou a escritores de diversos lugares do mundo textos sobre
determinadas cidades. A Companhia das Letras foi parceira da editora na empreitada,
publicando, de 2001 a 2003, algumas obras no Brasil e sendo responsável por encomendar
a um autor brasileiro texto sobre uma cidade brasileira. A cidade escolhida foi o Rio de
Janeiro e o escritor convidado foi Ruy Castro, que utiliza recorrentemente o Rio como
cenário e personagem das suas obras
ficcionais ou não. A escolha da cidade obedece à
lógica do interesse do público estrangeiro. A cidade do Rio de Janeiro é a principal
referência de cidade brasileira e na escolha do escritor prevaleceu um autor acostumado a
retratar a cidade de modo positivo. O resultado foi o texto Carnaval no fogo: crônicas de
uma cidade excitante demais, no qual o escritor mineiro radicado no Rio faz um relato
bem-humorado e apaixonado sobre a cidade, oscilando entre o real e o ficcional, e usando o
samba e o carnaval como mote da narrativa. O texto de Ruy Castro também foi publicado
69
pela Bloomsbury na versão inglesa da coleção. Além do texto de Ruy Castro, a Companhia
das Letras publicou até o momento os seguintes textos na coleção: 30 dias em Sidney: um
relato desvairadamente distorcido, do australiano Peter Carey; Florença: um caso
delicado, de David Leavitt; e O flanêur: um passeio pelos paradoxos de Paris, do
americano Edmund White, todos escritos originalmente em língua inglesa.
As obras resultantes da encomenda têm como característica comum uma
visão extremamente pessoal e a busca do inusitado, aquilo que não é encontrado em
nenhum guia turístico. Esse tipo de encomenda acaba influindo sobre a produção dos
escritores, pois a partir de uma concepção editorial escritores acabam produzindo obras
com características especiais, que ficam na fronteira da ficção com a não-ficção. A
concepção gráfica é bastante arrojada, lembrando antigos guias turísticos, utilizando na
capa foto de um cenário característico da cidade (figura 5). O formato dos livros da versão
brasileira assemelha-se ao de bolso, 13 x 19cm, como se facilitasse ser carregado nos
passeios turísticos pelas cidades contempladas, e a encadernação, de capa dura, lembra aos
leitores de que se trata de obra de valor literário.
A coleção Jornalismo Literário é formatada pela Companhia das Letras a
partir de textos já produzidos, alguns deles até já publicados no Brasil; nenhum volume foi
escrito especialmente para a coleção. Mas, ao final de cada obra, aparece um comentário
analítico escrito especialmente para o livro por algum jornalista brasileiro de prestígio. A
coleção possui um coordenador, o jornalista Matinas Susuki
permanente da editora
que não faz parte da equipe
, responsável pela concepção da coleção em conjunto com o
próprio Luiz Schwarcz. A seleção dos textos é feita por Matinas, Luiz e Maria Emília
Bender, sócia e integrante da equipe editorial da Companhia (NUNES, 2003, p. 3 - 4). No
catálogo de abril de 2004 aparecem seis obras e no de maio de 2005 mais três textos,
mostrando que ela permanece em plena expansão. Do total de nove textos publicados, três
são de autores brasileiros: A milésima segunda noite da Avenida Paulista e A feijoada que
derrubou o governo, de Joel Silveira e Chico Mendes
crime e castigo, de Zuenir Ventura.
O primeiro volume da coleção foi a reportagem Hiroshima, do jornalista americano John
Hersey, publicada em 2002. O texto foi publicado originalmente no New York Times em
70
1946, um ano após a explosão da bomba atômica em Hiroshima, e reconstitui o dia da
explosão a partir do depoimento de seis sobreviventes; possuindo um capítulo final, no qual
o repórter, 40 anos depois, reencontra os seis personagens. É um texto direto, sem
rebuscamentos, de um gênero que podemos chamar de jornalismo literário, uma mistura de
jornalismo e literatura, que se apóia em fatos e ações, mas que utiliza estratégias
apropriadas da narrativa ficcional. Além dessas apropriações, está também no seu
afastamento do supérfluo e do ornamento desnecessário o caráter literário do texto. Outros
dois textos clássicos de autores que trilharam esse gênero híbrido foram publicados na
coleção: A sangue frio, de Trumam Capote, e Fama e anonimato, de Gay Talese, ambos
publicados inicialmente na imprensa norte-americana na década de 1960. As outras obras
que compõem a coleção ajudam a dar um panorama das diversas facetas que o jornalismo
literário teve no mundo na segunda metade do século XX. Apesar de possuir um logotipo e
planejamento gráfico próprios, a coleção não tem uma identidade visual tão singular.
Interessante observar também que sua formatação é uma forma de ordenação de livros
própria da Companhia, posterior à publicação da obra, que aparecem em outras editoras
muitas vezes como livros isolados. Essa coleção explicita a estratégia da editora de tentar
dar uma coerência ao seu catálogo, promovendo, a partir da seleção de originais,
aproximações de livros e formação de grupos de livros dentro do seu catálogo. Também
podemos constatar que a opção pelo gênero do jornalismo literário reflete a constante
opção da Companhia por obras com características literárias, mesmo quando não está
publicando ficção stricto sensu.
A coleção Virando Séculos engloba sete livros que têm como tema as
viradas de séculos. Foi publicada de 1999 a 2001, justamente na passagem do século XX
para o XXI. Quase todos os livros são frutos de encomendas a pesquisadores com alguma
ligação com a Universidade do Estado de São Paulo (USP). Entre os autores estão Lilia
Schwarcz (uma das editoras da Companhia das Letras e professora do Departamento de
Antropologia da USP) e Laura de Mello e Souza (professora titular do Departamento de
Historia da USP), ambas com outros ensaios acadêmicos publicados pela editora. É uma
coleção de não-ficção encomendada a membros do mundo acadêmico a partir de uma
71
oportunidade de mercado: a efetiva mudança de século era vista como questão a ser
discutida pela academia e pelo público leigo. A tentativa da editora com a coleção foi a de
sintonizar esses dois mundos. A editora teve um papel ativo de fomentar a produção de
textos, estimulando pesquisadores a produzirem obras que ela julgava viáveis
editorialmente. No entanto, a coleção não teve grande impacto de vendas nem boa
repercussão no mundo acadêmico.
A coleção com maior número de volumes é a Retratos do Brasil, que vem
publicando obras seminais de interpretação do Brasil e outros textos chaves da produção
cultural brasileira até o início do século, lançando, de 1995 até abril de 2004, 23 títulos.
Muitos dos volumes nunca foram editados em livro, sendo considerados muitas vezes obras
menores, fora do cânone das obras sérias. A intenção da editora é resgatar essas obras e
dar-lhes uma dimensão maior, de verdadeiros retratos do Brasil. O nome da coleção é
inspirado na obra Retrato do Brasil do empresário paulista Paulo Prado, um dos
organizadores da Semana de Arte Moderna, que, no ensaio de 1928, rema contra a maré
ufanista e produz um retrato do Brasil bastante crítico, especialmente em relação à falta de
enfrentamento das questões sociais. Foram publicadas na coleção, entre outras, as seguintes
obras: Cartas chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga; História do Brasil pelo método
confuso, de Fradique Mendes; Interpretações do Brasil, de Gilberto Freyre; e Alma
encantadora das ruas, de João do Rio e o próprio ensaio Retrato do Brasil: ensaio sobre a
tristeza brasileira.
A coleção possui um conselho editorial, formado durante a maior parte do
tempo pelo professor Antonio Candido, da USP, Maria Emilia Bender e Lilia Schwarcz. O
conselho é responsável pela seleção de textos e escolha dos pesquisadores que serão
responsáveis pela organização de cada volume. Cada organizador se responsabiliza pela
coordenação geral da publicação do livro e pela produção de textos introdutórios e notas
explicativas. Os organizadores são pesquisadores ligados a vários núcleos universitários.
Existe uma predominância de nomes ligados à USP, como o próprio Antonio Candido, que,
além de participar do conselho editorial da coleção, se responsabilizou pela organização da
obra Apontamentos de viagem, de J. A. Leite Moraes, publicada originalmente em 1882.
72
Bastante revelador em relação ao papel dos acadêmicos da USP na produção da coleção é o
agradecimento formulado pelo professor mineiro Joaci Pereira Furtado
História pela USP
Doutor em
organizador do volume das Cartas Chilenas, nas páginas pré-textuais
do livro:
Tenho uma dívida dessas que não há como pagar com os professores
Antonio Candido e Laura de Mello e Souza que confiaram no meu trabalho e
me honraram com a presente tarefa.
Agradeço a João Adolfo Hansem que generosamente me concedeu o
privilégio de sua leitura implacável. [...]
Naturalmente sou o único responsável pelos erros cometidos neste livro.
(GONZAGA, 2002)
No entanto, não há uma exclusividade de acadêmicos da USP. Aparecem
também como organizadores de volumes vários nomes ligados a outros centros
acadêmicos, como Flora Süssekind, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, e
Ronaldo Vainfas, do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.
Ao publicar a sua própria brasiliana , a Companhia vai se colocar, nas
palavras de Gustavo Sorá, na história da edição nacional. A publicação de brasilianas,
coleções que resgatam obras fundamentais para se entender o Brasil, é uma forma
tradicional de busca de legitimação de editoras em ascensão, ao mostrar que a questão
nacional é uma de suas preocupações. Heloisa Pontes, em ensaio sobre as coleções
brasilianas das décadas de 1930, 40 e 50, faz a seguinte observação sobre o motivo da
formatação desse tipo de coleção por diversas editoras, como a Companhia Editora
Nacional, a Livraria José Olympio Editora e a Livraria Martins Editora:
Mas se o lucro não é o motivo que explica a existência dessas coleções
(visto que a Brasiliana, por exemplo, continuou a ser editada até o início da
década de 70, apesar das condições materiais adversas), qual seria então a
sua razão de ser? Esta se encontra no lucro indireto que os editores e suas
editoras ganham com a sua publicação. Lucro este que pode ser traduzido
por meio do trânsito e da distinção que adquirem junto ao meio intelectual,
artístico, literário e editorial da época. (PONTES, 1988, p. 68)
73
Se concordarmos com a afirmação de Heloisa Pontes, podemos, por
analogia, especular que a Companhia, ao formatar essa coleção, estaria mais interessada em
se posicionar como editora que pensa o Brasil e valorizar o seu catálogo como um todo,
sem a preocupação de auferir lucros imediatos com a venda dos volumes da coleção.
Vale a pena observar que apesar de as obras originais terem sido produzidas
há mais de 70 anos elas são atualizadas e rejuvenescidas pela intervenção de acadêmicos
atuantes do presente. A coleção possui projeto gráfico de Victor Burton, que a fez num
formato de bolso, o que acabou tornando alguns volumes muito grossos. O seu formato
inusitado para uma brasiliana parece nos querer dizer que é uma brasiliana especial, que
resgata inclusive livros menores (figura 6).
Outra coleção que consta no catálogo da editora é a Literatura ou Morte.
Trata-se de coleção de textos ficcionais produzidos por encomenda a escritores brasileiros e
latino-americanos contemporâneos. A coleção lançou oito volumes, nos anos de 2000 e
2001. Não nos estenderemos agora na análise dessa coleção, pois, devido às suas
especificidades, ela vai ser abordada detalhadamente no próximo capítulo.
No exame das coleções da Companhia das Letras, podemos encontrar modos
diversos de estruturá-las, servindo quase como uma amostra de uma possível tipologia das
coleções. Uma delas, a Vida Cotidiana, feita por encomenda de obras de não-ficção, foi
formatada por editora estrangeira e publicada parcialmente pela Companhia. O Escritor e a
Cidade
coleção de encomenda que resultou em textos que estão na fronteira da ficção
com a não-ficção
foi concebida e realizada por editora estrangeira, mas a Companhia
participou com a produção de uma obra, que, inclusive, foi publicada pela outra editora. A
coleção Virando os Séculos
encomenda de ensaios históricos a pesquisadores brasileiros
foi concebida e realizada pela própria Companhia. Jornalismo Literário não é uma
coleção de encomenda: ela seleciona e publica textos de autores já existentes, brasileiros ou
não, que se encaixem em seu perfil, utilizando inclusive a figura do coordenador da
coleção, que não faz parte da equipe permanente da editora. Outra coleção, a Retratos do
Brasil, inspirada nas do tipo brasiliana, vai selecionar textos já existentes de autores
74
brasileiros e encomendar a membros da academia a organização de cada um dos volumes,
com notas explicativas e textos introdutórios; existindo inclusive um conselho editorial
responsável pela sua coordenação geral. Literatura ou Morte é uma coleção de encomenda
de obras de ficção a escritores brasileiros e latino-americanos, que inclusive foi publicada
posteriormente por editoras estrangeiras, como veremos no próximo capítulo em detalhes.
Portanto, temos vários tipos de opções de características combinadas em cada uma das
coleções: encomenda versus textos já existentes; concepção e realização próprias versus
concepção e realização de editora estrangeira; existência de coordenador ou conselho
editorial versus inexistência; gênero ficcional versus não-ficcional; autores nacionais versus
estrangeiros; existência de organizador por volume versus inexistência.
Apesar de não aparecer como uma coleção nos catálogos da editora, a série
de livros policiais da Companhia das Letras possui características semelhantes àquelas que
constituem uma coleção, como recorte temático e identificação visual própria. Na verdade,
extrapola os próprios limites da idéia de coleção, tornando-se verdadeira linha editorial ao
abarcar, como horizonte de publicação, todo um gênero ficcional: o romance policial. Essa
característica que associa a coleção a um gênero faz com que a decisão editorial, quase
sempre em comum acordo com o autor, de colocar ou não um livro na coleção, determine o
gênero pelo qual ele deve ser recebido. Uma obra de ficção que apareça na série policial já
tem a sua leitura condicionada a essa marca. Por outro lado, as ficções que estão fora da
única série de gênero da editora podem ser entendidas como literatura menos comercial
ou como apenas literatura.
Mas o que a série está classificando é o gênero da obra e não o do autor.
Existem casos de autores que possuem algumas obras incluídas na série policial enquanto
outras obras suas também publicadas pela Companhia ficam fora da série, como é o caso de
Tony Bellotto.
Na série policial foram publicados 67 livros até janeiro de 2004, escritos por
25 autores diferentes, sendo apenas três deles brasileiros: o músico de rock Tony Bellotto, o
ex-delegado Joaquim Nogueira e o filósofo Luiz Alfredo Garcia-Roza, que fez carreira
como professor universitário de Teoria Psicanalítica. A série tem identidade visual própria
75
(figura 7), que foi detalhadamente caracterizada pela professora Sandra Reimão em seu
livro Literatura policial brasileira no capítulo sobre a produção contemporânea de
narrativas policiais:
A coleção Série Policial não apresenta esta indicação na capa de seus
volumes (a série só é nomeada no verso da primeira folha), em
compensação, eles apresentam um projeto gráfico auto-evidente tanto no que
diz respeito ao gênero dos textos lá publicados quanto ao fato de
pertencerem a uma coleção. Trata-se de capas com fotografias em preto-ebranco, no geral, cenas noturnas ou esfumaçadas, nebulosas indiciando
climas de mistério, de ocultamento. Os títulos, impressos em branco, são
sobrepostos em uma das partes escuras da foto. Uma pequena faixa colorida
na parte superior dessas capas é o local onde se indica em branco o nome do
autor. A cor dessa pequena faixa é retomada na lombada e nas bordas das
páginas. Essa cor é variável em cada volume da coleção (amarelo, laranja,
vários tons de verde e azul), mas o padrão gráfico geral é repetido,
caracterizando claramente que se trata de uma coleção. (REIMÃO, 2005, p.
44 - 45)
Essa descrição refere-se ao último estágio de evolução do projeto gráfico da
série. A identificação visual própria surgiu no final da década de 1980, num momento em
que a Companhia das Letras já publicava literatura policial, mas ainda não a separava como
série. Na primeira formatação gráfica individualizada da série, o nome do autor não ficava
fixo no alto da página, nem as cores da faixa e da lombada eram retomadas nas bordas das
páginas. Essas modificações só foram introduzidas pelo responsável pelo projeto gráfico
João Baptista da Costa Aguiar, o mesmo responsável pelos logotipos da editora
a partir
do início da década de 2000, possivelmente como uma forma de manter a diferenciação em
relação a projetos gráficos de editoras concorrentes, que continuamente se inspiram nas
concepções gráficas da Companhia das Letras, pelo reconhecimento dessas como arrojadas
e inovadoras.
Dos 26 escritores estrangeiros publicados pela série, existem tanto escritores
contemporâneos
que representam a maioria , como outros que já não produzem mais.
Entre estes últimos, estão os grandes mestres do romance policial noir americano, como
76
Dashiell Hammett e James Cain. Cada um dos dois teve uma de suas obras mais
representativas incluída na série: a seleção de contos Continental Op, de Hammett, e O
destino bate à sua porta, de James Cain. Os dois funcionam como verdadeiros padrinhos da
série ao colocar seus nomes ao lado de outros escritores do gênero, emprestando a eles seus
prestígios. Informa-se ao possível leitor que as obras que eles produzem são de qualidade e
fazem parte do universo do romance noir, gênero policial no qual o crime surge na própria
margem da sociedade e o narrador relata aspectos exteriores e reações, ficando por conta
do leitor deduzir a partir desses dados (REIMÃO, 2055, p. 11 - 12). É a utilização da
estratégia de coleção, na qual um livro ajuda a vender o outro. Dashiell Hammett também
teve outras três obras publicadas pela editora, entre elas O falcão maltês, só que em série
própria dedicada somente a esse autor. O escritor com mais obras publicadas na coleção é o
americano Rex Stout, falecido em 1975, que teve publicadas oito das suas narrativas com
histórias do detetive Nero Wolfe.
Os autores estrangeiros contemporâneos de narrativas policias que fazem
parte da coleção são os americanos Lawrence Block
autor com o maior número de textos
publicados, no total de sete , John Dunning, Patricia Highsmith, Donna Leon, Harry
Kemmelman, Walter Mosley e Dennis Lehane; os britânicos Michael Dibbin, Frances
Fyfield, P. D. James e Morag Joss; os franceses Brigitte Aubert e Jean-Pierre Gattégno; o
cubano Leonardo Padura Fuentes; o espanhol Manuel Vásques Montalbán; e o sueco
Henning Mankell. A série prioriza o autor contemporâneo e faz um bom apanhado do que
há de mais representativo na literatura policial contemporânea mundial. Também são
escolhidas obras de autores que, apesar de fazerem parte do gênero, são bem aceitos pela
crítica literária, como Jean-Pierre Gattégno, Leonardo Padura Fuentes e Patricia Highsmith.
Vale a pena destacar a publicação dos textos de John Dunning, Edições perigosas e
Impressões e provas, nos quais o detetive protagonista também é um colecionador de livros
raros. Nas tramas, a busca maior não é pelo assassino, mas por grandes livros, pela alta
literatura. A editora, ao selecionar essas obras de Dunning para publicação, mais uma vez,
até de modo irônico, tenta conciliar a Companhia (o livro policial que tem potencial de
venda) com as Letras (que é o próprio objeto de fixação do detetive).
77
Em relação à literatura policial brasileira, são publicados apenas três autores,
todos contemporâneos, deixando de fora obras com características do gênero como alguns
romances de Rubem Fonseca e de Patrícia Melo, que são publicados pela editora fora da
série. O pouco número de obras e autores brasileiros publicados gera um paradoxo. Existe
uma encomenda implícita dirigida aos escritores brasileiros, feita pela editora, de narrativas
policiais. No entanto, a extensão numérica do resultado efetivamente publicado é mínima.
Tanto porque as editoras concorrentes disputam a publicação das mesmas obras quanto
pelas potencialidades literárias e mercadológicas exigidas pela Companhia das Letras. A
existência de uma produção contemporânea extensa de literatura policial fora do Brasil
com as possibilidades de vendas já verificadas no mercado original
também concorre para
que a Companhia das Letras não publique tanto os autores policiais nacionais.
O primeiro autor brasileiro a ter uma narrativa publicada na série foi Tony
Bellotto, nome já conhecido do público consumidor de cultura por integrar grupo nacional
de rock de prestígio. Ele lançou em 1995 Bellini e a esfinge, dois anos depois Bellini e o
demônio, e, em 2005, Bellini e os espíritos, todas as obras tendo como protagonista o
detetive Remo Bellini, seguidor dos detetives do noir clássico americano, como Sam Spade
e Philip Marlowe, e até de suas releituras mais recentes, como Lew Archer, criado por Ross
Macdonald, e Matthew Scudder, protagonista dos romances de Lawrence Block. Bellini
enfrenta os criminosos na noite de São Paulo em histórias repletas de ação e crítica social.
Apesar dos pouquíssimos sinais positivos da crítica literária, os livros de Bellotto tiveram
boa vendagem, aproveitando a publicidade gratuita que o nome público do autor angariava.
Joaquim Nogueira, que foi delegado na Polícia Civil de São Paulo por 12
anos, já lançou seu primeiro livro pela Série Policial da Companhia das Letras. Publicado
em 2001, Informações sobre a vítima trazia como protagonista o investigador Venício, que
também atua na cidade de São Paulo. No ano seguinte, lançou Vida Pregressa, também
tendo Venício como protagonista.
O professor universitário Luiz Alfredo Garcia-Roza,
o principal autor
nacional de literatura policial nos dias de hoje , segundo avaliação de Sandra Reimão
(REIMÃO, 2005, p. 45), teve seus cinco livros policiais publicados na série. O primeiro foi
78
O Silêncio da chuva, em 1996, no qual introduzia como protagonista o detetive Espinosa.
Em seguida, publicou Achados e perdidos, em 1998; Vento sudoeste, em 1999; Uma janela
em Copacabana, em 2001; e Perseguido, em 2003; todos com Espinosa como protagonista.
Anteriormente, Garcia-Roza teve livros sobre teoria psicanalítica lançados por outras
editoras, especializadas na área de psicanálise. Sandra Reimão também analisa a adesão ao
gênero policial por parte de Garcia-Roza ao passar a produzir obras de ficção:
Observe-se que não só há nos cinco romances de Garcia-Roza publicados
nessa coleção uma forte e explícita adesão ao gênero policial como também
a editora ao publicá-los nesta coleção e ao trabalhar o design de suas capas
salienta esta adesão. Essa explicitação valorativa do gênero, cremos, pode
ser vista como um sintoma de que o perfilar uma narrativa de um autor
nacional em um gênero de literatura de massa, no caso, o policial, não é
visto como um elemento desqualificador dessa narrativa; ao contrário, é
visto como um elemento a ser destacado. (REIMÃO, 205, p. 47)
Quanto à primeira parte da afirmação, sobre a editora reforçar a
caracterização dos textos como os de Garcia-Roza em um gênero específico ao incluí-lo na
série, concordamos plenamente e estendemos a todos os outros textos da série, como
falamos anteriormente. No entanto, em relação à segunda afirmação, de que ao formatar a
série, a Companhia das Letras acaba valorizando a literatura policial, vale a pena alguns
comentários. A editora ocupa posição central na publicação de livros de valor simbólico
alto, portanto ao formatar uma série com textos de determinado gênero está sinalizando que
aquele tipo de ficção tem valor literário. Por isso, a literatura policial fica valorizada por ser
objeto da editora, como se o prestígio da editora fosse emprestado à literatura policial. A
editora nesse sentido comunga com um movimento de valorização da literatura policial
sua incorporação à alta literatura
e
que se desenvolveu a partir da visão de alguns
críticos, desde o final da década de 1970, como Fredric Jameson e Linda Huchteon,
identificados com uma corrente que podemos chamar genericamente de pós-modernista, e
se solidificou com uma reescritura do romance policial por alguns ficcionistas de bastante
prestígio neste final de século como os argentinos Jorge Luis Borges e Ricardo Piglia, o
79
americano Paul Auster e o brasileiro Rubem Fonseca. Esse modo desierarquizante de se
produzir e analisar literatura traz ao gênero policial o status de literatura relevante,
rompendo os limites de alta e baixa literatura. Paradoxalmente, ao estabelecer uma
série especificamernte dedicada ao gênero, a editora acaba fazendo um movimento
hierarquizante em relação às obras ficcionais, separando novamente
alta e baixa
literatura, definindo o modo pelo qual essas obras devem ser lidas e reconhecidas.
Os três escritores brasileiros publicados na série praticamente estrearam
como autores de ficção na própria série. A marca de autor policial foi colocada apenas
em escritores iniciantes. A experiência pregressa deles, antes de se tornarem ficcionistas,
apontava a possibilidade de sucesso de seus livros. Joaquim Nogueira por ter tido
experiência concreta no meio policial. Garcia-Roza por ser professor universitário de
grande prestígio junto ao público acadêmico carioca. E Tony Bellotto por ser músico de
grupo de rock com boa vendagem e prestígio junto à critica.
Podemos identificar como característica comum dos textos policiais de
autores brasileiros publicados pela editora a tentativa de adaptar o romance noir americano
à realidade violenta das metrópoles brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo. Todos os
textos também se estruturam como pertencentes a séries independentes, dedicadas à figura
de um detetive: Bellini, Espinosa ou Venício. No caso de Espinosa e Venício, fazem parte
da polícia brasileira, e agem de forma bastante ética, criando um contraponto ao imaginário
em relação à polícia e apontando uma possibilidade de atuação. Desses escritores, o que
possui maior valorização da crítica literária é sem dúvida Garcia-Roza, mas sempre com a
menção que o valor está circunscrito aos limites do gênero.
Possuir uma série dedicada a livros policiais é uma estratégia comum na
história editorial brasileira. Nesse caso, a Companhia das Letras não está desbravando
nenhum caminho novo, mas se colocando lado a lado com a Editora Globo, de Porto
Alegre, que formatou a Coleção Amarela, ainda na década de 1930, e com o Grupo
Editorial Record, que lançou sua série policial intitulada Coleção Negra em época quase
simultânea à da série da Companhia.
80
Podemos concluir que a Companhia das Letras, ao mesmo tempo em que
inova em várias das suas estratégias e ações, segue várias trilhas já utilizadas por outras
editoras: formata tanto uma série policial quanto uma coleção do tipo brasiliana.
Vamos tentar agora analisar a numerosa parte do catálogo da editora
dedicada à ficção, excluindo a série policial, as coleções e os selos dedicados à literatura
infantil e infanto-juvenil. A primeira obra de ficção da editora foi o romance A graça de
Deus
do americano de origem judaica Bernard Malamud , publicado em 1986, primeiro
ano de funcionamento da editora. No exame do catálogo integral de abril de 2004,
conseguimos identificar a presença de cerca 480 obras ficcionais para adultos, entre
coletâneas de contos e de crônicas, romances e novelas, excluindo a série policial. Portanto,
praticamente um terço das publicações para adultos da editora é de ficção. Essas obras são
produzidas por 242 autores diferentes. Desses autores, apenas 41 são nacionais, cerca de
17% do total. Portanto, mais de 80% dos autores ficcionais publicados pela Companhia das
Letras são estrangeiros, percentual aproximado daquele que verificamos na análise dos
lançamentos.
Também corroborando a tendência verificada nos lançamentos de 2004, a
maioria dos autores estrangeiros que tiveram obras publicadas é contemporânea ou teve
suas obras produzidas a partir da década de 1960. Autores falecidos há mais de 70 anos,
com a obra já em domínio público, são minoria no catálogo de ficção estrangeira, sendo
Franz Kafka uma das raras exceções. Também, como já vimos na análise dos lançamentos
de ficção, a nacionalidade e origem cultural dos autores estrangeiros é bastante variada, não
havendo uma concentração exagerada de autores de cultura americana e européia. Assim, o
catálogo é bastante representativo da literatura contemporânea mundial.
A publicação de obras de ficção de autores estrangeiros tem relevância
quantitativa e qualitativa considerável tanto em relação ao universo de obras ficcionais
quanto ao total de obras publicadas. Os autores estrangeiros que fazem parte do catálogo,
além de possuírem bom potencial de vendas, estão em estágios diferentes de consagração
literária. Mesmo publicando obras com um nível diferenciado de qualidade literária,
segundo a apreciação da crítica jornalística e acadêmica, dificilmente a editora publica
81
autores estrangeiros produtores de best-sellers típicos, como Dan Brown e J. K. Rowlings,
esta última ligada à editora inglesa Bloomsbury, com vários projetos em comum com a
Companhia das Letras. Os best-sellers publicados pela editora são os romances de José
Saramago e Milan Kundera, uma espécie de best-seller literário, que une prestígio
intelectual com vendas excelentes.
A maioria dos autores estrangeiros do catálogo, principalmente os mais
recentes, tem poucas obras publicadas. Muitos deles são autores que receberam algum tipo
de premiação e ao mesmo tempo atingiram razoável nível de vendas nos seus países de
origem. Além de Kafka, com nove obras, alguns dos escritores que têm maior número de
obras publicadas até 2004 são: Louis Begley (seis obras), Paul Auster (seis obras), Ítalo
Calvino (15 obras), o americano Don DeLillo (cinco obras), Milan Kundera (seis obras), V.
S. Naipul (sete obras), José Saramago (11 obras), Amós Oz (sete obras), Philip Roth (seis
obras) e John Updike (dez obras). Considerando estes 11 autores pelo número de textos
publicados como uma amostra representativa da ficção estrangeira lançada pela editora,
daremos um pequeno sobrevôo sobre eles e suas obras, para entendermos melhor o
catálogo da Companhia.
Louis Begley nasceu na Polônia em 1934 e se radicou nos Estados Unidos
ao final da Segunda Guerra Mundial. Começou a escrever tardiamente e a sua obra
consegue bastante sucesso de vendas a partir da década de 1990, especialmente o bestseller Sobre Smith. Seus livros buscam um aprofundamento psicológico dos seus
personagens que seria inimaginável num típico best-seller. Apesar de não trazerem nada de
realmente novo, seus livros são muito bem aceitos pela crítica americana e são
contemplados com prêmios de variadas importâncias. Eles começaram a ser publicados
pela Companhia das Letras já na década de 1990. Os últimos volumes passaram a receber
um tratamento gráfico específico. Aparece aqui uma outra forma da editora agrupar livros:
séries de autores. Ou seja, determinados autores merecem concepção gráfica especial para
os seus livros, que passam a formar um grupo identificável dentro do universo do catálogo
da editora, como uma série ou coleção.
82
O americano Paul Auster, nascido em 1947, se firmou na literatura na
década de 1980, depois de se formar em Letras na Universidade de Columbia, publicar
poesias e traduções de poetas franceses e passar vários períodos fora dos Estados Unidos.
Ainda nessa década, começaram a sair traduções de sua obra no Brasil pela Editora Best
Seller, conseguindo grande prestígio no meio acadêmico, mas sem atingir um número de
leitores razoável. A partir do final da década de 1990, a Companhia das Letras passou a
publicar as suas obras, inclusive reeditando alguns textos que tinham sido lançados pela
Best Seller, como A trilogia de Nova York. Até abril de 2004, a editora tinha lançado seis
volumes, mas sem tratamento gráfico específico. Em seguida, lançou mais dois volumes da
sua obra, fazendo um esforço considerável de divulgação, com a vinda do autor ao Brasil.
Estes dois últimos livros também receberam tratamento gráfico individualizado, contando
inclusive com sobrecapa em papel especial, num esmero de qualidade no acabamento do
produto, indicando ao possível leitor que o conteúdo também seria especial. São
lançamentos bastante sintonizados temporalmente com a produção do artista: o intervalo de
tempo entre a publicação nos Estados Unidos e no Brasil não chega a ultrapassar um ano.
O escritor italiano Ítalo Calvino nasceu em Cuba, em 1923, falecendo em
1985, um ano antes da fundação da Companhia das Letras. Consagrado como um dos
maiores escritores do século XX, produziu uma obra que se afasta bastante das concepções
realistas de literatura, aproximando-se da fábula e do fantástico. Seus livros vêm sendo
publicados pela Companhia desde 1990, com As cidades invisíveis. Além de 15 textos de
ficção, a editora publicou dois textos ensaísticos e uma narrativa infanto-juvenil,
totalizando uma parte considerável da sua vasta obra, iniciada em 1947. Desde o início, os
livros do autor publicados pela Companhia das Letras já possuíam uma identidade visual
própria, constituindo-se desde sua origem como uma série de autor. Em 2003, a concepção
gráfica foi totalmente reformulada. A partir disto, lançamentos ou reedições dos textos de
Calvino passaram a ter nova roupagem. A nova concepção gráfica é simples e bastante
significativa. O título do livro, os nomes da editora, do autor e do tradutor aparecem na
capa por meio uma recriação da notação bibliográfica da primeira edição da obra pela
Companhia das Letras (figura 8). Entre várias mensagens que podemos ler nessa figura,
83
duas nos parecem as principais. Uma é que se trata de obra clássica e de prestígio
acadêmico, merecendo aparecer, portanto, descrita na forma de notação bibliográfica. A
outra é que a data da primeira publicação da tradução brasileira do texto pela editora é
significativa, funcionando como uma nova certidão de nascimento da obra; no caso de As
cidades invisíveis, a primeira edição italiana (Le città invisibli) é de 1972 e a primeira
edição da Companhia das Letras é de 1990, com tradução de Diogo Mainardi. É evidente o
tratamento especial que a editora concede à obra de Ítalo Calvino, justificado não só pelas
vendas permanentes que seus textos proporcionam, implicando em reedições, como
também pelo prestígio literário que Ítalo Calvino confere àqueles que perfilam ao seu lado
no catálogo da editora.
A obra de Franz Kafka, publicada quase integralmente pela Companhia,
totaliza nove volumes, possuindo inserção bem semelhante à de Calvino no catálogo da
editora em relação ao cuidado editorial e à existência desde o início de identidade gráfica
específica. Por esse conjunto de obras ser de domínio público, existe uma maior
disponibilidade de edições brasileiras publicadas por outras editoras, havendo a
necessidade de um diferencial para superar os concorrentes. Além das qualidades técnicas
de produção editorial, o item que a Companhia apresenta como o diferencial de suas
edições da obra de Kafka são as traduções de Modesto Carone, realizadas diretamente do
original alemão. Essas traduções já tinham sido anteriormente publicadas pela Brasiliense,
a partir de 1983, mas Schwarcz conseguiu trazê-las para sua editora, apesar de duas obras,
ainda em 2005, permanecerem também no catálogo da Brasiliense. Na Companhia das
Letras, Kafka é o único ficcionista estrangeiro do início do século XX que tem um número
considerável de textos publicados. A obra de Kafka possui mercado garantido no Brasil
especialmente pela demanda das universidades. Ao mesmo tempo, a publicação de sua obra
funciona como uma espécie de apadrinhamento da ficção produzida pela editora.
José Saramago
o autor português de maior prestígio literário e de maior
capacidade de vendas, tendo recebido o Prêmio Nobel de Literatura de 1998
é também o
romancista estrangeiro com o maior número de obras publicadas pela editora até abril de
2004, totalizando 11. Os seus primeiros livros de grande repercussão, Levantando do Chão
84
e Memorial do Convento, foram publicados no Brasil no início da década de 1980 pela
Editora Difel. Com o surgimento da Companhia das Letras, ela passou a publicar seus
novos lançamentos
começando com O ano da morte de Ricardo Reis
e as obras que não
tinham ainda saído no Brasil. Seus livros já começaram a ser lançados com concepção
gráfica individualizada, apesar de não se diferenciarem muito do padrão dos livros da
editora. A partir de 2000, já tendo recebido o Prêmio Nobel, a concepção gráfica foi
reformulada, ficando a série com uma imagem ainda mais destacada, incluindo na capa um
logotipo especial da editora que remete ao prêmio Nobel. A publicação das obras de José
Saramago consolidou-se como mais um sucesso literário e comercial da editora.
O escritor Milan Kundera, nascido na República Tcheca em 1929 e radicado
na França a partir de 1975, teve sua obra publicada no Brasil inicialmente pela Editora
Nova Fronteira, a partir da década de 1980, motivada especialmente pelo grande sucesso de
A Insustentável leveza do ser. Em 1998, suas obras começaram a trocar de catálogo para a
Companhia das Letras, que publicou cinco livros até abril de 2004. A obra de Kundera na
nova editora mereceu tratamento gráfico exclusivo, sob responsabilidade de João Baptista
Aguiar, que utiliza na capa reproduções de litogravuras de Lasar Segall, artista brasileiro
nascido na Europa Oriental.
O israelense Amós Oz e V. S. Naipul (nascido em 1932, em Trinidad, de
família hindu) são, entre aqueles autores não pertencentes à matriz européia e americana, os
que possuem mais obras publicadas pela Companhia das Letras. Esses dois autores, que
estão no início do século XXI em plena produção literária, têm as suas obras publicadas
regularmente pela editora. Os sete romances e três ensaios de V. S. Naipul e os sete
romances de Amós Oz lançados pela editora têm também concepção gráfica própria para
cada um dos autores.
A constituição de série autoral específica e a publicação de várias obras de
autores em fase de legitimação, como no caso desses dois últimos e de Louis Begley,
mostra que a editora não espera uma consagração definitiva para dar um tratamento
especial a determinados autores; pelo contrário, a editora não se furta a ela mesma
85
consagrar determinados autores no mercado editorial brasileiro com o seu tratamento
diferenciado.
Um trio de consagrados escritores americanos, formado por John Updike,
Don DeLillo e Philip Roth, todos nascidos na década de 1930 e ainda em atividade no
início do século XXI, tem também a sua obra costumeiramente publicada pela editora
desde o final da década de 1980. Nenhum dos três mereceu uma identidade visual própria
para seus romances, mas trazem consigo uma garantia de boa vendagem, que vem atrelada
ao seu prestígio no exterior. A associação desses nomes ao da editora ainda não empresta
necessariamente prestígio ao catálogo, mas as suas obras se sustentam comercialmente, o
que pode ser comprovado pelos repetidos lançamentos e reedições.
Quanto à ficção de autores nacionais, a editora tem no seu catálogo de 2004
registrados apenas 41 autores brasileiros de obras de ficção adulta. Número bastante
pequeno, se compararmos aos 141 autores estrangeiros de ficção registrados no mesmo
catálogo. No entanto, como já afirmamos anteriormente na análise dos lançamentos, o
prestígio desses autores junto à crítica é enorme. Estão no catálogo da editora vários dos
principais escritores brasileiros do final do século XX e início do XXI, já que, assim como
em relação à ficção estrangeira também em relação à ficção nacional, são privilegiados os
autores contemporâneos. São estes os 41 escritores brasileiros que publicam obras de ficção
pela editora: Caio Fernando Abreu, Machado de Assis, Amilcar Bettega Barbosa, Bernardo
Carvalho, Ruy Castro, Rubens Figueiredo, Rubem Fonseca, Milton Hatoum, Mario Filho,
Vinicius de Moraes, Eric Nepomuceno, Nelson de Oliveira, João Inácio Padilha, Domingos
Pellegrini, Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues, Sérgio Sant Anna, Moacyr Scliar,
Antonio Carlos Vianna, Elvira Vigna, Valêncio Xavier, Jean-Claude Bernadet, Arnaldo
Bloch, Antonio Fernando Borges, Ivan Ângelo, Chico Buarque, Modesto Carone, Carlos
Heitor Cony, Francisco Dantas, Ivan Lessa, João Gabriel de Lima, Osman Lins, Paulo Lins,
Luis Fernando Verissimo, Michel Laub, Diogo Mainardi, Patrícia Melo, Raduan Nassar, Jô
Soares, Flávio Souza e Zulmira Ribeiro Tavares.
Além de Tony Bellotto, Joaquim
Nogueira e Garcia-Roza, que são citados na série policial, estão fora dessa relação autores
86
como João Gilberto Noll e José Roberto Torero, que publicaram alguns volumes pela
Companhia das Letras e hoje fazem parte do catálogo de outras editoras.
Desses autores, apenas Machado de Assis, Nelson Rodrigues e Osman Lins
tiveram textos seus publicados pela Companhia somente após seu falecimento. Machado de
Assis teve publicada apenas uma coletânea de contos pela editora, em 1998, com
organização de John Gledson, sendo o único autor nacional com a obra já em domínio
público que foi publicado pela editora. Apesar de coletâneas dos contos de Machado serem
artigo fácil nas prateleiras das livrarias, a que foi lançada pela Companhia das Letras tem
uma especificidade: foi organizada por um dos principais especialistas na obra de Machado
de Assis, o inglês John Gledson, com extensa obra publicada no Brasil e Inglaterra sobre a
obra de Machado de Assis e outros autores brasileiros canônicos.
O teatrólogo, jornalista, cronista e ficcionista Nelson Rodrigues, nascido em
1912, no Recife, e falecido em 1980, no Rio de Janeiro, mereceu da editora a formatação de
duas coleções com suas obras não-teatrais. A chamada coleção Obras de Nelson Rodrigues,
coordenada pelo jornalista Ruy Castro, publicou, até maio de 2002, 12 volumes contendo
contos, crônicas, memórias e outros textos em prosa. A publicação desses textos envolveu
um minucioso trabalho de pesquisa e seleção para a organização dos volumes, promovendo
a publicação em livro de muitos textos que só haviam sido publicados em jornal. A coleção
tem uma identidade visual própria, também concebida por João Baptista Aguiar, e chega a
ser numerada, deixando claro que se trata de uma série de livros. Ruy Castro também
coordenou a publicação de folhetins escritos por Nelson sob o pseudônimo de Suzana Flag.
Em 2002, começou a ser publicada a coleção Baú de Nelson Rodrigues, sob a coordenação
do professor Caco Coelho, que também engloba textos inéditos em livro, a partir de
pesquisa nos periódicos em que foram publicadas as versões originais. O primeiro volume
da coleção, o romance A mentira, possui, além de posfácio do coordenador, um prefácio do
filósofo Gerd Bornheim, que funciona como um legitimador do valor cultural do romance
de Nelson. Nessa coleção também foram publicados textos que inicialmente apareceram em
jornais sob o pseudônimo de Myrna. A Companhia das Letras ao se decidir pela publicação
da obra não-teatral não se envolve na disputa pela fatia mais consagrada da obra de Nelson,
87
o que diminui os gastos com os direitos dessas obras. Os custos com os direitos das obras
publicadas foram bem menores, aos quais, no entanto, se somam os gastos com os
coordenadores e suas eventuais equipes de pesquisa. A editora não opta por dar um novo
tratamento a obras já publicadas de Nelson Rodrigues. Ela consegue simultaneamente
agregar um autor clássico da literatura nacional ao seu catálogo e publicar obras inéditas
desse autor. Podemos dizer também que a editora dá às crônicas, contos, romances e
folhetins de Nelson Rodrigues um tratamento de obra literária, que as outras editoras só
concediam às suas obras teatrais.
O escritor pernambucano Osman Lins, nascido em 1924 e falecido em 1978,
forma a tríade, junto com Nelson e Machado dos três escritores brasileiros que apenas
tiveram obras publicadas pela Companhia das Letras postumamente. Osman Lins é um
autor de extremo prestígio junto aos quadros acadêmicos da USP, possuindo resenhas
críticas extremamente elogiosas de João Alexandre Barbosa, Leyla Perrone-Moisés e
Antonio Candido, o que de certa forma explica a posição de destaque que sua obra tem na
editora. Duas de suas obras de maior prestígio foram publicadas pela editora na década de
1990: o conjunto de narrativas intitulado Nove, novena, que tinha sido publicado
inicialmente em 1966 pela Editora Martins, e o romance Avalovara, lançado em 1973 pela
Editora Melhoramentos. Em 2005, a Companhia relançou o romance Rainha dos cárceres
da Grécia, de 1976, e reeditou as duas outras obras citadas
todas elas agora com um
tratamento gráfico especial. No prefácio dessa sexta edição do Avalovara, escrito por
Antonio Candido, podemos observar um pouco do prestígio que a obra, pelas suas
características inovadoras, possuía especialmente junto aos acadêmicos uspianos:
Romance? Poesia? Tratado da narrativa? Visão do mundo? No universo sem gêneros
literários da literatura contemporânea, o livro de Osman Lins se situa numa ambigüidade
ilimitada (CANDIDO, 2005).
Outro importante escritor brasileiro que não continua em atividade no início
do século XXI, mas que faz parte do catálogo da editora é o escritor gaúcho Caio Fernando
Abreu, nascido em 1948 e falecido em 1996. Ele publicava inicialmente seus textos de
forma alternativa ou por editoras de menor porte, mas a partir do início da década de 1980
88
passou a ser editado pela Editora Brasiliense, inclusive com reedições de suas obras já
publicadas anteriormente de forma marginal. Com a fundação da Companhia das Letras e o
declínio da Brasiliense, ele segue Schwarcz e lança pela nova editora já em 1988 a
coletânea de contos Os dragões não conhecem o paraíso, que ganhou o prêmio Jabuti. Pela
Companhia, ele ainda publicaria dois livros inéditos: o romance Onde andará Dulce
Veiga?, em 1990, e seu último projeto literário, o livro Estranhos Estrangeiros, lançado
pouco depois de sua morte prematura. A Companhia das Letras ainda reeditou, em 1995, o
romance Morangos mofados, publicado inicialmente pela Brasiliense, em 1980, e a
coletânea de contos Pedras de Calcutá, publicado inicialmente em 1977, e relançado pela
Companhia em 1996, alguns meses depois da sua morte.
A presença de Caio na Companhia das Letras revela na prática a relação de
continuidade entre ela e a Brasiliense. Mesmo com projetos editoriais diferentes, alguns
autores que eram publicados pela Brasiliense, como Caio e Kafka
e seu tradutor Modesto
Carone , passaram para o catálogo da nova editora. O caso Caio também serve de exemplo
de um autor que estava em plena atividade literária quando começou a ser publicado pela
Companhia e que, com seu falecimento, e a prematura interrupção da sua produção
literária, passa a ter uma nova forma de consagração e legitimação de sua obra, inclusive
com a publicação por outras editoras de textos críticos, biográficos e de sua
correspondência. Caio passa em pouco tempo de autor em atividade com obra em
desenvolvimento e em fase de aumento do reconhecimento da crítica para autor do passado
com uma fortuna crítica e consagração como autor literário em desenvolvimento ainda mais
acelerado. Essa mudança corresponde também a uma função diferente que o autor vai ter
no catálogo da editora. Enquanto estava em atividade, suas novas obras tinham um enorme
potencial de vendas. As reedições de suas obras têm um potencial de venda menor, porém
mais previsível. Ao mesmo tempo, sua presença no catálogo empresta às outras obras um
quinhão do seu prestígio. Podemos inclusive imaginar que, por um envelhecimento dos
autores brasileiros que a Companhia publica, daqui a mais 20 anos o perfil do seu catálogo
de literatura brasileira, formado hoje em grande parte por obras de autores do presente,
passará a ser um catálogo com muitas obras de autores de um passado recente.
89
Os autores brasileiros contemporâneos que publicam ficção pela Companhia
das Letras, devido à sua importância no catálogo da editora, serão estudados à parte
no
subcapítulo 2.4, intitulado Os escritores da Companhia . Nesse estudo será feita uma
mudança de abordagem, que não levará em conta somente o significado da escolha de
determinados autores pela editora e como ela organiza no seu catálogo as produções desses
autores. Pela proximidade espacial e temporal entre a Companhia das Letras e esses
escritores, analisaremos o que essa editora pode trazer de mudança na produção e no
desenvolvimento de suas carreiras.
Deixando a ficção para trás, nos deteremos agora na produção poética
publicada pela Companhia. A poesia foi um dos focos iniciais da editora, mas acabou por
ocupar lugar limitado no catálogo, com 54 títulos lançados até abril de 2004. Nos primeiros
anos da editora até o início da década de 1990 foram publicados vários volumes bilíngües
de coletâneas de poemas de grandes poetas americanos e europeus do século XX, como
William Carlos Willians, W H. Auden, Elyzabeth Bishop, W. B. Yeats, Marianne Moore,
Rainer Maria Rilke, Wallace Stevens, entre outros. Tratava-se de uma coleção com
identidade visual própria, que tinha como tradutores José Paulo Paes e Paulo Henriques
Britto, entre outros. Os volumes quase sempre possuíam notas explicativas e textos
introdutórios de responsabilidade dos próprios tradutores ou de algum estudioso da obra do
poeta. Pouco a pouco a editora foi deixando a publicação de poesia de língua estrangeira de
lado, que passou a ter presença residual nos lançamentos da editora a partir de finais da
década de 1990. Em relação à poesia portuguesa, a sua presença no catálogo da editora
praticamente se resume à obra poética de Fernando Pessoa, que é publicada em volumes
com identidade visual própria e com textos introdutórios produzidos por uma edição
portuguesa.
A publicação de poesia brasileira também nunca foi privilegiada na editora,
fora a presença de alguns volumes da poesia de Vinícius de Moraes e da de Augusto de
Campos. Mas a análise dos lançamentos de 2004, como vimos, revela que pelo menos
nesse ano o lançamento de livros de poesia brasileira, ao contrário da estrangeira, marca
presença, tendência que poderá ser comprovada ou não nos próximos anos. Os lançamentos
90
de 2004 revelam que a editora vem publicando alguns poetas brasileiros contemporâneos,
como Paulo Henriques Britto e Carpinejar, ambos com crescente prestígio junto à crítica.
Em relação às obras de não-ficção do catálogo da editora, não
ultrapassaremos os comentários já realizados anteriormente na análise dos lançamentos e
das coleções, devido aos limites, em todos os aspectos, desta tese.
Antes de terminarmos este subcapítulo, examinaremos também o catálogo de
obras infantis e juvenis da editora, publicadas respectivamente pelos selos Companhia das
Letrinhas e Cia. das Letras.
O selo Companhia das Letrinhas foi criado em 1992 para editar livros
infantis, com o objetivo, segundo Luiz Schwarcz, de
editar livros afinados com a
sensibilidade infantil, capazes de mobilizar na criança sua capacidade cognitiva, seus
desejos de auto-expressão, sua necessidade de ir organizando o mundo; livros que sejam
para elas uma experiência cada vez mais perceptível de independência. (NEVES, 2003, p.
3-4). Ou seja, uma proposta de formar novos leitores desde cedo, leitores que no futuro
terão uma capacidade crítica de escolherem livros de qualidade
que poderiam ser os
livros do selo principal da editora.
A Companhia das Letrinhas publica tanto livros infantis de autores que
também escrevem para adultos, como Érico Verissimo e Moacyr Scliar, como autores que
privilegiam a literatura infantil, como Maria Clara Machado e Ruth Rocha. Publica tanto
autores contemporâneos como do passado, tanto autores nacionais como estrangeiros.
Foram lançados inclusive dois livros escritos pelo próprio editor Luiz Schwarcz: Minha
vida de goleiro e Em busca do tesouro da juventude, este último baseado nas experiências
de leitura do editor na sua infância. Esse selo é estruturado principalmente por coleções,
como a coleção Memória e História, com narrativas de memórias de infância; a coleção
Profissões, com depoimentos para as crianças de profissionais que se destacaram em suas
atividades, como o cientista Marcelo Gleiser e o guitarrista Tony Bellotto; e uma coleção
de livros ilustrados dedicados à adaptação de clássicos da literatura com apelo para crianças
e adolescentes, como 20.000 léguas submarinas, Os três mosqueteiros, Drácula e Viagens
de Gulliver. São publicados prioritariamente livros de ficção, mas mesmo as obras não-
91
ficcionais valorizam bastante o texto, fugindo do didatismo, podendo ser consideradas
literatura infantil , num sentido mais amplo.
Publicar livros para o público infantil pode ser visto como estratégia para
formar o seu público do futuro e tentativa de atingir um público em si que se expandiu
enormemente no início da década de 90, principalmente pelo incremento das compras
governamentais. Em 1982, segundo a pesquisadora Tânia Pellegrini, 12 milhões de
exemplares eram destinados às crianças, cerca de 20% de toda produção na área de
literatura; no início dos anos 90 esses números atingiram 60 milhões anuais
(PELLEGRINI, s/d, p.7).
O selo Cia. das Letras surgiu em 1994, publicando livros de ficção e não-ficção
voltados inicialmente para o público juvenil, englobando pré-adolescentes e adolescentes.
O público-alvo é de idade inferior aos jovens que a Editora Brasiliense introduzia na leitura
na década de 1980. A Cia. das Letras faz a transição do leitor infantil da Companhia das
Letrinhas para o leitor adulto da Companhia das Letras, sendo que alguns dos seus livros
podem atingir também o público adulto. É bom mencionar que quando grafamos Cia. das
Letras estaremos sempre nos referindo ao selo para o público jovem e não abreviando o
nome da editora.
Esse selo, ao contrário da Companhia das Letrinhas, não agrupa tanto os seus
livros em coleções. Mas são publicadas algumas coleções, como a Desventuras em Série,
sucesso contemporâneo da literatura infanto-juvenil inglesa, escrito por Lemony Snicket; a
Mortos de Fama, com biografias de mortos ilustres , como Einstein e Isaac Newton; e a
Contos e Lendas, com folclore e mitologia de todo o mundo. Todas são coleções
formatadas por editoras estrangeiras que a Cia. das Letras publica no Brasil.
Um dos grandes sucessos do selo é a série Guia dos Curiosos, concebida e
escrita pelo jornalista Marcelo Duarte, na qual cada volume traz uma infinidade de
informações que podem atingir a curiosidade do jovem em diversos temas. Mas a maior
parte do catálogo é dedicada à literatura, tanto nacional quanto estrangeira, em livros fora
de coleção. O maior sucesso de vendas do selo é O Mundo de Sofia, publicado em 1995,
escrito pelo norueguês Jostein Gaarder, que desenvolve
92
nesse e em outros romances
uma espécie de literatura do conhecimento, na qual o texto, sem deixar de ser ficção, tem
fins de transmissão de um conhecimento compartilhado, no caso do Mundo de Sofia a
história da filosofia. Cada capítulo funciona como se fosse uma lição sobre a história da
filosofia. O livro recebeu o prêmio Monteiro Lobato da Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil
FNLIF, na categoria Tradução/Jovem.
Quanto à ficção nacional, o selo Cia. das Letras publica Elvira Vigna, Ruy
Castro, Ecléa Bosi e Moacyr Scliar, que também são publicados no selo principal. A Cia.
das Letras não parece funcionar como um laboratório de testes para um autor menos
experiente posteriormente ser publicado para adultos. Pelo contrário, esses autores já eram
publicados pelo selo principal quando receberam encomendas para publicar no selo para
jovens. Foram lançadas também obras de ficção dos seguintes autores nacionais até 2004:
Pedro Cavalcanti, Rosana Rios, Eliana Martins, Furio Lonza, Pauline Alphen, Anna Flora,
Ricardo Azevedo, Flávio de Souza, Heloísa Prieto e Reinaldo Moraes. Muitos desses
autores têm a sua ficção para o público adulto publicada por editoras de menor expressão.
O selo, portanto, não funciona como uma porta de entrada para um autor iniciante aspirar
fazer parte do catálogo principal da Companhia das Letras.
A análise de textos de um dos autores publicados pela Cia., Reinaldo
Moraes, pode explicar semelhanças e diferenças da proposta desse selo com a da Editora
Brasiliense na década de 1980. Reinaldo publicou em 1981 o romance Tanto faz, pela
coleção Cantadas Literárias, da Editora Brasiliense. O seguinte trecho do livro sintetiza que
tipo de literatura fazia, influenciada pelos beats e pela arte pop norte-americana:
Shot: uma garota sentada na minha frente, um pé sobre a almofada do sofá,
coxas abertas, um copo de tinto encaixado no cavalo do jeans, e os dedos
longos tamborilando distraidamente nas bordas do copo. As multi-Marilyns
do Warhol me piscam cúmplices, as safadas.
Alguém comentando do meu lado que a fulana é tão chata que devia ser
expulsa do sexo feminino. Trata-se de uma bicha que me cutuca o tempo
todo com seus olhares. Todo mundo fofoca, em várias línguas. A bicha puxa
um assunto qualquer comigo. É um travesti brasileiro amigo da Syl que faz a
vida em Pigalle, mas que está à paisana agora. Me explica que dá pra tirar
até 600 francos por dia, uma moleza. Pô, comento, tem muito bolsista por aí
93
que se soubesse disso largaria a comedida masturbação acadêmica pelo
franco meretrício. O travelô me pergunta in cold blood:
E você, meu bem? pondo a mão no meu joelho Afinal de contas, és
bofe ou boneca?
Syl me olha sorrindo. Ofereço como resposta a primeira coisa que me
passa pela cabeça:
Eu? Sei lá... acho que sou apenas um modesto funcionário do meu desejo.
(MORAES, 1981, p. 77)
Essa linguagem extremamente despojada e a abordagem nada moralista não
se adequariam à proposta do selo Cia. das Letras, que tem como principal horizonte de
sucesso comercial as compras governamentais para a rede pública de ensino. O livro que
Reinaldo Moraes vai publicar pela Cia. das Letras em 2003, A órbita dos caracóis, conta a
história de Juliana, uma garota paulistana que se vê numa trama policial, que envolve a
ameaça de um desastre nuclear. É um romance para o público jovem bem mais comportado
tanto esteticamente quanto moralmente do que o Tanto faz, como podemos observar neste
trecho:
Nada acontece nessa viela deserta no centro da cidade. Ela apenas serpenteia
entre fundos chapados de prédios, quase todos com portas de garagem, e
mais nada digno de nota, se o seu olhar já estiver cansado dos mesmos
hieróglifos analfabetos pichados pela cidade. Não querem dizer nada, essas
pichações puramente gráficas, nada além de um "estive aqui" ou "eu existo".
O cara só quer apontar para algo na cidade e dizer para si mesmo: fui eu que
fiz. Narcisismo anônimo de cidade grande. (MORAES, 2003, p. 9)
No catálogo unificado dos selos Cia. das Letras e da Companhia das
Letrinhas publicado em 2004 dá-se destaque às inúmeras premiações que suas obras
obtiveram na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) em diversas
categorias, como tradução, criança, jovem, poesia e informativo. A FNLIJ é uma
organização não-governamental que serve como orientador de compras para escolas e
bibliotecas públicas e privadas. Vale destacar que os livros para os públicos infantil e
juvenil têm como grande comprador o governo, mas no atual sistema de compra pública de
94
livros didáticos o poder de decisão de compra fica pulverizado na mão dos professores da
rede pública de ensino. Portanto, além do catálogo, também são produzidos uma revista,
com sugestões e orientações de leitura, e um espaço especial no site da editora dedicado ao
professor, elemento fundamental na compra do livro infantil e juvenil no Brasil.
Após o mergulho no catálogo da editora, nos dedicaremos agora à figura
decisiva na formação desse catálogo: Luiz Schwarcz, o editor-proprietário da Companhia
das Letras.
2.3. O editor da Companhia
Em novembro de 2004, entrevistei o editor Luiz Schwarcz na sede da
Companhia das Letras na cidade de São Paulo. Neste capítulo, serão transcritos alguns
trechos da entrevista. Os poucos minutos que fiquei aguardando Schwarcz, num espaço
compartilhado por outros membros da equipe, já foram suficientes para observar a posição
relevante da Companhia das Letras em relação à literatura brasileira contemporânea: além
de existir uma profusão de livros de autores brasileiros visíveis por toda a parte, da
Companhia e de outras editoras, a todo o momento eram feitos comentários sobre o
andamento do último texto de Paulo Lins ou de Bernardo Carvalho. A entrevista em si
mostrou um editor que tem bastante domínio sobre o acervo produzido pela sua editora e
uma visão bastante clara sobre os objetivos e resultados do seu empreendimento. Schwarcz
analisa assim as suas intenções ao fundar a editora:
95
Saí da Brasiliense com a idéia de criar uma editora de qualidade em todos os
aspectos que envolvem a criação do livro. Uma editora literária em que a
qualidade literária fosse o princípio. Mas que essa qualidade se estendesse
aos outros itens que compõem o livro, desde o aspecto gráfico até a
abordagem comercial e promocional. Eu imaginava uma editora de poucos
encalhes e que fosse uma editora de catálogo, na qual os livros durariam no
catálogo, sem abrigar livros com características de best-seller. A trajetória de
sucesso comercial da Companhia das Letras foi superior ao que nós
esperávamos. A editora teve que se esforçar para acompanhar seu sucesso
comercial. Nós sempre tentamos organizar a editora para dar conta da
receptividade do produto que lançávamos, que veio muito rápida.
A intenção de Luiz Schwarcz, portanto, era criar uma editora diferenciada,
em que a qualidade do texto fosse a mola propulsora, mas que atingisse todos os outros
componentes do livro. Produzir e vender livros de qualidade seria o negócio da editora.
Não pretendia editar livros que tivessem grandes vendas rápidas, mas livros que
permanecessem durante um bom tempo no catálogo da editora vendendo razoavelmente
bem durante um bom tempo. Apesar de não permitirem grandes tiragens iniciais, livros
desse tipo possibilitam sucessivas reedições, o que traz ganhos de escala. Essa é uma
estratégia editorial bem definida, que evitava grandes riscos, já que escolhia textos de
qualidade literária com um público em princípio restrito, mas garantido. A surpresa foi o
tamanho desse público exigente literariamente, que acabou por gerar um sucesso comercial
acima das expectativas. Quando Schwarcz fala em ser uma editora literária, ele não está se
referindo especificamente à ficção, à poesia ou ao teatro, mas sim à qualidade literária do
texto, tanto que a editora teve como foco inicial textos ensaísticos de qualidade literária,
que afastavam-se de um discurso científico mais rígido, como Rumo à estação Finlândia,
de Edmund Wilson, e Tudo que é sólido desmancha no ar, de Marshall Berman.
A Companhia, segundo o seu editor, organiza suas publicações por meio de
séries. Essas séries podem ser mais formais, como as coleções e as séries com identificação
visual própria, ou informais, como conjuntos de obras que possuem alguma conexão entre
si. Há uma grande valorização da conexão interna do catálogo, como vimos no subcapítulo
anterior, que daria na verdade um sentido, uma direção para o leitor:
96
A editora já foi pensada para funcionar em séries. Começou com livros de
não-ficção, que não tinha o nome de uma série. Mas eles tinham uma
identidade própria, tanto visualmente quanto nos critérios de escolha dos
livros. Eram livros que tinham uma proposta literária do tratamento da nãoficção e que quase sempre tinham característica de interdisciplinaridade. Na
concepção editorial da Companhia das Letras o catálogo funciona como uma
família. Os livros não funcionam isoladamente. A minha idéia de catálogo é
algo que você apresenta ao leitor como uma proposta de editora que tem
uma filosofia, uma continuidade, que um livro leva ao outro. [...] A editora
que não busca isso acaba virando uma empresa sem identidade e o trabalho
de edição perde o vínculo com o que foi feito no passado e o que será feito
no futuro. A editora vira um saco de oportunidades, não construindo uma
marca. Esta editora viveria mais na função comercial do que na função
editorial. [...]
Essa concepção da editora
com seu catálogo
como organizadora de
sentido da produção do conhecimento revela o papel intelectual ativo e o verdadeiro
negócio do editor. A missão da empresa editorial moderna é antes intelectual do que
comercial, como diz Roger Chartier ao caracterizar a terceira etapa da história da edição,
como vimos anteriormente. Ao mesmo tempo a idéia de Schwarcz de construir e valorizar a
identidade e a marca da editora não tem nada de utópica ou sonhadora, na verdade é uma
estratégia empresarial racional economicamente, que diminui riscos desnecessários. O
efeito colateral disso é que apostas em livros inovadores individualmente só aconteceriam
depois de bem amadurecidos, ou quem sabe, já ultrapassados por alguma estratégia de
editora mais dinâmica.
Fica também evidente pela declaração do editor a consciência do seu papel
decisório em relação ao que Chartier chama de ordem dos livros (CHARTIER, 1999).
Propostas como as de Schwarcz, de organizar um catálogo coerente, concedem ao editor
um papel maior do que o de mero selecionador do que é publicado, um filtro entre
produção e consumo
ele é um direcionador daquilo que ainda vai ser produzido. Existem
encomendas implícitas nas estratégias de cada editora. Um escritor, de ficção ou não,
escreve na expectativa de ser publicado por uma das editoras existentes ou financiar a sua
própria edição. Portanto, o que escreve é de alguma forma condicionado pelas
97
possibilidades de publicação. O grande problema disso seria o monopólio de uma editora
ou monopólio de somente uma linha editorial para todas as editoras. Por outro lado, o pólo
autoral também pode engendrar determinada obra que rompa barreiras e crie uma demanda
completamente nova, influenciando a atividade editorial. Na verdade, as influências entre
demanda da empresa editorial e a produção de obras pelos escritores é uma via de mão
dupla.
Voltando à história da Companhia, é interessante observar que nos seus
primeiros anos não publica intensamente ficção, especialmente a realizada por escritores
brasileiros. Schwarcz explica a relativa demora em publicar a literatura nacional,
especialmente a ficção brasileira contemporânea, pela necessidade de a editora precisar de
um número significativo de obras de determinado perfil para passar a publicar determinado
gênero, já que, como vimos, sua estratégia editorial evita sempre o livro isolado, sem
relação com o catálogo:
Não atacamos a ficção de início porque não tínhamos a possibilidade de ter
um grupo de livros significativo. Não tínhamos uma proposta de fazer
ofertas para autores que estavam em outras editoras. A idéia era de que a
partir da nossa proposta editorial, por alguma razão, alguns autores se
interessassem em mudar para a Companhia das Letras. Nós não fizemos
como algumas editoras que, ao se instalarem no mercado, acham que
precisam logo de um grande nome nacional. Fazem muitas vezes ofertas
acima das praticadas no mercado, fazendo da conquista de um autor famoso
o ato de fundação da sua editora. Esta é uma forma de fundar uma editora
que eu não quis fazer. Nós queríamos mostrar antes a editora para o autor
nacional. Começamos com livros traduzidos. Em seguida, entramos na área
de Ciências Humanas brasileira, na qual tínhamos bons contatos desde a
Brasiliense. Depois os autores de ficção brasileira começaram a migrar
naturalmente. O primeiro livro de ficção brasileira foi Os Garotos da
Fuzarca, do Ivan Lessa. Tínhamos já um contato com o Scliar. Fizemos um
contato informal com o Rubem Fonseca numa festa em homenagem à
Isabel Allende. Na época ele estava insatisfeito na Francisco Alves. Como
ele é um autor que aprecia graficamente os livros, mandei vários dos nossos
livros para ele. Ele viu que o nosso trabalho editorial não tinha se encerrado
na escolha do título e do capista. Ele, então, me escreveu uma carta me
parabenizando pelos livros e discutindo aspectos gráficos. Então, quando ele
98
quis mudar de editora, ele nos procurou. E daí foram se abrindo as nossas
portas para vários outros escritores brasileiros.
O discurso que Schwarcz elabora sobre a sua própria editora é o de que ela
vai construindo paulatinamente a sua história e o seu sentido. Quando ela passa a publicar
literatura brasileira, esses livros vão se incorporar à história já existente da editora, não
havendo um processo de tábula rasa, na qual essa nova vertente anularia o que já tinha sido
produzido. A dedicação à literatura brasileira agrega valor, mas não anula a história
pregressa da Companhia. Nem impede a continuidade da publicação dos outros gêneros de
livros.
A partir da publicação de Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, de
Rubem Fonseca, em 1988, a Companhia acaba atraindo um elenco de prestígio dentro da
ficção brasileira. Além de Scliar e Fonseca, agregam-se nomes como Sérgio Sant Anna,
Carlos Heitor Cony, Bernardo Carvalho, Milton Hatoum, Valêncio Xavier, Ana Miranda e
Patrícia Melo. Alguns desses já consagrados a partir de trabalhos em outras editoras, como
Carlos Heitor Cony, Sérgio Sant Anna e o próprio Rubem Fonseca. Outros desenvolveram,
ou desenvolvem, o amadurecimento e a legitimação literária durante o seu vínculo com a
Companhia, como Bernardo Carvalho, Ana Miranda e Milton Hatoum.
Como resultado de toda essa estratégia organizadora em relação ao seu
catálogo, a editora já no século XXI assume uma posição bastante central na produção de
literatura brasileira, especialmente ficção. Ser publicado pela Companhia das Letras virou,
de certa forma, sinal de prestígio literário. Por isso, o grupo de autores
obras
e suas respectivas
que publica com mais constância passou a ser visto como um grupo canônico de
autores nacionais. Como a partir da década de 70 a crítica literária foi saindo
paulatinamente da grande imprensa, foi dado a uma grande editora, que tinha proposta
menos comprometida com um sucesso comercial imediato, o papel de ser um certificador
da qualidade literária na literatura brasileira para o leitor de livros de ficção.
No entanto, o escritor novíssimo, praticamente inédito, tem dificuldades em
ser contratado primeiramente pela Companhia, a não ser em casos especiais como Chico
Buarque e Paulo Lins, este último com a sabida mediação do crítico e professor Roberto
99
Schwarz. A seleção de originais entregues à editora sem nenhuma indicação não é uma
forma comum para o escritor conseguir ser publicado na Companhia:
Nós recebemos muitos originais, mas trabalhamos mais com a indicação. A
indicação traz um resultado muito maior do que o original enviado
espontaneamente. Estamos até estudando uma forma de deixar de receber
originais. O resultado é tão pequeno, em relação ao trabalho que dá, que
muitas editoras internacionais não recebem. Nos Estados Unidos nenhuma
editora recebe originais que não seja por intermédio de um agente literário.
Na França, a Gallimard e outras editoras importantes também não recebem
originais pelo correio, apenas através de indicação. Nós ainda não
interrompemos completamente, mas temos uma sistemática de não
incentivar essa remessa, porque na história da Companhia das Letras nós
aprovamos três ou quatro originais que vieram pelo correio sem indicação. É
um volume muito grande e a regra é a da baixa qualidade. No início da
editora eu mesmo fazia a leitura desses livros. Hoje temos que ter um freelancer para fazer uma primeira triagem. Não temos como ter uma pessoa
muito qualificada da equipe editorial só para isso. Um dos livros que chegou
pelo correio sem uma intermediação foi O Chalaça, do José Roberto Torero,
que acabou se tornando um grande sucesso.
A Companhia faz quase sempre uma opção por autores já consagrados
preliminarmente por outras editoras. Editoras menores fariam o papel de selecionadores de
originais de autores inéditos
já que muitas dessas pequenas editoras se envolvem mais
diretamente com determinados grupos de escritores iniciantes. A partir dessa primeira
entrada no mercado, quando houver um resultado satisfatório, tanto na recepção pelo
público em geral quanto pela crítica, a Companhia das Letras passa a se interessar pelo
novo autor. Forma-se um sistema no qual a editora menor lança e desenvolve inicialmente
novos escritores e a Companhia, e outras editoras de maior presença e prestígio no
mercado, ao contratarem e manterem no seu catálogo um desses escritores, consagram-no
preliminarmente como escritor formado. A Companhia, mais do que as outras editoras, pela
posição que ocupa na produção e consumo de literatura brasileira, acaba funcionando como
uma garantia de prestígio para quem consegue finalmente ser publicado por ela. Apesar
100
disto, muitos dos autores que passaram de uma pequena para uma grande editora acabam
voltando para a pequena quando constatam que o seu público é reduzido.
Mas é na relação com autores já em estágio adiantado de consagração que as
especificidades do editor Luiz Schwarcz aparecem com mais força. Em entrevista que
realizamos ainda em 2000, o escritor gaúcho Moacyr Scliar, um dos primeiros nomes de
prestígio da literatura nacional a ser publicado pela Companhia, ao comentar a gênese da
produção do seu romance Sonhos Tropicais, de 1998, testemunhou que Schwarcz era um
editor que interagia muito com o escritor, chegando a fazer sugestões ou encomendas para
provocar a produção de novos textos:
O editor Luiz Schwarcz é um editor que interage muito com o escritor não
é aquele editor que simplesmente recebe os originais e manda para a gráfica.
Ele está sempre tendo idéias de novas coleções, novos livros, e um dia me
telefonou dizendo que estava pensando em uma série de romances tendo
como personagens figuras exponenciais da nossa história. Então perguntou
se eu queria escrever um desses romances e eu respondi que sim. Quem seria
o personagem? Getúlio Vargas, eu disse. É uma grande figura, gaúcho, que
sempre me interessou. Mas Getúlio já estava ocupado pelo Rubem Fonseca,
que estava escrevendo Agosto. (Obs: Schwarcz, na sua entrevista, esclareceu
que Agosto não fora fruto de uma encomenda para a coleção) Então o Luiz
me sugeriu o Oswaldo Cruz. Quando ele me falou em Oswaldo, me veio na
cabeça que era uma figura que eu conhecia muito bem. Na verdade não era
que eu o conhecia muito bem, mas é um nome muito presente na atividade
de Saúde Pública. E num primeiro momento achei que era um personagem
que não daria muito material. Então ele fez uma proposta: Por que você não
faz uma pesquisa sobre o Oswaldo Cruz e vê se te interessa ou não? Eu
acabei passando uma semana no Rio de Janeiro, na Fundação Oswaldo Cruz,
nos arquivos, tendo em mãos documentos dele próprio, e comecei a estudar e
ler sobre isso.
Esse tipo de ingerência, encarada de forma positiva por Scliar, é vista muitas
vezes pelo senso comum, e mesmo por estudiosos de literatura, como um tabu. A
autonomia do escritor não poderia ser contaminada por nada, muito menos por uma figura
tão espúria como a do editor, o responsável por transformar o texto literário em mercadoria.
Na verdade, o que está em jogo é a conexão da função autor na literatura a uma única
101
figura, a do escritor. A dimensão autoral estaria apenas naquele que tem o seu nome
estampado na capa, acima ou abaixo do título. Qualquer interferência ativa do editor ou de
outras figuras comprometeriam a autoria solitária do escritor.
Experiências, como a relatada por Scliar, mostram que a tensão presente
potencialmente na relação entre editor e escritor pode ser sublimada com resultados
positivos, inclusive na perspectiva do escritor. Schwarcz, ao comentar sua influência sobre
a produção dos escritores publicados pela Companhia, realça a boa aceitação que o modo
de agir da sua editora tem pelos escritores:
A visão que temos do trabalho editorial na área de ficção é a de um trabalho
ativo, de diálogo. O escritor passa determinado tempo trabalhando
solitariamente. Se ele comete um equívoco grande ou pequeno, ele é um
equívoco solitário, que pode até aumentar. O que é muito natural. Eu não
posso dizer que o editor é o dono da verdade, mas ele é o primeiro leitor. E o
leitor necessariamente tem opinião. A atividade de leitura estimula a
capacidade opinativa da pessoa. É muito difícil para o leitor ter uma atitude
estática. O livro incita a opinião e a reflexão. Então o editor é o primeiro a
exercer isto. Ele é um leitor privilegiado por estar lendo a partir de uma
relação ainda privada com o escritor. Ele tem obrigação de externar pela
primeira vez uma opinião para aquele ser solitário que escreveu. Isto está no
cerne da atividade editorial: ler e opinar. Você pode ler um livro e dizer:
maravilha, não há nada a mudar. Outras vezes você tem perguntas. Ou pode
ter críticas. É da natureza da atividade editorial. A recepção do escritor a
este diálogo é variada. Existem alguns que não querem nenhuma opinião. De
escritores brasileiros eu não conheço nenhum. Mas existem escritores
estrangeiros que não dão essa abertura. Existem autores brasileiros que tem
mais tranqüilidade para receber a crítica e até pedem. E outros com que você
tem que ter mais cuidado. É claro que nós já sabemos como fazer, para não
parecer que nós queremos substituí-lo. Isto seria um erro grave. O editor tem
que saber que está fazendo sua crítica ou comentário na condição de editor e
de leitor. Ele não substitui o escritor ao fazer uma sugestão editorial. Ele está
fazendo uma função diferente. O verdadeiro criador é o escritor. Se você
deixa claro isto no seu contato com o escritor, o diálogo fica fácil. O autor
não pode achar que a liberdade inerente ao ato da escrita lhe será tolhida.
Schwarcz propõe para o editor um papel fronteiriço: ele é ao mesmo tempo
leitor e uma pessoa capaz de influir na criação do livro. O editor é o principal elo entre
102
público e escritor antes da obra ser efetivamente publicada. Esse duplo papel, na sua visão,
cria uma situação bastante delicada, devendo o editor ter extrema habilidade para que o
escritor não sinta o seu papel autoral diminuído. Na verdade, um editor do tipo de
Schwarcz, influindo na criação da obra, diminui o papel de controlador total por parte do
escritor. Mas isso não é algo intrinsecamente mau para o resultado literário da obra. A
proatividade do editor ilumina a irrealidade de uma posição de independência por parte do
escritor e coloca-o numa posição de dependência, que foi descrita por Roger Chartier dessa
forma em A ordem dos livros: Pensado (e pensando a si mesmo) como um demiurgo, o
escritor cria, apesar de tudo na dependência. Dependência em face das regras (do patronato,
do mecenato, do mercado) que definem a sua condição (CHARTIER, 1999, p. 9).
Porém Schwarcz coloca limites na sua intervenção no texto literário,
afirmando que a última palavra está na mão do escritor, mesmo com o poder econômico
estando nas suas mãos. Em depoimento concedido em 2005 ao jornalista e crítico literário
José Castello, deixa claro que, na sua visão, a figura mais importante na produção de um
livro é o escritor e não o editor: tenho uma visão do trabalho do editor muito clara: o
editor tem que saber que não está fazendo um trabalho artístico; editar é sempre um serviço
de humildade, é estar a serviço (CASTELLO, 2005, p. 4).
Esse tipo de visão nos remete aos depoimentos dos outros editores e ao
próprio texto de Bourdieu já examinados anteriormente. Lembremos que Bourdieu observa
que o editor, em suas práticas e discursos, orienta os olhares para o autor
francês vai chamar de produtor aparente
que o sociólogo
deixando na penumbra o seu papel na produção
da obra e qualquer questionamento em relação a quem autoriza o autor literário, que seria a
própria instituição editorial. (BOURDIEU, 2004, p. 22)
No final de 2005, o editor Luiz Schwarcz
juvenis e publicado contos esparsos
que já tinha escrito livros infanto-
deixa provisoriamente sua posição de editor de lado
ao publicar uma coletânea de contos de sua autoria, e assume efetivamente a figura de
autor, colocando o seu nome no lugar mais alto da capa de O discurso do capim, publicado
pela própria Companhia das Letras. Ele acaba se inserindo em seleto grupo que exerce as
duas atividades, como o italiano Roberto Calasso e o espanhol Jorge Herralde; e que no
103
passado teve figuras como o escritor francês André Gide, que durante vários anos trabalhou
na editora Gallimard. (CASTELLO, 2005, p. 1)
Schwarcz escreveu 11 singelos contos em que a matéria-prima é a memória,
e a escrita minuciosa é marcada por inúmeras referências literárias e, especialmente,
cinematográficas. Textos nos quais personagens populares do mundo do trabalho
garçons, balconistas, camareiras
dialogam silenciosamente com o narrador culto de cada
um dos contos. Não é o tipo de livro que pode potencialmente atingir um sucesso de vendas
que garantiria uma boa margem de lucro para o seu editor. No entanto, é o tipo de livro que
pode conseguir ser muito bem visto pela crítica e abocanhar fatia pequena porém segura
nas vendas para um público de leitores exigentes. Os contos foram muito bem aceitos pela
crítica, inclusive a produzida no Rio de Janeiro, tendo recebido comentários positivos de
Beatriz Rezende e José Castello. Para este último, os contos reunidos no livro primam pela
originalidade e pelo estilo rigoroso, sendo que alguns deles, como Acapulco e Livro de
memórias , honrariam qualquer biografia de escritor de sucesso (CASTELLO, 2005, p. 2).
A publicação desse livro pode ser inclusive vista como convergente com a
sua estratégia de consolidação de uma editora literária de prestígio, capaz de consagrar seus
autores, e agora comandada por editor que pode inclusive perfilar-se ao lado de grandes
autores. A possível consagração de Luiz Schcwarcz como autor de literatura traz ganhos
evidentes para a sua própria editora na ampliação de seu capital simbólico e,
conseqüentemente, de seu valor enquanto marca.
Ao ocupar o papel de autor literário, Luiz Schwarcz, não opta por elaborar
ficções que discutam questões da produção literária ou do próprio fazer editorial. No
entanto, após os contos de Discurso sobre o capim, encontramos, num texto de
agradecimentos aos que o apoiaram para realizar a sua atividade literária, elementos que
são extremamente reveladores sobre a atividade editorial da Companhia das Letras para
uma perspectiva de estudo da vida literária. O texto aborda relações e ligações entre as
pessoas
da equipe da editora e do universo de autores publicados
sua força produtiva, demarcando um universo de atores:
104
que fazem parte de
Como sempre Lili esteve presente em todos os momentos. [...] Não desisti
graças ao seu apoio. As linhas que sobreviveram devem a ela uma certa
maternidade, e são testemunhas do sentimento que alegra nossas vidas.
Tomás Eloy Martinez soube dos meus contos quase por acaso, insistiu para
lê-los no momento em que eles já se conformavam com a gaveta, ou melhor,
com alguns bites na memória do meu computador. Suas cartas tão generosas
e um passeio inesquecível em Nova York convenceram-me a retomar a
leitura do que eu havia escrito. A cortar, com limites. O mesmo fizeram
Rubem Fonseca e Patrícia Melo, que leram a segunda e a penúltima
(penúltima?) versão destes contos. Senti firmeza quando me ameaçaram com
a publicação à minha revelia. Preocupado em delegar os cortes derradeiros a
outra pessoa voltei a escrever. E uma carta de Alberto Manguel foi a
responsável pela decisão final pela publicação de Discurso sobre o Capim .
Uma coletânea juntando essa carta com as do Tomás daria um livro curioso
cujo título poderia ser Cartas a um velho editor , com um subtítulo à
francesa ou a um jovem escritor envergonhado . Maria Emília Bender,
Fernando Moreira Salles e Heloisa Jahn leram mais de uma vez e me
devolveram os contos, com críticas sinceras e palavras carinhosas. Maria
Helena Salles mais uma vez soube prever o destino dos meus desejos e
angústias. Samuel Titan, Marta Garcia, Milton Hatoum, Bernardo Carvalho,
Henrique Lanfranchini, Chico Buarque, João Moreira Salles, Lívia e Luiz
Alfredo Garcia-Roza, Luiz Henrique Ligabue F. Silva, Sérgio Windholz,
Cecília Orsini, Marcelo Levy, Ana Paula HizayamA, Elisa Braga e Renata
Megale leram versões iniciais de alguns contos, como bons amigos. Márcia
Copola me mostrou o que é cortar com precisão profissional. Eliane
Trombini e Salete Leão pararam pacientemente a impressora inúmeras
vezes, sem reclamar, avisadas por mim de um novo corte a caminho.
(SCHWARCZ, 2005, p. 114 - 115)
Esse depoimento delineia um círculo de relações afetivas e econômicas que
são imprescindíveis para a efetivação de um empreendimento produtivo. Nesse sentido, a
Companhia se aproxima do sistema da denegação do econômico, no qual a mistura de
relações afetivas e econômicas são particularmente funcionais. Por isso, a adequação do
termo casa editorial , onde uma família de funcionários, escritores e colaboradores
gravitam em torno da figura emblemática do editor. Mesmo trazendo o profissionalismo
como marca de seus discursos e práticas, a imbricação entre relações sociais,
comprometimentos afetivos e contratos econômicos tem que ser levada em frente no
sistema da Companhia das Letras, e reforçada em discursos como esse, que aproxima em
105
tese a Companhia de práticas muito mais explícitas em outros tempos, como, por exemplo,
a recepção a escritores e colaboradores nas dependências da Livraria José Olympio Editora.
Um afastamento total dessas práticas é impensável no negócio do livro. Por mais
profissionais que as relações sejam, a dimensão relacional
afetivas
nas suas acepções sociais e
estará sempre presente em qualquer atividade empresarial, mesmo que
encobertas.
2.4. Os escritores da Companhia
Para
completarmos
uma
descrição
da
Companhia
das
Letras,
aprofundaremos a investigação da possível singularidade da relação dos principais autores
brasileiros de ficção em atividade com a editora, em contraponto com as relações que
mantiveram com outras editoras pelas quais publicaram e de como isto pode ter impactado
na produção e consumo das suas obras. Em seguida, usaremos uma lente de capacidade
maior para detalharmos a importância da Companhia na carreira de um escritor específico
em atividade. O escritor escolhido para esse aprofundamento foi Sérgio Sant Anna
considerado por diversas correntes da crítica um dos principais ficcionistas brasileiros a
partir da década de 1970 , de quem colhemos um depoimento em setembro de 2005 que
servirá como base para a parte final do subcapítulo. Com isso, tentaremos identificar
diferenças e semelhanças entre a relação que Sérgio manteve com a Companhia e com
outras editoras pelas quais publicava anteriormente.
Como vimos, a parte mais significativa de autores brasileiros publicados
pela Companhia das Letras é formada por ficcionistas que ainda estão em plena atividade.
Se cotejarmos a relação dos 41 autores brasileiros de ficção da editora, transcrita no
106
subcapítulo 2.2, com a relação de 30 autores de prosa citados pelo crítico literário Manuel
da Costa Pinto no seu Panorama da literatura brasileira hoje, mapa dos principais
escritores que fazem literatura no Brasil de início do século XXI, encontraremos a inusitada
coincidência de 15 nomes (PINTO, 2004). Ou seja, dos 30 principais ficcionistas citados
pelo jornalista paulista, exatamente a metade já teve algum texto publicado pela
Companhia das Letras até agosto de 2005. Simultaneamente, o cotejamento nos mostra que
quase 40% dos ficcionistas brasileiros da editora fazem parte do embrião de cânone
formulado por Manuel da Costa Pinto. Podemos observar também no cotejamento que a
coincidência de nomes é maior em relação a autores mais antigos. Como a lista de Costa
Pinto é por ordem de idade, conforme ela avança, os nomes coincidentes vão diminuindo.
Se considerarmos apenas autores nascidos antes do início da década de 1950, a
simultaneidade de nomes entre a lista e o catálogo da editora chega a quase 70%: 11
autores que já publicaram pela editora entre 16 nomes citados no panorama.
Concordando-se ou não com a relevância da listagem, especialmente pela
concentração de escritores de São Paulo quando seleciona os autores mais jovens, é
inegável que a maioria dos escritores citados é autor importante no cenário da literatura
brasileira atual. Os 15 ficcionistas que aparecem simultaneamente na lista de Costa Pinto e
no catálogo da editora são os seguintes, por ordem decrescente de idade: Rubem Fonseca,
Carlos Heitor Cony, Zulmira Ribeiro Tavares, Valêncio Xavier, Luis Fernando Verissimo,
Moacyr Scliar, Modesto Carone, Sérgio Sant Anna, Chico Buarque, João Gilberto Noll,
Anna Miranda, Milton Hatoum, Paulo Lins, Bernardo Carvalho e Nelson Oliveira. Em
finais de 2005, data da escritura desta tese, cada um dos autores possuía uma história de
relação diferenciada com a editora, e seus livros possuíam significados também
diferenciados no catálogo. Essas relações e significados passarão a ser examinados agora.
Rubem Fonseca, nascido em Juiz de Fora, em 1925, e radicado desde a
infância no Rio de Janeiro, foi o primeiro grande ficcionista brasileiro a fazer parte do
catálogo da Companhia das Letras. Seu primeiro livro foi publicado em 1963, a coletânea
de contos Os prisioneiros, pela pequena editora GRD, pela qual saiu também, em 1965,
outro livro de contos, A coleira do cão. Em 1969, lança seu terceiro livro, também de
107
contos, intitulado Lúcia McCartney, por outra editora pequena, a Olivé. Apesar de na
década de 1960 suas obras serem publicadas por editoras com pouquíssima penetração no
mercado, a crítica literária da grande imprensa identificou as qualidades do novo escritor
quase que imediatamente. O crítico Wilson Martins, comentando no Estado de São Paulo,
em 1966, os contos de A coleira do cão, faz algumas considerações sobre Rubem Fonseca:
Se figurarmos os nossos autores de hoje em seus lugares respectivos na
escada da glória, nada mais fácil do que perceber que, com o sr. Rubem
Fonseca, a literatura brasileira ganhou um dos seus escritores mais
importantes, pois é evidente que ele se inscreve não somente entre os que
têm ou podem ter um eventual interesse por si mesmo, no interior dos seus
limites individuais, mas, também, entre os que acrescentam alguma coisa ao
gênero que praticam. (MARTINS, 1966)
Resenhas elogiosas como essa
e outras mais críticas
vão se acumulando
desde o início da carreira, forjando uma consagração acelerada. Ao mesmo tempo, o
interesse do público por suas obras vai aumentando em velocidade semelhante. A partir de
1973, passa a ser editado pela Editora Artenova, empresa um pouco mais estruturada que as
anteriores, lançando, nesse ano, uma coletânea de contos já publicados intitulada O homem
de fevereiro ou março e o seu primeiro romance, O caso Morel. Segundo Hallewell, a
Artenova no início da década de 1970 era uma editora iniciante que tinha um catálogo
eclético, tendo lançado 57 livros, em 1971, e 97, em 1972 (HALLEWELL, 2005, p. 675). É
por ela que Fonseca lançaria também o livro de contos Feliz ano novo, em 1975, que
atingiu imediato sucesso de vendas. Em dezembro do ano seguinte ao lançamento, um
evento vai marcar fortemente a recepção da crítica e o consumo do público em relação à
obra de Rubem Fonseca: a proibição da publicação e circulação de Feliz ano novo no Brasil
por parte do governo federal, bem como a apreensão de todos os seus exemplares expostos
à venda, por exteriorizarem matéria contrária à moral e aos bons costumes (apud SILVA,
1996, p. 21). Importante mencionar que esse ato foi deflagrado quando o livro tinha
atingido um imenso sucesso de vendas para os parâmetros comuns de um livro de contos: a
108
impressão de 30 mil exemplares e a permanência de várias semanas na lista dos mais
vendidos da revista Veja (SILVA, 1996, p. 21).
Após esse episódio de censura, que foi divulgado intensamente, o interesse
do público e da crítica pelos livros de Rubem Fonseca aumentou. O livro seguinte, O
cobrador, que não faz nenhuma concessão em relação aos alegados motivos para a censura,
foi publicado em 1979, em um momento em que, apesar de o governo ser ainda militar, não
usufruía de condições para outra medida daquele tipo. O novo livro de contos foi publicado
por uma editora de porte ainda maior, uma das principais editoras da época, a editora Nova
Fronteira, que, em 1979, era a sétima editora em número de edições lançadas
(HALLEWELL, 2005, p. 658). A passagem pela Nova Fronteira foi breve. Em 1983,
publica o romance
com características de narrativa policial
A grande Arte pela
Francisco Alves, editora de porte médio, mas de grande prestígio literário, a 13a em número
de edições nesse ano. (HALLEWELL, 2005, p. 658). A partir de sua transferência para a
Editora Francisco Alves o percentual de número de romances na sua obra,
comparativamente ao percentual de livros de contos, começa a acelerar bastante, como
também o número de leitores. O livro seguinte, Buffo & Spalanzanni, outro romance com
características de literatura policial, vai ser lançado também pela Francisco Alves, em
1986, com excelentes vendagens. Na década de 1980, simultaneamente ao aumento do seu
público, a obra de Rubem Fonseca vai passar a ser estudada e analisada exaustivamente
pela academia, especialmente pelos programas de pós-graduação em literatura do Rio de
Janeiro e São Paulo. Soma-se ao prestígio junto à crítica na imprensa e ao sucesso com o
público a consagração na academia.
É nessa altura da carreira do escritor que é fundada a Companhia das Letras.
Em 1988, Rubem Fonseca troca a editora Francisco Alves pela Companhia das Letras,
tornando-se o primeiro ficcionista brasileiro de prestígio a ser publicado pela nova editora,
iniciando uma parceria duradoura. Nesse ano tem a sua primeira obra publicada pela
editora, o romance Vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Publicou também pela
Companhia três romances históricos, gênero no qual não tinha se aventurado anteriormente:
Agosto, de 1990, no qual cria uma investigação policial para a morte de Getúlio Vargas; O
109
selvagem da ópera, de 1994, história baseada na biografia do compositor Carlos Gomes; e,
em 2000, O doente Molière, narrativa que faz parte da coleção temática de encomenda
Literatura ou Morte, na qual Fonseca é um dos escritores que cumprem com mais
fidelidade o que foi pedido, uma história que envolva um escritor canônico do passado
numa situação de assassinato. Lançou ainda pela editora a novela E do meio do mundo
prostituto só amores guardei ao meu charuto, em 1997, e o romance Diário de um
fescenino, em 2003. Mas continua a lançar seus livros de contos, que, apesar das vendagens
menores, se comparados com os romances, atinge um público bem maior do que a média
dos escritores brasileiros. Publicou seis livros inéditos de contos pela editora: Romance
negro e outras histórias, em 1992; O buraco na parede, em 1995; Histórias de amor, em
1997; Confraria das espadas, em 1998; Secreções, excreções e desatinos, em 2001; e
Pequenas criaturas, em 2002.
Ainda em 1994, a editora lançou o volume encadernado em capa dura
Contos reunidos, que reunia todos os livros de contos do autor publicados antes de ele
entrar na Companhia. Depois da publicação desse volume
que funcionava como uma
espécie de obra completa até o momento , outros três escritores brasileiros da editora
mereceram volumes semelhantes, João Gilberto Noll, Moacyr Scliar e Sérgio Sant Anna,
formando um seletíssimo cânone da literatura brasileira contemporânea.
A Companhia também reeditou paulatinamente toda a obra de Rubem
Fonseca publicada anteriormente por outras editoras. A editora possui, então, no seu
catálogo todos os livros de Rubem Fonseca. Apesar disto, as obras do autor nunca
mereceram um planejamento gráfico individualizado, apesar do cuidado gráfico com cada
um de seus livros. O nome Rubem Fonseca e a marca Companhia das Letras passaram a
ficar bastante identificados entre si, e é comum ele escrever prefácios e outros textos sobre
autores da editora, bem como é comum outros autores da editora mencionarem a
importância de Rubem para as suas obras
como colaborador efetivo
em agradecimentos
nos livros, como é o caso de Jô Soares.
O jornalista carioca Carlos Heitor Cony, nascido em 1926, é outro autor que
teve sua carreira de escritor de ficção profundamente marcada pela sua relação com a
110
Companhia das Letras. Seus textos ficcionais são uma complexa mistura de memória e
ficção, que se manifesta de forma diversa em cada um de seus romances. O primeiro a ser
publicado foi O ventre, em 1958. A fase inicial de sua obra comporta ainda, entre outras,
Informação ao crucificado, de 1961; Matéria de memória, de 1962; Antes, o verão, de
1964; e Pessach: a travessia, de 1967. Todos esses romances memorialísticos são
publicados pela Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, com quem manteve um contrato de
exclusividade, não muito comum na época (www.releituras.com.br/cony_bio.asp). Após a
publicação de Pilatos, em 1974, interrompe bruscamente a sua carreira de ficcionista,
encerrando o que podemos chamar de sua primeira fase. Nesse período de recesso ficcional
continuaria publicando textos jornalísticos, alguns deles em livro. Sua carreira na ficção vai
ser retomada em 1995, com a publicação do romance Quase memória, pela Companhia das
Letras. Esse romance
ganhador de dois prêmios Jabuti, e com grande sucesso de vendas,
chegando em 2005 a ultrapassar os 300 mil exemplares vendidos
retoma a meada da
mistura entre memória e ficção, inaugurando uma prolífica parceria com a nova editora,
que resultou em mais quatro novos romances: O piano e a orquestra (1996), a Casa do
poeta trágico (1997)
ambos com excelente repercussão crítica, evidenciada pela
importância dos prêmios recebidos , Romance sem palavras (1999) e A tarde de sua
ausência (2003). A Companhia das Letras também reeditou durante a parceria seis
romances da fase anterior, proporcionando ao novo leitor de Cony acesso às suas antigas
obras, que atingiam o mesmo gosto literário. A publicação e republicação de Cony a partir
da década de 1990 é mais um dos inúmeros casos de obras publicadas pela editora que
aliam boa repercussão crítica e sucesso de vendas, comprovado pelas inúmeras
reimpressões desses livros. O autor é um dos poucos escritores brasileiros publicados pela
editora que mereceu uma tentativa de criação de identidade visual própria para a sua obra,
que, no entanto, não se estende sistematicamente a todos os livros. Mas a unidade temática
de Cony fez com que o lançamento dos seus novos livros ajudasse nas vendas das
reedições, que eram encaradas pelo público também como livros inéditos, já que estavam
fora das prateleiras das livrarias há muito tempo.
111
No entanto, foi anunciado em 2005 o fim da união entre Cony e a
Companhia das Letras. Cony passou a ter a sua obra editada pela Editora Objetiva, pela
qual já tinha publicado um livro isolado em 2001, o romance de encomenda O indigitado,
que fazia parte da coleção Cinco Dedos de Prosa. Nessa troca efetiva de editora, Cony
ainda não publicou, até outubro de 2005, obra inédita; mas já reeditou mais dois romances
da sua primeira fase: Tijolo de segurança e Balé Branco. A saída da Companhia mereceu
por parte de Cony uma carta divulgada na imprensa na qual explicava o motivo do
rompimento. É omitida por Cony qualquer divergência financeira, como se para o escritor
isto fosse apenas um detalhe, caracterizando o motivo como apenas de dimensão intelectual
e política: o que sempre me incomodou na editora foi sua, digamos, mentalidade uspiana
(SILVA, 2005, p. 30). Ou seja, o discurso da denegação do econômico é utilizado dessa vez
por outro ator do sistema editorial, que não é mais o editor, mas o escritor.
A paulista Zulmira Ribeiro Tavares, pesquisadora e professora de cinema,
publicou seu primeiro livro de ficção, Termos de Comparação, em 1974, pela Perspectiva,
editora dedicada normalmente a publicações acadêmicas. No ano seguinte, lançou O
japonês de olhos redondos por outra editora de perfil semelhante, a Paz e Terra. Com boa
recepção crítica desses livros, passou a ser publicada pela Editora Brasiliense, pela qual
lançou mais três livros com narrativas ficcionais. Sua obra trata, nas palavras de Manuel da
Costa Pinto, da vida agonizante das elites brasileiras, em especial das elites de São Paulo,
cidade cujos bairros e espaços públicos são também personagens dos seus contos e
romances (PINTO, 2004, p. 99). A repercussão dos seus livros também se limita mais à
crítica paulista, que recebe sua obra de modo bastante favorável. Mesmo passando para a
Brasiliense, a circulação de sua obra não ultrapassa muito os círculos acadêmicos paulistas.
Com a publicação de Jóias de Família, em 1990, passa a priorizar a forma romance, talvez
pensando numa expansão do público leitor. Em 1995, começa a ser publicada pela
Companhia das Letras, lançando o romance Café pequeno, por onde também lança a
coletânea de textos ficcionais Cortejo em abril, em 1998. Em 2004, a editora relança o
romance O nome do bispo, publicado inicialmente pela Brasiliense. A presença de Zulmira
Tavares na Companhia das Letras tem mais um significado de acúmulo de prestígio
112
literário que repercute no catálogo como um todo do que possibilidades reais de grandes
vendas. No entanto, o preciso dimensionamento que a editora faz do seu público, fazendo
tiragens de no máximo três mil exemplares, promovendo reimpressões quando for o caso,
evita o que realmente traz prejuízo à editora, o encalhe de livros nos seus estoques.
Valêncio Xavier, nascido em 1933, é um escritor de ficção com
característica rara na literatura brasileira: as suas narrativas misturam texto e imagem, o
que levou Décio Pignatari a chamar um de seus livros de romance icônico (apud PINTO,
2004, p. 99). Isto impacta na produção editorial dos seus livros que passa a ter uma
característica quase artesanal, o que se adequaria em tese a editoras de menor porte (e mais
flexibilidade). Vários de seus livros foram publicados por pequenas editoras de Curitiba nas
décadas de 1970 e 1980, com pequenas tiragens, ficando restrito a círculos reduzidos de
leitores. Em 1998, publicou pela Companhia das Letras Mez da gripe e outros livros, que
reunia várias daquelas narrativas já publicadas anteriormente. O trabalho de extremo
cuidado gráfico, realizado pelo autor e pela editora, fez o livro ganhar o prêmio Jabuti de
Melhor Produção Editorial de 1999. Em 2001, novamente a parceria realiza outro livro de
relevância literária e extrema qualidade gráfica, Minha mãe morrendo e o menino
mentindo. A presença do autor no catálogo da Companhia explicita a qualidade técnica que
a editora advoga para seus livros. São extremamente inovadores tecnicamente,
graficamente, esteticamente e literariamente, segundo especialistas das diversas áreas. Uma
editora, que tem canais adequados de distribuição, resolver produzir livros com essas
características singulares expande em muito os potenciais leitores dessa obra, que, caso
contrário, se destinariam a apenas poucos que fazem parte de uma vanguarda de
consumidores de bens culturais.
O gaúcho Luis Fernando Verissimo, nascido em 1936, tornou-se a partir da
década de 1980 um dos escritores brasileiros mais lido
ao lado de Paulo Coelho ,
principalmente quando publica coletâneas de suas crônicas. Em relação a romances, a sua
carreira está marcada principalmente pela produção de volumes de encomenda para
coleções temáticas. A partir de uma encomenda para a coleção Plenos Pecados
O clube dos anjos, de 1998
a narrativa
, passou a ser publicado pela Editora Objetiva, incluindo as
113
coletâneas de crônicas, que anteriormente eram lançadas pela gaúcha L&PM. Verissimo
tornou-se na década de 1990 o principal escritor brasileiro do catálogo da Objetiva
editora concorrente que disputa com a Companhia a publicação dos principais ficcionistas
nacionais.
No entanto, a estratégia de encomenda é responsável pela esporádica
participação de Verissimo no catálogo da Companhia das Letras. Publicou, em 2000, a
novela Borges e os orangotangos eternos, por encomenda da editora para a coleção
Literatura ou Morte. No mesmo sistema de encomenda, Verissimo publicou a narrativa A
mancha , como parte da obra coletiva Vozes do golpe, lançada em lembrança aos 20 anos
do golpe de 1964. As coleções de encomenda acabaram por funcionar como uma
oportunidade para escritores como Verissimo publicarem por editoras que não eram
aquelas com que mantinham seu contrato principal
uma espécie de estágio experimental.
O mesmo aconteceu com João Gilberto Noll e Carlos Heitor Cony, que, em sentido inverso
ao de Verissimo, publicaram obras de encomenda pela Editora Objetiva, para onde Cony se
transferiu definitivamente um tempo depois.
O escritor gaúcho Moacyr Scliar, nascido em 1937, publicou as suas
primeiras narrativas em livro em 1962, quando ainda era estudante de medicina, profissão
que passou a exercer simultaneamente à sua carreira de escritor. Desde esse seminal
Histórias de médico em formação até passar a ser publicado pela Companhia das Letras
houve uma longa e prolífica trajetória. Após a publicação do primeiro livro
obra ainda
bastante imatura na sua própria opinião , Scliar só voltou a lançar novo livro em 1968 com
a publicação pela editora gaúcha Movimento de O carnaval dos animais, que obteve
expressiva repercussão crítica em Porto Alegre. Nas décadas de 1970 e 1980, lançou várias
obras ficcionais, consolidando sólido prestígio como romancista e, especialmente, como
contista. Suas obras eram lançadas alternadamente em editoras gaúchas
L&PM, esta última entrando em franca expansão no final da década
como Globo e a
e do eixo Rio-São
Paulo, como Ática, Global e Guanabara. Com o prestígio literário bastante consolidado, ele
publicou em 1989 o seu primeiro livro pela Companhia das Letras, a coletânea de contos A
orelha de Van Gogh. Em seguida, passou a dedicar-se especialmente aos romances, tendo
114
publicado até o final de 2005, cinco romances pela editora. O primeiro, lançado em 1992,
foi o romance biográfico sobre a vida do sanitarista Oswaldo Cruz, intitulado Sonhos
Tropicais, a partir de sugestão/encomenda do próprio editor Luiz Schwarcz, como já
vimos. Participou também da coleção de encomenda Literatura ou Morte, escrevendo a
narrativa Os Leopardos de Kafka, em 2000, além de publicar outros romances em que não
houve situação de encomenda. O escritor também mereceu a publicação, em 1995, de um
volume com grande parte dos seus contos publicados anteriormente, intitulado Contos
Reunidos. Scliar acabou se tornando um colaborador freqüente da editora, publicando
também obras para o público infanto-juvenil e ensaios introdutórios a temas da medicina e
da ciência; além de escrever prefácios e introduções a obras de outros autores que também
se dedicam à medicina e à ciência
tornando-se um verdadeiro colaborador da casa .
Scliar é um dos autores em que a parceria com a editora mais marcou a obra ficcional, tanto
pela execução de encomendas propriamente ditas, como por direcionar as suas narrativas
para nichos de público mais garantido, como o romance histórico.
Vale a pena mencionar o escritor e tradutor paulista Modesto Carone,
nascido em 1937, pela especificidade da sua ligação com a editora
semelhante à de Paulo
Henriques Britto, outro escritor/tradutor. Modesto Carone vem se dedicando à tradução da
obra de Franz Kafka direto do alemão desde 1984, ainda pela Editora Brasiliense. A partir
de 1997, passou a relançar essas traduções pela Companhia das Letras, por onde também
lançou as traduções ainda não publicadas. Simultaneamente, desenvolvia uma obra
ficcional própria, publicando, entre outros livros, As marcas do real (Paz e Terra, 1979) e
Dias melhores (Brasiliense, 1984), obras de pequena tiragem, mas de excelente repercussão
na crítica. Em 1998, publica pela Companhia das Letras a narrativa ficcional Resumo de
Ana, que atingiu público maior e repercussão crítica ainda mais favorável, tendo recebido o
prêmio Jabuti de melhor romance de 1999. A relação entre esse autor e a Companhia
explicita um complexo tráfego de valores simbólicos, pagamentos reais, e publicações
efetivas: evidentemente a proximidade com a editora por ser tradutor de obra importante
literariamente e comercialmente possibilitou a publicação de sua própria obra (de
115
reconhecido valor literário), que de outro modo não garantiria seu ingresso na principal
editora brasileira de literatura.
Chico Buarque de Holanda, nascido no Rio de Janeiro em 1944, já tinha uma
sólida carreira como letrista de música popular brasileira e autor de peças musicais quando
começou a se dedicar com mais ênfase ao romance, já na década de 1990, bem depois da
sua primeira incursão pela prosa, com a publicação, em 1974, da novela Fazenda Modelo,
pela Editora Civilização Brasileira. Nessa sua volta à prosa, passa a ser publicado pela
Companhia das Letras, pela qual lançou seus três romances: Estorvo, de 1991, Benjamim,
de 1995, e Budapeste, de 2003. Quando começa a publicar pela Companhia, esta já possuía
um certo prestígio como editora de literatura. Um novo livro ficcional lançado por ela já
recebia uma espécie de chancela que significava se tratar de literatura com alguma
qualidade. Ao mesmo tempo, o nome Chico Buarque já era uma garantia de sucesso
comercial. No entanto, com a publicação do primeiro romance, mesmo tendo uma ótima
vendagem, houve uma certa rejeição inicial da crítica por ser um autor vindo da indústria
cultural , do campo da música popular. A partir da publicação de Benjamim, o sucesso de
vendas passa a se ancorar em críticas cada vez mais favoráveis. A união sinérgica entre
recepção crítica positiva e grandes vendagens chegou a níveis ainda maiores com a
publicação de Budapeste, que, em 2003, ganhou o prêmio Jabuti de melhor livro e, em
2005, ultrapassou os 200 mil exemplares vendidos.
O escritor gaúcho João Gilberto Noll, nascido em 1946, começa a sua
carreira na ficção ao publicar em 1980 a coletânea de contos O cego e a bailarina, pela
Civilização Brasileira. No desenvolver da década de 1980, lança livros por várias editoras
de médio e grande porte, como Nova Fronteira, Record, L&PM e Rocco. Termina a década
de 1980 como um dos ficcionistas brasileiros de maior prestígio
livros como Bandoleiros e Hotel Atlântico
graças à publicação de
e ao mesmo tempo sem maior identificação
com uma editora em particular. Em 1993, publica pela Companhia das Letras o romance
Harmada e três anos depois A céu aberto. O prestígio de Noll é transferido para a
Companhia, que acelera a sua trajetória para tornar-se a principal editora de ficção do
Brasil. Simultaneamente o crescente prestígio da editora também é transferido para Noll,
116
que se consolida como grande autor com a publicação de seus dois romances pela
Companhia, que tiveram excelente recepção crítica. Em 1997, a editora publica Romances e
contos reunidos, com a sua produção ficcional até aquele momento
em mais um de seus
volumes dedicados aos grandes autores brasileiros contemporâneos, ao lado de Rubem
Fonseca, Sérgio Sant Anna e Moacyr Scliar. Sai da Companhia com o prestígio
consolidado e publica em seguida dois livros pela Editora Objetiva: o romance Canoas e
Marolas, da coleção Plenos Pecados, e Berkeley em Bellagio. Em 2003 passa a publicar
pela Editora Francis, que no ano seguinte muda de nome para W11. Por esta editora de
catálogo reduzido, na qual Noll é o autor de maior repercussão, lança o romance Lorde.
Outro autor da Companhia das Letras que aparece na listagem elaborada por
Manuel da Costa Pinto é Ana Miranda. Ela nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1951, e mora
no Rio de Janeiro desde 1969. Iniciou sua vida literária em 1978 com a publicação de um
livro de poesias. Sua estréia na ficção em 1989 já é pela Companhia das Letras, com o
romance histórico Boca do Inferno, que reconstituía a Salvador do século XVI para
desenvolver uma trama que envolvia o poeta Gregório de Matos e o Padre Antonio Vieira.
O sucesso de vendas foi imediato e a autora recebeu o prêmio Jabuti de revelação em 1990.
A obra conseguiu ser publicada em diversos países, entre eles Estados Unidos, Inglaterra,
França, Alemanha, Itália, Espanha, Suécia e Holanda. O gênero romance histórico estava
bastante revitalizado na década de 1980 graças ao sucesso de O Nome da rosa, de Umberto
Eco, criando uma forte demanda no público para esse gênero, o que explica em parte as
vendas no Brasil e o interesse de outros países pelo livro de estréia. Segundo Manuel da
Costa Pinto, Ana Miranda se encaixa perfeitamente nesse gênero, que associa invenção
ficcional ao rigor documental da chamada história das mentalidades (PINTO, 2004, P. 21).
Publicou dez livros pela editora, quase todos utilizando a fórmula do romance histórico,
com a exceção de dois livros infantis; o romance Sem pecado, de 1993; e a coletânea de
contos Noturno, de 1999. Mas é a realização de romances históricos como O retrato do rei
(1991), Desmundo (1996) e Dias e dias (2002) que a caracteriza como escritora. A
publicação de romances históricos é um elo entre a escritora e a Companhia, já que esse é
um dos gêneros que a editora privilegia, como se pode constatar inclusive no
117
redirecionamento que as carreiras de autores como Moacyr Scliar e Rubem Fonseca
tiveram para esse gênero quando passaram a integrar o catálogo da Companhia das Letras.
O amazonense Milton Hatoum, nascido em 1952, teve a carreira de escritor
de ficção iniciada tardiamente, em 1989, com a publicação de Relato de um certo oriente
pela Companhia das Letras. O romance de estréia foi muito bem recebido pela crítica e
agraciado com o prêmio Jabuti de melhor romance. Nas palavras de Davi Arrigucci Jr.,
convidado para escrever a orelha do romance, não se resiste ao fascínio dessa prosa
evocativa, traçada com raro senso plástico e pendor lírico: viagem encantatória por
meandros de frases longas e límpidas, num ritmo de recorrências e remansos
(ARRIGUCCI JR., 1989). Em entrevista concedida ao site Webwriters-Brasil, Hatoum
explica o processo de publicação desse seu primeiro livro e a importância de ser publicado
pela Companhia das Letras:
Eu ganhei uma bolsa VITAE, o que me colocou em contato com o Luiz
Schwarcz e a Maria Emilia Bender, editores da Companhia das Letras, que
gostaram do manuscrito e acabaram publicando o Relato.
[...]
Começar com uma ótima editora, a Companhia das Letras, foi fundamental,
e com a orelha do livro assinada por um grande crítico, o Davi Arrigucci Jr.
Mas tive um pouco de sorte. O livro foi bem recebido pela crítica, ganhou o
prêmio Jabuti, foi traduzido para seis línguas e adotado em escolas e
universidades...
( http://www.webwritersbrasil.com.br/detalhe.asp?numero=285#1)
Seu segundo romance, Dois irmãos, é publicado somente em 2000,
recebendo a mesma recepção crítica favorável e ganhando novamente o prêmio Jabuti de
melhor romance. A parceria com a editora nesses dois romances pode ter acelerado a
consagração de Milton Hatoum como escritor, que se tornou bastante sólida, apesar do
pequeno número de obras produzidas. A menção a Hatoum leva à lembrança de outro autor
com obra esparsa e de grande prestígio com a crítica
precário de Manuel da Costa Pinto
no entanto omitida no cânone
que é publicada pela Companhia das Letras, Raduan
Nassar. Não nos deteremos em Nassar por ele não estar na relação que adotamos e por sua
118
obra praticamente inteira ter sido publicada por outras editoras antes de entrar no catálogo
da Companhia.
O carioca Paulo Lins, nascido em 1958, é autor de somente uma obra
literária, pelo menos até o final de 2005. O romance Cidade de Deus, publicado em 1997
pela Companhia das Letras e relançado por ela mesma em 2002, sinalizou a existência de
uma produção literária realizada por escritores que efetivamente conviviam com a violência
das grandes cidades brasileiras, como moradores de favelas, presidiários e ex-detentos.
Com o seu romance, que oscila entre o testemunhal e o ficcional, Paulo Lins ilumina esse
tipo de literatura, mas ele próprio não representa um tipo social de autor radicalmente
diferente, devido ao seu vínculo precoce com a academia e o sistema literário,
características bem diferentes das de outros autores que convivem com a violência e a
miséria, como o paulista Ferrez e o ex-detento Humberto Rodrigues. A publicação de
Cidade de Deus só foi possível graças à mediação de um terceiro, o crítico paulista Roberto
Schwarz. Uma bolsa da Fundação Vitae também concorreu para que o escritor finalizasse
sua obra. O depoimento de Paulo Lins, em entrevista à revista Caros Amigos, ao responder
se procurou ou foi procurado por uma editora, é bastante revelador das mediações
necessárias para a publicação de um autor inédito por uma editora de peso como a
Companhia das Letras, e da história singular de um grande sucesso literário e cultural:
Fui procurado. Na verdade é o seguinte: eu militava na poesia, nunca tinha
pensado em escrever um romance. Aí, conheci uma garota (...) que
trabalhava com a Alba Zaluar, que desenvolvia um projeto chamado Crime
e criminalidade nas classes populares . Então tinha que entrevistar bandido,
daí o pessoal: Chama o Paulo Lins. Universitário que conhece bandido,
né? Eu já estava a fim da menina e entrei. Acabou que fiquei e ela também
dez anos trabalhando com a Alba. Eu não pensava em escrever um
romance, fui mais por amor à pesquisa. Para ajudar a Alba Zaluar a
desenvolver um projeto de antropologia sobre a favela, porque eu tinha
acesso ao pessoal da malandragem, eram todos meus amigos e da minha
idade. E comecei a entrevistar e ela querendo que eu escrevesse
antropologia, sociologia, isso eu não escrevo. Não sou sociólogo nem
antropólogo. Eu disse: Posso fazer um poema. E ela: Ah, então faz um
poema, escreve alguma coisa sobre a sua vida . Fiz um poema, demorei três
meses para fazer, e ela mostrou ao Roberto Schwarz, aqui em São Paulo. Ele
119
ligou para mim, fiquei todo contente, pô, o Roberto ligou pra mim , era um
crítico, eu estava na faculdade, já tinha lido quase a obra toda dele, na
faculdade você é obrigado a ler o Roberto. E ele perguntou: Permite
publicar o poema na revista do CEBRAP? Publicou o poema e deu o aval
pra eu escrever um romance. Aí minha vida complicou. (LINS, 2003, p. 31)
Com o apadrinhamento do acadêmico paulista, a primeira obra de Paulo Lins
foi publicada diretamente pela Companhia das Letras, sem antes passar pelo teste das
editoras menores. Com o lançamento do romance, o próprio Roberto Schwarz lhe dedicou
um artigo altamente positivo, que foi publicado no caderno Mais! da Folha de São Paulo,
de 7 de setembro de 1997, no qual afirmava que o interesse explosivo do assunto, o
tamanho da empresa, a sua dificuldade, o ponto de vista interno e diferente, tudo contribuiu
para a aventura artística fora do comum (SCHWARZ, 1997). Saudada por grande parte da
crítica
que acompanha o juízo de Roberto Schwarz
como obra importante e original, a
primeira edição, com cerca de 550 páginas, esgotou seus 14 mil exemplares. Com a
transposição da obra para o cinema, e a possibilidade de atingir um público maior, foi
produzida uma nova edição, com várias modificações, deixando o texto com uma leitura
mais rápida, diminuindo inclusive o número de páginas para 400. As diversas reimpressões
da edição revista já tinham vendido mais de 50 mil exemplares até o final de 2004, segundo
dados da editora. Essa singela história é extremamente reveladora
moral
sem nenhum juízo
das múltiplas mediações e influências que o mundo acadêmico pode trazer sobre a
produção cultural e o mercado editorial e cinematográfico, influindo de forma diversa na
produção e consumo, transformando letras em lucro.
Bernardo Carvalho, nascido em 1960, no Rio de Janeiro, tornou-se jornalista
do jornal Folha de São Paulo na década de 1980, no qual editou o suplemento literário
Folhetim e foi correspondente em Paris e Nova York. A sua notoriedade como jornalista foi
o passaporte para publicar, em 1993, pela Companhia das Letras, seu primeiro livro, a
coletânea de contos intitulada Aberração. Continuou sempre publicando pela editora,
lançando quatro romances na década de 1990: Onze, Os bêbados e os sonâmbulos, Teatro e
As iniciais. A década viu a consolidação do prestígio de escritor simultaneamente à
consolidação da Companhia das Letras como a editora de referência para a ficção
120
brasileira. Em tese, Bernardo Carvalho poderia ser considerado pertencente à chamada
geração 90, mas sempre se posicionou como antagonista dessa marca criada pelo escritor
Nelson Oliveira. Em 2000, publica o romance Medo de Sade pela coleção temática
Literatura ou Morte, sendo o escritor que mais subverteu, em certo aspecto, a encomenda
original, como veremos no próximo capítulo. Em 2002 e 2003, publicou respectivamente
Nove Noites e Mongólia, seus livros mais premiados, de maior repercussão junto à crítica, e
dos mais vendidos, junto com Medo de Sade. Mongólia também se originou de uma espécie
de encomenda feita pela editora portuguesa Cotovia, que, juntamente com a Fundação
Oriente, concedeu uma bolsa para o escritor realizar uma viagem a um país do oriente, no
caso a Mongólia, e produzir um romance. Essa bolsa é concedida anualmente e Bernardo
foi o primeiro escritor não-português a recebê-la. No Brasil, Mongólia foi publicado pela
Companhia, como todos os outros livros de Bernardo. Esses dois últimos livros consagram
definitivamente Bernardo Carvalho como o principal escritor brasileiro em atividade que
começou a escrever a partir da década de 1990. Consagração essa, como já mencionamos,
profundamente imbrincada com a consagração da editora que o publica no Brasil.
Nelson Oliveira, nascido no interior de São Paulo, em 1966, é um dos
principais representantes e divulgadores da chamada Geração 90, expressão que ele mesmo
criou para designar um grupo de escritores que iniciaram as suas carreiras literárias na
década de 1990. Os escritores mais associados a essa marca são na maioria das vezes
pertencentes à chamada cena paulista e tiveram
pelo menos inicialmente
seus textos
publicados em livros por editoras de menor porte. Paradoxalmente, Nelson Oliveira teve
seu primeiro livro de ficção para adultos, Naquela época tínhamos um gato, publicado pela
Companhia das Letras, em 1998. Mas seu livro seguinte, a coleção de contos Treze, foi
publicado em 1999 pela minúscula editora Ciência do Acidente com repercussão muito
maior, revelando que mais importante do que o porte da editora é a sua adequação ao
público a que se destina. Volta mais uma vez à Companhia em 2000, por onde publica, com
recepção crítica positiva, o romance Subsolo infinito. Mas a união é novamente efêmera:
publica em 2001 o livro de contos O filho do crucificado pela Ateliê Editorial. Essa
constante movimentação entre editoras de portes diversos é altamente reveladora de uma
121
busca, por parte de um escritor em desenvolvimento, do seu público real e de sua inserção
possível no mercado editorial.
Usaremos agora uma lente de capacidade maior do que a usada até o
momento para descrevermos com mais detalhes a relação do escritor Sérgio Sant Anna
com as editoras pelas quais publicou e o papel que a Companhia das Letras teve na sua
carreira literária. Ele nasceu no Rio de Janeiro em 1941, começando a escrever ficção ainda
na década de 1960 quando morava em Belo Horizonte e era estudante de Direito. Em 1967
e 1968, publica seus primeiros contos na revista Estória, fundada por Luiz Vilela, na qual
cada escritor arcava com uma parte dos custos de publicação. Em 1968, tem o conto
Lassidão publicado em edição especial do Suplemento Literário do Minas Gerais
fundado por Murilo Rubião em 1966
dedicada aos novos escritores mineiros. É o começo
tradicional de escritores na década de 1960, a publicação de contos em revistas e
suplementos literários.
A sua carreira segue como se cumprisse um roteiro predefinido e
compartilhado por diversos escritores de sua geração. Em 1969, quando já tinha cerca de 12
contos escritos, parte para a publicação do primeiro livro, O sobrevivente. Sérgio bancou os
custos de produção, com ajuda financeira dos familiares
o próprio desenho da capa foi
executado por sua mulher. Os mil exemplares impressos na primeira edição saíram com o
selo da revista Estória.
Apesar da precariedade da produção, a repercussão desse primeiro livro foi
bastante positiva, segundo o próprio autor, e proporcionou a oportunidade de receber uma
bolsa de estudos para escritores, o International Writing Program, da Universidade de Iowa,
em que participou entre 1970 e 1971. Essa bolsa foi de fundamental importância para a sua
formação como escritor:
Lá convivi com escritores do mundo inteiro, mais velhos do que eu. E mais
do que isso, tínhamos contato na universidade com o pessoal de artes
plásticas, teatro, cinema e da própria literatura. [...] Isto provocou uma
transformação muito grande na minha literatura. Dei um salto, que, quando
comecei a escrever de novo no Brasil, vi que eu não tinha mais amadorismo,
já era um profissional.
122
Quando volta ao Brasil, escrevendo com mais constância, Sérgio Sant Anna em
pouco tempo já tinha prontos os contos que seriam publicados no livro Notas de Manfredo
Rangel, repórter. Começou então a procurar uma editora interessada em publicar seu livro.
Após algumas tentativas infrutíferas, o compositor Edu Lobo, seu conhecido do ambiente
boêmio de Belo Horizonte, propôs a ele que levasse o livro ao editor Ênio Silveira no Rio
de Janeiro. Foram os dois ao Rio e levaram os originais a Ênio, que ficou de entrar em
contato posteriormente. A resposta de aceite do livro pela Civilização Brasileira demorou
cerca de um ano, já demonstrando futuras dificuldades profissionais que o autor teria nessa
relação:
Eu já tinha até desistido da Civilização. No entanto, um ano depois chegou
uma carta, dizendo que ele gostava muito do livro e queria publicá-lo. Para
ser sincero, disse que eu era dos quatro ou cinco melhores artistas do conto
brasileiro. Ainda jogou este confete sobre mim. A única mudança exigida
para a publicação era a troca do título, que na época ainda era O espetáculo
não pode parar , título de outro dos contos. E eu aceitei, era um pedido
mínimo.
Esse seu segundo livro, respaldado por uma editora de prestígio, teve uma
excelente repercussão na crítica, mas não conseguiu atingir grandes vendagens, graças,
segundo o autor, aos crônicos problemas administrativos da editora. A publicação de Notas
de Manfredo Rangel, repórter, em 1973, foi a primeira das quatro obras de Sérgio
Sant Anna que saíram pela Civilização Brasileira. As outras foram os romances Confissões
de Ralfo, de 1975, Simulacros, de 1977, e Um Romance de geração, de 1981. Na nossa
entrevista, ao ser indagado sobre as vantagens de ser publicado pela principal editora
literária da época, ele realça a tensão, e também as vantagens, que obteve na relação que
manteve com Ênio:
A minha relação com o Ênio Silveira era cheia de atritos. A grande
vantagem era que ele aceitava tudo o que eu fazia. E eram coisas bastante
123
loucas, como Confissões de Ralfo, Simulacros e Um romance de geração,
que eu não sei se outro editor aceitaria. Eu podia fazer a experiência literária
que eu quisesse que ele publicava. Por outro lado, dava em mim uma imensa
frustração: a de publicar por uma editora profissional, mas os livros não
chegarem às livrarias, o pagamento dos direitos não apareciam, enfim uma
desorganização total. Outro problema era a demora para o livro ser
publicado.
A relação comercial entre Sérgio Sant Anna e Ênio Silveira acabou terminando
com um desentendimento sobre os prazos de publicação de um novo livro de contos, O
concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro, que acabou não sendo publicado pela
Civilização Brasileira. A parceria com Ênio, como aponta o próprio autor, trouxe pontos
positivos e negativos para a sua carreira. Por um lado, proporcionou a associação de seu
nome ao de uma editora de prestígio, o que facilitava a recepção dos seus livros junto à
crítica, já predisposta a olhar a ficção publicada por Ênio com mais cuidado. E sua ficção
efetivamente correspondia às expectativas criadas. Sérgio pôde levar as suas experiências
literárias às últimas conseqüências e com a chancela de uma editora como a Civilização
Brasileira
seus experimentalismos com misturas de gêneros não eram questionados ou
modificados. Acabou saindo dessa relação com o seu prestígio consolidado e identificado
como um autor literário de extrema criatividade.
Por outro lado, as falhas de gestão da editora não proporcionava nem uma
contrapartida financeira razoável pelo trabalho de escritor nem atingia os potenciais leitores
de seus livros. Quase todas as edições eram de dois ou três mil exemplares, que acabavam
acarretando em encalhe significativo. Como exemplo do potencial que seus livros tinham
na época, Sérgio menciona que o Círculo do Livro fez uma edição de seis mil exemplares
de Simulacros, que chegaram efetivamente aos leitores.
Neste momento, vale a pena mencionar que partimos da premissa que
escritor precisa de leitores, ou seja, de público. A preocupação de Sérgio Sant Anna em
relação à venda e ao consumo dos seus livros não é espúria, pelo contrário, é necessária. As
outras opções são deixar de escrever ou criar poemas para o deleite de amigos e familiares.
Para explicitarmos nosso pensamento sobre a questão, vamos recorrer a Antonio Candido,
124
que no seminal ensaio Literatura e sociedade, de 1965, coloca de forma precisa a
dependência do escritor em relação ao público:
[...] Por isto, todo escritor depende do público. E quando afirma desprezá-lo,
bastando-lhe o colóquio com os sonhos e a satisfação dada pelo próprio ato
criador, está, na verdade, rejeitando determinado tipo de leitor insatisfatório,
reservando-se para o leitor ideal em que a obra encontrará verdadeira
ressonância. Tanto assim que a ausência ou presença da reação do público, a
sua intensidade e qualidade podem decidir a orientação de uma obra e o
destino de um artista. (CANDIDO, 2000, p. 76)
Voltando à carreira de escritor de Sérgio Sant Anna, o reencontramos no
início da década de 1980, recém-saído da Civilização Brasileira, sem editora para O
concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro. Mas o livro acaba sendo publicado logo em
1982, pela Editora Ática, a maior editora brasileira da época, mas que tinha como foco
principal o livro didático e a venda direta às escolas. A experiência com a nova editora
também não satisfez as necessidades do autor. Apesar de uma relação mais profissional em
relação à prestação de contas, seus livros ainda não conseguiam atingir minimamente os
seus possíveis leitores, provavelmente pela falta de experiência da editora na
comercialização da ficção fora do mercado educacional. Soma-se a isto à pouca qualidade
gráfica do livro editado, e conseguimos o mesmo nível de insatisfação do autor com a
editora anterior. Mas, mesmo assim, esse livro foi extremamente bem recebido pela crítica,
sendo considerado por grande parte dela como sinal de amadurecimento literário do autor.
Em 1986, publicou Amazona pela Nova Fronteira, seu livro menos elogiado
pela crítica. A editora, que em 1985 era a sexta editora brasileira em número de títulos
lançados, também não manteve uma relação satisfatória com Sérgio, recusando a
publicação de seu livro seguinte, que era tão experimental quanto os que eram publicados
pela Civilização. A tragédia brasileira
texto de grande dificuldade para a realização da
atividade editorial por misturar romance e teatro
acabou sendo publicada em 1987 pela
Editora Guanabara, que nessa época era comandada por Pedro Paulo Sena Madureira. Ele
fez a Guanabara expandir seu catálogo para incluir a ficção brasileira de qualidade,
125
tornando a editora mais uma opção possível para autores como Sérgio Sant Anna. No
entanto, a Guanabara ainda era pouco profissional no relacionamento com o escritor e
deixava bastante a desejar para Sérgio em relação à produção gráfica ( capas horrorosas ) e
à distribuição ( os livros não chegavam às livrarias ). Pouco tempo depois o editor saiu da
Guanabara e a editora deixou de publicar ficção.
Nesse momento de finais da década de 1980, Sérgio Sant Anna era um autor cuja
qualidade da obra apontava para um profissionalismo que, no entanto, não era encontrado
na relação que mantinha com os editores. A continuidade da carreira de escritor, que não
lhe dava retorno financeiro, só foi possível porque ele ganhava seu sustento desde a década
de 1970 como professor universitário e funcionário público do Poder Judiciário. A carreira
de escritor para Sérgio Sant Anna, apesar da qualidade dos textos e a positiva recepção
crítica, era complementar em relação às suas atividades profissionais como um todo. Ele
tem uma situação híbrida, por um lado é o antigo escritor funcionário público , com uma
situação econômica que o faz ser independente aos seus ganhos com literatura, por outro
lado é um autor para o qual a relação de escritor com mercado é um tema recorrente. A
professora Terezinha Barbieri, no livro Ficção impura, ao analisar a prosa brasileira das
três últimas décadas do século XX, observa que vários escritores desse período começam a
constatar que a literatura é também um produto e que o escritor faz parte de um sistema
produtivo. Para ela, um dos autores que desvela as tensões entre produtor/mercado e, mais
especificamente, entre escritor/editor, é Sérgio Sant Anna, tanto por seus depoimentos
como por vários dos seus textos ficcionais, sendo o que trata do tema de modo mais direto é
o conto O duelo :
No tempo em que conceitos que o aureolavam entram em profunda crise e
seu tradicional prestígio, em declínio, a mercadoria que produz fica
intensamente afetada: o livro e o escritor mesmo, postos à venda, são
mercadologicamente dimensionados em função de seu valor de troca. É
então que escrever significa entrar na disputa de um lugar no mercado
independentemente da vontade explícita do autor. Só que agora é quase
impossível ele não tomar conhecimento da rede em que seu trabalho se
emaranha. Sintomaticamente Sérgio Sant Anna intitulou O duelo o conto
126
em que tematiza a discussão do editor com seu escritor. (BARBIERI, 2003,
p. 30)
O duelo só será publicado em 1989, no livro A senhorita Simpson, mas se
refere, segundo Sérgio, às suas relações com as editoras até meados da década de 1980
sendo o personagem do editor inspirado em Pedro Paulo Sena Madureira. O conto encena
encontros, ou duelos, entre um escritor ainda iniciante, que busca publicar seu romance, e
um editor, que nunca o publicará. A narrativa se desenvolve em torno dos encontros em que
o editor faz inúmeras críticas e sugestões para que o romance Ifigênia possa ser publicado.
A relação tensa e improdutiva se encaminha para um final em que Ifigênia permanece
íntegro, mas sem publicação. No final catártico, o escritor, de tanto ver sua obra tratada
como uma mercadoria barata, com sua possível qualidade como mercadoria ignorada, joga
ao final do último encontro entre os dois
o editor numa lata de lixo do MacDonald s.
Mas Ifigênia nunca chegará aos leitores.
Em 1988, com o livro de contos A senhorita Simpson praticamente pronto,
Sérgio Sant Anna está sem qualquer relação profissional com editora ou editores
aqueles
com quem já manteve relação estão enterrados em latas de lixo imaginárias. Resolveu,
então, procurar a Companhia das Letras
que naquele momento começava a publicar
ficção brasileira , oferecendo o seu novo livro para publicação. Sérgio Sant Anna conta
como foi o início da relação com Luiz Schwarcz, indício de uma interlocução bem diferente
das que mantinha com os responsáveis pelas editoras nas quais publicou até o momento:
Eu nunca tinha tido um contato maior com o Luiz Schwarcz, apenas nos
cumprimentamos em algumas feiras do livro. Mas ele já tinha mencionado
em entrevistas que gostava dos meus livros. [...] Escrevi uma carta falando
do novo livro e perguntei se ele estava interessado. Aí eu comecei a ver
quem era o Luiz. Em menos de uma semana já tinha a carta de resposta:
quero ver o livro sim. Botei o livro no correio, em mais uma semana ele me
telefonou: quero publicar o livro. Era outra história. O livro ficou muito bem
feito, a capa ficou muito bonita. A mais bonita de todos os meus livros.
127
O cuidado com a produção gráfica desse seu primeiro livro na editora
surpreendeu o autor. O capista escolhido pela editora foi João Baptista Aguiar. Inspirado
pela personagem Senhorita Simpson, que era uma professora, o artista gráfico criou para a
capa, entre outros elementos, uma etiqueta com o nome do autor e do livro. O sucesso dessa
capa levou a figura da etiqueta para quase todos os seus livros que foram publicados,
tornando-se um dos poucos escritores brasileiros publicados pela Companhia a terem uma
concepção gráfica especial para todos os seus livros, como podemos ver na capa do último
livro (figura 9). Mas a produção de A senhorita Simpson, que acabou sendo lançado em
1989, revelou outras surpresas para Sérgio, especialmente em relação ao cuidado e
intromissão da editora no texto, o oposto do procedimento que experimentou com a
Civilização Brasileira:
A Companhia, além do editor, o Schwarcz, tem uma equipe de editores da
casa. Elas, quase todas mulheres, fazem uma leitura fina. Se por acaso
queriam sugerir uma mudança, conversavam comigo. Alterações no texto,
uma palavra, uma vírgula, tudo é discutido. O que eu acho muito bom. Acho
que é do papel do editor isto. Principalmente se tem competência.
Em relação ao próprio Luiz Schwarcz, Sérgio Sant Anna testemunhou
também que ele lê o livro inteiro e faz sugestões: ele recebe o livro, faz uma primeira
leitura, e encaminha o livro com as suas sugestões para uma das editoras . No A senhorita
Simpson, as sugestões dele foram muitas; no entanto, Sérgio Sant Anna constatou que, com
o passar do tempo e o crescimento da editora, essa leitura intensa e pessoal de cada livro
pelo próprio Schwarcz ficou comprometida.
No seu discurso, Sérgio Sant Anna parece não se incomodar com
interferências, que podem ir de troca de palavras à reescritura de páginas inteiras, sentindose até mais seguro com a leitura prévia antes da chegada ao leitor. Sant Anna, inclusive, diz
aceitar a maioria das sugestões. Não podemos nos esquecer que estamos falando de um
autor de uma prosa literária criativa e não de um autor mais comercial . Nesse caso,
128
mesmo um autor difícil não se incomoda com a queda da incolumidade do seu texto, que
a interferência da editora pode permitir.
O sucesso de crítica de A Senhorita Simpson foi imenso, acompanhado por
um sucesso de vendas, possibilitado, agora, pela boa capacidade de divulgação e
distribuição da editora. A primeira edição esgotou-se rapidamente, e foram feitas várias
reedições e reimpressões. A mudança para a nova editora, implicando uma relação mais
profissional, não fez o autor migrar do conto para o romance, o que aconteceu com outros
escritores, inclusive da própria Companhia das Letras, como vimos anteriormente.
Mas, mesmo sem deixar o universo dos contos, os seus dois livros seguintes
são compostos de narrativas de tamanho maior cada uma, muitas delas com o tamanho
intermediário entre conto e novela: logo, em 1991, publica Breve História do Espírito, com
três dessas narrativas de tamanho intermediário e, em 1994, publica O monstro, com outras
três. O sucesso de crítica e vendas não foi tão grande nesses dois livros quanto no de
estréia, mas os dois tipos de sucesso estavam sintonizados. O sucesso de crítica passou a
ser uma variável que impactava nas vendas, talvez porque a Companhia das Letras
conseguisse fazer chegar o livro a um público suscetível, identificado com os comentários
da crítica literária. O primeiro não foi tão bem aceito pela crítica e vendeu menos. O
segundo, bem mais valorizado por ela, conseguiu melhores índices de vendas.
Em 1997, a Companhia das Letras dedica a Sérgio Sant Anna um volume de
capa dura com todos os seus contos e novelas publicados em livro até o momento,
incluindo os que foram publicados antes e durante a sua parceria com a Companhia das
Letras, intitulado Contos e novelas reunidos. O volume reproduz os contos e novelas de
seis livros anteriores e inclui quatro contos inéditos. A editora vem produzindo esses
volumes com os textos curtos dos principais ficcionistas brasileiros contemporâneos que
fazem parte do catálogo da editora desde 1994, quando publicou o volume Contos
reunidos, de Rubem Fonseca. Também já foram publicados volumes dedicados à obra de
Moacyr Scliar e João Gilberto Noll. Os quatro autores publicados acabam formando um
seleto cânone de ficcionistas brasileiros que produzem textos curtos. Ao publicar esses
volumes, a editora reitera que esses escritores se equivalem e tem uma obra acumulada que
129
já pode ser vista como clássica no universo da literatura contemporânea. A publicação
dessas obras tem a nítida intenção de chancelar esses autores como grandes autores, e, por
conseguinte, a Companhia das Letras como a principal editora brasileira de literatura. O
mesmo mecanismo se repetirá na coleção Literatura ou Morte, como veremos no próximo
capítulo.
Sérgio Sant Anna, durante a preparação do volume, resolveu deixar de fora
alguns contos que tinham sido publicados em livro, mas que
1997
segundo o seu padrão de
não tinham o mesmo nível de qualidade dos seus outros textos. Como a
responsabilidade pelo corte dos contos foi do próprio escritor, ele acabou funcionando
como um editor de si mesmo. Sérgio Sant Anna, ao ser indagado quais contos cortou, faz o
relato dessa seleção, apontando um modo crítico pelo qual o escritor lê e reconhece a sua
própria obra:
Cortei do Sobrevivente mais da metade do livro. Cortei alguns poucos contos
do Manfredo Rangel e do Concerto de João Gilberto. Dos contos e novelas
que já publiquei pela Companhia das Letras, eu não cortei nenhum. O que eu
publiquei lá já estava num nível que não merecia cortes.
Pesquisa interessante poderia ser verificar quais contos ele efetivamente
cortou para a publicação do Contos e novelas reunidos e analisar as características desses
textos renegados para entendermos como o escritor avalia a sua produção e a possibilidade
de êxito da sua republicação. No entanto, essa investigação minuciosa não cabe no escopo
da presente tese.
Contos e novelas reunidos vendeu, segundo Sérgio, mais de dois mil
exemplares, o que para um livro de alto custo para seu consumidor final, cerca de R$ 80,00
em 2005, é um número bastante expressivo. Vale observar que mais importante do que a
vendagem em si é o prestígio que esse tipo de livro acaba trazendo ao escritor e ao próprio
catálogo da editora.
Simultaneamente ao Contos e novelas reunidos, Sérgio Sant Anna lança pela
própria Companhia o romance Crime delicado, que acabou se tornando o seu livro de maior
130
vendagem. Romance muito bem recebido pela crítica
de 1998
tendo conquistado o prêmio Jabuti
, discute a produção da arte e a crítica artística numa trama policial com
elementos eróticos, unindo os gostos de um público acadêmico e de outro mais popular.
Mas a explicação que Sérgio encontra para a sua boa vendagem é o fato do livro se tratar de
um romance, que teria um potencial de vendas bem maior do que uma coletânea de textos
curtos.
Somente seis anos depois, em 2003, lança seu livro seguinte, a coletânea de
contos O vôo da madrugada. São 16 contos que oscilam entre o autobiográfico e o
ensaístico. Algumas vezes envereda pela metaliteratura
nefandos, abstratos e obscuros
ao se desafiar a produzir contos
e por um experimentalismo radical, como nos últimos
contos, nos quais se propõe a traduzir o que é pictórico para a palavra. O livro foi premiado
pela Associação de Críticos de Arte de São Paulo e até o final de 2005 já tinha superado a
marca de quatro mil exemplares vendidos. A última obra de Sérgio Sant Anna publicada
pela Companhia, antes da conclusão desta tese, foi a reedição da Tragédia Brasileira, em
2005. Segundo Sérgio, seus outros romances publicados antes do ingresso na editora ainda
serão republicados. Os contos lançados anteriormente já estão disponíveis em edição da
Companhia desde a publicação de Contos e novelas reunidos.
Publicando pela Companhia das Letras desde 1989, a avaliação que Sérgio
Sant Anna faz da sua relação com a editora é extremamente positiva. Para ele, o nível de
profissionalização e confiança que há entre eles é de extrema importância para a
consolidação da sua carreira de escritor:
Na minha carreira houve duas fases: uma antes outra depois da Companhia
das Letras. Ela me profissionalizou. Não que eu viva de literatura. O tipo de
livro que escrevo vende em média cinco mil exemplares. Vende sempre,
mas com limites de quantidade. Não tenho nenhum livro da Companhia que
foi retirado de catálogo, o que acontecia nas outras editoras. E tem mais. De
três em três meses chega religiosamente a prestação de contas e o pagamento
dos direitos. São coisas fundamentais para a relação do escritor com o editor.
Eu não estava acostumado com isto e isto é o que deveria ser o normal. E o
Luiz é um editor de alto nível ele é respeitado no mundo inteiro. Em todo
lugar do mundo em que ele chega, sabem que estão tratando com um editor
131
sério. Existe um cheiro de primeiro mundo lá. (...) Se for olhar a edição
anterior da Tragédia brasileira feita pela Guanabara e a atual feita pela
Companhia, chego á conclusão que a atual é a primeira edição real.
Pela sua declaração, fica claro que Sérgio valoriza bastante a relação
profissional que mantém com a Companhia e o trabalho que ela realiza na edição de seus
livros. Mesmo não vivendo exclusivamente dos seus ganhos de literatura, Sérgio busca uma
remuneração digna para o seu trabalho de escritor, e espera que a sua editora consiga levar
seus livros
que já têm um público potencial reduzido
a atingir o maior número de
leitores possíveis. A parceria com a Companhia parece ter dado a ele uma tranqüilidade
maior para produzir seus textos, sem precisar tomar para si a responsabilidade por detalhes
de produção e distribuição, como por vezes acontecia nas outras editoras. Por outro lado,
Luiz Schwarcz parece entender as especificidades da ficção de Sérgio, tanto que não faz a
ele propostas de encomendas efetivas de textos ficcionais, nem mesmo sugere temas
procedimento comum do editor com autores publicados pela Companhia. A permanência
durante vários anos de Sérgio Sant Anna na Companhia das Letras consolida o prestígio de
ambos, que são mutuamente contaminados pelo prestígio e pela qualidade do outro no
desempenho de suas tarefas.
2.5. Uma Análise da Companhia
Após examinarmos a sua formação, as características do seu catálogo, os
discursos de seu editor e a relação com os escritores de ficção que publica, poderemos fazer
132
uma análise do papel que a Companhia das Letras exerce na cultura e na literatura
brasileira contemporânea. Este subcapítulo terá, então, a função de consolidar os resultados
do nosso estudo de caso obtidos até o momento e avançar nas análises desses resultados.
A diferenciação inicial e fundamental da Companhia das Letras em relação
às antecessoras no cenário editorial brasileiro
culturais
e ao próprio ethos das empresas artísticas e
é uma assumida proposta de editar e comercializar prioritariamente livros de
qualidade e ao mesmo tempo conseguir uma boa margem de lucro com isso. Esse tipo de
proposta afasta a editora do modelo de denegação do econômico por abarcar o comercial
como algo positivo. O comercial e o lucro não é para ela algo que deva ser afastado, mas
algo que programaticamente faz parte do seu objetivo e do discurso de seu editorproprietário. Ela possui o termo companhia, que remete a negócio e a lucro, embutido no
seu próprio nome, um sinal do qual não pode fugir nem negar; uma verdadeira marca de
nascença, adquirida na sua própria gestação. No desenrolar de seus quase 20 anos de
história, podemos constatar que esse sucesso comercial foi atingido plenamente se
compararmos com outras editoras brasileiras do mesmo período. Isso fica patente quando
observamos a evolução do seu lucro anual, o número de títulos publicados e a quantidade
de empregados e colaboradores que passam a trabalhar para ela.
Por outro lado, é preciso que se diga que, num primeiro olhar, o seu discurso
de pretender produzir apenas livros de qualidade poderia aproximá-la do discurso da
denegação do econômico, já que nesse universo a produção de bens de alto valor cultural
faz parte do discurso central. Mas a impura aproximação entre valor literário e lucro, entre
a companhia e as letras, traz à bandeira de produzir livros de qualidade outra dimensão: a
de ser característica central do negócio específico da Companhia das Letras; o que no
jargão atual do mundo dos negócios é chamado de missão empresarial. Não precisamos
decidir entre essas duas hipóteses, apenas constatar que produzir livro de qualidade é parte
central do discurso da editora. Para sabermos se consegue fazer isso, analisaremos mais
cuidadosamente os dados já relatados nos outros subcapítulos.
Ao examinarmos o seu catálogo, observamos que muitas obras têm elevado
valor simbólico junto à crítica especializada, característica que era ainda mais forte nos
133
primeiros anos de vida da editora. Publica sistematicamente livros de autores que possuem
prestígio consolidado como escritores, pensadores ou especialistas em determinados temas.
Por outro lado, é facilmente constatado que ela evita radicalmente obras que têm menos
prestígio acadêmico e não atingem as exigências do gosto de uma elite intelectual, como
livros religiosos, manuais de auto-ajuda, romances açucarados, ou filões de moda
passageira. Autores místicos, extremamente didáticos, ou especializados em tramas
demasiadamente popularescas dificilmente serão publicados pela Companhia, a não ser que
proponham releituras das tradições que representam.
Na verdade, o mecanismo inicial de produzir livros de qualidade forneceu
tamanho prestígio à editora que, com a sua consolidação como produtora de bens de
elevado valor simbólico, passou a funcionar como garantia de valor para os livros que
viabilizava, e aos seus respectivos autores. Mansamente, os sinais passam a se inverter, e
mais importante do que observarmos que ela publica livros de qualidade é sermos
surpreendidos ao constatarmos que, em determinado estágio da sua trajetória, os livros
passam a ter qualidade ao serem publicados especificamente pela Companhia das Letras.
Inicialmente o autor dá prestígio à editora. Mas, com a consolidação do seu prestígio, é ela
que passa a dar prestígio ao autor e à sua obra. Bourdieu, ao falar de empresários culturais
de sucesso também constata que o sentido da valorização simbólica pode correr da empresa
para a obra:
Sua autoridade é, por si só, um valor fiduciário existente não só na relação
com o campo da produção em seu conjunto, ou seja, com os pintores ou
escritores que fazem parte de sua escuderia um editor, conforme dizia um
deles, é seu catálogo
e com aqueles que estão fora e gostariam ou não de
fazer parte dela, mas também com os outros marchands ou editores que
manifestam mais ou menos claramente a cobiça por seus autores ou
escritores, além de terem maior ou menor capacidade para açambarcá-los; na
relação com os críticos, que se fiam em menor grau em seu julgamento,
falam de seus produtos com maior ou menor respeito; na relação com os
clientes, que têm uma percepção mais ou menos nítida da sua marca e
depositam nele um maior ou menor grau de confiança. Esta autoridade não é
outra coisa senão um crédito junto a um conjunto de agentes que constituem
134
relações tanto mais preciosas quanto for o crédito de que eles próprios se
beneficiam. (BOURDIEU, 2004, p. 24)
Esse papel de consagrador ocupado pelo editor vale para obras nãoficcionais, como o ensaio acadêmico, apesar de nesses casos existirem outros parâmetros
para se medir o valor dessas obras, como a própria opinião dos especialistas nos campos do
saber de que trata a obra, ligados quase sempre às instituições acadêmicas. Na poesia e na
ficção, em que o papel da crítica é muito mais subjetivo, a marca da editora é muito mais
determinante para o estabelecimento do valor literário da obra. Vivemos em tempos nos
quais o papel da crítica diminui e o poder da marca da editora aumenta. Mas mesmo uma
crítica literária e cultural ativa não possuiria autonomia completa em relação à empresa
editorial, muito menos desinteresse, como observa Bourdieu ao falar das relações entre a
crítica e a empresa artística de uma foram genérica:
É por demais evidente que os críticos colaboram também com o comerciante
de arte no trabalho de consagração que faz a reputação e pelo menos, a
prazo o valor monetário das obras: ao descobrirem os novos talentos ,
eles orientam a escolha dos vendedores e compradores por seus escritos ou
conselhos (eles são, muitas vezes, leitores ou diretores de coleções nas
editoras ou autores de prefácios, contratados pelas galerias), por seus
veredictos que, apesar de pretenderem ser puramente estéticos, são
acompanhados por consideráveis efeitos econômicos (júris). (BOURDIEU,
2004, p. 24)
O comentário de Bourdieu nos remete à lembrança de que uma das
características mais marcantes da editora, e ao mesmo tempo uma das mais atacadas pelos
seus concorrentes, é seu modo ostensivo de interagir com a crítica e com os meios de
comunicação que divulgam livros, literatura e cultura como um todo. A Companhia das
Letras continuamente cria fatos culturais e produz material de divulgação de alta qualidade
(incluindo resenhas e críticas de seus livros produzidas pelos inúmeros intelectuais com
que mantém relações) que lhe garante espaço gratuito nos veículos especializados. Essa
presença maciça nos espaços dedicados à cultura na imprensa especializada é uma marca da
135
editora desde a sua fundação, como no já citado episódio das repetidas vezes que a editora
apareceu na seção livros da revista Veja em outubro de 1986, mês em que ela entrou no
mercado. Ela é acusada pelos concorrentes de comercial e manipuladora pelo modo como
age no campo da divulgação editorial, que, como vimos anteriormente, é mais pragmático e
eficiente do que as atividades divulgacionais dos seus concorrentes e acusadores. Um fato
literário co-patrocinado pela Companhia das Letras que simboliza o tipo de atitude
atacada pelos seus adversários foi a concepção e realização da Festa Literária de Parati,
iniciada em 2003. A participação da Companhia das Letras à frente da FLIP foi tão
avassaladoramente atacada pelos seus críticos que Luiz Schwarcz resolveu diminuir
paulatinamente a sua participação na condução do evento.
A crescente profissionalização da Companhia das Letras nas relações com
seus escritores, as suas estratégias editoriais e a própria figura emblemática do seu editor
acabaram influenciando a produção de livros e a própria literatura contemporânea no Brasil
de forma decisiva. Um dos fatores preliminares para ela influir tão decisivamente na
produção do seu tempo é a escolha de privilegiar a publicação de lançamentos, quase
sempre livros de autores que estão em atividade, deixando de fora obras consagradas do
passado, de autores que já caíram no domínio público, o que acontece após 70 anos de sua
morte. Quando apresenta obras de autores consagrados, esses são apresentados como
redescobertas ou atualizações, constituindo exceção de um estilo de publicação de
lançamentos (SORÁ, 1997, p. 166). Ao priorizar obras contemporâneas, como se verificou
no exame do seu catálogo, a editora pode interferir e sinalizar positivamente para a
produção de determinado tipo de obra, especialmente no caso de obras de autores
nacionais. Ela se coloca em diálogo constante com a produção nacional, estimulando o
aparecimento de determinadas obras e não estimulando outras. Essa sinalização não se faz
fundamentalmente por encomendas de obras, mas pela explicitação dos seus mecanismos
de seleção, que corre com a efetivação da publicação. Como a editora caminhou
rapidamente para se tornar a editora de referência no Brasil, a sua sinalização aponta para o
que deve ser produzido para ser publicado pela melhor editora brasileira. Logo, tentar
136
cumprir as sinalizações da editora significava para o autor e sua obra uma possibilidade de
fazer parte de um cânone dos melhores livros e escritores brasileiros.
A seleção editorial sempre foi comandada por Luiz Schwarcz e reflete sua
vontade a partir de sua concepção editorial de ter lucro publicando livros de qualidade, que
implica determinados valores culturais e intelectuais. Esses valores, além de pessoais, são
marcados pelas concepções de uma equipe de editores e consultores do mundo acadêmico
e literário do Rio e de São Paulo, que faziam parte do seu círculo de relações e, em geral,
também autores publicados pela editora (SORÁ, 1997, p. 164). Mas podemos arriscar,
pelo exame do catálogo, e por leitura de constantes comentários a esse respeito na
imprensa, como nos rompantes de Carlos Heitor Cony, que o núcleo de pessoas e idéias que
gravitam em torno de Schwarcz, e sua Companhia, são basicamente paulistas, mais
precisamente ligadas à Universidade de São Paulo, o que rende-lhes a contínua pecha de
uspianos. Lilia Schwarcz, sócia e esposa de Luiz, é o elo principal entre a editora e a
universidade paulista, sendo ela própria professora da USP na área de Antropologia. Na
verdade, há uma nítida conexão entre a principal editora e a principal universidade
brasileira. Os textos não-ficcionais da editora, especialmente nos seus primeiros tempos,
eram produzidos por acadêmicos ligados à instituição paulista, como quadros efetivos ou
formados pelos seus programas de pós-graduação nas áreas de ciências humanas ou sociais.
A ficção publicada, apesar de não ser maciçamente paulista
produzida muitas vezes por
escritores radicados no Rio de Janeiro , também representa o pensamento e o gosto da
intelectualidade paulista, continuamente responsável por escolhas e recomendações, como
no emblemático caso da obra do carioca Paulo Lins, recomendado por Roberto Schwarz, da
Faculdade de Letras da USP. Essa identificação fornece ao catálogo da Companhia a
garantia e a chancela da principal universidade brasileira, o que traz a solidez de um
pensamento universitário com a história intelectual mais longa e tradicional do Brasil,
responsável pelo fomento e pela reprodução de sua matriz intelectual em outras
instituições. Alicerçada em nomes como Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda,
continuamente a universidade formou os intelectuais centrais do pensamento acadêmico
brasileiro, responsáveis últimos pela sua pauta de interesses e discussões no Brasil. Por
137
outro lado, tamanha tradição intelectual, que deixa a universidade paulista lenta para
incorporar com rapidez pensamentos acadêmicos inovadores, acaba contaminando
colateralmente a editora paulista, que muitas vezes retarda o mergulho em novas
concepções das ciências humanas e sociais, e, até mesmo, prejudica a publicação de obras
inspiradas em determinadas concepções que conflitam radicalmente com pressupostos da
universidade. Mas, esse viés uspiano, se verdadeiro, não é uniforme e impenetrável por
outras correntes, que, no desenvolvimento da história da editora, têm acesso cada vez maior
ao catálogo da editora.
Em relação à seleção de originais e organização do catálogo, a editora
privilegia grupos de livros e não livros individuais. No discurso de seu editor, o livro
isolado é uma estratégia repudiada pela editora, o que se comprovou pelo exame do seu
catálogo. O extremo dessa estratégia é organizar o livro em coleções. Na verdade, a
Companhia não organiza tanto o seu livro em coleções formais
que também existem ,
mas em séries mais ou menos informais, podendo nem mesmo ter identidade visual
específica. Com a formatação dessas séries informais, a editora acaba organizando seu
catálogo por públicos, assuntos ou autores. O agrupamento por público levou inclusive a
criação dos seus selos para crianças e jovens. A divisão por assunto
conhecimento
ou áreas do
é o modo como organiza principalmente o seu catálogo de livros de não-
ficção. Na ficção, o modo de organização é o por livros do mesmo autor. A Companhia
publica inicialmente um livro de um autor de ficção com a perspectiva de publicar outros
livros desse autor.
A publicação de coleções ou séries pela Companhia pode orientar a
produção de livros
já que os autores visualizam com mais nitidez as linhas editoriais,
percebendo o potencial de publicação de cada original ou projeto. Mas também orienta o
consumo
incluindo a própria leitura
já que a dinâmica das séries e coleções sugere
determinado tipo de leitura para cada uma das obras. O fato de certo livro de ficção ser
incluído ou não na série policial determina tanto o modo como é lido como o nível de
prestígio que a sua leitura traz.
138
Com essa estratégia de organização do catálogo, a editora não precisa
vender livro a livro. Um livro de um autor estimula a compra de outro livro do mesmo
autor, caso o leitor fique satisfeito. E a venda de um livro de determinada série ou coleção
pode implicar novas compras da mesma série. E por fim essa fidelização acaba
acontecendo à própria editora. Utilizando livremente o pensamento de Bourdieu, podemos
dizer que a qualidade do catálogo da Companhia das Letras é o seu maior patrimônio.
Uma ferramenta utilizada com eficiência tanto para valorizar as obras
publicadas como para formar grupos de livros no seu catálogo é o planejamento gráfico
arrojado e a qualidade técnica do seu produto livro. Os livros da editora são fabricados com
alto nível de qualidade técnica, envolvendo, entre outros procedimentos, a escolha do
papel, da tinta e do modo de impressão
se diferenciando positivamente das publicações
da maioria das editoras. Alguns grupos de livros merecem inclusive um acabamento técnico
ainda mais caprichado, como, por exemplo, nos últimos lançamentos de Paul Auster e na
reedição comemorativa da obra de Érico Verissimo. Mas são as concepções gráficas de
seus livros que os diferenciam dos livros das suas concorrentes na disputa das estantes das
livrarias. As concepções arrojadas dos seus designers fizeram das capas da Companhia um
componente forte da sua marca, muitas vezes imitado pelas outras editoras. Além de
funcionar como ferramenta para consolidar uma diferenciação em relação aos concorrentes,
o design de suas capas funciona no sentido de demarcar grupos de livros no interior do
catálogo. Sem o seu esforço gráfico, a Companhia não conseguiria o sucesso que obteve
com a sua estratégia de coleção .
A dimensão visual do livro da Companhia complementa a sua dimensão
textual, contribuindo inclusive no processo de consagração literária dos seus autores. O
cuidado com os aspectos físicos do livro aproxima Luiz Schwarcz do antigo perfil do
editor-impressor, mesmo não possuindo uma gráfica. Sem deixar de lado o seu papel
intelectual, a Companhia das Letras reverbera até a figura do impressor artesanal, o que
pode ser exemplificado pela sua série de logotipos pré-modernos. Uma das funções
editoriais que o modo de operar da Companhia não nos deixa nunca esquecer é a de
139
fabricar livros, ou seja, a transformação do original já pronto em livro (BRAGANÇA,
2001, p. 23
25).
Voltando à sua formação como editora literária de prestígio, constatamos
que inicialmente a editora publicava prioritariamente ensaios, deixando um pouco de lado a
ficção, especialmente a nacional. Mas devido às características literárias desses ensaios, ela
já se forma como editora literária, e não como uma editora acadêmica especializada em
ciências humanas e sociais. São obras literárias tanto pela importância que a dimensão
autoral tem na publicação e consumo desses textos como pelas suas próprias características
textuais. Mário Sérgio Conti, ao resenhar o primeiro lançamento da editora, o ensaio Rumo
à estação Finlândia, chega a chamá-lo de grande romance. Portanto, no seu início a editora
se estrutura pela publicação constante de obras do gênero ensaio literário.
O passo seguinte para se consolidar como editora literária seria formar um
catálogo de obras ficcionais. Em relação à ficção estrangeira o processo foi mais rápido.
Schwarcz começou a freqüentar as grandes feiras internacionais, e, agindo de forma
profissional com os agentes e editores estrangeiros
ou seja, cumprindo com prazos e
valores combinados , conseguiu os direitos de vários autores inéditos no Brasil, buscando
os que já tivessem prestígio literário e sucesso comercial nos países em que fossem
publicados. No exame do catálogo de ficção estrangeira, verificou-se um grande número de
obras e autores que já receberam algum tipo de prêmio literário importante
prêmios esses,
como o Nobel e o Book Prize, que funcionaram como uma garantia de qualidade e teste de
mercado.
Esse prestígio internacional resulta também numa parceria sólida com a
prestigiosa casa editorial inglesa Bloomsbury, comandada por Liz Calder. As duas editoras
costumam realizar projetos literários em comum
o desenvolvimento de coleções e até de
eventos literários, como a Festa Literária de Parati. Cada uma das editoras também acaba
escoando as suas publicações para parte do mercado estrangeiro pelas atividades editoriais
da parceira.
Quanto à publicação tardia de ficção nacional, a explicação recorrente de
Luiz Schwarcz é a de que no período inicial da história da Companhia a maioria dos bons
140
autores já estava comprometida com alguma outra editora. Mas, assim que o prestígio da
Companhia das Letras se solidificou com os ensaios literários, esses bons escritores
passaram a ter interesse em publicar pela Companhia. A partir da entrada de Rubem
Fonseca, os principais autores brasileiros de ficção passaram a migrar para a editora. Como
vimos no exame do catálogo, a Companhia das Letras possui parte considerável dos
principais escritores brasileiros contemporâneos de ficção. No mesmo mecanismo já
mencionado, a Companhia publica inicialmente escritores de grande prestígio, que acabam
contaminando a editora. Em seguida, muda o sentido da concessão de prestígio: ser
publicado pela Companhia das Letras dá prestígio literário àqueles que ainda não o têm.
Exemplo claro do poder de acelerar o prestígio literário de quem ela publica são os casos de
Chico Buarque e Jô Soares. Os dois autores tiveram acelerado o seu processo de aceite da
crítica
o que é mais forte no caso de Chico
e do público leitor por terem sido publicados
pela Companhia das Letras, o que garantia prestígio literário a nomes já conhecidos dos
possíveis leitores pelas suas atividades extra literárias.
Principalmente em relação à publicação de autores nacionais, a Companhia
das Letras acaba tendo um papel diferenciado e bastante ativo. Ela interage bastante com os
escritores de ficção, influenciando no resultado da obra literária. Não falaremos agora sobre
aquela influência que é mais uma sinalização ou encomenda implícita que direciona a
produção literária, da qual já falamos. Falaremos do modo como a ação da editora
influencia diretamente a obra a partir da seleção de originais. Como o recebimento de
originais sem indicação é quase descartado, os originais são ou indicações ou novos textos
de autores que já publicam pela editora. Em qualquer um dos casos, se os originais
passarem pela seleção, eles não passam incólumes. A equipe editorial da Companhia das
Letras, em interação com os autores, faz sugestões e modificações, em relação a títulos,
palavras, frases, capítulos. Solicitam cortes, inclusões, modificações. São primeiros leitores
extremamente exigentes. Para eles, o texto nunca chega pronto. Na nossa pesquisa,
constatamos, com alguma surpresa, que os escritores aceitam muito bem reparações nas
suas obras. Mas, segundo Schwarcz, a última palavra é sempre a do escritor.
141
A alguns autores que publicam costumeiramente pela editora, Shwarcz pode
até fazer sugestões de gêneros ou temas. Essas sugestões podem ser informais ou até se
transformarem em encomendas como é o caso da coleção Literatura ou Morte, que
examinaremos no próximo capítulo. Na nossa pesquisa, também constatamos que esse
modo de intervenção é visto de modo positivo pelos autores que já passaram pela
experiência, como Moacyr Scliar. No caso da coleção, a boa receptividade dos autores pode
ser comprovada pelo número de encomendas efetivamente cumpridas. Vale lembrar que
sugestões prévias de produção de obras não é um instrumento que Shwarcz utiliza com
todos os autores que publica, como podemos verificar no exame do caso de Sérgio
Sant Anna. O editor parece conhecer os mecanismos de criação dos seus autores mais
importantes, mantendo com cada um deles um tipo de relação específica.
No desenrolar da história da Companhia, à influência dos intelectuais
uspianos na escolha das obras publicadas soma-se uma crescente influência dos autores de
ficção brasileiros publicados pela Companhia, e alguns latino-americanos. Esses autores,
como Rubem Fonseca, Moacyr Scliar e o argentino Alberto Manguel passam a ter um papel
tanto de consultores na escolha de originais como de produtores de prefácios, de outros
textos complementares e até mesmo de resenhas e críticas a serem veiculadas na imprensa,
papel que também continua a ser exercido simultaneamente pelos intelectuais mais ligados
à USP. Muitos desses escritores mantêm relações constantes com a editora e sua equipe
durante um período longo, o que dá a essa relação entre colaboradores e editora um caráter
de permanência. Esse caráter de permanência
somado ao importante papel que as relações
pessoais têm na estrutura profissional da editora
aproxima a Companhia de antigas e
tradicionais editoras brasileiras, chamadas de casas editoriais, onde uma família de
colaboradores gravitava em torno da figura do editor-proprietário, como no caso
emblemático da Editora José Olympio.
Podemos ainda arriscar outras interpretações quanto à influência da
Companhia das Letras na cultura e na literatura brasileira de finais do século XX e início do
XXI. Em primeiro lugar, ela proporcionou o lançamento intenso de autores que estavam
sendo publicados na Europa e nos Estados Unidos, e que, antes da Companhia entrar em
142
atividade, demoravam bastante a ser editados e vendidos no Brasil, introduzindo de forma
definitiva no país autores tão diferentes como Salman Rushdie, Elizabeth Roudinesco e
Robert Darnton, entre outros. Com essa atuação da editora, disponibilizou-se autores e
obras estrangeiras contemporâneas relevantes para os leitores brasileiros, numa diferença
de tempo razoável em relação à sua publicação original. Esse seu papel de introdutor de
autores e obras no Brasil em tempo quase simultâneo à publicação no país de origem é
ainda mais importante na medida em que o seu procedimento influenciou as editoras
concorrentes, o que diminui ainda mais o intervalo entre a publicação de obras de qualidade
no exterior e no Brasil.
Em relação à ficção brasileira, tentarmos identificar influências explícitas da
atuação da Companhia das Letras nos resultados das obras publicadas pode ser ainda mais
arriscado do que mencionar os mecanismos de como essa influência pode se dar. No
entanto, a observação do catálogo das principais obras ficcionais de autores brasileiros nos
permite fazer algumas tentativas de encontrar marcas efetivas do pólo editorial na produção
literária. O exame das obras publicadas por esses autores fora da editora facilitou
identificarmos a especificidade do seu papel. Uma marca que identificamos nas obras de
autores que passaram a publicar pela Companhia é terem enveredado na linhagem do
romance histórico. Constatamos que escritores que nunca se dedicaram anteriormente ao
tema, como Moacyr Scliar e Rubem Fonseca, quando passam a ser publicados pela
Companhia realizam algumas de suas obras nos parâmetros desse gênero, que tem nos
últimos 20 anos bom apelo comercial, sem deixar de ser gênero de certo prestígio no
cânone literário. Também escritores praticamente inéditos, como José Roberto Torero e
Ana Miranda, conseguiram facilitar sua publicação na editora por aderirem ao gênero.
Identificou-se também na obra de alguns autores que passaram a ser publicados pela editora
um movimento de um pouco mais de dedicação ao romance do que ao conto em relação ao
momento anterior de suas carreiras. É bom observar que não podemos responsabilizar por
esse movimento só a editora, já que pode tratar-se de uma tendência mais geral. Outra
marca que encontramos nas obras publicadas é a existência de um bom número de textos
dedicados a temas relacionados ao fazer literário
143
mais ou menos explicitamente
eà
própria vida literária. Podemos enumerar algumas dessas obras ficcionais: Budapeste, de
Chico Buarque; Assassinato na Academia de Letras, de Jô Soares; vários textos de Sérgio
Sant Anna e de Rubem Fonseca; além de todos os volumes da coleção Literatura ou Morte.
Já que mencionamos a coleção Literatura ou Morte, passaremos para o
próximo capítulo, no qual a partir da análise dessa coleção de encomenda tentaremos
identificar marcas da intervenção editorial no resultado textual da encomenda.
Capítulo 3
A Coleção Literatura ou Morte
A dimensão criadora e produtiva do editor aparece com mais realce no caso
da encomenda. Não é a regra nas relações entre Schwarcz e os escritores de ficção que
publicam pela Companhia, mas estudá-la pode ser excelente laboratório para investigarmos
a dimensão autoral e produtiva do pólo editorial. A encomenda explícita de textos
ficcionais, nessa e em outras editoras brasileiras contemporâneas, acaba por concentrar-se
144
em coleções temáticas. Nesse tipo de intervenção editorial, uma editora sugere a
determinado grupo de escritores um encadeamento de temas ou assuntos, para que cada um
produza uma obra ficcional. Soma-se à estratégia da encomenda explícita a estratégia de
organizar o seu catálogo por coleções.
A encomenda explícita de textos é algo polêmico especialmente quando se
trata de textos ficcionais, já que coloca em xeque a função autor no texto ficcional. Michel
Foucault, no ensaio O que é um autor?, publicado inicialmente em 1969, observou que a
função autor não é exercida do mesmo modo em diferentes tipos de discurso, ou seja, varia
a importância da autoria na recepção de diversos tipos de discursos. A partir do século
XVII, os enunciados científicos só teriam validade se estivessem embasados na
metodologia científica que se estabelecia; enquanto que o discurso literário passou a ser
mais vinculado à figura do seu autor. No campo literário a função autor passa a ser o
principal modo de classificar os discursos. A autoria do texto literário é determinante para
sua recepção
quem o escreveu é um elemento decisivo para o julgamento do valor de
determinado texto literário. Portanto, a identificação da autoria individual é fundamental na
publicação de um texto literário. Podemos imaginar isto como um dos motivos para que a
encomenda de textos só seja vista como algo menor no campo literário, já que a autoria
individual seria maculada pela intervenção do editor, que por meio da encomenda pode
influir diretamente no resultado de produções literárias específicas. Em relação a textos
não-ficcionais, o tabu da encomenda não é tão grande, já que nele a função autor não possui
um papel tão fundamental. Um texto científico ou crítico de encomenda é algo encarado
normalmente: um texto sobre segurança alimentar ou política cultural não é
necessariamente melhor ou pior por ser encomendado.
O aparecimento da coleção temática na cena literária brasileira da década de
1990 se deve à Editora Objetiva. A encomenda de coleções ficcionais temáticas não chega
a ser uma novidade completa na literatura brasileira. Em 1964, a Civilização Brasileira
publicou um volume de contos inspirados nos sete pecados capitais encomendados a sete
escritores já consagrados: Mário Donato, Guilherme Figueiredo, Carlos Heitor Cony, Otto
Lara Rezende, José Condé, Lygia Fagundes Telles e Guimarães Rosa. E no ano seguinte
145
lançou novo volume de textos encomendados, inspirados agora nos dez mandamentos. Esse
volume trazia novamente contos de Guilherme Figueiredo, Condé e Cony e textos de Jorge
Amado, Marques Rebelo, Orígenes Lessa, Campos de Carvalho, João Antônio, Moacir C.
Lopes e Helena Silveira. Os volumes foram considerados sucesso de vendas, além de terem
uma boa recepção da crítica dos jornais e da academia. Os 7 pecados capitais permanece
até hoje no catálogo Bertrand Brasil, selo que publica os antigos textos ficcionais da
Civilização Brasileira.
A encomenda na produção ficcional vai voltar com força à cena literária
brasileira já em finais da década de 90 com as coleções temáticas, nas quais são produzidos
vários volumes de um mesmo tema, cada um entregue a um escritor diferente. Não se trata
mais de um volume único com vários textos ficcionais, mas de coleção com volumes
independentes sobre um mesmo tema, em que cada volume acaba tratando de uma fração
do tema geral. Nessa retomada, a primeira coleção temática de grande repercussão foi
lançada pela Editora Objetiva em 1998, repetindo justamente o mote dos sete pecados
capitais
a coleção Plenos Pecados, que teve seu volume final publicado em 2002. A
inspiração no volume de 1964 é evidente, especialmente pela repetição do tema. Outra
semelhança é que a maioria das encomendas era também contratada com escritores
consagrados: Zuenir Ventura, José Roberto Torero, Luis Fernando Verissimo, João Ubaldo
Ribeiro, João Gilberto Noll, Ariel Dorfman e Tomás Eloy Martínez. Porém observamos
nesses dois últimos nomes mais uma diferença em relação ao seu antecessor da década de
60: agora a encomenda de uma editora brasileira ultrapassa as fronteiras nacionais e atinge
um escritor consagrado chileno e outro argentino. Plenos Pecados teve alguns volumes bem
aceitos pela crítica e outros nem tanto. Mas o sucesso comercial da coleção como um todo
é exemplar: segundo informações fornecidas por Isa Pessoa, coordenadora editorial da
coleção, em entrevista realizada no início do ano de 2003, a coleção caminhava célere para
os 300 mil exemplares vendidos. Com esse resultado palpável, a Editora Objetiva
continuou apostando nas coleções temáticas.
Em 2001, a Objetiva lançou a coleção Cinco Dedos de Prosa, com um tema
bem mais singelo do que os pecados capitais: os dedos da mão. Foram encomendadas a
146
cinco escritores, novamente quase todos profissionais experientes, narrativas que se
inspirassem em cada um dos dedos da mão
o polegar, o indicador, e assim por diante. Na
verdade, era uma paródia da própria idéia de coleção, segundo Isa Pessoa (que também
coordenou essa coleção). A paródia estaria no caráter inusitado e aberto do tema, que
deixava aos escritores escolhidos uma autonomia para escrever o que quisesse sobre
assunto tão inusitado, ou seja, em princípio, uma coleção temática sem tema, uma
encomenda aberta. A coleção inicialmente não obteve grande sucesso editorial, vendendo
poucos exemplares, com uma péssima repercussão na crítica e não ultrapassando a
publicação do terceiro volume até 2002. Foram publicados Em busca de seu mindinho, de
Mário Prata; O efeito urano, de Fernanda Young, dedicado ao dedo médio; e O indigitado,
de Carlos Heitor Cony, dedicado ao dedo indicador. Em 2004, a coleção foi retomada,
sendo lançado o seu 4o volume: O opositor, de Luis Fernando Verissimo, dedicado ao
polegar, conseguindo atingir sucesso comercial semelhante aos dos volumes da coleção
Plenos Pecados. Moacyr Scliar
Carlos
após a desistência do escritor de telenovelas Manoel
ficou incumbido de escrever o volume que finalizava a coleção, dedicado ao dedo
anular. Essa última obra da coleção, intitulada Na noite do ventre, o diamante, foi
publicada em 2005.
A trajetória bem-sucedida da Editora Objetiva, especialmente com a coleção
Plenos Pecados, repercutiu fortemente no mercado editorial. Algumas pequenas editoras,
muitas vezes por iniciativa de escritores/agitadores da cena literária contemporânea
como
Marcelo Moutinho, no Rio de Janeiro, e Marcelino Freire, em São Paulo , realizaram
encomendas de textos ficcionais curtos a outros autores mais ou menos iniciantes a partir
de tema ou características textuais específicas, que quase sempre foram publicadas em
volumes únicos. Nesse caso, estão o volume Os cem menores contos brasileiros do século,
organizado por Marcelino Freire, publicado pela Ateliê Editorial em 2004, e Prosas
cariocas: uma nova cartografia do Rio de Janeiro, volume organizado por Marcelo
Moutinho e publicado pela Editora Casa da Palavra.
Outra experiência interessante de encomenda literária é a coleção Anjos de
Branco, lançada em 2001. Não foi uma iniciativa de uma editora comercial estabelecida,
147
mas de uma entidade profissional, o Conselho Federal de Enfermagem. A coleção faz parte
de uma ampla campanha de relações públicas da entidade, que buscava, depois da
regulamentação da profissão, reconhecimento da sociedade e mesmo um aumento da autoestima dos profissionais. A coleção, composta de romances que focalizam os profissionais
de enfermagem, evidentemente de forma positiva, foi um dos principais instrumentos da
campanha. A encomenda foi dada inicialmente ao acadêmico Antônio Olinto
tornou o coordenador da edição
que logo se
e estendida a outros autores, como Arnaldo Niskier,
Carlos Nejar, José Louzeiro, Marcos Santarrita. Vários produtos da encomenda, publicados
em parceria com a Editora Mondrian, são romances baseados em personagens históricos, o
que acabou caracterizando a coleção. Para imaginarmos o potencial de vendas entre o
público da própria categoria, devemos levar em conta que uma edição de porte considerável
no Brasil conta com três mil exemplares, e que o último Congresso Nacional de
Enfermagem de 2002 contou com quase dez mil inscritos.
Mas as editoras que mais se influenciaram pela iniciativa de sucesso da
Objetiva foram as outras editoras brasileiras de porte semelhante que publicam ficção,
como a Nova Fronteira, Rocco e Companhia das Letras. No final dos anos 1990 e início do
século XXI, elas também utilizaram como uma de suas estratégias editoriais a encomenda
de textos ficcionais para coleções temáticas.
A editora Nova Fronteira lançou em 2001 a coleção Primeira Página, na qual
eram encomendados pequenos romances policiais inspirados em fatos reais a escritores
brasileiros que não eram necessariamente especialistas no gênero. A coleção foi concebida
e coordenada pelo experiente José Louzeiro
escritor dedicado à ficção inspirada em fatos
apurados por reportagem policial desde a década de 1970 , que também foi responsável
pela autoria do primeiro volume da coleção, A fina flor da sedução. Foram publicados mais
quatro textos, todos em 2001: 13 no caixão, de Mário Feijó; No fio da noite, de Ana Teresa
Jardim; Juízo final, de Nani; e Conexão Sardinha, de Carlos Alberto Castelo Branco. A
coleção não teve grande sucesso comercial nem houve boa repercussão junto à crítica, não
chegando ao segundo ano de vida.
148
A editora Rocco também produziu uma coleção de encomenda dedicada ao
gênero policial, intitulada Elas são de Morte. Na coleção, cujos primeiros volumes foram
publicados em 2003, a editora encomendava romances policiais apenas a escritoras,
agregando à escolha temática a escolha de gênero em relação ao autor. A coleção também
foi coordenada por uma mulher, a escritora Denise Assis. Até o final de 2005, já foram
publicados nove volumes
entre eles Vende-se vestido de noiva, da própria Denise Assis,
Uma aula de Matar, de Ana Arruda Callado, e Pescaria de corpos, de Claudia Mattos
sendo que a editora pretende ainda atingir o número total de 20 textos publicados por essa
coleção.
No caso da Companhia das Letras, a coleção ficcional temática desenvolvida
chamou-se Literatura ou Morte. Ela surgiu já em 2000, quase como uma reação à coleção
Plenos Pecados. A idéia do tema, segundo o editor Luiz Schwarcz, tomou forma depois de
um encontro seu com o filósofo Leandro Konder, no qual este último lhe entregou os
originais de um pequeno romance intitulado A morte de Rimbaud. A partir da leitura dessa
obra, o editor pediu a vários escritores de prestígio
fora escritores iniciantes
mais uma vez uma coleção deixa de
que escrevessem romances com duas regras básicas: um crime
no enredo e o nome de um autor consagrado já falecido no título. Nem todos os escritores
contatados cumpriram até hoje a encomenda, como José Saramago e Patrícia Melo.
Segundo Schwarcz, a coleção encerrou-se em 2001, e mesmo se surgir outra obra a ser
publicada pela Companhia com as características dessa encomenda, ela será publicada
avulsamente, sem a identidade visual da coleção.
Podemos especular que, no caso dessa coleção, antes da encomenda do
editor, houve uma hipotética encomenda prévia feita pelo próprio romance A morte de
Rimbaud, que se tornou um dos volumes publicados pela coleção. Foi o surgimento desse
livro que possibilitou o surgimento da coleção e, por conseguinte, dos outros livros. Um
texto gerando
comprovadamente
textos, como na formulação teórica de Mikhail
Bakhtin, expandida por Julia Kristeva.
Voltando à encomenda real, podemos dizer que a encomenda tenta unir
elementos da literatura de massa e de uma literatura mais canônica. Sua primeira regra, a
149
existência de um crime, aproxima os textos da coleção da literatura de massa propriamente
dita, da qual a literatura policial é um dos filões mais explorados. A segunda regra, o nome
de um grande autor morto no título, insinua a encomenda na linha canônica que passa em
revista a própria literatura, muitas vezes discutindo a própria produção artística ou literária.
Algo já feito desde a segunda parte do Dom Quixote, que até discute explicitamente a
questão de sua própria autoria, de modo parodístico. A possibilidade de uma escritura
parodística também é algo implícito na segunda regra da encomenda dessa coleção, sendo
também o ponto de contato entre a vertente popular e a erudita . Como há a presença de
um autor-padrinho, existiria a possibilidade do modo de escrever desse autor ser de alguma
forma parodiado.
É, no entanto, na resposta dada à encomenda que a combinação dessas duas
regras se resolve. Literatura ou morte? A encomenda pode ser encarada como um programa
a cumprir ou como um modelo a ser desrespeitado, ludibriado ou ultrapassado. Os oito
escritores que responderam à encomenda, Luis Fernando Verissimo, Rubem Fonseca,
Bernardo Carvalho, Ruy Castro, Moacyr Scliar e os latino-americanos Alberto Manguel e
Leonardo Padura Fuentes, escolheram como pares a serem revisitados os seguintes
escritores clássicos: Borges, Moliére, Sade, Bilac, Kafka, Stevenson e Hemingway,
respectivamente. As escolhas dos escritores homenageados quase deixaram de fora os
brasileiros. Dos oito volumes da coleção publicados no Brasil, o único escritor brasileiro
homenageado foi o poeta Olavo Bilac. Foram escolhidos cinco europeus, um argentino e
um americano. São autores que escreveram desde o século XVIII, como Sade, até autores
que publicaram já na segunda metade do século XX, como Borges e Hemingway. Exceto
Bilac, todos os outros são autores de grande prestígio literário internacional, estando
presente em quase qualquer texto acadêmico que tente estabelecer um cânone literário. No
entanto, as escolhas deixaram de fora nomes como Cervantes, Poe, Flaubert, Proust,
Balzac, Joyce e Machado de Assis, entre outros.
A coleção Literatura ou Morte foi formada pelos seguintes livros, na ordem
em que foram publicados, com o respectivo número de exemplares vendidos até novembro
de 2004, segundo dados da própria editora:
150
A Morte de Rimbaud, de Leandro Konder - 4.716 exs.
Stevenson sob as Palmeiras, de Alberto Manguel - 2.746 exs.
Medo de Sade, de Bernardo Carvalho - 2.823 exs.
O Doente de Molière, de Rubem Fonseca - 11.262 exs.
Os Leopardos de Kafka, de Moacyr Scliar - 6.586 exs.
Borges e os Orangotangos Eternos, de Luis Fernando Verissimo - 19.379 exs.
Bilac vê estrelas, de Ruy Castro
9.924 exs.
Adeus, Hemingway, de Leonardo Padura Fuentes - 2.124 exs.
Os números de exemplares vendidos em cada obra não evidenciam um
sucesso comercial espetacular. Os que ultrapassaram os cinco mil exemplares vendidos
o
que denota um sólido sucesso editorial , como os volumes escritos por Verissimo, Rubem
Fonseca, Ruy Castro e Scliar, não ultrapassaram significativamente o número de
exemplares que suas obras já vendem normalmente. Mas a repercussão que essas obras
tiveram na imprensa foi bem maior do que esses números refletem. Uma série de
reportagens, resenhas e críticas eram publicadas a cada novo livro. Independente do
trabalho de divulgação da editora, a proposta da coleção e as obras em si tiveram um
espaço diferenciado de divulgação na imprensa. No meio acadêmico, a repercussão dessas
obras também foi bastante positiva. Dissertações de mestrado e teses de doutorado têm sido
produzidas com alguns desses livros como objeto de estudo, especialmente os textos de
Verissimo e Scliar. Os textos da coleção também tiveram grande sucesso como textos
paradidáticos. Diversas escolas de Ensino Médio usaram a coleção para tentar aproximar os
seus alunos das questões literárias.
A coleção teve um trabalho de criação de identidade gráfica bastante
interessante desenvolvido pelo designer Raul Loureiro. O fundo da capa utiliza
principalmente duas cores: preto, na metade de cima, e uma cor quente
vermelho ou azul
amarelo,
na parte debaixo. A metade de cima, de fundo preto, recebe o título da
obra, com letras da mesma cor do fundo da metade debaixo, com o corpo do nome do autor
151
homenageado bem maior do que o resto do título. O nome do escritor vem na parte debaixo
com letras de cor preta, sendo o sobrenome em corpo maior do que o nome. Essa
disposição gráfica dá um efeito de destaque e contraste entre os sobrenomes do autor real e
do escritor homenageado, como no caso RIMBAUD/KONDER (figura 10). Nas orelhas
dos livros, estão presentes, de forma padronizada, fotos dos dois escritores, menos no caso
do livro de Rubem Fonseca, onde a foto de Molière está sozinha. Ainda há espaço no
projeto gráfico do livro
após o texto literário
para pequenos resumos biográficos do
autor e do escritor-personagem. Algumas vezes o resumo biográfico do escritor
homenageado é assinado pelo próprio autor do livro.
Tanto esse projeto gráfico como a posição central dos autores escolhidos na
literatura brasileira contemporânea e a dos escritores-personagens na Wetlliteratur
evidenciam a formação de um duplo cânone. São dois panteões que se formam, cada um
legitimando o outro: o dos grandes autores de todos os tempos e o dos grandes autores
brasileiros de finais do século XX, estes últimos em processo menos aceito de canonização
literária. E a própria editora canoniza-se a si mesma como a grande editora da literatura
brasileira contemporânea, se legitimando com a referência e reverência aos grandes
escritores da humanidade e a publicação conjunta de obras escritas por alguns dos
principais escritores brasileiros, todos
com a exceção de Verissimo
freqüentadores
habituais de seu catálogo.
Capítulo à parte na recepção dessa coleção, foi a grande quantidade de
editoras estrangeiras que se interessaram em publicá-la, parcial ou integralmente. Mais do
que republicar as obras produzidas pela encomenda da editora brasileira, muitas dessas
editoras fizeram as suas próprias encomendas para escritores de seus próprios países de
origem, no mesmo escopo da coleção
além das obras, a própria concepção da coleção foi
de alguma forma exportada.
A editora colombiana Norma adquiriu os direitos de alguns volumes da
coleção para publicação na América Latina, tendo publicado os textos de Rubem Fonseca,
Alberto Manguel e Leonardo Padura Fuentes. Além desses volumes, ela já publicou quatro
encomendas próprias feitas a escritores colombianos. Camus, la conexión africana, escrita
152
por Rafael Humberto Moreno-Duran, foi publicada em 2003, abordando o envolvimento do
escritor na luta pela independência de sua Argélia natal na década de 1950. Também em
2003 Julio Paredes publica Cinco tardes com Simenon, novela policial na qual o próprio
escritor belga de romances do gênero George Simenon ajudará a desvendar um crime. No
mesmo ano Gerrmán Espinosa publica Rubén Darío y la sacerdotisa de Amon, contando
uma história vivida pelo poeta Rubén Darío na costa francesa em 1910. Em 2005, é lançado
El corazón de Voltaire, escrito por Luis López Nieves, que cria uma novela epistolar
desenvolvida por meio de mensagens eletrônicas em que a trama envolve a busca nos dias
de hoje da autenticidade dos restos mortais de Voltaire.
A versão latino-americana da coleção tem uma identidade própria, diversa
da configuração gráfica brasileira. Não foi utilizado na capa o contraste entre os nomes dos
dois escritores envolvidos. Das obras originais da coleção, são publicadas apenas as
produzidas por autores latino-americanos e a do autor brasileiro de maior prestígio na
América Latina, Rubem Fonseca, ganhador do prêmio Juan Rulfo. A editora optou por
fazer encomendas no escopo da coleção a escritores da própria Colômbia, sendo o mais
consagrado Julio Paredes. Moreno-Durán e Espinosa ainda são escritores jovens, de
produção ficcional pequena. Os autores que inspiraram as obras colombianas foram tanto
europeus, como Simenon, Voltaire e Camus, como latino-americanos, no caso do poeta
nicaragüense Rubén Darío. São também autores de gêneros diversos
ficção, poesia,
ensaio filosófico e da própria literatura policial, no caso de Simenon.
Não é só no mercado latino-americano que isto aconteceu. A editora
escocesa Canongate adquiriu os direitos da coleção, publicando dois volumes em 2004, o
de Bernardo Carvalho, traduzido como Fear of Sade, e o de Alberto Manguel, Stevenson
under the palm trees. A novela de Padura Fuentes, Adiós, Hemingway, foi publicada em
janeiro de 2005. A editora escocesa lançou também uma encomenda inspirada na coleção,
Tamburlaine must die, escrita pela escocesa Raquel Welsh. Essa obra, publicada em 2004,
não segue a regra fundamental da coleção original, que é ter um autor no título. Na
verdade, o nome que aparece no título, Tamburlaine, é o de um personagem da obra do
teatrólogo britânico Christopher Marlowe. O escritor aparece na trama como antagonista do
153
seu próprio personagem. A editora Canongate não publica esses livros como coleção ou
série individualizada, não possuindo esses livros identidade gráfica própria. No catálogo
são indicados como fazendo parte do gênero fiction e não do gênero fiction
crime .
A editora portuguesa ASA foi a única a publicar a coleção quase na íntegra.
Até 2005, ela publicou sete dos oitos livros da coleção original, substituindo o único livro
dedicado a um autor brasileiro, Bilac vê estrelas, de Ruy Castro, por um dedicado ao poeta
português Fernando Pessoa, Os fantasmas de Pessoa, de Manuel Jorge Marmelo, publicado
em 2004. A coleção mantém a concepção gráfica original da Companhia das Letras. Na
folha de rosto de cada volume da coleção lançado pelas Edições ASA aparece um pequeno
texto que explica a proposta da coleção Literatura ou Morte, vinculando-a à editora
brasileira:
Literatura ou Morte é um projecto original da editora brasileira
Companhia das Letras. Na sua origem, esteve a idéia de desafiar conhecidos
autores, de diferentes nacionalidades, a escreverem um pequeno romance, de
características mais ou menos policiais, em que o personagem principal
fosse um famoso escritor. Kafka, Hemingway, Borges, Sade, Stevenson,
Molière ou Rimbaud, entre outros, desfilarão assim ao longo dos diferentes
títulos desta colecção, recriados pela imaginação de grandes nomes da ficção
contemporânea. (MARMELO, 2004)
Esse texto ilumina a dimensão autoral da editora brasileira ao formatar a
coleção. Essa ação de organização de uma coleção e encomenda de textos literários é mais
do que um simples filtro da produção literária; é um verdadeiro ato de intervenção criadora.
O papel da editora portuguesa acaba sendo de reprodução do projeto editorial brasileiro,
com a sua encomenda local obedecendo a uma fórmula já traçada anteriormente. Uma
encomenda gerada por uma idéia de uma editora brasileira proporciona à antiga metrópole
um reencontro
por meio da ficção
com a vida e a obra de um dos seus principais poetas.
Esse prosseguimento autônomo da coleção nos países que a publicam revela
de alguma forma uma situação em que uma editora brasileira acaba influindo diretamente
na produção de outras literaturas nacionais. Produz-se um grande jogo de vetores de
154
influências recíprocas, no qual a literatura brasileira inicialmente dialoga com a literatura
estrangeira por meio da criação de obras que se inspiram em grandes autores mundiais e em
seguida a influência muda de sentido: tanto pela encomenda de uma editora brasileira a
escritores estrangeiros como pela reprodução da encomenda brasileira em outros países.
Ainda outras editoras estrangeiras também adquiriram os direitos de algumas
obras da coleção, como a Grove, americana, a Actes Sud e a Metailé, francesas, e a Tranan,
sueca. Mas nenhuma delas publicou essas obras formando uma coleção, nem fizeram
encomendas que reproduzissem o espírito da coleção Literatura ou Morte.
A coleção também produziu um filho não reconhecido. O escritor paulista
Luís Augusto Marcelino publicou em 2002, pela pequena editora Beca, Verissimo e os
chipanzés efêmeros, seguindo e parodiando o espírito da coleção, e, mais especificamente,
o texto Borges e os Orangotangos eternos, de Luis Fernando Verissimo. A trama mistura
vida literária e futebol, envolvendo como personagens os autores contemporâneos Luis
Fernando Verissimo e Moacyr Scliar
que já tinham publicado seus textos pela coleção ,
bem como um alter ego do escritor iniciante Luís Augusto Marcelino: Luís Fernandez
Maurício. A trama parodia a relação, instaurada em Borges e os Orangotangos eternos,
entre o narrador Volgstein e Borges, que ainda veremos quando formos analisar esse
romance. Mesmo sem receber nenhuma encomenda ou participar de qualquer negociação
prévia com a Companhia das Letras, Luís Augusto Marcelino não pede licença e sem
cerimônia aproveita livremente a idéia da coleção Literatura ou Morte. O texto pronto
segundo o autor, em entrevista realizada em setembro de 2005
foi oferecido inicialmente
à Companhia em 2001, mas não foi aceito para publicação sob a alegação de que a coleção
já estava fechada em relação a autores e obras. A editora seguiu seu padrão de não publicar
obras de autores desconhecidos que chegam sem nenhuma intermediação.
A partir de agora analisaremos os resultados literários obtidos por algumas
das obras da coleção original, encomendadas pela própria Companhia das Letras. Em cada
uma dessas análises, serão abordados aspectos diferentes de cada obra, já que cada uma
pede uma chave interpretativa específica.
155
O primeiro texto a ser analisado é o próprio texto matriz da coleção, A morte
de Rimbaud, que, como vimos, não foi encomendado. A análise dessa obra é fundamental
nos nossos estudos por nos proporcionar um exame de várias questões do ambiente
literário, inclusive do papel do editor na produção literária. A opção desse texto é por uma
paródia de uma espécie de evento literário-editorial, do qual pode ser feita uma analogia
com o próprio sistema de encomenda. O romance é dividido em sete capítulos, cada um
correspondendo a um dia da investigação do detetive Sdrws. A narração é sempre na
primeira pessoa e conduzida por diversos personagens: o investigador, os suspeitos e as
possíveis testemunhas. A narrativa é então um somatório de vários pontos de vista, muitas
vezes conflitantes. O enredo é o seguinte: um milionário apaixonado por literatura francesa
reúne num hotel de sua propriedade cinco escritores supostamente talentosos e produtivos.
Oferece a cada um deles uma bolsa, sem nenhuma necessidade de contrapartida literária,
eles não estariam obrigados a apresentar produção
(KONDER, 2000, p. 20). Pelo
menos é o que está dito inicialmente. Os escritores passam então a ser conhecidos pelos
nomes de grandes autores franceses do passado:
Claúdio Nicodemo da Silva passou a ser chamado afetuosamente de Claudel.
Mauro Teodoro dos Santos Oliveira, com o prenome adaptado à pronúncia
francesa, Mauro , virou Malraux. José Tibúrcio Gonçalves Aragão se
transformou em Aragon. João Carlos Suslov, que pelo sobrenome tinha sido
apelidado o Russo por seus companheiros de bar, tornou-se Russo , quer
dizer, Rousseau. E Severino Cavalcante, que freqüentava uma academia de
musculação e era brincalhonamente chamado de Rambo pelos ginastas
( Rambô , na forma afrancesada), ficou sendo Rimbaud enquanto viveu.
(KONDER, 2000, p. 21)
A história começa com a morte suspeita de Rambô. E é desenvolvida com a
chegada na fictícia cidade turística onde se encontram, chamada de Guariroba, do detetive
Sdrws, que supostamente deve desvendar os acontecimentos. Esse pretexto serve para uma
investigação não só de um crime, mas das circunstâncias da vida literária. São questões que
aparecem na leitura do texto: o trabalho do escritor é livre? O que faz uma obra literária
valer mais ou menos? O que é ter talento para a literatura? Literatura pode ou deve dar
156
lucro? Escrever literatura é o mesmo que trabalhar, produzir? O pequeno romance de
Konder não responde definitivamente nenhuma dessas perguntas, mas deixa algumas
pistas.
Um dos narradores, Saint-ex, de Saint-Exuperi, gerente do lucrativo hotel
cujo dono, o milionário Bergotte
nome inspirado em um personagem de Proust
hospedou os cinco escritores promissores , logo no início da trama, apresenta seu patrão
como um homem extremamente desajustado por ser um homem de negócios que adora e
gasta dinheiro com literatura, colocando já em questão a produção literária como negócio:
Às vezes, chego a desconfiar que o patrão está gagá. É possível que antes
mesmo de ganhar na loteria ele já estivesse meio maluco. Que homem mais
esquisito! A paixão dele por literatura nunca foi normal. Como se explica
que um grande empresário passe os fins de semana sistematicamente
mergulhado numa imensa biblioteca, sem querer tomar conhecimento de
nenhum assunto das empresas, sem atender a nenhum telefonema de
trabalho. Sem admitir que o procurem para falar de negócios? (KONDER,
2000, p. 17)
Fazendo uma leitura alegórica desse trecho, podemos sentir a presença de uma
velha questão: literatura pode ou deve dar lucro? A separação entre literatura e negócio em
campos diametralmente opostos é algo que está arraigado em um tipo de pensamento que já
foi investigado principalmente no primeiro capítulo desta tese. No texto, o movimento de
Bergotte em aproximar esses dois pólos no espaço do hotel é visto pelo detetive Sdrws
como algo extremamente problemático:
De um lado, uma atividade comprometida com o objetivo essencial do lucro; do
outro uma prática absurdamente assistencial. Ambas se acotovelando,
promiscuamente. (KONDER, 2000, p. 19)
Essa promiscuidade no nosso ponto de vista é algo que em um sistema
capitalista tende a ser o padrão. E independentemente de gostarmos desse sistema ou não, a
atividade literária, no prisma do autor e do editor, procura atingir um público; um público
157
mais amplo no caso da literatura de massa e um público mais restrito, no caso de uma
literatura de qualidade literária mais consagrada. O que também não quer dizer que boa
literatura não vende, já que na história da leitura proliferam casos em que ficções
inovadoras e extremamente difíceis atingiram notáveis níveis de venda. Sem falar de
obras de alto valor literário que possuem simultaneamente alguns aspectos similares ao da
literatura de massa.
A trama de A morte de Rimbaud tem como centro um assassinato ocorrido no
interior de uma comunidade de escritores (reunidos por uma espécie de mecenas) que não
têm a obrigação de produzir textos, apesar de receberem gratuitamente hospedagem,
alimentação e remuneração. Podemos ler essa trama como uma paródia da modalidade
editorial da encomenda. A situação de encomenda é rica para a revelação da participação
do editor como autor/co-autor e da relatividade da pretensa independência do escritor, no
caso o de romance. Como vimos, não é só na encomenda propriamente dita que o editor
tem um papel ativo na criação literária
também emerge na seleção de originais, na
escolha de uma política editorial específica, no diálogo com os escritores, e em outras
possibilidades examinadas nesta tese. Mas é na encomenda que ela se revela com traços
mais fortes. A relação de Bergotte com seus pupilos permite um sobrevôo, numa
perspectiva ficcional, sobre as relações editor/escritor, especialmente no caso da
encomenda. Em trecho extremamente útil para a nossa investigação, Sdrws explica o
funcionamento da comunidade de escritores:
Quando o conheci, há três anos, ele tinha ganhado uma quantia considerável
na loteria e acabara de fundar a Associação Nacional dos Grandes
Escritores. Entronizou-se como presidente vitalício da entidade e nomeou
seus membros: cinco escritores que, conforme a sigla da organização,
ANGE, passaram a ser chamados de anges ou em português mesmo, anjos.
Os anjos passaram a receber uma pensão bastante expressiva durante 10
anos e ganharam tratamento de primeira categoria no Grande Hotel de
Combray. [...]
A bolsa concedida aos cinco anjos não implicaria nenhuma contrapartida.
Eles não estariam obrigados a apresentar produção . Como dizia o
mecenas, era apenas um apoio à criação literária : pressupunha nos
escritores um talento e uma forte vontade de escrever que mereciam ser
158
estimulados. A única exigência era a de que deveriam morar nos cinco
bangalôs especiais ligados ao Grande Hotel de Combray. [...]
Bergotte, na época da criação da ANGE, ainda se locomovia com algum
desembaraço e visitou pessoalmente uns setenta ou oitenta escritores;
entrevistou-os, leu alguns dos escritos por eles publicados e, segundo sua
versão, selecionou os melhores . Há quem diga, entretanto, que na
realidade os cinco felizardos escolhidos foram aqueles que, espertamente,
exploraram a paixão do doador pela literatura francesa e exibiram maiores
afinidades (reais ou fingidas) com autores venerados por Bergotte.
(KONDER, 2000, p. 20 - 21)
A grande ironia do trecho é o investimento em uma não-produção literária.
Na verdade, é criada uma situação de proteção aos escritores extremamente propícia em
tese para a criação literária. Podemos pensar que a criação de uma situação tão especial
vai ter um reflexo no resultado do texto literário, até porque essas condições dadas
proporcionam o seu aparecimento. Bergotte seria então, de alguma forma, co-autor das
obras surgidas na sua empreitada. Saindo do texto, no ambiente literário brasileiro atual,
surgiu uma situação muito parecida com essa situação ficcional. A Editora Planeta
ligada
a uma multinacional do ramo editorial de origem espanhola, que entra no mercado de
produção de livros brasileiro neste início de século XXI
concedeu, no início de 2003,
bolsas a três jovens escritores, Chico Mattoso, João Paulo Cuenca e Santiago Nazariam, e
ofereceu a eles hospedagem na cidade histórica de Parati, com a missão de escrever cada
um deles um texto ficcional com alguma alusão a Parati. O resultado virou o livro Parati
para mim, que foi lançado durante a Festa Literária de Parati, realizada em julho desse
mesmo ano.
No trecho anteriormente transcrito existe também menção à seleção dos
escritores que fariam parte da comunidade. A seleção não é desinteressada , guiada
apenas por um hipotético valor literário. O que vale é o gosto de Bergotte. A sua paixão
pela literatura francesa foi decisiva nas escolhas. Fazendo novamente uma analogia com o
ambiente real da produção literária, podemos observar que a escolha de originais nunca é
pura e destituída de intenções. Ela é marcada pela política editorial em relação à ficção
da editora e até mesmo pelo gosto pessoal dos responsáveis pela seleção de originais. Ou
159
seja, estão envolvidos perspectivas de lucros, gosto pessoal e até mesmo o valor literário.
Muitas vezes, no sistema editorial brasileiro atual, e na Companhia das Letras em
particular, o que há são seleções de escritores e não de originais: é dado grande peso ao
prestígio que o escritor já tem em detrimento do potencial do texto em si. Essa situação
dificulta o aparecimento de novos escritores de ficção.
A trama do livro de Konder desenvolve-se com a investigação de Sdrws, que
põe em xeque o envolvimento dos escritores
todos vistos como suspeitos
com a vítima.
Mas, ao final do romance, o verdadeiro objetivo da investigação nos é revelado. Sdrws foi
contratado por Bergotte não para saber quem é o assassino, mas para saber como está a
produção a literária de cada um:
Contei-lhes que, a pretexto de me enviar para a Guariroba com a missão de
investigar a morte de Rimbaud, o que Bergotte queria era um relatório objetivo
sobre as atividades literárias deles. Queria saber a quantas andava a
criatividade, em que pé estava a produção. No fundo, o que o mecenas
pretendia era obter uma confirmação para aquilo que estava farto de saber: os
que se beneficiavam da sua ajuda tinham morrido como escritores (se é que
antes existira algum escritor realmente vivo dentro deles). (KONDER, 2000, p.
150)
A partir da leitura desse trecho, podemos pensar que na relação escritor/editor é
este último o pólo mais comprometido com a produção. Enquanto o escritor pode se
preocupar mais com as dimensões estéticas da criação literária, o editor tem o seu foco no
econômico. Com esse foco no econômico, também mira seu olhar para um hipotético
público-alvo, independentemente de seu tamanho. Uma boa parceria entre escritor/editor
não diminuiria necessariamente a qualidade literária da atividade realizada pelo primeiro,
ajudaria na verdade na complexa sintonia entre texto e leitor. E contribuiria para realizar
um desejo de qualquer projeto literário: viabilizar a aventura da leitura. Reflexões como
essa são proporcionadas não pela leitura de um ensaio acadêmico sobre o papel do editor na
produção literária, mas pela leitura de um texto ficcional que faz parte de uma coleção de
160
encomenda
que numa crítica mais apressada poderia ser visto como um simples livro do
gênero policial, com objetivos de simples entretenimento.
Ao partirmos para a análise de outra obra da coleção, Os leopardos de
Kafka, de Moacyr Scliar, poderemos examinar os resultados de uma encomenda
propriamente dita. Scliar é um dos primeiros autores de ficção contemporânea brasileira a
publicar pela Companhia das Letras. Já era um autor consagrado quando publicou seu
primeiro livro pela editora, em 1989, o livro de contos A orelha de Van Gogh, continuando
a publicar lá sua obra ficcional pelo menos até o ano de 2005. A escolha de Scliar por
Schwarcz é, portanto, bastante natural. A editora tem interesse que o prestígio de Scliar
como grande autor se solidifique, tanto para aumentar suas vendas individuais como para
que o seu prestígio aumente o valor da marca Companhia das Letras e alavanque também a
venda dos outros livros da coleção. E a consagração literária de Scliar prossegue: em 2004,
Scliar foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.
Já a escolha de Kafka por Scliar pode ser vista como relacionada ao seu
afastamento da matriz realista da literatura brasileira, aproximando-se do ramo da literatura
ocidental a que se associa, o ramo do absurdo e do alegórico. Outra associação que
podemos imaginar entre Scliar e Kafka é a origem judaica dos dois. Escolhendo Kafka
como personagem, Scliar abre uma porta para voltar a tratar criticamente de temas
judaicos, a principal vertente de sua obra. Aceita uma encomenda editorial para seguir
simultaneamente as duas das principais vertentes da sua carreira literária: o afastamento da
matriz realista e a temática judaica.
Os leopardos de Kafka narra a história de Benjamin Kantarovitch, também
conhecido como Ratinho, um jovem judeu russo idealista que, nas vésperas da Revolução
Russa, sai de sua aldeia no interior da Rússia e vai a Praga cumprir uma missão planejada
pelo líder revolucionário, e judeu, Leon Trotski. Mas o desastrado Benjamin perde o
envelope contendo o nome do agente com quem deverá entrar em contato e, por uma série
de enganos, chega ao escritor Franz Kafka, que, confundindo-o com um funcionário de
uma revista literária, entrega-lhe um pequeno texto para ser publicado:
Leopardos
irrompem no templo e bebem até o fim o conteúdo dos vasos sacrificiais; isso se repete
161
sempre; finalmente, torna-se previsível e é incorporado ao ritual (SCLIAR, 2000, p. 7).
Benjamin toma esse texto como uma mensagem cifrada das ordens que deve cumprir. Na
procura de seu significado, sucedem-se confusões, que terão desdobramentos inclusive no
Brasil
para onde Benjamin emigrará , à época do golpe militar de 1964.
Scliar utiliza a obra para analisar com humor crítico a sociedade e os
comportamentos dos judeus antes da emigração para a América, ao mesmo tempo em que
conta a participação de um judeu nos preparativos da Revolução Russa. O narrador é um
judeu de Porto Alegre, sobrinho-neto do protagonista Ratinho. Moacyr Scliar volta a tratar,
principalmente no início do livro, dos Shtetls, as pequenas comunidades judaicas, tema
recorrente na sua obra. Em trecho do início do livro podemos observar a sua análise
humorística e amorosa da cultura dessas comunidades, ao tratar da paixão de Ratinho pelo
movimento revolucionário:
Alguns achavam graça de seu entusiasmo. Não o pai. A idéia de revolução
deixava o pobre alfaiate apavorado: pelo amor de Deus, não fale essas
coisas, se a polícia do czar te ouve estás bem arranjado. Já Rivka, a mãe,
mulher corajosa, mas cética, não levava o filho a sério. Esse aí fala muito,
mas é tudo da boca para fora. Para ela, Ratinho seria incapaz de matar uma
mosca, quanto mais de participar de uma revolução sangrenta. O que em
nada lhe desagradava: não queria ver o rapaz metido em confusão.
(SCLIAR, 2000, p. 15)
O tom usado no texto também é o parodístico. Parodia-se uma aventura de
espionagem política, na qual o efeito de humor é obtido principalmente pela incompetência
do protagonista. Parodia-se também o próprio texto de Kafka. Se, em O processo, Kafka
coloca o homem como vítima de engrenagens e estruturas de uma sociedade totalmente
controladora, no seu livro Scliar coloca o personagem Benjamin como vítima das estruturas
de um texto a ser interpretado. Só a sua decifração o levará a se tornar um herói, um
homem diferente do previsto pelo seu destino ordinário.
A encomenda de uma ficção policial resulta em um texto de gênero próximo,
no universo da literatura de massa: o romance de espionagem. Mas essa classificação só
162
pode ser vista como paródia, como já falamos. Esse romance de Scliar radicaliza no caráter
literário do enredo, no qual o texto literário aparece como tema central. O motor da trama é
a leitura do já transcrito texto de Kafka como se fosse uma instrução para uma ação
revolucionária. Com isso, o livro, mais do que uma história de ação, é uma investigação
sobre o que o texto literário provoca a partir de determinadas leituras. Uma aproximação
que se pode fazer é com a chamada estética da recepção e um de seus conceitos, o da
existência de
comunidades interpretativas . Pesquisador de uma das vertentes dessa
corrente, o americano Stanley Fish, no ensaio Como reconhecer um poema ao lê-lo ,
relata a experiência que realizou com uma de suas turmas no verão de 1971. Ele apresentou
a seus alunos de um curso sobre poesia religiosa inglesa do século XVII algumas palavras
que tinham sido escritas no quadro-negro durante uma aula anterior como sendo um poema
religioso do mesmo tipo que eles estavam estudando. Em seguida, pediu que os alunos
interpretassem o poema. E foi feita uma interpretação bastante rica do pseudo-poema,
chegando-se a diversas conclusões sobre as opções estéticas e ideológicas. Esse resultado
mostrou para Fish a força das comunidades interpretativas, intuindo que o significado do
texto está mais fora do que no próprio texto e o que faz do poema um poema está mais num
reconhecimento prévio do que na identificação de aspectos formais:
Em outras palavras, os atos de reconhecimento, ao invés de serem
desencadeados por características formais são, na verdade, a origem de tais
características. Não é a presença de qualidades poéticas que nos compele a
prestar um determinado tipo de atenção, mas sim o ato de prestarmos um
certo tipo de atenção que faz com que as qualidades poéticas se evidenciem.
Tão logo os meus alunos tomaram conhecimento de que aquele texto diante
deles era um poema, eles começaram a vê-lo com olhos-de-ver-poesia , isto
é, com olhos que viam tudo em relação às propriedades que eles sabiam que
os poemas têm. (FISH, 1993, p. 159)
Fish chega à conclusão de que interpretar é mais uma arte de construir
(constructing) do que uma arte de entender (construing). E o texto de Scliar vai fazer essa
discussão sobre a interpretação. Interessante observar que essa discussão não é um detalhe,
mas o fio principal da narrativa.
163
O que acontece em Os leopardos de Kafka é análogo à experiência realizada
na sala de aula do professor Fish. Ratinho lê um texto produzido com intenção literária
como se fosse uma mensagem cifrada. Como os alunos de Fish, o reconhecimento prévio
de que aquele texto eram instruções revolucionárias faz com que ele tente ler o texto dessa
forma. No seguinte trecho, podemos observar as suas primeiras tentativas de construir o
significado do pequeno texto de Kafka sobre os leopardos:
Talvez se tratasse de uma coisa simbólica. O leopardo é uma fera. Os
capitalistas são ferozes, na sua ganância pelo lucro, na sua disposição de
explorar o proletariado. Matar um leopardo no zôo poderia ser uma forma de
mostrar aos capitalistas de Praga que estavam condenados. Mas, raciocinava
Ratinho, os operários também são ferozes quando fazem reivindicações, quando
fazem greve. Como diferenciar a ferocidade de uns da ferocidade dos outros?
De que maneira separar a ferocidade progressista da ferocidade reacionária?
Seria o caso de deixar, ao lado do leopardo morto, uma mensagem
esclarecedora, informando que o animal fora sacrificado para servir de exemplo
aos donos do poder?
Talvez não se tratasse de leopardos verdadeiros, Leopardos no templo
poderia muito bem ser o codinome um pouco inusitado, mas não é da essência
revolucionária o inusitado? de um grupo trotskista de praga, o grupo que o
auxiliaria na ação. Afinal, dizia Kafka, estavam invadindo um templo, coisa que
certamente a revolução faria; nesse sentido integravam-se perfeitamente na
inexorável marcha da história. Mas o que se seguia, no texto, arruinava um
pouco não, arruinava consideravelmente a lógica do raciocínio. Porque os
leopardos invadiam o templo não para destruí-lo, não para dali afugentar os
mercadores da credulidade, padres, pastores ou rabinos os leopardos iam lá
beber o conteúdo de vasos sacrificiais. Por que fariam isso? Não se tratava de
uma apologia à bebida alcoólica, mesmo porque Kafka não era explícito a
respeito do que havia nos vasos. Qual era então o significado do ato? Seriam os
leopardos feras treinadas para defender o clero, o poder? Neste caso, não
designaria o codinome militantes de direita? (SCLIAR, 2000, p. 56 - 7)
Benjamin/Ratinho vai fazer várias tentativas de leitura até o fim do livro, nos
mostrando as diversas possibilidades de leitura que um texto como o de Kafka nos dá. A
aventura literária que Scliar nos apresenta parece lembrar a todo instante que as
possibilidades de leitura são múltiplas e que não há hierarquia entre elas.
164
Além da multiplicidade das leituras, o texto investiga outras questões conexas
como a da formação de um leitor erudito em contraponto a um leitor menos treinado. Em
um momento de estranhamento com o hermetismo do texto de Kafka, Ratinho se pergunta
indignado: Não entendo o que você escreve camarada Kafka. Sinto muito, mas não
entendo. Talvez o seu texto represente um novo estágio na literatura, um estágio que escapa
ao alcance da maioria das pessoas (SCLIAR, 2000, p. 54). A intelectual argentina Beatriz
Sarlo, ao comentar em texto autobiográfico sua experiência de leitura em 1960 com o
poema The tiger , de William Blake, reflete sobre o treinamento desse leitor de literatura
especializado:
Em primeiro lugar, sob uma perspectiva sociológica, a noção de arte e
literatura corresponde a uma formação elitista na qual o leitor (ou o
visionador ) foi duramente treinado em instituições especialmente
dedicadas a isso. Minhas aventuras com o poema de Blake na Universidade
de Buenos Aires são um exemplo. Nada precisa ser acrescentado a essa
velha história. Ela tem todos os elementos de uma educação moderna e
elitista. A história responde a um roteiro conhecido: compromisso pessoal,
esforço ilimitado, aprendizagem do ofício e comunicação de uma tradição.
(MARQUES, 2002, P. 43)
Voltando à proposta da multiplicidade de leituras que pode ser vislumbrada
no texto de Scliar, podemos imaginar que, se utilizarmos esse ensinamento para lermos o
próprio romance Os Leopardos de Kafka, chegaremos à conclusão de que ele permite
várias leituras e classificações
literatura de massa, literatura judaica, alta literatura,
literatura de humor, literatura de encomenda
todas falsas, todas verdadeiras.
Passando a outro escritor gaúcho que respondeu à encomenda da Companhia
das Letras, Luis Fernando Verissimo, podemos preliminarmente fazer algumas observações
sobre o seu Borges e os orangotangos eternos no contexto de sua obra como um todo. Luis
Fernando Verissimo, filho de Érico, nasceu em Porto Alegre em 1936. Grande parte de sua
obra é formada por crônicas, publicadas inicialmente na imprensa e depois em livro. A sua
obra romanesca é formada basicamente por livros escritos a partir de encomendas para
coleções e que se aproximam do gênero policial pela vertente da paródia. Antes do seu
165
livro para a coleção Literatura ou Morte, publicou em 1988 o policial O jardim do diabo,
fora de qualquer coleção de encomenda, e, em 1998, O clube dos anjos, pela coleção
Plenos Pecados. Após a publicação de Borges e os orangotangos eternos, lança, em 2004,
O opositor, pela coleção Cinco Dedos de Prosa. Ele não publica costumeiramente pela
Companhia das Letras, mas por uma de suas principais concorrentes na edição de autores
de ficção brasileiros, a Editora Objetiva.
Assim como Scliar, Verissimo escolhe homenagear na coleção Literatura ou
Morte outro escritor nada realista: Jorge Luis Borges. Borges e os orangotangos eternos é
uma narrativa na qual o interlocutor é o próprio Borges. O texto é estruturado como se
fosse uma carta escrita ao argentino. Ele é o destinatário dessa narrativa policial que cita e
incorpora o texto de vários outros escritores que enveredam
das mais variadas formas
tanto pela literatura policial quanto pelos caminhos do fantástico e do sobrenatural, como
Edgar Allan Poe, Lovecraft, John Dee, Thomas Browne, Lewis Carrol, entre outros.
Verissimo utiliza o universo literário desses autores numa narrativa labiríntica como a
narrativa borgiana. O texto também pode ser encarado como uma reescritura das histórias
policiais escritas por Borges, em parceria com Bioy Casares, protagonizadas pelo detetive
Dom Isidro Parodi.
O protagonista de Borges e os orangotangos eternos é Vogelstein, um
cinqüentão solitário, tradutor e escritor de pouco sucesso, que vive em Porto Alegre e
passou uma vida entre livros, protegida, em que raramente o inesperado entrou como um
tigre (VERISSIMO, 2000, p. 14). De repente, o destino sacode furiosamente a mesmice de
sua vidinha e leva-o, em 1985, a um congresso da Israfel Society, formada por especialistas
em Edgar Allan Poe, o precursor do romance policial moderno. Para surpresa de
Vogelstein, dessa vez a sociedade se reunirá em Buenos Aires, próximo a Porto Alegre,
onde ele conhecerá seu ídolo, Jorge Luis Borges, com quem já se envolveu
sua carreira de tradutor
no início de
em um mal-entendido a respeito de uma tradução. Vogelstein
consegue efetivamente participar do evento. Um dos estudiosos presentes ao congresso, o
alemão Rotkopf, é assassinado de forma misteriosa num quarto de hotel. No mesmo andar
desse hotel estão hospedados os dois principais suspeitos: seus adversários intelectuais, os
166
eruditos Xavier Urquiza e Oliver Johnson. Vogelstein acaba sendo a primeira pessoa a ver
a cena do crime. E passará a dividir com outro escritor presente, o próprio Borges, a missão
de desvendar o misterioso assassinato. A cena do crime, num quarto trancado, numa
referência à seminal história policial de Poe, O assassinato da Rua Morgue , é descrita de
modo falsamente preciso por Vogelstein:
O corpo formava a letra V, disso eu não tinha dúvida. Mas qual era sua
posição? Estava com a bunda, ou o vértice do V, encostada num dos
espelhos que cobriam uma parede do quarto. Era isso, a bunda contra o
espelho. O sangue formara um lago no tapete, sobre o qual ele tinha se
arrastado, ou sido arrastado, até perto do espelho. A garrafa de tequila e os
copos que usáramos continuavam no mesmo lugar, sobre uma mesa, mas ao
lado da garrafa havia quatro cartas de baralho que não estavam ali antes.
Nenhum sinal do instrumento usado para cortar a garganta de Joachin
Rotkopf, depois enfiado duas vezes na sua barriga. (VERISSIMO, 2000, p.
39)
A partir desses indícios, Volgenstein e Borges começam uma investigação
intelectual, auxiliada pelos textos literários dos autores mencionados anteriormente, para
descobrir o real significado da cena do crime. Deduzem, a partir de uma citação de Carrol,
que o V que o corpo parecia expressar, era um X, já que o vértice do corpo estava
encostado num espelho. E esse X seria a forma que o assassinado encontrou para informar
o nome do assassino: Xavier Urquiza. Em seguida, a partir de um conto de Poe,
estabelecem que o X pode estar substituindo a inicial verdadeira, o O, de Oliver Johnson. E
essas referências literárias vão mudando a leitura das pistas e o rumo da investigação. Essa
profusão de referências literárias acaba dando intencionalmente ao texto um caráter de
artificial, esgarçando os limites do ficcional. O pacto ficcional que se estabelece com o
leitor é desfeito pelo exagero de ficcionalidade. Umberto Eco, no ensaio Seis passeios pelo
bosque da ficção explicita com clareza o que é o pacto ficcional básico:
A norma básica para se lidar com uma obra de ficção é a seguinte: o leitor
precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge chamou de
167
suspensão da descrença . O leitor tem que saber que o que está sendo
narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve pensar que o
escritor está contando mentiras. De acordo com John Searle, o autor
simplesmente finge dizer a verdade. Aceitamos o acordo ficcional e
fingimos que o que é narrado de fato aconteceu. (ECO, 1994, 81)
A trama se desenvolve nessa profusão de referências a textos literários. A
investigação não é criminal, mas literária. Não só textos literários são analisados, mas
diversas questões da teoria da literatura e da crítica literária. A superinterpretação, o
estatuto do ficcional, a intertextualidade, a recepção do texto literário e várias outras
questões são examinadas por Borges e Vogelstein a pretexto de estarem investigando o
crime.
A narrativa caminha num labirinto tortuoso de suposições comandadas pelo
narrador Vogelstein, que não levam a lugar nenhum em relação ao enigma. A solução do
enigma só é dada num pós-escrito em forma de carta, endereçada pelo personagem Borges
a V., que pode ser tanto o narrador Volgenstein como o autor Verissimo. Esse Borges
ficcional faz uma análise do próprio gênero policial de enigma a partir das referências que
o personagem-narrador faz ao conto O escaravelho de ouro , de Edgard Allan Poe:
Comecei a pensar no que poderia haver de pertinente na história de Poe na
descoberta de um escaravelho de ouro e o pergaminho usado para embrulhálo, e me lembrei de que nela Poe, que já inventara a história de detetive e
anti-história de detetive, estava inventando uma das convenções mais
controvertidas da história de detetive, que é o narrador inconfiável. Embora
o escaravelho de ouro dê o nome ao conto e pareça ser o centro da trama, é,
na verdade, um detalhe sem importância. O pergaminho é o que interessa,
pois nele está a mensagem cifrada que leva ao tesouro. O narrador ilude o
leitor, que só fica sabendo o que ele sabe no fim. Invocando o Escaravelho
dourado você estava me dizendo que a solução para o caso do alemão
assassinado num quarto fechado não se encontrava nas pistas deixadas na
cena do crime ou mesmo no crime, e sim no seu relato. O fato era o
escaravelho dourado da sua história, meu caro narrador inconfiável, e a sua
narrativa o pergaminho, onde está a explicação de tudo. (VERISSIMO,
2000, p. 119-120)
168
Na solução final apresentada por Borges, o culpado pelo crime, e pela
inconfiabilidade da narrativa, é o próprio narrador Volgenstein. Borges é um detetive do
texto e descobre pelas falhas da narrativa que o culpado é o próprio narrador. A solução da
trama está na própria narrativa e não nos fatos descritos por ela segundo o nosso detetive
literário. A trama policial é explicitamente um jogo, criado para mascarar o crime
verdadeiro: a escritura do texto.
Borges e os orangotangos, de Verissimo, junto com Os leopardos de Kafka,
de Scliar, apesar de suas diferenças, formam um grupo dentro da coleção no qual a resposta
à encomenda foram pequenos romances que investigam explicitamente o texto literário.
Essa opção já é uma direção potencialmente dada pela encomenda em si, mas que se realiza
no resultado apresentado pelos dois escritores.
Analisaremos agora uma encomenda dada a um escritor estrangeiro. O
romance Stevenson sob as palmeiras foi escrito pelo argentino radicado no Canadá, Alberto
Manguel, nascido em 1948. Ele tem uma vasta obra, com textos de ficção e não-ficção,
sendo publicado no Brasil pela Companhia das Letras desde 1999, com o aparecimento de
Uma história da leitura. O autor que ele escolheu para homenagear foi o escocês Robert
Louis Stevenson (1850-1894), que se aventurou por diversos gêneros de ficção, seja em
romances de aventuras, como A ilha do tesouro e Kidnapped, seja em contos morais e
fantásticos, como O médico e o monstro e Markham.
Dessa vez a Companhia das Letras fez a encomenda a um escritor inserido
num contexto literário estrangeiro, o que mostra uma intervenção direta de uma editora na
literatura nacional de outro país. Manguel escreveu Stevenson sob as palmeiras em inglês e
o publicou inicialmente pela Companhia com tradução para o português de Paulo
Henriques Britto. Só após ser publicada sua tradução, o livro foi lançado na versão original
em inglês. Na edição brasileira, após o resumo biográfico de Manguel, ele mesmo escreve
um pequeno agradecimento ao seu editor brasileiro, revelando a importância que dá à
encomenda:
169
Quero agradecer ao meu editor, Luiz Schwarcz, pelo presente que foi a idéia
deste livro. Sem a sua generosa sugestão, eu não teria acreditado possível
acompanhar R. L. Stevenson em sua última e fantástica jornada.
(MANGUEL, 2000, p. 87)
Antes mesmo de começar a leitura do romance, podemos constatar a partir
do resumo biográfico de Stevenson, escrito pelo próprio Manguel, a sua visão positiva do
escritor escocês e de sua produção literária. Explicita também que uma de suas intenções é
proporcionar um primeiro contato do leitor com Stevenson. E, com isto, parece pretender
levá-lo a ler as próprias obras do escritor escocês:
Ler Stevenson é uma aventura intelectual, um encontro com uma mente clara
e despretensiosamente inteligente; mas, acima de tudo, é um ato de amizade,
pois quem abre um de seus livros (a menos que tenha o espírito insensível e
a cabeça embotada) ganha um amigo generoso e honesto para o resto da
vida. (MANGUEL, 2000, p. 86)
Esse trecho de Manguel mostra a intenção de seu pequeno romance
funcionar como um estímulo para a leitura da obra de Stevenson. É interessante observar
que a mais conhecida obra de Stevenson, A ilha do tesouro, também funciona como um
convite de leitura. Essa obra é intencionalmente uma porta de entrada para o mundo da
ficção, sendo, a partir de sua publicação, em 1883, a primeira leitura ficcional de maior
fôlego para jovens ocidentais. Antes de começar a narrativa de A ilha do tesouro,
Stevenson faz um convite ao comprador hesitante, indicando o quão prazerosa a sua leitura
pode ser para um jovem leitor:
Para o comprador hesitante:
Se os contos e canções dos marinheiros,
Tempestades e aventuras, calor e frio,
Escunas, ilhas e homens nelas abandonados
E bucaneiros e ouro enterrado,
E todos velhos romances, recontados,
Exatamente da maneira antiga,
170
Podem agradar, como a mim agradavam antigamente,
Aos jovens mais espertos de hoje:
Seja assim, então: venham! Se não quiserem,
Se a juventude estudiosa não anseia,
Se esqueceu de seus antigos apetites,
Por Kingston, ou Ballantyne ou Bravo,
Ou por Cooper, das florestas e das ondas,
Então seja assim também! E possamos eu
E todos os meus piratas partilhar da tumba
Em que jazem estes e todas as suas criações!
(STEVENSON, 2001, p. 10)
Manguel repete o projeto do escritor escocês e escreve uma ficção que serve de
ponte para outras leituras, agora prioritariamente para a obra de Stevenson. O enredo vai
explorar ficcionalmente episódios biográficos do escritor. Stevenson sob as palmeiras. Cria
uma trama criminal para apresentar a vida do escritor na Ilha de Samoa, no Pacífico Sul,
onde Stevenson passou os últimos dias de sua vida entre os nativos. Com a mulher, dois
enteados e a mãe, Stevenson habita uma casa em que móveis e objetos reproduzem o bemestar britânico da época. Trata-se também da casa de um escritor. Em seu escritório,
sentado à escrivaninha, Stevenson escreve a sua última obra. Do lado de fora da casa, há o
sol, o flamboiã, o dia-a-dia dos nativos e a nudez de suas mulheres. Stevenson, nas
primeiras páginas do romance, reflete sobre as mudanças que o modo de viver da ilha
implica em comparação para o que fora preparado pela sua educação européia:
Ali em Samoa, tudo o que outrora fora oculto, sussurrado, abotoado no
mundo protegido de sua infância era escancarado descarado, às claras e
de início aquilo havia sido demais para seus sentidos, sufocava-o, tal como
perturbara Fanny, deixando-a impaciente e zangada. Porém eles haviam
ficado, e com o passar dos anos aquele mundo berrante passou a encantá-los,
e acabaram se acostumando com a falta de reserva. E embora em casa, em
Vailima, conservassem o decoro que convém a um cavalheiro escocês e sua
família (dois enteados crescidos, a mãe idosa de Stevenson), agora
rejubilavam-se com a explosão de sons e cores lá fora, ao ver um mundo que
parecia estar constantemente se abrindo, como uma flor de perfume pesado.
(MANGUEL, 2000, p. 15 - 16)
171
A trama se desenvolve com a ocorrência de um crime: uma bela e jovem
nativa é assassinada. Os samoanos vão atribuí-lo ao contador de histórias , a Tusitala,
como o escritor é conhecido no idioma local. Instala-se a tensão entre o modo de viver
britânico e o dos nativos. Robert Louis Stevenson, o escritor, torna-se personagem de uma
história policial: o principal suspeito de ter cometido o crime. No desenrolar dessa trama,
que emaranha biografia e ficção, acompanhamos a própria morte do escritor, cuja saúde
sempre fora frágil, ao final do livro.
Apesar de estar a todo tempo discutindo os limites entre fato e ficção,
Manguel desenvolve a narrativa de forma simples, comunicativa e direta, como uma
homenagem ao escritor. O contraste radical entre o recato da vida pessoal do escritor e os
livros que escrevia, cheios de prazeres e aventuras dos mais diversos tipos, será explorado
por Manguel no seu texto. A vida e a obra de Stevenson são colocadas frente a frente para
tirar suas diferenças. O resultado é esse pequeno romance, que, mesmo baseando-se em
fatos e personagens reais, tirados das cartas e textos autobiográficos de Stevenson, aponta
para as possibilidades infinitas da ficção.
Novamente na coleção, a trama criminal serve apenas como pretexto, agora
para investigar a vida literária de um escritor fora do seu ambiente literário, em que não há
um diálogo com uma comunidade de possíveis leitores. Manguel descreve Stevenson como
um escritor em crise, com problemas de saúde e certa dificuldade para criar novas histórias
e se ambientar entre os nativos. Apesar do modo afetuoso que desenvolve seu personagem,
não mitifica o escritor como um gênio criador acima dos problemas mundanos, como
podemos ver nesta cena:
Na manhã seguinte, curiosamente, despertou sentindo-se bem como não se
sentia havia muito tempo, como se a tosse devastadora fosse uma tempestade
que, após passar, deixara-o quase renovado, sem sequer a falta de ar
habitual. [...] Estava ansioso por começar. Sentou-se, endireitou a pequena
fileira de livros na escrivaninha, pegou algumas folhas de papel sob o mataborrão e mergulhou a pena no tinteiro. (MANGUEL, 2000, p. 22 - 23)
172
Esse escritor demasiadamente humano contrasta com um modo de se encarar
o escritor
e todo artista
como seres especiais por possuírem a capacidade consumada da
criação artística. Portanto, é inevitável a comparação de o Stevenson ficcional de Manguel
com o personagem Charles Strickland, criado pelo autor inglês Somerset Maugham,
inspirado pelo pintor Paul Gaugin, que passou também parte de sua vida nos mares do sul,
entre povos nativos. O Charles Strickland, protagonista de Um gosto e seis vinténs (The
moon and teh sixpence), publicado inicialmente em 1919, era retratado como um ser genial,
quase sobre-humano, que não tinha, e não deveria ter, limites éticos ou estéticos. A
incompreensão da sociedade e do mercado só comprovava sua genialidade artística.
Enquanto no livro de Manguel a presença de Stevenson nos mares do sul serve como
laboratório para a compreensão dos limites e realçar a tensão entre modo de viver europeu
e o dos nativos, no livro de Maugham, a presença de Strickland em ambiente semelhante
serve para reforçar que ele é uma força da natureza, muito mais à vontade numa choupana
no Tahiti do que em escritórios de Londres ou ateliês de Paris. Todas as descrições do
caráter e do físico do pintor, antes ou depois de sua ida para o Tahiti, reforçam uma
caracterização mitificadora do artista, como podemos ver neste comentário do narrador,
personagem que se torna amigo e admirador de Strickland:
Havia qualquer coisa de monumental no seu aspecto desordenado. Como
explicar a impressão que ele me causava? Apesar da quase transparência do
corpo, era difícil falar em espiritualidade; seus traços acusavam uma
sensualidade demasiadamente brutal. Mas, a despeito da aparente
contradição, essa sensualidade tocava as raias do imaterial. Algo de
primitivo emanava dele. Parecia descender dessas forças primitivas que os
gregos personificavam sob formas semi-humanas; o sátiro e o fauno. Faziame pensar em Marsyas estrangulado, cujo canto quis rivalizar com o canto
dos deuses. No coração de Strickland vibravam harmonias desconhecidas,
flutuavam formas nebulosas. (MAUGHAM, 1957, p. 114)
Outros textos da coleção Literatura ou Morte também utilizam episódios da
biografia dos homenageados como ponto central da trama, se aproximando do gênero
romance histórico. Esse é o caso de O doente Molière, de Rubem Fonseca. Sua escolha
173
como um dos escritores a receber a encomenda se explica tanto por ele ser um dos
escritores brasileiros de maior prestígio do catálogo da editora quanto por manter uma
relação forte com a editora, seja prefaciando ou indicando novos autores, seja dialogando
bastante com a equipe editorial na produção de seus livros. Um dos efeitos no resultado da
sua obra gerado pela sua parceria com a Companhia, onde está desde 1988, foi a sua
aproximação do gênero romance histórico, tendo publicado pela editora paulista Agosto e O
Selvagem da ópera. O resultado da sua encomenda para a coleção foi também um romance
histórico. O doente Molière, de quase 150 páginas, recria, a partir de pesquisa histórica
minuciosa, as circunstâncias da morte de Molière, numa narrativa em que envolve 47
personagens, dos quais um é assumidamente fictício: o Marquês Anônimo, narrador da
história e amigo de infância de Molière, expectador privilegiado de sua morte na trama
desenvolvida por Rubem Fonseca. O narrador explica, no início da narrativa, as suas
intenções:
Selecionei alguns trechos das minhas anotações, para serem publicados
anonimamente, como parte das minhas memórias. As descrições que faço
das intrigas e escândalos da corte, da efervescência dos salões, da influência
perniciosa do clero e de outras corporações, da rivalidade entre artistas,
nobres e áulicos, podem não parecer, mas estão ligadas ao tema principal
desta seleção: a morte de Molière, vítima de tantas aleivosias,
incompreensões, injustiças e violências em razão das peças que escreveu.
(FONSECA, 2000, p. 16)
A partir do fato real da morte do dramaturgo, é criada uma ficção na qual se
busca um responsável pela morte de Molière, ou seja, o assassino. A trama de assassinato
serve para investigarmos a vida
social, literária e artística
na França de Luís XIV, cujo
reinado, no século XVII, foi período de intensa criatividade, quando surgiram nomes como
Corneille, Racine, La Fontaine e Boileau, além do próprio Molière. As pistas para a
descoberta do assassino estão na própria obra da vítima, que revelou o ridículo de atitudes
particulares e sociais de uma série de figuras mais ou menos determinadas: médicos,
174
cortesãs, arrivistas, aristocratas, religiosos, entre outros. A busca do assassino se faz pela
tentativa de identificação dos inimigos da sua obra.
O escritor cubano Leonardo Padura também respondeu a encomenda,
escrevendo o romance Adeus, Hemingway, o último volume a ser publicado na versão
brasileira da coleção, já em 2001. O texto foi escrito originalmente em espanhol e
posteriormente traduzido para o português por Lúcia Maria Goulart Jahn. O modo pelo qual
o autor resolveu a encomenda de escrever uma ficção que envolvesse um crime e um
grande escritor do passado foi utilizar o seu antigo personagem Mario Conde, protagonista
de quatro romances policiais escritos anteriormente
Companhia das Letras
dois deles publicados no Brasil pela
, sendo, em tese, o romance da coleção que mais segue o
receituário do romance policial moderno, tendo inclusive como protagonista um típico
detetive. Em nota introdutória ao romance, Padura Fuentes explicou os mecanismos pelos
quais chegou a esta solução para a encomenda:
Decidido a abandonar Conde por algum tempo, comecei a escrever um
romance em que ele não apareceria. No meio dessa outra história, meus
editores brasileiros me pediram que participasse da série Literatura ou
morte ; caso aceitasse, devia indicar-lhes o nome do escritor em torno do
qual se desenvolveria o relato. Depois de pensar muito pouco, o projeto me
entusiasmou, e o escritor que de imediato me veio à mente foi Ernest
Hemingway, com quem tive durante anos uma encarniçada relação de amor
e ódio. Mas, ao procurar o jeito de enfrentar o meu dilema pessoal com o
autor de Fiesta, não me ocorreu nada melhor do que transferir minhas
obsessões para Conde como fiz tantas outras vezes e transformá-lo no
protagonista da história. (PADURA FUENTES, 2001, p. 11)
A solução para a encomenda foi o desenvolvimento de uma trama na qual o
tempo presente é a investigação na década de 1990 pela polícia cubana de um crime
acontecido 40 anos antes no sítio Vigia, a residência de Hemingway em Cuba, em
localidade próxima a Havana, transformado em museu na época da investigação. Padura
Fuentes vai reutilizar um personagem que ele já havia aposentado para cumprir a
encomenda, utilizando também a estrutura de romance policial, gênero de várias de suas
175
obras anteriores. Ele utiliza na encomenda, portanto, elementos que já estavam presentes na
sua obra. O que a encomenda traz de novo é a oportunidade de desenvolver uma trama que
envolve um dos escritores que, segundo ele próprio, mais o intriga e estimula. Podemos
aproveitar a continuação da nota introdutória de Padura Fuentes para explicar o próprio
enredo ficcional que criou:
Da relação entre Hemingway e Conde, a partir da misteriosa aparição de um
cadáver na casa do autor norte-americano em Havana, surgiu esta novela,
que, em todos sentidos, deve ser lida como tal: porque é apenas uma novela
e muitos dos fatos nela narrados, mesmo se extraídos da mais verificável
realidade e da mais estrita cronologia, estão peneirados pela ficção e
entremeados com ela a tal ponto que, mesmo agora, sou incapaz de saber
onde termina um país e começa o outro. No entanto, apesar de alguns
personagens conservarem seus verdadeiros nomes, outros foram rebatizados
para evitar possíveis suscetibilidades, e as figuras da realidade se misturam
com as da ficção em um território regido apenas pelas leis e pelo tempo da
ficção. Assim sendo, o Hemingway desta obra é, evidentemente, um
Hemingway ficcional, pois a história em que se envolveu é apenas um
produto da minha imaginação, e em cuja escrita pratico inclusive a licença
poética e pós-moderna de citar algumas passagens de suas obras e
entrevistas para construir a história da longa noite de 2 para 3 de outubro de
1958. (PADURA FUENTES, 2000, p. 1- 12)
Conde torna-se protagonista
examinados
como em todos os outros volumes
de uma aventura mais literária do que policial, na qual a vida e a obra de
Hemingway são analisadas, avaliadas e julgadas: a ética de sua vida e a estética de sua
obra. Padura Fuentes deixa claro na nota introdutória que qualquer tentativa de o leitor
separar o que é fato do que é ficção é infrutífera, na medida em que estão completamente
embaralhados, regidos, em última instância, por uma lógica ficcional, quase repetindo
tardiamente a frase de Flaubert: Mme Bovary c´est moi! A observação do autor se explica
por seu enredo envolver personagens reais
muitos deles vivos ou com parentes vivos
com a trama ficcional de um crime, que, pela sua verossimilhança, poderia gerar malentendidos. O que há de real no romance não é a possibilidade de Hemingway ser o
responsável por um assassinato, mas o questionamento radical que Padura Fuentes faz do
176
escritor que escolheu. Mas esse questionamento torna-se homenagem, ao, no
desenvolvimento do texto, seguir o estilo literário direto, despojado e vigoroso do escritor
norte-americano.
Olavo Bilac é o único escritor nacional homenageado na coleção. Bilac vê
estrelas é o livro de estréia na ficção do jornalista Ruy Castro, que, no entanto, já publicou
pela Companhia das Letras diversos textos não-ficcionais sobre temas históricos e
biográficos, dos quais vários se relacionam de alguma foram com a cidade do Rio de
Janeiro, como O anjo pornográfico
A vida de Nelson Rodrigues e Ela é carioca
Uma
enciclopédia de Ipanema. Seu livro na coleção também vai ter como cenário o Rio, onde se
passa uma trama que envolve além de Olavo Bilac outros personagens da vida cultural da
Bélle Époque carioca
início do século XX , como José do Patrocínio, Pardal Mallet e
Santos Dumont, durante uma de suas passagens pela cidade. Apesar do pano de fundo
histórico, a trama se afasta do realismo, envolvendo os literatos e as outras figuras
históricas em aventuras fantasiosas, como roubos dos planos de um dirigível concebido por
Patrocínio, a sedução de Bilac por uma bela espiã portuguesa, e fugas de bandidos em
charretes pela rua do Ouvidor. Os escritores que participam dessa trama não eram seres
etéreos desligados do mundo , mas segundo o Bilac personagem homens de carne e osso,
capazes de covardia ou bravura conforme o caso (CASTRO, 2000, p. 15-16). Ruy Castro
se afasta do rigor historiográfico que tenta buscar nos seus livros não-ficcionais, optando
pela fantasia e imaginação num texto simples e bem-humorado
em que Bilac não ouve
estrelas, mas vê estrelas após uma bengalada , repleto de referências ao seu tema principal
na ficção ou na não-ficção: a cidade do Rio de Janeiro.
Bernardo Carvalho, escritor carioca radicado em São Paulo, o mais jovem
entre os que realizaram a encomenda
tendo nascido em 1960 , escreveu o livro mais
pessoal de todos os da coleção, ou seja, aquele em que a resposta à encomenda foi a mais
inusitada. Medo de Sade afasta-se do gênero policial e de qualquer outro gênero da
literatura de massa. O escritor francês nascido em 1740 dá título ao romance e tem sua vida
retratada no texto biográfico ao final do livro. No texto ficcional, no entanto, o Marquês de
Sade, ou Donatien Alphonse François, não aparece como um personagem ativo, mas sim
177
como uma possibilidade de personagem, um espectro que repercute nas ações e
pensamentos dos personagens, na estruturação do enredo e no clima e estilo do próprio
texto, que tem duas partes conectadas entre si, de cerca de 50 páginas cada uma,
denominadas Ato 1 e Ato 2. A primeira parte utiliza a estrutura dramática de diálogos para
contar a história de um personagem fictício, o barão de LaChafoi, contemporâneo do
Marquês de Sade. Encontramos o barão enclausurado, supostamente numa cela do hospício
de Charenton, onde Sade passou os últimos dias de sua vida. LaChafoi dialoga com uma
voz , que pode ser a de Sade, lhe contando a história que motivou seu encarceramento,
chegando, com a ajuda de informações fornecidas pela voz , a conclusões sobre essa
história.
O Ato 2 conta a história de um casal de franceses nos dias atuais. Os dois
moram numa localidade próxima do barão da primeira história, que seria um filósofo
libertino como Sade. O casal é admirador do barão, cuja filosofia dizia que só o horror
pode manter o casamento, sob o princípio da traição . Eles inventam um jogo em que cada
cônjuge prega uma peça ao outro, alternada e sucessivamente, que eles chamam de medo
de Sade , uma referência ao célebre marquês, é lógico, que ao tudo indica tinha inspirado
o barão no início do século XIX em sua filosofia tão peculiar (CARVALHO, 2000, p. 68).
No jogo, quem tivesse mais medo, perdia. O desenvolvimento do enredo do Ato 2 é o
prosseguimento do jogo, que só acaba com a morte da mulher assassinada a mando do
marido numa viagem turística de ambos ao Rio de Janeiro e o conseqüente
enlouquecimento do marido, que fica internado num hospício carioca. O Ato 1 e Ato 2 se
conectam mais ainda com a situação do hospício. A loucura dos dois internos, o barão e o
marido, pode ser uma só. Na estrutura ficcional realizada por Bernardo Carvalho a leitura
do Ato 2 reorienta o sentido da leitura do primeiro, reforçando a presença espectral do
Marquês de Sade na trama.
O resultado não explora explicitamente dois elementos potencias que estão na
encomenda: vida literária e discussão explícita de aspectos da ficção. Para o autor, a
encomenda para a coleção trouxe um desafio, como criar uma ficção a partir da presença do
nome de Sade no título. A solução foi tornar Sade um nome no título, que repercute na
178
trama como espectro e não como personagem efetivo. O crítico português Abel Barros
Baptista, em resenha publicada no caderno Mais! da Folha de São Paulo por ocasião do
lançamento dos primeiros volumes da coleção, analisa assim a singularidade do romance de
Bernardo Carvalho:
Não se trata apenas de dizer que Medo de Sade permanece absolutamente
fiel ao mundo ficcional de Carvalho, menos ainda que repete procedimentos
já utilizados noutros livros: o mais significativo é que essa singular
conjunção de perversidade e de um apurado sentido da composição
romanesca, típica dos livros de Bernardo Carvalho, parece forjar-se para
responder a essa encomenda. E daí que, de modo paradoxal, Medo de
Sade seja a um tempo uma plena e inteligente resposta à encomenda e uma
fuga radical aos termos dela. [...]
Bernardo Carvalho levou à letra a regra da encomenda e tirou dela o máximo
partido: Sade é ali um nome e, enquanto nome, a sua presença define-se no
modo espectral que a repetição do nome torna possível. (BAPTISTA, 2000,
p. 18 - 19)
Podemos então dizer, como Abel Baptista, que o romance de Carvalho é
simultaneamente um cumprimento fiel e uma fuga radical da encomenda. Obedece na
medida em que utiliza o nome Sade enquanto espectro que paira sobre a narrativa e por
engendrar uma trama de assassinato, já que a encomenda é literalmente, como vimos, uma
trama criminal com o nome de um grande autor do passado no título. No texto, Sade nunca
deixa de ser nome para se tornar personagem, numa obediência radical ao que foi
solicitado. Mas a obediência paradoxalmente funciona como fuga ao espírito dos outros
livros da coleção. A possibilidade de falar de vida literária e de literatura foi vista pelos
outros autores como uma regra a ser seguida e seus resultados sempre se remetem a essa
regra. Nesse contexto, Medo de Sade é um corpo estranho em relação aos outros resultados.
Bernardo Carvalho opta por criar uma ficção pessoal, extremamente conectada com o
desenvolvimento da sua própria carreira como ficcionista, e não como uma bifurcação
momentânea, dando uma resposta irônica à encomenda.
Após as análises mais ou menos detalhadas dos textos das coleções,
podemos retomar algumas das nossas afirmações anteriores sobre a encomenda na ficção e
179
arriscarmos mais algumas conclusões. Podemos utilizar o comentário que Abel Barros
Baptista
em texto já citado
faz da encomenda ficcional em geral e da encomenda no
caso da coleção Literatura ou Morte em particular:
A encomenda é um modo de produção de literatura, e apenas uma visão
superficial desta pôde alguma vez alimentar preconceitos envelhecidos.
Talvez nenhuma outra figura evidencie com tanta nitidez quer a dimensão
institucional da atividade literária, quer as transformações técnicoeconômicas que hoje a afetam: a encomenda resume toda a economia
política da profissão de escritor e, no caso da coleção Literatura ou Morte ,
até expõe o editor na passagem da suposta posição de intermediário entre
escritor e público para a de produtor ativo, que engendra literatura além
daquela que os seus autores, por iniciativa própria, regularmente lhe
confiam. (BAPTISTA, 2000, p. 18)
A encomenda explícita de uma obra literária por um editor não é a forma
usual do processo editorial no campo da ficção, mas, como observa Abel Baptista, ela é
reveladora na sua singularidade do papel ativo que o editor pode ter na produção literária.
Esse papel ativo da encomenda fica mais complexo no caso da coleção temática, já que se
propõe temas iguais ou conexos a autores diferentes
esperando-se resultados mais ou
menos diferentes. A diferença básica das obras da coleção Literatura ou Morte entre si é
que cada uma vai dedicar o seu texto a um autor diferente. O resultado final pode aumentar
as diferenças ou se aproximar da repetição, da repetição como variação sem diferença. O
papel autoral do editor na encomenda de textos numa coleção temática sempre mantém a
sua importância na realização do resultado, já que foi a sua existência
como um desafio
que impulsionou os resultados, que podem tender à repetição ou a soluções mais originais.
O pesquisador russo Boris Tomachevski, da corrente formalista, em ensaio
de 1925, observa que
o processo literário organiza-se em torno de dois momentos
importantes: a escolha do tema e sua elaboração (TOMACHEVSKI, 1971, p. 169). Na
coleção Literatura ou Morte, a proposta de Luiz Schwarcz, feita a determinados escritores,
pode ser vista como parte do processo literário, já que se trata do início da escolha do tema,
revelando um papel autoral do editor. Ele não faz a escolha completa do tema (aquilo de
180
que se fala), mas estipula um pré-tema, que, no caso estudado, é escrever um texto ficcional
que envolva um crime e possua um autor canônico no título. O escritor vai escolher o autor
a ser homenageado e definir melhor também a temática do seu texto, finalizando o
estabelecimento do tema a ser desenvolvido. A elaboração do texto vai de alguma forma
responder a esta predefinição. Os sete romances encomendados para a versão brasileira da
coleção
já que o oitavo romance A morte de Rimbaud não foi encomendado, mas serviu
de inspiração para a coleção
combinaram de forma e intensidade diversas os elementos
presentes potencialmente na encomenda. Paródia do texto dos autores homenageados,
discussão de questões literárias, encenação da vida literária, trama policial, narrativa de
enigma são alguns dos elementos que os escritores tinham a sua disposição. A escolha e a
combinação desses ingredientes fez com que alguns dos romances se parecessem mais ou
menos entre si.
Independente da solução encontrada por cada autor, um dos prováveis
objetivos do editor nessa encomenda, associar o nome dos principais escritores da editora
ao nome de grandes autores do passado e ao nome da própria Companhia das Letras, estava
garantido desde o aceite do escritor. Outro objetivo da editora, o sucesso comercial da
coleção, tanto por venda de livros no Brasil como o estabelecimento de contratos com
editoras estrangeiras, só poderia ser verificado a posteriori, dependendo de variáveis
incontroláveis, e não só do valor literário do texto produzido.
181
Conclusões
As conclusões sobre o papel específico da Companhia das Letras na
literatura brasileira contemporânea já foram explicitadas no subcapítulo 2.5, Uma análise
da Companhia . Este capítulo 4 servirá para tentarmos estabelecer alguns tipos de
procedimentos genéricos do pólo editorial que apontem para um papel ativo em relação à
literatura. Faremos esse mapeamento a partir das informações obtidas na investigação
empírica, à luz de estudos sobre o papel do editor na produção
como os de Pierre
Bourdieu e Gustavo Sorá , bem como de estudos que se dedicaram a um estabelecimento
conceitual das funções do editor, como os realizados por pesquisadores como Robert
Escarpit, na França da década de 1960, e Aníbal Bragança, no Brasil de início do século
XXI. A partir de um estudo de caso, tentaremos, portanto, fazer algumas constatações
182
gerais sobre o papel do editor. Os limites das generalizações que faremos são as
características específicas do caso estudado. Quanto mais o perfil de uma editora
próprio contexto em que está inserida
e o
se aproximar ao da Companhia das Letras, mais
aplicáveis serão as possibilidades de ação editorial que identificaremos neste capítulo.
Neste mapa de possibilidades, abarcaremos tanto as formas de ação editorial
na literatura e na cultura que são anteriores à chegada do original na editora quanto as que
se desencadeiam com a sua chegada.
O francês Robert Escarpit, em Sociologia da literatura, afirma que reduzida
às operações materiais, a função editorial pode resumir-se em três verbos: escolher, fabricar
e distribuir (ESCARPIT, 1969, p. 106
107). As atividades editoriais seriam a seleção de
originais, a transformação desses originais em livros e a distribuição desses livros aos
leitores. Portanto, a atividade do editor só começaria com a chegada do original à editora.
No desenvolvimento de sua análise, ele acaba por abarcar uma visão mais abrangente,
identificando um papel mais ativo do editor em relação ao consumo e até em relação à
produção dos escritores, deixando de ser um mero filtro entre o que é escrito e o que chega
ao leitor:
Colocado entre as propostas dos outros e as exigências do público tais como
ele as representa, o editor moderno não se limita, no entanto, ao papel
passivo de conciliador. Tenta agir sobre os autores em nome do público e
sobre o público em nome dos autores.
[...] o editor age sobre o público, provocando hábitos. Estes hábitos podem
tomar a forma de modas, de esnobismos e até mesmo de predileções
passageiras pela personalidade de um autor, ou então ter uma origem mais
profunda e traduzirem uma fidelidade a uma determinada forma de pensar, a
de um determinado estilo ou tipo de obra. (ESCARPIT, 1969, p. 108 - 109).
No nosso estudo de caso confirmamos a nossa hipótese de que o editor não
influi só no consumo, mas também na própria produção literária. Podemos dizer que a
existência de determinada política e prática editorial
publicações
consumadas no seu catálogo de
por parte de uma editora em relação à produção ficcional ou não-ficcional
sinaliza aos escritores que tipo de literatura tem mais facilidade de publicação. Essa
183
sinalização pode ser correspondida ou não pelos escritores. Quanto mais um escritor
cumprir essa sinalização, o potencial de publicação aumenta. Quando um escritor oferece
determinado original a uma editora está dialogando com seu catálogo até aquele momento
que funciona como um porta-voz de uma espécie de encomenda implícita.
Um tipo de procedimento bastante utilizado pelas editoras é a organização
da sua produção por séries, coleções, ou outros agrupamentos de livros. Editoras que
organizam o seu catálogo dessa forma sinalizam com mais clareza quais livros têm
potencial para serem publicados por ela, clarificando a encomenda implícita.
Uma editora também pode influir na produção textual pela interlocução que
mantém com determinados escritores que publicam rotineiramente por ela ou que fazem
parte do círculo de relações da equipe editorial. Nesse diálogo, membros dessa equipe
o próprio editor empresário
ou
podem orientar informalmente a produção desses escritores
para que produzam obras que sejam do interesse da editora. Não se trata mais de uma
sinalização hipotética, mas de uma interferência real que pode impactar diretamente no
resultado textual.
Uma forma de influência mais explícita é encomendar obras com
determinadas características a certos escritores. Essa encomenda pode ser mais subjetiva,
com simples sugestões de temas, como normalmente acontece nas coleções ficcionais
temáticas, ou com mais detalhes de como deve ser o resultado, como acontece em relação a
séries de temas das ciências humanas ou sociais encomendadas a pesquisadores ligados à
universidade brasileira. A encomenda de obras ficcionais, apesar de dar ao escritor espaço
para exercer o seu papel autoral, deixa com o editor um quinhão desse papel na medida em
que a sugestão de um tema colabora para o aparecimento de uma nova obra. Aníbal
Bragança também constatou esse aspecto ativo da atividade do editor:
O trabalho do editor, entretanto, não tem apenas esta dimensão passiva, até
certo ponto de acolher, analisar, selecionar, recusar e aceitar originais para,
a partir deles, criar livros. É muitas vezes ao editor que se deve a
responsabilidade pela idéia do livro ou da coleção que pretende publicar.
(BRAGANÇA, 2001, p. 34 - 35)
184
A seleção de originais também orienta a produção. Na medida em que
determinado texto é aceito ou não por determinada editora ele está recebendo uma resposta
que pode influenciar as suas obras seguintes ou mesmo a reescritura dessa obra. Mas a
importância da seleção de originais é ainda maior, já que ela determina o que vai chegar ao
público leitor e o que vai ser deixado de fora do sistema literário, sem esquecermos que
muitas vezes um mesmo original é enviado a várias editoras
a negação de publicação
numa editora não significa uma situação definitiva.
Nas principais editoras literárias brasileiras contemporâneas, a seleção de
originais enviados
pelo correio ou por contato direto
por autores desconhecidos não é
muito comum. Os originais que chegam com possibilidade real de publicação são ou de
autores já publicados pela editora ou de autores já com algum prestígio, bem como de
autores indicados por pessoas com ascendência sobre a equipe editorial. Quem faz o papel
de descobrir novos autores são as editoras menores.
Esse papel de descobrir e lançar novos autores também é bastante importante
dentro do universo das funções do editor. É a publicação efetiva de uma obra de um novo
escritor, por uma editora, que o coloca no sistema literário, gerando a possibilidade de
chegar aos seus potenciais leitores. Italo Moriconi, em ensaio publicado na coletânea A
versão do autor advoga que, sem editor, não há autor:
O primeiro passo na transformação do mero escritor em autor de verdade se
dá através de sua legitimação pela vontade de um editor em publicá-lo. Eu
acrescentaria: pela vontade de um editor em financiar sua publicação,
investindo assim na criação ou consolidação de sua assinatura. (BUSATO,
2004, p. 71).
O editor seleciona originais de acordo com políticas editoriais prévias, que,
no entanto, podem ser dinâmicas e flexíveis. A partir dessa seleção, se desencadeia o
processo editorial da fabricação, no qual, por mais que se envolva outros participantes
(como empresas gráficas e escritórios de design), a responsabilidade pelo sucesso do
projeto como um todo fica nas mãos do editor. Esse poder do editor de decidir o que vai
185
efetivamente se tornar livro
e comandar o processo que se segue
é visto por Bragança
como o papel essencial do editor:
São os editores, enfim, que decidem que textos vão ser transformados em
livros. E, pensando em qual público a que devem servir, como serão feitos
esses livros. Mesmo quando não é deles a iniciativa dos projetos, é deles que
parte a direção a seguir. É neste lugar de decisão e de comando, e de criação,
que está o coração do trabalho do editor, a sua essência. (BRAGANÇA,
2001, p. 24)
Com a chegada do texto à editora e a decisão pela publicação, é
desencadeado um trabalho de mudanças no texto que pode envolver troca do título, revisão
ortográfica, copidesque, mudanças de estilo, supressão de capítulos ou partes,
recomendações de reescritura de trechos e até recomendações de redirecionamento total da
obra. A profundidade desse tratamento do texto varia de editora para editora, algumas
interagindo mais com o escritor e outras menos em relação à produção do texto. O
resultado final muitas vezes sofre uma intervenção decisiva do pólo editorial, com a
concessão do autor, o pólo mais frágil na relação, como nos relata Bragança:
Mesmo em situações nas quais o editor não tem qualquer pretensão de coautoria, são inúmeros os exemplos da sua velada intervenção, junto ao autor,
no texto, inclusive em livros que se tornaram famosos. E todos os que já
publicaram podem dar testemunhos da participação do editor em suas obras,
em algumas, desde a concepção. Incisões, revisão, copidesque, título...
intervenções, em geral, esquecidas, mas que contribuem, na maioria das
vezes, para tornar melhor o trabalho do autor, que, algumas vezes, as aceita
de boa vontade. Outras, muito relutantemente. Ou as recusa e execra, com ou
sem razão. (BRAGANÇA, 2001, p. 22)
Na complexa atividade editorial de transformar o original em livro, o editor
exerce o importante papel de ser o responsável último pelos aspectos técnicos e gráficos da
publicação. Os elementos paratextuais do livro são controlados pelo editor. A capa; toda a
concepção técnica e gráfica do livro, incluindo escolha do papel, da tipologia utilizada e do
186
modo de impressão; e os elementos pré-textuais e pós-textuais, como orelhas e prefácios,
acabam fazendo parte do livro propriamente dito, e também orientam o seu consumo e
leitura. Em relação aos elementos técnicos e gráficos, o trabalho do editor concorre num
sentido suplementar ao texto, dialogando com ele e transformando-o num novo produto,
que pode ser comercializado, o livro. Aníbal Bragança, ao analisar a função editorial de
fabricação do livro, constata que essa atividade interfere no resultado da obra, confirmando
o papel criador da atividade editorial:
Esses tratamentos editoriais perigráficos ou peritextuais são recursos que os
editores mobilizam, de forma criativa, em sua atividade para, intervindo na
obra, atuar culturalmente na sociedade, ampliando os níveis sociais de
leitura, além de buscarem o sucesso para suas casas e os seus autores. São,
portanto, criações editoriais que interferem na obra, dando ao editor um
estatuto de co-autoria. (BRAGANÇA, 2001, p. 47)
Um texto publicado por uma editora acaba carregando a marca dessa editora
como um elemento orientador para o potencial consumidor. Ser publicado por determinada
editora pode significar prestígio para o seu autor e valor literário para a obra. A editora
funciona como uma chancela para os livros que publica
o significado que uma editora
tem no imaginário do leitor contamina as obras que publica. Uma editora especializada em
certo gênero está afirmando implicitamente que as obras que publicam fazem parte desse
gênero.
Quando uma editora organiza seu catálogo por séries, o fato de colocar
determinado texto numa série ou em outra
ou de deixá-lo fora de qualquer grupo de livros
acaba trazendo informação sobre as características desse texto. Um livro estar presente ou
não numa série policial, por exemplo, significa muito para o leitor, orientando tanto a sua
compra como o modo pelo qual ele vai ler o texto.
Chegamos ao final deste capítulo expandindo em muito o número de verbos
que representam os papéis ou funções que o editor pode ocupar. Aos sintéticos escolher ,
fabricar e distribuir , estipulados inicialmente por Robert Escarpit, somamos uma outra
série de verbos:
sinalizar ,
encomendar ,
187
coordenar ,
criar ,
transformar ,
consagrar ,
orientar ,
direcionar . E outros ainda podem vir com a continuidade
histórica da atividade de editor de livros.
Antes de terminar esta tese gostaria de fazer um relato pessoal. Durante a
sua execução constatei empiricamente o papel orientador que a editora pode ter em relação
à leitura. Ao digitar a tese no meu escritório, olhava para as estantes e observei que um
número considerável de meus livros foi publicado pelas editoras Brasiliense e Companhia
das Letras. Concluí que o elemento orientador para a minha compra de livros
acentuada a partir de 1985, quando ingressei na universidade
mais
foi a chancela dessas duas
editoras. Mais do que em gêneros, áreas de conhecimento, correntes ideológicas ou
nacionalidades dos escritores, a coerência da minha biblioteca pessoal está nas editoras que
publicaram esses livros. Portanto, a minha leitura de livros está intimamente ligada a dois
projetos editoriais em que Luiz Schwarcz teve um papel fundamental. Posso dizer que a
vontade de um editor, intimamente ligada à sua possibilidade de lucro, serviu como
mediadora para que uma parte da produção de livros chegasse a ser lida por mim, talvez,
mais do que a vontade de pensadores, críticos, professores, e outros mediadores culturais.
Ao escrever esta tese, reescrevo a minha vida como leitor.
188
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Obs: Também foi objeto de pesquisa a seção Livros da revista Veja, de outubro de 1986
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KONDER, Leandro. A morte de Rimbaud. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
MANGUEL, Alberto. Stevenson sob as palmeiras. Trad. de Paulo Henriques Britto. São
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MAUGHAM, W. Somerset. Um gosto e seis vinténs . 6a edição. Tradução de Gustavo
Nonnenberg. Porto alegre, Editora Globo, 1957.
MORAES, Reinaldo. Tanto faz. Rio de Janeiro, Brasiliense, 1981.
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PAIVA, Marcelo Rubens. Feliz ano velho. 32a edição. São Paulo, Brasiliense, 1984.
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________. O vôo da madrugada. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.
SCHWARCZ, Luiz. Discurso sobre o capim. São Paulo, Companhia das Letras, 2005.
STEVENSON, Robert Louis. Nos mares do sul. 3a edição. Tradução de Heloísa Prieto.
São Paulo, Iluminuras, 2001.
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2001.
ENTREVISTAS EXCLUSIVAS
Isa Pessoa
coordenadora editorial da Editora Objetiva
201
em junho de 2003;
Luiz Schwarcz
editor-proprietário da Companhia das Letras
Moacyr Scliar escritor publicado pela Companhia das Letras
Luís Augusto Marcelino
em novembro de 2004;
em janeiro de 2000;
escritor com obra publicada pela editora Beca
entrevistado em
por e-mail em setembro de 2005.
Sérgio Sant Anna
escritor publicado pela Companhia das Letras
SITES CONSULTADOS
www.companhiadasletras.com.br
www.publishnews.com.br
www.ciberkiosk.pt
www.escritoriodolivro.org.br
www.asa.pt
www.snel.org.br
www.cbl.org.br
www.norma.com
www.canongate.net
www.editorabrasiliense.com.br
www.libre.org.br
www.bndes.gov.br
www.objetiva.com.br
www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br
www.portalliteral.com.br
202
em setembro de 2005
www.releituras.com.br
www.webwritersbrasil.com.br
RESUMO
Esta tese pretende estudar o papel do editor na produção literária e cultural.
Essa abordagem foi realizada por meio de um estudo de caso de uma editora brasileira
contemporânea, a Companhia das Letras, comandada por Luiz Schwarcz. Desde seu
surgimento, em 1986, essa editora tornou-se referência para o sistema editorial brasileiro
pela qualidade técnica e valor cultural de seus livros. Para identificarmos o papel da
Companhia das Letras na produção cultural brasileira contemporânea, serão analisados a
formação da editora, as características do seu catálogo, o discurso do seu editor, a relação
da editora com seus autores de ficção; e, por fim, a sua ação na criação de uma coleção
ficcional de encomenda, a coleção Literatura ou Morte.
ABSTRACT
This thesis investigates the role of a publisher in the literature and culture
industry. It is a contemporary brazilian publishing house s case study, Companhia das
203
Letras. It was established by Luiz Schwarcz, in 1986 and became, from the start, a
benchmark in the brazilian publishing market. This is due to its technical quality, but also
for its books cultural value. To identify the role of Companhia das Letras in the
contemporary brazilian culture industry, this study will analyse how it was established,
catalog characteristics, publisher s ideas, its relationship with fiction writers and its role in
the creation of a fictional series where books were ordered called Literatura ou Morte
(Literature or Death).
204
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A COMPANHIA E AS LETRAS: UM ESTUDO SOBRE O PAPEL DO