A1 ID: 61699375 01-10-2015 Tiragem: 2500 Pág: 22 País: Portugal Cores: Cor Period.: Mensal Área: 21,50 x 29,34 cm² Âmbito: Outros Assuntos Corte: 1 de 5 Europa com ou sem fronteiras? O mais recente movimento de refugiados fez acender a controvérsia em torno das fronteiras na Europa comunitária. Poderão/deverão os Estados suspender Schengen nestas circunstâncias? Quatro opiniões para ler nas páginas seguintes. Terão os países que integram o Espaço Schengen legitimidade para, unilateralmente, suspender a livre circulação de pessoas e bens e repor as fronteiras? Esta é uma questão que a recente onda de refugiados veio colocar na ordem do dia na Europa. Para o sócio fundador da CCA Ontier, Carlos Cruz, a questão não reside tanto na regulamentação, como na vontade política da UE em implementá-la e na capacidade de o fazer, atento o fluxo de candidatos a asilo. Alerta, ainda, para algumas particularidades no atual movimento migratório de refugiados que aconselham algum cuidado, nomeadamente “a clara tutela de máfias que controlam os canais e a forma das deslocações, o mercantilismo subjacente à escolha dos países de asilo e o perigo da exportação do terrorismo”. Já Maria Meca, mestre em Direito Público, Internacional e Europeu, pela Universidade Católica Portuguesa do Porto, defende um instrumento convencional que tutela de forma clara e coerente os direitos humanos, sob pena de se estar perante “um retrocesso incontestável no regime de proteção internacional”. E critica os que, proclamando-se europeístas, criam “mecanismos tacanhos dentro do sistema de asilo” que os ilibam das obrigações a que estão vinculados, moldando a definição de refugiado como melhor lhes aprouver. Também João Paulo Teixeira de Matos, sócio diretor do Departamento de Direito Europeu e da Concorrência da Garrigues Portugal, considera que a União Europeia continua a não dispor dos meios e mecanismos mais eficazes nestas matérias. E questiona se “a introdução de controlos fronteiriços direcionada principalmente a cidadãos sírios não porá em causa uma das condições de que Schengen faz depender a reintrodução temporária de controlos fronteiri- ços – serem realizados independentemente da nacionalidade”. Por sua vez, Ricardo Branco, consultor da Abreu Advogados e assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, opta por citar o professor de Ciência Política canadiano Joseph Carens, corroborando a tese de que “s fronteiras devem ser geralmente abertas e as pessoas devem ser consideradas normalmente livres de deixarem o seu país de origem e de se estabelecerem num outro, ficando apenas sujeitas aos constrangimentos aplicáveis aos próprios cidadãos dos seus países de destino”. Página 1 ID: 61699375 RICARDO BRANCO Consultor da Abreu Advogados e assistente da Faculdade de Direito de Lisboa No seu artigo “Aliens and Citizens: The Case for Open Borders”, de 1987 - publicado na Review of Politics n.º 49, n.º 2), o professor de Ciência Política canadiano Joseph Carens, partindo da observação de como “Tantas pessoas pobres e oprimidas desejam deixar os seus países de origem do terceiro mundo com o intuito de se instalarem em sociedades ocidentais dinâmicas”, propôsse demonstrar quão “poucas [são as] razões para essas pessoas serem mandadas embora de volta para os seus países de origem”. Neste artigo, Carens afirmou o comprometimento de uma tese das “fronteiras abertas” com o caminho para o respeito pelos seres humanos como pessoas livres e moralmente iguais entre si, impondo-se pois perguntar o que justifica a detenção de indivíduos nas fronteiras e o uso de armas contra os mesmos, por oficiais e em fronteiras que encontram a razão da respetiva existência na função de repelirem criminosos, subversores ou invasores armados, quando a maioria dos indivíduos detidos em fronteira são “pessoas comuns, pacíficas, em busca apenas da oportunidade de construírem vidas decentes e seguras para si e para as suas famílias”. Carens sustenta a resposta a esta pergunta em três linhas de pensamento aparentemente antagónicas entre si, mas “convergentes nas conclusões a que lhe permi- 01-10-2015 Tiragem: 2500 Pág: 26 País: Portugal Cores: Cor Period.: Mensal Área: 21,50 x 29,47 cm² Âmbito: Outros Assuntos Corte: 5 de 5 Um pensamento e um pensador para a suspensão de Schengen “As fronteiras devem ser geralmente abertas e as pessoas devem ser consideradas normalmente livres de deixarem o seu país de origem e de se estabelecerem num outro, ficando apenas sujeitas aos constrangimentos aplicáveis aos próprios cidadãos dos seus países de destino”. “O que justifica a detenção de indivíduos nas fronteiras e o uso de armas contra os mesmos, por oficiais e em fronteiras que encontram a razão da respetiva existência na função de repelirem criminosos, subversores ou invasores armados” tem chegar quanto às migrações”, i.e., à conclusão de que todas as pessoas, independentemente do seu local de origem, são livres e moralmente iguais entre si, quando colocadas, se se quiser, numa “posição original”, no sentido de Rawls, cujo “...objetivo primeiro (...) é o de minimizar os efeitos de contingências moralmente irrelevantes na distribuição de benefícios sociais.”. Tudo isto associado à sobrevalorização, ainda rawlsiana, da liberdade e da sua restringibilidade apenas pela questão de “ordem pública” que é a da própria autopreservação da liberdade. Em segundo lugar, para Carens, o individualismo liberal, centrado na propriedade e na prevalência do individual face ao colectivo, também acaba por favorecer a preconização das migrações e das fronteiras abertas quando leva a pensar que receber um ou vários estrangeiros num território nacional deve depender da decisão, protegida contra o Estado, de alguém receber ou deixar de receber outrem - independentemente da respectiva nacionalidade – na sua propriedade. Assim, Carens invoca o exemplo do fazendeiro americano, a quem o Estado, em princípio, não terá o direito de negar a pretensão de acolher, no seu rancho, trabalhadores de outras nacionalidades. A linha utilitarista, finalmente, é também, segundo este autor, uma linha favorecente da preconização das migrações, pois, segundo ele, é universalmente muito saliente a melhoria de vida dos migrantes quando logram levar a bom porto os intentos da sua migração, ganhos bem maiores do que as perdas imputáveis aos cidadãos dos Estados de destino. Três linhas de pensamento que levam o autor em causa a defender sem reservas, neste seu artigo, que “as fronteiras devem ser geralmente abertas e as pessoas devem ser consideradas normalmente livres de deixarem o seu país de origem e de se estabelecerem num outro, ficando apenas sujeitas aos constrangimentos aplicáveis aos próprios cidadãos dos seus países de destino”; e em que mergulham tanto – no caso das duas primeiras – as mais profundas raízes das tradições constitucionais europeias, como – no caso do utilitarismo – os próprios motivos da construção da União; e que forçosamente, também na “questão dos refugiados”, cujos contornos noticiosos e políticos são por demais conhecidos, fornece dos motes mais válidos para a interpretação da 2.ª parte do artigo 2.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, a qual faz parte do acervo da União Europeia pelo menos desde Amesterdão e serve de base jurídica às chamadas “suspensões” por força do fluxo de refugiados, Página 5 presentemente noticiadas.