2.PROPRIEDADES DOS FLUÍDOS E DOS ESCOAMENTOS
2.1. Introdução
“Fluidos são substâncias ou corpos cujas moléculas ou partículas têm a
propriedade de se mover, umas em relação às outras, sob acção de forças de
mínima grandeza” (Azevedo Netto et al., 1998: 8).
Os fluidos podem ser: líquidos, gases e vapores (o vapor pode, nas condições
habituais do meio ambiente, encontrar-se no estado líquido ou sólido). Os
líquidos têm as suas moléculas mais próximas e tomam a configuração do
recipiente que os contém, mudando a sua forma com as mudanças de forma
do recipiente, mas conservando o seu volume praticamente inconstante.
Um gás (ver http://pt.wikipedia.org) é o conteúdo da fase gasosa, no qual a
matéria tem forma e volume variáveis. Nos gases, as moléculas se movem
livremente e com grande velocidade. A força de coesão é mínima e a de
repulsão é enorme. Por razões didácticas, a Física classifica os gases em duas
categorias:
•
•
os gases perfeitos ou ideais;
os gases reais.
Um gás diz-se perfeito quando:
• A via teórica (teoria cinética dos gases): um gás é considerado perfeito
se não tem interacções entre suas moléculas e se o volume ocupado por
cada molécula é desprezável;
•
A via experimental - um gás é considerado como perfeito se obedece às
seguintes leis:
lei de Boyle-Mariotte – “sob temperatura constante (condições
isotérmicas), o produto da pressão e do volume de uma massa
gasosa é constante, sendo, portanto, inversamente proporcionais.
Qualquer aumento de pressão produz uma diminuição de volume
e qualquer aumento de volume produz uma diminuição de
pressão”;
lei de Charles – “à pressão constante, o volume de uma
quantidade constante de gás aumenta proporcionalmente com a
temperatura“;
lei de Gay-Lussac – “sob volume constante, a pressão de uma
quantidade constante de gás aumenta proporcionalmente com a
temperatura”.
No caso dos gases perfeitos, a massa volúmica é dada pela expressão p = ρ RT.
R é a constante universal dos gases e T a temperatura (ver Massey, 2002: 49-52,
85-88; White, 1994: 13-24).
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Os gases reais são todos os gases, salvo quando estão em condições de
pressão e de temperatura particulares e nestes casos são considerados como
gases perfeitos.
2.2. Conceitos Básicos: Massa volúmica, Peso volúmico, Densidade,
Compressibilidade, Viscosidade, Tensão de saturação de vapor, Tensão
superficial, Capilaridade e solubilidade
Massa volúmica (ρ)
A massa volúmica (também designada por massa específica ou densidade
absoluta) de uma substância é expressa pela unidade de volume dessa
substância (1000 kg/m3 = 102 umm/m3 = 1,0 kg/l)♣.
QUADRO 2.1 – Variação da massa volúmica da água com a temperatura (Azevedo
Netto et al., 1998: 10).
Temperatura (ºC)
Massa volúmica
(kg/m3)
Temperatura (ºC)
Massa volúmica
(kg/m3)
0
999,87
40
992,24
2
999,97
50
988
4
1000,00
60
983
5
999,99
70
978
10
999,73
80
972
20
998,23
90
965
30
995,67
100
958
Peso volúmico (γ)
O peso volúmico de uma substância é o produto da sua massa volúmica pela
aceleração da gravidade (kg/m2/s2 ou N/m3) sendo que o peso volúmico da
água (γágua) é 9800 N/m3 = 1000 kgf/m3 = 9,8 N/l = 62,4 lbf/ft3.
Densidade relativa (d)
A densidade relativa designada apenas por densidade é a relação entre a
massa volúmica de um dado material e a massa volúmica de uma substância
tomada por base (no caso dos líquidos considera-se a água e no caso dos
gases considera-se o ar como referência). Por exemplo, a densidade do solo
(ds) é expressa por:
d liquido =
♣
ρ liquido
ρ água
(2.1a)
umm - Unidades métricas de massa.
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d gas =
ρ gas
ρ ar
γar = 11,8 N/m3 = 0,0752 lbf/ft3
(2.1b)
Nota: É muito comum referir-se, erradamente, à massa volúmica (ρ)
como densidade. Contudo, no âmbito da unidade curricular de
Hidráulica, Hidrologia & Recursos Hídricos este erro não será permitido!
Compressibilidade
É a propriedade dos corpos que consiste na redução do volume quando
sujeitos à pressões externas. Esta redução de volume é acompanhada do
aumento da massa volúmica, i.e. um aumento de pressão corresponde a um
aumento da massa volúmica (lei da conservação da massa). Daí resulta que os
fluidos são compressíveis (a compressibilidade é mais significativa nos gases do
que nos líquidos).
∂∀
= −α∀ , com α = 1
K
∂p
(2.2a)
No caso dos líquidos o coeficiente de compressibilidade (α) é praticamente
independente da pressão e da temperatura (ver Quintela, 2005: 3-4; Massey,
2002: 52-54; Manzanares, 1979: 2-4). Consequentemente, para efeitos práticos
considera-se a massa volúmica dos líquidos independente da pressão e da
temperatura, i.e. consideram-se os líquidos incompressíveis.
Atenção à excepção: na análise de regimes transitórios em condutos sob
pressão (também designado por golpe de aríete ou choque hidráulico)
tem-se que considerar a compressibilidade do líquido (este assunto será
tratado mais adiante, ver Mata-Lima, 2006; Almeida, 1990; Wylie &
Streeter, 1978) visto que está relacionada com a celeridade (c) de
propagação das ondas elásticas:
∂p K
K∂∀
= , com ∂p = −
ρ
∀
∂ρ
c=
(2.2b)
onde: p é a pressão, ρ a massa volúmica, ∀ o volume inicial e K o módulo de
elasticidade.
QUADRO 2.2 – Variação do α e K da água com a temperatura (Azevedo Netto et al.,
1998: 11).
Temperatura (ºC)
α (10-10 m2/N)
K (108 N/m2)
α (10-10 m2/kg)
0
5,13
19,50
50,2
10
4,93
20,29
48,2
20
4,75
21,07
46,2
30
4,66
21,46
45,6
Exercício (ver Azevedo Netto et al., 1998: 13).
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Viscosidade (μ) – é a resistência do fluído à deformação que resulta do
seguinte: quando se dá o escoamento de um fluído há um movimento relativo
das suas partículas que suscita um atrito interno entre as mesmas. É este atrito
interno que se designa por viscosidade estando esta directamente relacionada
com a coesão entre as partículas do fluido. Por exemplo, é mais fácil vazar a
água de um recipiente para outro do que óleo.
Se considerarmos um movimento unidireccional do fluído, a tensão tangencial τ
(ou de arrastamento ou ainda a taxa de transporte da quantidade de
movimento) é proporcional à taxa de variação da velocidade V com a
distância y, sendo expressa por (lei de Newton):
τ =μ
∂V
μ
, com ν =
∂y
ρ
ou
(2.3)
μ = νρ
onde: μ é o coeficiente de viscosidade dinâmica, V a velocidade, y a distância
perpendicular entre as partículas em movimento e ν a viscosidade cinemática
(para água @ 20 ºC assume o valor de ν = 1.01×10-6 m2 s-1).
QUADRO 2.3 – Variação da υ da água com a temperatura (Azevedo Netto et al.,
1998: 15).
Temperatura (ºC)
υ (10-6 m2/s)
Temperatura (ºC)
υ (10-6 m2/s)
0
1,792
15
1,146
2
1,673
20
1,007
4
1,567
30
0,804
10
1,308
100
0, 296
A viscosidade diminui e aumenta com a temperatura quando o fluído é líquido
ou gasoso, respectivamente. No caso da água a viscosidade aumenta com a
pressão em vez de diminuir (para uma explicação elucidativa, ver Peixoto, 1993:
32).
Ainda sobre a viscosidade importa referir que o movimento do líquido é nulo na
fronteira sólida (ou seja o fluído não se desloca directamente sobre a superfície
de um conduto ou canal). Portanto, o líquido adere à fronteira sólida que fica
sujeita à uma força de arrastamento resultante do deslocamento do líquido em
movimento sobre o líquido em repouso (aquele que se encontra em contacto
directo com a parede). A viscosidade (a resistência à deformação do fluído)
provoca a dissipação de energia mecânica do fluído em movimento.
É devido a viscosidade que se desenvolve a chamada camada limite que
corresponde à zona onde a viscosidade se manifesta. De facto, como a água
não é um líquido perfeito as partículas líquidas não deslizam sobre a parede. Na
verdade, por se comportar como um líquido real, a velocidade do escoamento
junto à parede é nula e desenvolve-se uma região com elevado gradiente de
velocidade segundo a normal à parede e tensões tangenciais (ver Quintela,
2005: 80-85; Manzanares, 1979: 188 – ).
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Tensão de saturação de vapor de um líquido (ev)
Um líquido entra em ebulição quando a tensão de saturação de vapor (ev)
iguala o valor da pressão atmosférica.
A pressão atmosférica decresce rapidamente com o aumento da altitude. Por
isso, para altitudes elevadas em relação ao nível médio do mar (ao nível médio
do mar corresponde uma pressão de aproximadamente 1000 mb) a pressão
atmosférica é muito pequena. Logo, em altitudes elevadas a água começa a
ferver a temperaturas inferiores a 100º C.
A título de exemplo, na Serra da Estrela onde a pressão é da ordem de 800 mb
a água ferve a 93º C.
Curiosidade: por esta razão é difícil cozinhar ovos em locais
montanhosos. Alguém já tentou cozinhar ovos no Pico do Arreeiro (ilha
da Madeira)?
FIGURA 2.1 – Quanto mais baixa for a pressão, menor é a tensão de saturação e,
portanto, mais baixa é a temperatura de ebulição (Peixoto, 1993).
Os leitores interessados em aprofundar o conhecimento sobre este assunto
deverão consultar Peixoto, 1993: 64-68.
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QUADRO 2.4 – Tensão de saturação do vapor da água para diferentes temperaturas
(Peixoto, 1993: 67).
Temperatura (ºC)
ev (102 Pa ou N/m2)
Temperatura (ºC)
ev (102 Pa ou N/m2)
10
12,27
35
56,24
20
23,37
60
250,16
25
31,67
80
473,67
30
42,43
100
1013,25
Tensão superficial dos líquidos
A tensão superficial pode ser definida como forças laterais por unidade de área
e resulta da coesão entre as moléculas líquidas.
Na fase líquida da água as forças laterais mantêm as moléculas superficiais
fortemente ligadas entre si, como se formassem uma membrana elástica,
constituindo uma “barreira de segurança” para as moléculas interiores,
exactamente como um balão para o gás que contém (Peixoto, 1993: 33).
Curiosidade: É em virtude da elevada tensão superficial que os insectos
caminham sobre a superfície da água. Não precisam de nadadores
salvadores☺.
Ainda sobre a tensão superficial, sabe-se que ela permite que o solo passe
(ou transporte) a água nos interstícios existentes entre as partículas sólidas.
Toda a água não se infiltra sob a acção da gravidade para as camadas
inferiores do solo, criando uma zona saturada (camada inferior do solo) e
outra totalmente seca, devido á (Peixoto, 1993: 33): i) atracção molecular
entre as partículas sólidas dos solos e a água; ii) propriedades “elásticas”♣ da
água e aos fenómenos de capilaridade (ascensão capilar resulta da acção
conjunta da coesão e da adesão entre líquidos e sólidos), onde a tensão
superficial desempenha um papel fulcral. Sobre este assunto, ver também
Azevedo Netto et al.(1998: 18-20) e Costa (2004: 411-413).
Portanto, existe água na camada superficial do solo acima no nível freático
como consequência do efeito da elevada tensão superficial da água.
♣
“Na superfície livre de qualquer líquido, como resultado da atracção entre as respectivas moléculas, actua
a chamada tensão superficial, a qual provoca, nessa superfície, propriedades semelhantes às de uma
película elástica, e tende a reduzir o volume do líquido à forma que exponha a mínima superfície” (Costa,
2004: 411).
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Capilaridade dos líquidos
Se introduzirmos verticalmente na água um tubo capilar ela (a água) subirá até
um altura h no interior do tubo que é expressa pela seguinte equação:
h=4
τ cos α
ρd
(2.4a)
onde: τ é a tensão superficial, d o diâmetro do tubo, α o ângulo de contacto
(ver Figura 2.2) e ρ a massa volúmica da água. Quanto menor o diâmetro (d) do
tubo maior será a ascensão capilar (h).
h=2
τ cos α
γr
(2.4b)
onde: r é o raio do tubo (m), α o ângulo de contacto (º) e τ a tensão superficial
(para água limpa à 20ºC a τ é igual a 0,073 N/m no caso do contacto ar-água).
É através deste processo que se dá a ascensão capilar da água nas camadas
insaturadas do solo.
Nota: h é mais elevado
para d mais pequenos.
Figura 2.2 – Representação da água no interior de um tubo capilar.
Os interessados em aprofundar este assunto deverão consultar Costa (2004: 411413; White, 1994: 26-29).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A.B. (1990). “Protecção Contra o Golpe de Aríete”, in DGRN (Ed.).
Manual de Saneamento Básico. Volume I, Direcção Geral dos Recursos Naturais
(DGRN), Lisboa.
AZEVEDO NETTO, J.M., FERNANDEZ Y FERNANDEZ, M., ARAUJO, R., ITO, A.E. (1998).
Manual de Hidráulica. 8ª Edição, Editora Edgar Blücher, São Paulo. 669p.
COSTA, J.V.B. (2004). Caracterização e Costituição do Solo. 7ª Edição,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
MANZANARES, A.A. (1979). Hidráulica Geral I – Fundamentos Teóricos. Técnica,
AEIST, Lisboa.
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MASSEY, B.S. (2002). Mecânica dos Fluídos. Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa.
MATA-LIMA, H. (2006). Regimes Transitórios em Pressão, Material de apoio,
Universidade da Madeira, Funchal (Portugal).
PEIXOTO, J.P. (1993). A Água na Atmosfera e o Ambiente. Instituto de Promoção
Ambiental, Lisboa.
QUINTELA, A.C. (2005). Hidráulica. 9ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa.
WHITE, F. (1994). Fluid Mechanics. 3trd Edition, McGraw-Hill, New York.
WYLIE, E.B., STREETER, V.L. (1978). Fluid Transients. McGraw-Hill, New York.
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