O PULO DO GATO O dia estava mesmo sem graça, com aquela chuvarada que acaba com os planos de qualquer um. Lá estava eu sem guarda-chuva, com a calça de meia canela e aquele ânimo de segunda-feira de todo trabalhador são. Era noite e já passava das oito e meia, eu havia acabado de chegar em casa e teria conseguido esquentar um sanduíche se meu microondas não tivesse queimado horas antes no ovo mexido da manhã. Mas o que fazer? Uns tem sorte, outros não. Tudo estava tão entediante que o gato da vizinha, lá em cima, parecia estar se divertindo mais que eu com as trouxas de crochê da dona Filó. E não é falar no diabo que ele mostra o rabo?! Não deu outra, lá de cima um ronronado alto e agudo do gato de dona Filó cortou o ar, até a chuva lá fora parecia ter parado para ouvir. Quem será que morreu? Ora, foi essa a minha primeira pergunta e, portanto, o motivo para subir até o apartamento da velha e ser a primeira a dar a notícia do perecimento da coitada aos filhos, se é que ela tinha; se não tinha, antes só do que mal acompanhada, não é mesmo? Foi o que fiz, subi, e em cada degrau minha perna resmungava da artrite, coitada de mim, mas não é minha culpa porque tudo que não é usado acaba enferrujado, então prossegui. Quando cheguei ao último degrau deparei com a porta número doze, do apartamento da dona Filó, estava entreaberta. A pulga atrás da orelha esquerda coçava tanto que, da fome, estava eu esquecida e só o que pensava era o que se passava dentro da casa. Pelo que parecia, a luz da sala estava apagada e o vento passava corrido da fresta da porta. Fiz então o que poderia ser feito: abri a porta, devagar, para que o bafo da essência de jasmim não me batesse direto na cara. Vi o que vi, e tudo num milésimo do segundo. Foi tudo muito rápido e perturbador, confesso que nem cheguei a dormir direito naquela noite, cenas fortes me assustam. Estaquei na frente da porta, que nem rangeu ao abrir, o vento agora cortava os lábios e meus olhos não ousavam piscar. Na minha frente se passava uma mulher baixinha, um tanto gorducha estatelada no chão, envolvida pela poça de sangue formada pela possível batida de cabeça. Eis que a velha tinha morrido. Tudo agora me dava medo, ambiente totalmente inóspito aos meus olhos. Que terror. Lá fora já se ouvia a sirene das viaturas periciais. Típico, não acha. Primeiro eles retiram as possíveis amostras da cena do crime, sem esquecer do principal: a arma do assassinato, e, uma vez analisadas, partem para o interrogatório dos possíveis culpados. No fim é sempre a mesma coisa, a culpa nunca cai sobre quem achamos. Errar é humano, mas persistir já é burrice, até dona Filó sabia disso, tanto que trocou de canal. O gato já havia desfeito todo o cachecol. Rhuan Gustavo Vieira de Sousa 2º Ano – Técnico em Edificações