ZERO HORA > DOMINGO | 24 | AGOSTO | 2008
Política > | 17 |
INFORME COMERCIAL
“Não tenho medo da morte,
tenho medo da desonra”
para fazer brincadeiras. Pede aos
repórteres que rezem, “pois a coisa está feia”. Diz que Deus pode
levá-lo por qualquer coisa, algo
como “só Ele querer”.
Alencar – Tenho uma irmã chamada Célia que me lembrou de uma
linda frase de São Thomas Morus,
chanceler do rei Henrique VIII. A
frase foi dita antes de seu martírio, e
ele falou a sua filha Margarida, a fim
de consolá-la: “Minha querida filha,
não pode acontecer nada que Deus
não tenha querido. Ora, tudo o que
Ele quer, por pior que possa parecernos, é o que há de melhor para nós”.
Eu, na minha pequenez e distante de
qualquer comparação com São ThoZH – Além de Deus, no que o mas Morus, penso da mesma forma.
senhor acredita? O senhor elabo- Aquilo que Deus quer, por pior que
possa parecer, é o que há de melhor
ra uma religião própria?
Alencar – Acho que minha força para nós. Concordo plenamente.
vem da fé. A fé em Deus. Agora, voZH – Com o novo tratamento, o
cê pergunta: além de Deus, no que
mais eu acredito? Acredito na ver- senhor tem esperanças de que o
dade. Mas acreditar em Deus é tam- câncer não volte. Recentemente, o
bém a melhor forma de dizer que se senhor disse que sempre teve “esacredita na verdade, porque Deus é sa expectativa, mas o tumor nuna verdade e a vida. Não elaborei reli- ca obedeceu”.
Alencar – É verdade, esse tumor
gião nenhuma. Sou católico.
é teimoso. A gente faz a cirurgia,
ZH – Em meio à doença, o se- tudo correto, deixa passar os dias,
nhor ainda arruma um tempinho faz os exames de acordo com a
ZH – No dia da posse do segundo mandato dizem que o senhor
surpreendeu até os médicos, pois
eles duvidavam que o senhor, visivelmente abatido pela quimioterapia, agüentasse toda a cerimônia. De onde vem a força?
Alencar – Não sei se poderia chamar isso de minha força especial.
Ela está presente em todas as pessoas que têm fé. As pessoas que têm
fé, têm força. Uma outra coisa que
provavelmente traga força para as
pessoas é a motivação. Se elas têm o
que fazer, estão motivadas, e a motivação é absolutamente essencial, até
mesmo como instrumento de cura.
orientação médica e por lá está ele.
Meu médico, oncologista famoso e
muito meu amigo e boa pessoa, é o
doutor Paulo Hoff. Eu o respeito rigorosamente. O tumor é recorrente.
De vez em quando ele volta, mas eu
tenho esperança de que agora, com
esse tratamento, com o Yondelis, nós
vamos vencê-lo, naturalmente com
a bênção e o apoio de Deus, sem o
que não adianta nada.
ZH – Houve divergências entre
os médicos durante sua primeira
cirurgia. Isso o prejudicou?
Alencar – Alguém, de vez em
quando, fala isso, mas quando você
é operado, você não vê nada, porque
está totalmente anestesiado. É anestesia total, que dura horas. Se houve
algum desentendimento, eu não vi,
e posso dizer para vocês que não o
alimentaria.
ZH – Por que o senhor acha que
precisa passar por todas as provações? Recentemente, em entrevista, o senhor falou que isso se
devia a seus pecados. São muitos?
Alencar – As provações são penalidades advindas dos pecados.
E você paga os pecados. Esse sofrimento com o câncer vem desde
1997, portanto, há 11 anos. Devem
ser os pecados. São muitos os pecados? Não sei. Devem ser, porque
tenho 76 anos como pecador. Agora,
posso dizer para vocês que os meus
pecados – eu penso – são veniais.
“Esse tumor é teimoso.
A gente faz a cirugia,
tudo correto, deixa
passar os dias, faz os
exames de acordo com
a orientação médica e
por lá está ele.”
ZH – O senhor tem medo da
morte?
Alencar – Já falei isso várias vezes. Não tenho medo da morte, tenho medo da desonra. Aliás, isso
foi dito, me parece, por Péricles ou
por Sócrates no parlamento grego.
E eu digo a mesma coisa: não tenho medo da morte, tenho medo
da desonra. Por quê? Por uma razão muito simples: nossos irmãos,
nossos amigos, nossa família, nosso
pai, nossa mãe, nossos filhos, nossos
netos, nossa esposa. Nós temos pessoas que nos estimam, que acreditam em nós. Se nos comportarmos
dignamente, mesmo depois de mortos não teremos morrido para eles.
Agora, se não nos comportarmos de
forma que possam se orgulhar de
nosso comportamento, mesmo em
vida teremos morrido.
ZH – Após mais esse tratamento, acredita na cura total da
doença? Recentemente, o senhor
falou que se fosse perguntado a
sua mulher, ela iria dizer que o
senhor estava curado, mas que
o senhor não diz isso. Como é
nascido na Zona da Mata mineira, no meio de morros, o senhor enxerga curto.
Alencar – É verdade, minha
mulher, Mariza, tem uma fé extraordinária, e isso tem me ajudado.
Mas eu, de fato, nasci entre morros e enxergo curto. Por isso sou
desconfiado. No caso em apreço,
entrego a minha sorte e a minha
vida às mãos de Deus. Agora, como você pergunta se mais esse
tratamento poderá significar cura
total da doença, eu digo que sim,
e estou muito confiante que isso
aconteça, mesmo que haja necessidade de nova ou novas cirurgias.
ZH – Como será o seu futuro?
Alencar – É aquela história: o
futuro a Deus pertence. Isso é um
ditado de sabedoria popular, mas
os ingleses falam “tomorrow is
another day”, amanhã é outro dia.
De modo que a minha fé está ligada, também, ao meu futuro. Meu
futuro será o que for da vontade
de Deus. Isso é meu futuro. Se for
política a sua pergunta, eu vou
dizer para você: tenho 76 anos,
daqui a dois anos termina o meu
mandato, terei 78 anos. O que
posso querer mais na vida? O máximo que posso querer é disputar
mais umas três ou quatro eleições.
Por exemplo: eu ainda não fui vereador na minha terra!
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“Não tenho medo da morte, tenho medo da desonra”