AVALIAÇÃO COMPARATIVA DE TESTES DE LIXIVIAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS Fernanda Cauduro (*) Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina. Engenheira Civil, Mestranda em Engenharia Ambiental, Bolsista de Mestrado do CNPq. Sebastião Roberto Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina. (*) End.: Rua Desembargador Vitor Lima, 410/203 BL - A3, Carvoeira - Florianópolis – SC Brasil. Tel.; 55 (048) 233-5789 e-mail: [email protected] RESUMO O presente trabalho alguns protocolos de lixiviação utilizados freqüentemente para a classificação de resíduos sólidos segundo sua periculosidade. O ensaio de lixiviação procura reproduzir em laboratório fenômenos de arraste, diluição e dessorsão que ocorre pela passagem do material solvente através do resíduo servindo, portanto, para avaliar o potencial deste resíduo em liberar certas espécimes químicas. Palavras Clave: : Procedimento de Lixiviação (1), Resíduos Sólidos (2), Normatização (3) INTRODUÇÃO A classificação dos resíduos é baseada normalmente na avaliação do comportamento deste em contato com um solvente. Assim, a lixiviação é o procedimento mais utilizado para a analisar a potencialidade de transferência de matéria para o meio natural. Os ensaios de lixiviação são utilizados para determinar ou avaliar a estabilidade química dos resíduos, quando em contato com soluções aquosas, permitindo assim verificar o grau de imobilização de contaminantes. Encontram-se disponíveis diversos ensaios de lixiviação, mas nenhum deles é capaz de reproduzir, isoladamente, todas as condições variáveis que se observam na natureza (ROCCA, 1993). O objetivo deste trabalho é avaliar de forma comparativa testes de lixiviação de resíduos sólidos, e avaliar criticamente a norma brasileira, NBR 10005 – Lixiviação de resíduos. Os ensaios de lixiviação são utilizados tanto para fins científicos, quando se pretende determinar o comportamento de uma substância face a fenômenos físico-químicos que ocorrem durante uma percolação, como para caracterizar a periculosidade de um resíduo, visando o controle de resíduos sólidos perigosos. Assim, este ensaio procura reproduzir em laboratório os fenômenos de arraste, diluição e de dessorsão que ocorrem pela passagem de água através de um resíduo, quando disposto no meio ambiente. Tal ensaio pode representar vários anos do fenômeno natural de lixiviação. O teste de lixiviação é empregado na classificação de resíduos sólidos desde que os mesmos não estejam perfeitamente caracterizados como resíduos perigosos, segundo as normas adotadas (ARROIO, 1984). REVISÃO BIBLIOGÁFICA O processo de lixiviação é fundamental para o entendimento de como avaliar a periculosidade do resíduo. Se as águas superficiais ou subterrâneas entram em contato com um material, cada um de seus constituintes se dissolve a uma taxa finita. Igualmente, muitos resíduos ditos impermeáveis como argilas, concreto, tijolos e vidro de qualquer natureza podem ser dissolvidos, pois não existe nada que seja totalmente insolúvel (CONNER, 1990 apud BAPTISTA, 2001). Os resíduos submetidos ao Teste de lixiviação conforme Norma Brasileira NBR 10.005 – “Lixiviação de Resíduos – Procedimentos”, apresentarem teores de poluentes no extrato lixiviado em concentração superior aos padrões constantes da Listagem 7 – Limite Máximo no Extrato obtido no Teste de Lixiviação, são classificados como perigosos . Assim sendo, o teste de lixiviação se aplica somente àqueles resíduos que apresentam entre seus constituíntes um ou mais dos elementos e substâncias constante na listagem nº 7 da NBR 10.004 (ROCCA, 1993). A lixiviabilidade é usualmente avaliada em função da concentração dos contaminantes encontrados no lixiviado. A concentração do contaminante, padrão primário de avaliação de qualidade da água, é freqüentemente utilizada como padrão para o teste de lixiviação. Na avaliação da lixiviabilidade do material, é feita uma comparação entre a concentração do contaminante no lixiviado e no resíduo bruto. Estes valores indicam a porção de resíduo liberada para o meio. Se o tempo de duração do ensaio é conhecido, então é possível determinar-se a taxa de lixiviação do resíduo. O ensaio de lixiviação sofre interferência da temperatura, do tipo de solução lixiviante, da relação resíduo/lixiviante, do número de extrações, da superfície específica do resíduo e do grau de agitação utilizado no ensaio (CHAMIE,1994). Atualmente uma variada gama de testes de lixiviação é empregada para prever o impacto ambiental causado pela disposição de uma matriz contendo resíduo. A escolha entre vários tipos de testes de lixiviação é feita conjuntamente entre o órgão ambiental responsável e o gerador. Os testes de lixiviação de resíduos mais difundidos são o “Environmental Protection Agency’s Extraction Procedure (EP), Toxicity Test”, o “Toxic Characterisitics Leaching Procedure” (TCLP) (CHAMIE, 1994). Além destes testes americanos, pode-se citar o Essai de lixiviation AFNOR X-31-210/92 (França) e o teste de lixiviação especificados pela norma brasileira NBR 10005 (lixiviação de resíduos sólidos) METODOLOGIA DE PESQUISA A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi baseada em 4 normas de lixiviação : Lixiviação de Resíduos – NBR 10.005/87 (Brasil), Standard Test Method for Shake Extraction of Mining Waste by the Synthetic Precipitation Leaching Procedure - ASTM D 6234/98 (EUA), Essai de lixiviation - AFNOR X-31-210/92 (França) e 40 - CFR - Federal Register - Chapt. 1 (07.01.93) Apêndice II da Parte 261 Método 1311 TCLP - Toxicity Characteristic Leaching Procedure (EPA – EUA). As etapas desenvolvidas neste trabalho são apresentadas a seguir: primeiro a preparação das amostras, em seguida a aplicação das normas NBR 10.005, ASTM 6234, TCLP e AFNOR X 31-210. Depois da aplicação destas normas foram realizadas as análises do lixiviado e a interpretação dos resultados. A etapa seguinte consistiu na aplicação da norma brasileira com a variação de parâmetros que influenciam diretamente os resultados dos ensaios de lixiviação como a granulometria, meio lixiviante, equipamento e tempo. As amostras utilizadas nos ensaios foram sintetizadas em laboratório, a base de cimento e alguns sais de metais pesados, para que possibilitar a reprodutibilidade dos ensaios. Foram criados dois tipos de materiais: a amostra com sais de metais pesados e a amostra “branca” sem metais, para verificar a influência da matriz no lixiviado. Os sais adicionados ao cimento foram: 6,39g de nitrato de chumbo Pb(NO3)2, 19,94 de sulfato níquel NiSO4.6H2O, 17,59g de sulfato de zinco ZnSO4.7H2O, 9,36 g de sulfato de cádmio CdSO4.8H2O e 56,72g de sulfato de cromo Cr4(SO4)5(OH)2. Os parâmetros tomados como referência nos testes de lixiviação para análise dos resultados serão: Cr, Pb, Zn, Cd, e Ni. AFNOR X-31-210/92 - Essai de lixiviation A amostra (100 g) é misturada com o fluído de extração (água desmineralizada) na proporção de 1:10. A agitação permite um movimento alternativo linear, com freqüência de agitação de 60 ciclos por minuto. A duração do contato da agitação deve ser de 24 h. O fluxograma abaixo descreve o procedimento da AFNOR X-31-210 que foi adotado na execução dos ensaios. AFNOR 100 g de resíduo 4,0mm 1000mL água desmineralizada agitar por 24 h aparelho de movimento alternativo linear amplitude 3cm e agitação de 60 ciclos/min por 24h medir pH filtrar o lixiviado no filtro 0.45 um preservar as amostras Figura 1: Fluxograma de Extração Procedimento AFNOR Standard Test Method for Shake Extraction of Mining Waste by the Synthetic Precipitation Leaching Procedure - ASTM D 6234/98 Este método utiliza-se de uma solução a base de ácido nítrico e ácido sulfúrico. A amostra de resíduo deve apresentar granulometria de 9,5 mm e ser agitada a 30 rpm, por 18 h. O fluxograma abaixo descreve o procedimento da ASTM D 6234/98 que foi adotado na execução dos ensaios em laboratório. ATSM preparação da solução ácida medir o pH 100g de resíduo de granulometria 9,5mm filtro de 0,45 ou 0,8 um agitar 18h no aparelho de rotação a 30rpm/ min desabafar os gases liberados durante a agitação preservar as amostras Figura 4: Fluxograma de Extração Procedimento ASTM NBR 10.005/87 (Brasil) – Lixiviação de Resíduos A Norma Brasileira utiliza o equipamento do tipo jar-test, de agitação contínua, velocidade indefinida, proporção resíduo/meio extrator (1:16). Esta norma utiliza como meio lixiviante água deionizada e controla o pH com ácido acético 0,5N (pH = 5). O fluxograma abaixo descreve o procedimento da NBR 10.005 que foi adotado na execução dos ensaios em laboratório. NBR 100 g de resíduo de granulometria 9.5mm adicionar água deionizada na proporção 16:1 iniciar a agitação: agitador jar-test controlar o pH em 15, 30 e 60 min abaixo de 5, com ácido acético medir o pH agitar no jar-test durante 24h caso o pH seja superior a 5, agitar durante 4h controlando o pH de hora em hora abaixo de 5, com ácido acético passar no filtro de 0.45 um adicionar água deionizada calculada pela expressão preservar as amostras Figura 2: Fluxograma de Extração Procedimento NBR 40 - CFR - Federal Register - Chapt. 1 (07.01.93): Apêndice II da Parte 261, Método 1311 - TCLP - Toxicity Characteristic Leaching Procedure Neste procedimento foi utilizado um equipamento de rotação durante o período de 18 h. Em seguida, faz-se a filtração e preservação das amostras. O fluxograma abaixo descreve o procedimento da EPA TCLP que foi adotado na execução dos ensaios em laboratório. TCLP 100 g de resíduo 9.5mm 96.5ml de água destilada agitar por 5 min medir pH pH > 5 pH < 5 adicionar 3.5 ml de HCl fluído de extração 1 aquecer durante 10 min deixar esfriar a ºT Amb. e medir pH pH < 5 pH > 5 fluído de extração 1 fluído de extração 2 agitar no aparelho rotativo durante 18h a 30 rpm/min filtrar o lixiviado no filtro 0.45 um preservar as amostras Figura 3: Fluxograma de Extração Procedimento TCLP As soluções obtidas pelos diferentes métodos de extração devem ser preservadas de forma a conservar suas características, e devem ser submetidas a análises químicas para verificação da recuperação dos metais. A Tabela sintetiza as principais características dos testes de lixiviação descritos anteriormente. TABELA - comparativo entre os procedimentos de lixiviação adotados: Lixiviação de Resíduos – NBR 10.005 Procedimento de lixiviação característica de toxicidade - TCLP ASTM D 6234/98 AFNOR X-31-210/92 Meio de extração e características Equipamento Água deionizada, pH < 5, massa pulverizada, 24h, com agitação, razão entre água e resíduo 20:1. Fluído de extração, pH < 5, massa pulverizada, 18h, com agitação, razão entre água e resíduo 20:1. Agitador Jar-test Agitador rotacional Fluído de extração, pH < 5, massa pulverizada, 18h, com agitação, razão entre água e resíduo 20:1. Água desmineralizada, massa pulverizada, 24h, com agitação, razão entre água e resíduo 10:1. Agitador rotacional Agitador linear Controlador de Velocidade pH de agitação Ácido acético Não tem Ácido clorídrico 30 rpm/min e ácido acético Ácido sulfúrico 30rpm/min e ácido nítrico Não tem 60 ciclos/min RESULTADOS E DISCUSSÕES O processo de liberação de elementos de um resíduo depende das propriedades físico-químicas do material, bem como das condições experimentais do teste. Neste trabalho foi desenvolvida uma avaliação comparativa de testes de lixiviação de resíduos sólidos. A Figura 5 apresenta os resultados obtidos nos ensaios de lixiviação pelos diferentes procedimentos. Figura 5: Quantidades de metais liberados pelos procedimentos de lixiviação. Cd Pb Cr Ni Zn 2000,0 1600,0 1200,0 800,0 400,0 Resíduo TCLP 10/05/02 Resíduo AFNOR 10/05/02 Resíduo ASTM 10/05/02 Resíduo NBR 10/05/02 Resíduo TCLP 25/04/02 Resíduo AFNOR 25/04/02 Resíduo ASTM 25/04/02 Resíduo NBR 25/04/02 Resíduo TCLP 08/04/02 Resíduo AFNOR 08/04/02 Resíduo ASTM 08/04/02 Resíduo NBR 08/04/02 mg/L 0,0 Os ensaios de lixiviação da amostra “branca” forneceram resultados menores que 10 mg/l, por essa razão não foram incluídos no gráfico. Pode-se observar na Figura 5 que o meio lixiviante que mais auxiliou na liberação de metais foi aquele utilizado no teste ASTM, seguido pela norma brasileira. A norma ASTM utiliza um meio lixiviante agressivo a base de ácido sulfúrico e nítrico mais aplicado para extração de materiais de resíduos de minas. Na seqüência, sobre a norma brasileira, foram variados os parâmetros granulometria e agitação. Os resultados obtidos mostraram que a granulometria influencia na extração :quanto menor a granulometria, maior a área de contacto e maior a extração; o agitador do tipo jar-test demonstrou-se mais eficiente na extração de metais incorporados à matriz de cimento do que o agitador linear. As informações obtidas darão subsídios para reavaliação do atual processo brasileiro de lixiviação e de classificação de resíduos. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 40 - CFR - Federal Register - Chapt. 1 (07.01.93)Apêndice II da Parte 261 Método 1311 TCLP - Toxicity Characteristic Leaching Procedure (EPA – EUA). ADASKA, W.S.; Solidification and stabilization of wastes using portland cement? Portoland Association, United States, 1991, 16p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Lixiviação de Resíduos – procedimento – NBR 10.005/1987, Rio de Janeiro, 1987. ASTM - Standard Test Method for Shake Extraction of Mining Waste by the Synthetic Precipitation Leaching Procedure - ASTM D 6234/98 (EUA). 1998 BAPTISTA, W.C. Avaliação da Norma de Classificação de Resíduos Sólidos – NBR 10.004/87 da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e o seu processo de Revisão. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2001. CHAMIE, S. Encapsulamento de resíduos de lamas galvânicas através da solidificação em matriz de cimento. São Paulo, 1994. Dissertação de Mestrado – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. CONNER, J. R. Chemical Fixation and Solidification of Hazardous Wastes. Ed. Van Nostrand Reinhold. New York, 1990. Essai de lixiviation - AFNOR X-31-210/92 França, 1992. GOBBEY, A.; Comparasion Experimentale de Quatre Procedures D’evalution Dês Dechets Solidifies. Dissertação de Mestrado. INSA Lyon França. Sep 1992. LA GREGA, M.D.; BUNCKINGHAM, P.L.; EVANS, J.C. Hazardous Waste Management – Stabilization and Solidification. McGraw-Hill International Editions – Civil Engineering Series, 1995. NEDER, L.de T.C. Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos: Tecnologia de Encapsulamento por complexos Argilominerais – CAMs. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de saúde Ambiental da faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1998. Protocole D’essai de lixiviation d’un dechet solide initialment massif ou genere par un procede de solidification, avril, 1992. ROCCA, A.C.C et al. Resíduos Sólidos Industriais. CETESB, 2ª Ed. São Paulo, 1993.