Criação e Manejo de Quelônios no Amazonas (Projeto diagnóstico da criação de animais silvestres no e stado do Amazonas) Editor Paulo César Machado Andrade - M.Sc. Laboratório de Animais Silvestres - Ufam Coordenador do Projeto Pé-de-Pincha Apoio: Programa Trópico Úmido/CNPq Publicação: Catalogação na Fonte Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis C967 Criação e manejo de quelônios no Amazonas. / Paulo César Machado, organizador. – Manaus: Ibama, ProVárzea, 2007. 513 p. : il. color.; cm. Bibliografia ISBN 1. Quelônios. 2. Tartaruga. 3. Manejo. 4. Criadouro. I. Andrade, Paulo César Machado. II. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. III. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea. V. Projeto Pé-de-Pincha. VI. Título. CDU(2.ed.)639 Criação e Manejo de Quelônios no Amazonas.Projeto Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas.2007. I Seminário de Criação e Manejo de Quelônios da Amazônia Ocidental. Ed. Pa ulo César Machado Andrade. 2ªEdição. ProVárzea/FAPEAM/SDS. Manaus/AM. 447 p. Palavras-chave: Quelônios; Tartaruga; Criação Podocnemis ii ProVárzea/Ibama - Rua Ministro João Gonçalves de Souza, s/nº Distrito Industrial - 69.075-830. Manaus, AM. Tel. (92) 3613-3083 / 6246 / 6754. Fax. (092) 3237-5616. Site: www.ibama.gov.br/provarzea iii “Dona lebre só queria correr o dia inteiro, porém, dona Tartaruga andando chegou primeiro!” (La Fontaine) PARDI, M. C., SANTOS, I. F. dos ; SOUZA, E. R. ; PARDI, H. S. Ciência, Higiene e Tecnologia da Carne. 2ed. Goiânia: CEGRAF/UFG, v.1, 2001. POUGH, F. H., HEISER, J. B., Mc FARLAND, W. N. vertebrados. 2.ed. – São Paulo: Atheneu, 1999. A vida dos KIRK, R. W. Atualização terapêutica na veterinária. São Paulo: Manole, 1984. LUZ, V. L. F. Avaliação do crescimento e morfometria do trato digestivo de Podocnemis expansa (Tartaruga-da-Amazônia) criada em sistema de cativeiro em Goiás . Goiânia, 2001 . Disserta ção (Mestrado) - Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Federal de Goiás. LUZ, V. L. F. ; REIS, I. J. Manual técnico: criação comercial de tartaruga e tracajá. Goiânia: RAN/Ibama, 2002. Aos meus pais, Manuel e Regina, Por todo o incentivo, sempre! À Ediana e ao Gustavo por todo amor e paciência! Ao Rosinaldo da Costa Machado, Professor do Centro Agropecuário, UFPA e Manuelino Bentes, “Seo” Mocinho Lobo, pelo exemplo de vida (in memorian) OGAWA, M.; MAIA, E. L. Manual da pesca. São Paulo: Varela, v. 1, 1999. OLIVEIRA, M. O. Abate e comercialização de animais silvestres. Viçosa: CPT, 1999. 58 p. QUINTANILHA, L. C. Enfermidades infecciosas em quelônios aquáticos e principais fatores de sua instalação em criadores comerciais. Goiânia: RAN/Ibama, 1997. QUINTANILHA, L. C. Parâmetros zootécnicos do abate industrial da tartaruga-da-amazônia ( Podocnemis expansa ) criada em cativeiro . Brasília, 2003. Dissertação (Mestrado). 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Regulamento técnico sobre as condições higiênico-sanitárias e de boas práticas de fabricação para estabelecimento elaboradores/industrializadores de alimentos. Brasília-DF, 1997. _____. Portaria nº 46 de 10/02/98. Manual genérico para APPCC em indústrias de produtos de origem animal. Brasília-DF, 1998. _____. Portaria nº 210 de 10/11/98. Regulamento técnico da inspeção tecnológica e higiênico-sanitária de carne de aves. Brasília-DF, 1998. _____. Portaria nº 711 de 01/11/95. Normas técnicas de instalações e equipamentos para abate e industrialização de suínos. Brasília-DF, 1995. _____. Padronização de técnicas, instalações e equipamentos para o abate de bovinos. _____. Instrução Normativa nº 03 de 17/01/00. Regulamento técnico de métodos de insensibilização para o abate humanitário de animais de açougue. Brasília-DF, 2000. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 142 de 30 de dezembro de 1992. Normatiza a criação em cativeiro das espécies de quelônios Podocenmis expansa, tartaruga-da-amazônia e Podocnemis unifilis, tracajá, com finalidade comercial, partindo de filhotes, nas áreas de distribuição geográfica. Brasília-DF, 1993. _____. Portaria nº 070 de 23 de agosto de 1996. Normatiza a comercialização de produtos das espécies de quelônios Podocenmis expansa, tartaruga-da-amazônia e Podocnemis unifilis, tracajá, provenientes de criadouros comerciais regulamentados pelo IBAMA. Brasília-DF, 1996. DORNELLES, A. M. G.; QUINTANILHA, L. C. Abate experimental de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa). In: CONGRESSO LATINOAMERICANO DE HIGIENISTAS DE ALIMENTOS, 2003. Belo Horizonte. 1., 2003. Anais… Belo Horizonte: CRMV-MG, p.57-58. reconhecimento ao Programa Pé-de-Pincha como iniciativa promissora para as várzeas amazônicas e por tornar real o sonho desta publicação. Ao Governo do Amazonas, que através da Fapeam e da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável apoiaram a realização do I Seminário de Criação e Manejo de Quelônios daAmazônia Ocidental, em 2004, que deu origem a este livro. Ao Programa Trópico Úmido, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq, ao Ibama-AM e à Universidade Federal do Amazonas pelos recursos financeiros, humanos e logísticos empregados nesses nove anos de pesquisa, e pelo reconhecimento da importância estratégica da fauna para a região amazônica. Ao Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN) pela trajetória de luta. Ao coordenador do PTU/CNPq, Dr. Luís Alberto dos Santos Monjeló, por todo o apoio, boa vontade e, fundamentalmente, otimismo, mesmo nas horas mais difíceis. Ao ex-Presidente do Ibama, Hamilton Casara, incentivador dos trabalhos interinstitucionais e da pesquisa com fauna no Amazonas. Ao sr. Geraldo Lima, nosso motorista, que vem acumulando “milhas” de estrada e de biometria de tartaruga junto com a nossa equipe. Aos técnicos do Ibama, acadêmicos da Ufam, bolsistas e voluntários de todas as horas trabalhadas com quelônios (João, Pedro, Francimara, Paulo Henrique, Francivane, Sandra, Renata, Luís, Kildare, Clóvis, Anndson, Eleisson, Wander, Jonathas, Carlos, Hugo, Hellen, Cléo, Midian e Vickson). À Ediana e ao Gustavo, por terem conseguido suportar toda essa GASPAR, A.; RANGEL FILHO, F. B. Utilização de carne de tartarugas da Amazonia (Podocnemis expansa), criadas em cativeiro, para consumo humano. Revista Higiene Alimentar, v.15, p. 73-78, 2001. loucura que foi acompanhar as pesquisas e editar este livro em três meses. JAY, J. M. Modern food microbiology. 4ed. New York: Van Nostrand Reinhold, 1992. problemáticos computadores desta edição. Ao Stones Júnior, pela paciência e horas de conserto dos Aos meus pais, familiares e, sobretudo, à Deus! 536 v Sumário Introdução........................................................................ 1 Capítulo 1: Manejo comunitário de quelônios – a parceria ProVárzea/Ibama – Pé-de-Pincha........................ 12 Capítulo 2: Revisão sobre as características das principais espécies de quelônios aquáticos amazônicos..................................................................... 24 Capítulo 3: Áreas de reprodução de quelônios protegidas pelo RAN-Ibama/Amazonas e Ufam................. 55 Capítulo 4: Ecologia de quelônios pelomedusídeos na Reserva Biológica do Abufari......................................129 Capítulo 5: Genética molecular das populações das espécies de quelônios do gênero Podocnemis na Amazônia: resultados preliminares................................. 176 Capítulo 6: Fisiologia e bioquímica de quelônios e suas implicações para o manejo e a criação em cativeiro......................................................................... 196 Capítulo 7: Instalações para a criação de quelônios....... 227 Capítulo 8: Alimentação e nutrição de quelônios aquáticos amazônicos (Podocnemis spp.)........................ 265 Capítulo 9: Desenvolvimento de tartaruga-daamazônia (P.expansa) e tracajá (P. unifilis) em cativeiro, alimentados com dietas artificiais em diferentes instalações..................................................... 295 Capítulo 10: Manejo em criações de quelônios aquáticos no Amazonas: adubação, densidade de cultivo, desempenho de diferentes espécies, populações e sexo.......................................................... 338 Capítulo 11: Manejo reprodutivo, predação e sanidade....................................................................... 378 Capítulo 12: Caracterização socioeconômica e ambiental da criação de quelônios no estado do Amazonas e comercialização...........................................421 Capítulo 13: Cultivo de tartaruga-da-amazônia (P. expansa): alternativa ecológica, técnica e econômica ao agronegócio amazônico.............................................. 451 Capítulo 14: Abate experimental da tartaruga-daamazônia (P. expansa) criada em cativeiro..................... 463 Referências bibliográficas........................................... 502 vi VOGT, R. VI meeting of the project to manage and project Amazonian River turtles. Tortoises & Turtles, Newlestter of the IUCN tortoise and Freshwater Turtle Specialist Group, v. 5, 1990. p. 18-20. Capítulo 13: CANTARELLI, V. H. Conservação e manejo de quelônios da Amazônia. In: NASCIMENTO, L. B.; BERNARDES, A. T.; COTTA, G. A. (Ed.). Herpetologia no Brasil. Belo Horizonte: PUC-MG: Fundação Biodiversitas: Fundação Ezequiel Dias, 1994. p. 25-34. IBAMA. Projeto quelônios da Amazônia 10 anos. Brasília, 1989. 119 p. IBAMA; UFAM. Relatório final 98-2000 do projeto “Diagnóstico da criação de animais silvestres no estado do Amazonas”. Manaus: Ibama: CNPq, 2001. MARTIN, N. B. et al. Custos e retornos na piscicultura em São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 9-47, 1995. MELO, L. A. S.; IZEL, A. C. U.; RODRIGUES, F. M. Criação de tambaqui (Colossoma macropomum) em viveiros de argila/barragens no estado do Amazonas. Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental, 2001. 30 p. 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A proibição da caça, em 1967, não extinguiu essa atividade, mas a reduziu drasticamente, retirando uma das fontes de renda dos ribeirinhos. Desde o século XVII que a região onde hoje se situa o estado do Amazonas é conhecida como o grande berçário de quelônios de água doce. A exploração realizada pelos portugueses trazia à capitania de São José da Barra do Rio Negro, milhões de tartarugas (Podocnemis expansa), tracajás (Podocnemis unifilis) e iaçás (Podocnemis sextuberculata) para serem abatidos. Em 1792, IBAMA. Portaria n. 142/92 – Ibama, set. 1992. Diário Oficial , 21 jan. 1993. segundo relatos de Silva Coutinho apud Andrade (1988), registra- IBAMA. Diretrizes aplicada ao Brasília, 1992(b). 101 p. da Barra do Rio Negro, a futura Manaós. A primeira proibição surge planejamento e gestão ambiental. KUBTZA, F. Quali dade da água na produção de peixes. Parte II. Panorama da aqüicultura, v. 8, n. 48, p. 35-41, 1998. LUZ, V. I. F; REIS, I. S; CANTARELLI, V. H. S; QUITARILHA, L. C. A. 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Todavia, na Manaus dos idos de 1950 e 1960, era comum vender tartarugas em carrinhos de mão pelas ruas. No Mercado Adolpho Lisboa, o principal da cidade, havia uma área com “curral” para armazenamento dos animais vivos que, posteriormente, eram abatidos. No Careiro, Terra Nova e outras áreas próximas a Manaus, eram mantidos grandes depósitos de quelônios para abastecer a capital amazonense (Andrade, 1988) . Antes da proibição total do comércio e captura de quelônios, em 1967, o então presidente Castelo Branco publicou uma portaria proibindo o comércio de tartaruga em feiras e mercados. Essa medida criou uma situação de conflito no Amazonas, pois a comercialização de produtos de animais silvestres constava inclusive na pauta de cobrança de impostos da Secretaria da Fazenda. Pelo transporte em embarcação fluvial de 20 tartarugas adultas era cobrado Imposto de Circulação de Mercadoria (ICM) de Cr$80,00 (oitenta cruzeiros) equivalente, hoje, a cerca de R$15,00. Em Parintins, por onde passavam embarcações advindas do Pará, trazendo tartarugas do rio Trombetas, Tapajós e do Xingu, houve problemas entre a coletoria do estado e a Delegacia local. PAIXÃO. L .; TATCHER, V. E. Dados preliminares sobre a fauna parasitológica de Podocnemis sp. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ZOOLOGIA. 11., 1984. Pará, p.307-8. PEZZUTI, J. C. B. Ecologia reprodutiva de iaçá, Podocnemis sextuberculata (Testudines, Pelomedusidae), na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amazonas, Brasil . Manaus , 1997. SOINI, P. Ecología reproductiva de la taricaya (Podocnemis unifilis) en el rio Pacaya, Perú. Folia Amazônica, v. 6, p. 105-124, 1995. TERAN, A. F.; ACOSTA, A.; VILCHEZ, I. Tortugas Podocnemis mantidas em cativeiro ao redor de Iquitos, Loreto -Peru. Boletím de Li ma, v. 84, p. 79 88, 1992. TERAN, A . F .; ACOSTA, A .; RAMIREZ, D.; VILCHEZ, I.; TALEIXO, G . Reproducion da la Taricaya Podocnemis unifilis (Reptilia: Testudinides) en cautiverio, Iquitos, Peru. 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Foi o do Lago do Salé, em Juruti, em que filhotes de tartaruga oriundos do rio Trombetas eram THORBJARNARSON, J. B; PEREZ, N .; ESCALONA, T. Nesting of Podocnemis unifilis in the Capanaparo River, Venez uela. Journal of Herpetology, v. 27, p. 347-351, 1993. TRATADO DE COOPERACION AMAZONICA. Biologia y manejo de tortuga (Podocnemis expansa). Caracas, Venezuela, 1997. VOGT, R. C.; BULL, J. Ecology of hat Ecology, v. 65, n. 2, p. 65-74, 1984. la chling Sex ratio in map turtles. Capítulo 12: ACOSTA, J. Protección e manejo de la tortuga charapa en la Amazonia Equatoriana. In: CAMPOS-ROZO, C.; ULLOA, A.; RUBIO, H. (Ed.). Manejo de fauna em comunidades rurales. Bogotá: Fundación Natura, 1996. p. 119-131. ALFINITO, J. A tartaruga verdadeira do Amazonas - sua criação. Faculdade de Ciências Agrárias do Pará. Informativo Técnico , Belém, v. 5 , p. 1 -32, 1980. 1 Manuel Andrade, Gerente de Operações da A. Raposo e Cia. – Distribuidora de combustível no Baixo Amazonas, no período de 1960 a 1975. Informação pessoal. 2 ASSAYAG, S. Análise dos sistemas de gestão ambiental da Zona de Manaus. Manaus , 1999. 92 p. Dissertação ( Curso de Pós em Ciências Ambientais) – Universidade do Amazonas. 533 Capítulo 11: ALFINITO, J. A; VIANA, C. M; SILVA, M. M. F. da. Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, v. 7, n. 27, p. 30-33, 1980. ALFINITO, J. A; VIANA, C. M; SILVA, M. M. F da. Berçário de tartarugas. Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, 1976. ALHO, C. J. R.; PÁDUA, L. F. M. de. Influência da temperatura de incubação na determinação do sexo da tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) (Testudinata, Pelomedusidae). 1984. ALHO, C. J. R.; PÁDUA, L. F. M. de. Sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação da tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa - Testudinata -Pelomedusidae). Acta Amazônica, Manaus, v. 12, n. 2, p. 323-26, 1982. ALHO, C. J. R.; CARVALHO, A. G. de ; PÁDUA, L. F. M. de. 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José Maria Vieira que, segundo relatos, recebeu em um único lote 100.000 tartaruguinhas. No estado do Amazonas, as atividades do Projeto Quelônios da Amazônia tiveram início em 1975 com trabalhos no rio Branco (afluente do rio Negro) e em Codajás, sendo que em 1977 foram criados oficialmente vários tabuleiros no Purus (Axioma, Santa Luzia, Aramiã, e outros) e no Juruá (próximo a Carauari: Deus é Pai, Pão, Pupunha, Manariã; e em Itamarati: Walter Buri, Marimari, Iracema, etc.). Grande parte dessas áreas eram tabuleiros oriundos do trabalho de conservação executado por grandes seringalistas daquela região. O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), com apoio dos proprietários locais e da experiência das comunidades próximas, treinou pessoas e, já naquele ano, houve produção de cerca de 55.000 filhotes nas áreas protegidas do Juruá (RAN-AM, 2001). Em 1989, a proteção passou a ser realizada apenas nos tabuleiros do Abufari (rio Purus) e em Walter Buri (rio Juruá), sendo a produção desses dois tabuleiros estimada em 108.319 filhotes de quelônios. A partir de 1995, os trabalhos de proteção passam a se concentrar na Reserva Biológica do Abufari (onde se encontra o tabuleiro/praia de maior produção de quelônios no Amazonas), em Walter Buri e na Reserva Extrativista do Médio Juruá (maior área produtora de quelônios do estado). A produção da praia do Abufari foi de 67.680 filhotes em 1977, subindo para 415.000 em 1994, caindo para 170.000 em 2000. Em 2003, a produção estimada de filhotes de tartaruga em Abufari foi de 260.000 animais. A Resex do Médio Juruá protege cerca de dez tabuleiros remanescentes das áreas protegidas pelos antigos donos de seringais: Jacaré (seringal Pupunha, comunidade Nova Esperança), Deus é Pai, Manariã,Ati MORLOCK, H. Turtles: perspectives and research. Flórida, 1997. 479 p. MURPHY, J. B.; COLLINS, J. T. 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O principal fornecedor, de 1995 a 1998, era a Reserva Biológica do Abufari, sendo que a retirada anual de filhotes carecia de qualquer critério científico, com cotas arbitrariamente estabelecidas. Não existiam informações ou qualquer investigação sobre os estoques naturais. Nada se sabia sobre a abundância e densidade, área de vida, uso de habitats, taxas de sobrevivência de filhotes em diferentes estágios de vida (filhotes, jovens, subadultos e matrizes). Hoje, os principais fornecedores de filhotes para os criadores do Amazonas são os tabuleiros de Walter Buri, no rio Juruá, monitorado pelo Posto de Eirunepé, e Sororoca e Toró, no rio Branco/RR. No estado do Amazonas existem aproximadamente 196 projetos de criação comercial de animais silvestres, em análise, junto ao IbamaAM, sendo que já encontram-se registrados 78 criadouros em Manaus, 21,66%; Manacapuru, 21,66%; Itacoatiara, 21,7%; Iranduba, 4,7%; Rio Preto da Eva, 21,66%; Lábrea, 4,7%; São Gabriel da Cachoeira, 2%; e Urucará, 2% (Canto et al., 1999). Destes, 88,46% são criatórios de tartaruga. O estado é o que possui o maior número de criatórios expansa e P. erythrocephala ) nos Municípios de Terra Santa e Oriximiná PA e Nhamundá e Parintins - AM - "Projeto Pé -de-Pincha". Revista de Extensão da Universidade do Amazonas . PROEXT/FUA, Manaus/AM , v. 2, n. único, p. 1-25, 2001. CENAQUA. Info rmativo da Associação Pró Goiânia, jun.1994. -Tartaruga. Rev. Chelonia . COSTA, F. S. Efeitos de níve l de energia bruta na ração, instalações, densidade, populações e sexo sobre quelônios ( P. expansa, P. unifilis e P. sextuberculata ) em cativeiro. Manaus, 1999. 123 p. 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Manejo Sustentável de Quelônios (Podocnemis unifilis, P. sextuberculata, P. 530 comerciais de quelônios do país, com uma demanda crescente passando de 11 criadouros registrados, em 1997, para 33 criadouros em 2000, atingindo em 2001, 52 criatórios registrados. Ao final de 2003 eram 69 criadouros com cerca de 400.000 animais em cativeiro (Andrade et al., 2003). Quanto ao potencial de mercado, os quelônios são, freqüentemente, encontrados nas feiras e nas embarcações, em todo o Amazonas, tendo como principal ponto de comercialização (90%), Manaus, representando a ordem de animais mais apreendida, com 52,2%. A venda de quelônios (tartaruga e tracajá) sob encomenda representa 22% do total de animais silvestres comercializados para alimentação. Os municípios onde ocorre o maior número de apreensões são Manaus (59%), Tefé (12%), Manacapuru (7%) e Tapauá (2%). Na área urbana de Manaus o maior número de apreensões incide em áreas de populações de baixa renda advindas do interior (zona leste). A tartaruga (80%), a paca (33%) tracajá (30%) são os animais silvestres de maior interesse para os restaurantes, onde os preços variam de R$ 7,57 a 18,76/kg. Nas feiras, os preços de venda ilegal da carne variam de R$ 2,00 a R$ 4,00/kg (Canto et al., 1999). O consumo de quelônios na Amazônia ainda é um hábito arraigado na população local, o que tem levado à caça e comercialização ilegal de ovos e de animais adultos. A criação comercial, permitida pela Portaria nº 142/92, ainda não consegue atender o mercado e seus preços, ainda são elevados. A demanda por filhotes para criação, também é grande e o Ibama não está conseguindo atender a todos que querem criar, pois não possui um número suficiente de tabuleiros protegidos (Andrade et al., 2003 e 1999). O esvaziamento do meio rural e a falta de incentivos para a agricultura levaram a um quadro em que os que sobreviviam no interior passaram a trabalhar quase que exclusivamente como 5 vaqueiros na pecuária, na agricultura de subsistência ou como pescadores. Como essas atividades não geram tanta renda, a subsistência e a captação de recursos são conseguidas pela exploração dos recursos naturais. Nesse contexto, entram a castanha, a madeira e a fauna, em sua grande maioria exploradas de maneira predatória e irracional (Smith & Pinedo, 2002). Devido à caça de adultos e à coleta de ovos, as populações de quelônios vêm desaparecendo. Adultos e ovos são coletados pelas comunidades locais para consumo ou venda para Manaus. Em Carauari, Juruá e Parintins/AM, todavia, algumas áreas foram protegidas por iniciativa dos próprios produtores rurais e por associações comunitárias ambientalistas. Desde 1999, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o RAN/Ibama-AM, com o apoio das comunidades de Parintins, Nhamundá, Barreirinha, Terra Santa, Juruti e Oriximiná, das prefeituras locais, CNPq, Fapeam, Programa Universidade Solidária e ProVárzea vêm realizando o manejo participativo de quelônios, tendo realizado as seguintes atividades: Seminário Sobre Manejo Sustentável de Tracajás (255 participantes) e reuniões (21.630 participantes); Capacitação de 49 agentes ambientais; Curso e Reciclagem em Educação Ambiental para 385 professores; Construção de cercados nas áreas protegidas e transferência de ninhos; 5. Fiscalização; Palestras nas escolas e comunidades (67.606 participantes) sobre meio ambiente e alternativas de desenvolvimento; Minicursos (tecnologia do pescado, criação caipira de galinhas, plantas medicinais, hortas comunitárias, manejo de quelônios, etc., 1.021 participantes); Treinamento de campo para 86 professores, 684 alunos e 238 comunitários, e visita a campo com 660 participantes; Participação de 850 famílias, envolvimento direto de 3.455 pessoas, e abrangência de 23.400 pessoas nas 78 comunidades e na sede. Nos primeiros anos, em 1999-2000, foram 6 SCHWARZKOPF, L.; BROOKS, J. R. Nest -site selection and offspring Sex ratio in painted turtles, Chrysemys picta. Copeia, v. 7, n. 1, p. 55-61, 1987. SEBRAE. Criação de quelônios em cativeiro informação, 1995. 62 p. . Manaus : Programa de SILVA NETO, P. B. Abate de tartarugas -da-amazônia. Relatório. São Paulo: Pró -Fauna Assessoria e Com ércio L tda, Convênio Empresa Pró Fauan e Cenaqua-Ibama. 1998. 48 p. SILVA, T. J. 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Através deste programa de conservação de recursos naturais e extensão, denominado “Pé-de-Pincha”, o Ibama e a Ufam conscientizaram e capacitaram essas comunidades do Médio-Baixo Amazonas para o manejo racional de quelônios. Apesar de explorados de forma predatória, sem técnicas para o extrativismo de forma sustentável, a tartaruga (Podocnemis expansa), o tracajá (P. unifilis) e o iaçá (P. sextuberculata) têm ampla distribuição e potencial reprodutivo, sendo uma alternativa real de proteína (qualidade e quantidade) na dieta dos habitantes da Amazônia. Contudo, para o uso desse recurso é necessário que seja desenvolvido um programa de manejo para evitar uma superexploração (Voigt, 2003). As taxas de exploração da população, sua sobrevivência, recrutamento e tamanho podem ser estimados através do estudo de dinâmica de populações. A avaliação dos estoques (grupos discretos de animais com parâmetros populacionais constantes na área de distribuição) tem como finalidade fornecer orientações sobre o nível ótimo da exploração desses recursos aquáticos renováveis (Ibama, 2003; Bataus, 1998). A criação de quelônios em cativeiros licenciados poderá, de certa forma, amenizar a situação desses animais quanto à pressão de caça e à extinção. Através da Portaria nº 142/92 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, que normatiza a criação comercial da tartaruga-da-amazônia e do tracajá, em cativeiro, o Governo brasileiro pretendeu proporcionar ao consumidor de produtos da fauna, a oportunidade de conseguir o animal para consumo, de forma legal, contribuindo para a SANTOS, A. A. Estratégias para o uso sustentável dos recursos pesqueiros da Amazônia. 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Apesar da importância estratégica dessa atividade, até meados da década de 1990, poucas pesquisas haviam sido realizadas que pudessem oferecer subsídios científicos para tecnologias adequadas e eficientes de manejo em cativeiro. Até bem pouco tempo, não se tinha idéia de parâmetros como taxa de crescimento, alimentação e exigências nutricionais, densidade da criação, instalações, entre outros, para a criação em cativeiro (Silva, 1988; Cenaqua, 1994; Ferreira, 1994). A maioria das informações, possivelmente geradas pelo Ibama, ainda não haviam sido disponibilizadas em livros ou periódicos científicos para o público. Hoje, na Amazônia brasileira, as espécies economicamente expressivas e autorizadas pelo Ibama para criação comercial são a tartaruga (Podocnemis expansa) e o tracajá (P. unifilis). Para estimular a criação desses animais em cativeiro, o antigo Centro Nacional dos Quelônios da Amazônia – Cenaqua, hoje RAN (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios), criou os Núcleos Experimentais de Tecnologia de Criação de Quelônios. No Amazonas, esses núcleos não foram criados e MUGGIATI, A. A carne de tartaruga volta ao cardápio. Folha de São Paulo. 6 cad. Agrofolha. p. 1. 1996. NOGUEIRA NETO, P. Classe Reptilia , ordem Chelonia. In: A criação de animais indígenas vertebrados. São Paulo: Tecnopis. P., 1973 NOMURA, H. Criação e biologia de quelônios. São Paulo. In: Criação e biologia de animais aquáticos. São Paulo: Nobel, 1977. p. 71-101. NUANGSAENG, B.; BOONYARATAPALIN, M. Protein requirement of juvenile soft-shelled turtle Trionyx sinensis Wiegmann Aquaculture Research , Suppl. 1, v. 32, p. 106-111, 2001. OJASTI, J. 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Fisiologia e bioquímica comparada de quelônios do gênero Podocnemis em diferentes etapas do desenvolvimento. 2002. 526 assistência técnica adequada, baseando suas criações no dessa parceria, um grupo de pesquisadores das duas instituições passou a desenvolver trabalhos sistematizados de manejo, nutrição, biologia do crescimento e estudos socioeconômicos sobre os criatórios. Em visitas bimestrais aos criadores, os pesquisadores a prestar assistência técnica repassando, simultaneamente, os resultados das pesquisas que estavam grupo foram divulgados através da mídia, o que gerou uma procura muito grande por implantação de projetos individuais e comunitários, cursos e material bibliográfico. A Ufam e o Ibama conseguiram, nos últimos nove anos, aprovar projetos na área de criação e manejo de animais silvestres, que totalizam R$ 827.828,19 destinados à pesquisa básica e aplicada, sendo que a 9 Ufam destinou recursos de capital e custeio de mais de R$ 61.533,10 como contrapartida para o projeto “Diagnóstico.../PTU” e para projetos PIBIC, e de R$ 65.000,00 para o Projeto de Extensão “Pé-dePincha”, além da concessão de bolsas institucionais de iniciação científica e de extensão, totalizando R$ 58.560,00. As principais unidades de pesquisa com criação de animais silvestres são a Fazenda Experimental da Universidade, com criatórios comerciais de quelônios e capivaras, e científicos, de caititus, queixadas, pacas, cutias e jabutis, e o Centro Experimental de Criação de Animais Nativos de Interesse Econômico (Cecan), do Ibama-AM. Além desses, completam as unidades de pesquisa os laboratórios de criação de animais silvestres, de zoologia, de parasitologia e de genética. O campus avançado de Parintins é a base logística para os trabalhos com manejo participativo de quelônios, por comunidades no Baixo Amazonas e oeste do Pará. Essas informações demonstraram a importância estratégica que a Universidade Federal do Amazonas e a Divisão de Fauna do IbamaAM conferiram à pesquisa com criação e manejo de animais silvestres, sendo que, graças aos resultados alcançados pode-se dizer que hoje o Amazonas possui um pacote tecnológico mínimo para servir de referência aos criadores de quelônios, capivaras, pacas e cutias no estado (densidade de cultivo; tipo de instalação; alimentos preferidos; comportamento; desempenho de diferentes populações; aspectos de nutrição; avaliação socioeconômica das criações; índices zootécnicos; principais parasitas, local e época de abate). Além da pesquisa aplicada, o projeto gerou inúmeras informações sobre a variabilidade genética e citogenética de animais silvestres, parâmetros fisiológicos dos animais pesquisados e sobre a ecologia reprodutiva e predação de quelônios. O trabalho junto aos criadores permitiu o repasse imediato dos resultados da pesquisa e uma conseqüente melhoria nas técnicas de criação. 10 recursos naturales renovables . Bogota, colômbia: Nacionales Y Vida Silvestre. 1972. p. 38. Divisão de Parques FACHIN-TERAN, A. , VOGT, R. C., GOMES, S. F. Food habitats of na assemblage of live species of turtles in the rio Guaporé, Rondônia, Brazil. J. Herpetology, Ology, S/1, v. 29, n. 4, p. 536-547, 1995. FERRARINI, S. A. Quelônios; animais em extinção. Manaus, 1980. 68 p. FERREIRA LUZ, V. L. Baixa temperatu ra; fator limitante à criação de tartaruga. Chelonia. Goiânia: Centro nacional dos Quelônios de Amazônia, 1994. p. 4. FRAIR, W. Turtle red blood cell packed volumes, sizes and numbers. 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Com o apoio do ProVárzea/Ibama, a edição deste trabalho tem por objetivo servir de material didático e de consulta para produtores, técnicos do setor primário e estudantes de graduação, ou cursos técnicos, que desejam obter informações compiladas sobre as técnicas de criação e manejo desse importante recurso faunístico das áreas de várzea, que são os quelônios, resultado dos estudos realizados com os queloniocultores do Amazonas, nos últimos nove anos. CHELONIA. Problemas enfrentados na criação de tartarugas . Goiânia, n. 4, jun.1994. CHETVERIKOV, S. S. On ertain features of the evolutionary process from the viewpoint of modern genetics. J. Exp. Biol., v. 2, p. 3-54,1926. CHETVERIKOV, S. S. Uber die genetische Beschaffenheit wilder population. Verb. V. Internat. Kong. Vererburgsw, v. 2, p. 1439-1500, 1927. COSTA, F. S.; ANDRADE, P. C. M. Efeitos de níveis de energia bruta e proteína bruta na ração para quelônios em cativeiro . Anais da Jornada Científica, UFAM, Manaus/AM,1998. 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Jaboticabal, SP, 1999. Dissertação (Mestrado) – Centro de Aqüicultura, UNESP. Capítulo 9: A várzea A várzea é um dos ecossistemas mais ricos da bacia amazônica em termos de produtividade biológica, biodiversidade e recursos naturais. Meio de vida para mais de 1,5 milhão de ribeirinhos, a várzea ocupa 300 mil km2, ao longo da calha dos rios Amazonas/Solimões e seus principais tributários, tamanho equivalente a 6% da superfície da Amazônia Legal (Santos, 2004). Seus rios e lagos, bem como outros corpos de água da Amazônia, abrigam 25% das espécies de peixes de água doce do mundo e outro número expressivo de anfíbios, répteis, aves e mamíferos que interagem em um complexo e exuberante, porém frágil, ecossistema. Apesar de sua capacidade produtiva e resiliência natural, o atual modelo humano de utilização dos recursos naturais está levando à degradação progressiva de suas áreas. Entre as principais causas desse processo podemos destacar (a) a gestão ineficiente; (b) a falta de políticas específicas para promover o desenvolvimento sustentável em seu ambiente – crédito, desenvolvimento tecnológico, infra-estrutura e regularização fundiária; (c) Gerente do Componente Iniciativas Promissoras [email protected] [email protected] do ProVárzea/Ibama – Técnico do Componente [email protected] do ProVárzea/Ibama – 12 la Iniciativas Promissoras ALFINITO, J. A. A tartaruga verdadeira do Amazonas e sua criação Belém: Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, 1980. . ALHO, C. J. R. Uso potencial da fauna silvestre através de seu manejo. Belém, 1986. 68 p. ALHO, C. J. R. ; CARVALHO, A. G. Ecologia da tartaruga da Amazônia e avaliação de seu manejo na Reserva Biológica do Trombetas. Brasil Florestal, n. 38, p. 29-47, 1979. ALHO, C. J. R .; PÁDUA, L. F. M. 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O ProVárzea/Ibama Visando atenuar a progressiva degradação nessa região, considerada uma das mais vulneráveis da Amazônia, o Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (Ibama, 2002) surgiu para fomentar a conservação e o desenvolvimento sustentável da várzea, incentivando a participação das populações tradicionais que nela habitam. Vinculado ao Programa-Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG-7 e executado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, o projeto tem como objetivo estabelecer as bases técnica, científica e política para a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais das várzeas da região central da bacia amazônica. Uma das ações para o alcance de seu objetivo é o apoio a projetos que desenvolvam sistemas inovadores de manejo dos recursos naturais, que sejam sustentáveis dos pontos de vista social, econômico e ambiental, e que possam ser multiplicáveis não somente em outras áreas da várzea amazônica, mas também em outras regiões do país. No período de 2002 a 2006, o ProVárzea/Ibama, por meio do Componente Iniciativas Promissoras, investiu um montante de R$ 8.451.456,57 em 25 projetos nas seguintes linhas temáticas: (a) manejo dos recursos florestais; (b) manejo dos recursos pesqueiros; (c) agropecuária; e (d) fortalecimento institucional. Desse total de recursos, uma expressiva parcela foi destinada a atividades de capacitação, monitoramento e manejo de recursos, e escoamento e comercialização da produção. Ao todo, 115.486 pessoas foram atingidas diretamente nos 38 municípios dos estados do Amazonas e Pará, por meio dos projetos (Figura 1). 13 Figura 1. Municípios abrangidos pelos projetos apoiados pelo Componente Iniciativas Promissoras do ProVárzea/Ibama. COSTA, F. S. Efeitos de níve l de energia bruta na ração, instalações, densidade, populações e sexo sobre quelônios ( P. expansa, P. unifilis e P. sextuberculata ) em cativeiro . Manaus, 1999. 123 p. Monografia – UFAM. COSTA, F. S.; ANDRADE, P. C. M. Diagnóstico da Criação e Estudos de alimentação e instalações de quelônios em cativeiro no Amazonas . Relatório PIBIC/UFAM, Manaus, 1999. 50 p. ESPRIELLA, R. O. D de la . Manual para la expotacion técnica de la tartaruga “charapa” em zoocriaderos . Boogota, Colômbia: Instituo de desarrollo de los recursos naturales renovables. Divisão de parques nacionales y vida silvestre, 1972. 38 p. FUNDACION PUERTO RASTROJO (FPR). Biología y conservación de la tortuga charapa ( Podocnemis expansa ) en el Río Caquetá, Amazonas, Colombia. Bogotá: Fundación Puerto Rastrojo, 1988. HERNÁNDEZ, O.;NARBAIZA, I.; ESPIN, R. 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Para iniciar as ações do projeto, os técnicos e professores da Ufam firmaram parcerias com o Ibama, as prefeituras e os comunitários. Atualmente, o Projeto Pé- de-Pincha é desenvolvido por uma equipe multidisciplinar que integra professores, técnicos, estagiários e voluntários de diversas instituições e comunidades. Suas ações são executadas em 76 localidades nos municípios de Parintins, Barreirinha e Nhamundá, no estado do Amazonas, e Terra Santa, Oriximiná, Faro e Juruti, no estado do Pará. Entre os objetivos do projeto, além da preservação de tracajás (Podocnemis unifilis), pitiús (P. sextuberculata), tartarugas (P. expansa) e irapucas (P. erythrocephala), pelos próprios comunitários, estão presentes as possibilidades de utilização do recurso para subsistência, a criação em cativeiro e a comercialização de filhotes para criatórios autorizados. Soma-se a isso todo um programa de educação ambiental com palestras, capacitação de professores e alunos, formação de agentes ambientais voluntários, atividades de incentivo ao ecoturismo e organização das comunidades em associações e cooperativas. A parceria No ano de 2003 a Ufam, por meio da Fundação Rio Solimões – Unisol, apresentou a proposta do Projeto Pé-de-Pincha no processo seletivo de apoio a projetos de manejo dos recursos naturais do ProVárzea/Ibama. 15 Em agosto de 2004, após uma seleção que contou com mais de 27 propostas, o ProVárzea/Ibama iniciou o apoio às atividades do projeto Manejo Sustentável de Quelônios (Podocnemis sp.) por comunidades do Médio e Baixo Amazonas – Projeto Pé-de-Pincha. O custo total do projeto é de R$ 482.921,00. Sendo R$ 338.130,00 de recursos oriundos do ProVárzea/Ibama e R$ 144.791 fazem parte da contrapartida da Ufam. Aspectos ambientais ALHO, C. J. R.; PÁDUA, L. F. M. 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O segundo passo é a identificação e transferência dos ninhos das praias naturais para as artificiais, também denominadas “berçários”, seguido do acompanhamento do nascimento dos filhotes e da obtenção de dados biométricos (Fig. 1). Finalmente, após três meses de nascidos, ocorre a soltura dos filhotes nas praias originalmente utilizadas para desova e a distribuição de aproximadamente 20% do número de nascidos para criadores credenciados, sejam eles com fins comerciais ou de subsistência. No período de 2004 a 2006, as ações do Pé-de- Pincha resultaram em uma elevação do número de filhotes devolvidos à natureza, que representaram um aporte de 192 mil e 195 novos indivíduos ao ambiente natural. Quando comparamos o número de ninhos, o número de ovos e o número de filhotes devolvidos à natureza (Fig. 2), podemos inferir que a permanência dos filhotes nos berçários, por cerca de três meses após o nascimento, tem permitido maiores chances de sobrevivência quando devolvidos ao ambiente natural. 16 The naturalist on the river Amazon . London, Murr ay, BATISTELLA, A. M. Ecologia de nidificação de Podocnemis erythrocephala (Testudines, Podocnemidae) em campinas do Médio Rio Negro-AM. Manaus, 2003. 43 p. Dissertação (Mestrado) - INPA/UFAM. BERNHARD, R. Biologia reprodutiva de Podocnemis sextuberculata (Testudines, Pelomedusidae) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amazonas, Brasil . Manaus, 2001. 52 p. Dissertação (Mestrado) – INPA/UA. CASTAÑO-MORA, O. V.; GALVIS-PEÑUELAL, P. A. ; MOLANO, J. G. Reproductive Ecology of Podocnemis erythrocephala (Testudines: Podocnemididae) in the Lower lnírida River, Colômbia. 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Entretanto, analisando por espécie manejada, pode-se verificar um grande aumento no número de ninhos e ovos de irapucas, ao contrário das demais espécies de quelônios trabalhadas pelo projeto que, praticamente, mantiveram-se constantes ao longo de três anos (Tab. 1). Esses valores podem estar relacionados à grande pressão antrópica sobre espécies culturalmente utilizadas para 17 consumo e que apresentam um valor comercial elevado, tais como a tartaruga e o tracajá. SOINI, P.; SOINI, M. Um resumen comparativo de la ecologia reproductiva de los quelônios acuãticos. In: SOINI, P.; TOVAR, A.; VALDEZ, U. (Ed.). Reporte Pacaya_Samiria. Investigaciones em cahuana 1980-1994. Informe Nº 19, p. 215-226. Lima, Peru. 1995(b). CDC-UNALM;FPCN;TCN. 90.000 80.000 70.000 SPIX, J. 1824. Species novae Testudinatum Brazilian. Monachii. In: PRITCHARD, P. C. H.; TREBBAU, P. Turtles of Venezuela. Soc. Stud. Amphib. Rept., 1984. p. 33-43. 24 p. 60.000 50.000 TROSCHEL, F. H. 1848. Amphibien. In: PRITCHARD, P. 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O projeto conta ainda com uma excelente participação de crianças e adultos nas atividades de transferência de ninhos e soltura de filhotes, sendo este último um evento festivo e que congrega representantes de diferentes idades, sexo, religião, classe social e cor, e cria condições básicas para um trabalho de conservação que apresenta retorno produtivo em médio e longo prazo (Fig. 3). O sucesso das atividades desenvolvidas pelo Pé-de- Pincha também pode ser medido pela expectativa que tem gerado nos municípios vizinhos, onde é visto como um exemplo de sucesso a ser seguido, sendo os técnicos e monitores constantemente convidados a proferirem palestras e cursos sobre a experiência desenvolvida. Aspectos econômicos A criação em cativeiro promovida pelo Pé-de- Pincha visa suprir uma demanda cultural nas áreas de 19 várzea – o consumo de carne e ovos de quelônios – e ainda satisfazer as novas tendências dos mercados nacional e internacional, que cada vez mais têm procurado alternativas de produção que promovam e valorizem o manejo de fauna silvestre por populações tradicionais. Nesse aspecto, até o momento, foram implementados 26 criadouros autorizados pelo Ibama (Fig. 4), distribuídos nos municípios de Barreirinha, Parintins, Terra Santa e Oriximiná, e alojados 8.187 animais. No entanto, a comercialização ainda não ocorreu, pois os indivíduos ainda não apresentam o tamanho de abate que requer o mercado. A experiência da criação em cativeiro promove um aporte de informações biológicas (taxas de crescimento, densidade de indivíduos por área, recursos alimentares, doenças, entre outros) sobre as espécies manejadas e que podem ser comparadas com experimentos em condições melhores controladas e com dados obtidos a partir de animais provenientes de áreas naturais. consequences of an unusual life history pattern. 83, p. 4350-4354, 1986. Proc. Nat. Acad. Sci. , v. AVISE, J. C.; NEIGEL, J. E.; ARNOLD, J. Demographic influences on mitochondrial DNA lineage survivorship in animal populations. J. M ol. Evol., n. 20, p. 99-105, 1984. CANTARELLI, V. H. ; HERDE, L. C. Projeto quelônios da Amazônia 10 Anos. CANTARELLI, V. H. ; HERDE, L. C. (Ed.). Brasília: Ibama; Ministério do Interior, 1989. 122 p. CHETVERIKOV, S. S. On certain features of the evolutiona ry process from the viewpoint of modern genetics. J. Exp. Biol., v. 2; p. 3-54, 1926. CHETVERIKOV, S. S. 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Mitochondrial DNA differentiation in north Atlantic eels: Population genetic 514 O projeto Pé-de-Pincha alcançou uma boa articulação e parceria com instituições locais (associações, escolas, grupos de jovens, etc.), prefeituras, organizações de ensino e pesquisa (Inpa, Ufam, ONGs), de conservação e controle (Ibama) e tem utilizado um amplo leque de instrumentos de difusão (rádio, matérias na televisão, jornais, cartilhas, etc.), o que tem feito com que as ações não somente sejam divulgadas em outras áreas, mas que ocorra a replicação baseada nas experiências do projeto (Fig. 5). 21 Outra relevante estratégia de disseminação é o intercâmbio das iniciativas promissoras. O evento, realizado anualmente desde 2002 pelo ProVárzea/Ibama, promove a troca de experiências entre técnicos, lideranças comunitárias e coordenadores dos projetos apoiados. O evento permite ainda ampliar a visão dos participantes, compartilhar avanços e dificuldades e criar laços de amizade e colaboração para a execução dos projetos. REBÊLO, G.; PEZZUTI , J. C. B.; LUGLI , L. ; MOREIRA , G. Pesca artesanal de quelônios no Parque Nacional do Jaú. Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi, Ser. C. Hum., v. 1, n. 1, p. 109-125, 2005. SALATI, E.; MARQUES, J. Climatology of the Amazon region. In: SIOLI, H. (Ed.) The Amazon : limnology and landscape ecology of a might tropical river and its basin. Netherlands: Junk Publishers, 1984. 520 p. SARACURA, V. F. Plano de ação emergencial da Reserva Biológica do Abufari. Ministério do Me io Ambiente. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 2005. 133 p. SHINE, R.; IVERSON, J. B. Patterns of survival, growth and maturation in turtles. Oikos, v. 72, n. 3, p. 343-348, 1995. SILVA COUTINHO , J. M. Sur les tortue s de L’Amazone. 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Muitos passaram a se entender como pessoas, com uma riqueza de conhecimentos sobre seu ambiente, o que lhes ajuda a viver e conviver com os limites do ecossistema local, promovendo a busca de melhores metodologias, a replicação de atividades bem-sucedidas e, principalmente, a discussão de políticas públicas socioambientais mais efetivas e adequadas ao cenário amazônico. RAMO, C. Biología del galápago (Podocnemis vogli Muller, 1935) em el Hato El Frio., Llano de Apure, Venezuela. Dõnana, Acta Vertebrata , v. 9 , p. 1 161, 1982. RÊBELO, G. H. A situação dos quelônios aquáticos do Amazonas: Comércio e Conservação: Projeto quelônios/AM, Relatório Final. Manaus, 1984. 12 p. (Não publicado). REBÊLO, G. H. Quelônios, jacarés e ribeirinhos no Parque Nacional do Jaú (AM). São Paulo, 2002. 149 p. Tese (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. REBÊLO, G. H. ; LUGLI, L. The Conservation of Freshwater and the Dwellers of the Amazonian Jaú National Park (Brazil). 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Sendo encontrados também outros quelônios como cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus), jabuti (Geochelone carbonaria e o G. denticulata), matamatá (Chelus fimbriatus) muçuã (Kinosternon 24 IVERSON, J. B. Biomass in turtle populations: A neglected subject. Oecologia, (Berlin), v. 55, p. 69-76, 1982. LIMA, J. P. Estrutura populacional de Podocnemis erythrocephala e Podocnemis unifilis , no Parque Nacional do Jaú, Amazonas, Brasil . Manaus, 2003. Monografia (Conclusão do curso de Engenharia de Pesca/FCA) - UFAM. MITCHELL, C.; QUIÑONES, L. Manejo y conservacion de la taricaya (Podocnemis unifilis ) en la Reserva de Biosfera del Manu, Madre de Dios. Boletin de Lima, v. 16, p. 425-436, 1994. MITTERMEIER, R. A. S outh America’s River Turtles: Saving Them by Use. Oryx, v. 14, p. 222-230, 1978. PEZZUTI, J. C. B. Ecologia e etnoecologia de quelônios no Parque Nacional do Jaú, Amazonas, Brasil . 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Tartaruga (Podocnemis expansa) No estado do Amazonas há a ocorrência natural da tartarugada-amazônia (Podocnemis expansa) que, na linguagem indígena, é denominada por jurará-açu, araú e, provavelmente, aiuçá para indivíduos novos (Figura 2). Sendo conhecida por tortuga, tortue, tartarucha, turtle, schildkrote, tataroukhos, em espanhol, francês, latim, inglês, alemão e grego, respectivamente (Garschasen, 1995). É encontrada na bacia Amazônica desde o leste dos Andes até a bacia do Orinoco. 25 Capítulo 4: AYRES, J. M. As matas de várzea do Mamirauá. Sociedade Civil Mamirauá, MCT-CNPq, 1995. 123 p. ALHO, C. J. R. Sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação da tartaruga da amazônia Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae). Acta Amazônica, v. 12, n. 2, p. 323-326, 1982. ALHO, C. J. R.; PÁDUA, L. F. M. Reproductive parameters and nesting behavior of the Amazon turtle Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae) in Brazil. Canadian J. 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Para o TCA (1997) a idade pode ser determinada a partir dos anéis das placas da carapaça, sendo que uma fêmea com 45,2 cm de carapaça apresentava oito anéis na placa dorsal da carapaça, indicando, provavelmente, que teria oito anos de idade. Tracajá (Podocnemis unifilis) O tracajá (P. unifilis) – Figuras 3 e 4 – encontra-se distribuído por toda a Bacia Amazônica. As fêmeas são maiores do que os machos. Possui a forma ovalada, carapaça gris escura quando molhada, com o plastrão de coloração escura. Apresenta patas curtas e cobertas com pele rugosa, cabeça achatada e cônica, de pequeno tamanho em relação ao corpo. Possui manchas amareladas na cabeça, na parte dorsal. Os olhos, bastante juntos, são separados por um sulco. Vive, principalmente, em lagos, rios e igarapés. Supõese estar maduro sexualmente após os sete anos. Alimenta-se de frutas, sementes, raízes, folhas e, ocasionalmente, de insetos, crustáceos e moluscos (Reis, 1994). Procura desovar isoladamente em barrancos, em covas de, aproximadamente, 30 cm de profundidade onde coloca 35 ovos em média (Soini, 1995). OLIVEIRA, P. H. G.; ANDRADE, P. C. M.; SOARES, N. O.; AZEVEDO, S. H.; LIMA, A. C.; NETO, L. M.; MEDEIROS, H. C. 2000. Levantamento e Manejo de Quelônios (Podocnemis spp.) por comunidades do Médio Amazonas – Amazonas– Programa Pé-de-pincha /Jovem Cientista Amazônida (JCA). In: CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE MANEJO DE FAUNA SILVESTRE NA AMAZONIA E LATINOAMERICA. 7., Anais... Ilhéus, Brasil. PINTO, J. R. S.; PEREIRA, H. S. Análise dos incentivos institucionais no manejo participativo de fauna silvestre: o caso do “projeto pé-de-pincha”, no noroeste do estado do Pará. In: Agricultura familiar – Pesquisa, formação e desenvolvimento. UFPA-CCA-NEIAF. Belém, v. 1, n. 1, p. 165184, 2004. RAN. ANDRADE, P. C. M. (Ed.). Relatório de atividades do RAN/IbamaAM. 2003. 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Figura 4: Fêmea de tracajá (Podocnemis unifilis), Valéria/Parintins-AM. Foto: Pé-de-Pincha (Oliveira, P.H.). Os ninhos consistem de escavações com uma entrada quase circular e uma câmara ligeiramente ovóide (Fig. 5). A profundidade pode variar de 18 a 25 cm. O número de ovos por ninho varia de 9 a 40, com média de 28,8 ± 9,2 ovos. O tamanho médio dos ovos pode variar de 42,2 x 29,5 mm e peso médio de 21,7 ± 2,1 g. A desova ocorre principalmente à noite, dependendo do local, nos meses de junho a agosto, no oeste do Amazonas; de setembro a outubro no Baixo Amazonas; e em novembro no rio Negro e afluentes. O tamanho médio da carapaça é de 40,9 ± 1,7 mm e peso de 14,7 ± 1,35 g (Terán et al., 1995). VOGT, R. C.; BULL, J. Temperature controlled Sex determination in turtles: ecological and behavioral aspects. Herpetologica, v. 38, n.1, p. 156-164, 1982. VOGT, R. C.; BULL, J. Ecology of hatchling Sex ratio in map turtles. Ecology, v. 65, n. 2, p. 65-74, 1984. WETTEBERG, G. 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(1992) sobre a reprodução de P. unifilis em praias artificiais, em Iquitos, Peru, em um período de cinco meses (junho a novembro), verificaram que houve apenas 27,6% de eclosão (Fig. 6) e desenvolvimento completo dos sobreviventes, fato ocorrido pela falta de fertilidade em 14,4% dos ovos e morte prematura dos embriões. O pico de postura nessa região ocorreu principalmente na segunda quinzena de julho. As covas de tracajá são identificadas pelo monte de argila e de capim umedecidos, com os quais a espécie fecha a cavidade da postura (beiju) – Figura 7, não ocorrendo tal fato quando a desova é em terreno não argiloso (Alho, 1986). FERREIRA LUZ, V. L. Baixa temperatura; fator limitante à criação de tartaruga. Chelonia. Goiânia: Centro nacional dos Quelônios de Amazônia, 1994. p. 4. GARCIA, M. Estudo da predação de filhotes de quelônios por peixe na Reserva Biológica do Abufari, AM. 1999. 23 p. GARSCHAGEN, D. M. Tartaruga. In: Enciclopédia Janeiro: Ed. 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Foto: Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.). CANTO, S. L. O.; OLIVEIRA, M. da S. de; RODRIGUES, E. C. P. de G.; DUARTE, J. A. M.; ANDRADE, P. C. M. Consumo de produtos da fauna silvestre no Estado do Amazonas. In: CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE MANEJO DE FAUNA SILVESTRE EN AMAZONIA Y LATINO AMERICA, 4., 4-8 de out. 1999. Anais... Asunción, Paraguay, 1999. p. 125. Os ovos de tracajá (Fig. 7) são de forma elipsoidal, de casca calcárea e de cor esbranquiçada. Quando estão recém-postos são CANTO, S. L. O; ANDRADE, P. C. M; DUARTE, J. A. M. Potencial de Mercado para o Consumo de Animais Silvestres na cidade de Manaus. In: AMAPET, 6., dez. 1998, FUA. Anais... Manaus/AM, 1998, p. 25. começa a ficar opaca. Ao decorrer da primeira semana de encubação No segundo dia de incubação a superfície dos ovos fica seca e a casca está, na maioria dos ovos, completamente opaca e começa a BULL, J. J.; VOGT, R. Temperature-Sex determination in turtles. Science, v. 206, n. 7, p. 186-1118, 1979. suavizar-se. Também se nota um ligeiro inchaço dos ovos que dura CENAQUA. Informativo da Associação Pró-Tartaruga. Rev. Chelonia, Goiânia, jun.1994. 4 p. diâmetro dos ovos (Soini et al., 1997). A determinação de sexo em P. CENAQUA. Núcleo experimental de tecnologia de criação de quelônios na Amazônia em cativeiro na UHE. Balbina /AM: Ibama, 1992. p. 9. 504 duros, transparentes e cobertos de um líquido ligeiramente viscoso. até o final do período de incubação, resultando no aumento do unifilis depende da temperatura de incubação (Souza & Vogt, 1994). Os tracajás parecem ser mais rústicos do que as tartarugas, DUARTE, J. A. M.; ANDRADE, P. C. M. Diagnóstico da produção e estudos sobre incubação artificial de quelônios (Podocnemis expansa e P. unifilis) no estado do Amazonas. Manaus. 1998.106 p. Monografia /UFAM. o que tem lhes conferido uma melhor adaptação ao cativeiro (Reis, ESPRIELLA, R. O. D. de la. Manual para la expotacion técnica de la tartaruga “charapa” em zoocriaderos. Boogota, Colômbia: Instituo de desarrollo de los recursos naturales renovables. Divisão de Parques Nacionales y Vida Silvestre, 1972. p. 38. para fins comerciais. Possui um grande potencial devido a algumas 1994). Essa é uma espécie que pode ser manejada em cativeiro para fins de repovoamento de áreas onde está em número reduzido, ou vantagens como: fácil adaptação às condições bióticas e abióticas de cativeiro, resistência à manipulação, elevada taxa reprodutiva em 31 cativeiro, fácil adaptação aos alimentos de origem animal e vegetal, rápido crescimento inicial (Acosta et al., 1995), ovos e carne de boa qualidade e boa aceitação pelos camponeses. FERREIRA LUZ, V. L. Criação de Tartarugas em Cativeiro. Chelonia, n. 2, Goiânia, 1994. Observações realizadas por Terán (1993), sobre ensaios de diferentes dietas em cativeiro de tracajás jovens e adultos, identificaram um aspecto notável em relação à perturbação da água e ao consumo dos alimentos. Efetivamente, observou-se que quando uma pessoa entrava no tanque ou jaula e ficava perto do comedouro, a água ficava turva, fazendo com que os animais não viessem comer os alimentos disponíveis. Nesses dias o consumo reduzia bastante (até 15% do total dos alimentos oferecidos). Uma situação semelhante foi observada quando o tanque era esvaziado para realizar as amostras mensais. Esse comportamento, provavelmente, se deve ao fato de que o tracajá não se encontra em lugares de águas turvas para evitar o ataque de predadores (guiamse principalmente pelo olfato e não pela visão). Através disso se deduz por que o tracajá, em seu meio natural, habita águas de cor escura. IBAMA. Manejo de fauna silvestre. Brasília: Ibama, v. 5, 2003. 112 p. Série: A Reserva Extrativista que Conquistamos. Iaçá ou pitiú (Podocnemis sextuberculata) A Podocnemis sextuberculata é denominada vulgarmente de iaçá, pitiú e cambéua. Smith, 1979, cita que essa espécie é encontrada somente nos rios de água barrenta como o Branco, Solimões e Amazonas (Figuras 8 e 9). Essa espécie é também encontrada nos rios Trombetas e Tapajós, considerados de água clara. A fêmea possui manchas amarelas com dois barbelos embaixo da boca. A carapaça tem cor marrom-claro e marrom-escuro. O plastrão apresenta, principalmente nos indivíduos jovens, seis pontas salientes de cor cinza ou marrom. A postura média é de 15 a 20 ovos de casca mole. O macho é chamado de anori e possui tamanho menor que o da fêmea, conhecida como pitiú ou cambéua. 32 RAN-AM. Relatório de atividades do Centro Nacional de Quelônios da Amazônia – Ano 2.000. Manaus: Ibama/AM, 2001. 37 p. SILVA, R. R. A conservação de quelônios no Brasil. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, v. 23, 1988. p. 73-81. SMITH, R. C.; PINEDO, D. El cuidado de los bienes comunes: gobierno y manejo de los lagos y bosques en la Amazonia. Lima: IEP, 2002. 410 p. VOIGT, R. C. Pesquisa e conservação de quelônios no Baixo Rio Purus. In: DEUS, C. P.; Da SILVEIRA, R.; Py-DANIEL, L. H. Piagaçu-Purus: bases científicas para a criação de uma reserva de desenvolvimento sustentável. Manaus: IDSM, 2003. p. 73-74. Capítulo 1: IBAMA. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea – ProVárzea: conceito e estratégia. Manaus: Ibama/ProVárzea, 2002. 82 p. SANTOS, M. T. Iniciativas de desenvolvimento sustentável das comunidades da várzea do rio Amazonas/Solimões. Manaus: Ibama/ProVárzea, 2004. 28 p. _____. Aprendizados do Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea – ProVárzea. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005. 53 p. Capítulo 2: ACOSTA, A. D.; TERAN, A. F.; RAMIREZ, I. V.; TALEIXO, G. T. Alimentación de las crías de Podocnemis unifilis (Reptilia: Testudinides) en cautiverio, Iquitos, Peru. In: CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE MANEJO DE FAUNA SILVESTRE EN AMAZONIA E LATINOAMERICA. 2., 07/0512/05/1995. Anais... Universidad Nacional de la Amazonia Peruana y la University of Florida. Iquitos, Perú. 1995. 503 Referências Bibliográficas: Introdução: ANDRADE, P. C. M.; DUARTE, J. A. M.; COSTA, F. S.; MACEDO, P. C. et al. Diagnostic of comercial farming of chelonians (Podocnemis sp.) in Amazonas State – Brazil. Abstracts of Joint Meeting of Ichthyologist and Herpetologist. Manaus, 2003. CD-ROM. ANDRADE, P. C. M. Relatório de atividades do RAN/Ibama-AM. 20012002. Manaus: Ibama/AM, 2002. 486 p. ANDRADE, P. C. M.; LIMA, A. C.; SILVA, R. G.; DUARTE, J. A. M. et al. Manejo Sustentável de Quelônios (Podocnemis unifilis, P. sextuberculata, P. expansa e P. erythrocephala) nos Municípios de Terra Santa e Oriximiná PA e Nhamundá e Parintins - AM - Projeto Pé-de-Pincha. Revista de Extensão da Universidade do Amazonas. PROEXT/FUA, Manaus/AM, v. 2, n. único, p. 1-25, 2001. ANDRADE, P. C. M.; DUARTE, J. A. M.; COSTA, F. S.; SILVA, A. V.; SILVA, J. R. S. Diagnóstico da criação de quelônios no Estado do Amazonas. In: CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE MANEJO DE FAUNA SILVESTRE EN AMAZONIA Y LATINO AMERICA, ASUNCIÓN, PARAGUAY. 4., 1999. Anais... p. 110. Figura 8: Fêmea de iaçá (P.sextuberculata). Xiacá/Terra Santa-PA. Foto: Pé-de-Pincha (Andrade, P.C. M.). O iaçá é de menor tamanho que o tracajá. Soini (1997) sugere que essa espécie desova quase sempre em praias arenosas, geralmente próximo da água. A desova ocorre geralmente à noite. Em geral, os ovos de iaçá são pequenos e mais largos que os de tracajá. A casca é mais clara, mais delgada e mais flexível. ANDRADE, M. Pratos, lendas, estórias e supertições de alguns peixes do Amazonas. Manaus: Ed. Governo do Estado, 1988. 593 p. BATAUS, Y. S. L. Estimativa de parâmetros populacionais de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) no rio Crixás-açu (GO) a partir de dados biométricos. Goiânia, 1998. 58 p. Dissertação (Mestrado) – UFG. CANTO, S. L. O.; OLIVEIRA, M. da S. de; RODRIGUES, E. C. P. de G.; DUARTE, J. A. da M.; ANDRADE, P. C. M. Consumo de produtos da fauna silvestre no estado do Amazonas. In: CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE MANEJO DE FAUNA SILVESTRE EN AMAZONIA Y LATINOAMERICA. 4., Assuncion – Paraguay, 1999. Anais... CENAQUA. ENCONTRO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO SOBRE PRESERVAÇÃO DE QUELÔNIOS. 1., 1994. Goiânia: Cenaqua, 87 p. DUARTE, J. A. M. Diagnóstico da produção e estudos sobre incubação artificial de quelônios (Podocnemis expansa e P. unifilis) no estado do Amazonas. Manaus, 1998.106 p. Monografia (Conclusão do curso de Agronomia) – UFAM. 502 Figura 9: Iaçá (P. sextuberculata). Foto: RAN-AM (Andrade, P.C. M.). 33 Estudos feitos por Pezzuti (1997), no rio Japurá (estado do Amazonas), demonstraram que a altura do ninho tem efeito pronunciado na discriminação dos ninhos em pontos aleatórios. As fêmeas desovam em locais mais altos e distantes da linha da água. A profundidade do ninho influi significativamente sobre o período de incubação dos embriões. A data de oviposição influi no período de incubação e na sobrevivência dos mesmos. A eclosão dos ovos ocorre, geralmente, de 55 a 70 dias. As crias eclodidas permanecem dentro da cova, normalmente, num período de 1 a 4 semanas. Portanto, o período médio de nidificação dura 69 dias. A saída dos filhotes ocorre geralmente à noite, sobretudo após a queda de uma forte chuva (Soini, 1995). Estudos feitos por Pezzuti (1998) na Reserva Biológica do Abufari identificaram através de monitoramento de um único transecto, um total de 3.135 ninhos de iaçá espalhados por toda a praia do Abufari, produzidos em 1998. Registrou-se a predação de 145 ninhos por jacurarus (Tupinambis nigropunctatus, lagartos 14.9 CONCLUSÃO A metodologia de abate de tartaruga-da-amazônia ainda não está bem estabelecida. O processo ainda requer mais estudos e pesquisas visando a definir as condições e o período de descanso, o melhor método de insensibilização, o tempo de sangria, a melhor forma de remover o plastrão e o acesso à cavidade celomática, sem a ruptura da bexiga. Sugerimos que os estudos sejam continuados a partir das informações e dos dados produzidos neste trabalho, visando a estabelecer uma metodologia de abate que atenda a todos os requisitos higiênico-sanitários e tecnológicos. Também sugerimos que sejam realizados estudos de mercado para verificar as necessidades e demandas que poderão nortear os trabalhos futuros. Assim sendo, o trabalho desenvolvido foi importante para delinear os principais pontos-chave no processo de abate, fornecendo diretrizes para o desenvolvimento das próximas pesquisas aplicadas para a exploração econômica dos produtos e subprodutos da tartaruga-da-amazônia. grandes pertencentes à família Teidae). Comparando a distribuição de ninhos predados e não predados, verificou-se que os primeiros são os que se encontram mais próximos à vegetação. Embora não exista o padrão de agregamento de ninhos, as fêmeas de iaçá mostram-se, também, seletivas quanto à escolha do local de nidificação, preferindo locais mais altos e distantes da água. O monitoramento de 219 ninhos permitiu estimar uma taxa de sobrevivência de 71,6% e razão sexual de 28,5% de machos. Os predadores de filhotes de iaçás identificados na Reserva Biológica do Abufari, Amazonas, foram: Phractocephalus hemioliopterus (pirarara), Osteoglossum bicirrhosum (aruanã), 34 501 negativamente nos níveis de contaminação para os parâmetros coliformes fecais e contagem total de aeróbios mesófilos. Os resultados indicaram que a metodologia empregada no abate deve ser mais estudada para evitar, principalmente, a contaminação da carne pela urina. Também devem ser realizadas novas análises microbiológicas para validar as duas pré-lavagens e a lavagem. Leiarius marmoratus (jandiá) e Sorubimichthys planiceps (peixe- 14) Rendimento de carcaça e demais partes: deve ser considerado, na continuação dos trabalhos de pesquisa, o estudo de viabilidade econômica do empreendimento, levando em conta a utilização racional dos produtos bem como dos subprodutos do abate que apresentem interesse comercial, evitando-se a produção de resíduos possivelmente poluentes ao meio ambiente. R$ 3,59/kg (Canto et al., 1998). lenha) (Garcia, 1999). O iaçá é, das espécies de quelônios, a mais consumida em Manaus. Sua carne se encontra à venda, de forma ilegal, nas feiras a Anatomia e fisiologia Evaristo (1995) apud Duarte & Andrade (1998), cita que os quelônios são répteis que possuem uma carapaça óssea que protege os órgãos internos. Essa carapaça é formada pela fusão das costelas, externo e vértebras. Em geral, denomina-se casco ao conjunto das partes rígidas dorsal e peitoral. Contudo, a parte superior denomina-se carapaça, sendo achatada, mais larga na região posterior, com coloração marrom, cinza ou verde- oliva, e a inferior plastrão, sendo ambos compostos por placas ossificadas revestidas por uma camada queratinosa de forma convexa e achatada, quase horizontal, unidas por uma estrutura óssea conhecida por ponte (Alho, Carvalho & Pádua, 1979; Molina & Rocha, 1996). Na P. expansa, a carapaça (Fig. 10) é composta por 37 escudos (2 cervicais seguidos de 5 escudos vertebrais com duas séries de 4 pleurais, no total de 8; no lado de fora dos pleurais e estendendo-se pelos dois lados a partir dos cervicais há 22 escudos marginais). Os escudos do plastrão são divididos em pares por uma linha longitudinal. Anteriormente, há um escudo gular intercalado por dois intergulares. Seguem-se um par de humerais, peitorais, abdominais, femurais e anais, respectivamente, totalizando 13 500 35 escudos com possibilidade de haver variações em forma e número. Os ossos do casco são cobertos por escudos córneos. A divisão entre escudos adjacentes denomina-se costura, que poderia ser uma espécie de sulco (Alho, Carvalho & Pádua, 1979; Molina & Rocha, 1996). estabelecimento não possuir túnel de congelamento para promover o devido abaixamento da temperatura do conjunto carapaçacarcaça, no tempo adequado. Entretanto, para a elaboração do produto final da carcaça-carapaça devem ser estudadas formas mais eficientes para higienizar a carapaça, de maneira que ela não represente contaminação para a carcaça. As áreas onde se realizam essas manipulações devem ser climatizadas para evitar grandes elevações de temperatura da carne. 10) Fracionamento e embalagem: essas etapas não foram bem estudadas porque deve-se realizar um levantamento de mercado para a verificação das porções cárneas preferidas, bem como o método de embalagem mais adequado às exigências dos consumidores. A rotulagem poderá ser feita com base na legislação, seguindo-se os manuais de orientação das indústrias disponíveis no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (www.anvisa.gov.br). Figura 10: Desenho esquemático de carapaça de Podocnemis expansa. Os quelônios apresentam um tubo digestivo completo, com digestão extracelular, sendo o estômago uma dilatação do tubo digestivo, terminando em um orifício denominado cloaca, semelhante ao de ave, pelo qual desemboca a urina, fezes e material seminal, ocorrendo também a vascularização nas paredes como “brânquias cloacais” (essa região, possivelmente, realiza uma respiração cutânea mínima: sangue-parede vascular-água). A 11) Congelamento: esse trabalho foi realizado através do armário ou congelador de placas, que é utilizado para porções cárneas com espessura reduzida. Esse motivo estabeleceu que os trabalhos deveriam ser realizados para a obtenção da carne embalada e congelada. Para obter a carne congelada com a carapaça, o estabelecimento deverá possuir túnel de congelamento para promover o abaixamento da temperatura da carne, em tempo adequado, para evitar a formação de grandes cristais de gelo e prejuízos à qualidade final do produto. 12) Potencial hidrogeniônico (pH): sugerimos que sejam melhor estudadas as variações de pH em função das manipulações dos animais vivos, desde o transporte até a sangria. Essas manipulações, principalmente, no período imediatamente antes do abate, levam à mobilização excessiva do glicogênio muscular, refletindo no pH final elevado e na conseqüente diminuição da vida útil dos produtos cárneos. digestão é auxiliada pelo fígado e pâncreas, ocorrendo parcialmente no estômago e finalizada no intestino, havendo, neste último, a absorção do alimento digerido no duodeno. No intestino grosso ocorre a formação de fezes. A circulação é fechada (vasos e veias), 36 13) Microbiologia: a ausência de Salmonella sp. nas carnes indicou que os trabalhos foram realizados sob um bom nível de higiene. Entretanto, a escassez de pessoal para auxiliar nas diversas atividades de abate experimental pode ter influenciado 499 animais insensibilizados pelos diferentes métodos, nos trabalhos futuros. 5) Sangria: o método mais eficiente verificado nesse trabalho, tal como nas espécies domésticas, foi através da secção parcial do pescoço, mantendo-se a integridade da coluna cervical e da medula espinhal. Essa integridade mantém por mais tempo a função cardíaca, facilitando o escoamento sangüíneo. Sugerimos a verificação da influência da eletronarcose como método de insensibilização, para avaliar o gotejamento de sangue, com o objetivo de reduzir o tempo e/ou verificar o aumento do volume gotejado. 6) Lavagem: essa etapa deve ser reavaliada através da utilização de swabs antes e após a lavagem, para uma avaliação da eficiência do processo, visando a adequar as formas e as concentrações de uso dos agentes detergentes utilizados. 7) Serragem das pontes: essa etapa é muito crítica porque a utilização da serra pode causar acidentes nos manipuladores e promover contaminação da musculatura pela ruptura das vísceras e órgãos. Para evitar acidentes, os animais devem ser fixados em suportes metálicos, antes do início da serragem. A serragem deve ser realizada com uma serra com potência igual ou superior à utilizada neste trabalho. O disco da serra deve ter, aproximadamente, 7 centímetros de raio. A desarticulação da junção óssea das pontes com o plastrão, em alguns casos, poderá ser feita para completar a operação de serragem. Para essa desarticulação, deve-se utilizar um trinchante de ponta rombuda, evitando a ruptura da musculatura superficial, das vísceras e órgãos. ramificando-se até formar uma rede de capilares dupla e incompleta. O sangue passa duas vezes pelo coração onde se mistura o venoso e o arterial, devido a uma comunicação mediana nas duas metades do ventrículo. O coração possui duas aurículas e um ventrículo, parcialmente dividido em duas porções (Evaristo, 1995). As espécies podem ser identificadas por características externas da carapaça. O comprimento da carapaça pode ser medido em linha reta, no ponto de maior amplitude entre a borda anterior e posterior, e a altura pode ser medida transversalmente no ponto de maior amplitude entre as placas marginais (Medem, 1976, apud Duarte & Andrade, 1998). As potentes patas podem ser recolhidas para dentro como medida de segurança e descanso. São duas dianteiras de cores escuras e cobertas com pele rugosa e cinco unhas largas, firmes, semicurvadas e acanaladas na parte inferior, e duas traseiras com quatro unhas e características idênticas, pois o nome genérico atribui-se aos calcanhares das patas posteriores, dotados de unhas para reptar e cavar (Lima, 1967; Nomura, 1977). As tartarugas são ectotérmicas (heliotérmicas), como os lacertílios e os crocodilianos e podem atingir um grau considerado 8) Retirada do plastrão: a secção da junção plastro-pelviana foi bastante difícil de ser realizada com tesouras, por isso sugerimos uma utilização experimental de outra serra elétrica manual, pequena, para facilitar essa operação. Todavia, a serra deve ser usada com muito cuidado para evitar a ruptura da musculatura superficial, bem como das vísceras e órgãos. de estabilidade da temperatura corpórea por meio da regulação 9) Retirada da carcaça da carapaça: o objetivo desse trabalho foi a obtenção da carne embalada e congelada, devido ao fato de o ovos. Além disso, o aquecimento pela luz do sol pode auxiliar as 498 através da troca de energia térmica com o ambiente (termorregulação). A temperatura corporal de tartarugas que se aquecem ao sol é mais elevada do que a temperatura da água e do ar e pode acelerar a digestão, o crescimento e o desenvolvimento dos 37 tartarugas aquáticas a livrarem-se de algas e sanguessugas (Pough, Heiser & McFarland, 1993). No comportamento social, as tartarugas podem empregar sinais táteis, visuais e olfativos. Na época do acasalamento, os machos nadam à procura de fêmeas e a cor e o padrão das patas posteriores permitem que os machos as identifiquem. Utiliza-se também o ferormônio para a identificação das fêmeas (Pough, Heiser & McFarland, 1993). Dácio, 1995, apud Duarte & Andrade (1998), ao estudar o efeito da submergência de longa duração sobre o balanço energértico dos diferentes tecidos e caracterizar os padrões eletroforéticos da enzima lactato desidrogenase (LDH) de Podocnemis expansa, bem como suas principais características funcionais em 35 indivíduos (sendo 18 indivíduos para o balanço energértico e 17 para os padrões eletroforéticos) com tamanho médio de 9,114 0,081 cm e peso médio de 85,574 2,92 g, concluiu que a tartaruga, provavelmente, usa a via glicolítica anaeróbica quando submetida ao mergulho forçado, elevando sua taxa de lactato no músculo e no cérebro, para manter suas funções metabólicas. Foi observado que após 100 minutos de mergulho forçado o nível de glicose aumentou significativamente, (P0,05) sugerindo que há uma mobilização do glicogênio do fígado para, provavelmente, suprir a demanda inicial do metabolismo glicolítico anaeróbico nos tecidos do cérebro e músculo. Isso indica que essa espécie detém mecanismo de sustentação em períodos de anoxia semelhante às tartarugas de região temperada. 38 ao abate. A carne oriunda de animais contaminados poderá apresentar riscos para a saúde dos consumidores, fato que pode comprometer a comercialização. Assim sendo, deve-se elaborar um sistema de controle de qualidade da alimentação, dos medicamentos veterinários usados e do nível de contaminantes químicos e microbiológicos da água dos boxes de criação. 2) Descanso: esse período deve ser definido após a verificação do tempo necessário para ocorrer o esvaziamento gastrointestinal e vesical, visando a reduzir os riscos de ruptura dessas vísceras durante as operações de evisceração. Os estudos mostraram que animais em privação hídrica e alimentar de até 15 dias permaneceram com suas bexigas repletas. Possivelmente, a temperatura ambiental teve influência na fisiologia renal, sendo uma variável importante a ser melhor analisada. Acreditamos que a utilização de água corrente estimule a defecação, como é observado nas rãs, embora possa contribuir para promover a repleção da bexiga. 3) Pré-lavagem (pré-abate): essa etapa requer muito cuidado para evitar o estresse dos animais, porque poderá influenciar negativamente no pH final da carne. A água sob pressão não deve exceder 3 atm. A pressão excessiva poderá, inclusive, remover o epitélio do revestimento externo, provocando pequenas hemorragias. Animais com alto nível de sujidades externas poderão estimular o uso de água, sob pressões elevadas, que poderá influenciar negativamente nos valores finais de pH, reduzindo a vida útil da carne, por apresentar um pH elevado e adequado ao desenvolvimento microbiano. 4) Insensibilização: a utilização do gelo durante 15 minutos nos permitiu evidenciar que os animais apresentaram-se um estado de torpor. Entretanto, foram observadas contrações musculares e movimentos de pedalagem em alguns animais após o sacrifício e durante a evisceração. Assim sendo, sugerimos que sejam avaliados os resultados obtidos por outros métodos. A eletronarcose é usada amplamente para as aves, de uma forma mais eficiente e humanitária. A quantificação do cortisol sangüíneo poderá ser analisado para avaliar o possível estresse sofrido pelos 497 Tabela 8: Resultados obtidos na sangria por decapitação Sangria por decapitação Tempo de sangria % de sangue escoado 12 minutos 2,44 14 minutos 1,92 15 minutos 2,32 Sexo e reprodução O sexo nas espécies aquáticas do gênero Podocnemis pode ser identificado pelo tamanho, altura da carapaça, forma do plastrão e fenda da placa anal (formato de U para machos e de V para fêmeas adultas) (Pritchard & Trebbau, 1984) – Figura 11. Considerando que normalmente 8% do peso dos animais é representado pelo seu volume sangüíneo; que uma boa sangria é aquela que remove até 50% do sangue; que o conjunto carapaça e plastrão representam 33,32%; que o aspecto da carne obtida deve ser rósea ou vermelho-claro (indicando pouco sangue na musculatura); e que o pH final obtido está dentro de valores aceitáveis, o melhor resultado foi obtido pelo período de 15 minutos, obtendo-se 3,11% de escoamento de sangue pela secção parcial do pescoço. Observou-se a coagulação sangüínea quando o período de sangria foi maior do que 15 minutos. 14.8 Comentários e proposições Os trabalhos de abate foram realizados e permitiram evidenciar alguns aspectos importantes do processo de obtenção da carne embalada e congelada para o consumo humano, que deverão ser mais estudados. Os principais pontos são os seguintes: 1) Criadouros: o tipo de alimentação, a utilização de drogas veterinárias, a qualidade da água e o nível de contaminantes ambientais são importantes para a obtenção de animais e, posteriormente, da carne, sem riscos para a saúde dos consumidores. Tais aspectos têm influência direta no nível de contaminação química, física e microbiológica dos animais enviados 16 17 Kolb, Fisiologia Veterinária. 1987. Pardi et al., Ciência, Higiene e Tecnologia da Carne. 2001. 496 Figura 11: Sexagem de jovens de tartaruga (P. expansa): macho (esquerda) e fêmea (direita) Foto: RAN-AM (Andrade, P.C.M.). Para Danni & Alho, 1985, apud Duarte & Andrade (1998) não há dimorfismo externo em tartarugas jovens, antes da maturidade sexual. A determinação sexual pode ser feita através do exame dos órgãos reprodutores em amostragens dissecadas de filhotes. No entanto, para Molina & Rocha (1996) há dimorfismo sexual para Podocnemis expansa, pois os jovens apresentam manchas amarelas na cabeça, o macho possui a cauda comprida e a fêmea tem a cauda curta. Diversos trabalhos sobre a determinação do sexo em quelônios encontraram relação entre a temperatura e a razão sexual do ninho, sendo que no caso de tartarugas, tracajás e iaçás, temperaturas acima de 32ºC , ou ninho em locais com amplitude 39 térmica elevada (grande variação entre a temperatura umbral e a máxima) determinam o nascimento de mais fêmeas (Bull & Vogt, 1979; Morreale et al., 1982; Vogt & Bull, 1982, 1984; Wilhoft et al., 1983; Spotila et al., 1987; Souza & Vogt, 1994). Segundo Alho & Pádua (1982) há uma sincronia entre o regime de vazante e o desencadeamento do comportamento de nidificação. É necessária uma observação no período reprodutivo, proteção aos animais adultos em área de desova, captura de filhotes (recém-nascidos) para criá-los em cativeiros e/ou soltá-los em lagos naturais ou artificiais. P. expansa tende a entrar na fase de reprodução entre cinco e sete anos de idade, em condições naturais (Lima, 1967). Para o Ibama (1989), a tartaruga (Podocnemis expansa) apresenta a maior parte do desenvolvimento biológico entre 5 e 10 anos de idade. A maturidade sexual acontece aos 7 anos para os machos e 11 a 15 anos para as fêmeas, aproximadamente, realizando o acasalamento na água após a desova entre os meses de janeiro e março. Após seis meses faz a postura na praia de desova, denominada de tabuleiro, podendo estar acompanhada pelo capitari. Tabela 7: Rendimento da carcaça e das principais partes obtidas durante o abate. Partes do corpo Rendimento % Carcaça 34,66 Carapaça 25,41 Vísceras 11,87 Plastrão 7,91 Gordura extramuscular (não cavitária) 5,54 Total 85,39 Os percentuais de 25,41% da carapaça e 7,91% do plastrão perfazem um total de 33,32% do animal, similares aos 34,66% da carcaça. Fato que demonstra a necessidade de se estabelecer um aproveitamento comercial para o conjunto carapaça-plastrão. Também deve-se considerar as demais partes como subprodutos que devem ter um aproveitamento econômico sustentável. 14.7.5 Volume de sangue escoado O escoamento sangüíneo é fundamental para a qualidade da carne. O sangue possui o pH próximo da neutralidade e por ser rico em nutrientes pode facilitar a multiplicação dos microrganismos deteriorantes e/ou patogênicos. Assim sendo, foi avaliado o escoamento em função do tempo e do método de sangria. O tempo de postura de P. expansa pode estar relacionado diretamente com a idade do animal ou com a variação do fenômeno de enchente e vazante do rio, no qual há uma combinação com o desenvolvimento do processo de nidificação da tartaruga, que cumpre o determinismo biológico de retornar ao mesmo local de postura, podendo ser isolado ou em faixas marginais. (Pough, Heiser & McFarland, 1993; Alho & Pádua, 1982). 40 495 locais distintos. No caso da pré-lavagem as pontes direitas e esquerdas foram escolhidas, enquanto na lavagem foram feitas na pele junto à cauda. Os resultados indicam uma redução da microbiota equivalente a 11,76% da carga microbiana inicial, na região da ponte direita. A redução foi de 33,33% na região da ponte esquerda. Os resultados das análises microbiológicas dos swabs realizados para avaliar a etapa de lavagem não foram adequados Por ter um hábito gregário na época de desova, diferente do tracajá, P. unifilis (que desova isoladamente em solo íngreme à margem do rio, aproveitando local menos exposto) é nessa fase que a tartaruga fica mais vulnerável à predação antrópica. Os mecanismos de orientação que as tartarugas utilizam para encontrar a área de oviposição são, provavelmente, os mesmos utilizados para encontrar seu caminho entre área de forrageio e de por falha na coleta do material. Assim sendo, será necessária uma repouso. A familiaridade com sinais locais é um método eficiente de reavaliação mais criteriosa dessa etapa. navegação para as tartarugas que podem utilizar o sol como orientador (Pough, Heiser & McFarland, 1993). 14.7.4 Rendimento de carcaça e demais partes Para efeito deste trabalho, considera-se carcaça o conjunto formado pela musculatura, ossos dos membros, vértebras coccígeas e cervicais. Também foram avaliados o rendimento de carcaça e demais partes. Nesse processo, os animais permanecem em “repouso” no leito do rio durante 4,5 0,7 dias observando a praia de dentro d'água, ou as fêmeas realizam 5,5 0,7 subidas na praia de desova durante a noite, sem desovar. Depois fazem um “passeio” para verificar os possíveis pontos de abertura da cova e formação do ninho, cuja profundidade está relacionada com o lençol freático que tem uma variação natural de 0,63 0,27 m, podendo ser depositados de 50 a 136 ovos (Alho e Pádua, 1982) ou de 80 a 300 ovos (Lima, 1967; Nogueira Neto, 1973; Nomura, 1977; Pritchard, 1979; Smith, 1979). Para Espriella (1972), o número aceitável para tartarugas em cativeiro está numa média de 80 ovos, de forma esférica, com peso médio de 39-43 g, que serão cobertos com areia, pela fêmea, após a desova. A oviposição pode durar de 1,5 a 4 horas, aproximadamente, sendo geralmente à noite e, ocasionalmente, à tarde ou de manhã. 494 41 No período reprodutivo de P. expansa são observados os mesmos comportamentos das tartarugas marinhas na fase de desova (Vanzolini, 1967): e Salmonella sp. todas (100%) as amostras apresentaram-se em conformidade. Nas amostras avaliadas para o parâmetro contagem total de (1) Assoalhamento – essa etapa caracteriza-se pela agregação dos animais em águas rasas, com subidas ocasionais na margem do tabuleiro (praia de desova) para exporem-se aos raios solares; bactérias mesófilas, 21,60% das amostras se apresentaram nãoconformes aos padrões estabelecidos. Entre as 39 amostras, 4 apresentaram resultados incontáveis. Também foram realizadas duas análises microbiológicas de (2) Subida à praia para a escolha do local da cova; amostras de urina coletadas de dois animais distintos e os resultados seguem conforme a tabela a seguir: (3) Deambulação ou caminhada de vistoria – nessa fase os animais sobem a praia e exploram o tabuleiro à procura de um local de postura; (4) Escavação da cova – a primeira atividade é a limpeza da areia solta com o auxílio das quatro patas, girando em torno de si mesma. Quando atinge a profundidade de 30 cm a 40 cm passa a usar as patas traseiras até que seu corpo atinja uma posição de 45 a 60 em relação à horizontal, fazendo uma câmara. (5) Postura – nessa fase as tartarugas não mais se importam com a presença de estranhos e podem ser tocadas sem reação. O valor adaptativo da estereotipia durante a oviposição de P. expansa está relacionado ao sucesso da estratégia evolutiva dessa espécie. A evolução da eficiência crescente da técnica estandardizada da postura de ovos resulta numa taxa de reprodução melhor como conseqüência dos padrões motores (trabalho muscular) de tal maneira a uniformizar o processo de oviposição, independente da experiência ou aprendizado. O corpo do animal move-se para frente e para trás e também executa uma lenta rotação para a direita e a esquerda. Quando aumenta a 42 Tabela 6: Avaliação microbiológica da urina de dois animais. Parâmetro microbiológico Contagem total de bactérias mesófilas (UFC/ml) Coliformes fecais (UFC/ml) Salmonella Resultados A B 520.000 1.200.00 0 Zero Ausência >2.400 Ausência As não-conformidades encontradas nas amostras de carne podem estar relacionadas à metodologia de abate utilizada. Os procedimentos de serragem das pontes bem como o acesso à cavidade celomática levaram à ruptura da bexiga, na maior parte dos casos, promovendo a contaminação da carne. Os resultados indicam que a contaminação da carne, pela urina, a torna inadequada ao consumo humano, por exceder os padrões microbiológicos estabelecidos. Para avaliar a eficiência da primeira pré-lavagem e da lavagem foram realizados um total de 8 swabs, sendo 4 para a prélavagem e os outros 4 para a lavagem. Nos dois casos, foram realizados dois swabs antes e mais dois após cada operação em dois 493 Tabela 4: Padrões microbiológicos utilizados como referência para a análise da carne da tartaruga-da-amazônia. Parâmetro microbiológico Coliformes fecais (g) Estafilococos coagulase positiva (g) Contagem total de aeróbios mesófilos (g) Salmonella sp. (g) Padrão 10 100 500.000 Ausência Entre as 39 amostras analisadas, somente 11 (28,2%) atenderam aos padrões estabelecidos para os quatro parâmetros. As conformidades e as não-conformidades para cada parâmetro microbiológico apresentaram-se da seguinte forma: Tabela 5: Proporção de carcaças obtidas conforme as exigências microbiológicas estabelecidas. Parâmetros microbiológicos % Amostras em conformidade Coliformes fecais (g) Estafilococos coagulase positiva (g) Contagem total de aeróbios mesófilos (g) Ausência de Salmonella sp. (g) 35,90 % Amostras em nãoconformida de 64,10 100 00 78,40 21,60 100 00 Nas amostras que apresentaram não-conformidades para o parâmetro coliformes fecais (64,10%) foram encontradas 8 amostras com as cargas máximas ( 2.400 NMP/g) para a metodologia analítica utilizada (método do número mais provável) representando 20,51% do total das amostras. Em relação aos parâmetros Estafilococos coagulase positiva 492 profundidade, as patas traseiras têm mais ação. Com as unhas para baixo, uma pata é inserida na câmara de postura, em escavação, fazendo pressão para o fundo e com uma ligeira rotação modela a forma e tamanhos exatos da câmara, com 13-18 cm de altura e diâmetro de 20-25 cm. A câmara é feita a uma profundidade de 50100 cm. Durante esse processo, as patas dianteiras ajudam na sustentação do animal. O ato é repetido, inserindo a outra pata na abertura da câmara de postura. Assim que ela estiver pronta, com o ovipositor inserido e o corpo cobrindo a cavidade de postura, iniciase a oviposição. Cada fêmea deposita um ovo a cada 10-15 segundos. Durante a postura, o pescoço da tartaruga, se mantém esticado formando junto com a cabeça um ângulo igual ao do corpo em relação à horizontal. Há contrações peristálticas a cada 10-15 segundos seguidas de liberação de ovos e líquidos; (6) Reenchimento da cova – assim que começa a escavação os animais entram num processo de ritualização do comportamento, com grande teor de estereotipia, fazendo movimentos lentos no corpo para a direita e a esquerda, colhendo areia com as patas dianteiras e traseiras, alternadamente. Em geral, a carapaça, cabeça e os olhos ficam cobertos de areia lançada durante o fechamento da cova; (7) Retorno à água – quando a tartaruga deixa a cova, normalmente faz uma trilha formada de secreção mucóide que escorre da “cloaca” ao caminhar. A cauda posiciona-se para trás, rastejando a ”cloaca” ainda em contração, sendo uma indicação da postura realizada (marca da cauda arrastada entre as pegadas). Soini (1997), no Peru, observou fêmeas de Podocnemis expansa formando uma trilha pela liberação de secreção mucóide antes e depois da desova, fazendo um sulco na areia. A caminhada para a água é lenta devido ao cansaço, caminhando 3-4 m, 43 alternadamente. As patas traseiras podem sangrar devido ao atrito na borda da carapaça, assim como na parte posterior da carapaça durante a escavação. Após retornar à água, a população adulta permanece nas cercanias da praia até o nascimento dos filhotes. Nas horas mais quentes do dia pode-se observar as cabeças dos adultos fora d'água. Na época próxima à eclosão os adultos ficam cada vez mais difíceis de serem vistos nas cercanias da praia (Vanzolini, 1967; Alho & Pádua, 1979). Os ovos de Podocnemis expansa ficam incubados de 40 a 70 dias, sendo em média 55 ± 21,21 dias e apresentam uma taxa de fecundação de 85 a 98%, desde que permaneçam em equilíbrio a umidade e temperatura na câmara de incubação, pois a temperatura, umidade e as concentrações de oxigênio e dióxido de carbono podem exercer efeitos profundos sobre o desenvolvimento embrionário das tartarugas (Alho, Carvalho & Pádua, 1979; Alho & Pádua, 1982; Santos, 1995; Ibama, 1989). A temperatura do ninho afeta a taxa de desenvolvimento embrionário e temperaturas excessivamente altas ou baixas podem ser letais. A determinação do sexo dependente da temperatura foi demonstrada em algumas, mas não em todas as famílias de tartarugas, em duas espécies de lagartos e nos crocodilianos (Pough, Heiser & McFarland, 1993). Em estudos laboratoriais realizados por Vogt & Bull (1982) em 14 gêneros e cinco famílias de tartarugas com temperatura de 25ºC e de 31ºC durante a incubação, produziu-se machos e fêmeas, respectivamente. A mudança de um sexo para outro ocorre dentro de um intervalo de 3ºC ou 4ºC, dependendo da espécie. 44 Tabela 3: Comparação da composição química das carnes bovina e suína. Composição química das carnes bovina e suína Componentes Carne bovina Carne suína Umidade (%) 76,77 71,20 Proteínas (%) 20,00 19,00 Lipídeos (%) 3,00 9,34 Cinzas (%) 1,09 1,00 Valor calórico 107 160 (kcal/100g) Fonte: Gaspar (1997). Obs.: valores médios. Os valores demonstram que a carne de tartaruga apresenta 1,83% de lipídeos enquanto as carnes bovina e suína apresentam 3 e 9,34%, respectivamente. O valor calórico também é mais reduzido para a carne de tartaruga (85,99%) do que o que foi obtido para a carne bovina (107%) e suína (160%). 14.7.2.1 Potencial hidrogeniônico (pH) Foram encaminhadas 14 amostras para avaliação do pH da carne. Foram aferidos, aproximadamente, 6 e 24 horas após o sacrifício dos animais. Os valores citados de pH apresentaram uma média de 6,28 e 5,85 após 6 e 24 horas do sacrifício. Esses resultados mostram-se favoráveis porque estão próximos dos valores utilizados como referência para os pescados e para as demais carnes. 14.7.3 Microbiologia Foram enviadas 39 amostras da carne para avaliar a carga microbiana. Pela inexistência de um padrão microbiológico para a carne de quelônios, ficou estabelecido que para o estudo seriam utilizados os critérios microbiológicos do Codex Alimentarius para a carne de rã, conforme tabela a seguir. 15 JAY, J. M. Modern Food Microbiology. 1992 491 Tabela 1: Resultados das análises físico-químicas da carne da tartaruga-daamazônia Análises Físicoquímicas Proteínas Gorduras totais ou lipídeos Gordura Saturada Mínima Colesterol Carboidratos Fibra Alimentar Cálcio (Ca) Ferro (Fe) Sódio (Na) Resultados 22,0g/100g 5,50g/100g 2,68g/100g 68,0mg/100g 0,0g/100g 0,0g/100g 18,5mg/100g 1,60mg/100g 46,3mg/100g Os resultados das análises físico-químicas podem ser utilizados como referência na elaboração dos dizeres de rotulagem (composição centesimal e informação nutricional), conforme legislação vigente no país. Tabela 2: Resultados das análises para a avaliação da composição química. Composição centesimal da carne de tartaruga Parâmetros Valores Umidade (%) 78,80 (+- 0,16) Proteína (%) 17,39 (+-0,80) Cinzas (%) 0,91 (+-0,07) Lipídeos (%) 1,83 (+-0,75) Valor calórico (Kcal/100g) 85,99 (+-5,72) Valores médios; números entre parênteses representam o desviopadrão. Fonte: Gaspar (1997). ¹4 Legislação de rotulagem. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br 490 Nas tartarugas, o segundo terço do desenvolvimento embrionário consiste no período crítico de determinação do sexo, portanto, o sexo dos embriões depende da temperatura a que ficam expostos durante essas poucas semanas (Pough, Heiser & McFarland, 1993). Quando os ovos são expostos a um ciclo diário de temperatura, o ponto mais alto do ciclo é o mais crítico para a determinação sexual, com a temperatura podendo diferir entre o topo e o final do ninho (Pough, Heiser & McFarland, 1993). Entretanto, em condições úmidas, produzem filhotes maiores do que em condições secas, provavelmente, por que a água é necessária para o metabolismo do vitelo (reserva nutritiva do embrião até a eclosão). Quando a água é limitada, as tartarugas eclodem mais cedo e com tamanho corporal reduzido e o seu intestino contém uma quantidade de vitelo que não foi utilizado durante o desenvolvimento embrionário (Pough, Heiser & McFarland, 1993). A profundidade da cova varia de 30 a 83 cm, com média de 56,5 ± 37,476 cm, fato relacionado à nebulosidade atmosférica (Soini, 1997). O transplante de ninhadas de tartaruga, tracajá e iaçá para a incubação artificial dos ovos, em lugares protegidos, pode ser uma medida importante para a conservação. Para conseguir ótimos resultados os ovos devem ser extraídos, transportados e colocados em ninhos artificiais, sem demora, mantendo sua posição original, ou seja, sem revolvê-los. Exceto durante as primeiras horas depois da desova, a manipulação e a rotação dos ovos afeta, significativamente, a viabilidade deles. As condições térmicas do 45 ninho têm uma marcada influência sobre a duração do período de incubação e sobre a viabilidade dos ovos. Os ovos incubados em ninhos expostos à sombra requerem maior tempo de incubação e têm menor porcentagem de viabilidade dos ovos em relação aos ninhos expostos ao sol (Soini, 1997). 14.7 Resultados As tartarugas, por serem pecilotérmicas, apresentam amplitude térmica de 22ºC a 32ºC, e ideal entre 27ºC a 30ºC, na qual eclodem as crias medindo em torno de 50 mm de comprimento e 40 mm de largura. A atividade espontânea de alguns indivíduos põe o grupo em movimento, uns rastejando sobre os outros, agindo sobre os demais (Lima, 1967; Ferreira, 1994). 14.7.1 Necropsia, histopatologia e parasitologia Todos os filhotes saem do ninho num período muito curto e todos, de diferentes ninhos, deixam os ninhos numa mesma noite, talvez porque seu comportamento seja estimulado. Sendo as tartarugas auto-suficientes ao nascer, as interações entre os filhotes são essenciais para permitir que abandonem o ninho. Os sinais podem ser sonoros, táteis, visuais e/ou olfativos (Pough, Heiser & McFarland, 1993). No transcorrer das operações de evisceração dos 39 animais foram detectadas alterações macroscópicas em 3 baços, 2 fígados, nas mucosas estomacais e intestinais de alguns animais. Essa emergência simultânea é uma característica importante para a reprodução. Nessa fase, os animais jovens estão propensos à agressão em decorrência do equilíbrio biológico imposto pela natureza. A ação dos animais aquáticos ou aves silvestres sobre as crias chega a 80% de predação em alguns tabuleiros (Pough, Heiser & McFarland, 1993). Assim, a interferência do manejo para diminuir essa taxa poderá beneficiar os estoques de tartaruga: (1) destinando uma porcentagem das tartarugas eclodidas para criadouros seminaturais; e (2) tornando compulsório que determinado número 46 Os principais parâmetros avaliados foram: as observações macroscópicas dos tecidos durante o abate, as análises microbiológicas, as análises físico-químicas, o volume sanguíneo e o rendimento de carcaça e demais partes. Os animais foram observados durante o período de descanso, sendo detectado o óbito de um animal. A necropsia foi realizada em local inadequado, pela inexistência de uma dependência específica para essa finalidade e não foi possível observar qualquer alteração macroscópica sugestiva da causa mortis. Os tecidos com as alterações foram encaminhados para uma avaliação histopatológica que confirmou a suspeita de degeneração gordurosa ou esteatose em dois fígados. Essa alteração normalmente está relacionada a problemas metabólicos. Não foram verificadas alterações histopatológicas nos baços e nas mucosas. Também foram observadas infestações parasitárias por cestódeos e trematódeos (digenéticos) nos estômagos e intestinos dos animais. 14.7.2 Físico-química Uma amostra de carne foi encaminhada para a realização das análises necessárias à adequação das exigências das informações nutricionais de rotulagem. Os resultados encontram-se na tabela abaixo: ¹³Trematódeos que passam parte de sua fase larvária em hospedeiros intermediários, geralmente pequenos moluscos 489 CONGELAMENTO – As carcaças foram congeladas em armários de placas sob temperaturas de -25 a -40ºC, por um período de 2 a 6 horas. de animais desses criadouros, um número predeterminado seja restituído à natureza quando as tartarugas atingirem a condição reprodutiva, acelerando o recrutamento nas populações naturais e maximizando a taxa de natalidade (Alho & Pádua, 1984). Na Reserva Biológica do Abufari/Tapauá – AM, o Ibama desenvolve o programa de proteção às áreas de desova. Através do Centro Nacional dos Quelônios da Amazônia – Cenaqua, atualmente Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Afíbios – RAN, realizase a proteção do tabuleiro (praia de desova) assim como das matrizes e dos filhotes recém-nascidos. Sendo que estes filhotes, em sua maioria de tartaruga, logo ao abandonarem as covas ficam retidos em cercados de tela para serem apanhados, contados e transportados para a base física. Posteriormente, é feita a soltura dos animais em local com uma incidência, provavelmente, menor de predadores naturais aquáticos (Armond & Armond, 1990, apud Duarte & Andrade, 1998). Figura 17: Armário ou cogelador de placas. ARMAZENAMENTO/ESTOCAGEM – Os produtos foram armazenados e estocados em câmaras frigoríficas sob temperaturas inferiores a -18ºC. EXPEDIÇÃO – Os produtos foram expedidos em condições que evitaram a elevação da temperatura do produto. A área de expedição funcionou como antecâmara provida de portas de saída para a expedição. As portas de saída foram providas de portais de borrachas para permitir o embarque em veículos transportadores, minimizando a elevação da temperatura dos produtos expedidos. 488 Essa atividade é realizada na Venezuela com certa similaridade, como cita Ojasti (1995; 1967), assim como em outras áreas de concentração de tartaruga que servem de referência a programas de manejo, como no rio Trombetas, entre outros (Nomura, 1977; Alho & Pádua, 1984; Pough, Heiser & McFarland, 1993; Ferreira, 1994; Soini, 1997). Segundo Nogueira Neto (1973), é possível obter a reprodução de tartaruga em cativeiro. Na prática, tem-se a possibilidade da reprodução de quelônios em cativeiro, sem a migração, desde que haja uma praia artificial para a desova. 47 Valor nutricional Segundo Pádua (1981), Ibama (1989) e Cenaqua (1994) citando estudos realizados por Ferreira e Graça (1961), Leunge e Flores (1961) e Morrisson (1955), na carne da tartaruga-daamazônia, foram obtido um nível protéico de 88,03% a 94,68%. Pelos valores citados, ao comparar-se com as carnes tradicionais (frango 43,66% a 66,47%; Vaca 44,83%) percebe-se uma superioridade protéica. Em análise realizada quanto à qualidade protéica, em 100 g de proteína, apresentou: Lisina 7,70 g; Histidina 2,21 g; Arginina 4,11 g; Treonina 3,91 g; Ácido glutâmico 16,56 g; Glicina 5,8 g; Valina 6,25 g; Isoleucina 5,41 g; Tirosina 10,64 g e Metionina 5,32 g. Aguiar, 1996, apud Duarte & Andrade (1998), obteve em quatro análises realizadas em carne de Podocnemis expansa: 1,10 g de lipídio/100 g; 21,17 g de proteína/100 g; 94,58 Kcal de energia/100 g; 0,00 g de carboidrato/100 g; onde cita que em geral a carne de animal silvestre é magra. Maués, 1976, apud Duarte & Andrade (1998), ao comparar os aspectos bromatológicos de ovos de galinha e codorna, ambos oriundos de feiras livres de São Paulo, e tartaruga Podocnemis sp., oriundo de feiras livres de Bélem – PA, mostra que os ovos de tartaruga pesaram em média 23,67 g, onde a gema, a clara e a casca pesaram respectivamente 18,55 g; 3,74 g e 1,62 g, com um percentual médio de 15,38% para a clara, 73,44%, correspondendo à gema e 11,18% equivalente à casca. O teor de lípides totais, verificado no ovo inteiro, clara e gema em ovos de tartaruga é particularmente 7,92 mg/100 g; 0,08 mg/100 g e 18,26 mg/100 g; em ovos de galinha obteve-se 13,08 g/ 48 FRACIONAMENTO – Podem ser realizados cortes na carcaça de acordo com as necessidades do mercado, sob as mesmas condições de higiene na manipulação e do ambiente climatizado (temperaturas do ambiente menor ou igual a 15ºC) utilizadas na etapa anterior. Figura 15: Carcaça sem a gordura extramuscular não cavitária EMBALAGEM – As embalagens poderão ser de polietileno ou outro material de embalagem que evite contaminação física, química ou microbiológica dos produtos, que também devem ser rotulados, conforme a legislação vigente.¹² ¹² Legislação da Anvisa. disponível em: http:// www.anvisa.gov.br/alimentos/legis/especifica/rotuali.htm 487 resquícios de fáscias musculares ou fragmentos que permaneceram após as operações de evisceração e de esfola. 100 g; 0,10 g/100 g e 28,70 g /100 g; e nos de codorna foram 10,30 g/100 g; 0,08 g /100 g e 24,03 g/100 g (Maués, 1976). O teor de proteína no ovo de tartaruga na porção inteira, clara e gema foi na ordem de 12,70 g /100g; 1,56 g/100 g e 20,58 g /100 g, enquanto que nos de galinha foram 9,98 g/100 g; 9,28 g /100 g e 16,19 g /100 g e nos de codorna obteve-se 9,78 g /100 g; 9,43 g /100 g e 12,07 g/100 g (Maués, 1976, apud Duarte & Andrade, 1998). A composição de cinzas no ovo de tartaruga na porção gema foi superior (1,68 g/100g) ao de galinha (1,25 g/100 g) e codorna (1,36 g/100g) (Maués, 1976, apud Duarte & Andrade, 1998). Figura 12: Remoção das patas. PRÉ-LAVAGEM – Foi realizado um enxágüe com água clorada para a remoção de pequenos resíduos que permaneceram na carcaça durante as etapas anteriores. O teor mineralógico de ferro e fósforo na porção gema nos ovos de tartaruga foi superior (10,9 mg/100 g e 495 mg/100 g) ao de codorna (8,2 mg/100 g e 415 mg /100 g) e galinha (5,0 mg/100 g e 260 mg /100 g) e com um teor de cálcio na gema inferior (120,19 mg/100 g) em relação ao de galinha (152,25 mg/100g) e codorna ( 168,13 mg/100 g) (Maués, 1976 apud Duarte & Andrade, 1998). O teor vitamínico de -caroteno foi baixo em ovo de tartaruga (6,06 mg/100 g) relacionado ao de galinha (30,63 mg/100 g), e vitamina A (57,83 mg/100 g), contra os de galinha (69,87 mg/100 g) e codorna (73,95 mg /100 g). Em relação ao tocoferol (total), o ovo de tartaruga estudado foi superior (2,78 mg/100 g) ao de galinha (1,94 mg/100 g) e inferior ao de codorna (3,55 mg/100 g) (Maués, 1976, apud Duarte & Andrade, 1998). Figura 13: Lavagem da carcaça. 486 O teor de colesterol na porção clara mais gema, e gema no ovo de tartaruga foi inferior (226,5 mg/100 g e 329,1 mg/100 g) aos 49 de galinha (682,0 mg/100 g e 1.018 mg/100 g) e de codorna (506,4 mg/100 g e 946,9 mg/100 g) (Maués, 1976, apud Duarte & Andrade, 1998). Importância econômica A tartaruga tem sido de grande importância para o homem amazônico desde o período colonial. Santos (1995) cita que os colonizadores espanhóis e portugueses relataram que os índios durante a vazante capturavam um grande número de tartarugas. DECAPITAÇÃO – Após a retirada das vísceras realizou-se a ablação (retirada) da cabeça. ESFOLA – Realizou-se, com o auxílio de uma faca, a esfola dos membros posteriores e da cauda e reverteu-se a posição dos animais nos ganchos. Eles foram fixados pelos membros anteriores para a realização da esfola do pescoço e dos membros anteriores. Foram feitos cortes das regiões metatarsianas e metacarpianas, separando a pele do membro da pele da pata. Assim, seguiu-se com a dissecação da pele dos membros até a completa retirada. Segundo Smith (1979), durante o século XVII as tartarugas desovavam em um grande número de praias na área de Itacoatiara/AM durante os meses em que o nível da água estava baixo. Esse fenômeno atraiu comerciantes portugueses e uma praia Real ficou estabelecida para alimentar os soldados do rio Negro, enquanto outras praias foram exploradas por serem consideradas grandes e abundantes, porém, até hoje, esses quelônios continuam fazendo parte da dieta do interiorano. Historicamente, a tartaruga, P. expansa, foi um quelônio de fácil captura para suprir a alimentação do homem amazônida através de carne e ovos. Sendo exportado, na época do Brasil Colônia, em 1719, pela capitania de São José do Rio Negro 192 libras de “manteiga” de tartaruga. Ihering (1968) cita que para produzir 1 kg de manteiga são necessários 275 ovos de P. expansa. Alho, Carvalho & Pádua (1979) citam que o preço da tartaruga em Manaus chegou a alcançar US$ 180,00, Pádua, Alho & Carvalho (1983) citam que em 1980 um exemplar de 30 kg de peso vivo chegou a custar cerca de US$ 200,00 em Belém. Figura 11: Remoção da pele. TOALETE – Foram removidas as partes distais dos membros (patas) pela secção do tarso e do carpo, da cauda e quaisquer Wetteberg et al. (1976) determinaram o mercado potencial para espécies silvestres da fauna amazônica nos 23 restaurantes 50 485 com o auxílio de facas (higienizadas a cada utilização). A partir daí, procedeu-se uma retração manual de todo o trato digestivo até a porção anterior (esofágica). Deve-se ter o cuidado de remover as partes do fígado que permanecem bem aderidas lateralmente, próximo à inserção dos membros anteriores e posteriores. Os pulmões ficam bem aderidos à carapaça e também são retirados por tração manual (arrancamento). A retração das vísceras gastrointestinais deve ser realizada cuidadosamente para evitar a ruptura e a contaminação da carcaça por conteúdo fecal. As facas utilizadas nessa fase devem ser de uso restrito dos manipuladores que trabalham nessa etapa do processo de abate. existentes em Manaus, de 1974 a 1975, bem como tentaram identificar mercados para as espécies em outras cidades brasileiras ou no exterior. Esses autores citam que 78,78% dos restaurantes expressaram interesse em vender carne de fauna silvestre, sendo denotado interesse pelo público desses restaurantes, em primeiro lugar, pela tartaruga (P. expansa) com peso médio de 28,82 kg e um preço médio (estimado pelos restaurantes) que os clientes pagariam por quilograma de US$ 21,81, com um lucro potencial por quilograma para os restaurantes de US$ 19,31. Espriella (1972) e Nomura (1977) citam uma grande demanda comercial em países como os Estados Unidos e o Japão, sendo a comunidade nipônica considerada a pioneira em criação de tartarugas, desde 1866, por considerarem seu alto valor nutritivo. Eles recomendam que os criadouros sejam uma das maneiras de conservar e preservar a tartaruga ou o tracajá. Os criadouros podem também fornecer filhotes para exportação e ovos para extração de óleo, sendo que essa extração parece inviável porque o valor comercial da tartaruga é elevado, embora 100 g de ovos produzam cerca de 100 g de creme facial. Segundo o Cenaqua (1994), na Amazônia um boi necessita de 3-4 ha para produzir 40 kg de carne/ano. Enquanto que em 1 ha de água pode-se criar até 4.500 tartarugas, com um mínimo de 1.800 kg/ano e um custo aproximado para cada quilo das carnes de peixe, boi e tartaruga de US$ 1,00, US$ 2,30 e US$ 6,00, respectivamente. Figura 10: Seqüência de operações para a remoção das vísceras. 484 O Cenaqua (1994) cita que em 1991 as tartarugas com peso médio de 25 kg tiveram preço médio de US$ 80,00. Indicando, por esses valores, que a tartaruga constitui um item acessível à classe alta. 51 O Sebrae (1995) admite uma relação de 65% do peso vivo (PV) correspondente à carne, e 35% PV equivalente ao peso do casco. No entanto, o Cenaqua (1994) menciona que um animal de 25 kg fornece 13 kg de carne e vísceras, ou seja, 52% do peso vivo (P.V.) em rendimento de carcaça. Secciona-se a junção óssea da plastro-pelviana com o auxílio de tesouras metálicas. Para o TCA (1997), o preço por tartaruga viva no Brasil, Colômbia, Peru e Venezuela foi de US$ 97,00 a 122,00; US$ 5,00 a 61,00; US$ 8,00 a 20,00; US$ 18,00 a 47,00, respectivamente. Na Colômbia o preço por um quilo é de US$ 4,80. No Peru, devido aos ovos de Podocnemis expansa serem apreciados para consumo humano, o preço por unidade chegou a US$ 0,22 (TCA, 1997). Para o TCA (1997), o preço de um exemplar adulto de Podocnemis expansa varia, dependendo do local e tamanho do animal. O preço pago nos centros urbanos amazônicos (Iquitos e Manaus) é cerca do dobro do preço pago ao povo ribeirinho, e mais do triplo do que recebe o trabalhador rural. Segundo Terán et al. (1997), os quelônios foram e continuam sendo uma das principais fontes de proteínas para os índios e ribeirinhos em toda a Amazônia. Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Brasil, onde realizou-se entrevistas com 50 famílias e observações de campo, obteve-se o consumo de quatro espécies de tartarugas na alimentação familiar, como Podocnemis sextuberculata (68,2%), P. unifilis (27,1%), Geochelone denticulata (4,3%) Chelus fimbriatus (0,4%). Rebelo et al., 1997, apud Duarte & Andrade (1998) ao mostrarem a evolução do consumo de animais de caça e a determinação das populações de quelônios no Parque Nacional do 52 Figura 9: Remoção do plastrão realizada na área limpa. REVERSÃO DA PENDURA – Para facilitar a evisceração reverteu-se a posição do animal, tornando a fixá-lo nos ganchos dos trilhos da nora pelos membros posteriores. EVISCERAÇÃO – Ao acessar a cavidade celomática pela incisão na linha alba, seccionou-se uma porção transversal do fígado que comunica as porções hepáticas direita e esquerda. Procedeu-se a dissecação da porção terminal da cloaca junto à cauda, realizandose uma dissecação da porção terminal do trato digestivo, até os rins, 483 SERRAGEM DAS PONTES – Na serragem, os animais foram apoiados em decúbito dorsal, no suporte metálico, para facilitar a operação e evitar acidentes com os manipuladores. As pontes foram serradas com o auxílio de uma serra elétrica manual. O disco da serra deve ter aproximadamente 7 cm de raio. Foi usado um plano paralelo com a superfície ventral do plastrão, serrando-se medial e superficialmente para evitar a ruptura das vísceras e órgãos. Para a desarticulação final das pontes utilizou-se um trinchante de ponta romba. Jaú – Amazonas, concluíram que a mandioca (Manihot esculenta Crantz) e o peixe são a base da alimentação dos moradores. Os animais de caça (quelônios, mamíferos e aves) ocupam o quinto lugar na citação. A criação doméstica foi citada em apenas 0,5% das refeições. O monitoramento de longo prazo do consumo com calendário de caça revelou que 50% dos animais caçados foram quelônios aquáticos (Peltocephalus dumerilianus, Podocnemis unifilis e Podocnemis erythrocephala), 38% mamíferos terrestres e 17% aves. Sendo o consumo médio de 24,3 animais/família/6 meses, ou 48,6 animais/família/ano. Canto et al. (1999), ao realizarem um levantamento preliminar da comercialização ilegal de produtos da fauna no estado do Amazonas, registram que as classes mais apreendidas são répteis (principalmente, quelônios) com 52,2%, mamíferos 30% e aves 17,8%. Nas feiras, a maior comercialização de carne é para mamíferos (68%), aves (19%) e quelônios (13%). Sendo os quelônios (tartaruga e tracajá), mais apreciados, a comercialização feita sob encomenda cuidadosa, representando 22% dos animais comercializados para alimentação e o preço relativo por um quilograma (peso vivo – PV) da tartaruga de R$ 30,00. Figura 8: Seqüência de operações de serragem e desarticulação das pontes. PENDURA – Pendura-se pelos membros anteriores nos ganchos dos trilhos com nora, passando à área limpa do abatedouro para a retirada do plastrão. RETIRADA DO PLASTRÃO – Dissecação do plastrão, no sentido longitudinal, até a sua porção posterior. 11 Makita ¼” (6 mm): modelo 906 com potência de 240 w. 482 A carne de tartaruga-da-amazônia proveniente de criadouros legalizados pelo Ibama, no Amazonas, foi vendida inicialmente ao preço de R$ 12,00 a 18,00/kg de peso vivo em supermercados de Manaus (A Crítica, 1996), sendo pago ao produtor até R$ 13,00/kg. Hoje, os produtores estão comercializando com preços que variam de R$ 8,00 a 12,00, por quilograma de animal vivo. Segundo Andrade et al. (2003), o custo com ração é de US$ 1,45 para produzir um quilo de tartaruga e em um cultivo superintensivo em tanques-rede pode-se obter renda líquida de US$ 53 3 246,24/m . Lima (2000), estimou, nos criadouros do Amazonas os custos fixos em R$ 0,74 e os custos variáveis em R$ 2,19 para produzir um quilo de tartaruga. Considerando os atuais preços de venda do produtor, temos uma margem de lucro possível de 104,78% a 241,30%, o que caracteriza a queloniocultura como uma atividade altamente rentável. período de sangria de 15 minutos. Obteve-se melhor escoamento do sangue, aparência menos avermelhada da musculatura e o volume médio de sangue escoado foi de 3,11% do peso vivo dos animais. Figura 7: Secção parcial dos vasos da porção anterior do pescoço. LAVAGEM – Foi iniciada por um primeiro enxágüe com jatos de água sob pressão com água clorada a 5 ppm, seguida por uma escovação (escova pequena) com detergente alcalino a 0,2% em todo o animal e nas regiões axilares que não foram acessadas durante a prélavagem. Finalmente, foi realizado o último enxágüe para a remoção dos resíduos de sujidades com o detergente. 10 É sugerido o uso de luvas, pelo manipulador, para evitar a ação corrosiva dos detergentes alcalinos 54 481 PENDURA – Os animais foram pendurados pelas membranas interdigitais dos membros posteriores, nos ganchos dos trilhos com nora, visando a facilitar a etapa de sangria, agilizando o processo. Capítulo 3: Áreas de reprodução de quelônios protegidas pelo RANIbama/Amazonas e Ufam Paulo Cesar Machado Andrade João Alfredo da Mota Duarte Paulo Henrique Guimarães de Oliveira Pedro Macedo da Costa Agenor Vicente Anndson Brelaz Carlos Dias de Almeida Júnior Wander Rodrigues Jonathas Nascimento Hellen Christina Medeiros Luiz Mendonça Neto Sandra Helena Azevedo José Ribamar da Silva Pinto Figura 6: Pendura dos animais através das membranas interdigitais dos membros posteriores. SANGRIA – Foram realizados testes através da secção total e da secção parcial da porção anterior do pescoço. O melhor método foi a secção parcial (como na maioria das espécies domésticas) com o 480 Quando chega o verão na Amazônia, a vazante se inicia e com ela surgem milhares de praias ao longo dos rios. Sejam praias de areia bem branquinha em rios de águas negras e claras, ou praias amareladas em rios de águas barrentas, todas se transformam em verdadeiros depositários de vida com o período reprodutivo de quelônios (tartarugas, tracajás, iaçás, irapucas) e aves (gaivotas, corta-águas, quero-queros, etc.). A gerência do Ibama no estado do Amazonas, através do Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN) tem desenvolvido uma série de atividades que visam a conservação dos quelônios na região. Esse trabalho envolve parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), comunidades e prefeituras dos municípios. Em um primeiro momento, as comunidades são visitadas e 55 realizadas reuniões em que cada comunidade decide como poderá se envolver no trabalho, que praias deverão ser protegidas e quais pessoas formarão as equipes de campo. Depois, através dos técnicos do RAN e da Universidade, são treinados agentes de praia que atuarão no controle, monitoramento e fiscalização de cada praia de desova de quelônios, os chamados tabuleiros. INSENSIBILIZAÇÃO – Os animais foram insensibilizados sob a ação do gelo em água, permanecendo em recipiente de plástico atóxico em temperatura de 0 a 2ºC por um período de 15 minutos, quando se obteve a flacidez e a ausência dos reflexos da cabeça e dos membros. O Projeto Quelônios ampliou, desde 2001, sua atuação para os municípios amazonenses de Parintins, Juruá, Manicoré, Lábrea, Borba, Tapauá, Eirunepé, Carauri, Barreirinha, Nhamundá, Canutama, Barcelos, Novo Airão, Itamarati e São Sebastião do Uatumã, atingindo 407.504 habitantes que constituem as populações desses municípios. Atingimos, ainda, em parceria com a Ufam, através do projeto de extensão de manejo sustentável de tracajás, o Projeto Pé-de-Pincha, três municípios limítrofes no Estado do Pará, Terra Santa (16.500 habitantes), Oriximiná (60.000 habitantes) e Juruti (20.000 habitantes). Em cada município temos diretamente envolvidos com os trabalhos de campo e os treinamentos as comunidades e os professores da rede pública de ensino: 1) Em Parintins são 15 comunidades com cerca de 490 famílias e 62 professores em treinamento e 26 agentes ambientais voluntários; 2) Em Barreirinha, 12 comunidades com 160 famílias, 35 professores e 1 agente ambiental; 3) Em Nhamundá, são 10 localidades com 63 famílias; 4) Em Eirunepé e Itamarati, nas praias de Walter Buri, cerca de 30 famílias; 5) Em Carauari, na Resex do Médio Juruá, em 10 tabuleiros, 200 famílias; 6) No Juruá, nos tabuleiros de Joanico, Renascença, Antonina, Vai-quem-quer e Botafogo, 100 famílias; 7) Em Manicoré, na praia do Nazaré, envolvendo 30 famílias que trabalham no local; 8) Em Lábrea, nas comunidades do Buraco, Luzitânia, Jurucuá, Bananal, Santa Cândida, Novo Brasil, Porongaba e Realeza, 370 habitantes; 9) Em Borba, no rio Matupiri, cerca de 100 habitantes; 10) Em Tapauá, na Rebio Abufari e nas 56 Figura 5: Recipiente com água e gelo utilizado para insensibilização. Animal sendo insensibilizado. 479 14.6 Operações de abate e processamento PRÉ-LAVAGEM – Os animais foram transportados dos boxes de espera ou descanso em caixas plásticas previamente higienizadas até a área suja, onde foi realizada uma pré-lavagem dos animais com jatos de água clorada a 5 ppm sob pressão de, aproximadamente, 3 atm para remover as sujidades maiores, principalmente nas regiões da carapaça e do plastrão. Deve-se tomar o cuidado de não utilizar pressão excessiva para não lesar o epitélio, estressando os animais. Figura 4: Pré-lavagem utilizando água clorada sob pressão. 8 9 comunidades da praia da Enseada, Piranhas e Curuzu, aproximadamente 80 famílias; 11) Em Canutama, nas reservas do Jamanduá, Axioma e Seringal Nazaré, participação de cerca de 40 famílias; 12) Em Nova Airão, na praia da Velha, em frente ao Parque do Jaú, cerca de 8 famílias; 13) Em Barcelos, na praia da Dulumina; 14) Em São Sebastião do Uatumã, no tabuleiro do Abacate, no Jarauacá e no Livramento, atingindo cerca de 50 famílias; 14) Em Terra Santa (10 comunidades), Oriximiná (6 comunidades) e Juruti (19 comunidades) no Pará, cerca de 850 famílias e 7.500 habitantes, sendo que lá já existem 78 professores treinados, 60 agentes ambientais voluntários e 45 professores em treinamento. Em todas essas áreas está sendo feita a proteção das matrizes de tartarugas, iaçás e tracajás, durante a desova, sendo feito o acompanhamento da postura até a eclosão, quando é desenvolvido o trabalho de proteção e manejo dos filhotes. A fiscalização pelo Ibama e pelos comunitários é bastante rígida nesses locais. Acompanhando esses trabalhos de monitoramento e controle, é desenvolvida uma estratégia de conscientização através da educação ambiental e da discussão sobre alternativas de desenvolvimento. Nesse aspecto, a parceria com a Universidade tem permitido ao Ibama levar cursos e projetos de desenvolvimento para algumas comunidades como: criação caipira de galinhas, beneficiamento de pescado, utilização de plantas medicinais, piscicultura, criação de animais silvestres e ecoturismo. O apoio das prefeituras tem sido fundamental para a realização dessas atividades, que passam a se consolidar em cada município como estratégias de conservação e possível geração de renda no futuro, através da criação e manejo de quelônios e do ecoturismo, entre outras. Partes por milhão. Unidade de medida equivalente à mg/kg. Atmosfera. Unidade de pressão 478 57 Coroando os trabalhos de campo em 2001, nasceram e foram soltos 1.077.768 de filhotes provenientes do monitoramento de 3.886 covas de tartaruga, 7.263 covas de tracajá, 42.606 covas de iaçás e 4.671 covas de irapuca. O trabalho visa aumentar o número de praias de desova de quelônios protegidas, ampliar o número médio anual de filhotes soltos na natureza (Tabela 1), garantindo a proteção de populações de quelônios de diferentes calhas de rios e diferentes ecossistemas (Figura 1), permitindo que o trabalho de conservação se baseie não somente em produção de filhotes, mas, também, na variabilidade genética das espécies. E, além disso, consolidar novos tabuleiros para o fornecimento de filhotes para criadouros (Conservação ex situ). O RAN do Estado do Amazonas, com apoio da Gerência Executiva e da Ufam, ampliou seu espectro de ação e áreas protegidas, atingindo, praticamente, todos os ambientes aquáticos do Amazonas, mesmo com toda a sua dimensão territorial. n Áreas de Conservação de Quelônios pelo RAN-Amazonas 100 80 60 40 20 0 2 12 3 2000 10 18 2001 63 11 19 2002 DESCANSO EVISCERAÇÃO PRÉ-LAVAGEM ESFOLA INSENSIBILIZAÇÃO PENDURA (POSTERIORES) SANGRIA Localidades 10 16 TOALETE PRÉ-LAVAGEM RETIRADA DA CARAPAÇA EMBALAGEM Rios SERRAGEM DAS PONTES Municípios 2003 Figura 1: Ampliação das áreas de conservação de quelônios no Amazonas entre 2000 e 2003. A Figura 1 apresenta os dados da ampliação das áreas reprodutivas de quelônios protegidas pelo RAN- AM, em 2000-2003. 58 RECEPÇÃO LAVAGEM 87 59 FLUXOGRAMA DE OBTENÇÃO DE CARNE EMBALADA E CONGELADA CONGELAMENTO PENDURA(ANTERIORES) RETIRADA DO PLASTRÃO PENDURA(POSTERIORES) ESTOCAGEM EXPEDIÇÃO 477 O transporte do criadouro ao abatedouro poderá ser terrestre, aéreo ou fluvial, mas deve ser conduzido de maneira a minimizar o estresse aos animais. Para o transporte, os animais deverão possuir a autorização do Ibama. RECEPÇÃO – Os animais foram recepcionados no abatedouro, sendo realizados os procedimentos para a avaliação geral. Também foi verificada a documentação do Ibama, sendo feito o encaminhamento dos animais para os boxes de espera ou descanso. DESCANSO – Os animais permaneceram nos boxes de espera ou descanso do abatedouro por um período específico. Os currais ou boxes de espera devem ter água clorada corrente, a 5 (cinco) ppm de cloro residual livre, para reduzir a carga de contaminantes e estimular a defecação. 14.5 Elaboração do fluxograma de processo Inicialmente, o fluxograma foi estabelecido com base na metodologia de abate usada atualmente por alguns estabelecimentos que realizam abate para fins comerciais. Durante os trabalhos realizados, algumas etapas foram modificadas e/ou incluídas no processo. Entretanto, ainda há a necessidade de utilizar métodos de validação dessas etapas aqui descritas. A proposta de fluxograma foi realizada com o objetivo de obter a carne de tartaruga-da-amazônia embalada e congelada com as devidas características das instalações do estabelecimento onde foram realizados os trabalhos experimentais. Os trabalhos realizados não permitiram estabelecer o período de descanso adequado para essa espécie. As peculiaridades fisiológicas dessa espécie deverão ser mais estudadas para a obtenção dos resultados desejados nessa etapa. 7 Como ocorre nas rãs, observamos que a presença de água corrente estimula a defecação das tartarugas. 6 476 Esse avanço significativo só foi possível graças ao volume de recursos destinados pelo RAN, em 2001, e pelas diversas parcerias com a Ufam, prefeituras e a participação em editais de financiamento de projetos científicos e de extensão. O número de técnicos também foi ampliado (de dois para sete), graças à fusão do RAN com o Núcleo de Fauna Silvestre, em uma única Divisão de Fauna, no Ibama-AM. O RAN-AM vem trabalhando com o monitoramento e a conservação de populações de quelônios nas seguintes áreas: Rio Purus 1) 2) 3) 4) 5) Tabuleiro do Abufari na Rebio Abufari, em Tapauá; Tabuleiros de Piranhas e Enseada, em Tapauá; Tabuleiro do Curuzu e Vista Alegre, em Tapauá; Reserva do Jamanduá, em Canutama; Tabuleiro do Nazaré e Axioma, município de Canutama. Rio Uatumã 1) Tabuleiro do Abacate /Balbina; 2) Tabuleiros do rio Jarauacá/comunidade do Livramento, Balbina; 3) Rebio Uatumã e rio Pitinga: Ilha do Limão, do Bacaba, Sororoca, Arapari, do Açaí, do Papagaio. Rio Juruá 1) Resex do Médio Juruá/Carauari: 10 tabuleiros (Gumo do Facão, Nova Esperança/Jacaré, Roque/Ati, Bauana, Deus é Pai, Bom Jesus, Manariã, Monte Carmelo/Pau Furado, Itanga, Mandioca) 2) Tabuleiro do Joanico e Renascença/Juruá; 3) Tabuleiro de Botafogo, Antonina e Vai-quem-quer/Juruá; 4) Tabuleiro de Walter Buri/Itamarati-Eirunepé; 5) Tabuleiros de São Francisco, Dois Irmãos, do Gado/Itamarati; 59 Rio Madeira 1)Praia do Nazaré/Manicoré; 2)Rio Matupiri/Borba: diversos tabuleiros; Rios Solimões-Japurá 1) Tefé – RDS Mamirauá: Pirapucu, Praia do Meio, Horizonte, Ingá; 2) Coari: Ilha do Geral; Rio Negro 1) Praia da Velha/Parna Jaú, Novo Airão; 2) Praia do Cabuano/Parna Jaú/Novo Airão; 3) Praia Dulumina/Barcelos. Áreas do Programa Pé-de-Pincha: Médio-Baixo Amazonas a) Rio Amazonas: Ilha de Vila Nova/Parintins. b) Municípios do Amazonas: 1) Barreirinha: Piraí, Granja Ceres, Ipiranga, Tucumunduba, São Francisco, São Pedro, Proteção Divina, Lírios do Vale, Matupiri, Ariaú, Coatá, Ponta Alegre e Pindobal; 2) Parintins: Anhinga, Parananema, Macurani, Valéria, Murituba, Laguinho, Maximo, Ze-Açu, Badajós, Terra-Preta, Tracajá, São Pancrácio, Parintinzinho e Santa Lourdes do Mamuru; 3) Nhamundá: Fazenda Duas Bocas, Praia Boa Esperança, Boiador, Galiléia, Espelho da Lua, Apéua, Sr. Santos, Castanhal, Marcolino, São Francisco e Vista Alegre. 60 14.4 Operações pré-abate As operações pré-abate acontecem desde os cuidados na aquisição dos insumos, criação, transporte, recepção no estabelecimento, encaminhamento para os boxes de espera ou descanso, até o transporte para a edificação de abate. Assim sendo, descreveremos os principais cuidados realizados durante os trabalhos experimentais que foram e/ou devem ser adotados durante o período de pré-abate. CRIADOURO – Os animais foram criados em conformidade à regulamentação específica. Os criadouros estão estabelecidos em ambientes que não possuam resíduos de contaminantes ambientais (pesticidas e resíduos de agrotóxicos) que constituam risco à saúde dos animais. Os ingredientes e as rações usadas na alimentação dos animais devem ser elaboradas e armazenadas de forma a minimizar os riscos para a saúde animal. As drogas veterinárias utilizadas durante o período de criação devem respeitar as doses e os períodos de tratamento preconizados, bem como o prazo de carência específico para o aproveitamento humano dos produtos animais. Os animais somente podem ser encaminhados ao abatedouro quando apresentarem o peso vivo igual ou superior a 1,5 kg. Todos os animais destinados ao abatedouro deverão proceder de criadouros registrados e autorizados pelo RAN/Ibama. TRANSPORTE – Os animais foram acondicionados em recipientes plásticos atóxicos, previamente higienizados, sem qualquer tipo de contaminante, em condições de temperatura e de umidade medianas. 5 Conforme a Portaria nº 142/92 de 30 de dezembro de 1992 do Ibama/MMA. 475 As atividades de inspeção deverão ser realizadas de forma semelhante aos procedimentos adotados para as espécies genericamente denominadas pescados e quando aplicável às demais espécies animais. A inspeção se divide em duas grandes etapas chamadas de inspeção ante-mortem e inspeção post-mortem. A inspeção ante-mortem compreende os trabalhos realizados na recepção dos animais, na verificação da documentação, na avaliação dos animais nos boxes de espera e observação, no encaminhamento dos eventuais animais ao departamento de necropsia, na realização das necropsias e no encaminhamento dos materiais para avaliação laboratorial. A inspeção post-mortem compreende todos os trabalhos realizados antes, durante e após as operações realizadas na área suja (pré-lavagem, insensibilização, sangria, lavagem e serragem das pontes), na área limpa (retirada do plastrão, evisceração, esfola, toalete, pré-lavagem, retirada da carapaça, embalagem e congelamento) e nas demais áreas. A visualização macroscópica das partes externas, internas, bem como suas vísceras e órgãos celomáticos, durante a evisceração, será fundamental para a verificação das possíveis alterações patológicas que possam comprometer a qualidade do produto final. É possível, a critério do médico-veterinário oficial, após uma avaliação minuciosa no DIF, liberar, aproveitar condicionalmente ou rejeitar as partes, o todo ou até mesmo um lote de animais que apresentem alterações que impliquem em algum prejuízo aos consumidores. Além disso, os veterinários oficiais poderão auditar os sistemas de controle e garantia de qualidade, implantados pelas empresas processadoras. 474 c) Municípios do oeste do Pará: 4) Terra Santa: Lago do Piraruacá (Aliança, Desengano, Itaubal, Camaiateua), Lago Xiacá, Igarapé dos Currais (Pintado, Tucunaré e Pirarucu), Igarapé do Nhamundá (Conceição Casa Grande), Igarapé do Jamary (Alemã e Chuedá) e Lago do Abaucu (Capote e Jauaruna). 5) Oriximiná: Região do Jarauacá, Acapu, Samaúma, Lago do Sapucuá (Ascensão, Casinha, Barreto), Maria Pixi, Acapuzinho, Cachoeiry; 6) Juruti: Maravilha, Santa Madalena, Açaí, Zé Maria, Caapiranga, Surval, Uxituba, Prudente, Capelinha, Pompom, Ingrassa, Capitão e Vila Muirapinima. Na Figura 2 e na Tabela 1 observamos que mesmo com todos os recursos que o RAN-Cenaqua/NUC aplicava na Rebio Abufari, em 2001-2002, ela perde o status de maior produtora de quelônios do Amazonas para áreas com trabalhos comunitários em tabuleiros pequenos e próximos, como é o caso das Resex do Médio e Baixo Juruá, sendo que as áreas com manejo comunitário/participativo de quelônios passaram a responder pela maior parte da produção do Amazonas (60,01% = 646.848 filhotes) em relação às áreas de proteção estrita do Governo (39,98% = 430.920 filhotes). Esse envolvimento e conscientização comunitária permitiram reduzir o custo médio por filhote protegido de R$ 0,370,78/unidade para R$ 0,08/unidade. Todavia, o grande corte nas verbas governamentais, destinadas ao trabalho com quelônios, a partir de 2003, levou ao abandono de algumas áreas de reprodução monitoradas em 2001 e 2002, registrando uma queda de 15,49% na produção de filhotes. Em áreas de grande produção, como Abufari e Walter Buri, com um trabalho de muitos anos de proteção, as populações de quelônios parecem ter atingido certo equilíbrio e 61 estabilidade, não havendo grandes variações. Contudo, em outras áreas, onde o trabalho havia iniciado há poucos anos, o impacto foi muito mais significativo. A situação foi mais grave ainda nas grandes áreas produtivas onde o governo trabalhava em parceria com as comunidades. A redução da presença e, em muitos casos, a completa ausência de técnicos do Governo e de recursos, amparando os ribeirinhos, levou desânimo ao trabalho comunitário que, com a falta de incentivos, registrou uma queda de 646.848 filhotes, em 2001, para 343.679 em 2005, ou seja, 46,86%. Apenas em áreas de manejo comunitário, onde o governo se fez presente através dos trabalhos da Ufam e recursos do ProVárzea-Ibama, como as trabalhadas pelo Programa Pé-dePincha, a produção comunitária cresceu mantendo o ritmo de 2001-2002 e permitiu a sistematização dos dados de produção. Segundo Pinto & Pereira, 2004, que analisaram os incentivos institucionais em áreas de manejo comunitário de quelônios do Programa Pé-de-Pincha: “os locais onde os usuários foram mais bem-sucedidos em criar e manter esquemas de manejo conservacionistas correspondem àqueles cujas instituições são mais efetivas e eficazes e possuem um melhor grau de contribuição”. Eles sugerem, para efetivação de uma co-gestão dos recursos pesqueiros, uma nova forma de incentivo às organizações comunitárias através da institucionalização do “subsídio azul”, definido como um recurso público a fundo perdido, destinado àquelas comunidades devidamente regularizadas e comprovadamente efetivas no manejo participativo da fauna aquática e dos recursos hídricos. Outra forma de incentivo seria a geração de renda através da criação comunitária semi-intensiva ou extensiva (prevista na minuta da nova portaria de criação de animais silvestres – Anexo VI – Quelônios – Item II) e/ou da venda de filhotes de áreas de manejo comunitário para criadores. 62 O Departamento de Inspeção Final bem como o Departamento de Necropsias devem ser providos de mesas e utensílios necessários (facas, fuzis, termômetros, tesouras de ponta romba, frascos para coleta de material, etc.) aos trabalhos. Todos os manipuladores deverão estar providos de dois conjuntos de jalecos brancos, duas calças brancas, dois pares de botas brancas de borracha, dois gorros com máscaras que devem ser higienizadas diariamente em lavanderias, para evitar contaminações durante as diversas operações. 14.3 Inspeção A inspeção corresponde às atividades realizadas pelo serviço veterinário oficial, que poderá ser municipal (Serviço de Inspeção Municipal – SIM), estadual (Serviço de Inspeção Estadual – SIE) e federal (Serviço de Inspeção Federal – SIF) que têm como missão garantir que o produto de origem animal seja sadio, seguro e confiável para o consumidor. A atuação dos serviços de inspeção é fundamentada em critérios higiênico-sanitários e tecnológicos, a fim de que a indústria possa ofertar um produto adequado ao consumo. Entretanto, não é responsabilidade exclusiva dos serviços de inspeção a garantia da qualidade dos produtos. As empresas devem estabelecer seus próprios sistemas de controle e garantia da qualidade, que devem ser coordenados por profissionais capacitados à utilização das principais ferramentas. Dessa forma, todos os empreendedores interessados em desenvolver a atividade de abate de quelônios deverão seguir as orientações dos serviços veterinários oficiais, desde a elaboração dos projetos até o seu funcionamento. 4 Boas Práticas de Fabricação (BPF), Procedimentos Padrão de Higiene Operacional (PPHO) e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). 473 400000 350000 300000 250000 200000 150000 100000 50000 0 2001 2002 2003 2004 2005 Pé -d epi nc ha C an ut am a Bo rb a C ar au ar W i al te rb ur i Ju ru á M an ico Ba ré rc el os /J aú U Ab at u uf ar m ã i/T Te ap fé au -M á am ira uá C oa ri No. Produção de filhotes de quelônios em áreas protegidas no Amazonas Áreas Figura 2: Variação na produção de filhotes de quelônios em áreas protegidas pelo RAN/Ibama-AM em 2001 e 2005. Principais tabuleiros A) Rio Juruá: A.1) Alto Juruá: tabuleiros de Walter Buri, Nova Olinda/São Francisco, Matupá e outros. Figura 3: Nora automática com ganchos sobre a bancada. Os utensílios deverão ser de materiais plásticos resistentes ou metálicos (aço inoxidável), de fácil higienização, para evitar as contaminações cruzadas. Os principais são: facas exclusivas para cada área ou operação, fuzis ou chairas, tesouras, trinchantes, cestas ou caixas metálicas e monoblocos plásticos brancos e vermelhos. 472 Nesse rio de águas barrentas, estreito e cheio de curvas, no trecho compreendido entre as cidades de Eirunepé e Itamarati, existem diversas praias de desova de quelônios. Muitos desses tabuleiros foram protegidos por antigos donos de seringais. O mais famoso deles é o tabuleiro de Walter Buri, em italiano, o Castelo de Ouro, localizado em frente à vila do seringal que tinha o mesmo nome. Desde 1983, o então IBDF realiza o monitoramento, controle e manejo das populações de quelônios que desovam naquela área. Entretanto, existem outras praias promissoras como a do tabuleiro de Nova Olinda/São Francisco, praia do Gado, Dois Irmãos, 63 Matupá, Estirão do Óbito e São João (esta última a 30 minutos de Eirunepé). Walter Burí situa-se a 416 km de Eirunepé (238 km em linha reta), ou seja, a 8 horas de viagem em um bote com motor de popa 60 HP (coordenadas: 6º28'10”S; 68º26'24”W; 120 m de altitude). Essas áreas são controladas pelo Escritório do Ibama em Eirunepé, através dos Agentes de Defesa Florestal João Dejacy e Carlos Augusto Bié. devem possuir boxes metálicos profundos para a higienização dos braços e dos antebraços, bem como pedilúvio e lava-botas. Todas as dependências que realizarem manipulação também devem possuir boxes metálicos para a higienização de braços, antebraços e de alguns utensílios. O estabelecimento deve possuir localização estratégica distante de quaisquer fontes contaminantes que possam comprometer a qualidade dos produtos. Neste caso, o estabelecimento deve seguir as boas práticas de fabricação, conforme a Portaria nº 368/98 da SDA/Mapa. Os equipamentos e os utensílios também deverão seguir a portaria citada no que se refere à construção, manutenção e higiene. Os trilhos devem ter aproximadamente 2,00 m de altura com nora e ganchos metálicos resistentes para a fixação dos animais durante as operações. Devem ser utilizados equipamentos para a produção de gelo e calor, serra para a secção das pontes, compressor para a produção de jatos de água, termômetros, cronômetros, mesas metálicas com fixadores para os animais, durante as serragens, mesas para pesagens, mesa para embalagem, forno crematório, mesa para necropsia, esterilizadores (para serras, facas, fuzis, tesouras e trinchantes), balanças, embaladoras, seladoras e climatizadores de ambiente, paletes para caixas e câmaras de estocagem. ³ Disponível em: http:// www.agricultura.gov.br.html. 64 471 1) Área de lavagem e guarda de caixas plásticas. 2) Área de lavagem e guarda de utensílios. 3) Área de armazenamento de embalagens. 4) Área de expedição: adjacente à estocagem, com porta de saída para o exterior. 5) Área de produção e armazenamento do gelo: adjacente à área limpa. 6) Área de estocagem: câmaras de congelamento. 7) Área para recebimento de pele, carapaça, plastrão e resíduos. 8) Salas de máquinas: unidade de produção de frio industrial. III – Prédio administrativo: 1) Escritório. 2) Banheiros: masculinos e femininos. 3) Vestiários: masculinos e femininos. 4) Sede do Serviço de Inspeção: municipal, estadual ou federal. 5) Lavanderia: higienização manipuladores. dos uniformes dos 6) Almoxarifado. Todas as edificações destinadas à elaboração de produtos e subprodutos comestíveis devem possuir, nos locais de acesso de pessoal, gabinetes de higienização. Os gabinetes de higienização 470 65 O RAN/Ibama possui um flutuante, reformado em maio de 2 2001, com bóias de ferro, uma balsa de 80 m de área e uma casa de 2 60 m de área construída (dois quartos, um banheiro, uma salacozinha), toda mobiliada, e com gerador de energia a diesel. Essa base, ancorada anualmente em frente ao tabuleiro de Walter Buri, do outro lado do rio, próximo à vila, serve de alojamento para a equipe de agentes de praia, chefiada pelo sr. Raimundo Nonato “Curisco”, que é auxiliado pelos srs. Francisco Amâncio e Sílvio Santos. Os trabalhos de proteção têm início em maio, quando os quelônios saem dos lagos para o rio para reproduzirem-se. Nesse período, a vigilância das “bocas” desses lagos é fundamental para que os quelônios consigam chegar até as áreas de postura. Dois lagos merecem especial atenção: o Lago do Tarira, de propriedade da Empresa Macacuera, do sr. Naochi Kubota, vigiada há três anos pelo sr. Amâncio; e o Lago do Maturani, vigiado há dois anos pelo sr. Sílvio Santos. O trabalho se estende durante todo o período reprodutivo (junho-setembro), passa pela eclosão e nascimento dos filhotes (outubro-novembro) e vai até fevereiro, quando é necessário vigiar novamente as bocas dos lagos, pois ocorre outra migração dos quelônios, do rio para os lagos (de alimentação). II – Prédio principal: para o desenvolvimento das operações de abate, propriamente ditas, que devem possuir gabinetes de higienização (botas, braços e antebraços) nos locais de entrada das áreas de processamento. O prédio será composto pelas seguintes áreas ou salas: 1) Área suja: onde se realizam as etapas de pré-lavagem, insensibilização, sangria e serragem das pontes (Figura 2). Figura 2: Vista da área suja. Passagem do trilho da área suja para a área limpa. 1) Área limpa: onde se realizam as etapas de retirada do plastrão, evisceração, esfola, toalete, pré-lavagem, retirada da carapaça, embalagem e congelamento. Deve existir uma área equivalente a 5% dessa área, para o Departamento de Inspeção Final (DIF), para a avaliação minuciosa das alterações encontradas durante as operações de abate. 66 469 Figura 4: Base flutuante de Walter Buri – Rio Juruá/AM. Foto: RAN/AM. (Andrade, P.C.M.). Figura 1: Vista de um box de espera, vazio, com piso revestido em epóxi. 4) Dependências para a elaboração de subprodutos. 5) Dependências para o tratamento dos efluentes: conforme legislação específica². O tabuleiro de Walter Buri tem fornecido filhotes para os criadouros de quelônios do Amazonas desde 1999 (cerca de 25.000 filhotes de Podocnemis expansa/ano). Os demais filhotes de tartaruga são soltos no lago da Cachoeira, lago do Maturani, igarapé de Nova Olinda e, do outro lado do rio, próximo a Walter Buri, desde que haja bastante capim. Tracajás (P. unifilis) e iaçás (P. sextuberculata) saem espontaneamente de seus ninhos e correm para a água (as covas de tartaruga são marcadas e manejadas; as dos tracajás apenas contadas e as das iaçás são estimadas). Na Tabela 2 apresentamos o georreferenciamento das praias de desova de quelônios e dos lagos de alimentação. ² A legislação ambiental deve ser consultada para o atendimento das exigências estaduais e federais. 468 67 1) Box de espera ou descanso: destinado a receber os animais, provenientes dos criadouros, para um período de descanso. 2) Box de observação: destinado a receber os animais que apresentaram alterações clínicas nos boxes de espera. 3) Departamento de necropsia: 3.1 – Sala de necropsia: destinada à realização de necropsia em animais que chegarem mortos, que morrerem nos boxes de espera ou que apresentarem alterações clínico-patológicas que justifiquem tais medidas. 3.2 - Forno crematório: destinado à cremação dos despojos animais que foram a óbito ou que apresentem doenças infectocontagiosas que representem grave perigo à saúde humana ou animal. Figura 5: Transporte de filhotes de tartaruga (P. expansa) de Walter Buri para criadores registrados no Amazonas, 2002. Foto: RAN/AM (Andrade, P. C. M.). 68 467 As análises microbiológicas foram realizadas pelo Laboratório de Higiene dos Alimentos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, e as análises físico-químicas pelo Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás. Também foram realizadas avaliações parasitológicas e histopatológicas pelo Departamento de Medicina Veterinária da Upis – Faculdades Integradas do DF. Os trabalhos foram acompanhados por médicos-veterinários do Serviço de Inspeção Federal do Setor de Pescados do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. 14.2 Descrição das instalações, equipamentos e utensílios Uma proposta de estabelecimento industrial destinado ao abate e ao processamento de tartaruga-da-amazônia deve possuir as principais dependências exigidas para o abate das demais espécies utilizadas na alimentação humana, visando ao aproveitamento sustentável e econômico dos produtos e subprodutos oriundos do abate. As dependências (Anexo I) exigidas são: I - Área externa: próxima ao abatedouro, devendo estar, no mínimo, a 10 metros de distância do prédio principal. ¹ É um código internacional de alimentos coordenado por comissões da Food and Agriculture Organization (FAO) e Organização Mundial de Saúde (OMS). 466 Tabela 2: Tabuleiros e lagos de alimentação de quelônios situados entre Eirunepé e Itamarati, no Alto rio Juruá Local Tipo Walter Buri Dimensões da praia Nº de Nº de ninhos em filhotes 2001 produzi_ dos ou soltos Tabuleiro 6º28’54’’S; de desova 68º25’54”W e 119 m de altitude Tabuleiro 6º29’25” S; de desova 68º31’56” W 4.000 m X 200 m Tartaruga= 560 Tracajá=600 Iaçá=1000 72.588 4.500 m X 200 m 10.178 Praia de desova 6º26’46”S; 68º29’16”W 4.000 m X 150 m Praia de desova Praia de desova Praia de desova 6º27’55”S; 68º27’29”W 6º30’22”S; 68º27’29”W 6º26’8”S; 68º28’55”W Tartaruga= 15 Tracajá=321 Tartaruga=2 Tracajá=23 Iaçá=125 Tartaruga=5 Tartaruga=1 1.000 m X 100 m Dos Dois Tartaruga=5 1500 m X Irmãos 80 m e 2.800 m X 80 m TOTAL DE FILHOTES PRODUZIDOS EM 2001 Local Tipo Coordenadas Espécie Nº/espécie 84 São Francis_ co Matupá Do Gado Maturini Coordenadas Estirão Potenciais do Óbito praias de e São desova João 30 minutos de Tartaruga Eirunepé, Tracajá descendo o rio na margem direita Lago do Lagos de 6º30’37”S; Tartaruga Maturani alimenta_ 68º27’24”W e do ção Tarira Igarapé de Nova Olinda Lago Cachoei_ ra Walter Buri 2.885 418 418 86.571 - Nº t otal de filhotes - 2.300 2.300 Rota de migração 6º28’19”S; 68º 30’45”W Tartaruga 1.000 1.000 Soltura - Tartaruga 3.500 3.500 Soltura - Tartaruga 1.031 Tracajá 31 Iaçá 16 FILHOTES SOLTOS EM OUTROS LUGARES EM 2001 1.078 7.878 69 A.2) Médio Juruá: Tabuleiros da Reserva Extrativista (Resex) Médio Juruá em Carauari/AM. A atividade de produção de quelônios em praias manejadas está inserida no programa de manejo de uso múltiplo dos recursos da Resex, sendo mais uma alternativa de renda para as comunidades, ao mesmo tempo que conserva essas espécies que, na região, já estiveram bastante ameaçadas. Na Tabela 3, verificamos um aumento proporcional na produção de quelônios em relação ao tempo de criação da área de proteção, o que leva a crer que tal iniciativa pode estar proporcionando condições para melhorar a reprodução dos quelônios. As comunidades da Resex decidiram proteger particularmente a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), evitando a captura de adultos e a coleta de seus ovos, ficando o tracajá (P. unifilis) e o iaçá (P. sextuberculata) sob proteção relativa, posto que eles fazem parte do cardápio daquelas populações tradicionais durante a vazante do rio. Os 40 animais foram doados por três criadouros comerciais, dois do estado de Goiás e um do Pará, ambos registrados e autorizados pelo Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN/Ibama). 14.1 Considerações gerais O Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa) classifica os quelônios, na denominação genérica de pescados, todavia, não existe uma regulamentação específica para quelônios. Esse fato tornou o abate experimental um tanto quanto empírico, pois não havia informações preliminares que pudessem direcionar os primeiros passos do abate. Além disso, os quelônios são répteis singulares, com características anatômicas e fisiológicas particulares que indicam a necessidade de experimentações e estudos específicos para a definição de uma metodologia de abate. A inexistência de mecanismos intrínsecos de regulação da temperatura corporal (heterotermia), a presença de esqueleto externo (carapaça e plastrão) e o baixo metabolismo basal são alguns dos pontos que influenciam e exigem diferenciação nos procedimentos de abate. Figura 6: Tabuleiro Deus é Pai – Resex Médio Juruá/Carauari-AM. Foto: RAN/AM (Oliveira, P.H.G.). Entre as espécies de pescados utilizadas comercialmente temos a rã-touro-gigante (Rana catesbeiana) que foi a espécie que mais se assemelhou biologicamente à tartaruga-da-amazônia. Por isso, os padrões microbiológicos usados neste trabalho foram os mesmos utilizados para a carne de rã, pelo Codex Alimentarius. Devido às características do estabelecimento industrial em que foram realizados os trabalhos de abate experimental, o produto final obtido foi a carne de tartaruga-da-amazônia congelada. 70 465 Até recentemente, a experiência científica de abate se resumia ao sacrifício de exemplares de porte maior, retirados da natureza. A criação comercial foi um caminho obscuro para os pioneiros. Não era conhecida a forma de se manejar em cativeiro e a velocidade de crescimento, sem idéia do tempo necessário para que os animais atingissem o peso para abate (1,5kg). Os primeiros criadouros comerciais de tartaruga-daamazônia começaram a produzir e alguns animais atingiram o peso de abate. A partir daí, ficou evidente a inexistência de uma metodologia de abate que atendesse a todos os critérios higiênicosanitários e tecnológicos previstos na legislação. Dessa forma, este trabalho teve por objetivo estudar e estabelecer parâmetros para o abate visando atender aos requisitos tecnológicos e higiênico-sanitários para um aproveitamento racional e econômico da carne de tartaruga-da-amazônia para o consumo humano. Figura 7: Tabuleiro do Ati, comunidade do Roque, Resex Médio Juruá, Carauari/AM. Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.M.). Os trabalhos para a definição dos procedimentos básicos de abate foram realizados durante o período compreendido entre os dias 23 de outubro e 11 de dezembro de 2002. Foram abatidos um total de 40 animais com o objetivo de estabelecer as etapas, propondo uma metodologia de abate para a espécie Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia). Os 40 animais foram divididos em seis episódios de abates experimentais realizados no entreposto de pescados da empresa Rander, localizada no Gama/DF e registrada sob o SIF nº 2840 na Delegacia Federal de Agricultura do DF, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O referido estabelecimento destina-se, principalmente, ao abate da rã-touro-gigante (Rana catesbeiana) para a obtenção de carne congelada. 464 Figura 8: Rastros de P. expansa, tabuleiro do Ati, Resex Médio Juruá, Carauari/AM. Foto: RAN/AM (Oliveira, P.H.G.). 71 Tabela 3: Produção de quelônios nas praias manejadas da Resex do Médio Juruá, no período de 1994 a 2006. ano Iaçá filhote covas Tartaruga filhotes vivos morto s covas Tracajá filhotes vivos 1994 150.000 465 43.721 1029 24.949 1995 249 28.418 1.033 33.572 1996 460 40.376 704 6.163 1997 98.781 43.046 13.140 1998 121.666 542 58.804 174 666 25.949 1999 144.783 616 76.521 8.256 712 23.008 2000 165.530 876 101.644 946 29.882 2001 186.086 - 118.332 1106 36.313 2002 81.096 600 69.696 142 574 15.598 2003 89.656 679 78.784 140 976 27.345 2004 103.608 426 49.416 219 396 8.741 2005 70.230 426 42.531 735 13.709 2006 54.133 467 47.423 834 20.109 Total 1265569 5341 798.712 8.931 11338 278.478 Fonte: Ibama/CNPT, RAN-AM (2003) e Andrade & Brelaz (2006). morto s 100 449 9 120 678 Os tabuleiros da Resex são remanescentes das áreas protegidas pelos antigos donos de seringais. São, ao todo, dez áreas: Jacaré (seringal Pupunha, comunidade Nova Esperança), Deus é Pai, Manariã, Ati (comunidade do Roque), Gumo do Facão, Bauana, Bom Jesus, Marari/Pau-Furado (comunidade Monte Carmelo), Itanga, Mandioca. Oficialmente, pelo Ibama, o trabalho começou em 14 de agosto de 1994 com registro da 1ª postura no tabuleiro do Pupunhas. Naquele ano foram monitorados os tabuleiros Deus é Pai ou Pão, Pupunha e Manaria pelo Agente do Ibama, sr. João de Deus Coelho. O tabuleiro do Jacaré, protegido pelos agentes da comunidade Nova Esperança, está localizado no antigo seringal Pupunha. Nele, o seringalista Basílio Coelho Bastos pagava vigias de praia e recebia a produção de 72 Capítulo 14: Abate experimental da tartarugada-amazônia (Podocnemis expansa) criada em cativeiro Trabalho requisitado pelo Centro Nacional de Manejo e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN/Ibama-Goiânia), realizado pela empresa Xamã Veterinária Ltda. e conduzido pelos MédicosVeterinários Alexander Dornelles e Leonardo Quintanilha. A tartaruga-da-amazônia tem uma carne muito apreciada na região Norte, mas alcança o mercado das demais regiões. A produção da tartaruga-da-amazônia, bem como dos demais animais silvestres é regulamentada pelo Ibama. O Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN/Ibama), com o objetivo de gerar renda aos produtores rurais e promover a conservação da tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), vem incentivando e dando diretrizes para uma exploração comercial visando ao atendimento desses mercados. O primeiro criatório comercial de tartaruga-da-amazônia foi registrado em 1993 no estado do Amazonas mas, somente em 1995, os primeiros animais atingiram o peso permitido para o abate (1,5kg), sendo comercializados vivos e abatidos, sem inspeção veterinária. Somente no final de 2000, alguns animais foram abatidos experimentalmente no matadouro de pequenos e médios animais no município de Iguape, no interior de São Paulo. A exploração comercial da tartaruga-da-amazônia, dentro da atual visão do agronegócio, deve ser vista como uma cadeia produtiva. Todos os elos dessa cadeia devem estar organizados e coordenados para o sucesso da atividade. 463 Conclusão A criação de tartaruga-da-amazônia, em escala comercial, com ciclo de 36 meses é uma atividade técnica e economicamente viável e constitui-se em uma nova opção ao agronegócio amazônico. O cultivo de tartaruga-da-amazônia é um dos mais promissores instrumentos para a sustentação de políticas ambientais voltadas à preservação e ao restabelecimento de estoques naturais da espécie. filhotes no grande barracão. Soltava todos em um pequeno igarapé que permitia, quando enchia, que os filhotes saíssem naturalmente para o rio Juruá. Depois, o seringal foi vendido para a Maginco. Quando o IBDF assumiu a proteção da área já havia o trabalho que foi mantido com o sistema de contrato de agentes de praia, acampamento e marcação de tartarugas. Tudo isso acompanhado pelo sr. João Tomaz/IBDF. Com o tempo e o crescimento de Carauari, começaram a invadir o tabuleiro, então ficou muito ruim até criarem a Resex. No Jacaré, desovam 32 tartarugas. Segundo os agentes, em 2001 desovaram 24 tartarugas e 140 tracajás, em 2000, haviam desovado 34 tartarugas e 130 tracajás. O período de boiadouro para iaçá e tracajá é em junho e a desova destes ocorre em julho/agosto, já as tartarugas desovam em agosto/setembro. O tabuleiro do Ati também pertence à área do seringal Pupunha, sendo manejado pela comunidade do Roque, que fica distante da margem do Juruá (tem de entrar em um lago e caminhar uma hora na mata de várzea até chegar à comunidade). Esse tabuleiro é o que detém, hoje, a maior produção, cerca de 280 covas de tartaruga. O Manariã é o segundo mais produtivo, entretanto é manejado por uma só família. O terceiro em produção é o Mandioca, seguido do Gumo do Facão ou do Bauana. No Marari, desovam mais tracajás. A Tabela 4 apresenta as coordenadas e informações sobre os tabuleiros. O tabuleiro Deus é Pai já foi o mais produtivo na área do antigo seringal Pão, todavia, houve o encalhe de uma balsa com 8.000 sacos de farinha e a movimentação das máquinas para desencalhar a balsa e a dragagem da praia espantaram as tartarugas. Hoje, a presença de gado na praia também prejudica. No Jacaré, Manariã e Deus é Pai, os agentes de praia usavam o capitari (macho da tartaruga) preso em um cercado como “indez” ou 462 73 “chama”. A seguir, apresentamos fotos mostrando a reprodução de aves nos tabuleiros da Resex (Figura 9) Tabela 6. Taxa Interna de Retorno (TIR) e Tempo de Recuperação de Capital (TRC). Preço de venda (R$/kg) 4,00 5,00 6,00 7,00 8,00 Períodos de Cultivo 12 meses 24 meses 36 meses 45 meses TIR TCR (%) (ano) TIR (%) TCR (ano) TIR (%) TCR (ano) TIR (%) TCR (ano) --10 33 59 84 15 35 52 67 82 10 4 4 2 2 24 37 49 60 69 6 3 3 3 3 9 20 29 37 44 8 4 4 4 4 --8 6 4 3 No teste de sensibilidade a diferentes preços de venda, que dá segurança e poder de barganha ao produtor para enfrentar quaisquer oscilações de mercado, observa-se que o cultivo realizado em um período de 36 meses apresentou melhor desempenho que os demais, com TIRs acima da taxa de atratividade, a partir de R$4,00/kg, como preço de venda. Caso o criador venda o seu produto a R$4,00 o quilo, em dois cultivos (6 anos), ele recupera o capital investido. A partir de R$5,00/kg, o tempo de recuperação de capital será de 3 anos. 74 461 Tabela 5. Composição do custo operacional total da criação de tartaruga sob diferentes ciclos de produção. Na mesma época da nidificação dos quelônios, os tabuleiros também são brindados com muitas aves reproduzindo nas praias como corta água, gaivotas e bacurau. Os filhotes lutam pela sobrevivência quando não são assados pelo sol abrasador ou servem de alimento para os jacarés, mucuras etc. Períodos de Cultivo Discriminação Filhotes Ração Mão-de-obra Encargos sociais Administração e logística Manutenção Depreciação Juros de custeio Custo operacional total 12 meses (%) 32,61 53,96 0,88 0,68 4,49 1,63 1,63 4,12 100 24 meses (%) 20,04 61,52 1,08 0,84 4,28 2,02 2,02 8,20 100 36 meses (%) 12,16 66,75 0,98 0,76 4,14 1,84 1,84 11,53 100 45 meses (%) 8,61 67,02 0,87 0,67 4,14 1,66 1,66 15,37 100 Na Tabela 6, são apresentadas as taxas internas de retorno (TIRs) e tempos de recuperação do capital (TRCs). Foi considerada como taxa de atratividade a de 15% a.a., que seria um excelente ganho líquido (abatidos os impostos e taxas) para aplicações no mercado de capitais. Para que o investidor faça a opção de aplicar no agronegócio, a TIR a ser obtida deverá ser duas vezes superior à taxa de atratividade, no mínimo. Os ovos do corta-água e gaivotas são tão camuflados que são confundidos com a coloração da área nos tabuleiros. Os filhotes também possuem uma pelagem inicial muito parecida com a areia da praia. São estratégias dos animais para se livrarem dos predadores. Os tabuleiros já estão também fazendo um controle da ovoposição das aves e também das iguanas que desovam em grande quantidade, em algumas praias. 460 75 Tabela 4: Informações sobre tabuleiros e localidades referenciais na Resex Médio Juruá. Tabuleiro/ localidade Pupunha (Jacaré) Coordenadas 5º8’51” S; 67º7’35”W à 1 .500 m de Nova Esperança (5º5’29”S; 67º10’5” W; alt.=74m) Ati 5º10’57”S; 67º11’45”W Porto do Roque 5º6’13”S; 67º11’59”W Gumo do facão 5º4’33”S; 66º53’42”W - alt.=74m Bauana 5º25’18.7’’S; 67º’17’12’’W Deus é Pai 5º42’44”S e 67º35’72”W-alt=64 m Bom Jesus 5º22’37.9’’S; 67º12’55”W Mari-Mari 5º45’94”S e 67º45’04”W-alt.=68m Manariã 5º28’15”0S; 67º28’31”W-alt.=68 m Monte5º53’70”S e 67º56’52”W-alt.=74m Carmelo (Pau Furado) Itanga 5º45’48’’S; 67º49’56’’W - alt.=77m Mandioca 5º59’86”S e 67º58’55”W - alt.=73m Nº de famílias (nº hab.) 27 (168) Tabela 4. Parâmetros econômicos após 45 meses de cultivo de tartaruga, ao preço médio de venda de R$6,00. Períodos de Cultivo Discriminação Praia 59 (298) 21(110) 18(117) 3 (11) 22(143) 3(15) 5(18) 9 (18) 13(67) 14(77) O IBDF/Ibama administrava os tabuleiros dando para os agentes rancho e combustível. No começo, eles não tinham motor, depois conseguiram comprar motores tipo rabeta (apenas dois ou três ainda não têm). Quando foi criada a Resex, o CNPT passou a pagar um salário para duas pessoas (nesse período, contribuíram para os trabalhos o Conselho Nacional de Seringueiros e o Greenpeace). Hoje, os tabuleiros são administrados por associações da Resex, como a Asproc (Associação dos Produtores Rurais de Carauari), que paga R$ 200,00 para duas pessoas e fornece dez litros de gasolina, durante seis meses. Ao todo, 27 famílias de agentes são beneficiadas diretamente pelo recurso, embora em 2001 todos os agentes tenham reclamado do atraso e no pagamento incompleto (só R$ 50,00 em dinheiro e R$ 50,00 de rancho/pessoa). Os recursos são provenientes de um projeto junto ao BNDS, coordenado pela Asproc. Em maio foram liberados R$ 14.400,00 para pagamento 76 O capital de giro necessário para a condução do criatório em quaisquer dos períodos de cultivo é apresentado na Tabela 4. 1 Rendimento (kg/ha) 2 Preço médio de venda (R$/kg) Custo Operacional Efetivo (R$/kg) 3 4 Custo Operacional Total (R$/kg) 5 Custo Total de produção (R$/kg) (2 - 3) Renda Líquida I (R$/kg) (2 - 4) Renda Líquida II (R$/kg) (2 - 5) Renda Líquida III (R$/kg) *Rentabilidade (%) **Lucratividade (%) Capital de Giro/Custeio (R$/ha) (1X3) 12 meses 24 meses 36 meses 45 meses 8.085 6,00 3,57 3,79 3,99 2,43 2,21 2,01 68,06 36,83 28.863,00 16.755 6,00 2,66 2,96 3,23 3,34 3,04 2,77 125,56 50,67 44.568,00 30.250 6,00 2,36 2,72 2,94 3,64 3,28 3,06 154,24 54,66 71.246,00 41.230 6,00 2,34 2,82 3,04 3,66 3,18 2,96 156,41 53,00 96.478,00 *Rentabilidade = renda líquida I / custo operacional efetivo. **Lucratividade = renda líquida II / preço médio de venda. A Tabela 5 mostra a composição percentual do custo operacional total para diferentes períodos de cultivo de tartaruga, em área de 1 hectare, com densidade de 5 mil unidades. Ressalta-se que em todos os períodos estudados o item ração desponta como o de maior relevância, o que é comum em todos os criatórios de monogástricos. 459 A duração do ciclo de cultivo deve ser aquela em que se produza a tartaruga com o maior ganho de peso, pelo menor custo total, para a obtenção de maior renda líquida por quilo de tartaruga produzida. Quanto ao preço de venda, maior fator de competição de mercado, o da tartaruga produzida em cativeiro deve ser bem inferior aos praticados no mercado marginal, para que possa haver competitividade. Para fugir da comparação entre o tamanho de tartarugas provenientes do comércio marginal e de cativeiro, estas, preferencialmente, devem ser comercializadas abatidas, com cortes selecionados, permitindo agregação de valor ao produto. Os investimentos fixos para a criação de tartarugas são da ordem de R$25.000,00/ha, conforme a Tabela 3. Tabela 3. Investimentos fixos. Discriminação Unidade Quantidade Valor Unitário (R$) Valor Total (R$) Construção Civil Movimentação de terra Monge Cerca de proteção m³ u m 10.000 1 400 2,15 1.500,00 5,00 21,500,00 1.500,00 2.000,00 Total --- --- --- 25.000,00 As tartarugas produzidas com 36 meses de cultivo apresentaram melhores resultados quanto ao custo total de produção, renda líquida e lucratividade, se comparadas com as produzidas nos demais períodos de cultivo estudados. A rentabilidade, mesmo inferior à alcançada com a produção de tartaruga após 45 meses de cultivo, é excelente, pois para cada real aplicado na produção de 1,0 kg de peso vivo houve um ganho de R$1,54, conforme a Tabela 4. 458 dos agentes. A Asproc também faz o escoamento dos principais produtos agrícolas da Resex: farinha e banana (atualmente, prejudicada pelo mal da Sigatoga Negra). Em 2003 o projeto de preservação dos tabuleiros teve financiamento do Ministério do Meio Ambiente – MMA, através de um trabalho técnico proposto pela Asproc, sendo as atividades coordenadas por um membro da diretoria da associação, que atuou como coordenador do projeto, e por um técnico do Ibama, lotado na Resex do Médio Juruá, Manoel Cruz “Manoelzinho” e Aldízio Lima, respectivamente. Esse projeto previa auxílio para os vigias na forma de alimentação, a cada mês, recursos para viagens de monitoramento mensal das atividades dos vigias e compra de equipamentos para a implementação das ações de preservação dos quelônios. O trabalho de vigilância dos tabuleiros é realizado pelos ribeirinhos, através da construção de uma base (normalmente uma casa de madeira coberta de palha) na margem oposta do rio onde está localizado o tabuleiro, dessa forma, os vigias possuem uma base para que possam permanecer durante o dia e a noite. O trabalho de preservação consiste na vigilância dos tabuleiros para evitar a invasão por estranhos para a retirada de ovos e a coleta de animais desovando, a marcação das covas dos animais para o controle do número que desova em cada praia, e o controle da data de eclosão dos filhotes. Também é realizado através de fichas: o controle do número de animais que desovaram nas praias, o número de filhotes que nasceram e que morreram e os ovos não eclodidos. De 2004 a 2006, foi realizado um projeto na Resex Médio Juruá pela Ufam e CNPT-Ibama, com recursos da Fapeam, para estudar parâmetros de dinâmica populacional de tartaruga (Podocnemis expansa), tracajá (Podocnemis unifilis) e iaçá (Podocnemis sextuberculata) 77 da região do Médio rio Juruá/AM, através de manejo extensivo de ovos, filhotes e adultos, por comunidade. Utilizou-se capturamarcação-recaptura, com armadilhas/redes em diferentes microambientes e próximas às áreas de nidificação. Os quelônios foram marcados com perfuração de carapaça (Figura 10). Tabela 2. Parâmetros zootécnicos de tartarugas de diferentes cultivos. Parâmetros Tempo de cultivo (em meses) Densidade de cultivo (tartaruga/ha) Conversão alimentar Comprimento de carapaça (cm) Largura de carapaça (cm) Peso médio (g) Produção/unidade de área (kg/ha) Trabalho Cultivos Comerciais 45 5.000 2,56:1 44,00 37,50 8.480 41.230 66 5.000 14:1 29,56 24,85 2.660 13.300 Observou-se também, após sexagem, que 17,41% dos exemplares eram machos e 82,59%, fêmeas; os pesos médios para machos e fêmeas foram 4,63 e 8,84 kg, respectivamente. Diante dessa constatação, o interessante, quando possível, seria realizar a sexagem antes do povoamento do viveiro de engorda, optando-se pela criação de fêmeas. Neste caso, os machos deveriam ser destinados à reprodução ou ao comércio ornamental. Figura 10: Captura de quelônios com rede trammel-net no sacado do Mari-Mari – Resex Médio Juruá, biometria, marcação, soltura e aplicação de questionários. Fotos: C.Dias A.Jr. (2005). A análise dos dados econômicos deve ser focada no mercado existente para tartaruga, mesmo que ilegal, e no risco inerente à atividade, comum a todas as outras do ramo zootécnico, quando praticadas em cultivos de longa duração. Atualmente, o mercado demanda tartarugas vivas com peso vivo acima de 15 kg (preferencialmente) e paga de R$12,00 a R$15,00 o quilo, dependendo da época do ano. Quanto aos riscos, aconselha-se não estender por muitos anos o tempo de cultivo para que o produtor não seja surpreendido por eventualidades, tais como: parasitas, doenças, fugas, roubo, etc. Além disso, em qualquer atividade econômica, quanto menor o tempo do giro do capital empregado mais saudável é o negócio. Foram aplicados 45 questionários em nove comunidades na Resex Médio Juruá. Foram identificadas oito espécies de quelônios: Podocnemis expansa (16%), P. 78 457 instalações e tempo de duração completamente diferentes aos deste estudo. Entretanto, as comparações serão realizadas com resultados obtidos em cultivos comerciais, acompanhados pelo Ibama. Os resultados observados sobre o desempenho zootécnico são apresentados na Tabela 1. Tabela 1: Desempenho zootécnico de tartaruga, após 45 meses de cultivo. Carapaça Peso Tempo de Cultivo Comprimento Largura médio (g) (cm) (meses) (cm) Início 12 meses 24 meses 36 meses 45 meses 13,30 23,15 37,48 42,00 44,00 12,50 20,30 31,92 35,00 37,50 234 1.853 3.609 6.338 8.480 Biomassa Biomassa final inicial (kg) (kg) 209,66 209,66 1.658,44 3.230,06 5.690,41 --1658,44 3230,06 5690,41 7589,15 Conversão Ração Ganho de Produção/Unidade Consumida Alimenar de Área Biomassa (kg) (kg/ha) (kg) --1.448,78 3.020,40 5.480,75 7.379,90 --8.085 16.755 30.250 41.230 --3.188 6.834 13.083 18.875 --2,20 2,26 2,39 2,56 Esses resultados foram consideravelmente superiores quando cotejados com os obtidos da análise dos cultivos comerciais, registrados no Relatório Final 98-2000 do projeto: Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas – Ufam/Ibama, conforme a Tabela 2. 456 unifilis (16%), P. sextuberculata (16%), Peltocephalus dumerilianus (4%), R. punctularia (11%), G. denticulata (16%), G. carbonaria (5%) e C. fimbriatus (16%). Os comunitários informaram que os quelônios alimentavam-se principalmente de flores (21%), frutos (17%), sementes (17%), insetos (15%) e peixes (13%). No Médio Juruá, as principais espécies consumidas são P. unifilis (tracajá) 31%, P. expansa (tartaruga) 26%, Geochelone spp. (jabuti) 17% e P. sextuberculata (iaçá) 16%. Cerca de 28% dos moradores utiliza a gordura de quelônios como remédio (Nascimento & Andrade, 2005). Os apetrechos mais utilizados na “pescaria” de quelônios no Médio Juruá são a malhadeira, o arrastão, o arpão e o jaticá (40%). No Médio Juruá, o tracajá custa R$ 18,12 ± 5,9, a tartaruga R$ 90,0 ± 40,8, o iaçá R$ 3,75 ± 2,6 e o jabuti R$ 10,87 ± 5,3. Há maior abundância de iaçás (Podocnemis sexturbeculata) na Resex Médio Juruá (59%). O período com maior número de capturas é à tarde. No fim da tarde e à noite, foram os momentos de captura dos animais maiores em comprimento e peso. No período de cheia dos rios os quelônios concentram-se nos lagos e na floresta alagada, pela maior oferta de alimentos e proteção contra predadores. Os aparelhos de pesca de maior eficiência para tracajás e iaçás foram as caçoeiras, dos comunitários. E, para as tartarugas, as malhadeiras. A comunidade Bom Jesus mostrou maior quantidade de cascos utilizados em casas de farinha (para tirar a massa) e em residências. Os cascos mais utilizados são os de iaçá, talvez por serem quelônios em maior abundância na região, uma vez que os comunitários preferem utilizar cascos de tracajá por serem médios. O maior pico de desova do iaçá ocorre no período de julho e agosto. A tartaruga e o tracajá apresentam seu período de desova nos meses de agosto e setembro. Os maiores tabuleiros: Deus é Pai, Ati (Roque) e Monte 79 Carmelo. As médias de ovos por ninhos: tartaruga=122,5 ovos; tracajá=27,4 ovos; iaçá=7,9 ovos; cabeçudo=5 ovos; jabuti=8,8 ovos; matá-matá=12,5 ovos (Nascimento & Andrade, 2005). Os maiores quelônios foram capturados na seca. Na cheia, o peso de animais capturados foi: tartaruga=1.652,32 1.619,81g, idade=3,68 0,98 anos (100% fêmeas), tracajás=2.413,27 1.696,14 e idade= 6,25 1,95 anos (9,09% fêmeas), iaçás=637,58 535,32 g e idade=2,91 1,25 anos (43,32% fêmeas). Na seca: tartaruga=4.355 7.635 g, idade=6,78 8,76 anos (máximo=30 anos) e 81,12% fêmeas, tracajás=2.018 2.703,6g, idade=2,63 2,13 anos e 84,05% fêmeas; e iaçá=612,1 324,2g, idade=5 1,5 anos e 65% fêmeas. O crescimento médio de iaçás na natureza, com base na recaptura de animais marcados, foi de 0,10 ± 0,95 g/dia (Almeida Jr. & Andrade, 2006). A.3) Baixo Juruá: tabuleiros de Joanico, Renascença, Antonina e Botafogo, em Juruá/AM O município do Juruá (antigo Caetaú) possui tabuleiros comunitários tradicionais como o da Antonina e Botafogo e tabuleiros estabelecidos graças aos esforços da prefeitura daquela cidade, através do sr. Tabira Ramos Dias Ferreira. O tabuleiro do Joanico teve um trabalho de conservação iniciado em 1983, sendo conduzido nos períodos de 1983 a 1988 e de 1996 até hoje. São realizados trabalhos de proteção com o objetivo de manter o recurso quelônio e recuperar as populações de tartarugas, tracajás e iaçás do rio Juruá. Através da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo (criada em 1996) e de 36 agentes ambientais voluntários são realizados os trabalhos de conservação. O tabuleiro do Joanico mede 2.600 m x 200 m. O boiador acontece da seguinte forma: 2ª quinzena de 80 Determinação do sexo A determinação do sexo foi realizada de acordo com a metodologia descrita por Ibama (2001): · Macho: apresenta a cauda mais espessa e comprida, com a cloaca mais próxima da extremidade, e tamanho corporal menor quando comparado ao da fêmea de mesma idade. · Fêmea: tem a cauda mais curta e menos espessa enquanto a cloaca se localiza intermediariamente entre a base e a extremidade da cauda. Análise de viabilidade econômica A análise de viabilidade econômica seguiu a metodologia adotada por Martin et al. (1995), Scorvo Filho et al. (1998) e Melo et al. (2001), na determinação de custos de produção, rendas líquidas, receitas, taxas internas de retorno (TIRs) e tempo de recuperação de capital (TRC), para diferentes sistemas de produção e preços de venda. Resultados Pela amplitude temporal do trabalho (45 meses) e o seu pioneirismo, torna-se impraticável a comparação dos resultados obtidos com os disponíveis na literatura para a mesma espécie, visto que eles foram realizados sob condições de manejo alimentar, 455 Manejo alimentar As tartarugas, nos primeiros treze meses de cultivo, foram alimentadas duas vezes ao dia, às 11:00 e às 15:00h, sempre que possível com ração comercial extrusada, recomendada para alimentação de peixes onívoros, contendo 34% de proteína bruta e a taxa de alimentação diária, nesse período, foi de no máximo 1,5% da biomassa inicial do viveiro. Na segunda fase (13 a 45 meses), as tartarugas foram alimentadas uma única vez ao dia, sempre às 15 horas, com dieta à base de ração extrusada contendo 24% de PB e a taxa diária de alimentação de, no máximo, 1,0% da biomassa do viveiro, observada no início dessa fase. O fornecimento diário de rações obedeceu ao consumo espontâneo das tartarugas, limitando-se, no máximo, às taxas citadas anteriormente. Observou-se que nos dias nublados e de temperaturas mais amenas as tartarugas ingeriam menores quantidades de ração. junho – iaçás; 2ª quinzena de julho – tracajás; 1ª quinzena de agosto – tartarugas. O período de desova vai de julho a setembro (julhoagosto, as iaçás; agosto-setembro, tracajás e tartarugas). As iaçás põem de quatro a nove ovos, os tracajás de 20 a 25, podendo chegar a 36 ovos, e as tartarugas podem colocar de 120 a 230 ovos. Em 2001 foram marcadas 195 covas de tartaruga e 165 de tracajá. No tabuleiro Renascença, próximo ao Joanico, o agente registrou três covas de tartaruga e 120 de tracajá. Os principais predadores de ovos são: jacuraru, camaleão, urubu, gavião-de-bico-vermelho; os predadores de filhotes são: urubu, gaivota, jacaré, gavião e peixes lisos (bagres). A eclosão ocorre de outubro a novembro e os agentes estimam como período de incubação: 60 dias para a tartaruga e o tracajá e 90 dias para as iaçás (informações dos agentes). Biometrias Durante todo o cultivo (45 meses), a cada período de 4 meses foram realizadas avaliações biométricas utilizando-se uma amostra de 10% do lote, com o objetivo de avaliar o desenvolvimento corporal, ganho de peso, conversão alimentar do período e a presença de ectoparasitas. Figura 11: Equipe do tabuleiro do Joanico, Juruá/AM, 2001. Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.M.). O trabalho no Joanico consistiu em piquetear as covas de tartaruga e tracajá, coletar filhotes e soltar no rio ou nos lagos. Em 2001, pela primeira vez, foram utilizados oito berçários de 1,5 m x 1,5 m x 1,5 m, de madeira, telado com sombrite. Antes, trabalhava só um agente de praia, o sr. José de Nascimento Santana. Nos últimos anos tem trabalhado uma equipe de fiscalização: 454 81 Coordenador/Secretário de Meio Ambiente e Turismo: 1º Sargento PM Francisco Jesus Barbosa de Souza; Agentes Ambientais Voluntários: GM Enéas Pereira da Silva; GM Damião Cavalcante Oliveira; GM José Ilson Gomes da Silva; GM Luís Carlos Gomes Ribeiro; GM Francisco Roberto Mesquita Cabral; GM Francisco Deusimar da Silva; GM Antônio Israel de Araújo Filho; GM Wagner Pedrosa da Silva Júnior; Antônio Maximiniano Mendonça de Brito (Jabuti), agente de praia do tabuleiro da Renascença/Boca do Breu. A fiscalização começa em junho (saída dos quelônios dos lagos de alimentação) e vai até o final de setembro. É feita em barcos ou voadeiras e através de denúncias. Em 1999, a pressão sobre os quelônios era grande pelos pescadores vindos de Manacapuru para contrabandear quelônios. A equipe ambiental do Juruá realizou a maior apreensão de quelônios do Brasil, em todos os tempos. Foram 44.000 animais apreendidos em oito barcos de Manacapuru, no ano de 1999, sem nenhuma participação do Ibama. Os animais foram colocados em uma balsa na frente da cidade, para que a população visse e, então, soltos no rio Juruá. Algumas pessoas choravam na multidão ao presenciarem a cena com muitos iaçás já mortos. A.3.1. Tabuleiros de nidificação dos quelônios aquáticos na calha do rio Juruá O maior tabuleiro de quelônios é o tabuleiro do Joanico, localização 3º51'21,0”S; 66º21'59,5”W. É um tradicional tabuleiro com mais de 30 anos de conservação. No passado era controlado por seringueiros e o único indicativo para impor certo respeito eram as bandeiras (bandeira branca indica paz na praia e bandeira vermelha indica perigo, área com grande concentração de ninhos). No ano de 2003, o tabuleiro tinha 1,7 km de praias com largura de 320m na calha do 82 Solo e clima As condições edafoclimáticas predominantes na área são: latossolo amarelo, textura muito argilosa, precipitação pluviométrica anual de 2.400 mm, média de umidade relativa do ar de 88%, temperatura média anual de 26,5°C, média diária de brilho solar de 5,4 horas, velocidade média do vento de 0,7 m/s e altitude de 50 m acima do nível do mar. Tartarugas Foram utilizadas, na fase de engorda, 896 tartarugas oriundas da Reserva Biológica do Abufari-Tapauá/AM. As tartarugas passaram por um período pré-experimental de dez meses na Embrapa Amazônia Ocidental, sendo transferidas para dar início à Unidade de Observação. Foram coletados os seguintes dados biométricos: 1) carapaça: comprimento: 13,30 cm, 12,50 cm de largura; 2) plastrão: 10,15 cm de comprimento e 10,10 cm de largura; 3) peso vivo médio: 234 g. Preparo e povoamento do viveiro Após uma semana de exposição aos raios solares, aconteceu a limpeza do fundo e das laterais do viveiro, deixando-o livre de restos vegetais, materiais de construção, vidros, plásticos etc. Em seguida, realizou-se o abastecimento do viveiro e o seu povoamento, obedecendo à densidade de 1 tartaruga/2m² de área inundada (5.000 tartarugas/ha). 453 O agronegócio amazônico, que apresenta reduzidas opções de sistemas de produção animal sustentáveis, tem, com este trabalho realizado pela Embrapa Amazônia Ocidental e seus parceiros, ampliado o seu leque de alternativas. Objetivos Disponibilizar um sistema de produção de tartaruga-daamazônia técnica e economicamente viável, como uma nova opção ao agronegócio amazônico. Disponibilizar informações técnicas que, entre outros fatores, permitam aumentar a oferta de tartaruga para atender à demanda existente, diminuindo a pressão do extrativismo e proporcionando o estabelecimento de políticas ambientais voltadas para a conservação e a recuperação do estoque natural. rio Juruá. Naquele mesmo ano, desovaram 251 tracajás (P. unifilis), 63 tartarugas-da-amazônia (P. expansa), centenas de aves que encontraram no tabuleiro de Juanico um raro lugar seguro para fazer seus ninhos, e as incontáveis iaçás (P. sextuberculata) lá nidificaram. O tabuleiro de Joanico é a grande prova de que a vida explode do calor do solo quando não é interrompida pela ganância humana. Nos tabuleiros protegidos nos impressionou a abundância de pássaros nidificando, ocorrendo principalmente gaivota (Phaetusa simplex e Sterna superciliaris), corta-água (Rynchops nigra), maçarico (Charadrius collaris e Vanellus cayanus ) e bacurau (Chordeiles rupestris). As praias protegidas ficam tomadas pelas aves aquáticas e seus ninhos, provocando grande algazarra à medida que chegávamos perto, tentando defendê-los, dando rasantes em nossas cabeças e na dos predadores que ousam se aproximar. Materiais e métodos Os estudos foram realizados em propriedade particular parceira da Embrapa Amazônia Ocidental, para a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento, desde 1994, localizada no município de Rio Preto da Eva-AM, cuja atividade principal é a piscicultura intensiva. A implantação da Unidade de Observação (UO) foi em 1/7/1999 e o período de coleta de dados foi de 45 meses, utilizando um viveiro escavado em argila com área de 1.792 m2 com cerca de contenção (distante 2 metros do corpo d'água), de tela (sarão), com altura de 80 cm e enterrada 20 cm. O viveiro recebe água por gravidade originária de igarapé de água preta, ácida (pH 5), que apresenta baixa fertilidade natural. A renovação diária de água no viveiro é da ordem de 2,5%. Figura 12: Filhotes de trinta-réis (Phaetusa simplex). Fonte: Paulo Henrique Oliveira. A.3.2. Pressão de caça e predação Detectamos algumas dezenas de praias, ao longo do caminho, que pareciam desertas, inteiramente desabitadas e predadas, vítimas da intensa predação, como a retirada de ovos das aves aquáticas e dos 452 83 quelônios, arrastões na margem das praias e coleta das fêmeas no ato da postura. Os iaçás (P. sextuberculata) e tracajás (P. unifilis), que ocorrem em maior freqüência, são os mais coletados. A preferência alimentar pelas famílias usuárias da Resex do Baixo Juruá são, respectivamente: tracajá (Podocnemis unifilis), tartaruga (Podocnemis expansa), Jabuti-amarelo (Geochelone denticulata), iaçá (Podocnemis sextuberculata), tartaruga de igapó (Phrynops raniceps) e matá-matá (Chelus fimbriatus). Os subprodutos utilizados na medicina tradicional são: banha da tartaruga – para confecção de creme para a pele e o cabelo, rendidura e dor muscular; chá da escama da carapaça do jabuti – para tosse, asma e assadura. Se o paciente for homem tem que ser de jabuti fêmea e vice-versa; chá da escama assada da carapaça do matá-matá – para assadura; carapaça – capitari, fêmea do tracajá e iaçá e zé-prego -- é usada como comedouro p/ animais domésticos e principalmente para remover a massa de mandioca, para o forno, na casa de farinha. As espécies mais comercializadas na cidade de Juruá e na Resex são: tracajá R$ 25-30,00, tartaruga R$ 200,00 ou R$ 4,00 o quilo, iaçá R$ 5-6,00. Existem muitos regatões na margem do rio Juruá navegando em chalanas. Eles transportam os quelônios para comercializar nas cidades de Juruá, Fonte Boa, Tefé, Manacapuru e Manaus-AM. Muitos comunitários também levam, há comércio nas comunidades, mas não é tão intenso quanto na cidade. ¹Rendidura – hérnia escrotal; ²Capitari – macho da tartaruga; ³Zé-prego – macho do tracajá; 84 Capítulo 13: Cultivo de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa): alternativa ecológica, técnica e econômica ao agronegócio amazônico Luiz Antelmo Silva Melo Antônio Cláudio Uchôa Izel Maria das Graça Hossaine-Lima Agenor Vicente da Silva Paulo Cesar Machado Andrade Introdução O hábito alimentar arraigado de consumir carnes de animais silvestres nativos da região é inerente ao amazônida, pois seus ancestrais já o praticavam. Dentre as espécies mais apreciadas por essa população, destaca-se a tartaruga-da-amazônia, devido às excelentes características organolépticas de suas partes comestíveis, o que levou a espécie ao risco de extinção. Considerando a conhecida dificuldade de mudança de hábito alimentar de uma população, assim como a necessidade de preservação da espécie e de recuperação do estoque natural, pode-se afirmar que a criação comercial de tartaruga é uma alternativa potencial para atender diversas situações. ¹ Os dados apresentados neste trabalho são oriundos da publicação Criacão de tartaruga-da-amazônia (Podcnemis expansa). 14 p., 2003. (Embrapa, Amazônia ²Ocidental. Documentos, 26). ³Engenheiro-Agrônomo M.Sc. – Embrapa Amazônia Ocidental. 4 Zootecnista M.Sc. – Embrapa Amazônia Ocidental. 4 Bióloga M.Sc. – Seduc/AM. 5 Biólogo B.Sc. – Ibama/AM. 6 Engenheiro-Agrônomo M.Sc. – Ibama/AM 451 instituições de pesquisas, extensão rural, vigilância sanitária, consumidores, mercado, etc., visando propiciar o desenvolvimento da criação de quelônios, em cativeiro, na região. Espera-se, também, a efetiva e necessária organização da cadeia produtiva, principalmente, através dos itens: a) colocação do produto no mercado; b) propaganda e marketing; c) construção de abatedouro licenciado pela inspeção federal; d) definição das formas de comercialização e abate; e) agroindústria agregada ao abate para fabricação de cosméticos, farmacoterápicos e peças de artesanato. Tudo isto, entretanto, deverá estar associado à manifestação real de interesse e ao firme propósito dos possíveis órgãos fomentadores do setor primário no Estado (Governo, Basa, Suframa-Distrito Agropecuário). Hoje, podemos dizer que já existe uma tecnologia de produção e, principalmente, um volume muito grande de produto para ser colocado no mercado (estima-se hoje, no Amazonas, cerca de 600.000 animais em cativeiro, dos quais 100.000 já estariam em ponto de abate), faltando acertar detalhes da cadeia para que a atividade rentável e viável seja uma alternativa produtiva para o Norte do país. Em 2005, os criadores do Amazonas, conseguiram vencer um dos entraves na cadeia produtiva que era, justamente, a comercialização, direta e em escala, de seu produto. Em função da organização dos criadores em uma associação, e do fomento da agência de agronegócios do Estado, a maior parte do plantel produtivo dos criadores pioneiros (1995 e 1996) já foi comercializada com o animal vivo em feiras, em 2005 e 2006, garantindo o retorno do investimento com alta rentabilidade (375,4%), em que o custo de produção médio foi de R$2,93/kg em peso vivo e receita com a venda de R$11,00/kg. A média de peso dos animais comercializados subiu para R$7,8±5,5 kg, com animais de 5 a 7 anos, o que demonstra um avanço, também, na adoção das técnicas de manejo e alimentação disseminadas pela Ufam desde 1997. 450 Figura13: Tracajá (P. unifilis) sendo comercializado na cidade de Juruá. Fonte: P.H. Oliveira. É freqüente o encontro com vários barcos peixeiros na calha do rio Juruá, sempre acompanhados por muitas canoas e cheios de caixas de isopor. Nas margens do rio observamos outras várias caixas de isopor dispostas nos portos das casas. Não há controle do fluxo de embarcações que navegam o rio Juruá. Com trânsito livre, a região fica vulnerável e grande parte dos recursos da região é retirada. Alguns exemplos que mostram o grau de predação: no ano de 1999, a polícia de Juruá prendeu oito barcos que, juntos, transportavam cerca de 44.000 quelônios e dois meses depois, mais 800 indivíduos. Por informações dos comunitários, sabe-se que no ano de 2002 passaram 8.000 animais para o município de Alvarães, pelo Igarapé do Breu. São vários os predadores de quelônios encontrados nos tabuleiros do rio Juruá na época da desova dos quelônios. Predadores de ovos: homem, jacuraru (Tupinambis sp.), mucura (Didelphis marsupialis), gavião-preto (Buteogallus urubitinga), urubu (Coragyps atratus), paquinha (Orthoptera, Gryllotalpidae), macaco-prego (Cebus apella). Predadores de filhotes: bagres em geral e aruanã (Osteoglossum sp.), piranha (Pygocentrus nattereri), pirarara ( Phractocephalus hemioliopterus ), jacaré ( Caiman crocodylus e Melanosuchus niger), corta-água (Rynchops nigra), 85 gaivota (Phaetusa simplex), gavião-preto (Buteogallus urubitinga), urubu (Coragyps atratus ), gato-maracajá (Leopardus wiedii). Relato da sra. Raimunda – comunidade do Socó: “O tracajá aumentou, mas o iaçá diminuiu, os bichos de casco estão diminuindo, tartaruga nem se vê falar meu irmãozinho”. A.3.3. Envolvimento comunitário Na região do Baixo Juruá, somente quatro praias possuem um histórico de conservação: Tabuleiros de Joanico, Renascença, Antonina e Botafogo. O sistema de vigilância das praias era feito por revezamento entre os comunitários (um fica durante o dia todo e o outro fica à noite). As praias não eram estáveis, todos os anos, devido às correntes do rio e à inundação anual, as praias mudam de forma (altura, largura e, muitas vezes, crateras são criadas ao longo da praia). O sistema de sinalização das praias é herdado dos seringais e tem uma bandeira como um marco indicando que a praia é protegida. As áreas de uso e de conservação da praia eram demarcadas na época de reprodução dos quelônios, usando bandeiras brancas e vermelhas. Foi verificado o prolapso retal em alguns machos de P. expansa separados para a venda (Figura 8). É possível que isso esteja associado à traumatismo causado pela aglomeração dos animais em ambiente seco, por tempo prolongado. A reversão ocorreu em 3 dias. Este comportamento foi observado por Duarte (1998) em alguns filhotes recém-nascidos, com 4 dias de idade (não sexados) na Reserva Biológica do Abufari, em Tapauá, Amazonas. Ele acredita ter sido ocasionado pelo estresse ao manejo de captura e transporte, pelo atrito da cauda dos animais com superfícies rígidas, pela mudança de ambiente, ou por agentes parasitológicos que podem provocar mudança no sistema fisiológico do animal. Figura 8: Prolapso retal verificado em alguns machos de As comunidades Botafogo e Antonina têm um histórico de mais de 15 anos de proteção dos tabuleiros, que eram saqueados por índios da etnia Deni e Culina, no trajeto em direção à cidade de Juruá, para receber benefícos do governo, como aposentadoria. Essa falta de sintonia entre irmãos indígenas e ribeirinhos enfraquecia as ações de conservação dos quelônios aquáticos. A.3.4 Produção nos tabuleiros P. expansa separados para venda. Foto:Duarte, 1998. A expectativa com a criação licenciada e com o mercado pelos queloniocultores, em geral, é que haja uma demanda significativa dos produtos e subprodutos oriundos desses quelônios legalizados, através de um monitoramento envolvendo os queloniocultores, 86 449 Sangue = 3,66 ± 0,79% A produção de filhotes no tabuleiro do Joanico cresceu bastante de 1998 a 2002, como mostra a Tabela 2. Carapaça = 23,11 ± 0,82% Plastrão = 10,54 ± 1,17% Cabeça = 3,94 ± 0,78% Carcaça (dianteiro, traseiro e lombo) = 32,83 ± 9,09% Tabela 5: Estimativa de filhotes nascidos no tabuleiro do Joanico de Ano 1998 Vísceras = 7,96 ± 1,31% Fígado = 1,48 ± 0,29% 1999 Coração = 0,16 ± 0,03% Quartos dianteiros = 15,24 ± 4,15% Quartos traseiros = 17,56 ± 5,01% Rendimento de partes comestíveis (sangue, carne, fígado, rins, pulmão, coração) = 39,62 ± 9,63%. Animais de maior tamanho e peso apresentam maior rendimento de carcaça e partes comestíveis do que animais de categorias menores (maior porcentagem de casco). Este fator pode ser direcionado de acordo com o mercado consumidor. Em alguns animais foram encontrados endoparasitas ao longo do trato gastrointestinal. Eles foram coletados e fixados em lâminas, para posterior identificação. Foram observados nematelmintos (níveis elevados) principalmente no estômago, além de protozoários e bactérias. Não foram encontrados parasitas sangüíneos e nem sanguessugas. 448 2000 2001 2002 Espécie P. expansa P. unifilis P. sextuberculata Total P. expansa P. unifilis P. sextuberculata Total P. expansa P. unifilis P. sextuberculata Total P. expansa P. unifilis P. sextuberculata Total P. expansa P. unifilis P. sextuberculata Total Número Filhotes de soltos ninhos 76 7.618 132 3.571 5.210 52.101 5.418 63.290 152 18.496 157 4.782 6.720 67.204 7.029 90.482 158 19.000 160 4.986 7.510 80.753 7828 104.739 170 21.490 170 5.200 8.075 80.735 8.415 107.425 185 27.900 185 6.275 10.050 100.500 10.420 132.225 Fonte: Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Juruá-AM e RANIbama/AM, 2003. O número médio de ovos foi: tartaruga=130 ± 30,8 ovos, tracajás=29,11 ± 1,25 ovos e iaçás=8,33 ± 2,31 ovos (Andrade, 2001). O comprimento médio dos ovos ficou em torno de 40 mm para o tracajá, 40,5 para a iaçá e a circunferência do ovo da tartaruga ficou em torno de 41,5 mm. Quanto à largura: tracajá 28 mm e iaçá 26 mm. 87 O peso médio dos ovos de tartaruga ficou em torno de 37,46 g, tracajá 23,30 g, iaçá 22,40 g. Geralmente o ovo do tracajá é mais pesado que o de iaçá. Essa diferença pode ser pelo número pequeno de amostras dos ninhos. O número médio dos ovos nos ninhos fica em torno de 25-30 ovos (tracajá), 70-130 (tartaruga) e 9-12 (iaçá). A taxa de eclosão foi de 88,56% para Podcnemis expansa, 96,4% para P.unifilis e 92,3% para P. sextuberculata (Andrade, 2001). Foram capturados 1.172 animais, sendo realizada a biometria em 884 animais. Do total, 65% apresentavam-se abaixo do peso mínimo para venda, ou seja: 1,5 kg PV. A distribuição em categoria de peso pode ser observada na Figura 7. Distribuição do peso em relação ao número de indivíduos No. de Indivíduos A.3.5 Tabuleiros comunitários da Resex Baixo Juruá: Botafogo, Antonina e Itaúna A produção dos tabuleiros, dentro do que viria a ser a Resex Baixo Juruá, foi estimada, por Andrade (2001), em 130.011 filhotes (1,30% P. expansa, 6,79% P. unifilis, 91,92% P. sextuberculata). Isso foi equivalente a 65,81% dos filhotes gerados em áreas protegidas no Baixo Juruá (Joanico e Renascença produziram 67.520 filhotes). Observou-se um aumento percentual em relação à participação dos tabuleiros da Resex na produção total do Baixo Juruá, já que em 1995 o tabuleiro de Botafogo colaborou com apenas 13,91% do total produzido (231.902 filhotes de quelônios – 3,4% de tartarugas, 5,16% de tracajás, 91,42% de iaçás) sendo o restante oriundo do Joanico (Andrade, 2001). A Tabela 4 apresenta a produção de filhotes de quelônios em Antonina, Botafogo e Itaúna, em 2001. Indivíduos No tabuleiro de Renascença foram produzidos, em 2001, 273 filhotes de tartaruga (P. expansa), 360 de tracajá (P. unifilis) e 5.441 de iaçá (P. sextuberculata). 700 600 500 400 300 200 100 0 0 -1 kg 1 - 5 kg 5 - 10 kg 10 - 15 kg 20 kg Peso ( kg ) Figura 7. Distribuição, em peso, dos animais analisados pelo Ibama para venda. (Duarte, 1998). Quanto aos parâmetros de carcaça dos animais, foram abatidos 5 de diferentes categorias, que apresentaram os valores de rendimento percentual em relação ao peso corporal em jejum: Tabela 6: Produção de ninhos e filhotes de quelônios em Antonina, Botafogo e Itaúna – Resex Baixo Juruá, 2001. 88 447 espessa, a abertura “cloacal” mais próxima da extremidade final da cauda e sutura média no plastrão em formato em “U” e o tamanho corporal menor se comparado à fêmea. A fêmea tem a cauda mais curta e menos espessa em relação ao macho, a abertura “cloacal” localiza-se medianamente na extremidade da cauda e a base e a sutura médio-ventral no plastrão da fêmea tem formato em “V” e o tamanho corporal é maior do que o macho. Antes de atingir de 2 a 3 anos de idade observou-se que a sutura médio-ventral no plastrão, no macho, apresenta-se em “V” e na fêmea expressa-se em “U”. Estes indicadores invertem-se em animais de 2,5 ± 0,707 anos de idade. Foi aplicado um questionário aos compradores dos animais, no supermercado, visando saber qual a opinião do público em relação ao sabor do animal de cativeiro, o seu tamanho, e o preço por kg do peso vivo, forma de preparo, qual a freqüência de consumir tartaruga, etc. 10.3.1 ANÁLISE DE CARCAÇA DOS ANIMAIS COMERCIALIZADOS Os animais apresentaram, em média, os seguintes valores: Idade: 5,5 anos Comprimento da carapaça: 29,56 cm Largura da carapaça: 24,85 cm Tabuleiro Espécie Antonina Tartaruga (3º23’40”S e 66º4’18”W) Tracajá Botafogo (3º20’8”S e 65º97’30”W) Itaúna (3º1’20”S e 65º54’24”W) Iaçá Tartaruga Tracajá Iaçá Tartaruga Tracajá Iaçá Total Nº de Ninhos 6 70 2600 5 170 9200 2 170 213 12436 Nº Médio de ovos 125133 34 Nº Total de ovos 800 Nº Estimado de filhotes 780 2380 1200 10-11 120140 30 27560 700 26000 660 5100 3400 9-11 110142 26 98924 284 92000 250 4.420 4230 2.130 142394 1491 130011 10 Obs. A área total dos tabuleiros é: Botafogo=3.600 m x 280 m, Antonina= 1.770 m x 150 m e Itaúna= 1.240 m x 239 m. Fonte: Andrade (2001). A Figura 14 e a Tabela 7 mostram a evolução da produção de quelônios nessas áreas da Resex. Observa-se uma tendência gradual de aumento para cada ano de proteção, similar à tendência observada por Andrade et al. (2006) para a Resex do Médio Juruá e demais calhas de rios do Amazonas, onde ocorre o trabalho de proteção, o que significa que poderemos utilizar o modelo proposto para verificar a sustentabilidade das taxas de extração anual. Altura: 12,8 cm Peso: 2,66 kg Porcentagem Sexual: macho 55%; fêmea 45 % 446 89 foi demonstrado neste capítulo e no capítulo 7, deste livro), isto é, reduzindo um pouco sua margem de lucro e melhor estratégia de marketing e venda, os queloniocultores legalizados poderão facilmente estabelecer preços mais competitivos e desbancar, definitivamente, o produto ilegal. Produção de ninhos de quelônios em Botafogo 12000 180 160 10000 8000 120 100 6000 N. Iaçás N.Tracajás/tartarugas 140 80 Tartaruga Tracajá Iaçá 4000 60 40 2000 20 0 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Ano Figura 14: Histórico da produção de ninhos de quelônios no tabuleiro de Botafogo – Resex Médio Juruá. Fonte: Andrade (2001). A queloniocultura, provavelmente, deverá direcionar os produtos e subprodutos em termos de qualidade e/ou quantidade, em função do mercado, pois, historicamente, o hábito alimentar do consumidor, em relação à tartaruga, refere-se (em geral) ao animal com aproximadamente 25 kg PV. Sendo necessário, para isso, um esclarecimento visando uma possível mudança no hábito, assim como a forma de venda dos animais, a estrutura de abate, etc. O empréstimo bancário para a queloniocultura deve ser estudado em função das características da criação e ao período em que atividade trará resposta do investimento, pois a linha de crédito é um dos suportes para o desenvolvimento dessa atividade. Em função dos trabalhos de proteção dos tabuleiros, os comunitários conseguiram aumentar a produção em 3,75 vezes para tartarugas, 4,4 vezes para tracajás e 9,4-17,7 vezes para iaçás, ou seja, um aumento de 1.648% em 12 anos de proteção (19902002). Durante a fase de comercialização, alguns animais deixaram de apresentar, em uma das placas marginais, na parte posterior da carapaça, o lacre plástico identificando que eram provenientes de criadouro licenciado. Eles foram quebrados pelas A.3.6 Monitoramento de quelônios na Resex Baixo Juruá Recomenda-se que os animais sejam inspecionados para consumo humano por terem sido encontrados, na amostra de animais analisados para venda, endoparasitas. Entre 2005 e 2006, o CNPT-Ibama/AM, Ufam e Inpa realizaram, com recursos do Funbio e Arpa, o monitoramento de quelônios para avaliar as populações de Podocnemis na Resex do Baixo Juruá (Figura 15), através da aplicação de 51 questionários, captura e marcação de indivíduos, em que foram obtidos dados biométricos, razão sexual e outras informações sobre a 90 patas posteriores dos animais (Kohashi1). Observou-se que os machos (comercializados) de P. expansa apresentam a cauda mais comprida e espessa, a abertura “cloacal” ¹ Kohashi, Moysés. Administrador. Informação pessoal. 445 A propaganda não deixou claro que os animais eram provenientes de criadouro licenciado. Para uma atividade nova, em termos legais é importante divulgar que os animais são de criadouro licenciado, para dar suporte à queloniocultura regional. Foi detectado (durante as observações dos animais no tanque) que alguns clientes no supermercado, e outras pessoas em conversa pessoal, deduziram, por equívoco, que os animais expostos estavam liberados para venda como se fossem capturados da natureza, sem autorização, como ainda ocorre no estado do Amazonas. O preço relativo pelo qual foi vendida, inicialmente, no supermercado, de R$ 18,00 (US$ 6,00) por kg do peso vivo-PV de tartaruga se comparado às carnes de peixe (tambaqui, cerca de R$ 7,00/kg PV), frango e bovina, foi elevado para um produto amazônico. Existe uma tendência para que esse preço diminua com o aumento do número de animais postos à venda por outros criadouros licenciados. Caso contrário, o preço cobrado tende a comprometer a venda legal, pois a forma de comercialização para alguns possíveis compradores torna-se desinteressante pelo fato de ter que pagar R$ 18,00/kg PV por uma parte do animal que não será consumida (carapaça e plastrão). Além disso, existe o problema da concorrência com o animal de origem ilegal, cujo preço, hoje, está em torno de R$ 300,00 (U$100,00) para um animal com peso médio de 25-30 kg de PV, ou seja, o produto clandestino está saindo cerca de R$ 10-12,00/kg de PV (U$3,33-4,00). Muitos queloniocultores já reduziram seu preço de venda para R$6,00 a R$10,00/kg, ou seja, um preço que concorre com o produto ilegal. Todavia, os custos médios de produção no Amazonas giram em torno de R$1,45 a 2,93 (conforme 444 estrutura populacional dessas espécies. Essas informações subsidiaram o plano de manejo da Resex. O monitoramento contínuo fornecerá – associado aos dados de produção das áreas reprodutivas – elementos sobre a dinâmica dessas populações, o que nos permitirá analisar mais eficientemente os estoques e verificar a sustentabilidade de taxas de desfrute anuais de ovos, filhotes ou animais subadultos. Tabela 7: Histórico da produção de quelônios em praias protegidas na Resex Baixo Juruá. Produção nos tabuleiros da Resex Botafogo Ninhos Ano Tartaruga Tracajá Iaçá 1990 1 25 559 1991 2 52 1.075 1992 3 80 1.613 1993 4 93 2.151 1994 4 110 2.688 1995 4 120 3.175 1996 5 126 3.468 1997 5 134 4.970 1998 5 140 5.161 1999 5 148 5.726 2000 5 155 7.903 2001 5 170 9.892 Antonina Ninhos Ano Tartaruga Tracajá Iaçá 1998 2 35 2.400 1999 3 55 2.752 2000 4 65 2.600 2001 5 70 2.600 Tartaruga 130 265 390 520 530 536 680 680 635 642 640 660 Tartaruga 220 420 662 780 Filhotes Tracajá 500 1.040 1.600 1.860 2.200 2.400 2.520 2.680 2.800 2.960 3.100 3.400 Filhotes Tracajá 860 970 1.100 1.100 Iaçá 5.200 10.000 15.000 20.000 25.000 29.530 32.250 46.220 48.000 53.250 73.500 92.000 Iaçá 24.000 27.520 26.000 26.000 Fonte: Andrade (2001) e Secretaria de Meio Ambiente do Juruá (2002). 91 Figura 6: Colocação do lacre plástico para a venda de quelônios com perfuração da escama caudal da carapaça com auxílio de furadeira elétrica. Foto: Projeto Diagnóstico (P.C.M. Andrade). Figura 15: Locais de monitoramento de quelônios na Resex Baixo Juruá – 2005/2006. A.3.6.1 Informações baseadas nos questionários – espécies de quelônios (habitat, alimentação, reprodução) e sua utilização Os comunitários identificaram dez espécies de quelônios entre os animais mostrados nas pranchas coloridas: Podocnemis expansa (tartaruga), Podocnemis unifilis (tracajá), Podocnemis sextuberculata (iaçá), Peltocephalus dumerilianus (cabeçudo), Rhinoclemmys 92 Após marcados, os animais foram vendidos vivos para um supermercado local, que exibia os animais ao público em um grande aquário, com uma placa com o registro do supermercado como comerciante de produtos da fauna (Portaria nº 117/97) a origem dos animais e o número de registro/autorização do criador. Acompanhou-se, ainda, a venda aos consumidores regionais, no próprio supermercado, que era feita da seguinte forma: o consumidor escolhia o animal, um atendente o capturava no aquário com um puçá e ele era pesado em uma balança digital que fornecia, imediatamente, uma etiqueta com o preço a ser pago. Então o animal era levado em um carrinho de supermercado para ser pago no caixa, sempre com o lacre identificador de sua origem legal. O comportamento dos animais dentro do aquário, no supermercado, era bastante agitado, devido, provavelmente, à climatização interna do supermercado, pois pela observação, a natação era bastante rápida, como se fosse uma forma de “aquecimento” corporal, seguido de algumas mordidas quando os animais submersos tocavam-se. 443 punctularia (perema), Platemys platycephala (jabuti-machado), Geochelone denticulata (jabuti-amarelo), Geochelone carbonaria (jabuti-vermelho), Chelus fimbriatus (matá-matá) e Phrynops raniceps (lalá ou tartaruga-de-igapó). Verificou-se que a designação ou nomenclatura popular é diferenciada de outros locais da Amazônia, pois chamam de perema a Phrynops nasutus , e lalá o Platemys platycephala , tartaruga-de-igapó é a Phrynops raniceps Figura 4: Animal para venda com lacre plástico. Foto: Projeto Diagnóstico (P.C.M. Andrade). A alimentação desses animais é muito variada. Segundo os comunitários, eles alimentam-se de frutos diversos, inflorescências, sementes, animais em putrefação e algas. Os alimentos disponíveis nos lagos e matas alagadas são bem diversificados. Exemplo de frutos de igapó e matas alagadas: abiorana, cajurana, caimbé, castanha, apuí, caxingubu, camucamu, socoró, marajá, muruxi, caimbé, tamaquari, jauari, oxirna, bacuri e castanharana; macrófitas aquáticas e gramíneas: canarana, mururé, mureru, taboca e capimmembeca. No Baixo Juruá, segundo os comunitários, os quelônios alimentam-se de frutos (30,77%), plantas aquáticas (29,59%), sementes (18,93%), peixes (14,79%) e flores (5,92%). Na Resex Médio Juruá, segundo Andrade & Nascimento (2005), os comunitários informaram que os quelônios alimentavam-se principalmente de flores (21%), frutos (17%), sementes (17%), insetos (15%) e peixes (13%). Figura 5: Lacre plástico para venda de quelônios. Foto: Projeto Diagnóstico (P.C.M. Andrade). 442 Observou-se que, para os comunitários, a maioria das espécies vive em rios, lagos, igarapés e cabeceiras (exceção do jabuti que vive na floresta). Essa opinião é similar ao Médio Juruá, onde, segundo os moradores, 66% dos quelônios habitariam em lagos, rios e igarapés (Andrade & Nascimento, 2005). 93 Verificamos que os valores registrados para o número de ovos não diferem significativamente dos encontrados por Andrade (2001) para as principais espécies (tartaruga=130,8 ovos; tracajá=29,11 ovos; e iaçá= 8,33 a 11 ovos). No Médio Juruá, Andrade & Nascimento (2005) registraram as seguintes médias de ovos, por ninhos: tartaruga=122,5 ovos; tracajá=27,4 ovos; iaçá=7,9 ovos; cabeçudo=5 ovos; jabuti=8,8 ovos; matámatá=12,5 ovos. Essas médias foram inferiores às encontradas no Baixo Juruá, principalmente, para os Podocnemis, o que, provavelmente, resulta da influência maior, nessa região, de quelônios do rio Solimões, que são animais muito maiores do que a média dos animais da calha do Juruá (Andrade et al. 1999). No Baixo Juruá, os quelônios preferidos para consumo são os tracajás (43%), jabutis (15%), tartarugas e iaçás (12%), e matamatá (6%). No Médio Juruá, as espécies preferidas são: tracajá (31%), tartaruga (26%), jabuti (17%), iaçá (16%). Verificou-se que nas três regiões da Resex Baixo Juruá o preferido é o tracajá. Em segundo lugar, dependendo da abundância ou não do recurso no local, está a tartaruga. Em locais onde existem poucas tartarugas, a preferência recai sobre o jabuti. O iaçá, apesar de ser o mais abundante, não está entre os três preferidos. Os apetrechos mais utilizados na captura de quelônios são: a malhadeira (28,79%), o arrastão (18,18%), o jaticá (15,15%) e o espinhel (9,09%). Andrade & Nascimento (2005) verificaram que os petrechos mais utilizados na “pescaria” de quelônios no Médio Juruá são a malhadeira, o arrastão, o arpão e o jaticá (40%). deverão receber marcação diferencial com plaquetas de alumínio de 4,0 cm X 1,5 e 2 mm de espessura. Esse material recebe o nome Ibama, numeração seqüencial e registro do criadouro. Na plaqueta são feitos dois furos através dos quais se passarão dois arrebites para a fixação na carapaça do animal. Os furos e a colocação da plaqueta são feitos com o auxílio de furadeira, nas escamas caudais da carapaça. O rendimento de carcaça (dianteiro, traseiro e lombo) foi de 32,83 ± 9,09% em relação ao peso corporal de 2,66 kg obtidos. Isso difere do citado pelo Sebrae(1995), em que 35% do peso corresponde ao casco e 65% à carne e que, ao final de 4 anos, a tartaruga estará com 20 kg, crescimento e rendimento que verificou-se com base em todos os estudos realizados, praticamente impossível de se obter nas atuais condições tecnológicas de criação. Hoje, o tamanho mínimo permitido deve ser esclarecido à população para uma possível mudança no hábito alimentar, pois a tartarugada regional refere-se, em geral, a um animal de tamanho grande. Após a biometria, pesagem e seleção, cada animal com peso, para venda, foi marcado pelo queloniocultor com um lacre oficial (de material plástico), com identificação específica, adquirido no Ibama-AM para ser fixado no escudo posterior da carapaça (Figuras 4, 5 e 6). A Tabela 8 apresenta o preço médio de venda das principais espécies de quelônios, praticada nas comunidades dentro da Resex (35%) e na cidade de ¹Designação gastronômica para o preparo da tartaruga. 94 441 11.3 Comercialização Durante o diagnóstico da criação de quelônios um criador do Puraquequara, Manaus, que recebeu 17.000 animais doados pelo Ibama-AM, desde 1992, realizou a primeira comercialização de tartarugas legalizadas no Amazonas, vendendo, em 17/07/1998, parte dos animais recebidos (Podocnemis expansa), conforme prevê a Portaria nº 070/96 do Ibama, específica para a comercialização de P. expansa e P. unifilis, oriundos de criadouro licenciado. O processo de comercialização dos animais iniciou-se com o queloniocultor, solicitando a liberação do estoque para venda através de vistoria e de parecer técnico favorável do Ibama–AM, bem como o fornecimento dos lacres de identificação para os animais que seriam comercializados. Cada lacre plástico, em cores, que varia a cada lote (verde, vermelho, branco), possui o número de registro do criador, o estado de origem, a sigla Ibama e um número seqüencial. Os lacres são vendidos ao criador a um preço de R$1,10 (aproximadamente U$0,36) a unidade. Após a autorização da venda realizou-se a captura através de redes de pesca (Tipo arrastão). Foi feita a biometria (carapaça e plastrão), a pesagem dos animais em balanças de capacidade de 15 kg e de 50 kg, e posterior seleção dos animais que estavam com peso vivo – P.V. acima de 1,5 kg, ou seja, o peso mínimo para venda, conforme determina a Portaria nº 070/96. Após selecionados, os animais com P.V. inferior a 1,5 kg foram devolvidos à barragem pelos trabalhadores do criadouro. A seleção de 10% dos animais do lote para reprodução do plantel, por ocasião da venda (Portaria nº 142/92), se ainda não foi feita, deverá ser realizada nessa ocasião. As matrizes e reprodutores 440 Juruá (47%). Os ovos de tracajá e iaçá são vendidos de R$ 15,00 a R$ 20,00 o cento. Tabela 8: Preço médio de venda de quelônios e ovos na Resex Baixo Juruá. Espécie (R$) Média DP Máximo Mínimo Tracajá unidade 34,06 8,41 50,00 15,00 Tartaruga unidade 123,33 66,53 200,00 20,00 Tartaruga (kg) 4,29 0,70 5,00 3,00 Iaçá unidade 3,88 1,32 5,00 1,50 Jabuti unidade 15,00 3,54 20,00 10,00 Observou-se que, assim como a carne de mamíferos e aves silvestres, os preços de quelônios no Baixo Juruá são relativamente mais caros quando comparados aos de outras regiões. No Médio Juruá, o tracajá custa R$ 18,12 ± 5,9, a tartaruga R$ 90,0 ± 40,8, o iaçá R$ 3,75 ± 2,6 e o jabuti R$ 10,87 ± 5,3 (Andrade & Nascimento, 2005). Na Resex Baixo Juruá, 41,4% usam a banha de quelônios como remédio e 48,3% usam o casco como pegador ou bacia, para descansar a massa da farinha. Foi relatado que o casco do jabuti torrado, diluído em água e tomado em jejum pela manhã, combate a hemorróida. A banha da tartaruga é usada para bronquite. No Médio Juruá essa utilização como remédio cai para apenas 28% (Andrade & Nascimento, 2005). A.3.6.2 Parâmetros de estrutura populacional de quelônios na Resex Baixo Juruá Na primeira excursão, no final da seca, foram capturados 115 indivíduos, dos quais: 26 eram tracajás (Podocnemis unifilis), 12 fêmeas e 14 machos; 84 iaçás (Podocnemis sextuberculata), 59 machos e 22 fêmeas e 3 indeterminados; 4 tartarugas (Podocnemis expansa), 3 machos e 1 fêmea; e 1 Phrynops raniceps. Também foram medidos 77 filhotes recém-eclodidos de tracajás e 4 95 filhotes de tartaruga, de um mês, mantidos em cativeiro no igarapé do Breu. O esforço de captura foi estimado em 0,5 quelônio/hora-homem (76 horas, 3 pescadores, 3 redes). Na segunda excursão foram capturados 67 iaçás (Podocnemis sextuberculata), uma P. expansa, 1 P. unifilis e 2 Phrynops nasutus. Na seca, 89,3% dos animais foram capturados à noite. Do total de animais capturados, 68,5% eram machos. Quanto ao local de captura, 67,5% foram capturados em enseadas, ressacas ou remansos, em frente às praias de desova. Quanto à espécie, a maior parte dos iaçás foi capturada à tarde (39%) ou à noite (49%), sendo que 73% eram machos. Destes, 84% estavam em enseadas ou ressacas na frente das praias, sendo que nesses ambientes, 58,3% foram machos. Na Tabela 9, apresentamos os dados biométricos, razão sexual e média de idade dos animais capturados e, na Figura 16 apresentamos as diferentes espécies capturadas. Tabela 9: Parâmetros biométricos, idade e razão sexual de quelônios capturados no final da vazante, na Resex Baixo Juruá. Parâmetro Número de animais Comprimento da carapaça (cm) Peso (kg) Idade (anos) Razão sexual Tartaruga (P.expansa) 4 Tracajá (P. unifilis) 26 Iaçá (P. sextuber_ culata) 84 1 34,7±8,9 22,2±5,1 17,3±3,7 27,5 4,1±2,8 8 75% Machos 2,2±1,5 6,7±2,2 53,8% machos 0,61±0,3 3,6±0,8 72,8% machos 2,45 1 fêmea Phrynops raniceps Esses valores são similares aos encontrados por Andrade et al. (2006) para quelônios capturados no início e no final da vazante, na Resex Médio Juruá, para 96 1) Criar critérios técnicos ambientais para instalação para estabelecer diagnóstico ambiental no sentido de prever conseqüências potenciais necessárias para a instalação, operação e manutenção das condições ambientais. 2) Desenvolver instrumentos e metodologias visando o desenvolvimento de pesquisas sobre metodologias, materiais educativos e outros instrumentos para a prática da criação animal; 3) Implementar um de sistema de informação para estabelecer um sistema de manutenção de informações para organizar a documentação e todas as informações necessárias à execução da atividade; 4) Proporcionar ações educativas e de capacitação visando estimular e apoiar a participação dos responsáveis na formulação de políticas para o meio ambiente, bem como a concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do meio natural, social e cultural, através da implementação da educação ambiental. 5) Controle operacional para estabelecer e manter instrumentos para verificar, investigar e corrigir através de inspeções, auditorias ambientais e ações corretivas e preventivas. Agradecimentos Especial agradecimento à profa. Cassandra Guimarães de Freitas, por acertadas críticas e sugestões valiosas, igualmente à Fachin-Teran e aos professores Gilberto Peixoto, Ubirajara Boechar, Andrea Waichman e Elizabeth Santos, pelo apoio e colaboração. À todas as pessoas que colaboraram direta e indiretamente para a realização deste trabalho. Ao programa do Trópico ÙmidoPTU/CNPq, pelo apoio logístico. 439 que o interesse pela criação de quelônios é apenas um fator econômico e, portanto, não há comprometimento, conhecimentos básicos das espécies, dos custos, entre outros aspectos, para a efetividade da sustentabilidade da atividade. Os criadouros funcionam de acordo com a disponibilidade do local e são implantados sem qualquer planejamento, controle dos resíduos, condições ambientais e disponibilidade dos recursos que atendam às recomendações das normas ambientais (ABNT, 1996), e assim, proporcionem bom funcionamento aos criadouros implantados ou que venham a ser implantados. Para a operacionalização recomenda-se a adoção efetiva de um técnico habilitado, com o objetivo de disciplinar o gerenciamento, supervisionar, planejar, bem como proporcionar treinamento do pessoal envolvido, assegurando um desempenho melhor das funções e evitando as conseqüências potenciais dos procedimentos operacionais. comprimento de carapaça (tartarugas= 21,0-29,59 cm; tracajás=21,27-5,96 cm; iaçás=17,2-8,71cm), peso (tartarugas=1,65-4,3 kg; tracajás=2,01-2,41 kg; iaçás=0,61-0,64 kg), idade (tartarugas=3,68-6,7 anos; tracajás=2,6-6,25 anos; iaçás=2,91-5 anos) e razão sexual (tartarugas=18,2% machos; tracajás=90,9% machos; iaçás=56,67% machos). Recomendações O órgão fiscalizador deverá propor mudanças de comportamento passando de uma ação fiscalizadora para uma gerenciadora do planejamento e administração, baseada em compromissos ambientais e sociais. Com base nas constatações realizadas, pode-se propor que os estabelecimentos pesquisados propiciem a gestão ambiental nos modelos propostos por Macedo (1995) e ABNT (1996) visando maior sustentabilidade dos recursos e maior produção, tendo como estratégias básicas: 438 Figura 16: Quelônios capturados na Resex Baixo Juruá: a) Podocnemis unifilis ; b) Phrynops raniceps ; c) Podocnemis sextuberculata; d) Podocnemis expansa. Fonte: Vinicius T. Carvalho. Os filhotes de tracajás, recém-eclodidos, apresentaram média de comprimento da carapaça igual a 4,29 ± 0,26 cm, sendo o peso médio de 15,18 ± 3,53 g. Filhotes de tartaruga encontrados em cativeiro no igarapé do Breu apresentaram 5,65 ± 0,06 cm de comprimento da carapaça e 31 ± 0,82 g de peso. No Médio Juruá, Andrade & Nascimento (2005) encontraram filhotes de 97 tracajás com comprimento de carapaça igual a 5,4 ± 0,38 cm e peso de 28,25 ± 5,6 g. Andrade et al. (2006) verificaram que no Médio Juruá filhotes de tartaruga tinham comprimento de carapaça igual a 4,9 cm e peso médio de 22 g. Na cheia, capturamos um espécime de Phrynops nasutus infestado por mais de 200 sanguessugas no igapó do Socó, em águas pretas. Andrade & Alves (2006) e Andrade & Rodrigues (2005) já haviam relatado a infestação por sanguessugas em Podocnemis unifilis e P. erythrocephala quando confinados em gaiolas ou tanques-rede em ambientes rasos de água preta. A Figura 17 apresenta o Phrynops nasutus infestado. O acompanhamento dos custos é muito importante por garantir compensações econômicas, além de diversas outras vantagens. Para isso, é necessário que o criador conheça os custos associados à implementação do criadouro, assim como os benefícios obtidos para que sua propriedade torne-se competitiva no mercado e possa proporcionar sustentabilidade ao empreendimento. A falta de conhecimento do número de animais a serem doados para criação torna-se um fator negativo, pois não se sabe o impacto que a retirada desses animais da natureza poderá proporcionar ao ambiente, sem causar desequilíbrios nas populações. A implementação da criação de quelônios requer o uso de mecanismos capazes de internacionalizar os custos dos recursos, com base no princípio poluidor/pagador. De acordo com a ABNT (1996), a exigência pela conservação ambiental faz com que os empreendimentos implementem a gestão ambiental, com a finalidade de equacionar as diferentes práticas com a qualidade do meio ambiente e a internalização dos custos/benefícios para a sociedade. Figura 17: Phrynops nasutus infestado por sanguessugas e capturado no igapó do Socó, Resex Baixo Juruá, maio de 2006. Fonte: Ermelinda Oliveira. O levantamento da estrutura e dinâmica das populações de quelônios das Resex do Médio e Baixo Juruá, através do projeto com a Ufam, permitiu a criação de modelos que analisam as possibilidades de manejo do recurso, apresentados no final deste capítulo. 98 Considerções finais A criação de quelônios surgiu a partir das condições que a legislação criou, em que a questão ambiental foi tratada nos empreendimentos apenas como uma exigência legal, tendo como responsabilidade técnica apenas o caráter fiscalizador, não contemplando ações educativas que proporcionem o comprometimento de todos os participantes no processo. Os criadores, por serem, na maioria, de outro estado, possuem pouco conhecimento da realidade amazônica e apesar de desenvolverem atividades com a criação animal, observou-se 437 dos recursos, proporcionaram a criação de normas e legislação ambiental que têm exigido das organizações de qualquer grandeza ou tamanho a incorporação da variável ambiental na alocação de recursos (Assayag, 1999). A não inclusão da internalização dos efeitos externos ao meio ambiente, na ocasião da implantação do criadouro, poderá, futuramente, comprometer a atividade e inviabilizá-la devido à incorporação primária e direta da natureza. A falta de normas na infra-estrutura do local pode implicar na captação de água – o percurso do igarapé – com mortes ou aumento de outros organismos, além do comprometimento da água usada pela população circunvizinha. A efetivação recente dos criadouros pode estar relacionada à desburocratização do órgão fiscalizador que fomentou a atividade, para que os que estivessem irregulares viessem para a legalidade e/ou por ter despertado nos criadores uma nova opção de renda. Para que seja uma atividade de perspectiva de renda deverá assumir um compromisso com o melhoramento contínuo, considerando os problemas reais e potenciais, conforme sugere a ABNT (1996). O objetivo é proporcionar competências ao pessoal envolvido, com base em educação, treinamento e/ou experiências apropriadas, proporcionando compreensão, atitudes e valores. A ABNT (1966) recomenda que as organizações estabeleçam e mantenham procedimentos para identificar as necessidades de treinamentos dos envolvidos. A criação de quelônio tem caráter técnico e é necessário que o responsável e todos os envolvidos recebam treinamentos para assegurar a qualificação, assim como é preciso responsabilizar atribuições na área técnica e ambiental para proporcionar melhor desempenho das atividades. 436 B) RIO PURUS B.1) BAIXO PURUS: TABULEIROS DA RESERVA BIOLÓGICA DE ABUFARI, PRAIA DO BANANAL NA COMUNIDADE DA ENSEADA, PIRANHAS E OUTROS EM TAPAUÁ/AM O tabuleiro do Abufari, na boca do igarapé de mesmo nome, situado em área de Reserva Biológica, é monitorado desde 1976 pelo então IBDF, sendo seu controle sistemático iniciado a partir de 1985. Através do Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas, o Ibama-AM, com apoio do PTU/CNPq e parceria da Universidade Federal do Amazonas (Figura 18) vêm realizando, desde 1998, diversas pesquisas naquela área, monitorando não só a produção dos filhotes, mas, também, o deslocamento dos adultos, as predações natural e humana, índice fisiológico-bioquímico, parâmetros genéticos, parasitológicos e populacionais do grupo de quelônios que desova no tabuleiro. A sistematização das informações pela Ufam, bem como um acompanhamento técnico mais especializado, tem fornecido ao RAN melhores indicadores sobre a situação daquele tabuleiro. No Capítulo 3, apresentamos maiores informações sobre essa que é a maior praia de reprodução de quelônios do Amazonas. PROJETO FNMA “MANEJO SUSTENTÁVEL DE QUELÔNIOS DA AMAZÔNIA” Em 2001, através do projeto “Manejo Sustentável de Quelônios da Amazônia”, aprovado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), o Cenaqua/RAN disponibilizou recursos para que trabalhássemos outras comunidades na calha do rio Purus. Para a gestão do RAN-AM, foi estabelecida a comunidade Piranhas, em Tapauá. 99 Quadro 2 – Instruções/procedimentos para a construção de barragens. Itens Figura 18: Tabuleiro do Abufari, Equipe da Ufam, 1998. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.). Em julho daquele ano iniciamos os trabalhos em Tapauá participando da primeira excursão o engenheiro-agrônomo Pedro Macedo (RAN-AM), a bióloga Maria Gorete e a socióloga Sarah (RAN Central). Nessa viagem foram feitas várias reuniões de prospecção nas comunidades Enseada, Piranhas, Bem-te-vi, Fazenda e Pupunhas. Ficou acertado então que a comunidade Enseada trabalharia na proteção da praia do Bananal, com os agentes Daniel, Noel, Isaquiel e Oziel. A comunidade Piranhas também aceitou realizar os trabalhos. Na praia do Bananal, os trabalhos de fiscalização e monitoramento de quelônios foram realizados contando com o treinamento e o apoio por parte da Rebio Abufari. Em 2002 e 2003, por falta de recursos, o trabalho naquelas praias foi abandonado. B.2) MÉDIO PURUS: TABULEIROS DA RESERVA MUNICIPAL DO JAMANDUÁ, AXIOMA, NAZARÉ, CURUZU E PORTO ALEGRE, EM CANUTAMA/AM Os tabuleiros Curuzu, Nazaré, Axioma, Santa Bárbara e Santa Cora, no trecho do barrento e enovelado 100 (%) Á G U A N= 30,4 S O L O N=53,8 V E G E T A Ç Ã O N=38,5 S=69,2 S=46,2 S=61,5 N=92.3 Resí_ duo S=7.7 Orgâni co TIPOS F Escoamento/abastecimento Faz controle com cal Procurou conversar com engenheiro Renovação natural na barragem Usou saco de serrapilheira Construiu fora do leito do igarapé Aproveitou os mananciais Examinou a qualidade d’água antes de construir a barragem 1 1 1 1 1 1 1 1 Escolheu o tamanho mínimo para escavação Foi aterrado, antes era encharcado Foi aterrado conforme recursos técnicos O solo foi analisado por técnicos da Emater 1 Deixou a vegetação natural ao redor da barragem Está plantando fruteiras para recuperar o local Manteve uma área com vegetação natural Acima da barragem onde há vários animais soltos Obedeceu recomendação de técnicos do Inpa Não respondeu 5 Embora controlando, há poluição devido aos restos orgânicos 1 1 2 1 2 1 1 1 1 S=sim N=não Nas últimas décadas, o crescimento das atividades de produção e consumo e, conseqüentemente, o aumento de lançamentos de resíduos nos meios receptores, bem como a utilização excessiva 435 Quanto à finalidade dos criadouros, para a conservação da espécie, as respostas destacaram-se em ajudar na diminuição da predação dos animais e a manutenção das matrizes, embora verificou-se que 84% dos criadores ainda não construíram o sistema para a reprodução dos animais, o que mostra o não atendimento da exigência da Portaria n. 142/92 (Ibama, 1992b), artigo 7º, parágrafo 2º. A opinião dos criadores sobre: 1) combate ao comércio ilegal de quelônios: sugeriram fiscalização rigorosa envolvendo as forças do exército, marinha e aeronáutica. 2) a importância principal em criar quelônios é ganhar dinheiro. Entre os criadores, um pretende, com a criação, saldar sua dívida com um empréstimo realizado no banco. Na avaliação ambiental observou-se o uso direto dos cursos d'água nas instalações, que funcionam como meio de captação de água e onde são lançados os efluentes que podem comprometer a qualidade dentro e fora dos viveiros. Impor aos outros usuários uma série de custos sociais, uma vez que as descargas dos restos orgânicos são lançadas ao ambiente sem nenhum controle da poluição (Quadro 2). Purus, que vai de Tapauá a Lábrea, passando por Canutama, têm recebido proteção desde 1984, pelo IBDF/Ibama-AM, tornando-se áreas conhecidas pela produção de quelônios. Naquelas áreas de antigos seringais, alguns herdeiros de seringalistas, como a sra. Sebastiana Paixão Menezes, a sra. Dulce Bezerra Menezes (Praia do Nazaré) e o sr. Damião Santos (Praia do Curuzu, Porto Alegre e Aramiã), preocuparam-se em, anualmente, solicitar autorizações para protegerem suas praias, o que tem sido feito regularmente, sem acarretar gastos para o Ibama. Todavia, sem uma presença mais efetiva do órgão federal de fiscalização e controle ambiental, desde 1996, a situação tornou-se crítica. O abandono daqueles tabuleiros de Canutama levou a prefeitura (Prefeito Raimundo Amorim) a criar reservas municipais de quelônios, em Jamanduá e em Axioma. No Jamanduá, a prefeitura mantém um flutuante e paga quatro agentes de praia através da sua Secretaria de Meio Ambiente e Turismo. Em Axioma, em 2000 e 2001, uma parceria com o Poder Judiciário permitiu que um rancho mensal e bandeiras fossem destinados para o trabalho de praia. A prefeitura arcava com o salário de um agente. Figura 19: Equipe da Reserva Municipal do Jamanduá, Canutama/AM. Foto: RAN/AM (Costa, P.M.). 434 101 Entre as espécies doadas para criação verificou-se Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis. O total de animais recebido por criador variou de 7.392,15 + 7.522,68 animais (Tabela 4). Tabela 4 – Números de animais doados para criação. Número de animais doados Figura 20: Base do tabuleiro de Axioma, Canutama/AM. Foto: RAN/AM (Costa, P.M.). Média QUANTIDADE RECEBIDA QUANTIDADE ATUAL TEMPO DE RECEBIMENTO DP Mínimo Máximo N 7.392,15 7.522,68 835 25.000 13 7.979,15 6.841,90 835 21.000 13 1,9231 0,77595 1,000 5,000 13 Os meios utilizados para transportar os animais do tabuleiro de desova para os criadouros foram barco e avião (Tabela 5). Segundo os criadores, o avião parece ser o melhor meio, embora seja o mais caro, sendo a melhor opção, pois, a mortalidade dos animais é menor, em virtude do acondicionamento que deixa os animais menos vulneráveis a doenças. Tabela 5 – Meio de transporte dos animais dos tabuleiros para os criadouros. TIPO FREQ. (%) AVIÃO BARCO 3 10 23,1 76,9 TEMPO GASTO FREQ. DIAS HORAS SEMANAS 7 3 3 (%) 53,8 23,1 23,1 Figura 21: Placa do tabuleiro de Axioma, Canutama/AM. Foto: RAN/AM (Costa, P.M.). Em 2001, com a predisposição do RAN-AM em aumentar o número de populações de quelônios 102 433 Os dados representados no Quadro 1 mostram um custo anual, por tartaruga, de R$ 2,93, indicando que em média uma tartaruga com cinco anos de idade pode estar custando R$ 15,00, aproximadamente. protegidas no Amazonas, foram retomados os trabalhos em Canutama nas áreas do Jamanduá,Axioma, Nazaré, Curuzu e PortoAlegre. Quadro 1 – Custos totais, médios e participação percentual da criação de quelônios no estado do Amazonas, no ano de 1999. ITENS CUSTOS FIXOS Depreciação Rem. Capital Mão-de-obra Alimentação Mão-de-obra Combustível Manutenção Transporte Outros 16,021,50 19.050,90 11.575,00 - 34,35 40,84 24,81 - Total %participação s/ custo total 46.647,40 Custo médio (R$) CUSTOS VARIÁVEIS (%) % PARTICIPA ÇÃO S/ CUSTOS TOTAIS (%) (R$) (%) 96.047,25 7.871,50 10.644,00 14.773,25 5.970,00 1.817,20 70,05 5,74 7,76 10,77 4,35 1,33 8,72 10,35 6,30 52,50 4,48 5,80 8,40 3,35 0,10 100,00 137.123,20 100,00 100,00 25,38 - 74,62 - 100,00 0,74 - 2,19 - 2,93 Figura 22: Ninho de tartaruga (P. expansa), Praia do Curuzu, Canutama/AM. Foto: RAN/AM (Costa, P.M.). O Jamanduá é um tabuleiro que fica a 40 minutos, de bote com motor de popa 40HP, da sede do município e mede 1.500 m x 300 m. Seu monitoramento pela prefeitura começou em 1998 quando foram registrados 11 ninhos de tartaruga e 7 de tracajá. Em 1999, foram 56 ninhos de tartaruga e 27 de tracajá e, em 2000, 117 tartarugas e 100 tracajás desovaram naquela praia, o que demonstra mais uma vez que, se existe uma população boa de quelônios, na região, eles rapidamente ocupam o espaço, propício pelas áreas conservadas, tornando os resultados altamente positivos em curto espaço de tempo. A administração municipal do sr. Raimundo Amorim, com apoio do sr. Antônio Apolinário, da Funasa, possibilitaram o monitoramento do RAN-AM a partir de 2001. No tabuleiro Nazaré, que mede 800 m x 250 m, o apoio foi dado pela sra. Dulce Paixão. B.3) ALTO PURUS Os tabuleiros a partir de Lábrea/AM, no rio Purus, são monitorados pela equipe do RAN/AC, em função da maior proximidade daquelas áreas com a Gerex doAcre. 432 103 Mesmo assim, enviamos técnico do RAN-AM e do Esreg, de Boca do Acre e Lábrea, para acompanharem, em 2001, os trabalhos de execução do projeto FNMA, nas comunidades do rio Purus, noAmazonas. RESPONSÁVEL TÉCNICO 6 5 4 3 2 1 BIOLOGO ENGPESCA IDAM UA MÉD. VETERINÁRIO TECNOLABORATÓRIO 0 Figura 3 – Responsável técnico. Figura 23: Reunião com comunidades em Lábrea, Projeto Quelônios, FNMA. Foto: RAN. C) RIO MADEIRA C.1) PRAIA DO NAZARÉ – MANICORÉ/AM A praia do Nazaré está situada próxima à cidade de Manicoré, no leito do rio Madeira. Essa praia servia de porto para comunitários que trabalham grandes roçados na várzea. Todavia, diversos quelônios dela se utilizam durante o período reprodutivo. Através das informações do CNPT/AM fomos orientados sobre a possibilidade de realizarmos o trabalho de conservação de quelônios naquela praia, com o apoio do Esreg do Ibama local. A Tabela 10 apresenta a evolução dos trabalhos de conservação de quelônios naquela praia. 104 A maioria dos funcionários foi selecionada principalmente por indicação de outras pessoas, observando-se a não-exigência de critérios e conhecimentos para o desenvolvimento das atividades, assim como foi notada a falta de programas de treinamento e/ou sensibilização dos funcionários. Na avaliação dos custos, observou-se que não há registros sistematizados dos fatos que ocorrem nas propriedades. Os dados foram estimados com base em informações provenientes de anotações e de estimativas. A participação dos custos fixos sobre os custos totais é de 25,38% e os custos variáveis participam com 74, 62%. A alta participação destes últimos é a alimentação com, aproximadamente, 52%. O gasto com ração (alimentação/ano/animal) ficou em torno de R$1,53%. Resultado consistente com o estudo realizado por Costa (1999), com 350 animais em cativeiro, que identificou um custo de R$ 1,58/animal/ano, referente à alimentação. 431 Tabela 2 – Tamanho da área (m2) entre os criadouros. TAMANHO DA DP MÉDIA Mínimo Espécies Máximo N ÁREA BARRAGEM BERÇÁRIO TANQUE PROPRIEDADE 1.430,96 1.027,89 421 2.000,52 1.304,42 2.212,87 384,431 3.650,98 2,630 4,000 25 1,000 3.000 6.844 900 131,40 9 9 6 13 A efetivação da criação de quelônios ocorreu por volta dos anos de 1970, em função da implementação da primeira portaria, registrando-se um interesse maior nos últimos cinco anos, maior aprovação dos projetos técnicos nos anos de 1995/2004 (Tabela 3). Tabela 3 – Intervalos de aprovação dos projetos técnicos entre os criadores. APROVAÇÃO DOS PROJETOS 1995-1996 1997-1998 1999-2000 2001-2004 FREQÜÊNCIA (%) 4 4 5 33 8,7 8,7 10,9 71,7 2001 2002 2003 Ninhos Filhotes Ninhos Ovos Filhotes Ninhos Ovos Filhotes Iaçá 140 681 1.252 18.200 17.565 1.338 21.595 18.516 Tracajá 25 103 71 1.980 1.620 71 2.206 1.737 Tartaruga 6 359 9 866 636 15 1.604 1.158 Total 171 1.143 1.332 23.076 19.821 1.424 25.405 21.411 Tabela 10: Histórico de produção de quelônios no Tabuleiro do Nazaré/Manicoré. Fonte: Esreg/Ibama Manicoré (2003). A desova do iaçá inicia em junho e estende-se até setembro, com o pico de desova em agosto (1.000 ninhos). Os tracajás desovam de julho a setembro, com pico em agosto. Tartarugas desovam de agosto a outubro, com o pico de desova em setembro. O acompanhamento técnico foi efetuado por profissionais indicados por pessoas ou órgão (Figura 3), apenas para efetivar a aprovação do empreendimento, sem assegurar, no entanto, o seu comprometimento para monitorar as atividades. Figura 24: Praia do Nazaré, Manicoré. Foto: Esreg/Ibama, Manicoré/AM. 430 105 C.2.) RIO MATUPIRI (afluente) – BORBA/AM: TABULEIROS DO IGARAPÉ DO BOTO, IGARAPÉ DO MURUTINGA, IGAPÓ AÇU. O rio Matupiri faz parte da bacia do rio Madeira, com águas escuras e margens cobertas de folhiço, em um tipo de solo encharcado onde a areia é coberta por uma espessa liteira e a vegetação se assemelha à campinarana. Nesse ecossistema diferenciado dos tradicionais tabuleiros de desova, com praias de areia ou barrancos de várzea, tracajás (Podocnemis unifilis) e, principalmente, irapucas (P. erythrocephala) desovam no meio do folhiço úmido, como as muçuãs (Knosternon scorpioides) que desovam no mangue. As características diferentes desse sítio reprodutivo de quelônios foram estudadas pelo RAN/AM naquela área, monitorando-as e obtendo informações mais precisas sobre a reprodução de tracajás e irapucas no rio Matupiri. Foram realizadas três excursões para Borba, em 2001, com a produção de 31.041 filhotes de irapuca e 294 filhotes de tracajás monitorados. Por falta de recursos, não houve continuidade nos trabalhos nos anos de 2002 e 2003. Tabela 1: Perfil socioeconômico dos criadores de quelônios. FAIXA ETÁRIA 20-39 anos 1 % 8,5 40-59 anos 8 66,7 60-79 anos 3 FREQ PROFISSÕES Administrador Advogado Agricultor Aposentado Comerciante Engenheiro Pescador 25,0 NÍVEL ESCOLAR Semi-analf. FREQ. 1 % 8,3 1ºGrau inc. 3 25,0 1ºGrau comp. 1 8,3 2ºGrau comp. 3 25,0 Sup. Inc. 1 8,3 Sup. Comp. 3 25,0 FREQ. 1 1 3 1 4 1 1 % 8,3 8,3 25,0 8,3 33,3 8,3 8,3 RENDA FAMILIAR FREQ. 1-10 SM 11-15 SM 16-20 SM 5 4 3 % 41,7 33,3 25,0 A estrutura operacional dos criadouros é, na maioria, localizada em zona rural, abastecida de água de igarapé e energia elétrica pelas Centrais Elétricas do Amazonas (Ceam). São, na maioria, manejados por pessoas físicas (61,5%), com sistema de criação do tipo semi-intensivo (69%), e objetivos de criar quelônios e o comércio dos animais (84,5%). Não há normas para o estabelecimento das dimensões e tipos de recintos, como tamanho da área variando de 2.000,52 + 3.650,98m, represas de 1.430,9 + 1.304,42m, berçário de 1.027,89 + 2.212,87m e tanque de 421 + 384,43m (Tabela 2). Neste caso, a recomendação deveria estar condicionada à qualidade de animais e fase de criação. Figura 25: Área de desova do rio Matupiri, Borba/AM. Foto: RAN/AM (A.Vicente). 106 429 Os dados foram elaborados em uma planilha e aplicou-se estatística descritiva com distribuição de freqüências e teste de Kruskal-Wallis (P>0,05), a fim de comparar as variações dos parâmetros encontrados entre os criadores e o padrão estabelecido pelo Conama (1996) Resolução nº 020/96, para estabelecer o nível de significância entre as médias e agrupar, entre os criadouros, os que apresentam melhores condições de funcionamento. Resultados e discussões A criação de quelônios no estado do Amazonas é atualmente composto por 33 criadouros legalizados, funcionando de acordo com a disponibilidade dos recursos de cada um e a utilização de práticas impróprias de manejo. O perfil socioeconômico dos criadores revelou faixa etária em torno dos 40 anos, grau de escolaridade no ensino médio, profissões, com maior freqüência, de comerciante e de agricultor. Dados consistentes com Costa (1999), renda familiar com maior percentual na faixa de 5 a 10 salários mínimos (Tabela 1). D) RIO NEGRO As praias do rio Negro, historicamente, abastecem a cidade de Manaus com quelônios e seus ovos, seja para a culinária ou, em tempos idos, até para a iluminação pública. Durante os séculos XVIII e XIX, milhões de animais foram capturados no rio Negro e abatidos em Manaus. Essa enorme pressão levou a uma drástica diminuição dos estoques das populações naturais. Hoje, no Médio e Baixo rio Negro, poucas são as áreas de desova da tartaruga, que se refugiou nos tabuleiros do rio Branco, tais como o de Sororoca, Toró e Mussum. Na tentativa de resgatar os tabuleiros do rio Negro, o RAN/AM em parceria com os alunos e pesquisadores da Ufam, Daniely Félix, Juarez Pezzuti e Jackson Pantoja, iniciaram os trabalhos de proteção nas praias da Velha e da Dulumina, em 2001. Foram produzidos 4.353 filhotes de quelônios (12% de tartarugas, 28,9% de tracajás, 15% de iaçás e 43,1% de irapucas). D.1) PRAIA DA VELHA – PARNA JAÚ – NOVO AIRÃO/AM É uma praia situada próxima à base do Parque Nacional do Jaú, em Novo Airão. Essa praia de areia branca e fina abriga os sítios reprodutivos de gaivotas, corta-águas, iaçás, tartarugas, irapucas e tracajás. Com recursos do RAN/AM, os técnicos da Ufam contrataram dois agentes de praia na comunidade mais próxima porque a praia já está bastante depredada, visto que, além dos comunitários que tiram ovos e animais adultos, ela é alvo de barcos de recreio ou de particulares que alcançam facilmente suas margens, já que ela fica em área de tráfego fluvial (canal navegável do rio), sendo rota obrigatória dos barcos que sobem o rio Negro. Em 2000, foi registrado um ninho de tartaruga na praia da Velha 428 107 Em 2001, com o trabalho dos agentes, não houve predação humana, entretanto, lotes de queixadas (Tayassu tajacu) atravessaram a área diversas vezes e destruíram alguns ninhos, duas tartarugas fizeram ninho. Os ninhos foram transferidos para a ilha do Cauixi, mais próxima da base do parque, o que permitiu um melhor controle, sendo, posteriormente, os filhotes alocados em berçários na mesma ilha. função de modelos de desenvolvimento exploratórios e predatórios. As propriedades escolhidas para os estudos foram em função dos criadouros licenciados pelo Ibama, localizados em Manaus e municípios próximos. Metodologia Em um primeiro momento, foram realizados contatos iniciais com os proprietários dos criadouros, a fim de solicitar autorização. A partir daí iniciou-se o trabalho com observações diretas das instalações, rede hidrográfica, dimensões dos viveiros e a composição da vegetação, com a finalidade de realizar o diagnóstico ambiental. Entrevistas foram feitas com 13 criadores que detalharam questões sobre o levantamento dos aspectos relacionados aos meios socioeconômico e físico, a fim de estabelecer o perfil dos criadores/criadouros. Também foi verificada a estrutura operacional dos criadouros. Figura 26: Placa da Praia da Velha, Parna Jaú, Novo Airão/AM. Foto: RAN/AM (D. Félix e J. Pezzuti). Em 2002, 10 tartarugas desovaram em Cauixi. A produção em 2003, foi de 171 ninhos de iaçá e 13 de tartaruga, com produção de 1.189 iaçás, 36 tracajás, 9 irapucas e 656 tartarugas, o que demonstra, como comentamos anteriormente, a rápida recuperação dos tabuleiros por meio de trabalhos efetivos de conservação. A partir de 2003, foram protegidas outras praias no parque, como Maquipana, do Boi, Traíra e dos Pretos, o que permitiu a proteção de 16 ninhos de tartaruga. Em 2004, 18 ninhos de tartaruga e 85 de iaçás foram protegidos. Desde 2002 esses trabalhos vêm sendo realizados pelos analistas do Parque Nacional do Jaú, como o médico-veterinário Marcelo Bresolin. 108 Posteriormente, definiu-se a análise da água para avaliar entre os parâmetros químicos os efeitos de impactos diretos e indiretos causados ao ambiente. Para isso, efetuaram-se medidas no campo da condutividade elétrica, temperatura e oxigênio dissolvido, utilizando um condutivímetro digital tipo WTW e peagômetro tipo WTW, para determinar o pH. Amostras de água foram coletadas em garrafas de polietileno e frascos de vidro com tampa esmerilada. Análises foram realizadas no Laboratório de Limnologia /Depesca/Ufam, segundo Golterman, et al. (1978), para determinar os parâmetros químicos: DBO (Demanda Biológica de oxigênio0, DQO (demanda química de oxigênio), compostos nitrogenados: nitrato (N02), nitrito (N03) e amônia, fósforo (P04) e dureza. 427 Atividades dos queloniocultores 20% 30% 10% 10% Outras atividades Comerciantes Produtor Rural Construtura Hotelaria 30% Figura 2: Atividades dos queloniocultores. 11.2 Caracterização socioeconômica e ambiental das criações comerciais de quelônios Neste outro trabalho, iniciado em 2000, teve-se por objetivo caracterizar as condições de funcionamento dos criadouros de quelônios, através de um levantamento mais detalhado, como forma de garantir novas alternativas de uso sustentável diante das atuais técnicas de manejo dos recursos naturais, estabelecer o perfil socioeconômico dos criadores/criadouros, identificar fatores de impactos ambientais, bem como verificar a viabilidade econômicoambiental, a fim de propor um modelo de gestão socioambiental para as atividades de produção animal. Figura 27: Praia da Dulumina, Barcelos/AM. Foto: RAN/AM (D. Félix e J. Pezzuti). Em 2006, os trabalhos em Barcelos foram retomados pela Ufam. O acadêmico de engenharia de pesca, Radson, começou a desenvolver com a Secretaria de Meio Ambiente o Programa Pé-dePincha com as comunidades de Ponta da Terra, Campina do Quatro, Campina do Careca, Campina do Cairara e Praia da Alegria. Foram transferidos 32 ninhos de tracajá e 50 de irapuca, em um total de 1.200 ovos, dos quais 408 filhotes nasceram e foram devolvidos à natureza. Área de estudo O estado do Amazonas possui fortes tradições culturais, e por dispor de recursos naturais diversos, as características de usos e costumes de seus habitantes concentram-se nesses recursos. Assim, os recursos da fauna amazônica vêm servindo a alimentação humana há milhões de anos, com a alteração dos ecossistemas em 426 109 E) RIO UATUMÃ TABULEIROS DO ABACATE E REGIÃO DO JARAUACÁ, EM PRESIDENTE FIGUEIREDO E SÃO SEBASTIÃO DO UATUMÃ/AM. O tabuleiro do Abacate já foi monitorado, pelo então IBDF, desde 1986, todavia, foi abandonado pelo Ibama a partir de 1996. A Manaus Energia, através dos trabalhos do Centro de Preservação e Pesquisa de Quelônios Aquáticos (CPPQA), na UHE de Balbina, tem trabalhado na conservação e no monitoramento de quelônios a montante e a jusante da barragem da hidrelétrica. Com o apoio do RAN/AM (combustível, pagamento de agentes de praia, ranchos, etc.) a bióloga Sandra do Nascimento treinou agentes de praia e monitorou sítios reprodutivos de quelônios no igarapé do Jarauacá, tabuleiro do Abacate e áreas de postura, dentro da Reserva Biológica do Uatumã. Quanto ao tipo de alimento fornecido, observou-se que animais alimentados à base de proteína animal superam os alimentados com proteína vegetal em ganho de peso. Observou-se 2 que a densidade de 78 indivíduos/m proporciona um bom desempenho aos animais. A tartaruga (P. expansa) parece superar o tracajá (P. unifilis) e o iaçá(P. sextuberculata) em ganho de peso. Animais provenientes de Uatumã-Balbina/AM possuem tendência a obter maior ganho de peso que os provenientes do AbufariTapauá/AM e Rio Branco-RR. Figura 1: Tamanho das propriedades. Figura 28: Praia artificial da UHE Balbina, Presidente Figueiredo/AM. Foto: CPPQA/Rebio Uatumã. Em 2003, conforme informação do CPPQA, foram soltos naquele rio 2.048 filhotes de P. unifilis e 1.421 de 110 425 para caracterizar a produção de quelônios no estado, o que serviu para inferir sobre o melhor sistema de criação utilizado. P. expansa, 20 de P. sextuberculata e 22 de P. erythrocephala, no Lago do Maracanã, nas praias artificiais de Balbina e no igarapé do Jarauacá. Quanto à localização, 21,66% dos criadores estão situados em áreas do município de Manaus, 21,66% em Manacapuru, 21,66% em Iranduba, 21,66% em Rio Preto da Eva, 6,6% em Manicoré, 3,7% em Itacoatiara, 1,8% em São Gabriel da Cachoeira e 1,8% em Lábrea. O tamanho das propriedades variou de 8 a mais de 6.000 ha, sendo a maioria entre 9–35 ha, com média de 22 18,384 ha (Figura 1). As represas variaram de 0,1 a 6,0 ha, embora a maioria estivesse 2 entre 1 e 2 ha, e os berçários de 30 a mais de 1.000 m . A maior parte dos criatórios possui densidade de berçário entre 0,5 e 5 2 indivíduos/m . Figura 29: Praia de reprodução de quelônios na Rebio Uatumã. Foto: RAN/NA (J.A.M. Duarte). Quanto às atividades dos criadores, têm-se a maior parte exercendo a atividade de comerciantes, encontrando-se também agricultores, advogados e donos de rede de hotelaria (Figura 2). O número de animais por criador variou de 600 a mais de 22.000 indivíduos, sendo 60% com número de 1.000 a 5.000 indivíduos, o que é considerado um número pequeno para a atividade comercial. A alimentação fornecida ficou distribuída entre vísceras bovinas, restos de feira (verdura), peixe, peixe + puerária e ração, sendo que a maioria fornece peixe, havendo uma tendência para adotar ração, pelo menos na fase inicial, seguindo as novas orientações técnicas fornecidas. Figura 30: Praia de reprodução de quelônios na Rebio Uatumã. Foto: RAN/NA (J.A.M. Duarte). 424 111 pesquisas, levantar estratégias zootécnicas, considerar os fatores jurídicos e ambientais e proporcionar treinamentos para os funcionários, com a perspectiva de que as relações e as interferências sobre o ambiente tornem-se irreversíveis. Em 1997, a Ufam e o Ibama, iniciaram um diagnóstico dos criatórios de quelônios no Amazonas. Posteriormente, em 2000, foi realizada a caracterização socioeconômica e ambiental dessas criações comerciais de quelônios. Os resultados desses dois estudos e as informações sobre a primeira comercialização ocorrida no estado, em 1999, são apresentados neste capítulo. 11.1 Diagnóstico dos criatórios de quelônios no estado do Amazonas Com os dados obtidos nos questionários feitos aos criadores, ou técnicos, de cada propriedade foi possível o diagnóstico da situação quanto ao tamanho das propriedades, instalações (barragens ou represas e berçários), densidade do berçário, número de animais de cada criadouro, atividades do criador, tipo de alimentação fornecida aos animais, doenças, predadores, etc. Figura 31: Mapa das Áreas de reprodução de quelônios na Rebio Uatumã. Foto: Rebio Uatumã/Ibama-AM. 112 Neste estudo foram acompanhados os criatórios de tartaruga (P. expansa) e tracajá (P. unifilis), licenciados pelo Ibama no estado do Amazonas até 1999, onde pôde-se fazer a análise dos novos criatórios registrados e a avaliação do desempenho da nova população explorada pelo Ibama para fornecimento dos filhotes (Tabuleiro de Sororoca-Rio Branco/RR). Esse acompanhamento foi feito através de biometrias bimestrais nos criadouros, onde registrava-se, através de questionários específicos e entrevistas, as características de cada sistema de produção, tais como: alimentação, tipo e tamanho de instalações, densidade de cultivo, características da água, manejo, equipamentos, etc. Os animais foram medidos e pesados. Os dados obtidos foram sistematizados 423 No entanto, apesar de as estratégias de manejo estarem sendo desenvolvidas desde 1986, o processo de criação animal em sistema artificial foi implantado com práticas impróprias devido à falta de conhecimentos adequados da biologia das espécies, constituindo em ameaça (Soini, 1997). Por outro lado, não foram estabelecidas políticas sustentáveis de manejo que se orientam primordialmente a eliminar e/ou mitigar o impacto negativo das ameaças ao ambiente. Conforme a espécie explorada, a ação repercute na incorporação direta e primária da natureza, em que não são medidos por seus planejadores, o impacto direto e o indireto quanto ao controle dos resíduos e ao uso dos recursos. Esses fatores são essenciais para avaliar a viabilidade da atividade e articular as relações econômicas, sociais e ambientais (Kubitza, 1998). Essas relações com o meio ambiente são essenciais para o desenvolvimento efetivo da gestão do meio ambiente. F) RIO AMAZONAS MÉDIO AMAZONAS PARINTINS/AM – TABULEIRO DE VILA NOVA, EM O tabuleiro de Vila Nova é uma grande área de desova de quelônios formada pela junção de praias de ilhas situadas no meio do leito do rio Amazonas. Essas praias, juntas, possuem mais de 8 km de extensão e 1.500 m de largura. Durante o período da vazante elas eram invadidas por pescadores e barcos de passeio de Parintins, Urucurituba e até de Itacoatiara, em busca dos ninhos de iaçás que, naquela região, são animais de porte bastante avantajado se comparados aos do Purus e Juruá. A gestão do meio ambiente é um processo de mediação que define e redefine, continuamente, a forma como as diferentes organizações, através de suas práticas, alteram a sociedade, a qualidade do meio ambiente e como se distribuem na sociedade os custos e os benefícios decorrentes da ação desses agentes (Ibama, 1992). Para realizá-la é indispensável acompanhar e atuar sobre os elementos envolvidos na transformação ambiental e realizar a gestão de cada um deles (Macedo, 1995), podendo, com isso, equacionar e/ou levantar os recursos/benefícios, reconhecer e reavaliar o desenvolvimento dos animais e articular a participação dos diferentes segmentos sociais, proporcionando o comprometimento dos seus gerenciadores. Figura 32: Rastro de tartaruga (P. expansa) no Tabuleiro de Vila Nova, Parintins/AM. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (F. Clóvis). Para contextualizar a criação de quelônios em criadouros licenciados, futuramente, exigirá a necessidade de estabelecer um planejamento ambiental antes da sua implantação, priorizar A comunidade de Vila Nova realizava na década de 1940 até 1960 a conservação da área, inclusive com marcação e manejo de ninhos, manutenção de filhotes em berçários e festas de soltura. Com o aumento da pressão da pesca e a coleta predatória sobre aquela 422 113 população de quelônios, a comunidade deixou de fazer o trabalho. Todavia, eles procuravam o posto do Ibama, em Parintins desde 1998, em busca de auxílio para reiniciar a proteção do tabuleiro e para fiscalizar a área. Em 2000, com a chegada do Projeto Pé-de-Pincha em Parintins, o Ibama e a Ufam começaram a buscar parceiros para realizar os trabalhos de conservação em Vila Nova e adjacências. Capítulo 12: Caracterização socioeconômica e ambiental da criação de quelônios no estado do Amazonas e comercialização Aldeniza Cardoso de Lima Paulo César Machado Andrade João Alfredo da Mota Duarte Luiz Alberto do Santos Monjeló Richard Vogt Janderson Rocha Garcez Wander Rodrigues Anndson Brelaz Introdução Os quelônios são uma ordem de espécies silvestres da Amazônia que, durante séculos, têm sido intensamente exploradas para comércio e consumo humano, entre outras finalidades, principalmente Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis classificadas como espécies em estado vulnerável e de baixo risco, respectivamente, dependente de estratégias de conservação (UICN, 1996). Figura 33: Placa de alerta do tabuleiro de Vila Nova, Parintins/AM.Foto: Projeto Pé-de-Pincha (F.Clóvis). O RAN/AM começou então a enviar equipes de fiscalização a partir de abril de 2001. Em maio foi realizada reunião com as lideranças comunitárias de Vila Nova e marcado o início dos trabalhos para julho (treinamento de pessoal e monitoramento de praia). Além das comunidades de Vila Nova, Ilha das Onças e Guaribas, o trabalho conta com o apoio do sr. Dodó Carvalho, empresário local e proprietário de parte da área. O RAN/AM colocou 5 placas de 4 m x 2 m – que avisam do tabuleiro e proíbem a pesca e caça no local – e enviou fiscais e técnicos com o apoio da equipe de 114 Para contrapor essa superexploração e consciente de seu potencial para o uso sustentável, implantou-se a criação artificial com a finalidade de desenvolver a criação com finalidades comerciais (Acosta, 1996; Vogt, 1990). No Brasil, a criação de quelônios surgiu devido ao estímulo à captura ilegal na natureza; à oferta de produtos e subprodutos; por ser adaptada à condição ambiental; e aos resultados de trabalhos de proteção e manejo nas áreas de desovas (Alfinito, 1980; Luz, et al., 1994). Na Amazônia tiveram início ações para contrapor a exploração com a finalidade de domesticar e obter excedentes que permitam o repovoamento onde têm diminuído ou desaparecido as espécies (Fachin, 1999). 421 professores e alunos do Projeto Pé-de-Pincha (Ufam), para realizar o trabalho de proteção da área. A equipe de fiscalização foi constituída pelos srs. Salvador Leal, José Ribeiro e Jailson Souza, os técnicos do Nufas/RAN, Paulo Henrique Oliveira, Pedro Macedo e Lauri Corso, e o técnico da Ufam, Francisco Clóvis. A Ufam cedeu seu bote de alumínio e o sr. Dodó Carvalho cedeu um motor de popa de 15 HP e a casa da fazenda como base. A produção em 2003 foi estimada em 11.088 filhotes, sendo monitorada a soltura de 6.317 filhotes de ninhos transferidos que foram mantidos em berçário. Tabela 11: Produção de ninhos transferidos de quelônios no tabuleiro de Vila Nova – Parintins. Figura 12: contagem de filhotes de tartaruga em cercado no tabuleiro do Abufari. Abaixo: equipe da Universidade Federal do Amazonas e Ibama na base flutuante da Rebio Abufari, rio Purus/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M. 1998). 420 Ano/ninho 2001 2002 2003 2004 2005 Pitiú 108 120 276 186 47 Tracajás 15 16 79 13 19 Tartarugas 12 12 12 13 24 2006 Ano/ovos 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Ano/filhotes 2001 2002 2003 2004 2005 2006 217 54 35 3.363 3.615 5.041 3.120 950 3.472 467 502 313 438 624 1.134 379 944 1.433 1.116 2.570 3.850 3.610 3.143 4.536 4.232 1.990 3.980 160 477 281 569 411 484 750 900 1.289 1.516 1.667 2.576 115 G) PROGRAMA “PÉ-DE-PINCHA” – MANEJO PARTICIPATIVO DE QUELÔNIOS EM BARREIRINHA, PARINTINS E NHAMUNDÁ/AM E TERRA SANTA, ORIXIMINÁ e JURUTI/PA (Zona Fisiográfica Médio-Baixo Amazonas) O “Pé-de-Pincha” vem sendo desenvolvido como Programa de Extensão e Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), desde 1999, estimulando a conservação de quelônios através de seu manejo participativo. Tendo como espécie focal o tracajá (Podocnemis unifilis), recebeu o apelido de “pé-de-pincha”, devido às pegadas desse animal na areia, que se parece com tampinhas de refrigerante. Ufam e Ibama vêm trabalhando em 78 comunidades do Médio Amazonas, nos municípios de Nhamundá, Parintins e Barreirinha/AM e Terra Santa, Juruti, Faro e Oriximiná /PA. O programa visa o manejo racional e sustentável de quelônios, pelas próprias comunidades. Figura 34: Rastro de tracajá (P. unifilis), pé-de-pincha no lago do Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.). 116 Figura 10: Filhotes de tartaruga predados por urubu. Observe que só a parte dianteira foi consumida. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M., 1998). Figura 11: Soltura de filhotes de tartaruga na reserva biológica do Abufari, rio Purus. Observe que ela é feita a noite, no meio da vegetação e distante do tabueliro, para reduzir a predação. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M. 1998). 419 funcionários da Rebio Abufari/Ibama-AM monitoram atentamente a praia, vigiando as cercas de tabuleiros desde a madrugada, evitando que os filhotes sejam predados ainda durante a noite, por aves que dormem na praia. Nessa época, também realizam contagem (Figura 12) e, posteriormente, a transferência e a soltura dos filhotes. Esta última é realizada em outra margem distante da praia, onde realizam a soltura dos filhotes no meio de plantas aquáticas para reduzir a chance da predação, por peixes, sobre os filhotes de tartaruga, tracajá e iaçá (Figura 11). Figura 35: Equipe de campo (comunitários e universitários), lago do Macurani, Parintins/AM. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Oliveira, P.H.G.). Diversas comunidades rurais do Médio-Baixo Amazonas que produziam juta, cacau, farinha, hortaliças, etc., abandonaram a agricultura, dedicando-se, principalmente, à pecuária extensiva, à pesca e ao extrativismo, aumentando a pressão sobre a fauna silvestre. Devido à caça predatória e à coleta de ovos, as populações de quelônios vêm desaparecendo desses municípios. Animais adultos e ovos são consumidos ou vendidos para Manaus, Parintins e Santarém. Algumas áreas, entretanto, foram protegidas pelos comunitários e por associações, como o Granav (Grupo Ambientalista Natureza Viva) e Asase-3, em Parintins, a Ascon/Acplasa/ARQMO, no Lago do Sapucuá/Oriximiná, e ATAAV, em Terra Santa, com o objetivo de conservar esse recurso natural. 418 117 ariranha (Pteronura brasiliensis), sucuri ( Eunectis murinus), jacaré (Caiman spp), felinos (Leopardus pardalis e Panthera onca) e o homem (Alfinito, 1980; TCA-SPT, 1996). Figura 36: Agente Ambiental retira filhotes de quelônios de berçário, para soltura, Aliança, Lago do Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.). Em 1999, o sr. Manuelino Bentes “Mocinho Lobo” e comunitários de Terra Santa/PA procuraram a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) para obter informações sobre conservação de quelônios. A Ufam reuniu-se com os produtores, o Ibama e as prefeituras locais para a criação do projeto “Pé-dePincha”. Inicialmente, foram trabalhadas áreas de Terra Santa e Nhamundá. Em 2000 e 2001, o projeto foi ampliado para Oriximiná/PA, Parintins/AM e Barreirinha/AM. E em 2004, para Juruti, Boa Vista do Ramos e Faro. O plano inicial de ação foi definido em maio de 1999, no I Seminário Sobre Manejo Sustentável de Tracajás (255 participantes) em Terra Santa (Andrade et al., 2005). Foram capacitados 385 professores das escolas municipais em educação ambiental; realizadas palestras nas escolas e comunidades para mais de 67.606 ouvintes; treinados 49 agentes ambientais voluntários; realização de cursos de alternativas para geração de renda (tecnologia do pescado, criação caipira de galinhas, plantas medicinais, hortas comunitárias, manejo de quelônios, etc.) para mais de 1.021 pessoas; e foram 118 Figura 9: Urubus atacando filhotes de quelônios em Abufari, Purus, Tapauá. Foto: Projeto Diagnóstico (Duarte, J. A.M.). Na Reserva Biológica do Abufari – AM (Figuras 9 e 10), foram observados, em 1998, pelos autores, predadores como aves (urubu e gavião) e peixes (pirarara, etc.), com ambos realizando um tipo de “vigilância” na praia onde desovam a tartaruga, o tracajá e o iaçá (também conhecido por pítiú). No período de eclosão dos filhotes as aves ficam 24 horas por dia na praia de desova para capturar os filhotes logo que saíssem da cova. Sendo, no caso das aves, que o primeiro comportamento observado é o decepamento dos filhotes para depois forrageá-los. No caso dos peixes, estes ficam a margem da praia de desova para forragear os filhotes logo que estes entram na água, pois este caso ocorre com algumas covas distantes umas das outras. Na grande maioria, devido ao número de animais que desovam ser elevado, é feita uma cerca circular, em que há um considerado número de covas. No período da eclosão, os 417 contaminação bacteriana e na análise micótica foi identificado novamente o fungo Aspergillus niger. A Figura 8 apresenta os animais com essas lesões. instaladas mais de 20 unidades de criação comunitária com 9.339 quelônios (2003-2006) e implantação de aviário comunitário (1). Treinamento de campo para 86 professores, 684 alunos e 238 comunitários, visita à campo para 660 participantes; três oficinas com idosos, 61 participantes; sete gincanas ecológico-culturais; divulgação nas rádios, jornais e televisões; com a participação de 850 famílias, envolvimento de 3.455 pessoas e abrangência de 23.400 pessoas nas comunidades e sede. Desde 2004 o programa conta com o apoio do ProVárzeaIbama e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). Figura 8: Tartaruga, P. expansa com lesões na carapaça e plastrão, provenientes do ataque de fungos (Fotos: Ikaro). 10.2.2 Predação Como predadores em condições naturais, pode-se reunir três categorias: (1) os que aproveitam os ovos, (2) os que consomem os filhotes recém-nascidos e (3) os que consomem os adultos, em decorrência do equilíbrio biológico natural e captura pelo homem pois, em ambas o animal encontra-se nos cursos d'água ou na praia de desova. A pior das predações parece ser apanhar os ovos, não obstando que as demais não sejam prejudiciais. Entre os predadores, tem-se formigas-de-fogo (Prenolepis sp.), jacuraru (Tupinambis nigropuctatus, T. teguxin), aves (urubu Cathartus spp., Caragypis atratus foestus; gavião Spazastur spp.; gaivota Phaetusa simplex). Em uma praia venezuelana, 6% das crias recémeclodidas foram predadas por aves, desde o momento de saída do ninho até chegarem à água: peixes carnívoros (traíra Hoplias malabaricus; tucunaré Cichla sp.; piranha Serrasalmus sp.; pirarara Phractocephalus hemioliopterus; pirarucu Arapaima gigas, aruanã Osteoglossum bicirrhosum), lontra (Lutra platensis); 416 Figura 37: Ninhos de quelônios protegidos em Aliança, Lago do Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.). Na região foram identificadas 13 espécies de quelônios: tartaruga (Podocnemis expansa), tracajá (P. unifilis), iaçá (P. sextuberculata), irapuca (P.erythrocephala), cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus), perema (Rhinoclemmys punctularia), lalá (Phrynops nasutus), muçuã (Kinosternon scorpioides), jabuti (Geochelone denticulata e G. carbonaria), matá-matá (Chelus fimbriatus), jabuti-machado (Platemys platycephala) e Phrynops spp. De 1999 a 2006, o programa devolveu à natureza 629.183 filhotes de quelônios (74,4% tracajás; 7,6% tartarugas; 10,9% iaçás; e 7,1% irapucas), provenientes de ninhos manejados, 119 com taxa de eclosão média de 81,97 ± 7,76% contra 54,51 ± 16,27% de ninhos naturais. Os ninhos de tracajá possuíam 22,23 ± 4,93 ovos e as de iaçá 16,95 ± 3,53 ovos. A temperatura média nos locais de transplante foi igual a 32,55º ± 3,17 º C. Os tracajás nasceram pesando 14,89 ± 1,38 g, iaçás 14,26 ± 1,83 g, tartarugas 22,52 ± 1,43g e irapucas, 11,21 ± 2,57 g. Figura 38: Eclosão em ninho de tracajá (P. unifilis), igarapé dos Currais, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.). Figura 7: Jovem de tartaruga (P. expansa) de cativeiro com lesão na carapaça causada por fungos e bactérias. Foto: RAN/AM (Oliveira, P.H.G.). Figura 39: Técnico do RAN-AM e universitário coletam dados de ninhos de quelônios, lago do Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-dePincha (Andrade, P.C.M.). 120 O mesmo tipo de lesão foi encontrado em dois exemplares de P. expansa em criadouro no Iranduba. Um animal apresentava uma única lesão na carapaça e outro apresentava várias lesões na carapaça e no plastrão. Aplicou-se, o mesmo tratamento descrito anteriormente mas, antes foi feita a raspagem do local e realizada cultura do material biológico recolhido. Não houve resultados para 415 Para Aeromonas: 1)Pode ser feito também um tratamento à base de tetraciclina (5 mg em 2 ml de água destilada), via estômago, duas vezes ao dia, durante 5 dias (Murphy & Collins, 1982; Fowler, 1980). Entretanto, enquanto pesquisávamos o caso, voltamos a adotar o mesmo procedimento utilizado para a água de filhotes recém-chegados ao criadouro, ou seja, colocamos 10 gotas de iodo/100 litros de água no tanque dos animais doentes. Em 5 ou 7 dias houve uma redução progressiva dos sintomas dos animais doentes. Animais aparentemente sadios que foram separados para outro tanque, antes do início do tratamento, apresentaram os sintomas naquela outra instalação (5 dias depois), sendo imediatamente medicados. Outro caso observado em criadouros de Itacoatiara foi o aparecimento de ulcerações na carapaça de tartarugas juvenis (Figura 5). Os animais foram trazidos ao Ibama, isolados e deixados em recipiente com pouca água (para que o local da lesão se mantivesse seco). Na lesão foi aplicado iodo e colocado unguento. Foram feitas aplicações diárias até a perfeita cicatrização do local. 414 Através do programa Jovem Cientista, da Fapeam, Oliveira et al. (2006) registraram que os ribeirinhos observaram, no Médio Amazonas, que os quelônios alimentavam-se de peixes (23%), frutos (22%) e plantas (20%), ocupando maior diversidade de habitats do que no rio Juruá, com uma predominância de 15,1% nos rios, 11,9% nos lagos e 11,5% nas florestas. Devido à disponibilidade, os quelônios mais consumidos são os tracajás (55%), jabutis (21%) e cabeçudos (10%), embora a preferência seja pelo tracajá (31%), tartaruga (26%), jabuti (17%) e iaçá (16%). Com uma maior diversidade de ambientes de captura, como a captura em igapós, várzea baixa e capinzal, são utilizados como apetrechos a malhadeira (27%), o espinhel (17%) e o arpão (16%). Nessa região, apenas 47,73% dos ribeirinhos afirmam comercializar esses animais, enquanto que no Juruá, esse número pode atingir de 64-99%. O preço médio é de R$ 20,17/tracajá e R$ 83,48/tartaruga, sendo que, além do consumo de carne e ovos, os quelônios são utilizados como remédio (banha, 36,99%) e artesanato (27,05%). Desde 2004, entre os filhotes soltos foram marcados 28.303 animais com sistema de picos na carapaça (10% com microchips) para monitoramento através de recaptura (CMR) e estimativa da taxa de sobrevivência e crescimento. Dos filhotes manejados, marcados e soltos, recapturamos 1,53% e estimouse em 5,74% a sobrevivência total até 12 meses. O maior índice de recaptura foi o do tracajá, com 6,19%. A sobrevivência média de tracajás na natureza, até 12 meses de idade, foi estimada em 17,76 ± 10,23%. A sobrevivência de P. erythrocephala foi estimada em 12,5%. O recrutamento anual médio de fêmeas nas áreas de reprodução aumentou 37,11 ± 55,83%. 121 O Aeromonas, bactéria gram negativa, causa a chamada red leg, que são manchas avermelhadas nos membros com ulcerações e equimoses, além de anemia macrocítica, leucopenia e trombocitopenia (Murphy & Collins, 1982; Fowler, 1986). O Citrobacter freundii é bactéria gram negativa que destrói os glóbulos vermelhos, causando danos aos órgãos internos, perda de apetite, letargia, ulcerações e necrose na pele e posterior paralisia dos membros inferiores com multilação nos dedos, além de filamentos de sangue que cobrem os olhos até atingir um quadro fatal de septicemia, síndrome conhecida como SCUD (Scepticemic cutaneous ulcerative disease), que acomete tartarugas aquáticas. Nestes casos, o parasita pode ser isolado do fígado, coração, sangue, rins. É uma doença transmitida pela água, sendo mais susceptíveis tartarugas com escarificações (ferimentos) nas patas (Murphy & Collins, 1982; Fowler, 1986). Os tratamentos recomendados na literatura são: Para Citrobacter: 1) Glorioso et al. (1974): uma dose inicial de 8 mg/100g, intramuscular de Kaba, quemicetina ou quemisulfan, continuando o tratamento durante 7 dias, com duas doses de 4 mg. Figura 40: Marcação de filhotes de tracajás, com microchips, por jovens cientistas – Fapeam, em Barreirinha-AM. Fonte: Jane – ProVárzea. 2007 2) Murphy & Collins, 1982: Clorafenicol foi usado eficientemente em alguns casos com uma dosagem inicial de 6 mg/200 g de peso vivo, no primeiro dia, seguida por uma dosagem de 3mg/200 g de PV por sete dias. Ou 250 mg de clorafenicol por 2,6 litros de água. Colocar nesta proporção na água do reservatório duas a três vezes por semana, e melhorar a alimentação e exposição ao s raios de sol (colocar solário). 3) Fowler, 1986: Aplicação de betadina ou iodina (iodo) localmente, e clorafenicol parenteralmente. 122 413 Os animais que foram acometidos desse sintoma estavam em área mais exposta ao sol do que os outros tanques. Filhotes de tracajá (P.unifilis) e iaçá (P. sextuberculata) que estavam em tanques próximos não apresentaram esses sintomas. Foi realizada punção timpânica em alguns animais enfermos, a fim de coletar material para análise. Todavia, o material que enchia a membrana não era secreção purulenta. Tratava-se de gás acumulado que cedeu após a punção, desinchando. No dia seguinte, os animais puncionados apresentavam novamente o inchaço. Os exsudatos recolhidos nos animais enfermos, bem como o material retirado do sangue, fígado e rins de um animal doente, que foi sacrificado, foram inoculados e analisados pelo Dr. Januário, do Laboratório de Patologia da Universidade Federal do Amazonas. A cultura dos exsudatos e do material recolhido dos tecidos revelou a presença de bactérias do gênero Proteus e Citrobacter. Não foram observadas alterações, em nível macroscópico no fígado, trato gastrointestinal e rins do animal sacrificado. Cortes histopatológicos não foram realizados. O diagnóstico da doença foi feito a partir de revisão bibliográfica (Murphy & Collins, 1982; Fowler, 1994) cruzada com o resultado dos exames patológicos dos animais doentes. Na bibliografia, encontramos que das quatro categorias de patógenos causadores de infecções em quelônios (patógenos gram positivos; bacilos gram negativos móveis que possuem citocromo oxidase e que não possuem; bacilos gram negativos não móveis), os gêneros Aeromonas e Citrobacter causavam sintomatologia similar ao caso estudado. 412 Figura 41: Comunitários da Granja, Barreirinha-AM, soltando os filhotes de quelônios resultado de seu trabalho. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (P.H.G. Oliveira). O custo médio do filhote, produzido nesse sistema de manejo comunitário, é de R$ 0,71 ± 0,06. A rentabilidade para os investimentos em conservação de quelônios foi estimada em 120,21%, em conscientização ambiental foi de 165,76% e em criação de quelônios de 183,44%. Através desse programa de conservação de recursos naturais e extensão, a Ufam tem conscientizado as comunidades do Médio-Baixo Amazonas para o manejo racional de quelônios, utilizando a metodologia de pesquisa participativa ou pesquisa-ação. Os resultados alcançados mostram, a princípio, que abordar a questão ambiental com a parceria da comunidade tem um grande impacto na redução do problema, pela valorização do meio ambiente, o que resultou em ações concretas para a melhoria da qualidade de vida. 123 Figura 42: As diversas faces do Pé-de-Pincha. Educação Ambiental através de fantoches e da dança com a Escola de Educação Especial de Terra Santa. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (2004-2005). Hoje, em seu oitavo ano, o programa tem sido procurado por inúmeras comunidades de diferentes municípios do estado do Amazonas e do oeste do Pará, solicitando que seja implantado também em suas áreas. Na busca de atender a esse anseio, o Ibama e a universidade pretendem, através de novas parcerias, redimensionar esse projeto e somar esforços a fim de treinar o pessoal técnico e das comunidades (cursos teóricos e de campo, cartilhas, implantação de unidades demonstrativas, etc.) em toda a Amazônia. Dessa forma, vislumbramos que as instituições possam interagir com as comunidades e que com o seu conhecimento empírico somado ao domínio das técnicas, sejam capazes de, em um futuro bem próximo, manejar sozinhos e racionalmente seus recursos faunísticos, garantindo a sobrevivência das espécies e o sustento do homem ribeirinho. 2.3. Modelos de crescimento populacional de quelônios, análise da sustentabilidade e propostas de manejo racional 124 O conteúdo do trato digestivo foi obtido de tartarugas abatidas oriundas de criadouro comercial em Manaus. Coletou-se material do estômago, intestino delgado e grosso. O conteúdo dos diversos segmentos foi colocado em solução aquosa e feita a leitura do material a fresco. Foram preparadas lâminas semipermanentes de algumas estruturas para confecção de fotografias e identificação. O material foi fotografado em microscópio especial (Zeiss). O material do segmento estomacal apresentou uma densidade parasitária imensa no estádio larval de nematelmintos, em todos os estômagos analisados. À medida que progrediu-se no sentido caudal do trato digestivo, a carga parasitária foi diminuindo sensivelmente. No intestino delgado encontrou-se larvas em apenas 45% do material analisado (Tabela 2). Tabela 2: Freqüência de parasitismo no trato digestivo em tartarugas (P.expansa) de cativeiro, Manaus/AM. Segm ento do trato digestivo Estôm ago Intestino delgado Intestino grosso nº pesquisado n º parasitado 19 11 19 5 % de parasitados 100 45 1 0 0 Os animais analisados em criadouros apresentaram mais parasitas no período das chuvas (40,62 4,42%). Em 1999, registramos em filhotes de tartaruga (P. expansa) criados em tanques de fibra de vidro com 250 litros, na densidade de 3 100 animais/m , alimentados com ração de peixe, 40% de proteína, os seguintes sintomas: inchaço das membranas timpânicas, com deformação da cabeça e olhos saltados; abcessos e feridas, de aspecto caseoso (cor amarelada) nos membros posteriores próximos às articulações femurais; derrame na parte inferior interna do globo ocular seguido de embaçamento do olho; manchas avermelhadas tendendo para o roxo no plastrão. 411 Matos & Fedullo (1996) apud Duarte (1998), ao realizarem exames bacteriológicos em amostras fecais de 60 quelônios para detectar a presença de bactérias do gênero Salmonella, obtiveram em filhotes de Trachemys scripta elegans, obtidos de feiras e lojas de animais, maior índice de infecção, 23,07 %, enquanto filhotes de Geochelone denticulata, da Fundação Rio Zoo, tiveram índice de 10% e T. dorbignyi, Chrysemys picta picta, Graptemys pseudogeografica e G. carbonaria oriundos de ambas as fontes, obtiveram resultado negativo foram encontrados os sorovares Typhimurium, Albany, Kottbus, Loanda e o sorovar 0:50 de S. enterica subespécie houtenae. As visíveis implicações à saúde pública são discutidas em virtude da crescente popularidade desses répteis como animais de estimação. Andrade et al. (2006), tabularam e analisaram os dados de 23 anos do Programa de Conservação de Quelônios em diferentes praias de reprodução no Amazonas (rios: Purus, Juruá, Negro, Solimões, Uatumã e Médio Amazonas), em especial nas do Médio e Baixo rio Juruá, verificando a regressão existente entre o tempo de proteção e a produção de filhotes de cada praia. A análise da série temporal do rio Juruá revelou que existe regressão entre as variáveis analisadas (regressão linear= P<0,018; regressão quadrática=P<0,072). O melhor modelo de ajuste encontrado foi a 2 regressão quadrática: P= - 108391+37439,3. t – 778,616. t , com R2=38%. Na Figura 43, apresentamos o ajuste dos pontos e a curva quadrática para a série temporal de produção no rio Juruá. Regression Plot C10 = -108391 + 37439,3 C11 a) Problemas de sanidade nos criadouros do Amazonas As fezes e regurgitados foram coletados durante as biometrias bimestrais realizadas nos criadouros. Foram coletadas em vidro limpo com tampa rosqueável contendo conservante MIF. Este material foi tamizado em cálice com formol a 10%. Após sua sedimentação espontânea (método de Lutz), procedeu-se a leitura em lâminas no microscópio ótico. Tomou-se uma fração do sedimento em lâmina de vidro e acrescentou-se uma gota de lugol, homogeneizando-se, cobrindo com uma lâminula. A leitura foi feita em aumento de 100X e detalhada em aumento de 400X. As estruturas parasitárias observadas (larvas, ovos de nematelmintos e amebas) foram fixadas em lâminas semipermanentes, para posterior identificação. 410 R-Sq = 38,0 % R-Sq(adj) = 26,7 % 800000 600000 C10 Os técnicos do projeto Diagnóstico/PTU analisaram material fecal, regurgitados e material do trato digestivo de quelônios de cativeiro. As amostras foram coletadas em criadouros em Manaus, Iranduba e Manacapuru. - 778,616 C11**2 S = 174695 400000 200000 0 0 10 20 C11 Figura 43: Regressão entre o tempo de proteção de um tabuleiro e a produção estimada de filhotes de quelônios no rio Juruá. Andrade et al. (2006) estimaram, ainda, o melhor modelo de curva para explicar o crescimento populacional de quelônios, em áreas -0,8313.t protegidas, como sendo o de Von Bertallanfy, Yt= 187.014 (1- e ), sendo o crescimento populacional máximo (k) estimado 125 em 207.889 animais (tartarugas, tracajás e iaçás), com taxa de crescimento anual (r) igual a 0,8313. Quando esse modelo foi comparado aos dados reais do rio Juruá, observou-se que mesmo com falhas na proteção, em alguns anos, as populações mantêm uma tendência de crescimento que se estabiliza em torno de 10 a 13 anos de trabalho. N.Filhotes Curva de Crescimento Populacional de Quelônios 200000 180000 160000 140000 120000 100000 80000 60000 40000 20000 0 Yt= 187014 (1 - e 1 3 5 7 9 -0,8313. t 11 13 ) 15 17 19 21 23 25 Anos de Proteção Figura 44: Modelo de curva de crescimento de Von Bertallanfy, para a produção de filhotes de quelônios, pelo tempo de proteção da área de reprodução. Ao aplicar-se o referido modelo de crescimento populacional à série histórica do Baixo Juruá (produção de filhotes de Joanico, Botafogo e Antonina), notamos que a produção máxima de filhotes no crescimento populacional máximo (k) foi estimada em 540.507 filhotes, com uma taxa de crescimento anual (r) igual a 0,09125. O modelo estimado de produção de filhotes para a região do Baixo Juruá foi o seguinte: -0,09125 . t Produção de filhotes Y(t)= 540.507 (1 – e ). Se somarmos a produção de filhotes dos tabuleiros de Joanico, Botafogo e Antonina temos uma produção anual estimada em torno de 262.236 filhotes de quelônios (76 a 91% de iaçás, 4,7 a 126 Para Morlock (1979), as doenças de tartarugas em cativeiro são provenientes de grupos formados indevidamente, sanidade no local da criação, introdução de animais infectados. Para Alfinito (1980), as principais causas de mortalidade estão relacionadas aos estados de desidratação, inanição e asfixia, podendo haver a possibilidade de albinismo (leucodermia congênita e acromatose congênita) entre as tartarugas, sendo que estas devem ser descartadas para evitar a multiplicação de animais albinos no lote. O Ibama (1989) cita que a fotofobia e alteração congestiva, em casos agudos, podem apresentar inflamações das pálpebras com derrame purulento, sendo a mais temível doença, o moquilo que parece ser vírus filtráveis e bactérias associadas. Os sintomas são debilidade, perda do apetite, inflamação das pálpebras, úlcera na córnea, lacrimejamento contínuo. Em sua etapa final, apresenta uma secreção gastrointestinal aguda, defecando substância semelhantes às que apresentam nas fossas nasais. Quando acometido o animal não quer permanecer na água e busca sempre proteger-se em local escuro e úmido. Em relação à parasitologia, Paixão & Thatcher (1984), ao analisarem alguns exemplares de tartaruga (Podocnemis expansa), tracajá (P. unifilis) e iaçá (P. sextuberculata), provenientes da Reserva Biológica do Abufari, AM, encontraram helmintos dos filos Trematoda em tartaruga (Telorchis spp.; Nematophila grandis; Braunotrema pulvinatum), tracajá (Nematophila grandis; Braunotrema pulvinatum; Telorchis spp.; Haltrema avitelina) e iaçá (Paramphistomiformes) e Nematoda em tartaruga (Paratractis sp.) e tracajá (Ancyracanthus pinnatifidus) fixados à mucosa do estômago e intestino, que se encontravam espessados com pontos hemorrágicos nos locais de fixação. 409 10.2 Sanidade e predação 10.2.1 Sanidade A tartaruga Podocnemis expansa pode ser considerada rústica em relação à incidência de doenças. Para a criação em cativeiro, no estado do Amazonas, ainda estamos estudando quais seriam os agentes microbiológicos e os fatores que poderiam causar danos à biologia do animal e à produtividade. Baixas temperaturas causam a morte de tartarugas jovens em cativeiro. No frio, os filhotes desenvolvem um quadro de pneumonia com sintomas de perda do apetite; presença de uma membrana esbranquiçada cobrindo o globo ocular; secreção nasal com obstrução das vias respiratórias; insuficiência respiratória caracterizada pelo comportamento atípico dos animais em permanecerem boiando com o corpo em posição inclinada e mortalidade (Chelonia, 1994). Análises necroscópicas realizadas em tartarugas jovens de cativeiro constataram infecção bacteriana múltipla por Escherichia coli, Klebsiella sp., Pseudomonas sp., Proteus sp. e Salmonella sp., que apresentaram no teste de antibiograma resistência antibiótica, principalmente Pseudomonas sp. Entre os antibióticos administrados, os do grupo quinolona apresentaram melhor eficácia associados a medidas profiláticas como limpeza e desinfecção dos tanques, banho dos animais com permanganato de potássio, desobstrução nasal e a transferência dos animais dos tanques de fundo de terra, pois, devido ao tratamento, houve uma expressiva diminuição na taxa de mortalidade (Chelonia, 1994). Alfinito (1980) cita a ocorrência do Micobacterium tuberculosis chelonei isolado por Friedmam nos pulmões de tartaruga de aquário, em Berlim. 408 a 6,8% de tracajás e 1,3 a 21,1% de tartarugas), ou seja, 48,52% da capacidade produtiva, prevista pelo modelo, para tabuleiros conservados por cerca de 15 anos. Deve-se considerar, contudo, que no primeiro ano de vida existe uma elevada taxa de mortalidade. Andrade & Soares (2005) e Andrade & Rodrigues (2005) verificaram que dos filhotes de quelônios marcados e soltos em lagos naturais (Médio Amazonas e Médio Juruá) foi estimada em 5,74% a taxa de sobrevivência total, até 12 meses, sendo que para os tracajás (Podocnemis unifilis) a taxa de sobrevivência média na natureza foi estimada em 17,76 ± 10,23%. Se considerarmos o valor de k (constante de equilíbrio populacional, valor populacional de produção máximo)= 262.236 animais no Baixo Juruá, e a taxa de crescimento anual média estimada por Andrade et al. (2006) para a calha do rio Juruá, ou seja r=0,8313, observa-se que, a cada ano, 217.997 animais deveriam ser recrutados pela população. Todavia, a taxa de crescimento que estimamos neste trabalho, para o Baixo Juruá, foi de r=0,09125, logo, o número de indivíduos estimados para recrutamento cairia para 48.646 animais (10.264 tartarugas, 2.286 tracajás e 36.971 iaçás). Contudo, deve-se observar que as taxas de sobrevivência são relativamente pequenas. Portanto, ao se considerar as taxas por espécie (estimadas por Andrade & Soares, 2005, e Andrade & Rodrigues, 2005), esse recrutamento anual cairá para 2.122 iaçás, 406 tracajás e 157 tartarugas. Esses valores naturais de recrutamento impossibilitam a extração de quelônios de forma racional, em vida livre, com o número atual de praias manejadas, posto que, estima-se para a região do Baixo 127 Juruá, a extração clandestina de cerca de 8.000 quelônios/ano. Se aumentarmos o número de praias conservadas e o número de rios protegidos, possivelmente, elevaríamos a taxa de recrutamento e com isso o número de animais adultos chegariam até o período de desova. Somente isso, permitiria, em um período de 8 a 10 anos de trabalho de proteção, atingir-se o máximo da capacidade produtiva e com isso, a possibilidade de exploração racional de adultos de espécies como o iaçá e o tracajá, em vida livre. Diante da impossibilidade do manejo extensivo imediato, sugere-se algumas propostas que possibilitarão a obtenção de renda a partir da conservação de quelônios. Para aumentarmos a taxa de recrutamento e gerarmos quelônios excedentes para consumo ou geração de renda, quatro medidas de manejo devem ser adotadas: a) Proteção dos ninhos naturais e transferência de ninhos ameaçados; b) Manutenção de filhotes recém-eclodidos de tartarugas e tracajás, em berçários, até o segundo ou terceiro mês de vida; c) Soltura destes filhotes em lagos ou lagoas centrais em locais de farta alimentação e abrigo (restart); d) Criação comunitária em gaiolas ou tanques-rede. A extração de ovos e de filhotes para criadores seria uma possibilidade de geração de renda desde que adotado rigoroso controle sobre os tabuleiros e sobre a captura ilegal de adultos e que fossem seguidas as quatro sugestões de manejo propostas. 128 Figura 6: a e b) Ninho e praia de reprodução de tartaruga (P. expansa) em criador de Manacapuru; c) Marcação com furos na carapaça; d) Comparação entre a fêmea, matriz de tartaruga, e seu filhote. 407 No criadouro com razão sexual de 2,2F:1M, sendo o peso médio das fêmeas=20,875 ± 11,91kg e machos =4,219 ± 0,787kg, foram registradas desovas desde o ano de 2003. Alguns animais subiram na praia de reprodução e formaram cardumes na margem em comportamento similar ao da fase de boiadouro e assoalhamento na fase reprodutiva em áreas naturais. Nenhuma cova foi identificada embora suspeite-se que alguns a tenham feito. Em 2005, foram identificados três ninhos com número médio de ovos de 80/ninho. Houve uma taxa de eclosão de 90%, sendo totalizados 216 novos filhotes de tartaruga no plantel. Em 2006, foram registrados nove ninhos e nasceram 440 filhotes. Capítulo 4: Ecologia de quelônios pelomedusídeos na Reserva Biológica do Abufari Juarez Carlos Brito Pezzuti – NAEA/UFPA Daniely Félix da Silva - MPEG Jackson Pantoja Lima – Inpa Alexandre Kemenes – Inpa Marcelo Garcia - Ipaam Norival Dagoberto Paraluppi - Ufam Luiz Alberto dos Santos Monjeló - Ufam A comunidade de quelônios aquáticos da bacia amazônica, uma das mais diversas do mundo, sempre constituiu elemento importante na dieta dos habitantes da região. A tartaruga, Podocnemis expansa, espécie de maior porte e a mais abundante, era rotineiramente consumida e também armazenada em currais, nas aldeias indígenas, para ser utilizada na cheia quando os peixes eram menos acessíveis. Mesmo com a Lei de Proteção à Fauna (no 5.197/1967), essas populações permanecem sujeitas à forte pressão de pesca clandestina de animais adultos, e não somente durante o período reprodutivo. Durante outras épocas, os sistemas aquáticos são constantemente invadidos, e a sua extrema complexidade facilita essa atividade. A conseqüência óbvia é o declínio populacional evidente. No Trombetas, o número de fêmeas reproduzindo-se nos tabuleiros vem diminuindo gradativamente. Na Rebio Abufari, a despeito da presença mais constante da fiscalização, centenas de animais adultos são capturados todos os anos por pescadores financiados por traficantes de Manacapuru. Figura 5: Biometria e marcação de plantel reprodutivo. 406 Os ovos também foram e ainda são, em algumas localidades, uma fonte importante de proteínas para a população local. , sugere que, possivelmente, a coleta da tartaruga e de seus ovos é a atividade etnozoológica mais importante de toda a região 129 amazônica, vindo desde o período pré-colombiano até hoje., que registrou a apreensão de 261 quelônios em operação de fiscalização do IBDF. Some-se a isso a ausência de informações básicas sobre a ecologia desses animais, como área de vida e padrões migratórios. Os esforços para a conservação de quelônios têm sido direcionados para a proteção de ninhos e diversas espécies ameaçadas tiveram seu manejo baseado num conhecimento incompleto da dinâmica populacional, sem informações demográficas sobre classes de idade, área de vida e padrões migratórios. No entanto, a aplicação de programas de manejo, apenas recentemente, tem levado em consideração aspectos básicos da biologia reprodutiva desses animais. Um dos processos críticos é a influência da temperatura de incubação sobre a determinação do sexo dos embriões, ainda mais porque a metodologia, geralmente aplicada pelos programas de conservação de quelônios no mundo, tem sido a de transplantar ninhos para locais protegidos, sem a verificação do sexo produzido pela incubação dos ovos em tais condições . Na Amazônia, estudos sobre determinação sexual foram desenvolvidos com Podocnemis expansa , P. unifilis e Peltocephalus dumerilianus . Destes, apenas Valenzuela (2001) e Souza & Vogt (1994) investigaram a relação entre as características de ninhos naturais com a temperatura de incubação e outros parâmetros físicos. As demais espécies amazônicas permanecem desconhecidas quanto a esses aspectos de sua biologia reprodutiva. Os ninhos estão ainda sujeitos à predação natural e a variações ambientais súbitas 130 postura, completando assim, o ciclo de criação através da reprodução em cativeiro. Entre as prioridades de pesquisa elencadas foi queloniocultores fez-se necessário avaliar o crescimento nas categorias de engorda e reprodução de animais submetidos a diferentes tipos de alimentos, em complementação aos primeiros estudos feitos nas fases de berçário e crescimento. A avaliação dos parâmetros reprodutivos de quelônios em cativeiro foi realizada em dois criadouros comerciais (Iranduba e Manacapuru). Foram analisados os parâmetros e a eficiência reprodutiva através das variáveis tamanho e idade das fêmeas em postura; abundância e distribuição dos ninhos; número de ovos/ninho. A idade média do plantel reprodutivo nas primeiras desovas em cativeiro foi de 8,57 ± 0,79 anos. Em animais alimentados com proteína de origem vegetal (rações com farelo de soja, verduras e frutas) o peso médio foi de 14,19 ± 2,29 kg nas fêmeas e 11,87 ± 2,06kg nos machos. O peso ao final de cinco anos de cultivo, que era em média 2,66 kg em 1997, aumentou para 9,2 ± 2,25 kg em mais de 65% dos animais dos lotes comercializados. Na criação com razão sexual de 4F:1M foram registradas desovas desde 8 anos de idade, sendo que aos 7 anos alguns animais “experimentaram” fazer ninhos na praia artificial. Em 2003-2004, foram conferidos mais de 20 ninhos com uma média de 70 ovos. Em 2005, registrou-se 5 ninhadas, com média de 73,80 ± 2,5 ovos, havendo predação por jacuraru (Tupinambis spp.). A taxa de eclosão foi baixa, sobrevivendo apenas 150 filhotes. Em 2006, foram produzidos 300 filhotes. Em criadouros cujos animais eram alimentados principalmente por fontes de proteína animal (sangue coagulado bovino, restos de filetagem de peixe), o peso médio dos animais comercializados com 5 anos variou em média de 7,25 a 18,55 kg (158 animais comercializados). 405 tanques de 1.000 litros, após 7,5 0,707 dias (serragem) a 10,333 2,516 dias (vermiculita) de nascidos. As mortes ocorridas foram de ordem técnica no manejo dos animais. Os animais nascidos a 32ºC apresentaram uma tendência a um maior crescimento (ganho diário de peso, GDP = 0,24 g/dia), em relação aos que nasceram a uma temperatura mais baixa, 27ºC, GDP = 0,18 g/dia. No entanto, os animais obtidos na vermiculita apresentaram maior GDP = 0,20 0,03 g/dia do que os da serragem, GDP = 0,10 0,0 g/dia. Os animais de 30ºC apresentaram maior consumo diário de ração, CDR = 3,36 1,86 g/dia em relação aos de 32ºC, 1,83g/dia, e 27ºC, 1,19 g/dia. Os animais da vermiculita apresentaram menor consumo, 1,66 0,43 g/dia, enquanto os da serragem tiveram 3,28 1,97 g/dia. A umidade parece ter influenciado no metabolismo dos filhotes. Filhotes nascidos na serragem (ambiente mais úmido) demoraram mais para absorver o vitelo, apresentaram menor GDP e maior consumo do que os da vermiculita (menor umidade). A sexagem dos animais foi realizada aos seis meses de idade, em que verificou-se uma tendência para um maior número de fêmeas nas temperaturas mais elevadas, 32ºC igual a 50,55%, 30ºC igual a 41,15% e a 27ºC igual a 28,07%. Em relação aos outros substratos, a vermiculita apresentou um maior número de fêmeas 47,16% , do que a serragem, 35%. A determinação sexual dependente da temperatura ocorre no segundo terço do desenvolvimento embrionário pelo efeito acumulativo da temperatura de incubação, devido às tartarugas não possuírem cromossomas sexuais heteromórficos (Vogt & Villela, 1986). 10.1.3 A reprodução de quelônios em cativeiro Em 2005, os primeiros espécimes de P. expansa doados pelo Ibama (em 1995), para criação, realizaram sua primeira 404 como a repentina subida do nível do rio ; . A tartaruga e o tracajá são as espécies mais procuradas na Amazônia para criação com finalidade comercial. O fornecimento aos criadores depende da retirada anual de milhares de filhotes dos tabuleiros protegidos pelo Ibama, para formar o plantel das criações comerciais, cujo número aumenta todo ano. O principal fornecedor, até o ano de 1998, era o tabuleiro do Abufari, que se situa na unidade de conservação que recebe o mesmo nome (Reserva Biológica do Abufari). Esses fatores, associados com a questão básica da determinação do sexo pela temperatura em quelônios e suas conseqüências para qualquer prática de conservação e manejo desses animais, fazem com que seja imprescindível a investigação dos aspectos mais elementares da ecologia das espécies com que estamos lidando, sobretudo quanto ao processo reprodutivo. O quadro, portanto, é de franca carência de estudos sobre esses valiosos recursos que vêm sendo milenarmente explorados por populações indígenas, para subsistência, e há pelo menos 300 anos em intensa escala comercial rumo ao seu esgotamento. Diante do exposto, a Universidade Federal do Amazonas, em cooperação com o Ibama, realizaram estudos sobre a ecologia, fisiologia, parasitologia e genética para a conservação dos quelônios da Reserva Biológica do Abufari, com apoio financeiro do CNPq através dos projetos “Diagnóstico da criação de animais silvestres no estado do Amazonas” (Fase I/1998 e Fase II Proc. nº 49.9940/2000-0 PTU/CNPq). Subprojeto Ecologia Reprodutiva dos quelônios da Rebio Abufari (Ibama Proc. nº 02005.002248/98-13). As pesquisas continuaram com financiamento do Banco da Amazônia (Basa) ao projeto “Bases Ecológicas para o manejo dos quelônios no Estado do Amazonas”. Finalmente, em 2003, contamos com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do 131 Estado do Amazonas (Fapeam) para a continuação das pesquisas dessa equipe multidisciplinar, com a execução do Projeto “Ecologia reprodutiva, dinâmica populacional, genética de populações e manejo de quelônios na Amazônia”. Portanto, este produto inclui o resultado de vários projetos executados ao longo do período entre 1998 e 2004. O objeto principal de estudo durante esses anos foram as populações de Podocnemis expansa, P. sextuberculata e P. unifilis que se utilizam da Praia do Abufari para reprodução. Investigamos aspectos básicos de ecologia reprodutiva dessas espécies e investimos em um programa de marcação para determinar a estrutura populacional, a área de vida e a rotas migratórias sazonais de dispersão entre essa praia e as áreas de alimentação. Ainda monitoramos a pesca clandestina de quelônios aquáticos na Rebio. Muito ainda precisa ser feito, sobretudo para conhecer os padrões anuais de movimentação dos adultos e para isso daremos continuidade, em 2006, a essas pesquisas, intensificando o programa de captura, marcação e soltura de animais adultos e monitorando fêmeas adultas de P. expansa, utilizando radiotelemetria. O Tabuleiro do Abufari A Reserva Biológica do Abufari situa-se no primeiro terço do rio Purus, o último grande afluente do Rio Solimões antes do encontro com o rio Negro, formando o Amazonas. Trata-se de um típico rio de águas brancas e, portanto, carregadas de sedimentos que depositaram-se ao longo do tempo formando os solos que sustentam o ecossistema de várzea. A planície alagável, recortada por um complexo sistema de corpos de água formado por paranás, canos, ressacas e lagos, está sujeita a profundas alterações em função da variação anual do nível da água (Figura 1). Durante a cheia, esse conjunto torna-se um único corpo de água contínuo, preenchido pela floresta inundada. Nessa região, o Ibama realiza fiscalização direta, patrulhando os rios, canais, igarapés e lagos, 132 Figura 4: Eclosão dos filhotes de Podocnemis expansa. Foto: RAN/AM (Duarte, 1998). O peso ao nascer, dos filhotes, foi maior na vermiculita, 18,96 1,32 g, do que na serragem 17,13 1,00 g. A umidade variou de 93,098 ± 0,300% a 93,00 ± 0,00%, com isto pode ter ocorrido uma tendência para os animais serem mais pesados do que outros, devido a um substrato reter mais umidade do que o outro. Embora Morlock (1979) cite que deve-se umedecer os ovos para incubá-los, na literatura citada não foram encontradas definições sobre a influência da umidade na incubação e no desenvolvimento do embrião e peso, ao nascer, do filhote de tartarugas como citam Vogt & Villela (1986). A absorção do vitelo e o fechamento do “umbigo” foi mais rápido nos filhotes nascidos na vermiculita, 3 e 4 dias, respectivamente, em relação à serragem, 4 e 7 dias. Em seguida, os animais foram medidos e pesados antes de serem levados para 403 Tabela 1: Dados sobre incubação artificial de ovos de Podocnemis expansa. (Duarte, 1998). Iten s \T ratam en tos -Nú m ero de ovos -Peso dos ovos -Período de incu bação (dias) -Taxa de eclosã o (% ) -Nú m ero de ovos inférteis -Natim ortos (% ) -A bsorção do vitelo (dias) -Fecham ento do “u m bigo” (dia s) -Peso ao nascer (g) -Passagem para o tanqu e (dias) -M orte após colocação nos tanqu e. V 27ºC * 60 27,5 ± 3,0 45 S 32ºC ** 54 21,2 ± 2,7 45 S 30ºC ** 45 20,3 ± 1,2 47 54,76 48,00 10 100,0 0 1 12 - 3,57 3 15,56 2,5 2,5 4,76 4 12,00 4 4 4 4 7 7 19,96 ±1,12 8 17,46 ±1,11 13 19,80 ± 1,08 10 18,49 ± 1,51 8 16,48 ±0,66 7 2 3 1 - - V 32ºC * 57 28,5 ± 2,6 39 V 30ºC * 100 - 91,07 36,67 1 40 *V32°C/V30°C/V27°C = vermiculita a 32°C /30°C/27°C ** S32°C/S30°C = serragem a 32°C/30°C apreendendo animais e aparatos de pesca. Reserva Biológica do Abufari (288.000 hectares) Figura 1. Carta-imagem da Reserva Biológica do Abufari, rio Purus (em azul), município de Tapauá, Amazonas, Brasil (Legenda: 1 – praia do Abufari; 2 – rio Abufari; 3 – complexo de lagos do Chapéu; 4 – lago Macapá; 5 – Paraná do iragapé Chapéu; 6 – lago Panelão; 7 lago do Campina; 8 – lago Pupunha; 9 – igarapé Tauamirim; verde-escuro – floresta de terra firme e verde-claro – planície de inundação). Monitoramento das desovas A praia anualmente é mapeada no seu comprimento com estacas de 50 em 50 metros, dispostas paralelamente à vegetação. Para fazermos as estimativas da quantidade de ninhos depositados na praia do Abufari é necessário marcar 402 133 áreas de 10 metros de largura distantes umas das outras a cada 150 metros. Essas áreas são chamadas de transectos, que são locais onde o monitoramento será intenso e todas as desovas ali existentes serão monitoradas. Pelo conhecimento do número de ninhos de iaçás e tracajás nestes locais, foi possível estimarmos o número de ninhos existentes na praia e também o número de fêmeas dessas espécies que ali subiram para desovar. Como as tartarugas desovam em um grande agrupamento (tabuleiro, Figura 2), o número total de ninhos é estimado dividindose a produção de filhotes desse cercado e dos ninhos isolados pela média de filhotes produzidos por ninho. Os números e as respectivas densidades de ninhos da praia do Abufari, nos anos de 1999, 2000 e 2001 estão na Tabela 1. A temperatura recomendada para a queloniocultura seria, inicialmente, para a formação do plantel de fêmeas, de 32°C e, posteriormente, para o plantel de machos, de 27°C, desde que se tenha os cuidados básicos ao manejar o ovo, movimentando-o lentamente, sem girar, devido ao embrião aderir na parte superior da casca, por cima da gema. O controle da temperatura de incubação é importante para determinação sexual. Pelo esforço direcionado no estabelecimento e monitoramento de transectos, ou seja, locais com área conhecida e onde todas as desovas foram marcadas e mapeadas, foi possível estimar o número total de ninhos e a densidade dos ninhos na praia do Abufari. Nossa equipe de trabalho todos os anos monitora o tabuleiro do Abufari, a partir do mês de agosto, pois é o momento em que as fêmeas já migraram dos lagos e paranãs para a praia. Durante o período da desova, entre setembro e meados de outubro, há um monitoramento noturno das desovas que são depositadas ali. Além desse trabalho noturno, visitas diárias são necessárias, pois a localização dos ninhos não encontrados durante a noite só será possível com o solo recentemente perturbado com nítidos rastros deixados na noite anterior e os ninhos cobertos externamente com areia úmida removida pelas fêmeas (Souza & Vogt, 1994; Fachin, 1992). Com esse monitoramento sistemático dos transectos é possível detectarmos os ninhos predados ou inundados pela subida repentina do nível da água do rio. Para cada ninho encontrado registramos a data da postura, adistância do 134 Figura 3: Vista externa das incubadoras com caixas de isopor de 170 litros, termostato (até 100ºC, graduação de 1ºC) e 4 lâmpadas incandescentes. Foto: RAN/AM (Duarte, 1998). 401 fungo Aspergillus nigrans e nos ovos inviáveis houve influência na taxa de eclosão. Esse fungo envolveu toda a casca do ovo e durante a incubação alguns ovos tinham sido forrageados por ácaro. A. nigrans pode ser encontrado em outros ambientes (frutas e verduras, geladeiras) e compromete o processo respiratório dos filhotes e prejudica a troca gasosa nos ovos. Isso faz com que os ovos estraguem, os embriões morram ou se desenvolvam com deformações. Os ovos inviáveis parecem contribuir bastante para a contaminação dos ovos viáveis, por fungo, matando os filhotes nos ovos ou após o nascimento e reduzindo a taxa de eclosão. O que, provavelmente, está ligado a alguma substância que não é liberada por ovos não fecundados e que atuaria como fungicida natural. A utilização dos ovos inviáveis serviu para comprovar a importância da seleção dos ovos e suas conseqüências biológicas para a criação comercial, em que os ovos de P. expansa devem ser selecionados, visando o descarte de ovos inviáveis. Na Reserva Biológica do Abufari – AM, também foi observada a contaminação dos ovos por fungo durante o período de incubação natural, na qual ocorreu a morte dos filhotes, nas diferentes idades, aliada ao ataque de formigas ou de larvas de moscas. O custo da incubação artificial foi de R$ 400,00 para as incubadoras, referente à aquisição do material supracitado (US$ 133,330). 400 ninho à parte mais alta da praia e até a margem do rio e a profundidade do ninho. Os ninhos são marcados com estacas de identificação numeradas. Com o monitoramento dos animais que sobem a praia para desovar foi possível observarmos que a menor iaçá (P. sextuberculata) que desovou na praia do Abufari tinha 24 centímetros de comprimento retilíneo da carapaça e 1,1 quilograma. Dentre as tartarugas (P. expansa), o menor animal encontrado desovando na praia tinha 61 cm de comprimento retilíneo da carapaça e 22,0 quilogramas. Tabela 1: Número e densidade de ninhos encontrados na praia do Abufari, durante o monitoramento diário realizado no período de agosto a dezembro de 1999, 2000 e 2001. Número de ninhos Densidade (ninhos/m2) 1999 2000 2001 1999 2000 2001 Iaçá 9.054 3.900 5.782,74 0,019 0,02 0,014 Tracajá 238 195 337,57* 0,0005 0,0012 0,00084 Tartaruga 2.123 2.300 2.475 0,004 0,014 0,0061 Espécie Espécie Total de filhotes 1999 2000 2001 Iaçá 88.004 37.908 75.523 Tracajá 5.983 4.900 9.829 Tartaruga 152.200 170.000 17.000 O processo de sexagem de filhotes O monitoramento dos ninhos nos transectos nos permitiu um acompanhamento completo do período de incubação. Ao atingirem 40 dias de incubação, os ninhos passam a ser revisados a cada dois ou três dias para a 135 identificação de sinais indicando a eclosão dos filhotes, ou seja, o nascimento dos filhotes. Esses sinais são a casca do ovo quebradiça e um pouco transparente e a presença de gotículas de água e pequenas rachaduras na sua superfície. Para cada ninho eclodido foram contados o número de filhotes vivos, o número de ovos sem desenvolvimento aparente, os ovos de gordura, o número de embriões mortos e, quando possível, a causa da morte. Os filhotes vivos foram medidos, pesados e posteriormente libertados na praia. Tendo em vista a necessidade de sacrifício de filhotes para a identificação do sexo, foi expedida uma autorização pela Direc/Ibama para a realização dessa atividade (autorização nº 32/99, expedida pela Direc/Ibama – DF, renovada em 2003). Em geral são sacrificados 10 filhotes por ninho, em média, 10 ninhos de cada espécie, com injeção de 0,1 ml de Nembutal (substância que leva o animal a uma parada cardíaca) por indivíduo. Esses filhotes foram fixados em solução de formol tamponada (1 litro de formol a 10%, 4g de H 2NaPO 4.H 2O, 6,05g de HNa 2PO 4.H 2O), para determinação do sexo dos filhotes, realizado através do exame posterior das gônadas com o auxílio de microscópio óptico (Figura 3). A razão sexual foi determinada como sendo a proporção de machos na ninhada (número de machos dividido pelo número de filhotes vivos) e a sobrevivência como o número de filhotes eclodidos vivos, dividido pelo número total de ovos. Na Tabela 2 estão os dados de número de ninhos amostrados e a média do número de ovos coletados em setembro de 1999, 2000 e 2001. Quanto às temperaturas a eclodibilidade a 27°C obtevese 100,0 0,0%, a 30°C 42,333 8,013% e a 32°C 72,916 25,674 %. Na natureza a temperatura média de incubação é 23,3 a 37,6ºC, sendo a taxa de eclosão entre 85% a 98% de eclosão (Morlock, 1979; Alfinito, 1980; Alho & Pádua, 1982; Alho, Danni & Pádua, 1984; TCA-SPT, 1997). A contagem dos filhotes de tartaruga que nasciam por período (dia ou hora), não foi possível por poder haver (1) o comprometimento da vital absorção do vitelo (reserva nutritiva – composta de gema, aderida ao plastrão por uma película); (2) Perda do microclima interno em cada incubadora; (3) Estresse aos animais e o (4) Empilhamento. O período de incubação em função da temperatura de incubação a 27°C foi de 43,000 0,0 dias, a 30°C 42,000 7,071 dias e 32°C 40,7071 7,071 dias. Sendo, de 39 dias, a 32ºC, na vermiculita, 46 dias, a 30ºC, na serragem (Tabela 1), havendo evidência da premissa de que quanto maior a temperatura, menor será o período de incubação, resultado obtido no substrato vermiculita. Em condições artificiais no Museu Goeldi, Alho, Carvalho & Pádua (1979) observaram que esse período pode ultrapassar 60 dias. O fechamento do “umbigo” em filhotes de P. expansa incubados artificialmente na vermiculita e na serragem ocorreu no quarto e no sétimo dias de idade, respectivamente. O tempo de absorção do vitelo foi menor na vermiculita ( 2,666 ± 0,288 dias) e maior na serragem (4,0 ± 0,0 dias). O percentual de natimortos foi pequeno, de 0% a 4,76%, sendo maior na incubadora a 30ºC com substratos vermiculita e serragem, V30ºC = 15,56% e S30ºC = 12% devido à presença do 136 399 A temperatura média da incubação artificial, em função das horas, oscilou em ambos os substratos, mantendo mais constante na serragem em relação a vermiculita (Figura 2). Temperatura média de incubação X Horas V27 V30 V32 S30 S32 33,5 32,5 Figura 3: Gônada masculina, em detalhe, no centro da figura. Temperatura (oC) 31,5 30,5 29,5 28,5 27,5 06 :0 0 07 :0 0 08 :0 0 09 :0 0 10 :0 0 11 :0 0 12 :0 0 13 :0 0 14 :0 0 15 :0 0 16 :0 0 17 :0 0 18 :0 0 19 :0 0 26,5 Horas Figura 2: Temperatura média de incubação em relação as horas do dia (Duarte, 1998). Foram incubados 316 ovos. A taxa de eclosão, nos cinco tratamentos foi de 66,1 27,817%; na vermiculita -V registrou-se 75,912 34,279% e na serragem 51,380 4,781% (A taxa de eclosão foi maior na vermiculita (V), sendo especificamente na V32ºC = 91,07%; V30ºC = 36,67%; V27ºC = 100%, em relação a serragem (S), obteve-se na S30ºC = 48,0%; S32ºC = 54,76 %. 398 O resultado da sexagem dos filhotes, a partir das amostras coletadas, demonstra que no ano de 2000 houve um desvio acentuado para a produção de fêmeas de tartaruga, no entanto, iaçá teve um desvio para a produção de machos (Tabela 4). Infelizmente, os dados de temperatura de incubação registrados pelos dataloggers foram perdidos por falha nos aparelhos e, portanto, não podemos testar quaisquer relações entre a temperatura média ou a temperatura acumulada, com a razão sexual dos ninhos monitorados. As gônadas masculinas (testículos) apresentam formação cilíndrica e aspecto opaco com uma granulação esbranquiçada, efeito provocado pelas circunvoluções dos ductos do epidídimo. As gônadas femininas (ovários) têm um formato mais alongado e o contorno mais irregular em relação às masculinas e não apresentam granulações. O estudo de marcação e recaptura dos quelônios (avaliação do status populacional) Estão sendo realizadas pescarias experimentais utilizando redes de espera do tipo “capa-saco” e redes de cerco. A técnica de captura chamada de capa-saco é bastante utilizada na região do Purus. Esses apetrechos consistem de grandes redes de comprimento médio de 60 metros e altura de 10 metros, que são instaladas nos 137 canais dos paranás, quando os animais estão migrando para o rio ou mesmo retornando para os lagos. Essas redes também são instaladas no canal do rio Purus. O esforço amostral de captura de animais na área da Rebio vem sendo exercido sobre a calha principal do rio Purus, nos lagos internos (lago Comprido – região do Chapéu e lago do Almoço no sistema do rio Abufari) e os principais canais de ligação entre ambos. Nos anos de 2006, 2007 e 2008 pretendemos replicar as parcelas de pesca experimental durante as seguintes fases do ciclo hidrológico anual: cheia (junho-julho), vazante (agosto-setembro), seca (outubro-novembro) e enchente (dezembromaio). Os dois primeiros aparelhos foram verificados de 3 em 3 horas, minimizando a possibilidade de morte dos animais por afogamento, conforme descrito em . As redes de cerco foram utilizadas principalmente no canal do rio Purus, em números variados de lances, dependendo das taxas de captura. Em cada pescaria foi registrado o horário de saída, a embarcação e os equipamentos utilizados, o tempo gasto para chegar até o local escolhido, o tempo gasto na captura de animais, as características do habitat e microhabitat onde o animal foi coletado, a profundidade, a velocidade da correnteza e a temperatura do local. Os locais de pesca foram georreferenciados com auxílio de GPS (Global Position System). f) Resultados e discussões O peso médio dos ovos incubados na vermiculita foi de 28,5 2,629g a 27,5 3,034 g, na serragem 20,568 6,074g a 21,203 2,710g. No entanto, Espriella (1972) cita que o peso médio para o criadouro deve ser de 43g e Maués (1976), ao fazer a comparação bromatológica em ovos de Podocnemis sp., obteve peso médio de 23,67g. Sendo o tamanho do ovo variável de 2,056 0,607 cm a 3,614 0,164 cm, para ambos os substratos. Os substratos foram utilizados devido: (a) apresenta menor tendência à compressão durante o desenvolvimento do ovo e embrião; (b) identificar qual o substrato para incubação artificial, pois, no caso da areia do tabuleiro poderia haver uma compressão no ovo (embrião) durante o período de incubação; (c) utilizar um material estéril (vermiculita), que é caro e não acessível, e um material regional barato, que é a serragem. Na incubação artificial deve-se observar o emprego e a granulometria da areia para que não comprometa o desenvolvimento do ovo e do embrião. Cada animal capturado foi identificado, medido (comprimento retilíneo e curvilíneo da carapaça, comprimento do plastrão, largura máxima da carapaça e largura da cabeça), pesado e marcado com etiqueta numerada presa na carapaça através de pequenos orifícios perfurados nos escudos marginais (técnica de marcação permanente, padronizada e aplicada por estudiosos de várias partes do mundo, sem causar danos 138 397 durante o transporte. Entretanto, os ovos incubados na serragem foram condicionados numa caixa de papelão contendo areia da praia de desova. Comparando ambos, o primeiro mostrou-se mais seguro. A instalação do experimento consistiu de biometria dos ovos e pesagem em balança de 1.610 g, com o cuidado de não girálos para evitar movimento precipitado do embrião, seguido de delicada colocação em cada substrato. e) Condução do experimento No monitoramento da incubação dos ovos registrou-se a temperatura interna e externa (acima) no substrato, a cada uma hora, através de termômetros de solo para cada temperatura, verificando-se a consonância com a temperatura predeterminada no termostato. Quando a temperatura interna, elevava ou abaixava além do desejado, em cada substrato, diminuía-se ou aumentava-se o indicador do termostato. No início, após a colocação dos ovos em cada substrato, distribuiu-se 1 litro d'água na vermiculita. Não foi necessário na serragem porque o material estava úmido após três sucessivas lavagens. Durante a condução do experimento, a umidade interna foi mantida pela água, contida numa placa de Petri, ou pulverizando-a sobre o substrato. O momento da manutenção da umidade dentro desse sistema é determinado pela leitura do psicrômetro interno (umidade relativa) observado pelo visor externo em cada incubadora, a cada uma hora após a leitura da temperatura no termômetro de solo em cada substrato. 396 aos animais). Posteriormente, os animais foram soltos no local de captura. A abundância relativa de cada espécie foi determinada em função do rendimento dos aparelhos de pesca utilizados, com base no número ou biomassa dos animais, por pescaria, por dia de pesca. Neste estudo a CPUE (captura por unidade de esforço) foi utilizada como o índice de densidade populacional e foi calculada com base na seguinte equação: CPUE = å N / Pescaria / dia Onde: ∑ N = somatório do número de indivíduos capturados; Pescaria = pescaria (em geral leva 15 a 20 minutos); dia de pescaria. A estimativa de biomassa foi baseada na massa dos animais capturados, dividida por pescaria e por dia. Os habitats registrados foram: igapó, rio, lago (Figura 4); a época do ano: enchente, cheia, vazante, seca. A profundidade nos locais amostrados foi registrada com uma corda metrada e com trena. Durante o período reprodutivo, que vem sendo sistematicamente acompanhado pela equipe deste projeto, desde 1998, foi realizada a marcação de fêmeas durante a desova. Ao final de cada noite de desova coletiva as fêmeas que acabavam de enterrar seus ovos foram interceptadas para biometria, pesagem e marcação, como descrito anteriormente. 139 b) Material usado para incubação artificial de ovos de tartaruga Como incubadoras foram utilizadas 3 caixas de isopor de 170 litros cada, montadas com aquecimento interno automático. Sendo necessário em cada incubadora 4 lâmpadas de 25 W, 1 termostato, 2 termômetros de solo, 1 psicrômetro, 1 visor de vidro, 1 suspiro, 1 divisória interna de vidro, 1 placa de Petri, substratos (vermiculita e serragem), fio paralelo, e para as três incubadoras, 1 estabilizador eletrônico, 1 extensão elétrica, 1 balança de 1.610g (graduação de 1g), ovos de tartaruga. c) Montagem das incubadoras artificiais C Figura 4. Vista aérea da praia do Abufari durante o período de descida do nível do rio em 2004 (A) e durante o período de seca do ano de 1999 (B). Habitat de lagos da Rebio Abufari, durante o período de enchente do rio Purus, janeiro de 2005. (C) (Foto: Jackson P. Lima). 140 Para a montagem de cada incubadora, gastou-se cerca de 2 horas, envolvendo as fases de instalação e teste. Inicialmente, instalou-se as lâmpadas, o termostato, a divisória interna de vidro, seguido do teste de funcionamento e identificação das incubadoras. Após a instalação e teste, colocou-se 1,66 g de vermiculita em 3 incubadoras e 0,021 m³ de serragem em 2 incubadoras Em ambas as condições foi utilizada a metade do espaço físico interno das incubadoras para ambos os substratos, devido à falta de recurso financeiro para aquisição de material e o espaço físico para mais incubadoras. A serragem utilizada passou por 3 lavagens, visando a retirada de possíveis compostos químicos que poderiam ser prejudiciais durante a incubação dos ovos, e após estar parcialmente seca foi colocada dentro das incubadoras. d) Transporte, biometria, pesagem e colocação dos ovos nas incubadoras O transporte dos ovos incubados na vermiculita foi realizado numa caixa de isopor com areia da praia de desova para evitar atrito e, principalmente, que eles virem dentro da caixa 395 g/dia, enquanto que os que nasceram na areia tiveram um GDP=0,08 g/dia. Os iaçás tiveram GDP=0,06 g/dia e as tartarugas, GDP=0,15 g/dia. Ao completarem dois meses, os filhotes foram soltos nos seus locais de origem, em áreas com menos predadores e/ou lagos com bastante alimentação natural disponível. 10.1.2 Incubação artificial de ovos de Podocnemis expansa no Amazonas Como o sexo dos filhotes de tartaruga, tracajá e iaçá são determinados pela temperatura de incubação, os criadouros poderiam, através da incubação artificial, estabelecer o sexo dos filhotes que estivessem gerando em sua propriedade, optando por produzir mais machos ou fêmeas. Pensando nessa possibilidade e buscando adaptar a tecnologia já existente ao material disponível no Amazonas, em 1999, a Ufam e, o então Cenaqua desenvolveram na sede do IbamaAM, Manaus, um experimento de incubação artificial de ovos de tartaruga avaliando os efeitos de diferentes substratos (vermiculita e serragem) e de diferentes temperaturas (27, 30 e 32ºC), no período incubatório e no sexo e desempenho dos filhotes. a) Procedência dos ovos de tartaruga (Podocnemis expansa) Foram utilizados 316 ovos coletados por funcionários do Ibama/AM, localizado no tabuleiro da Reserva Biológica do Abufari (Lat. S 04 51' – 05 30' e Long. W 6247' a 6322'; criada pelo Decreto Federal número 87.585 de 20/9/1982) no município de Tapauá (Lat. S 05 45' e Long. W 64 24') administrada pelo Ibama no estado do Amazonas, em 1997. ² Quelônios e seus predadores O fenômeno da predação é comum nos quelônios amazônicos. Foram encontrados diversos ninhos predados por jacurarus, urubus e mucuras. Durante esses anos de estudo verificamos que vários ninhos marcados são predados, mas somente uma pequena porcentagem deles não é possível identificar o predador. Gaivotas são excelentes predadoras. Essas aves são observadas predando filhotes na praia tanto de dia como de noite, e no rio durante o dia. Na praia, a estratégia mais comum é a gaivota realizar vôos cada vez mais baixos sobre o filhote, até conseguir apanhá-lo com as patas sem pousar na areia. Na água, as gaivotas sobrevoam o local à espera que um filhote venha à tona. Quando isso acontece, realizam uma descida rápida e capturam os filhotes com as patas, erguendo-se novamente. Durante as primeiras horas da manhã, é comum observarmos repetidas vezes a presença de gaviões (várias espécies ainda não identificadas), gaivotas e urubus atacando filhotes isolados e dentro de cercados de tartaruga, mesmo quando já existem agentes e estagiários trabalhando na retirada de filhotes. Gaviões e urubus pousam próximo à presa e a seguram no solo, ao passo que as gaivotas normalmente capturam os filhotes em vôos rasantes e os levam consigo. Pudemos também observar interações agonísticas (disputa) entre as aves. Nas noites em que milhares de filhotes emergem simultaneamente nos cercados, observamos que grupos de urubus passam a noite dentro dos cercados alimentando-se deles. Nas manhãs seguintes, centenas de cascos são encontrados dentro dos cercados e nas imediações. Termo utilizado para a praia de desova. 394 141 Jacarés-açus (Melanossuchus niger) e tingas (Caiman crocodilus) investem em grupo de tartarugas que escapam dos cercados e também sobre os cercados, quando estes estão próximos à margem da praia. No período de emergência de filhotes, vários cascos comidos por mucuras foram encontrados perto dos locais em que eles foram capturados. Nesses cascos, havia marcas de dentes que permitiram a identificação do predador. que pode ser um indicativo de uma predação humana excessiva sobre machos e fêmeas adultas. Em 2000, a taxa de ovos inférteis, gorados e natimortos, foi superior à 1999 (teste T, P<0,05), o que associamos a um atraso no período das chuvas. Os filhotes que conseguiram eclodir nas covas naturais que acompanhamos, não tiveram forças para sair da cova e acabaram sendo predados por larvas de moscas (Diptera: Ephydridae). A predação de filhotes na água também é um fenômeno muito comum de ser observado na praia do Abufari. A aruanã (Osteoglossum bichirrosum) é um dos principais predadores aquáticos dos filhotes de quelônios que nascem na praia. Os esforços de conservação de quelônios nesses municípios, entretanto, vêm sendo comprometidos em alguns lugares (Oriximiná/PA: Lago do Sapucuá, Jarauacá, Igarapé dos Currais; Parintins/AM: Valéria, Murituba), em função dos danos causados pelas larvas desses dípteros pertencentes à família Ephydridae. O adulto é uma mosca de coloração preto-metálico, medindo cerca de três milímetros de comprimento. Essa mosca, por apresentar hábitos muito variados, inclusive saprofíticos, ataca na fase de maior suscetibilidade do ciclo evolutivo dos quelônios. As larvas predam ovos e filhotes, sendo os adultos, provavelmente, atraídos pelo odor característico de ovo, logo após o primeiro filhote eclodir, ou pelo odor de putrefação de ovos contaminados por fungos ou gorados. Ecologia reprodutiva O principal local de nidificação dos quelônios na Rebio é a praia do Abufari. A altura média da praia é de 4,5 m (±1,8m), onde desovam em média 8.802 ±2.516 quelônios: tracajás, iaçás e tartarugas. Considerando os anos de 1997-2004, exceto 2002, a produção média anual de filhotes de tartarugas na Rebio Abufari foi de 177.000 ±53.250 (Figura 5). Rebêlo (1985) reporta que na praia do Abufari foram produzidos cerca de 40 mil filhotes de tartarugas no ano de 1984. Informações entre os anos de 1985 a 1997 e 2002 são escassas e duvidosas e, portanto, não estão sendo utilizadas neste relatório. Segundo dados diários da produção de filhotes de tartaruga encontrados em planilhas do arquivo da Rebio, no ano de 1997 a produção foi de 287.686 filhotes. 142 Os tracajás (n=617) nasceram medindo o comprimento de carapaça, 39,3 ± 1,7 mm, os iaçás (n=101) com 40,5 ± 2,4 mm e as tartarugas (n=201) com 46,9 ± 1,4 mm. Os tracajás pesaram em média 14,9 ± 1,4 g, iaçás 14,3 ± 1,8 g, tartarugas 22,5 ± 1,4g e calalumãs (n=110) 11,2 ± 2,6 g. Os filhotes que nasceram em covas transplantadas para o barro foram significativamente (teste T, P<0,01) maiores (comprimento da carapaça = 39,8 ± 0,9 mm), mais pesados (peso=15,6 ± 0,2 g) e menos pigmentados do que aqueles que nasceram na areia (comprimento da carapaça=39,0 ± 2,2 mm; peso=14,3 ± 1,7 g). Até os dois meses de vida, os tracajás que nasceram no barro tiveram um ganho diário de peso (GDP) de 0,05 393 Alho et al. (1984) e Vogt (1994) afirmam que a manipulação dos ovos em programas de conservação alterariam as condições microclimáticas dos ninhos, retardando a eclosão, aumentando a mortalidade e influenciando a razão sexual com a masculinização dos embriões. Isso, entretanto, não ocorreu na maioria das áreas do projeto, onde as covas transferidas tiveram maior taxa de eclosão e sobrevivência de filhotes do que as covas naturais. Quanto à sexagem dos filhotes, embora sabendo que é extremamente importante para determinar a razão sexual do que estamos produzindo, ao transferir os ninhos, não realizamos por ser extremamente difícil convencer os comunitários e colaboradores, pelo menos nesse primeiro ano do projeto, da utilidade que teria sacrificarmos alguns exemplares dos animais que estamos querendo conservar. A sexagem será realizada nos próximos anos. Os tracajás apresentaram uma taxa de ovos inférteis (sem vestígios de embrião) de 3,44 ± 3,37% e os pitiús 4,22 ± 14,07%. Quanto aos ovos gorados, os tracajás apresentaram uma taxa de 15,75 ± 12,80% e os pitiús, 22,17 ± 22,14%. A taxa de ovos inférteis pode ser considerada normal, mas em alguns lugares como no lago do Abaucu e no Macuricanã, onde foram próximas à 10%, podem significar a falta de machos ou a desova por fêmeas muito jovens, o 392 350 Produção de Filhotes (mil) larvas se deu em número muito menor e não houve problema de pisoteio, sendo a taxa de eclosão das covas naturais de 95,45%. Pezzuti (1998) também encontrou filhotes de pitiú predados por larvas dessas moscas. O maior predador de ninhos naturais nas comunidades do projeto, depois do homem, foi o jacuraru ou teiú (Tupinambis teguixin). Nos ninhos transferidos, tivemos problema apenas com um cachorro que entrou à noite no cercado de proteção da Aliança Lago do Piraruacá, e comeu os filhotes e ovos de duas covas, em 1999 e duas covas naturais em 2000. 300 250 200 150 100 50 0 1984 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Anos Figura 5. Registros da produção de filhotes de tartaruga da Rebio Abufari, Amazonas, Brasil (dados de 1984 obtidos em Rebêlo, 1985). Pelo esforço direcionado no estabelecimento e monitoramento dos transectos, ou seja, locais com área conhecida e onde todas as desovas foram marcadas e mapeadas, foi possível estimar o número total de ninhos e a sua densidade, na praia do Abufari, para os anos de 1999, 2000 e 2001 (Tabelas 1 e 2). No ano de 2004 a produção de filhotes na Rebio Abufari foi menor em relação à média dos anos anteriores, devido à subida rápida do nível do rio Purus (repiquete). Os tabuleiros de desova das tartarugas são atingidos pelas águas do rio Purus, em anos considerados normais, por volta da primeira quinzena de dezembro e, no entanto, em 2004 eles foram inundados pelo menos 20 dias antes, comprometendo a produção de filhotes. Mesmo depois de eclodidos, os filhotes permanecem por, no mínimo, uma semana enterrados absorvendo completamente o vitelo exposto. Somente após a completa cicatrização do umbigo é que eles podem emergir. Em várias ocasiões encontramos ninhos piquetados atingidos pela água, desenterrando-os encontramos os filhotes afogados, mesmo já eclodidos e fora da casca. 143 Tabela 2. Número médio de ovos, por ninho, na praia do Abufari, em setembro de 1999, 2000 e 2001. Espécie Média nº Média nº ovos /ninho filhotes /ninho 1999 2000 2001 1999 2000 2001 Iaçá 13,31 13,87 12,82 9,72 10,52 11,16 Tracajá 30,00 30,71 29,12 25,14 14,89 27,00 Tartaruga 98,15 133,00 . 71,69 100,7 . * Em 2000 e 2001 obtivemos um número amostral baixo (N=12 e 03, respectivamente). Espécie Sobrevivência 1999 2000 2001 Iaçá 0,730 0,749 0,910 Tracajá 0,838 0,502 0,920 Tartaruga* 0,730 0,735 . No ano de 2000, encontramos em um ninho de tartaruga um filhote albino. No ano de 2003, foram encontrados um filhote albino, um melânico (carapaça e patas parcialmente brancas e olho de coloração normal) e um com características mistas (metade albino e metade normal) (Figura 6). Com relação à posição onde os ninhos dos Podocnemis foram depositados na praia, os animais escolhem os pontos mais altos. A distância dos ninhos em relação à vegetação é muito similar entre tracajá e iaçá. Para as três espécies estudadas na praia do Abufari a taxa de eclosão ficou em torno de 80% (Tabela 2). 144 Figura 1: Eclosão e filhotes de tracajá (Podocnemis unifilis) do igarapé dos Currais - Terra Santa/Pará. As covas transferidas de tartaruga tiveram uma taxa de eclosão baixa devido à profundidade da cova artificial ter sido muito pequena. As covas ficaram pequenas e os ovos não puderam se expandir, comprimindo e matando os embriões. Em 2000, o problema foi solucionado com a divisão de cada cova natural, em duas transplantadas. Encontramos duas desovas de tartaruga no barro, na área do igarapé dos Currais. Cada cova possuía 60 ovos e, em uma delas, devido à pouca profundidade da cova e ao trabalho de compactação da fêmea, metade dos ovos estavam quebrados. Covas naturais de tracajás e pitiús, na areia, tiveram uma taxa de eclosão inferior (teste T, P<0,01) à das covas transferidas, 37,74 (n=61) e 55,55 % (n=18) contra 85,6 (n=103) e 73,7 (39)%, respectivamente. Acredita-se que isso se deva, em parte, a uma noite de pisoteio por búfalos no local onde se encontravam as covas naturais protegidas e, em parte, à predação de ovos e filhotes por larvas de dípteros (moscas) da família Sarcophagidae (foram registradas duas espécies ainda em processo de identificação), encontradas em vários ninhos naturais. No barro, a presença das 391 que a profundidade do ninho e o período de incubação são inversamente proporcionais em pitiús. O mesmo comportamento que podemos verificar entre os tracajás que desovaram na areia e no barro, e entre tracajás e pitús, isto é, quanto mais rasas as covas maior o período de incubação. Os filhotes, ao nascerem (Figura 1), foram colocados em berçários (tanque de alvenaria, gaiolas e tanques de alumínio), sendo que a taxa de eclosão foi: para tracajás de 85,6 ±18,19%, para pitiús de 73,7% e para tartarugas de 43,16%, na areia. No barro, a taxa para tracajás foi de 53,68 ± 13,70%. A reduzida taxa de eclosão no barro foi motivada pelo acúmulo de água no fundo das covas, principalmente, no igarapé dos Currais, onde a argila era muito mais fina. Os filhotes, muitas vezes, já estavam prestes a sair do ovo, mas como as chuvas inundavam a cova os filhotes morriam afogados dentro dos ovos. Alguns ninhos foram salvos, colocando-se capim e folhas secas no fundo, e afofando-se novamente a terra. Em 2000, foi feita uma praia artificial com uma camada de 40 cm de areia no local de transplante dos ninhos no igarapé dos Currais, o que elevou a taxa de eclosão para 80%. Figura 6. Filhotes albinos e melânicos de Podocnemis expansa encontrados na praia do Abufari em 2000 (acima) e 2003 (abaixo). A escolha dos locais de nidificação é um fator importante no sucesso da reprodução dos quelônios da Rebio Abufari. Verificamos que a distância da vegetação influencia na perda de ninhos pelo alagamento. Embora o resultado da regressão logística para a altura dos ninhos alagados e eclodidos tenha sido superior a 5%, o valor encontrado é bastante próximo. Assim, consideramos que a altura, de fato, está relacionada com a probabilidade do sítio de desova ser atingido pela água. No caso de Podocnemis unifilis não foi verificada uma influência direta da perda de ninhos, pelo pulso de inundação, em função da sua localização na praia. 390 145 Podocnemis expansa O tamanho médio das fêmeas de P. expansa que desovaram no Abufari entre os anos de 1998 e 2004 foi de 74,3 cm (±3,97 cm, N=158; Figura 7), e o peso médio 37,4 kg (±6,8 kg; N=18; Figura 10). A menor fêmea de tartaruga que registramos desovando na praia do Abufari durante esse período mediu 61 cm de comprimento de carapaça e pesou 22 kg. O número médio de ovos depositados por essas fêmeas é de 96,89 ovos (± 31,2 ovos), no entanto, registros de 163 ovos/ninho já foram observados na praia do Abufari. Em um ninho foi registrada massa total dos ovos de 4,126 kg. O peso médio dos ovos de tartaruga é de 36,48 gramas (± 6,38 gramas, N = 7 ninhos). O número médio de filhotes de tartaruga produzidos por ninho é de 64,38 filhotes (±40,47 filhotes; N = 103 ninhos), com sobrevivência média de 77,8% (±34,3%; N = 144 ninhos). O comprimento médio dos filhotes é de 39,24 mm (±04,98 mm; N = 18 ninhos) e o peso médio de 17,89 gramas (±2,38 gramas; N = 18 ninhos). Foram encontrados em média 4 filhotes natimortos por ninho (± 9, 5 filhotes; N=20 ninhos). O número máximo de natimortos por ninho foi de 44 filhotes. Encontramos, em média, 10,4 ovos de tartaruga por ninho sem sinais de desenvolvimento aparente (± 11,9 filhotes; N= 49 ninhos). Em 69 ninhos analisados registramos uma média de 21,27 ovos em putrefação, por ninho (±24 ovos). Provavelmente, são ovos fertilizados em que o embrião morreu, pois ovos inférteis normalmente não apodrecem. para andarem em terrenos mais íngrimes. Estudos feitos por Pezzuti (1997) com pitiú, no rio Japurá (estado do Amazonas), demonstraram que a altura tem efeito pronunciado na discriminação dos ninhos, em pontos aleatórios. As fêmeas desovam em locais mais altos e distantes da linha da água. A profundidade do ninho influi significativamente sobre o período de incubação dos embriões. A data de oviposição influi no período de incubação e na sobrevivência dos embriões. b) Eclosão e desenvolvimento dos filhotes Os primeiros filhotes (18 pitiús) nasceram na área da Aliança no Lago do Piraruacá. O tempo médio de incubação na areia foi: para tracajás = 57,88 ± 2,68 dias (mínimo=54; máximo=65); para pitiús = 59,23 ± 3,34 dias (mínimo= 46; máximo= 66); e para tartaruga = 57,67 ± 5,69 dias (mínimo= 53; máximo= 64). No barro, os ovos de tracajá tiveram um tempo de incubação de cerca de 63,85 ± 2,31 dias (mínimo= 62; máximo=71). Pelos resultados, pode-se observar que apesar da temperatura média do barro ser maior, devido a uma maior umidade, o tempo de incubação para tracajás é maior no barro do que na areia. O tempo de incubação é maior para pitiús do que para tracajás e tartarugas. Fergusson & Joanen(1983), Georges (1989), Lang (1987), Webb et al. (1987), Packard et al. (1989), Rhen & Lang (1995) apud Pezzuti (1997) verificaram que a temperatura de incubação influencia também a termorregulação, o tamanho, o padrão de pigmentação e a massa do filhote, ao nascer, e o crescimento. Segundo Pezzuti (1997), a eclosão dos ovos de pitiú ocorre, geralmente, de 55 a 70 dias. As crias eclodidas ainda permanecem dentro da cova, normalmente, num período de 7 a 15 dias. Portanto, o período médio de nidificação dura 69 dias. Esse autor encontrou 146 389 com 8 a 16 cm de profundidade, com uma média de 30,3 ± 7,27 ovos com 83,3 ± 6,8 dias de incubação. Alho et al. (1984) encontraram temperaturas médias de 34,5ºC em ninhos de P. expansa, no Trombetas, com razão sexual média dos ninhos desviada para fêmeas (0,033). Para tracajás, na Venezuela, no rio Capanaro, Thorbjarnarson et al. (1993) encontraram desovas médias de 23,3 ovos com um período de incubação de 60-65 dias. No Peru, no rio Samiria, Terán-Fachin (1993) encontrou uma média de 31,3 ovos e 66,5 dias de incubação. Terán et al. (1995) encontraram covas de tracajá no Peru com 28,8±9,2 ovos em covas de 21,4 ± 2,2 cm de profundidade e tempo de incubação de 111,8 ± 13,5 dias. Pezzuti (1997) observou que fêmeas de pitiú, no rio Japurá, desovam nos locais mais altos e distantes da linha d'água, entretanto, a temperatura média dos ninhos foi de 29,3ºC e do substrato de 29,8ºC, o que resultou em um maior percentual de machos (razão sexual=0,967). Os ninhos tinham em média 15,8 ± 4,99 ovos, pesando 19,49 ± 7,42 g e 17,5 cm de profundidade. Pelos resultados, verificamos que os tracajás, ao desovarem na areia, distanciam-se mais da água, chegando até próximo à vegetação, fazem covas mais profundas e menos largas do que no barro. Isto talvez se deva ao fato de a areia ser mais fácil para cavar, bem como as covas serem mais distantes, para evitar a umidade, já que a areia possuiria maior capilaridade. Elas são mais fundas para garantir uma temperatura mais baixa. No barro, as covas são mais próximas da água e da vegetação (na maioria dos casos, no meio do capim-murim, Axonopus sp.), contudo, a argila retém melhor a umidade. As covas rasas são para reduzir o aquecimento excessivo. Na areia, os pitiús desovam em covas mais profundas do que as dos tracajás, contudo, o fazem mais próximo da água, longe da vegetação, por não possuírem as mesmas habilidades do tracajá, 388 Figura 7. Distribuição de comprimentos de Podocnemis expansa encontrados nidificando na praia do Abufari (L50 – comprimento de primeira maturação). Em oito ninhos foi verificada a presença de filhotes aleijados ou deformados, com uma média de 4,62 filhotes/ninho (±4,59 filhotes). A razão sexual (proporção de machos no total da ninhada) foi, em média, 0,185 (18,5% de machos no total) para tartarugas, 0,378 para iaçás e 0,031 para tracajás. A proporção de filhotes fêmeas e machos nos ninhos de tartaruga variou em função da sua 2 profundidade (R = 0,348, N=15; p= 0,021; Razão Sexual (ln) = 0,366 – 0,014 profundidade; Figura 8). 147 pivotal, oscilação ou amplitude térmica, local e período da desova. Nas covas transplantadas para a areia, tivemos uma temperatura média que poderia provocar o nascimento apenas de fêmeas, entretanto, como a variação ao longo do dia foi pequena, existe uma tendência de masculinização de alguns ovos. Nest sex ratio (ln N.males/N.total) 0.5 0.0 -0.5 -1.0 20 30 40 50 60 Nest deph (cm) 70 80 Figura 8. Relação entre a razão sexual dos ninhos de P. expansa em função da variável independente – profundidade do ninho, monitorados na Rebio Abufari. A relação entre peso e comprimento dos filhotes de tartaruga é significativa (R2 = 0,469, N=18; p= 0,002; Peso = 1,367+0,143 * comprimento). Podocnemis sextuberculata O comprimento médio dos iaçás que desovaram na Rebio Abufari entre os anos de 1998-2003 foi de 28,34 cm (±3,39 cm). O comprimento da carapaça de 50% das fêmeas que se encontravam desovando na praia do Abufari foi de 27 cm (L50) - N=74; Figura 9. O número médio de ovos depositados pelas fêmeas de iaçá na praia foi de 12,67 ovos/ninho (±4,3 ovos; 148 Cerca de 50,12% das covas de tracajás foram transferidas da areia com uma profundidade média de 17,2 ± 2,7 cm e largura de 12,2 ± 2,1 cm, com 22,3 ± 4,7 ovos (máximo=36 e mínimo=12), pesando 24,5 ± 2,8 g. As covas retiradas do barro (49,88%) apresentaram profundidade de 13,2 ± 2,1 cm e largura de 13,6 ± 2,9 cm, com 23,3 ± 5,4 ovos (máximo=34 e mínimo=10), pesando 23,7 ± 2,6 g. A distância das covas de tracajá da água variou de 18,4 ± 14,1 m na areia e 15,4 ± 16,1 m no barro, e a distância da vegetação variou de 3,8 ± 6,7 m na areia e 2,2 ± 6,1 m no barro. As covas de pitiú foram todas retiradas de praias e apresentaram, em média, 16,9 ± 3,5 ovos (máximo=25 e mínimo=6), com peso de 20,8 ± 5,6 g, sendo encontradas a 18,25 ± 20,89 m da vegetação, bem próximo à água (em média 6 metros). A Tabela 1 apresenta os resultados da transferência por área e espécie. Fachin (1992) registrou que P. unifilis desova no Peru, no rio Samiria, no período de julho e agosto em praias de areia (44,7%), praias semi-arenosas (22,4%), praias com pedregulhos (17,6%) e barrancos (15,3%). Os tracajás podem desovar em praias ou no barro a até 15-50 metros da água em covas com, aproximadamente, 18-20 cm de profundidade e 8-11 cm de diâmetro e uma média de 24,4 ovos (Vanzolini, 1979; Paez, 1995). No rio Guaporé, os ninhos de P. unifilis têm uma temperatura pivotal de 32,1ºC e uma média de 23,7 ovos, sendo que, em condições de laboratório, ovos incubados a 31ºC produziram 80% de machos (Souza e Vogt, 1994). Soini (1995) estudou P. unifilis que desova de 2 a 12 metros da água, em covas 387 a) Resultados de transferência de ninhos pelo Projeto Pé-dePincha Foram monitoradas pela Ufam/Ibama-AM, em 1999, as transferências de 306 ninhos, com um total de 6.426 ovos (79,96% de tracajá, P. unifilis, e 20,04% de pitiú ou iaçá, P. sextuberculata). Até o final do período de coleta, as comunidades e seus agentes ambientais voluntários conseguiram transferir 654 ninhos, com um total de 14.214 ovos (86,29% de tracajá, P. unifilis, 10,25% de pitiú ou iaçá, P. sextuberculata, 2,59% de tartaruga, P. expansa, e 0,87% de irapuca ou calalumã, P. erythrocephala), e realizaram a proteção de 85 covas naturais. Em 2000, foram coletados 24.015 ovos, 21.482 de tracajá, 2.393 de pitiú, 20 de calalumã e 120 de tartaruga (um total de 1.193 covas transferidas, sendo 89,45% de tracajás, 9,96% de pitiú, 0,5% de tartaruga e 0,08% de calalumã) e foram protegidas 9 covas naturais. A coleta dos ovos foi realizada, principalmente, nas horas mais frias do dia, entre 6-9 h (74%), sendo feita em caixas de isopor de 24,5 litros (cada caixa comportava de 3 a 4 ninhadas, dependendo do número de ovos). Os ovos ficavam nas caixas até 16:00 horas, quando eram transplantados para as covas artificiais nas áreas protegidas. A temperatura média nos locais de transplante com 25 cm de profundidade = 33,62 ± 1,45º C, com 30 cm = 32,55ºC ± 3,17ºC e com 50 cm = 31,69º ± 1,30ºC. A temperatura média na areia foi de 32,58 ± 1,94ºC e no barro foi de 35,83 ± 0,764ºC. As maiores temperaturas foram registradas no período das 14 às 16:00 horas. N=312), sendo que o ninho mais numeroso continha 26 ovos. O peso médio dos ovos foi de 16,67 gramas (± 3,13 gramas; N= 29 ninhos). O número médio de filhotes por ninho foi 10,4 filhotes (±5 filhotes; N=324 filhotes), e o peso médio dos filhotes de 13,1 gramas (± 2,36 gramas). O comprimento médio dos filhotes foi 31,8 mm (±05,4mm) e a largura da carapaça 27,42 mm (± 05,74mm). O número médio de ovos sem desenvolvimento aparente, por ninho, foi de 2,6 ovos (±3,2 ovos; N=86), e o número médio de filhotes natimortos foi de 2,2 (± 1,9 filhote; N= 86). A presença de filhotes deformados foi observada em três ninhos (N= 86) e a de larvas em 08 ninhos (N=86). A sobrevivência média dos ninhos de P.sextuberculata foi de 80% (± 29,5%; N=280 ninhos). A amplitude de sobrevivência apresentou variação máxima, indo de 0 a 100%, ou seja, houve ninhos em que nenhum ovo eclodiu e no outro extremo ninhos com eclosão de todos os embriões. A razão sexual média (proporção de machos na ninhada) foi de 0,348, portanto, temos predomínio de fêmeas entre os filhotes desta espécie produzidos no local entre 1998 e 1999. A razão sexual dos filhotes de P. sextuberculata não diferiu significativamente entre os anos 1998 e 1999 (t= - 0,586; G.L. = 27; p=0,563), não apresentando relação com a altura onde o ninho foi depositado (R2 = 0,001; N=7; p= 0,952), com a distância do ninho até a vegetação (R2 = 0,021; N=17; p= 0,575) nem tampouco com a sua profundidade (R2 = 0,008; N=19; p= 0,723). É importante verificar a influência da temperatura de incubação sobre a determinação sexual dos embriões (Vogt, 1994). Em programas de conservação de quelônios, como o "Pé-de-Pincha", que trabalham com o transplante de ninhos, isso é extremamente importante. A razão sexual é influenciada não somente pela temperatura média de incubação, mas, também, pela temperatura 386 149 campo, bem como ministrar palestras nos colégios locais. Os temas são diversificados, de acordo com as especialidades do pessoal envolvido no projeto (quelônios, ecologia, horticultura, pecuária, criação de animais silvestres, parasitismo e profilaxia, uso de agrotóxicos, plantas medicinais, criação caipira de galinhas, etc.). Em novembro, com o início das eclosões e o nascimento dos filhotes nas covas transplantadas, a equipe da Ufam retorna às localidades para a construção dos berçários, o treinamento do pessoal nos cuidados com os filhotes (alimentos, horário de alimentação, conservação dos ovos não eclodidos e filhotes mortos, etc.), coleta de dados de biometria e parasitologia e marcação dos filhotes. Os filhotes são mantidos nos berçários até completarem dois meses de idade, período em que já possuem cascos mais resistentes, tornando-se, provavelmente, menos susceptíveis à predação. Figura 9. Distribuição de comprimento da carapaça das fêmeas de Podocnemis sextuberculata que desovaram na praia do Abufari entre os anos de 1998-2003 (L50 – tamanho de primeira maturação). A taxa de eclosão de Podocnemis sextuberculata foi diferente entre os anos monitorados (KW=10,272; N=348; G.L. 4; p=0,036), tendo sido menor em 2000 em comparação com o ano anterior e o posterior. Esse dado também variou em função da profundidade do ninho (rs= - 0,2213, t= -3,2177, N=203, p=0,0015, Figura 10), numa relação inversa onde as menores taxas de sobrevivência de embriões foram observadas em ninhos mais profundos. Entretanto, a taxa de eclosão não foi influenciada pela altura do ninho em relação à água (rs= 0,0294, t= 0,2681, N=85, p=0,7893), nem tampouco pela distância da vegetação (rs= 0,1371, t= 1,4903, N=118, p=0,1388). O tamanho da ninhada (número de ovos por ninho) influencia no peso 2 total da ninhada em Podocnemis sextuberculata (R =0,977, N=28, p<0,001). 150 Cada berçário feito em alvenaria mede cerca de 100 m2, já os berçários tipo gaiola (madeira e tela) construídos de peças de madeira (itaúba) e tela, tipo galinheiro, têm em torno de 5-10 m2. A escolha do tipo de berçário depende do local onde ele é implantado e do número de filhotes. Cada berçário é recoberto de fios de náilon trançados, para evitar a predação dos filhotes por aves, e possui pequenas balsas flutuantes de madeira que servem como solário, além disso, são colocados aguapés e murerus que servem de abrigo e alimentação para os filhotes. Durante o processo de eclosão dos ovos são registrados os considerados férteis, os inférteis (quando não se encontra sinais do embrião na gema), os com fungos, os parasitados por larvas, os gorados e os animais natimortos, bem como é feita, também, a biometria dos animais vivos, sendo estes, posteriormente, transferidos para as gaiolas e tanques. Nessa fase, eles são alimentados por plantas aquáticas murerus, aguapés, vísceras de peixes, pão e ração para peixes. 385 As covas artificiais são construídas de modo similar ao da natureza, com uma câmara de ar e profundidade em torno de 30 cm. Cada cova recebe uma estaca em que está escrito um número indicando a ficha do ninho (na ficha estarão registrados dados como o local de coleta, o número de ovos, a distância da água, o tipo de solo, etc.) e a provável data de eclosão. Os locais de transplante foram selecionados pela textura da areia ou argila, pela ausência de pedregulhos e/ou raízes de árvores e vegetação abundante, pela menor umidade, distância do lençol freático e temperatura. As covas transplantadas ficam sob os cuidados dos proprietários ou de comunitários. Foi feito também o registro da temperatura da área onde foram implantadas as covas, a fim de avaliar, posteriormente, a sua influência sobre o nascimento de machos e fêmeas. As temperaturas foram registradas em termômetros de solo (10 por área) colocados aleatoriamente em covas transplantadas, sendo as leituras feitas de hora em hora, das 5:00h às 22:00h durante o período de incubação. 2 O peso médio do ovo foi influenciado pelo tamanho (R =0,43; 2 N=17 ninhos; p=0,004) e também pelo peso da fêmea (R =0,285; N=17 ninhos; p=0,027, Figura 11). Nest eclosion rate (N hatchlings/Neggs) Os ninhos são abertos e os ovos colocados em caixas de isopor (24,5 e 37 l) forradas com areia. Ao transferir os ovos para a caixa, eles são mantidos na mesma posição que estavam no ninho. De cada cova encontrada, são registrados em fichas o número da cova, a procedência, a espécie, a quantidade de ovos, a distância para a vegetação e para a água, a profundidade, o diâmetro e a temperatura delas e, a cada cinco covas, é feita a biometria dos ovos. 1.2 1.0 0.8 0.6 0.4 0.2 0.0 0 10 20 Nest deph (cm) 30 Figura 10: correlação entre a taxa de eclosão de ninhos de P. sextuberculata e a profundidade dos ninhos na praia do Abufari, rio Purus, Amazonas (taxa de eclosão = número de filhotes eclodidos vivos). Algumas covas naturais também são mantidas nas áreas protegidas com cercas individuais com, aproximadamente, 60 cm de altura, feitas de ripa, tela plástica e com bandeira vermelha de marcação. No período de transferência das covas, a equipe da Ufam e Ibama escolhem uma área para receber a visita de alunos da rede municipal de ensino, que vêm observar como é feito o trabalho de 384 151 mean egg mas per nest (g) 25 20 15 10 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 female weight (g) Figura 11. Relação entre o peso das fêmeas e a massa média dos ovos, por ninho, em Podocnemis sextuberculata na Rebio Abufari, entre os anos de 1999-2003 (massa média ovo/ninho = 13,836+0,002(massa da fêmea)). Podocnemis unifilis O número de tracajás que desovam na praia do Abufari é muito reduzido em comparação com as duas primeiras espécies. Foram capturadas somente cinco fêmeas nas praias durante os períodos reprodutivos monitorados. Elas apresentaram um comprimento médio de carapaça de 48,3 cm (±80,87 cm), sendo que o menor indivíduo encontrado desovando tinha 29 cm de comprimento. O peso médio desses indivíduos foi de 6,066 kg (±1,677 kg; N=3). 152 2 tartaruga, deve haver 1 m de praia para cada matriz em reprodução. No caso de tracajás, podemos trabalhar a densidade de 5 2 matrizes/m de praia. 10.1.1 Transferência de ninhos Em situações de extrema predação humana dos ovos e impossibilidade de fiscalização sistemática do tabuleiro ou, no caso de perigo de inundação e perda dos ninhos, pode-se executar a transferência dos ninhos para praias protegidas pelo Ibama ou pelas comunidades. Em cativeiro, o mesmo pode ser feito quando há uma predação natural (lagarto teiú, Tupinambis spp.; formigas; cupins, etc.), acentuada, ou a praia artificial às margens do tanque ou barragem não possua condições adequadas para a incubação dos ovos. Andrade et al. (2004) vêm desenvolvendo desde 1999, na região do Baixo Amazonas (Parintins, Nhamundá, Barreirinha, Terra Santa, Oriximiná e Juruti) um programa de manejo comunitário participativo de quelônios. Nesse projeto, chamado de “Pé-de-Pincha”, os comunitários são treinados para realizar a transferência de ninhos de áreas muito ameaçadas. Em setembro e outubro é realizada a transferência dos ninhos. Essa atividade é feita por cinco equipes com o apoio de um ou dois guias locais. O deslocamento é feito em botes de alumínio com motor de popa 15-40 HP, ou motores tipo rabeta. A transferência dos ninhos é um processo simples desde que se saiba a idade dos ninhos (ela não pode ser executada com ovos entre o terceiro e o vigésimo sétimo dia de incubação). Como é difícil precisar a idade de covas mais velhas, trabalhamos com covas novas. 383 espécie é encontrada somente nos rios de água barrenta como o Branco, o Solimões e o Amazonas, mas ela também é encontrada nos rios Trombetas e Tapajós, considerados de água clara. A fêmea possui manchas amarelas com dois barbelos embaixo da boca. A carapaça tem coloração marrom-claro e marrom-escuro. A postura média é de 15 a 20 ovos de casca mole. O iaçá é menor do que o tracajá. Soini (1980) sugere que esta espécie desova quase sempre em praias arenosas, geralmente próximo da água. A desova ocorre geralmente à noite. Em geral, os ovos de iaçá são pequenos e compridos, com a casca mais clara, mais delgada e mais flexível. Recomendação para a reprodução natural em cativeiro Os tanques ou represas em que ficam matrizes e reprodutores devem ter constante renovação de água, ser limpos sem tocos ou vegetação, que dificulte a locomoção, e com profundidade média de 2 m. Ainda não se sabe a razão sexual mais adequada para a reprodução em cativeiro. Segundo o Dr. Richard Vogt/Inpa (informação pessoal), a proporção de machos e fêmeas adultos também é variável na natureza, não podendo servir como indicativo. Contudo, sabe-se que uma fêmea de tartaruga pode ser coberta por vários machos, podendo apresentar ninhadas com filhotes de diferentes pais. Portanto, sugere-se uma proporção de reprodutores e matrizes que varie de 1 macho:1 fêmea até 1 macho:5 fêmeas. Em cativeiro, as praias artificiais para tartarugas devem ser feitas com areia fina ou média, ser colocadas à margem dos tanques e barragens, ou ao centro, em forma de ilha (mais difícil manutenção e reposição da areia perdida pela movimentação da água e dos animais). A altura mínima deverá ser de um metro acima do nível da água, entretanto, é preciso verificar até que altura a água do tanque infiltra na areia. Deve haver uma faixa mínima de 30 cm isolando a areia úmida do tabuleiro, separando-a do fundo do ninho. No caso da 382 O número médio de ovos de tracajás observados nos ninhos encontrados dispersos pela praia foi de 29,6 ovos (±5,87 ovos; N=46 ninhos). A massa de um ninho foi de 1 kg e o peso médio dos ovos desse ninho foi de 23,97 g. O número médio de filhotes produzidos por ninho é de 20,2 filhotes (±11,04 filhotes/ninho; N=31 ninhos). A sobrevivência média foi de 76,6% (±23,5%; N = 24 ninhos). A menor sobrevivência encontrada para essa espécie foi de 30%. A média de comprimento e de peso dos filhotes foi de 34,04 mm (±5,7 mm; N= 10 ninhos) e de 14,72 gramas (±2,75 gramas; N=10 ninhos), respectivamente. A razão sexual da pequena amostra dos ninhos de tracajá depositados na praia do Abufari é desviada para a produção de fêmeas, com um percentual médio de 3,1% de machos (±8,8%; N=8). A razão sexual dos filhotes de P. unifilis que nascem na Rebio Abufari não sofreu influência da profundidade do ninho (R2 = 0,122; n=6; p=0,497). Os dados não são conclusivos, pelo pequeno tamanho da amostra, tanto para definir o que a praia está produzindo em termos de proporção sexual dos filhotes como no tocante aos fatores que influenciam no processo. Os ninhos dessa espécie apresentaram em média 4,1 ovos sem desenvolvimento aparente (± 4,3 ovos, N = 19) e 4 ovos em putrefação (±4,3 ovos; N= 10 ninhos). A quantidade de filhotes natimortos foi, em média, de dois indivíduos por ninho (±1,41 filhote, N= 4 ninhos). Foi registrado um ninho com filhotes deformados e três ninhos com presença de larvas de dípteros. A taxa de eclosão de ovos de tracajá não foi influenciada nem pela distância da vegetação (R2=0,215, N=11, p=0,150), nem pela profundidade do ninho (Correlação de Spearman, coef. = 0,133; t = 0,571; p = 0,575). 153 Ecologia populacional Abundância e densidade de quelônios nos ambientes da Rebio Durante todo o monitoramento da Rebio foram marcados 1.259 quelônios, de diversas procedências, como captura na praia, captura com redes de cerco e redes do tipo capa-saco e animais de apreensão. O número de tartarugas, iaçás e tracajás foi 524, 688 e 47 animais, respectivamente. Redes de cerco são aparelhos de pesca bastante utilizados no sistema de pesca ilegal e contrabando de quelônios na Rebio Abufari durante a estação seca. Da mesma maneira, esse apetrecho é utilizado pela nossa equipe para captura, biometria, marcação e soltura de tartarugas, tracajás e iaçás. Realizamos pesca experimental, com esse tipo de petrecho, em frente a praia do Abufari e em trechos do Purus, logo acima e abaixo da praia, nos meses de outubro, novembro e dezembro. Redes de cerco foram utilizadas somente nesses meses por dois motivos: 1 – como medida mitigadora dos impactos da pesquisa sobre o ciclo reprodutivo das tartarugas, iaçás e tracajás, pois nesses meses os animais já desovaram e a possibilidade de provocar estresse nos animais durante o período reprodutivo é evitada; 2 – somente nesse período do ano as populações de tartarugas, tracajás e iaçás estão concentradas na calha principal do rio, quando são também alvo da pesca ilegal. A captura média de quelônios com arrastos feitos com rede de cerco foi de 35,9 indivíduos/pescaria/dia (±35,6 indivíduos), sendo, portanto, maior do que a CPUE média do capa-saco, que foi de 11,77 indivíduos/pescaria/dia (± 9, 20 indivíduos). que filhotes lançados no rio, por ocasião de grandes cheias, não sofriam os ataques intensivos dos predadores habituais (Alfinito, Vianna, Silva, 1976). Os adultos são de hábitos solitários. No entanto, durante a temporada de reprodução tornam-se gregários em lugares tradicionais de desova para realizar a cópula e a desova (TCA, 1997). Em 1994, Meri Ushiñahua Alvarez calculou um custo de US$ 5,00 por cada filhote de P. unifilis produzido na comunidade ribeirinha de Manco Capac, na periferia da Reserva Nacional de Pacaya-Samiria. Foram produzidos 2.197 filhotes e o manejo utilizado foi transplantar as ninhadas de um banco de areia construído na comunidade, no qual foram incubados ninhos quase naturais, escavados à mão. Para P. expansa o custo seria muito similar ao de P. unifilis. No Amazonas, o RAN-Ibama estimou o custo de produção de filhotes em áreas protegidas em torno de R$0,160,21 por unidade (U$0,07), isto ocorre em função do volume da produção de filhotes do estado e, em parte, devido ao trabalho voluntário de muitas comunidades. O tracajá (P. unifilis) encontra-se distribuído por toda a bacia amazônica, sendo as fêmeas maiores do que os machos (que possuem manchas amareladas na cabeça), possuindo em torno de 8 kg e medindo cerca de 38 cm. Vivem em lagos, rios e igarapés e desovam isoladamente em barrancos, em covas de, aproximadamente, 30 cm de profundidade em que colocam, em média, 20-30 ovos (Soini, 1995). Supõe-se estar maduro sexualmente após os 7 anos e, alimentam-se de frutas, sementes, raízes, folhas e, ocasionalmente, de insetos, crustáceos e moluscos. Parecem ser mais rústicos do que as tartarugas, o que lhes confere uma melhor adaptação ao cativeiro (Terán-Fachin, 1992). A Podocnemis sextuberculata é denominada vulgarmente de iaçá, pitiú ou cambeuá (Pezzuti, 1997). Smith, 1979, cita que essa 154 381 A cova pode ser identificada pela areia molhada, extraída pelo animal, das partes mais profundas da cavidade, pelo rastro deixado na areia, por ocasião da subida para a desova ou, ainda, utilizando-se um estilete (varinha) que, introduzido na areia fofa, penetre facilmente na cova (Pádua & Alho, 1982). O período embrionário do ovo da tartaruga é de 45 dias, permanecendo os filhotes no fundo da cova (câmara de incubação) até completarem 60 ou 90 dias, prazo que coincide com a absorção total da bolsa da gema, implantada na parte externa do plastrão, em que se forma o umbigo. Os ovos mantidos em incubação natural são 85% gerados, desde que permaneçam em equilíbrio a umidade e a temperatura (Pádua & Alho, 1982). As tartaruguinhas que nascem estão sujeitas ao ataque maciço dos inimigos naturais e dos predadores aquáticos, como a piranha ( Serrasalmus sp.), pirarara ( Phractocephalus hemioliopterus), tucunaré (Cichla sp.), traíra (Hoplias malabaricus) e outros. Porém, trabalhos realizados em Fordlândia demonstraram 380 Estrutura populacional Podocnemis expansa Das 524 tartarugas marcadas na Rebio Abufari, 67 eram machos e 457 eram fêmeas. Esta não é uma amostragem real da proporção sexual dos animais, pois boa parte das fêmeas foi capturada na praia, após a desova. O comprimento médio de machos foi de 35,80 cm (±6,08 cm) e fêmeas de 56,34 cm (±19,57 cm; Figura 18). A menor fêmea mediu 55,10 cm, e a maior 82,50 cm. Os tamanhos do menor e maior macho foram, respectivamente, de 14,09 e 49,20 cm. Machos capturados no estudo tinham, em média, comprimento de carapaça de 35,47 cm (±5,68 N= 46 indivíduos). Machos apreendidos mediram em média 36,51 cm (±6,96 cm; N= 21 indivíduos). O comprimento médio da carapaça de fêmeas capturadas foi de 62,80 cm (±14,57 cm; N=297) e de fêmeas apreendidas foi 44,34 cm (±21,92 cm; N= 160). 900 Strainght carapace length (mm) Como camuflagem no momento da saída jogam areia nas proximidades da cova (2 a 3 metros), iniciando, a partir de então, o retorno ao rio, que é geralmente lento, fato que demonstra o cansaço pelo esforço despendido. A quantidade de ovos por cova varia de 40 a 160, com média em torno de 100 (Cenaqua, 1994). As posturas situam-se em torno de 75 ovos por cova, com variação mínima de 54 e máxima de 136. Os ovos são lançados no fundo da cova, ao acaso, e sobre eles descarrega grande quantidade de muco misturado com urina. Retornando à atividade, espalha bastante areia sobre a cova, com ágeis movimentos sobre as patas anteriores e posteriores, como também do plastrão (peito). A profundidade da cova oscila entre 44 e 83 cm, sendo a média de 54 cm, podendo, naturalmente, variar esses limites. A concentração de covas nessas áreas, chamadas tabuleiros, é, em média, de 4 a 7/m2 (Alfinito, 1980). 800 700 600 500 400 300 200 100 0 Female Male Sex Figura 12. Distribuição de comprimento de Podocnemis expansa capturados e apreendidos na Rebio Abufari entre os anos de 1999 e 2004. 155 Tabela 3. Número de tartarugas (N), comprimento (média, desvio-padrão, mínimo e máximo) capturado na Rebio Abufari. Ano Procedência Sexo N Média Desv. Pad. Min. Max 1998 desovando fêmea 24 69,57 3,37 64,52 78,47 1999 apreendido fêmea 13 64,42 8,82 41,00 78,00 desovando fêmea 114 70,27 3,97 57,33 79,01 apreendido fêmea 23 61,22 15,79 26,90 78,00 apreendido macho 2 30,75 3,89 28,00 33,50 rede de cerco fêmea 21 58,56 16,91 23,50 82,50 rede de cerco macho 3 33,50 8,06 24,20 38,30 capa-saco fêmea 14 39,94 8,51 24,50 58,00 capa-saco macho 8 35,35 6,26 29,20 49,20 desovando fêmea 23 72,48 3,25 65,00 79,00 apreendido fêmea 71 51,91 13,90 26,00 77,00 2000 2001 2002 2003 2004 Todos os grupos 156 apreendido macho 9 39,06 2,81 35,50 43,00 rede de cerco fêmea 42 52,29 13,05 26,50 78,70 rede de cerco macho 14 33,33 7,69 14,09 45,30 desovando fêmea 12 67,83 3,80 61,00 73,50 rede de cerco fêmea 1 66,20 0,00 66,20 66,20 capa-saco fêmea 4 45,63 17,26 30,00 70,30 capa-saco macho 3 38,40 3,29 34,60 40,30 rede de cerco fêmea 15 46,07 18,26 29,80 79,40 rede de cerco macho 15 36,94 2,75 32,60 42,10 capa-saco fêmea 8 24,60 2,46 22,50 30,00 apreendido fêmea 53 21,96 16,46 5,51 69,00 Apreendido macho 10 35,38 9,15 17,31 44,50 rede de cerco macho 2 36,70 1,70 35,50 37,90 capa-saco macho 1 39,40 0,00 39,40 39,40 Desovando Fêmea 19 72,03 3,42 66,00 78,50 524 53,71 19,64 5,51 82,50 Segundo Alho & Pádua (1982), há uma sincronização entre a vazante e o desencadeamento do comportamento de nidificação da tartaruga-da-amazônia. O comportamento de nidificação só começa quando a água se estabiliza em seu nível mais baixo. A imprevisibilidade dos níveis de água no Rio Trombetas, um tributário do Amazonas, no Pará, é um fator seletivo importante que influencia a data e a escolha do local da postura de P. expansa. A cheia rápida e imprevisível (conhecida como repiquete) matou, em 1980, 99% dos embriões nos ovos em contraste com as estações de nidificação de 1978, 1979 e 1981, quando 95% dos ovos eclodiram com sucesso. O cruzamento ocorre dentro da água. É fácil observar esse movimento nas águas mais ou menos paradas, próximo às margens dos grandes rios. Macho e fêmea passam horas juntos, vindo freqüentemente à tona ora o macho ora a fêmea ou os dois juntos. O acasalamento ocorre particularmente nos meses de maio e junho (Ferrarini, 1980). Após a seleção do sítio de postura, as tartarugas sobem à praia, geralmente à noite, onde, após uma perambulação, escolhem o local específico de desova, iniciando a abertura da cova, alternadamente, jogando a areia para trás. Com movimentos do corpo para a direita e para a esquerda, vão modelando aos poucos a cova, encaixando a parte posterior no buraco e aumentando a ação das patas traseiras. Preparada a câmara de postura, começam a deposição dos ovos. Nessa etapa, elas tornam-se quietas, realizando movimentos estereotipados, podendo até serem tocadas sem que haja reação. Terminada a postura, as tartarugas iniciam o processo de fechamento da cova, utilizando as patas traseiras. A seguir, através de batidas com o plastrão, fazem a compactação da cova (Alho, 1979). 379 Capítulo 11: Manejo reprodutivo, predação e sanidade Paulo Cesar Machado Andrade João Alfredo Mota Duarte Maria Linda Flora de N. Benetton Raimunda Lenice da Silva Francivane Fernandes José Ribamar da Silva Pinto Agenor Vicente da Silva Welton Oda Anndson Brelaz Wander Rodrigues 11.1 Manejo reprodutivo As fêmeas de tartaruga têm condições de procriar entre 5 e 7 anos de idade. No início do verão, geralmente, nos meses de setembro a novembro, machos e fêmeas sobem os rios em direção às praias para reprodução, procedimento denominado “arribação”, em que se aglomeram em frente às praias, observando o ambiente, e passam algum período em processo chamado “assoalhamento”, que é a agregação dos animais, em águas rasas, com subidas ocasionais na margem do tabuleiro (praia de desova) para exporem-se aos raios solares, para depois as fêmeas subirem às praias na busca do sítio ideal de postura, considerando condições de temperatura e umidade (Cenaqua, 1994). A tartaruga-da-amazônia cumpre o determinismo biológico de retornar à mesma área de desova. A desova é única e anual. Após longa jornada de viagem ao tabuleiro, o bando ou cardume permanece alguns dias em completo repouso, na parte mais funda do rio, denominada de poção ou boiadouro (Alfinito, 1980). 378 A proporção sexual de animais apreendidos durante o 2 período de enchente foi 0,769:1 ( = 0,3913, G.L.=1; p>0,05). Durante o período de seca foi apreendido um total de 30 fêmeas de tartaruga e 2 nenhum macho ( = 30; G.L.=1; p<0,001). Na época da vazante foram apreendidos pelo Ibama 117 fêmeas e 11 machos de tartarugas, ou 2 seja, uma proporção de 0,094:1 ( = 87,78, G.L.=1; p<0,001). Portanto, entre os animais capturados na pesca ilegal, temos o predomínio de machos durante a enchente e de fêmeas quando o rio está secando. A variação no incremento do peso de fêmeas adultas de P. expansa nidificando na praia do Abufari está relacionada positivamente com o incremento no comprimento da carapaça 2 (R =0,744; N=18; p=0,000; Peso fêmea = -83703,7+168,379 *comprimento). A análise discriminante utilizada confirma a existência de dimorfismo sexual de tamanho na tartaruga ( = 80149; F (2,180)=22,291 p< 0,001), mas a mesma técnica não indica diferença com relação ao peso. Comparando as regressões entre o comprimento da carapaça de machos e fêmeas de tartarugas e a sua massa corporal, observase que o valor da inclinação dessas retas parece ser diferente (Figura 13), o que evidencia uma diferença também na forma ou no peso específico entre os sexos. A razão sexual de indivíduos de P. expansa capturados com 2 redes de cerco foi 0,494:1; sendo, portanto, desviada para fêmeas ( = 14,226; G.L.=1; p<0,001). Fêmeas também predominaram nas capturas realizadas com rede capa-saco, onde a razão sexual foi de 2 0,462:1 ( = 5,158; G.L.=1; p<0,05). 157 Os animais que formaram o plantel de reprodutores e matrizes deverão ser marcados com sistema codificado de furos na carapaça e plaquetas metálicas rebitadas nas escamas caudais da carapaça. Cada plaqueta deverá conter um número de série identificador do animal e o número de registro do criador no Ibama. 80000 Female weight = 371,8954*exp(0,0063*x) 70000 60000 50000 40000 30000 Weight (g) A B C D E F 20000 10000 0 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 Carapace length (mm) Figura 13. Relação entre o comprimento da carapaça e o peso de tartarugas capturadas na Rebio Abufari entre os anos de 1999-2004 ( fêmeas: r = 0,9456: p = 0,000; machos: r = 0,9499, p = 0,000). A temperatura cloacal de Podocnemis expansa variou em função da temperatura da água onde os animais foram capturados 2 (R = 0,718; N= 12; p =0,001). Podocnemis sextuberculata Foram marcados na Rebio Abufari 688 indivíduos de Podocnemis sextuberculata, sendo 259 fêmeas e 429 machos. O comprimento médio geral desses animais foi de 19,3 cm (± 3,6 cm). O comprimento médio de fêmeas foi de 21,8 cm (±4,3cm) e o dos machos 17,8 cm (±2,0 cm). Durante todo o estudo de marcação foram registradas fêmeas com comprimento de carapaça entre 10,8 cm e 35,1 cm e machos com variação entre 14,1 cm 158 Figura 21: Seleção de lote de 5 toneladas de quelônios para venda: a e b) captura dos animais; c) lançamento de quelônios até o caminhão; d e e) carroceria dividida para separar animais de diferentes tamanhos; f) Separação de animal doente. 377 Exemplo 2: Área alagada de 3,0 ha, considerando-se a seleção para comercialização no terceiro ano (50% dos animais atingiram o peso de abate) e seleção das matrizes e reprodutores (10%) a partir do terceiro ano. Item/Instalação 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano Berçário I 3.500 4.000 4.500 Berçário II / 3.400 3.900 4.400 Crescimento 350 750 1.200 Lago ou barragem (Matrizes /Reprodutores) 3.050 5.500 6.225 Barragem ou tanque (animais para venda) Mortos * 100 100 100 Comercializados 1.050 3.225 3.657 TOTAL 3.400 7.400 10.650 7.425 3.768 c) Manejo dos animais por lote de tamanho ou peso, e seleção para venda Se os animais não recebem a quantidade adequada de alimento vai ocorrer uma grande heterogeneidade no tamanho dos animais do plantel. Uns crescem muito e outros não crescem nada. Se esses animais são mantidos juntos, a tendência é aumentar essa diferença. Portanto, é adequado que, quando da seleção de animais para venda ou para o plantel de reprodutores, se aproveite a ocasião para selecionar os animais pelo tamanho e colocá-los em tanques diferentes. Com isso, passamos a ter maior controle sobre o número e o peso dos animais em cada instalação e podemos melhorar o controle no fornecimento adequado de alimentos. A Figura 21 mostra como é o processo de captura de animais para venda e seleção de lotes por tamanho e plantel reprodutivo. 376 e 22,5 cm. Os machos de P. sextuberculata apreendidos em acampamentos e embarcações dentro da Rebio mediram em média 16,6 cm (±22,0 cm; N=166 indivíduos). Machos capturados na nossa pesca experimental mediram em média 18,6 cm (±13,0 cm; N=260 indivíduos). O comprimento médio da carapaça de fêmeas apreendidas e capturadas pela nossa equipe foi de, respectivamente, 19,6 cm (±4,1 cm; N=118) e 23,6 cm (±3,5 cm; N=236). A razão sexual dos indivíduos de P. sextuberculata apreendidos nos vários acampamentos e embarcações de transporte de cargas e passageiros dentro da Rebio Abufari durante o período de enchente foi desviada em favor de machos (proporção sexual = 2 2,182:1; =19,314; G.L.=1; p<0,001). Durante o período de seca foram apreendidas somente fêmeas (N=5). Na baixada das águas do rio Purus, pescadores oriundos de comunidades ribeirinhas próximas e de centros urbanos mais distantes, como Manacapuru, vêm pescar clandestinamente para capturar centenas de animais durante o período em que a água começa a correr dos lagos, do interior da Rebio para a calha principal do Purus. É o período em que o Ibama apreende um maior número de animais. Durante a vazante de 2004, foram encontrados em um único acampamento 2.068 quelônios, sendo 1.156 machos e 681 fêmeas de P. sextuberculata, 2 uma razão sexual de 1,697:1 ( = 128,2743; G.L.=1; p<0,001). Com base nesses dados, podemos inferir que a proporção sexual dos indivíduos de P. sextuberculata capturados pela pesca ilegal é desviada para machos. O mesmo padrão foi observado nas pescarias experimentais, onde foram capturados 248 machos e 84 fêmeas nas redes de cerco, 2 isto é, uma razão sexual de 2,952:1 ( = 81,012; G.L.=1; p<0,001). Ao contrário do padrão encontrado nas capturas com redes de cerco, nas capturas com redes do tipo capa-saco observamos que a razão sexual dos animais capturados não difere da razão esperada de 0,5 2 (RS capa-saco = 0,586:1; ( = 3,13; G.L.=1; p>0,05). O aumento no peso das fêmeas de P. sextuberculata que nidificaram 159 na praia do Abufari está correlacionado positivamente com o incremento do comprimento da carapaça desses indivíduos 2 (R =0,896; N=50; p=0,000; Peso fêmea= - 4704,63+25,76 *comprimento). Também com o emprego de análise discriminante foi possível confirmar dimorfismo sexual de tamanho com fêmeas maiores para P. sextuberculata ( = Wilks' Lambda = 0,56317; F (2,373) =144,66; p<0,0000; Tabela 13). Tanto a variável comprimento como a variável peso foram diferentes entre os sexos. A regressão entre o comprimento da carapaça de machos e fêmeas de iaçá e a massa corporal desses animais mostra que o valor da inclinação dessas retas parece ser diferente. A temperatura cloacal média de Podocnemis sextuberculata foi de 29,3ºC (± 0,79ºC). A temperatura cloacal não sofreu influência da temperatura do meio onde os animais foram capturados (R2 = 0,085; N= 28; p =0,407). Podocnemis unifilis Durante o estudo na Rebio foram marcados 47 tracajás, sendo 41 fêmeas e 6 machos. O comprimento médio de todos os animais marcados foi de 36,2 cm (±5,4 cm). O comprimento médio das fêmeas foi de 37,51 cm (±4,19 cm) e dos machos foi 27,28 cm (±5,22 cm). A amplitude de tamanhos de machos e fêmeas foi de 14,2 cm e 18,9 cm, respectivamente. 160 (Continuação) GASTOS COM RAÇÃO CUSTO COM RAÇÃO Nº DE ANIMAIS PESO (g) % BIOMASSA QUANT. ALIMENTO CUSTO UNITÁRIO CUSTO TOTAL DIÁRIO CUSTO ANUAL CUSTO COM RAÇÃO Nº DE ANIMAIS PESO (g) % BIOMASSA QUANT. ALIMENTO CUSTO UNITARIO CUSTO TOTAL DIÁRIO CUSTO ANUAL ANO 02 TOTAL ANO 01 3800 1100 0,03 125,40 1,15 144,21 4712 361 0,05 85,05 1,15 97,81 8512 210,45 242,02 R$ R$ R$ 48.454,56 32.864,16 81.318,72 3800 2250 0,01 4712 1100 0,03 4712 361 0,05 TOTAL 13224 - 85,50 1,15 155,50 1,15 85,05 1,15 326,05 1,15 98,32 178,82 97,81 374,95 ANO 03 ANO 02 R$ R$ 33.037,20 60.083,65 ANO 01 R$ R$ 32.864,16 125.985,01 OBS.: Sugerimos que a ração deverá ser ministrada apenas no Ano 01, como única fonte de alimento, sendo nos anos subseqüentes complementada com outras culturas (macaxeira, folhas de hortaliças, etc.), devido ao alto custo, para não se tornar inviável a produção de quelônios. 375 b) Cronograma proposto para a evolução do plantel Exemplo 1: Área alagada de 3,5 ha, considerando-se seleção para comercialização no quarto ano (65% dos animais atingiram o peso de abate) e seleção das matrizes e reprodutores (10%) a partir do terceiro ano. INSTALAÇÃO B ERÇÁRIO TANQU E D E CRESCIM EN TO TANQU E D E ENGORDA REPRODUÇÃO MORTOS VENDA TOTAL GERAL EVOLUÇÃO DO PLANTEL ANO ANO ANO ANO 01 02 03 04 ANO 05 TOTAL 4000 5000 5000 0 0 0 0 3000 4712 4712 0 0 0 0 200 0 0 0 288 0 2400 1400 288 5552 1400 0 1560 6361 1400 3903 6361 1400 776 5463 3800 8512 13224 10104 3122 14000 b.1) Projeção dos gastos com ração para o plantel do exemplo 1, considerando-se a taxa de 5% da biomassa para o arraçoamento no primeiro ano, de 3% do segundo ano e 1% do terceiro em diante. O tamanho médio dos machos capturados com redes de cerco e capa-saco foi de 25,7 cm (±1,54 N= 4 indivíduos) e dos machos apreendidos 30,4 cm (±10,0 cm; N= 2 indivíduos). O comprimento médio de fêmeas capturadas nas redes é de 37,7 cm (±5,07 cm; N= 26 indivíduos) e das fêmeas apreendidas 37,2 cm (±2,0 cm; N=15). Com a mesma técnica que analisamos as diferenças entre machos e fêmeas de tartarugas e iaçás, também confirmamos as diferenças morfométricas entre machos e fêmeas de P. unifilis ( = 40311; F (2,30)=22,211 p< 0,001), tanto para peso como comprimento. A regressão entre o comprimento da carapaça de machos e fêmeas de tartarugas e a massa corporal desses animais mostra uma boa relação para fêmeas, mas não para machos, possivelmente, pelo número reduzido de machos para a realização adequada do teste (Figura 14). A temperatura cloacal média de Podocnemis unifilis foi de 29,4ºC (±0,7ºC). A temperatura média da água foi de 29,3ºC (±0,3ºC), com uma variação pequena de 1ºC. Não foi constatada a existência de relação entre a temperatura cloacal de tracajás com a temperatura da água (R²= ,0564; N=18; p=0,342). 14000 12000 CUSTO COM RAÇÃO 3800 361 0,05 68,59 1,15 79,01 R$26.547,36 10000 8000 6000 W eight (g) Nº DE ANIMAIS PESO (g) % BIOMASSA QUANT. ALIMENTO CUSTO UNITÁRIO CUSTO TOTAL DIÁRIO CUSTO ANUAL ANO 01 4000 2000 0 0 100 200 300 400 500 Carapace length (mm) Figura 14. Relação entre o comprimento da carapaça e o peso de tracajás capturados em Abufari, de 1999-2004. 374 161 ( fêmeas: r = 0,9486, p = 0,000; Pesca ilegal de quelônios machos: r = 0,6814, p = 0,2053). Mesmo com um monitoramento precário e insuficiente da Rebio Abufari nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2004, período no qual estiveram como chefes da UC os senhores Gabriel Marchioro, Alexandre Kemenes e Jackson Pantoja Lima, respectivamente foram apreendidos 6.406 quelônios em embarcações e acampamentos dispersos pela floresta inundada, próximo aos maiores afluentes na Rebio Abufari. Do total de animais apreendidos, 5.647 (88,15%) pertenciam à espécie P. sextuberculata, 635 (9,91%) a espécie P. expansa e somente 124 (1,94%) pertenciam à espécie P. unifilis. Na Figura 15 observamos a existência de um padrão estritamente sazonal de apreensões, em 1999, que reflete a variação anual na atividade de pesca ilegal (P. unifilis não aparece na figura devido à baixa presença de indivíduos no total de apreensões). No período de vazante, ou seja, durante a descida das águas, a atividade clandestina dos pescadores de quelônios na Rebio Abufari se intensifica. Em 2004, justamente em agosto, em um único acampamento, foram apreendidos 2.086 quelônios em currais de madeira na água (Figura 16). Deste montante, 2.020 animais pertenciam à espécie P. sextuberculata. 162 Para a realização dos levantamentos qualitativos e quantitativos das áreas a serem manejadas será usada a metodologia determinada pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, que definiu o manejo simplificado coletivo para facilitar, como apoio técnico para os criadores de quelônios, observando as normas da Vigilância Sanitária da legislação estadual. A amostra-padrão é a de um tanque que apresente um ambiente de fácil observação e captura. O tamanho amostral vai depender da área e do plantel a ser explorado, e será variável conforme o tamanho da gleba do produtor (criador) a ser inventariada. Os animais serão distribuídos em tanques, de maneira a ter fácil acesso no momento da captura, para posterior manejo, análises e emplacamentos, sendo respeitados a quantidade para cada lote e o tipo de procedimento aplicado. Para a medição das amostras, será feita a captura no local de criação, onde serão definidas as porcentagens de animais distribuídos para os tanques, de acordo com a idade, peso, altura, largura e comprimento para cada espécie. Paralelamente, o modelo de projeto e inventário deverá realizar observações quanto à maturação sexual dos animais, merecendo especial atenção às espécies mais requisitadas no mercado consumidor, para um melhor controle na reprodução e manutenção do estoque natural. O material não identificado no local da captura será coletado e posteriormente identificado em estudos de laboratório. 373 alimentados, 50-65% dos animais atingiriam ou superariam esse peso); seleção de 10% dos animais, acima de quatro anos, para reprodutores e matrizes (em geral, os animais maiores são separados e marcados com plaqueta metálica e rebite). 2500 4000 3500 Número de quelônios 2500 1500 2000 1000 1500 1000 Cota média mensal (cm) 2000 3000 500 500 0 0 jan fev mar abr P. expansa mai jun jul ago P. sextuberculata set out nov dez Nível do rio Figura 15. Padrão de exploração ilegal de quelônios na Rebio Abufari, em 1999. Figura 20: Evolução do plantel. No que diz respeito à atividade de criação de quelônios, os problemas começam no momento do planejamento, pois é realizada sem critérios ou acompanhamento técnico, e sem a determinação de um calendário prévio, que acaba por resultar em desperdícios de recursos, tempo e sobrecarga dos órgãos licenciadores. Nos criadouros, mesmo depois de implantados, deverão ser realizados trabalhos de inventários para determinar qualitativa e quantitativamente a viabilidade técnica e econômica, o potencial de produção nos criadouros de quelônios para a certificação e posterior comercialização racional dos produtos in natura e beneficiados, agregando valores. Figura 16. Apreensão de 2.086 quelônios (esquerda) em currais de madeira (direita) no paraná do Chapéu, em agosto de 2004. (Fotos: Jackson Pantoja Lima). a) Metodologia para o monitoramento do plantel 372 163 Movimentos migratórios d) MARCAÇÃO, BIOMETRIA E CAPTURA DOS ANIMAIS Durante o período de seca, grandes aglomerações de tartarugas e iaçás são observadas na frente da praia do Abufari. Os animais concentram-se em alguns locais mais profundos da calha do Purus, naquele trecho, denominados boiadouros. Alguns animais também são avistados boiando em trechos a montante e a jusante da praia (praia do Camaleão e praia do Bem-te-vi, respectivamente), dentro de um trecho de rio de 15 a 20 km. Baseado no padrão do ciclo de atividade de pesca ilegal e apreensão, assim como da natureza dos artefatos de pesca utilizados nessa atividade, nos depoimentos colhidos durante esses anos e do nosso esforço de captura (que consideramos o ponto mais fraco da pesquisa até agora, pelo esforço de captura desigual tanto espacialmente quanto temporalmente), propomos a categorização do padrão sazonal de movimentos de quelônios aquáticos na Rebio Abufari da seguinte maneira: 1 – No início da vazante, os quelônios adultos movimentam-se em direção ao canal principal, deixando a planície de inundação, pelos afluentes do rio Purus, como o rio Abufari e paraná do Chapéu, ambos conhecidos como principais rotas migratórias dos quelônios do Abufari. Acompanhando o pulso de vazante do próprio ciclo hidrológico, animais adultos, principalmente indivíduos de P. expansa e P. sextuberculata, e em menor escala, P. unifilis, descem para a calha principal e lá permanecem em locais mais profundos, aguardando a emersão dos bancos de areia que formarão as grandes praias fluviais. 2 – No final da vazante e durante o período em que o rio atinge seu nível mais baixo, milhares de quelônios desovam no tabuleiro do Abufari. Após a desova, os animais permanecem na calha principal e aguardam a enchente para retornar para os locais de alimentação nas restingas e chavascais, nas planícies de inundação. 164 Os animais acima de três anos, selecionados para reprodutores e matrizes, receberão uma plaqueta metálica na carapaça constando as iniciais do proprietário, o número de registro do criadouro, no Ibama, e o número do animal. A plaqueta será presa por arrebites nas escamas caudais da carapaça. Animais para venda receberão o lacre plástico específico, fornecido pelo Ibama, mediante solicitação do produtor, com pelo menos um mês de antecedência. Hoje, o lacre custa R$1,10 a unidade (aproximadamente, U$0,35). As biometrias serão realizadas bimestralmente em animais até um ano, e semestral ou anualmente nos demais animais. Para a biometria os animais dos berçários serão capturados com puçás ou com malhadeira. Os animais da represa serão capturados com malhadeira após o seu esvaziamento, bem como construiremos uma “manga de cerca” (espécie de labirinto com estacas ou tela) em alguns pontos da cerca, de forma que, ao esvaziarmos a represa, caso os animais tentem fugir durante a noite, acabam ficando presos nesse artifício. 9.4.4 EVOLUÇÃO DO PLANTEL Para efeito de planejamento do plantel, em um prazo de 5 anos, consideramos os seguintes aspectos: mortalidade em torno de 5% dos animais, no primeiro ano; comercialização de animais acima de 1,5 kg (considera-se que a partir do terceiro ano, quando bem 371 A renovação de água na represa será feita conforme o fluxo de água do igarapé e a vazão do excedente por tubos de PVC de 4 polegadas ou monge situados na barragem. Para evitar que a água se suje rapidamente os excedentes de alimento nos cochos serão removidos, diariamente, por volta das 17h. Para evitar a fuga dos animais da represa serão construídas cercas de estacas de madeira, com 50 cm acima do nível do solo. Essas cercas não possuirão cantos (cantos arredondados) e terão os mourões colocados pelo lado de fora. O controle de predadores na represa será feito por um tratador que deverá residir próximo às instalações, e poderá vigiar a criação dia e noite, evitando não só o ataque de aves, jacarés e alguns mamíferos, mas o furto de animais. Além disso, deve-se construir uma cerca de arame farpado de 1,80 m ao redor de todo o criatório o que deverá dificultar ainda mais o furto. No caso específico de aves nos berçários (gaviões, garças etc.), deve-se colocar uma rede ou fios de náilon para evitar o pouso de predadores no local. c) PROFILAXIA E TRATAMENTO Os berçários e a represa serão vistoriados diariamente em busca de animais doentes ou mortos. Animais doentes serão isolados e submetidos à tratamento veterinário; animais encontrados mortos serão necropsiados, imediatamente, pelo técnico responsável. Não sendo possível, o animal será guardado em freezer para posterior análise. A renovação da água dos berçários e da represa, periodicamente, também consiste em uma medida profilática para evitar o acúmulo de sujeira e a proliferação de microorganismos que possam adquirir caráter patogênico. 370 3 – Migrações do rio para lagos e floresta inundada (Figura 29). Durante a enchente, os indivíduos que se encontravam no rio Purus, principalmente tartarugas e iaçás, migram em direção aos lagos do complexo do rio Abufari (pontos 6 e 9) e lagos da região do Chapéu (p1-lago do Ati, p2 – lago Comprido, p3 – lago Sacopema), através dos paranás e também pela planície de inundação da Rebio, pois durante a enchente ela pode alcançar cerca de 30 a 40 quilômetros de largura. Uma proporção, provavelmente, sai dos limites da Rebio deslocando-se a montante e a jusante. Nessas áreas alagadas os quelônios permanecem alimentando-se até o período de vazante e seca para, então, reiniciarem os movimentos que antecedem a desova em um novo ciclo anual. Os canais anteriormente mencionados são apontados por moradores da região como as principais rotas migratórias dos quelônios da Rebio, e nelas, a pressão de pesca concentra-se justamente durante o período de vazante. Nesses locais, o Ibama apreende anualmente grande quantidade de quelônios, como já demonstrado. O padrão de pesca ilegal, tanto em escala espacial como temporal, corrobora o modelo proposto. A captura de grande quantidade de fêmeas adultas nos boiadouros, realizada entre os meses de novembro e dezembro, em anos distintos, já no final da época de eclosão e emergência dos filhotes, comprova que as fêmeas permanecem próximas aos locais de reprodução, por vários meses, após desovarem. Nesse período, os canais de drenagem encontram-se ainda com nível bastante baixo e os lagos total ou parcialmente isolados. Constatamos esse período de ausência de deslocamentos significativos em todos os anos estudados, o que indica claramente a existência de um padrão. o o No lago Comprido (ponto 2- S5 18'01''/ W62 58'55''), nas coletas realizadas em novembro de 2001, período de enchente no rio principal, mas ainda de águas baixas nos lagos da região do Chapéu, foram encontrados indivíduos jovens de Podocnemis expansa e Podocnemis sextuberculata e adultos de Podocnemis unifilis (Figura 17). 165 Com base no esforço de captura foi possível observar que tartarugas e iaçás marcados, que estavam migrando da planície de inundação da região do Chapéu, em agosto de 2004, foram capturados por contrabandistas e depois apreendidos por fiscais do Ibama. farpado ou tela de alambrado, para evitar predadores e furto de animais. 9.4.2 ANIMAIS: quantidade e aquisição Utiliza-se como base de cálculo um total de 4.000 animais por hectare de espelho d'água, considerando-se a somatória das áreas alagadas que, efetivamente, serão utilizadas na propriedade para criar quelônios: lago ou barragem de reprodução (1,0-2,5 ha), mais o tanque ou açude de crescimento e engorda (berçário II) e o berçário I. O projeto deverá prever um total de 12.000 animais, para 3 ha de área alagada, a serem doados pelo Ibama em lotes anuais de 4.000 indivíduos, sempre que houver disponibilidade. 9.4.3 MANEJO a) ALIMENTAÇÃO A alimentação será fornecida a cada 24h, no horário entre 9 e 10 horas da manhã, em vista do metabolismo dos animais ser favorecido nas horas mais quentes, aumentando sua eficiência digestiva. O alimento será fornecido em cocho submerso a 50 cm do nível da água, tendo por base de consumo 5% da biomassa total de quelônios, para indivíduos até um ano, e de 3% da biomassa para indivíduos acima de um ano. Figura 17. Mapa resumido das possíveis rotas migratórias de quelônios na Rebio Abufari (1 – lago do Ati; 2 – lago Comprido; 3 – lago Sacopema; 4 – lago Macapá; 5 – igarapé e lago do Tauamirim; 6 – lago do Almoço; 7 – praia; 8 – paraná do Panelão; 9 – rio Abufari; 10 – lago Pupunha; setas contínuas – movimentos migratórios durante a enchente; setas pontilhadas – movimentos migratórios durante a vazante dos rios). O tipo de alimentação fornecida será ração, vísceras e sangue coagulado de frango, suínos e bovinos, pescado moído, verduras e frutas (resto de feiras) e macaxeira e milho (é interessante que seja feito um roçado só para atender à criação). O alimento dependerá da disponibilidade na propriedade e do custo. b) RENOVAÇÃO DA ÁGUA, CONTROLE DE FUGA E DE PREDADORES 166 369 terra firme similar à dos criadouros de Manaus) e do Abufari (clima similar aos dos criadouros de Manacapuru, margem do rio Solimões, onde deságua o rio Purus). 9.4 Roteiro básico para o planejamento do manejo em criadouros de quelônios 9.4.1 DESCRIÇÃO DA ÁREA E INSTALAÇÕES: A área destinada à criação de quelônios deverá ser apresentada ao Ibama em croqui ou planta detalhada do criadouro. Recomenda-se que a propriedade possua um lago ou barragem de 1 a 2,5 ha, que será destinado a receber os animais após os dois anos, matrizes e reprodutores. Essa área alagada poderá ser alimentada por um igarapé com vazão média de 2 l/s, em área cercada por floresta equatorial de terra firme, mata de capoeira ou pastagens. As bordas da represa deverão ser inclinadas, em sua maior parte, com declives de até 30%. O tipo de solo ideal é o latossolo para reduzir o problema de perda de massa líquida, por infiltração, sendo que poderá haver, próximo à barragem, manchas de podzóis com faixas de terreno arenoso que poderá ser utilizado para a formação de uma praia artificial para desova. O berçário I para receber os filhotes de tartaruga doados pelo 2 Ibama deverá medir aproximadamente de 60 a 100 m , para lotes de 4.000 animais. A cerca do berçário será de aproximadamente 50 cm de altura, feita em tela ondulada com malha de meia polegada, fio nº 12 ou com estacas de madeira. Recomenda-se que os animais no segundo ano de vida sejam transferidos para um segundo berçário, 2 com 500 a 1.000 m para lotes de 4.000 animais, cercado por campos de puerária, gramíneas nativas ou implantadas, capoeira, mata e fruteiras. Essa área receberá uma cerca de 1,80 m de altura total, com metade em estacas de madeira (0,5 m) e o restante com arame 368 Com o registro de apreensões de animais marcados no canal do igarapé do Chapéu e rio Abufari e também próximo à comunidade Beabá, podemos inferir que a migração durante o ciclo anual pode atingir 100 km ou mais de extensão. Temos, ainda, depoimentos indicando que pelo menos uma tartaruga marcada na Rebio (com furos codificados nas escamas marginais e etiquetas plásticas) foi capturada próximo à sede do município de Canutama, situada no médio rio Purus (rio acima), cerca de 550 km de distância, via fluvial, da Rebio Abufari. Nessa área, há um pequeno tabuleiro, onde, em 1998, nidificaram cerca de 10 tartarugas. Também desovam anualmente no local entre 100 e 200 tracajás e iaçás. No Purus, observamos em mais de uma estação reprodutiva que tanto a tartaruga quanto o tracajá e o iaçá começaram a desovar bem antes de o nível do rio atingir a sua cota mínima. Em outros anos, quando as águas do Purus baixaram ainda mais lentamente, e as praias não emergiram a tempo, as tartarugas nidificaram em áreas de barranco, onde o solo é diferente do que ocorre nas alvas praias de areia preferidas por essa espécie. Também houve anos em que as fêmeas das três espécies iniciaram a desova com o grande tabuleiro completamente exposto, pois o rio secou rapidamente. Do ponto de vista de maximização das chances de sobrevivência dos ninhos, as fêmeas esperarem o rio baixar completamente não faz muito sentido, pois com isso, resta menos tempo para que os embriões completem seu desenvolvimento, eclodam e abandonem o ninho antes que a subida das águas os atinja. Seguindo esse raciocínio, quanto antes desovarem, melhor, pois isso minimiza as chances de que o ninho seja alagado pelo repiquete. As fêmeas também necessitam, entretanto, de um tempo determinado para que os ovos fecundados se desenvolvam completamente para que possam ser depositados em uma cova. No ano em que as águas 167 baixam muito cedo, pode ser que a maior parte da população de fêmeas da praia ainda não esteja completamente pronta para desovar. Esse pode ter sido, na verdade, o caso particular observado, naquele ano, por Alho e Pádua (1982). Além disso, se os animais esperam o rio atingir sua cota mínima têm que percorrer uma distância bem maior (no caso do Abufari, isso pode significar até 500 metros a mais), expondo-se aos predadores. A alta densidade de quelônios foi o motivo que levou o então IBDF, hoje Ibama, a enviar o biólogo Glênio Bruck de Andrade ao rio Purus, em novembro de 1980, para fazer o levantamento da potencialidade biológica da então Rebio Abufari (Andrade, 1981). Segundo relatos dos moradores locais da Rebio, a densidade de quelônios no rio Purus era muito superior à que observamos hoje, e não era concentrada somente nessa praia, mas em várias outras, tanto a jusante como a montante. No entanto, o que se tem nos registros do IBDF até 1980 é uma produção de cerca de 80 mil filhotes de quelônios, por ano, somando as áreas do rio Purus e Juruá. Esse fato parece ser verdadeiro, uma vez que Rebêlo (1985) registrou a produção de filhotes de tartaruga no Abufari em aproximadamente 40 mil no ano de 1984. Podemos concluir que a produção anual aumentou daquele período para a década de 1990 e para o início deste século. Saracura (1995) comenta que a produção de filhotes nos tabuleiros do Abufari, em média, é de 330.000 filhotes de quelônios por ano. Essa informação parece ser aproximada quando somamos a produção das 3 espécies (Tabela 1). No caso do Abufari a razão sexual dos filhotes de tartarugas e iaçás foi desviada para fêmeas, o que pode não ser um bom reflexo do que acontece em outras praias do Purus, pois o tabuleiro do Abufari é uma das praias mais altas da região, podendo atingir um máximo superior a dez metros em anos de seca forte. Raeder 168 Figura 19: Comparação de ganho diário em peso (g/dia) de três diferentes populações de tartaruga (P.expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999). Apesar de não haver diferenças significativas (teste t não pareado, 5%), é possível observar que os animais provenientes de Uatumã apresentam melhor crescimento e ganho de peso em relação às outras populações no primeiro ano, porém, os animais do Abufari os superam em desempenho dos 12 aos 16 meses, embora animais do Uatumã mantenham maiores incrementos em peso. Contudo, mantém-se a tendência de animais do Purus apresentar crescimento maior em relação aos animais de Rio Branco. Sugere-se que o Ibama e os criadores procurem trabalhar com filhotes de tabuleiros próximos à região do criadouro, fomentando o trabalho de proteção nesses lugares (apoio aos comunitários do local, criação de infra-estrutura básica, alternativas de desenvolvimento com geração de renda, etc.). Provavelmente, animais mais adaptados ao clima local tenham melhor desempenho, como é o caso de animais do Uatumã (área de 365 Através das figuras podemos observar que os animais provenientes de Uatumã apresentaram uma ligeira tendência a um melhor crescimento e ganho de peso em relação às outras populações, porém, os animais do Abufari apresentam crescimento maior em relação aos animais de Rio Branco, o que confirma os dados dos criadores que apresentaram resultados semelhantes nos primeiros 12 meses de vida. As Figuras 18 e 19 demonstram a comparação de crescimento de comprimento de carapaça (mm) e ganho diário de peso (g/dia) das três populações até os 16 meses de vida. Comparação de comprimento da carapaça (mm) de tartaruga provenientes de diferentes populações 180 160 Ccp (mm) 140 120 100 80 60 40 Abufari 20 Rio Branco 0 0 2 4 6 12 16 Uatumã Idade (meses) Figura 18: Comparação de comprimento de carapaça (mm) de três diferentes populações de tartaruga (P.expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999). (2003) demonstrou que em praias mais altas o período de incubação é mais curto, indicando temperaturas mais elevadas. O mesmo fator pode significar maior produção de fêmeas em praias altas. A variação na altura, entretanto, não explicou a variação entre os ninhos em uma mesma praia, o que pode significar a existência de um padrão realmente bem definido de desova nos locais mais altos, com pouca variação entre as fêmeas que utilizam uma mesma praia. Em P. expansa, a profundidade do ninho influenciou negativamente na razão sexual, ou seja, maiores profundidades produzindo uma baixa razão sexual, o que quer dizer uma maior produção de fêmeas. Possivelmente, em maiores profundidades, a temperatura seja mais elevada ou então se mantenha mais constante, não sofrendo diretamente com as mudanças do ciclo diário (noite e dia). Por outro lado, ninhos mais superficiais deveriam estar experimentando temperaturas de incubação mais elevadas, pelo menos durante as horas mais quentes do dia. Outra possibilidade é que o calor gerado pela grande quantidade de ninhos que, na prática, formam um grande aglomerado de ovos, pode gerar uma quantidade de calor metabólico que mascara o efeito da temperatura. O monitoramento com coletores remotos de dados de temperatura (data-loggers) em locais distintos, tanto na superfície quanto junto aos ovos, e também entre ninhos isolados e no centro do tabuleiro, seriam necessários para elucidar essa questão. A posição dos ninhos de quelônios aquáticos é fator crítico para o seu sucesso quanto às principais causas de perda, a saber: predação e alagamento. Ninhos de quelônios amazônicos são alvos de diversas espécies de animais, incluindo insetos, répteis, aves e mamíferos (Soini, 1995, Batistella, 2003, Félix-Silva et al., 2003). Em anos que o nível do rio desce de forma lenta, geralmente observamos no Abufari a formação de umúnico 364 169 Embora esse comportamento pareça ser desfavorável em termos de produção de filhotes, seu significado adaptativo pode estar relacionado com dois outros fatores: primeiro, após alguns dias de intensa atividade escavatória, a areia do tabuleiro fica completamente descompactada, facilitando a escavação e, potencialmente, diminuindo o tempo de postura. Essa possibilidade poderia ser testada quantificando-se as durações das posturas em dias distintos, ao longo do período de posturas. Outro possível componente adaptativo do comportamento de desova em grandes grupos relaciona-se com a hipótese de saciedade do predador. A oferta de centenas de milhares de presas, tanto na forma de fêmeas adultas quanto de ovos e, posteriormente, filhotes, reduzem suas probabilidades individuais de predação se essa oferta for extremamente concentrada tanto espacialmente quanto temporalmente. Comprimento da carapaça (mm) Ccp (mm) 200 150 100 Abufari 50 0 0 2 4 6 Rio Branco Uatumã 12 Idade ( m eses ) Figura 16: Comparação de comprimento de carapaça (mm) de três diferentes populações de tartaruga (P.expansa) criadas em cativeiro (Costa & Andrade, 1999). Peso ( g ) 800 Peso (g) tabuleiro, o que aumenta a perda por reescavação. Não se tem ao certo um valor da quantidade de ovos de tartarugas que são perdidos dessa forma, a cada ano, pois após dias e dias de desovas em grupo o que temos nos tabuleiros são grandes aglomerados de ovos em que não há mais como individualizar os ninhos. Isso inviabiliza, inclusive, a possibilidade de determinarmos com precisão o número de fêmeas de tartarugas que desovam nos grandes tabuleiros. Também não podemos contar simplesmente os ovos que são arrancados pois, certamente, muitos são danificados e rompidos, permanecendo enterrados. O material apodrecido no interior de um ninho atingido pode provocar a perda de ovos nesse ninho e em ninhos adjacentes. 600 400 Abufari 200 Rio Branco Uatumã 0 0 2 4 6 12 Idade ( m eses ) Figura 17: Comparação de peso (g) de três diferentes populações de tartaruga (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa & Andrade, 1999). Atualmente, no rio Purus existem dois grandes tabuleiros de desova de quelônios. Um está situado no médio rio Purus, no município de Canutama, na Reserva Ecológica do Jamanduá, onde desovam 350 tartarugas, 100 tracajás e 3.500 iaçás. O outro é no próprio Abufari. 170 363 Com relação à Podocnemis expansa, considerando o L50 como medida base para distinguir uma população de fêmeas adultas de uma população de fêmeas imaturas, podemos dizer que, do total de indivíduos observados, 25,8% da população são fêmeas adultas. Se considerarmos o tamanho da menor fêmea marcada na praia, desovando, podemos concluir que 66,2% das fêmeas capturadas estavam maturas. Figura 15; Ganho de peso (g) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas em cativeiro no estado do Amazonas, provenientes de duas populações (Costa & Andrade, 1999). Um experimento foi realizado na Fazenda Experimental da Universidade do Amazonas, onde foram utilizados 350 filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa) que foram alojados em um curral 2 de estacas de 16 m , provenientes de três locais: Rio Purus, Reserva Biológica do Abufari-Tapauá/AM; Rio Branco-RR; Rio UatumãBalbina/AM. Com este estudo pôde-se fazer uma comparação, sob as mesmas condições experimentais, do crescimento e ganho de peso de animais originados de três diferentes populações, criadas em cativeiro, verificando-se que os resultados obtidos em campo, nos criadouros se repetiam. As Figuras 16 e 17 demonstram a comparação de crescimento de comprimento de carapaça (mm), peso (g) e ganho de peso (g) das três populações. Não houve diferença significativa entre o desempenho das tartarugas de diferentes populações. 362 No caso de Podocnemis sextuberculata, se também utilizarmos o tamanho das fêmeas como indicador do tamanho médio da população adulta, podemos dizer que, utilizando o L50 como medidabase, temos no Abufari 17,9% da população composta por fêmeas adultas. No entanto, se considerarmos o tamanho da menor fêmea marcada no estudo, podemos afirmar que 42,02% das fêmeas capturadas são fêmeas maturas. Segundo Shine & Iverson (1995), o padrão de maturidade sexual é de cerca de 70% do comprimento máximo da carapaça. No nosso estudo, o comprimento estimado para a maturidade de tartaruga corresponde a 66%, se utilizarmos o tamanho da menor fêmea de tartaruga capturada na praia do Abufari, e 90,2% se utilizarmos o valor do L50, onde, 50% das fêmeas com esse comprimento podem estar maduras ou não. Segundo Gibbons (1990), a razão sexual desviada para fêmeas pode estar associada às aglomerações da espécie nas proximidades das áreas de nidificação. Essa hipótese é plausível se observamos novamente a Figura 21, em que a maior proporção capturada foi de fêmeas, para as três espécies, exceto quando utilizamos a rede de cerco para a captura de iaçás que, ao contrário das outras, mostrou uma maior captura de machos do que de fêmeas. Esse efeito das aglomerações de fêmeas na praia pode ser excluído quando analisamos a razão sexual dos indivíduos capturados pela pesca ilegal, quando os animais estão migrando dos lagos para o rio Purus. Nesse período de vazante, com base nos dados de animais apreendidos, foi observada uma maior proporção de 171 fêmeas, tanto para tracajá como para a tartaruga, e uma maior proporção de machos para iaçá. Portanto, tanto os resultados da análise da proporção de sexos na pesca experimental quanto das apreensões estão de acordo. São diversos os fatores que podem influenciar nesse resultado, como a taxa de mortalidade natural diferenciada e também o impacto da pesca ilegal. A pesquisa desse grupo no Abufari iniciou-se em junho de 1998, com uma visita inicial do coordenador, que acompanhou as atividades de fiscalização do Ibama, na época, coordenadas pelo então chefe da Rebio, sr. Agenor Vicente da Silva. Foram percorridos os principais canais de drenagem do complexo de lagos localizado na margem esquerda do rio Purus. Esses canais são o do Abufari, do Chapéu e do Panelão. Nessa época, ocorre a migração de animais adultos para a calha principal onde, em breve, estarão expostas as grandes praias fluviais utilizadas para a reprodução por quelônios aquáticos. Descem principalmente tartarugas e iaçás, ao passo que os tracajás apresentam comportamento mais diversificado, desovando em ambientes variados que vão desde as praias arenosas até os barrancos e folhiços. Nesse período, pescadores clandestinos estão instalando grandes capa-sacos para a captura dos animais que descem. Em junho de 1998, o Ibama realizou três apreensões de animais e de equipamentos, todas vinculadas à atividade. Nas duas primeiras foram detectados e retirados os capa-sacos instalados com o auxílio de poitas (âncoras de ferro com ganchos que se prendem na corda superior do capa-saco submerso), exatamente nos canais apontados por moradores da região como as principais rotas de migração dos animais que desovam na praia do Abufari. Numa dessas situações, no canal do Abufari, em cuja foz fica a base flutuante do Ibama, além dos vários animais retirados dos próprios apetrechos também foram encontrados acampamentos 172 Figura 13: Comprimento de carapaça (mm) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas em cativeiro no estado do Amazonas, provenientes de duas populações (Costa & Andrade, 1999). Figura 14: Peso (g) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas em cativeiro no estado do Amazonas, provenientes de duas populações (Costa & Andrade, 1999). 361 Tabela 7: Comparação entre o comprimento da carapaça (mm), peso (g) e ganho diário de peso (g/dia) de duas populações diferentes de tartaruga em cativeiro (Abufari e Rio Branco). (Costa & Andrade, 1999). C o m prim en to d a carapaç a (m m ) Po p 0 4 6 A bufa 5 6 ,7 6 6 ,1 ±5 6 7 ,2 ±5 ri ±2 ,5 5 2 ,7 6 9 ,8 7 4 ,9 R io B ran ±2 ,5 ±4 ,9 ±6 ,6 co Peso (g) Po p 0 4 6 A bufa 3 4 ,5 4 9 ,2 9 0 ,5 ± ri ±4 .6 ±1 0 ,1 1 8 ,7 2 4 ,6 4 5 ,6 7 1 ,5 R io B ran ±2 ,4 ±7 ,3 ±1 4 ,7 co G an h o d e peso (g/d ia). Po p A bufa ri R io B ran c o 0 8 7 8 ,7 ±7 ,2 6 8 ,9 ±4 ,8 10 8 5 ,0 ±9 ,1 8 6 ,9 ±7 ,2 12 8 9 ,4 ±1 1 ,4 9 2 ,2 ±8 ,6 8 8 3 ,7 ± 1 9 ,3 6 3 ,8 ±8 ,3 10 1 1 0 ,2 ± 3 9 ,1 5 8 6 ,9 8 ± 2 2 ,2 12 1 4 1 ,6 ±5 3 ,.4 1 0 8 ,4 ± 2 4 ,9 4 0 ,1 7 2 6 0 ,1 8 8 0 ,3 7 10 0 ,4 7 0 ,0 8 4 0 .1 9 0 ,0 4 0 ,1 0 9 12 0 ,.4 8 0 ,5 3 As Figuras de 13 a 15 mostram a comparação de duas populações de tartarugas (Podocnemis expansa) de 0 a 12 meses em que os animais provenientes do Abufari demonstram em geral valores maiores de peso e ganho de peso em relação aos animais provenientes de Rio Branco-RR, sendo que os de Rio Branco têm maior carapaça. Isso indica, provavelmente, maior rendimento de carcaça dos animais provenientes do Abufari. com cerca de 350 animais mantidos em sacos e currais. Os pescadores são, em sua maioria, provenientes de Manacapuru, comprovando a forte pressão de pesca ilegal associada aos movimentos migratórios que antecedem o início do período reprodutivo. Desde 1998 nossas atividades concentram-se principalmente no período reprodutivo e num esforço concentrado na captura, biometria, marcação e soltura de tartarugas, iaçás e tracajás nas praias (após a desova), assim como nos boiadouros. Dependendo do recurso disponível, também investimos na captura de adultos, em outras épocas. Pudemos também contar com depoimentos de antigos moradores, nascidos na região e que continuam ali morando com suas famílias, filhos e netos. Um deles, o sr. Julinho, morador da comunidade do Bem-Te-Vi, já trabalhou na praia como vigia durante doze anos, no período em que ela era de propriedade do seringalista Abdom Said. Esse chefe local não permitia que se interferisse na desova dos animais, mantendo proteção ostensiva e, eventualmente, comercializando certa quantidade de fêmeas adultas com os batelões aviadores. Julinho conta que, após o fim da atividade seringueira, a proteção do grande tabuleiro do Abufari passou a ser realizada pela comunidade que levava o mesmo nome, situada no canal de drenagem de lagos internos, em frente à parte superior do banco de areia e que também recebia este nome, Abufari. A comunidade foi retirada na ocasião da criação da unidade de conservação. Em várias ocasiões, enquanto nos recebeu em sua casa, na comunidade Bem-Te-Vi, assim como nas ocasiões em que nos ajudou durante estudo realizado com os peixes predadores, o sr. Julinho nos contou sobre as extensas áreas alagadas ao redor do lago do Lira (ou do Ira), apontado como o “coração da reserva”. Outro depoimento importante sobre o comportamento dos quelônios 360 173 aquáticos, nesse trecho do Purus, nos foi dado por um ex-morador da comunidade Abufari, extinta com a criação da Rebio, como já dito, o sr. Dudu Mangabeira, morador da atual comunidade Fazenda. O sr. Dudu chegou a esboçar, em um desenho, um mapa cognitivo com a rota migratória realizada anualmente pelos quelônios aquáticos para dentro e para fora do sistema de lagos, utilizando os três canais principais também já mencionados. Existem evidências consistentes de que pelo menos P. expansa é capaz de realizar longas migrações após a desova. O mais provável é que tenhamos uma boa parcela dessa população migrando para o sistema de lagos que se encontram dentro dos limites da Rebio Abufari, e outra que migre pelo Purus a jusante e ainda outra que sobe rio acima. Sobre o caso acima relatado, de um animal marcado na Rebio e recapturado em Canutama, centenas de quilômetros a montante, e considerando que marcamos animais desde 1999 e a extensão percorrida, podemos levantar a possibilidade da existência de fluxos de dispersão não necessariamente relacionados com o pulso anual de migração entre áreas de reprodução e alimentação, acima descritas. Uma parcela da população pode estar simplesmente se dispersando. Considerações gerais É fundamental que se continue a monitorar anualmente os tabuleiros. Em primeiro lugar, a variação climática anual pode provocar, como já discutido, profundas mudanças nas taxas de sobrevivência, na razão sexual dos filhotes e na proporção de ninhos atingida pelo repiquete do rio. A continuação desse trabalho possibilitará uma melhor compreensão desses fenômenos, suas variações anuais e a potencialidade dos diversos fatores influenciando a reprodução dos quelônios amazônicos. Além disso, como avaliação do status populacional, a continuidade das atividades permitirá que analisemos as tendências das populações. 174 9.3.2 Avaliação do desempenho em função da população de origem do plantel Os primeiros criadores de quelônios do Amazonas recebiam filhotes de tartaruga oriundos do tabuleiro do Abufari, Médio rio Purus. Em 1999, essa prática foi abolida pela Câmara Multiinstitucional de Fauna, do Ibama-AM, justamente por estar, aquele tabuleiro, em área de reserva biológica e que, portanto, pela lei, deveria ficar intocado. Então, os queloniocultores do estado passaram a receber filhotes do rio Juruá (tabuleiros do Walter Buri, Joanico) e do rio Branco (afluente do rio Negro), dos tabuleiros de Sororoca, Caracaraí, Roraima, sendo transportados de avião e caminhão. Já a partir de janeiro de 1998, os criadores acompanhados pelo projeto Diagnóstico receberam animais provenientes de Rio Branco-RR, o que nos permitiu avaliá-los confrontando com os dados de animais recebidos anteriormente (novembro de 1997), provenientes da Reserva Biológica do Abufari, município de Tapauá-AM. A Tabela 7 compara os valores de comprimento de carapaça (mm), peso (g) e ganho diário de peso (g/dia) das duas populações de tartarugas criadas em cativeiros. 359 Agradecimentos Ganho diário de peso ( g ) Agradecemos ao Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas/Programa do Trópico Úmido (Proc. 469940-00) e ao Banco da Amazônia pelo suporte logístico para a realização deste trabalho. Agradecemos também ao Doutor Luiz Alberto dos Santos Monjeló, coordenador do Projeto de Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres. Somos muito gratos ao Ibama pelo apoio logístico e de licenciamento da pesquisa. Agradecemos ao senhor Júlio Ferreira e seus filhos, pelo suporte em campo. 0,7 0,6 GDP ( G ) 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 4 6 14 Idade ( meses ) Tartaruga Tracajá Iaçá Figura 11: Comparação de ganho diário de peso (g/dia) de três diferentes espécies de quelônios, criadas em cativeiro (Costa, 1999). Ganho de peso em percentagem do peso vivo 0,6 GDP % PV ( g ) 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 4 6 Idade ( meses ) 14 Tartaruga Tracajá Iaçá Figura 12: Comparação de ganho diário de peso em percentual do peso vivo (%) de três diferentes espécies de quelônios, criadas em cativeiro (Costa, 1999). 358 175 Capítulo 5:Genética Molecular das Populações das Espécies de Quelônios do Gênero Podocnemis da Amazônia: Resultados Preliminares Maria das Neves Silva Viana Izeni Pires Farias 2 Rafaela Cardoso dos Santos Maria Iracilda Sampaio 2 Luiz Alberto dos Santos Monjeló INTRODUÇÃO Os quelônios são os mais antigos répteis existentes. Surgiram na era dos répteis, há milhões de anos, sendo de linhagem mais antiga do que os dinossauros fósseis. De um modo geral, são encontrados em locais diversos como lagos, rios, açudes, mares, pântanos, desertos e florestas. Existem espécies adaptadas para viverem exclusivamente em terra, enquanto outras passam a vida toda nas águas dos rios ou mares. O tamanho do corpo é variável de acordo com as espécies, encontrando-se formas de dois a três metros de comprimento e também pequenas formas que atingem de sete a doze centímetros. A conversão alimentar verificada na Tabela 6 para tartaruga, provavelmente, ocorreu em condições de dificuldade em adquirir o tipo de alimento, a mudança ou diminuição da quantidade de alimentação fornecida, a falta de solários, ou de um número pequeno, para os animais exporem-se ao sol, em função do número de animais na instalação, a falta de acompanhamento técnico em alguns criadouros durante a realização deste trabalho, o horário inapropriado de fornecimento da alimentação, para aproveitar o horário de 10:00 às 15:00 horas, a variação no tipo de alimentação, consórcio com peixes, o efeito do El Niño, etc. Para avaliar o desempenho de três diferentes espécies de quelônios: tartaruga, tracajá e iaçá, criadas em cativeiro, foram realizadas biometrias bimestrais de 360 animais entre 4 e 14 meses de idade, alojados em gaiolas experimentais tipo tanque-rede, de um metro cúbico, com densidade de 25 animais/baia. As Figuras 11 e 12 mostram a comparação entre as três espécies analisadas, relacionando-se ganho médio diário de peso (g/dia) e ganho de peso em percentual de peso vivo. De acordo com as figuras, observa-se que a tartaruga tem maior ganho diário de peso do que o tracajá e o iaçá, porém, o ganho de peso em percentual do peso vivo é relativo, de acordo com a idade. Esse é um fato de grande importância e que deve ser levado em consideração para quem deseja uma criação comercial desses quelônios, já que se deseja que a espécie tenha crescimento e ganho de peso mais precoce. ¹Universidade Federal do Amazonas - Instituto de Ciências Biológicas – Laboratório de Bioquímica. ² Universidade Federal do Amazonas - Instituto de Ciências Biológicas – Laboratório de Genética. ³ Universidade Federal do Pará – Centro de Ciências Biológicas-Campus de Bragança. 176 357 9.3.2. Avaliação do desempenho de três espécies de quelônios: tartaruga (Podocnemis expansa), tracajá (P. unifilis) e iaçá (P. sextuberculata), criadas em cativeiro. A Tabela 6 compara a tartaruga (Podocnemis expansa Schweigger, 1812), o tracajá (P. unifilis Trochel, 1848) e o iaçá (ou pitiú) (P. sextuberculata Cornalia, 1849) em cativeiro. De acordo com os dados, observa-se que a tartaruga tem maior peso, ao nascer, do que o tracajá, porém, o ganho de peso por dia e o ganho de peso por porcentagem do peso vivo é maior no tracajá. Esse é um fato de grande importância e que deve ser levado em consideração pelos criadores, já que se deseja que a espécie tenha crescimento e ganho de peso mais rápido. O iaçá tem valores inferiores em relação às outras duas espécies. O tracajá tem reproduzido eficientemente, em cativeiro, em alguns criadouros visitados. Avaliação de três espécies de quelônios em cativeiro. Espécies / Parâmetros Podocnemis unifilis Peso ao 13,27 ± 1,42 g nascer GDP (g) 0,59 GDP (% do 2,9 P.V.) Taxa de 83,15 ± 11,06 eclosão em % cativeiro Ovos por 21,0 ± 6,0 cova Consumo aparente (g) -Conversão alimentar - P. expansa P. sextuber culata 18,22 a 23,13 0,24 a 0,87 0,42 15,36 ± 2,05 g 0,04 0,25 - - - - 2meses 12 meses PV¹ 1,7 PV¹ 4,7 PA² 3,6 PA² 15 PA² 15:1 PV¹ 14:1 - - Estudiosos citam que esses répteis têm vida mais longa que qualquer outro vertebrado, podendo, as espécies terrestres, viver mais de cem anos. No entanto, a maior parte do desenvolvimento biológico desses animais só ocorre durante os primeiros 5 a 10 anos de existência e, segundo pesquisas, a maturidade sexual só acontece aproximadamente aos sete anos, para os machos, e 11 a 15 anos para as fêmeas. Muitas espécies de quelônios estão em vias de extinção, conseqüência da perseguição desmedida do homem que destrói os ovos e pratica a caça predatória na época de reprodução, além de promover a destruição do habitat desses animais. Família Pelomedusidae Os representantes da família Pelomedusidae são denominados de "tartarugas de cabeça escondida" porque recolhem a cabeça dobrando-a lateralmente. Em muitos aspectos, esse procedimento é considerado como mais primitivo e menos eficaz para a defesa. Essa família é caracterizada pelo pescoço lateralmente retrátil, apresenta especializações vertebrais associadas, 13 escudos plastrais, pélvis fundida tanto à carapaça quanto ao plastrão, a mandíbula é forte e tem a área articular convexa (Pritchard & Trebbau, 1984). São encontradas nas águas da África, Austrália e América do Sul, existindo três tipos distintos: pelomedusa africana, que dá nome à família; pelúsia, encontrada facilmente na África como animal doméstico; e Podocnemis, encontrada nos rios da América do Sul e de Madagascar. A razão dessa distribuição geográfica do gênero Podocnemis parece ter como causa a dispersão ampla das formas de seus antepassados, que se acredita terem sido animais marinhos, de mares pouco profundos. Na América do Sul, encontramos seis espécies do gênero Podocnemis: Podocnemis vogli, P. lewyana, P. expansa, P. unifilis, P. sextuberculata e P. erythrocephala; sendo as quatro últimas encontradas no Brasil. 1- PV = Proteína vegetal; 2 - PA = Proteína animal (Duarte, 1998). 356 177 Podocnemis expansa Schweigger, 1812 Podocnemis expansa (Figura 1), no Brasil e na Bolívia é conhecida popularmente como tartaruga-gigante-da-amazônia; arrau (Venezuela); charapa (Equador, Colômbia e Peru); chapanera, sumarita (oriente da Colômbia). É o maior quelônio de água doce encontrado na América do Sul. Apresenta uma ampla distribuição na Amazônia que se estende desde a desembocadura do rio Amazonas até pelo menos o rio Morona e rio Marañón, Peru. Sua distribuição inclui também o rio Orinoco e rio Essequibo (Pritchard & Trebbau, 1984). Está presente nos seguintes, países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guianas, Peru e Venezuela. É estritamente aquática e só sai da água para realizar a desova. Habita os rios, lagos, pântanos, ilhas e bosques inundados. Durante a estiagem dos rios, as populações encontramse confinadas nos leitos dos rios e lagos relativamente profundos. Durante a subida das águas se dispersam pelas extensas áreas inundadas que rodeiam os rios e outros corpos permanentes de água. 178 que os jovens apresentam manchas amarelas na cabeça, com o macho tendo a cauda comprida e a fêmea a cauda curta. A avaliação do desempenho de machos e fêmeas de tartaruga em cativeiro foi feita através da análise dos dados obtidos através de biometrias bimestrais em animais com idade de seis meses, criadouros comerciais de quelônios legalizados no Amazonas, durante os três primeiros anos de vida. Os animais eram submetidos a diferentes tipos de alimento e densidades de cultivo. Em relação ao ganho diário de peso de machos e fêmeas, na análise geral dos dados de criadores não foi encontrada diferença estatística significativa (machos = 0,94 ± 0,82 g/dia; fêmeas = GDP = 0,89 ± 0,77 g/dia), ao nível de 5% pelo teste t não pareado e pelo LSMEANS do SAS, durante os dois primeiros anos de vida. Tabela 5: Ganho diário de peso (g/dia) em machos e fêmeas de tartaruga (P. expansa), considerando o tipo de alimento fornecido. Alim entação Machos (g/dia) Peixe 0,534 Vísceras bovinas 1,284 Peixe+puerária 1,032 Restos de feira 0,925 (verduras, frutas e tubérculos) Ração balanceada 0,877 Média 0,93±0,27 Fêm eas (g/dia) 0,536 1,130 0,966 0,921 0,995 0,91±0,22 355 Andrade et al. (2001), criando tracajás (P. unifilis) em gaiolas nos lagos de várzea do Macuricanã, Nhamundá/AM, em uma 2 densidade de 22 animais/m , obtiveram um ganho de peso de 3,8 g/dia nos três primeiros meses de vida. Recomendações quanto à densidade de cultivo para tartaruga (P. expansa) a) Em berçários em tanques escavados, ou de cercados de madeira em margem de barragem utilizar no primeiro ano de vida 65-80 animais/m2. No segundo ano, reduzir para 30-40 animais/m2. b) Em tanques-rede ou gaiolas, trabalhar apenas até os 18 meses de idade ou até atingirem o peso de 1,5 kg (peso de abate), em densidade de 25 a 37 indivíduos por m3. 9.3 Índices zootécnicos de acordo com a espécie cultivada, a população de origem do plantel e o sexo A partir dos dados do diagnóstico dos produtores de quelônios no Amazonas e de ensaios de competição entre tartaruga, tracajá e iaçá, no Ibama-AM e fazenda da Ufam, podemos inferir sobre qual das três espécies do gênero Podocnemis apresenta melhor desenvolvimento. Os animais foram analisados também em relação ao sexo, quanto ao desempenho de machos e fêmeas de tartarugas em cativeiro e ao local de origem dos filhotes de cada plantel. 9.3.1 Avaliação do desempenho de machos e fêmeas de tartarugas (Podocnemis expansa) em cativeiro Figura 1. Exemplar de P. expansa.. Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.M.) Podocnemis expansa se reproduz tipicamente em grandes grupos de fêmeas, em determinadas praias tradicionais de desova. Em áreas onde a espécie é pouco abundante devido tanto a fatores naturais quanto à intervenção antropogênica, desovam principalmente em pequenos grupos dispersos e também solitariamente (Soini & Soini, 1995c). Graças a um vigoroso programa de recuperação de P. expansa pelo IBDF, durante muitos anos, a população desovadora do Brasil está aumentando consideravelmente (Vogt, 1990). Como um notável exemplo de crescimento pode-se citar o caso da praia de Monte Cristo, do rio Tapajós, onde, mediante a proteção da praia assim como a implementação de algumas outras medidas de manejo, a população desovadora aumentou de 78 fêmeas, em 1969 (Alfinito et al., 1976a), para 1.600 fêmeas em 1988 (Vogt, 1990). Para Alho, Danni & Pádua (1984), não há dimorfismo sexual em tartarugas antes da maturidade sexual. No entanto, Molina & Rocha (1996) citam que há dimorfismo sexual em P. expansa, em 354 179 Podocnemis unifilis (Figura 2), conhecida popularmente como tracajá, possui a carapaça cinza-escuro quando molhada. Apresenta as patas curtas e cobertas com pele rugosa, cabeça achatada e cônica, de pequeno tamanho em relação ao corpo. Os olhos, bastante juntos, são separados por um sulco. A fêmea adulta pesa em torno de oito quilos e mede cerca de 38 cm. É uma tartaruga essencialmente aquática. Pritchard & Trebbau (1984) e Iverson (1992) citam que essa espécie pode ser encontrada nas bacias dos rios Amazonas e Orinoco e seus afluentes, no norte da América do Sul, sendo considerada generalista. Ocorre em rios de água preta, clara e branca, bem como em lagos e reservatórios. As variáveis comprimento e largura de carapaça, altura, peso e ganho médio diário de peso não apresentaram diferenças significativas, ao nível de 5%, pelo teste F e teste t do LSMEANS/SAS, para o fator densidade. Efeitos da densidade sobre o ganho diário de peso de tartarugas (P. expansa ) criadas em cativeiro 2,5 GDP (g/dia) Podocnemis unifilis Troschel, 1848 2 1,5 1 0,5 0 6 8 13 12 16 25 Idade (meses) 37 Figura 10: Efeitos da densidade de cultivo sobre o ganho diário de peso (g/dia) de tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999). A Tabela 4 apresenta o estudo das interações entre densidade e tipo de instalação. As interações não foram significativas (teste F, 5%). Tabela 4: Efeitos do tipo de instalação e densidade de cultivo sobre o ganho médio diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (P. expansa), aos 16 meses de idade (Costa, 1999). 12 Instalação \ anim ais/ Densidade de cultivo m2 Estufa Ar livre Médias Figura 2: Exemplar de P. unifilis. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Oliveira, P.H.G.) 180 1,2±0,60 1,1±0,47 1,2±0,53 25 anim ais/ m2 37 anim ais/ m2 Médias 1,19±0,41 1,24±0,20 1,22±0,30 1,31±0,41 1,13±0,20 1,22±0,30 1,25±0,47 1,18±0,29 Como não houve diferença significativa entre as densidades, devemos utilizar a maior, a fim de reduzir custos com instalações. 353 resultados podem ser observados na Tabela 3 e Figuras 9 e 10). Logo, a densidade apresenta uma tendência para um comportamento quadrático, embora não tenhamos aplicado a regressão em função da não significância do teste F. Tabela 3: Efeito da densidade de cultivo sobre o ganho diário de peso (g/dia) de tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999). D en sidade de cultivo/idade 12 in d/m 2 25 in d/m 2 37 in d/m 2 6 m eses (g/dia) 0,389 0,441 0,333 8 m eses (g/dia) 1,136 1,141 0,976 13 m eses (g/dia) 2,484 2,246 2,231 16 m eses 1,205 1,221 1,219 gramas peso (g) X densidade 250 200 150 100 50 0 10 20 30 3 4 5 6 Essa é considerada a segunda espécie mais consumida na região amazônica, parecendo possuir melhor adaptação em cativeiro, por ser mais generalista que P. expansa. A fêmea do tracajá procura desovar isoladamente em barrancos às margens dos rios e lagos, geralmente antes das enchentes. As covas são de aproximadamente 30 cm de profundidade, apresentando uma média de 20 ovos por ninho. Estudos em cativeiro demonstram que o número de ovos, por ninho, pode variar de nove a quarenta, com uma média de 28,8 ovos. O período de incubação vai de 101 a 136 dias. Podocnemis sextuberculata Cornalia, 1849 Podocnemis sextuberculata (Figura 3) é conhecida popularmente como iaçá, pitiú ou cambéua (Smith, 1979). A carapaça tem coloração que vai de marrom-claro a marrom-escuro. O plastrão nos indivíduos jovens apresenta seis tubérculos de cor cinza ou marrom, os quais conferem o nome à espécie (P. sextuberculata), cuja função, provavelmente, seja para segurar o animal em lugares onde existe muita correnteza. A fêmea possui manchas amarelas com um par de barbelos logo abaixo da boca. A média de postura vai de 20 a 25 ovos de casca mole. O macho é menor do que a fêmea (Ibama, 1989). 7 idade (meses) Figura 9: Efeitos da densidade sobre o peso, aos 7 meses, de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999). 352 181 Fonte: Turtle of the World Hernandez et al. (1999), na Venezuela, onde testaram para filhotes de tartaruga densidades de 10, 25, 50 e 75 animais/m². Verificaram que no primeiro ano, por possuírem hábito gregário e se sentirem mais seguros em grupo, desde que haja água limpa e em quantidade adequada e boa alimentação, suportam grandes densidades de cultivo, apresentando melhor desempenho com 75 filhotes/m². Tabela 2: Relação entre densidade e ganho diário de peso em P. expansa em cativeiro (Duarte, 1998). Figura 3: Exemplar de P. sextuberculata Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.). Sua distribuição geográfica abrange a drenagem do rio Amazonas no Brasil, Peru e Colômbia (Iverson, 1992). No Brasil, é encontrada em rios de água barrenta como Solimões, Japurá e Branco e em rios de água clara como Trombetas e Tapajós (Cantarelli & Herde, 1989). Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-RDSM, é encontrada em águas pretas e barrentas, nos canais dos rios, paranás, ressacas e lagos, sendo relativamente abundante e constituindo uma importante fonte alimentar para a população local. Podocnemis erythrocephala Spix, 1824 Podocnemis erythrocephala (Figura 4), é a menor espécie do gênero, facilmente distinguida de suas congêneres devido ao seu pequeno tamanho (medindo menos que 32 cm. Geralmente, as fêmeas medem em 182 Densidade (animal/m²) GDP (g) 0,5 – 5 0,454 5 – 65 0,438 65 – 100 0,678 Maior que 100 0,034 Em estudo realizado na fazenda experimental da Ufam, BR-174, Manaus/AM, foram testadas 3 densidades de cultivo em tanques-rede (12, 25 e 37 animais/m²) para 360 filhotes de tartaruga, no período de três aos dezesseis meses de idade. Os animais experimentais apresentaram efeito semelhante ao encontrado nos resultados do diagnóstico realizado nos criatórios de tartarugas do Amazonas, ou seja, em uma menor densidade (10 indivíduos/baia ou 12 animais/m 2) os animais permanecem muito isolados, tendo dificuldades em encontrar o alimento (tartaruga possui hábito gregário na hora de localizar o alimento, uma segue a outra, e o alimento é encontrado pela olfação ou pela comunicação química enviada por outro animal, como nos alevinos). À medida que a densidade foi aumentada para 25 animais/m 2, houve um aumento no GDP, 0,94 g/dia, todavia, quando se chega à densidade mais alta (37 animais/m 2) o GDP cai para 0,85 g/dia, ressaltando o efeito da competição, acúmulo de dejetos e estresse sobre esses animais (esses 351 Portal & Silva (1996), em experimento realizado no Amapá, testaram três densidades de cultivo (10, 20 e 30 animais/m²) para filhotes de tartaruga, dos 8 aos 14 meses, que receberam dois tipos de alimento: ração de 25% PB e 2.400 kcal e verduras (couve, Brassica oleracea; alface, Lactuca sativa; repolho, B. oleracea capitata; e cariru, Amaranthus sp.) com frutas (mamão, Carica papaya; e goiaba, Psidium guayava). O ganho de peso em 6 meses foi maior para animais alimentados com ração na menor densidade (Densidade 10=73,5 g/6 meses; densidade 20=67,6 g/6 meses; densidade 30=59,7g/6 meses), provavelmente, pelo acúmulo de excretas nitrogenadas em instalações com densidades maiores. Em animais alimentados com verduras e frutas, o melhor desempenho foi com a densidade de 30 animais/m² (densidade 10=24,04 g/6 meses; densidade 20=21,51 g/6 meses; densidade 30=33,16 g/6 meses). torno de 27 cm e os machos são menores ainda), a coloração vai do marrom-escuro ao preto, a carapaça é expandida na porção posterior; apresenta um par de barbelos embaixo do queixo e uma faixa vermelha brilhante que se estende da parte de trás da cabeça até os tímpanos. Vários autores, incluindo Williams (1954a) e Wermuth & Mertens (1961), citam que P. erythrocephala ocupa uma grande área ao norte da América do Sul, contudo, Mittermeier & Wilson (1974) relatam que as amostras com informações de procedências seguras foram todas coletadas no sistema do rio Negro. É quase completamente confinada a rios de água preta e a maioria dos exemplares conhecidos é proveniente do rio Negro, o maior tributário de água doce do Amazonas. Dentro do sistema do rio Negro, a espécie mostra preferência por pequenos lagos de água preta e seus afluentes, sendo raramente encontrados no leito principal do rio (Mittermeier & Wilson, 1974). 2 Figura 8: Berçário com cerca de madeira medindo 16 m , para 1.000 animais 2 (densidade=62,5 tartarugas/m ), em margem de tanque escavado e com solário. Instalação simples e animais com excelente desempenho. Manacapuru/AM (Duarte, 1998). Analisando os dados obtidos encontrou-se a mesma tendência de maiores ganhos de peso em criadores com uma densidade no berçário entre 65-100 animais/m². O menor ganho diário de peso de 0,034 g/dia, foi obtido com uma densidade acima de 100 animais/m², representando 10% dos criadouros. Esses resultados foram similares aos encontrados por 350 Figura 4: Exemplar de P. erythrocephala.. 183 Essa espécie coloca seus ovos no período que vai do final do mês de agosto até o início de novembro, nas praias do rio Negro, sendo que o pico da estação de postura, aparentemente, ocorre entre setembro e outubro. O número de ovos varia de 5 a 14 e a postura ocorre geralmente à noite, na areia, em áreas chamadas de campinas. Os ovos são brancos e alongados podendo apresentar a casca dura ou levemente flexível. Apesar dessa espécie não ter muita importância na economia, é intensamente caçada na região do rio Negro para consumo de sua carne e seus ovos. A captura é feita por arpão e linha de pescar e as fêmeas também são capturadas nos locais de desova. tartarugas, não sendo recomendado o consórcio pelo fato de que não se sabe qual seria a influência no crescimento em peso da tartaruga da criação junto com peixe, e vice-versa, em um mesmo ambiente aquático, e também por não haver mecanismos eficientes para separar a alimentação de ambos em consórcio. Figura 7: Berçário com cerca de madeira medindo 800 Os indivíduos adultos dessas quatro espécies são utilizados tanto como fonte de alimento, para as populações ribeirinhas da região amazônica, como para a venda no mercado negro, pelo alto valor comercial, para consumo da carne ou como animal de estimação. Conseqüentemente, essas espécies estão classificadas como vulneráveis e dependentes de cuidados (Cites I e II). Em adição aos dados ecológicos, são necessárias informações sobre estrutura e variabilidade genética para dar suporte a programas de manejo adequados para conservação de cada uma dessas espécies. VARIABILIDADE GENÉTICA A variação genética é uma condição fundamental para que haja evolução adaptativa, uma vez que a seleção natural atua entre as variantes que ocorrem dentro das populações, em função da adaptação ao ambiente, convergindo essa variação entre populações e, finalmente, para a variação entre espécies. Chetverikov (1926, 1927) foi pioneiro em mostrar que a análise genética de populações 184 m2, para 20.000 animais (densidade=25 tartarugas/m2), em margem de barragem. Para esse local foram trazidos os animais da Figura 5, quando então, bem alimentados, apresentaram melhor desempenho, Manacapuru/AM. (Duarte, 1998). Navarro & Dias (1997), ao realizar estudo para determinar a melhor densidade em função do crescimento e incremento de peso total, ao final do experimento, utilizando alimento de origem animal e vegetal, testou para filhotes de Podocnemis unifilis, densidades de 4,8 e 12 animais/m², e constatou na proporção de 18 animais por 4,5 m² como sendo a melhor. 349 Com os dados obtidos através dos questionários feitos aos criadores, ou técnicos de cada propriedade, foi possível avaliar os criadores quanto ao tamanho das propriedades, instalações (barragens ou represas e berçários), número de animais de cada criadouro e, conseqüentemente, da densidade de cultivo utilizada por cada um deles, com a determinação da melhor. naturais é necessária para revelar a quantidade de variabilidade genética potencial de uma população. Marcadores moleculares Marcador molecular pode ser definido como toda e qualquer característica molecular proveniente de uma seqüência do DNA (Ferreira & Grattapaglia, 1995). Quando seu comportamento quanto à segregação segue os padrões mendelianos de herança, o marcador é definido como "marcador genético". Quando usamos marcadores genéticos estamos tentando estimar o número de modificações (mutações) na seqüência de pares de bases que constituem o DNA dos indivíduos. Existem numerosas técnicas moleculares disponíveis para avaliar a diversidade genética entre indivíduos e entre populações. Segundo Queller et al. (1983), o marcador genético ideal para estudos em população seria um de fácil uso e que distinguisse características que são determinadas por uma combinação de fatores, que fornecesse valores não ambíguos e, preferivelmente, com alta variação, como é o caso de genes do DNA mitocondrial. DNA mitocondrial em estudos populacionais (DNAmt) Figura 6: Relação entre o ganho de peso e a densidade em criação comercial de P. expansa (animais/m²).(Duarte, 1998). Em alguns criadouros, há o consórcio de tartaruga (P. expansa) com peixes (tambaqui Colossoma macropomum ou matrinxã Brycon spp.). Ainda não há estudo da viabilidade técnica e econômica de quelônios com peixes. No entanto, esse procedimento parece ser desfavorável para a tartaruga e para o peixe, em relação à apreensão do alimento, espaço físico, competição por alimento, qualidade da água. Os peixes sendo mais ágeis na água do que os quelônios comem mais rapidamente, deixando as tartarugas sem alimento. Isso influencia no comportamento alimentar das 348 A mitocôndria é uma organela encontrada na maioria dos organismos superiores e sua função nas células está relacionada com a degradação de açúcares e gorduras importantes para o fornecimento de energia para os seres vivos. O material genético da mitocôndria constitui-se de seqüências de DNA que estão presentes normalmente em cópia única e servem como códigos para a formação das proteínas necessárias para a manutenção de suas funções e para a expressão gênica. O genoma mitocondrial (conjunto total do DNA da mitocôndria) dos animais é uma molécula de DNA circular, de fita dupla, pequena e contida em múltiplas cópias na mitocôndria. Seu tamanho é relativamente estável para animais, em torno de 16 21 kilobases (kb) (Ray & Densmore, 2002). 185 Características particulares como a herança, geralmente materna, ausência de recombinação (não há participação do material genético do pai) e as altas taxas de variação, quando comparadas com o material genético que se encontra no núcleo da célula, fazem do DNA mitocondrial uma ferramenta muito importante no estudo das relações evolutivas entre indivíduos, espécies e populações (Avise, 1994). A densidade de cultivo está relacionada às diversas variáveis de cada sistema de criação (tipo de alimento, instalação, taxa de renovação da água, etc.), sendo que o desempenho dos animais, para uma determinada densidade, poderá ser melhor ou pior, dependendo do criadouro. Para o Amazonas, como veremos a seguir, esses valores de taxa de lotação são baixos, podendo a criação ser mais intensificada, com mais tartarugas/m2. Para determinar o grau de variação genética entre as populações e dentro de cada população, nós utilizamos as pequenas variações ou polimorfismos, que ocorrem especificamente na seqüência de bases do DNA mitocondrial de cada indivíduo. As seqüências de DNA que apresentam variação (mutações) são classificadas como haplótipos, sendo que as que apresentarem os polimorfismos mais semelhantes e mais antigos serão agrupadas como um único haplótipo (representada em um cladograma por um quadrado); as seqüências que apresentam polimorfismos muito diferentes ou raros serão classificadas, cada uma, como um haplótipo separado e são representadas no cladograma como uma elipse. Nesse segundo grupo de polimorfismos cada haplótipo pode conter um ou mais indivíduos, e isso será determinado pelo tamanho da elipse. Cada população que apresentou estrutura genética diferenciada das demais foi considerada como uma unidade de manejo e conservação. JUSTIFICATIVA Com a publicação da portaria do Ibama nº 142/92-P, regulamentando a criação da tartaruga-da-amazônia (P.expansa) e do tracajá (P. unifilis) em cativeiro, houve um aumento na demanda comercial dessas espécies, o que contrasta com o seu atual nível de informação. 186 2 Figura 5: Berçários em alvenaria com densidade de mais de 100 filhotes/m . A competição por espaço e água gera um estresse tão forte que os animais preferem ficar fora da água tentando fugir, Manacapuru/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (P.C.M.Andrade). 347 recebiam, para iniciar sua criação, matrizes e reprodutores de tartarugas e tracajás. Esses animais deveriam se reproduzir em cativeiro e os seus filhotes seriam engordados e vendidos. Em função do desaparecimento dos animais adultos doados e da inviabilidade econômica de projetos com esse sistema de criação (tempo demasiadamente longo para os quelônios se acostumar ao cativeiro, se reproduzir e seus filhotes atingir peso mínimo de abate de 12 kg), esse tipo de criação foi substituído pelo de recria de filhotes, estabelecido pela Portaria nº 133 de 5 de maio de 1988 (substituída em 1992 pela Portaria nº 142). A Portaria nº 133/88 trazia, além da novidade da recria de filhotes, normas técnicas para sua criação, de acordo com a idade do animal: a) Filhotes de 0 a 2 anos: deveriam ser criados isolados de outros animais (sem consórcio), em berçários de, no mínimo, um metro de profundidade, com renovação constante de água, com áreas de sol e sombra, pequena praia de areia (1/3 da área) e proteção contra predadores. As densidades foram estipuladas em 5 animais/m2, no primeiro ano, e 2,5 animais/m2, no segundo ano. b) Jovens e adultos: para efeito de cálculo da lotação dos tanques e barragens, considerava-se como exigência mínima 5,2 m2 de superfície de água/animal, com profundidade média superior a 2 metros. Como volume mínimo por animal, prescrevia-se 15,81 m3. Só se considerava profundidade média entre 2 e 3 metros, sendo que o excedente a 3 metros era desconsiderado. A fórmula proposta por aquela portaria para o cálculo da taxa de lotação máxima consentida era: LMC= (superfície x profundidade média)/15,81 346 O projeto “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres do Estado do Amazonas” PTU/CNPq reúne uma equipe multidisciplinar e interinstitucional da Ufam/Ibama, que visa à conservação e um possível manejo auto-sustentável, de algumas espécies silvestres do Amazonas, incluindo as espécies P. expansa (tartaruga-da-amazônia), P. unifilis (tracajá), P. sextuberculata (iaçá) e P. erythrocephala (irapuca). Este trabalho dará suporte ao projeto “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres do Estado do Amazonas”, proporcionando informações sobre o nível de variabilidade e características da estrutura genética de populações locais das espécies do gênero Podocnemis, contribuindo para estudos posteriores relacionados ao impacto de manejo, reprodução tanto na natureza como em cativeiro e outras informações que permitirão um planejamento adequado em programas de melhoramento genético em criadouros. OBJETIVOS OBJETIVO GERAL O objetivo deste trabalho foi identificar unidades de conservação e manejo de quatro espécies de tartarugas da Amazônia (P. expansa, P. unifilis, P. sextuberculata e P. erythrocephala) através do marcador molecular de DNA mitocondrial, para que os resultados provenientes deste estudo possam dar suporte a programas de manejo na natureza e aos criadores. 187 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Ø Caracterizar e analisar o grau de variação genética encontrada dentro das populações naturais de quatro espécies de tartarugas do gênero Podocnemis: P. expansa, P. unifilis, P. sextuberculata e P. erythrocephala. Ø Determinar se os h aplótipos do DNA mitocondrial estão associados com a distribuição geográfica. Ø Verificar a ocorrência de estrutura populacional das diferentes espécies usando a região controle do DNA mitocondrial. METODOLOGIA OBTENÇÃO DE AMOSTRAS DE SANGUE E EXTRAÇÃO DO DNA As coletas foram realizadas com o apoio do Ibama. Utilizamos indivíduos jovens, recém-eclodidos, de tartarugas com uma amostragem em torno de 15-20 indivíduos provenientes das seguintes localidades: (1) Uatumã, AM; (2) Abufari, rio Purus (AM); (3) Itamarati, rio Juruá (AM); (4) Manicoré, rio Madeira (AM); (5) Barcelos, rio Negro (AM); (6) Parque Nacional do Jaú, AM; (7) Terra Santa, PA; Oriximiná, PA, e Jarauaca, em Oriximiná (PA), (8)Parintins e Barreirinha(AM)(Figura 5). 9.2 Densidade de cultivo A densidade e o tipo de alimento fornecido aos quelônios são fatores limitantes. Um grande número de animais em uma pequena área diminui a taxa de crescimento e o ganho de peso. O número de indivíduos distribuídos por unidade de área pode influenciar no crescimento dos animais em cativeiro. Nos quelônios, um grande número de animais em uma área considerada pequena pode levá-los à competição por alimento, espaço, abrigo, entre outros, o que pode promover um estresse nos animais, levando-os a uma redução na taxa de crescimento e ganho de peso (Figura 5). Em contrapartida, um pequeno número de indivíduos, em uma área grande, também pode comprometer o crescimento, pois os animais vão demorar mais a encontrar o alimento em virtude da maior dispersão pela área das instalações. Os animais costumam se movimentar em grupos e estabelecem comunicação. A comunicação química e sonora parecem ser fatores importantes na agregação e sentido de defesa dos filhotes. Se eles estão dispersos, a localização do alimento fica prejudicada, acarretando menor desempenho. Existe uma densidade ótima em que os animais são distribuídos adequadamente na área disponível e obtêm um bom desempenho no crescimento e ganho de peso, não havendo grande competição e, sim, uma disponibilidade para o animal encontrar o alimento. Os criadouros do Amazonas foram monitorados quanto ao número médio de tartarugas que possuíam e as densidades de cultivo que utilizavam (Figura 5). A Figura 6 apresenta o resultado da análise da relação entre três grupos de densidades e ganho de peso, referentes aos criadouros avaliados. De 1976 a 1988, os criadouros de quelônios registrados pelo então IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal) 188 345 De acordo com os resultados obtidos, pode-se observar que não houve diferença significativa no crescimento dos animais em relação à quantidade de adubo adicionada, porém, foi possível notar 3 uma tendência para que a adição de 14,75 kg de esterco fresco/m proporcione um melhor desenvolvimento dos animais (Peso aos 9 3 meses de idades: 0 kg de esterco fresco/m = 80,99 15,05g; 7,37 kg 3 3 de esterco fresco/m = 80,89 15,52g; 14,75 kg de esterco fresco/m 3 = 83,17 19,76g; 22,12 kg de esterco fresco/m = 78,02 18,03g). Essa quantidade de esterco é superior à proposta pelo Sebrae (1995) que é de 2.000 kg por mês, ou 100 kg de esterco/hectare/dia, em dias ensolarados, e de 40 kg/hectare/dia, em dias nublados. Figura 5: Mapa dos locais de coleta. Como o principal objetivo deste trabalho é a preservação das espécies, nenhum animal foi sacrificado e foram retiradas amostras de 0,1 ml de sangue, através de punção da veia femural. Esse sangue foi preservado em álcool em temperatura ambiente até o momento da extração do DNA. Em seguida, os animais foram devolvidos para a natureza no local onde foram coletados. O procedimento utilizado para a extração do DNA foi baseado em protocolos específicos (método Fenol/Clorofórmio, segundo Sambrook et al., 1989) com algumas modificações. Após a extração o DNA foi amplificado, via PCR, utilizando-se iniciadores específicos para a região controle do DNA mitocondrial de Podocnemis. O produto do PCR foi então seqüenciado em seqüenciador automático Megabace 1000 na Universidade Federal do Amazonas – AM. Para a obtenção do 344 189 Quanto às localidades, as quatro espécies apresentaram uma amostragem diferenciada. Para P. erythrocephala foram amostrados indivíduos das localidades de Jaú (6), Barcelos (5), Oriximiná (8) e Terra Santa (7); para P. unifilis foram coletados indivíduos de Itamarati (3), Manicoré (4), Terra Santa (7), Oriximiná e Jarauacá (8); para P. sextuberculata as localidades foram Abufari (2), Manicoré (4), Terra Santa (7) e Oriximiná (8); e para P. expansa foram amostrados indivíduos de Uatumã (1), Abufari (2) e Terra Santa (7). O alinhamento final das seqüências de DNA foi composto por aproximadamente 580 pares de bases (com exceção de P. expansa, que foi de 996 pares de bases) e definiu o número de haplótipos, que está representado em forma de cladograma para cada espécie (Figuras 6 a 9). Os resultados aqui apresentados devem ser considerados como preliminares uma vez que apesar da ampla amostragem, as espécies diferem nos locais de coleta. A continuação do projeto visa ampliar os locais de coleta para evitar falha nas amostragens. De uma maneira geral, as três espécies P. sextuberculata, P. erythrocephala e P. unifilis apresentaram um padrão populacional pan-mítico muito bem visualizado pelo cladograma dos haplótipos (Figuras 7, 8, e 9), onde não se observa a presença de uma associação entre os haplótipos com a distribuição geográfica. A presença de populações diferenciadas (estrutura de população) foi observada somente para os locais de Abufari (em P. sextuberculata), 190 0kgde esterco/m3 7,37kgde esterco/m3 14,75kgde esterco/m3 22,12kgde esterco/m3 a lt u ra (m m ) 30 20 10 0 0 5 7 9 idade (meses) Figura 2: Efeitos da adubação na altura (mm) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro. Peso de filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa) 100 0 kg de esterco/m3 80 60 7,37 kg de esterco/m3 40 14,75 kg de esterco/m3 120 peso (g) RESULTADOS E DISCUSSÃO Altura da tartaruga (Podocnemis expansa) 40 20 0 1 2 3 4 22,12 kg de esterco/m3 idade (meses) Figura 3: Efeitos da adubação no peso (g) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro. Ganho Médio de Peso de filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa ) 0 kg de ganho médio de peso (g) cladograma de haplótipos foi utilizado o programa TCS (Clemente et al., 2000). As análises populacionais foram realizadas através do programa Arlequin (Schneider et al., 2000). 0,8 0,6 0,4 0,2 0 5 7 idade (meses) 9 esterco/m3 7,37 kg de esterco/m3 14,75 kg de esterco/m3 22,12 kg de esterco/m3 Figura 4: Efeitos da adubação no ganho diário de peso (g/dia) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro. 343 adubação na água de tanques destinados ao alojamento de filhotes de tartaruga em cativeiro. Porém, é possível observar uma tendência para que na idade de 7 e 9 meses a quantidade de 14,75 kg de esterco/m3 proporcione melhor desenvolvimento dos animais em relação às outras quantidades utilizadas. A Tabela 1 demonstra valores médios aos 9 meses de idade das variáveis analisadas durante as biometrias. Tabela 1: Efeitos da adubação com esterco de gado no crescimento de tartaruga (P. expansa) em cativeiro, de dois aos nove meses de idade. Variáveis 0 kg de esterco /1.000 litros de água Ccp (m m ) 69,5 ±7,2 Lcp (m m ) 60,9±5,9 Cpl (m m ) 58,7±5,9 Lpl (m m ) 28,3±2,5 Alt (m m 30,3±2,6 Peso (g ) 81,0±15,0 GDP (g ) 0,18±0,10 7,37 kg de esterco /1.000 litros de água 70,6±6,6 61,9±5,4 59,6±6,2 29,1±3,8 30,6±2,8 80,9±15,5 0,25±0,05 14,75 kg de esterco /1.000 litros de água 71,3±7,4 61,9±5,8 60,0±6,4 28,7±2,9 30,9±3,0 83,2±19,8 0,27±0,03 Jaύ (em P. erythrocephala) e Itamarati (em P. unifilis), o que pode ser um artefato de coleta causado pela ausência de locais intermediários não-amostrados entre as localidades aqui analisadas. A falta de uma forte estrutura de população favorece o manejo para essas espécies. Somente P. expansa apresentou uma forte estrutura de população (todas as populações foram geneticamente diferenciadas), como pode ser observado no cladograma (Figura 6). Os indivíduos, em sua maioria, se uniram em grupos formando um haplótipo, por localidade, com adicionais haplótipos raros. 22,12 kg de esterco /1.000 litros de água 69,5±8,2 61,4±6,4 58,8±6,9 28,3±2,9 30,3±3,0 78,0±18,0 0,30±0,05 *Ccp: comprimento da carapaça; Lcp: largura da carapaça; Cpl: comprimento do plastrão; Lpl: Largura do plastrão; Alt: altura; GDP: ganho de peso. ganho médio de peso (g) Ganho Médio de Peso de filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa ) 0,8 0,6 0,4 0,2 0 0 kg de esterco/m3 7,37 kg de esterco/m3 14,75 kg de esterco/m3 5 7 idade (meses) 9 22,12 kg de esterco/m3 Figura 1: Efeitos da adubação no comprimento de carapaça (mm) de tartaruga (P. expansa) em cativeiro. 342 191 Tapauá/AM. Esses animais foram alojados em tanques de fibro-cimento com capacidade de 1.000 litros. Os filhotes foram divididos em quatro tanques, em sistema superintensivo, onde cada tanque tinha um total de 200 animais. Para a alimentação dos filhotes, utilizou-se a ração comercial para trutas que tem como ingredientes: farinha de peixe, milho, farelo de soja, farelo de trigo, farinha de sangue, carbonato de Ca, sal, premix mineral e vitamínico e é composta de 46% de proteína bruta e 3.800 kcal de energia bruta/kg. Os animais eram alimentados com uma quantidade correspondente a 5% do seu peso vivo. A avaliação foi realizada com filhotes dos 2 aos 9 meses de idade, através da análise de ganho diário de peso (GDP), consumo diário de alimento (CDR), conversão alimentar e medidas morfométricas (comprimento, largura e altura da carapaça, comprimento e largura do plastrão e peso). O experimento foi acompanhado com medidas mensais dos animais, em que os dados foram anotados e, posteriormente, tabulados em planilha eletrônica. Os resultados foram analisados através de medidas repetidas no tempo e comparados através do teste t não pareado. Os tratamentos foram divididos de acordo com a quantidade de esterco bovino adicionado diariamente durante a troca de água dos tanques: 0 kg/m3; 7,37 kg/ m3; 14,75 kg/m3; e 22,12 kg de Figura 6: Cladograma de haplótipos de P. expansa esterco/m3. Através das Figuras de 1 a 4, pode-se observar que não houve diferença significativa quanto ao acréscimo de esterco, como 192 341 principalmente, em áreas adaptáveis ao seu habitat natural como: a água deve ser renovável; o viveiro deve ser fertilizado para que ocorra uma reprodução de microplâncton, útil ao equilíbrio ecológico do açude; é necessária a construção de tanques de engorda e crescimento inicial. Os criadouros comerciais de quelônios, instalados em represa ou açudes, deverão apresentar sistema que permita seu completo esvaziamento. Os criadouros instalados em braços de lagos devem prever sistemas de captura dos animais, através de cercados ou redes, mediante condicionamento alimentar. Através do projeto Diagnóstico/PTU-CNPq, a Universidade Federal do Amazonas e o Ibama-AM realizaram o monitoramento periódico dos criadores do estado e diversos experimentos que nos permitem inferir sobre algumas práticas mais adequadas de manejo para esses animais em cativeiro, tais como: o efeito da adubação da água das instalações de cultivo sobre o crescimento dos quelônios; a densidade de cultivo ideal; os índices zootécnicos de acordo com a espécie cultivada; a população de origem do plantel e o sexo. Além disso, o conhecimento dos índices médios das criações do Amazonas possibilitou, também, a proposta de um plano básico de manejo e de evolução do plantel mais adequado à realidade dos queloniocultores. 9.1 Efeitos da adubação da água de cultivo no desenvolvimento de filhotes de tartaruga (P. expansa) em cativeiro Foi realizada uma pesquisa na fazenda experimental da Universidade Federal do Amazonas, localizada no Km 38 da BR-174, Manaus-Boa Vista. Foram utilizados 800 filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa), com dois meses de idade, obtidos junto ao Ibama/AM, provenientes do tabuleiro do Abufari, rio Purus, 340 Figura 7: Cladograma de haplótipos de P. unifilis. 193 exigências nutricionais, densidade de cultivo, instalações etc. (Silva, 1998; Cenaqua, 1994; Ferreira, 1994). Os quelônios são os répteis mais antigos (surgiram há mais de 200 milhões de anos), possuindo diferentes estratégias biocomportamentais para escaparem de inimigos naturais ou dos rigores climáticos. São os únicos que possuem a carapaça como instrumento de defesa. Podem recolher a cabeça, as pernas e a cauda para o interior da carapaça, servindo de escudo de proteção, ou possuem mandíbulas e fortes maxilares usados para morder vorazmente o inimigo, ou ainda, desenvolvem um tipo de natação muito rápida. O conhecimento dessas características biológicas é fundamental para melhorar o manejo das espécies em cativeiro (Cenaqua, 1994). O Ibama fornece os animais ao criador registrado (Portaria nº 142/92), destinando de 4.000 a 4.500 filhotes, por hectare, de área alagada de cada projeto. Dos animais recebidos, 10% deverão ficar para reprodutores e matrizes, podendo o restante ser comercializado. O controle da venda é feito através de um lacre com numeração seqüencial, número do registro, ano e logomarca do Ibama. Esse lacre acompanha as tartarugas, praticamente, até a mesa em que a carne será degustada. Os animais podem ser comercializados quando atingem 1,5 kg de peso vivo. Figura 8: Cladograma de haplótipos de P. sextuberculata Em cativeiro, a tartaruga pode ter seu crescimento acelerado, dependendo do tipo de manejo utilizado e da disponibilidade de alimento. Pode alcançar até 1,5 kg de peso vivo no primeiro ano de cultivo (Costa, 1999; Duarte, 1998). A carne de tartaruga apresenta de 88 a 94% de proteína, quantidade superior à encontrada na carne bovina (44%), carne suína (44%) e de lagosta (82%)(Alho apud Portal & Silva, 1996). Para a criação de tartarugas é necessário ter alguns cuidados, 194 339 Capítulo 10: Manejo em criações de quelônios aquáticos no Amazonas: adubação, densidade de cultivo, desempenho de diferentes espécies, populações e sexo Paulo Cesar Machado Andrade João Alfredo da Mota Duarte Sônia Luzia de Oliveira Canto Pedro Macedo da Costa Francimara Sousa da Costa Ana Cristina Leite Menezes José Raimundo da Silveira Os criatórios de quelônios têm suas vantagens e desvantagens considerando os diferentes tipos e métodos de manejo (Schulte, 1990). Quatro tipos e quatro subtipos podem manejar répteis e anfíbios da fauna amazônica: o primeiro é o criatório intensivo com dois subgrupos: um manejo sem rotação (A) e com rotação (B). O segundo tipo é o criatório extensivo com dois subgrupos: de limite aberto (A) e de limite fechado (B). O terceiro tipo é a reserva extrativa e, o último, é o mais importante e conhecido, o criatório sem reprodutores, usado em nível mundial para o resgate de tartarugas marinhas, lagartos etc. O manejo de animais silvestres, por ser uma das atividades mais antigas no mundo, já trouxe benefícios para a conservação e desenvolvimento de regiões utilizadoras desse recurso e no Brasil percebe-se que ainda há pouco desenvolvimento referente a essa atividade, principalmente, pela falta de pesquisas que possam oferecer subsídios científicos para tecnologias adequadas e eficientes de manejo (Magnusson & Mariano 1993). Não são estudados parâmetros como: taxa de crescimento, alimentação e 338 Figura 9: Cladograma de haplótipos de P. erythrocephala.. 195 Na Tabela 1 podem ser observados os parâmetros genéticos obtidos para todas as espécies e evidenciam bons níveis de variabilidade genética. Tabela 1: Parâmetros genéticos para as espécies de Podocnemis. Popula ção N Diversidade Diversidade No. de Gênica Nucleotídica haplótip os Podocnemis sextuberculata Abufari 19 05 0,66±0,0744 0,0022±0,0016 T. Santa 12 02 0,30±0,1475 0,0005±0,0006 Manico ré Oriximi ná 18 05 0,41±0,1428 0,0007±0,0008 13 04 0,60±0,1306 0,0017±0,0014 Podocnemis erythrocephala Barcelos 17 07 0,79±0,0783 0,0031±0,0021 PNJ 18 04 0,74±0,0596 0,0023±0,0017 T. Santa 14 04 0,49±0,1506 Oriximi ná 15 04 0,47±0,1478 0,000972±0,001 0 0,000910±0,001 0 Podocnemis unifilis T.Santa 21 10 0,81±0,0809 0,0078±0,0044 Manicor é Itamara ti Oriximi ná Jarauac á 15 06 0,74±0,0943 0,0058±0,0035 12 04 0,45±0,1701 0,0028±0,0020 11 09 0,95±0,0659 0,0101±0,0059 09 07 0,94±0,0702 0,0062±0,0039 Abufari 14 12 0,98±0,0345 0,0003±0,0003 Uatumã 17 17 1,00±0,0202 0,0015±0,0011 T. Santa 18 13 0,72±0,1198 0,0012±0,0009 ♦ Tracajás criados em tanques-rede tendem a obter maior desenvolvimento com rações de 30% de PB e 4.500 kcal de EB/kg. ♦ Foi observada uma tendência de maior crescimento e ganho de peso de tartarugas, quando comparado ao crescimento de tracajás, criada em tanque-rede, em todas as variáveis analisadas e em todos os níveis nutricionais testados. ♦ Não houve efeito significativo da cobertura plástica no experimento com tanque-rede, porém, tartarugas e tracajás confinados em tanques com cobertura plástica, simulando o efeito de uma estufa, tendem a obter maior crescimento em todas as variáveis analisadas e em todos os níveis nutricionais testados. ♦ Tartarugas criadas em tanque escavado tendem a um melhor crescimento e ganho de peso quando alimentadas com rações de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg. Pôde-se observar um aumento linear nas médias biométricas, com o aumento do nível de proteína e energia, sendo que não foi observada diferença significativa da influência desses níveis na análise estatística. ♦ Comparando-se as três instalações experimentadas, sendo tanques-rede com e sem cobertura plástica e tanque escavado, houve diferença significativa ao nível de P<0,05, em que tartarugas confinadas em tanque escavado, obtiveram o pior desenvolvimento e os animais alojados em tanques-rede cobertos obtiveram o melhor desempenho das três instalações. Podocnemis expansa Nota: T. Santa = Terra Santa; PNJ = Parque Nacional do Jaú. 196 337 Os produtos utilizados para a produção de rações podem ser substituídos de acordo com a época do ano e disponibilidade no mercado local, observando a não-alteração brusca, na composição química, para não afetar o fornecimento dos nutrientes, bem como suas quantidades. A quantidade de proteína bruta mínima na ração de recria para quelônios deve ser de 25%. A principal condicionante na comercialização de quelônios é a qualidade do produto e a periodicidade do abastecimento. Um produto de boa qualidade começa com jejum dos animais de dois dias antes do abate, para limpar as vias digestivas. Os animais devem ser transportados, de forma a não sofrerem danos físicos, para agregar maior valor ao produto. São necessários investimentos em estudos de nutrição de quelônios, pois, essa é uma informação essencial para a produção em cativeiro, já que o interessante para os criadores comerciais é utilizar uma alimentação, com níveis nutricionais adequados, que atendam às necessidades de desenvolvimento desses animais, proporcionando um aumento da produção. As conclusões desses experimentos com quelônios em cativeiro foram: ♦ Não houve diferença significativa na influência dos níveis de proteína e energia bruta estudados sobre o desenvolvimento de tartaruga (Podocnemis expansa) e tracajá (P. unifilis), em animais criados em tanque-rede. CONCLUSÃO Ø O DNA mitocondrial mostrou ser um bom marcador molecular para o estudo de populações de tartarugas. Ø As populações de tartaruga-da-amazônia (P. expansa), por terem apresentado estrutura de população, devem ser consideradas como unidades de manejo diferenciadas. Deve ser evitado misturar animais de uma localidade com as outras, tendo-se o cuidado de repovoar áreas com problemas utilizando-se indivíduos de locais próximos da região afetada. Ø As populações das outras três (com exceção daquelas que apresentaram-se geneticamente diferenciadas) podem ser consideradas como fazendo parte de uma única e grande população pan-mítica, conseqüentemente, podem ser manejadas sem restrição. AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer aos colegas que coletaram as amostras de P. erythrocephala: Jackson Pantoja, Juarez Pezzuti e Daniele Felix; aos colegas do Ibama: Paulo Henrique, Pedro, João Alfredo e Paulo César Andrade, por todo o apoio desde o início do projeto; e ao Dr. Richard Vogt, do Inpa. Agradecemos também ao Dr. Tomas Herbek, da Universidade de Washington, pelo apóio técnico. Este trabalho teve apoio financeiro da Universidade Federal do Amazonas, do CNPq e do Ibama. ♦ Apesar da não significância dos níveis nutricionais, utilizados nas rações experimentais ao nível de P<0,05, há uma tendência para que tartarugas criadas em tanque-rede obtenham maior ganho de peso com rações de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg. 336 197 Tabela 18: Análise econômica, simplificada, dos custos do experimento II. Discrim inação Capítulo 6: fisiologia e bioquímica de quelônios e suas implicações para o manejo e a criação em cativeiro V alor (R$) Custos fix os D epreciação, conservação e apetrechos 1.300,00 Eventuais 1.100,00 Instalações Custos variáveis Jaydione Luiz Marcon Michele Gonçalves da Silva Gelson da Silva Batista 3 Raimunda de Souza Farias 3 Leonardo Bruno Barbosa Monteiro Ração 36.499,51 Alim entação de pessoal 1.025,00 Com bustível 1.800,00 M ão-de-obra 3.000,00 T otal 44.724,51 I - Introdução Considerações e conclusão Os quelônios do gênero Podocnemis são animais endêmicos das bacias do Amazonas, do Orinoco e do Araguaia e historicamente ligados aos hábitos culturais das populações humanas locais, que utilizam a carne, a gordura e seus ovos como fontes de alimento (Smith, 1979). Segundo informações obtidas na literatura, bem como nos documentários de Silvino Santos, pioneiro no registro cinematográfico da história e da cultura do Amazonas (Souza, 1999), as populações desses quelônios eram enormes e se distribuíam ao longo de toda a região amazônica. Entretanto, dois séculos de intensa exploração foram suficientes para causar uma diminuição significativa das populações naturais e, em alguns locais, o A partir do momento que aumentar o número de criatórios intensivos, com baixo custo de produção, e oferta regular expressiva do produto, a tendência será o crescimento do consumo e o fim do preconceito em relação à opção alimentar com carne de tartaruga. ¹Professor do Departamento de Ciências Fisiológicas. Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal doAmazonas. Manaus,AM. Fone: (92) 644-3359. e-mail: [email protected]. ² Bolsista do Pibic e Acadêmica do Curso de Engenharia de Pesca, da Faculdade de Ciências Agrárias. Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM. ³ Bolsistas do CNPq e Acadêmicos do Curso de Engenharia de Pesca, da Faculdade de Ciências Agrárias. Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. 198 Sob o ponto de vista de mercado, a região Norte é a mais indicada para a absorção do suprimento em demanda. É possível optar por outros canais de escoamento da produção, principalmente a venda in natura, simulando o sistema pesque-e-pague, e para o consumo direto (mercado regional e supermercados). No caso de venda in natura, o criador necessita oferecer preço, qualidade e volume compensadores. Daí decorre a necessidade da organização de queloniocultores em associações ou cooperatiavas, pois entre outras, obtém-se vantagens na comercialização e na compra de insumos, como também na implantação de infra-estrutura adequada para atender às exigências de um mercado dinâmico. 335 Tabela 17: Análise econômica simplificada dos custos do experimento I. Discriminação Valor (R$) Custos fixos Depreciação, conservação e apetrechos 1.000,00 Eventuais 1.000,00 Instalações Custos variáveis Ração 4.438,89 Alimentação de pessoal 960,00 Combustível 1.600,00 Mão-de-obra 2.400,00 Total 11.398,89 O experimento II teve duração de 14 meses, sendo fornecido um total de 1.564,30 sacos de ração de 21 kg, para alimentar 3.600 animais, numa quantidade baseada em 5% de seu peso vivo, ajustada mensalmente de acordo com o crescimento. A Tabela 18 demonstra uma análise econômica simplificada do experimento. Observa-se que até mesmo os custos com criação em tanque escavado são mais elevados do que em tanques-rede. Lima (2000), cita que em sistemas convencionais, admitindo-se um peso médio de 2,66kg/animal, com cinco anos e meio de idade e preço de venda de R$ 10,00 o quilo, a atividade proporcionará uma receita bruta de R$ 25,00, por animal, e lucro unitário de R$ 10,00. Neste estudo, se considerarmos o peso médio de 1,5 kg e venda a R$13,00 o quilo de peso vivo, a receita líquida pode chegar a R$ 8,00/animal no sistema de tanques-rede, com animais de apenas dois anos de idade. 334 desaparecimento completo desses animais, principalmente da tartaruga-da-amazônia, Podocnemis expansa (Alho et al., 1979; Smith, 1979), espécie de maior porte e muito visada pelo mercado ilegal. Apesar do quadro alarmante que se estabeleceu no início do século passado, pouca atenção foi dada ao problema, até 1982, quando o antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje Ibama, passou a incentivar a criação da tartaruga em cativeiro no estado do Amazonas, como forma de atenuar a pressão exercida pela captura ilegal de exemplares da espécie na natureza (Alho et al., 1979; Smith, 1979). Essa iniciativa se deu através do fornecimento de tartarugas recém-eclodidas, oriundas dos tabuleiros naturais da Reserva Biológica do Abufari (Tapauá, AM) e do rio Branco (RR), para serem criadas em cativeiro em diversas fazendas credenciadas naquela Instituição. No entanto, durante esse período, os progressos tecnológicos obtidos no setor foram tímidos e limitados pela carência de estudos técnicos e científicos desenvolvidos no setor. Como conseqüência, houve pouca integração dos órgãos de pesquisa e agentes financiadores, presentes na região, com os criadores credenciados no Ibama. Dentro do projeto “Diagnóstico da criação de animais silvestres” nosso grupo procurou estabelecer as primeiras informações sobre as características fisiológicas dos quelônios em condições naturais, bem como da criar exemplares da tartaruga e do tracajá (P. unifilis) em cativeiro. Contudo, o que podemos entender por características fisiológicas ou fisiologia? De acordo com um dos pioneiros da fisiologia animal comparada, Schmidt-Nielsen (1996), a fisiologia é o ramo da biologia que estuda as funções dos organismos vivos, i.e., como eles se alimentam, respiram, movimentam, reproduzem, etc. A fisiologia também procura estabelecer os mecanismos que os animais 199 desenvolveram para interagir com as variações em seus ambientes e entender as estratégias naturalmente adotadas para resolver os problemas e assegurar a sua sobrevivência. Uma estratégia eficiente utilizada por muitos animais, inclusive quelônios, é promover ajustes no seu metabolismo, i.e., ajustar a relação entre a velocidade ou intensidade com que as células consomem energia, para manterem seu funcionamento, e a capacidade de gerar energia necessária para suprir essa demanda. Em condições normais, geralmente, existe um equilíbrio entre a quantidade gerada e gasta de energia pelo corpo, o que mantém o seu funcionamento estável ao longo do tempo. A manutenção desse equilíbrio depende, por sua vez, da necessidade rotineira da maioria dos animais em realizar processos fisiológicos normais, tais como ingerir alimentos, beber água, produzir calor, gás carbônico, suor, excretas (fezes, urina), produzir células reprodutivas, entre outros. Na natureza, os quelônios do gênero Podocnemis vêm sendo expostos a pressões evolutivas distintas entre as espécies, que se reflete em seus estilos de vida, seus padrões de distribuição, além de mecanismos genéticos e comportamentais característicos. Estudos enfocando a genética de populações das três espécies mais importantes do gênero, a tartaruga, o tracajá e o iaçá (P. sextuberculata), apresentados por Viana et al. (2004), ilustram de forma inédita estes aspectos. De acordo com os resultados dessas pesquisas, as populações naturais da tartaruga e do iaçá apresentam amplo fluxo gênico, o que nos leva a supor que cada uma dessas espécies apresenta uma única grande população distribuída ao longo da bacia Amazônica. Já para o tracajá, as populações naturais são distintamente estruturadas em cada um dos diferentes locais estudados, sugerindo que se devem ter ações específicas para a preservação de cada população dessa espécie. Essas informações nos 200 avaliação dos resultados e foram classificados em custos fixos e custos variáveis. Para o cálculo do custo variável consideram-se os custos que variam em proporção à quantidade produzida em um ciclo produtivo. Os custos fixos são todos os que incorrem sobre a propriedade, independentemente de haver ou não produção (Souza et al., 2003). Para o cálculo da depreciação considerou-se 4% para as instalações, 10% para máquinas e motores e 20% para veículos. A taxa de manutenção foi estimada em 5% e os juros de 6% para remunerar o capital estável, conforme modelo proposto por Lima, 2000. O tempo médio da mão-de-obra envolvida com a atividade, por dia, é de duas horas. A participação dos custos variáveis é de 92% devido, especialmente, aos gastos efetuados com ração. O experimento I teve duração de 14 meses, sendo fornecido um total de 190,24 sacos de ração de 21 kg. Os animais eram alimentados numa quantidade baseada em 5% de seu peso vivo, ajustada mensalmente de acordo com o crescimento. Quanto ao experimento II, a Tabela 17 demonstra uma análise econômica simplificada do experimento. Essa análise pretendia fornecer subsídios aos produtores quanto ao modelo de manejo proposto neste estudo, referente à alimentação e instalações a serem utilizadas na produção de quelônios. 333 ótima, em que os animais são distribuídos adequadamente na área disponível e obtêm um bom desempenho no crescimento e ganho de peso, não havendo grande competição para o animal encontrar o alimento. Como não se tem parâmetros para a comparação de uma densidade ótima, não podemos inferir corretamente até que ponto a densidade utilizada, neste estudo, influenciou nos resultados obtidos. Quanto ao rendimento de carcaça, as tartarugas alojadas em tanque-rede, com estufa (CE) e sem estufa (SE), obtiveram maior rendimento em relação àquelas alojadas em tanque escavado (TE), tendo os animais deste último, o rendimento mais baixo. A ração de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg tende a proporcionar um melhor resultado em rendimento de carcaça nas instalações em tanque escavado e a ração de 30% de PB e 3.500 kcal de EB/kg tende a proporcionar melhor resultado nas instalações em tanque-rede. É importante salientar que antes da adoção da implantação do sistema de tanques-rede para a queloniocultura, sugere-se um estudo de mercado das características do sistema e de projetos de implantação, buscando locais que possuam condições para fomento técnico da atividade. Análise econômica dos experimentos A criação de quelônios em cativeiro é uma alternativa para o produtor rural que planeja viabilizar economicamente sua propriedade, através de uma diversificação, e que visa aproveitar os recursos existentes (Quintanilha, 2003). Os aspectos considerados para a análise econômica simplificada foram a construção das instalações, os gastos com alimentação e o combustível. Os custos são compostos de todos os itens que entram direta ou indiretamente para a manutenção do experimento, de forma a estabelecer os padrões necessários para a 332 alertam para a relevância de dispormos desse conhecimento para a elaboração de planos de manejo, em populações naturais, ou ainda para aplicação no melhoramento genético do plantel de animais destinados à criação. Entretanto, em cativeiro, as condições impostas ao animal podem ser bastante diferentes daquelas encontradas nos ambientes naturais e, muitas vezes, até desfavoráveis. Para manter uma tartaruga em cativeiro, é necessário que o criador tenha à sua disposição um conjunto mínimo de informações sobre a biologia e o estilo de vida desse animal como, o que e quanto ele come, como ele cresce, como ele se reproduz, como ele tolera as variações na temperatura e na qualidade da água, entre outras. A princípio, essas indagações parecem aspectos triviais e, teoricamente, fáceis de serem resolvidas durante a rotina da criação. No entanto, o que tem sido constatado, na prática, pelo menos no estado do Amazonas, é que a carência extrema dessas informações praticamente estagnou o avanço da criação de quelônios em cativeiro nesses últimos dez anos. Os progressos existentes no setor são resultados de esforços isolados de alguns criadores que desenvolveram seus procedimentos de criação embasados na observação e em suas próprias experiências. Nesse sentido, é imprescindível que sejam disponibilizadas aos criadores de quelônios informações técnicas e científicas relacionadas não apenas com a densidade de estocagem e engorda e com o padrão das instalações, mas, principalmente, informações ligadas ao comportamento e às respostas funcionais que esses animais manifestam nos ambientes de criação em relação à qualidade nutricional (ainda um dos maiores desafios a serem desenvolvidos), à temperatura e qualidade físico-química da água, além da presença de parasitoses, de ocorrência comum nos ambientes de criação. Esses fatores em conjunto podem desencadear respostas negativas no processo de adaptação e no 201 crescimento dos quelônios e, em médio e longo prazo, podem se traduzir no insucesso dessa atividade de agronegócio, quando se considera a relação custo/benefício. II - O sangue como parâmetro fisiológico e bioquímico de análise Por que eleger o sangue como indicador de saúde ou do status nutricional de um animal? A análise desse material biológico nos oferece algumas vantagens e, talvez, a mais importante seja o fato de que o animal não precisa ser sacrificado para se obter um diagnóstico. Além disso, diferentes parâmetros podem ser analisados em uma amostra de sangue. Esse aspecto nos permite ter, em uma mesma amostra, acesso a um conjunto variado de informações sobre a fisiologia e a bioquímica do animal. Apesar de sua aparência líquida, o sangue é, na verdade, um tecido complexo constituído por um conjunto de células em suspensão (células vermelhas, células brancas e plaquetas) que desempenham diferentes funções à medida que circulam no organismo e por uma parte líquida, o plasma. Nos répteis, ao contrário dos mamíferos, as células vermelhas ou eritrócitos são bem maiores por apresentarem núcleo no seu interior (Figura 1). Essas células são responsáveis pelo transporte dos gases respiratórios (oxigênio e gás carbônico), enquanto as células brancas ou leucócitos (Figura 1) atuam na regulação do potencial imunológico e na manutenção da integridade dos tecidos contra agentes infecciosos e corpos estranhos ao organismo. As plaquetas participam do processo de coagulação sanguínea. No caso de rompimento dos vasos, as plaquetas produzem uma substância que dá início a uma cascata de reações químicas que resultam na produção do fibrinogênio e da fibrina, responsáveis pela formação do coágulo e posterior restauração do vaso. 202 apesar de ser efetuada a limpeza do tanque. Isso pode explicar a tendência a melhor desenvolvimento com os maiores níveis de proteína e energia bruta, pois essa alimentação alternativa, disponível, poderia ser de menor teor nutritivo, porém, mais palatável, e assim ter desencadeado a preferência dos animais, levando ao menor consumo voluntário de ração. Figura 13: Efeito do tipo de instalação (CE=tanque-rede com cobertura plástica; SE=Tanque-rede sem cobertura; TE=tanque escavado) sobre o ganho diário em peso (g/dia) de tartarugas em cativeiro. Outro fator que pode ter influenciado a sugestão de que animais em tanque escavado necessitam de um maior teor de energia bruta na ração é a densidade utilizada. Costa et al., 1998, citam que no caso de quelônios, um grande número de animais em uma área considerada pequena, pode gerar competição por alimento, espaço, entre outros, resultando em estresse, levando-os a uma redução na taxa de crescimento e ganho de peso. Em contrapartida, um pequeno número de indivíduos, numa grande área, também pode comprometer o crescimento, pois os animais vão demorar mais a encontrar o alimento. Existe, pois, uma densidade 331 A comparação entre as instalações apresentou diferença significativa ao nível de P<0,05. Animais alojados em tanque escavado obtiveram menor resposta em relação aos animais confinados em tanque-rede, em todas as variáveis analisadas. Para comprimento e altura da carapaça, a ração que proporcionou tendência a um maior desenvolvimento foi a de 40% de PB e 3.500 Kcal de EB/kg para as tartarugas em tanque-rede, e de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg para os animais criados em tanque escavado. Entre os animais confinados em tanque escavado, há um aumento linear de acordo com o aumento de nível de proteína e energia bruta, para comprimento e altura, já, nos animais em tanque-rede, esse efeito só é observado comparando-se os níveis de energia bruta. Quanto ao peso e ganho diário de peso (Figura 13), animais confinados em tanque-rede obtiveram tendência a melhor resultado, com a ração de 40% de PB, sendo que nesse tipo de instalação, para essas duas variáveis, o melhor resultado tende a ser alcançado com o menor nível de energia bruta estudado. Para os animais estudados em instalações em tanque escavado, a ração que tende a proporcionar melhor ganho diário de peso foi a de 40% e 4.500 kcal de EB/kg. Praticamente, todos os organismos presentes em um viveiro, contribuem para a alimentação de quelônios criados em cativeiro. A maior ou menor quantidade desses organismos irá influenciar diretamente a produção (Souza et al., 2003). No ambiente natural, quelônios aquáticos têm nos alimentos naturais suas exigências nutricionais atendidas, porém, em viveiros, para o aumento da produtividade, a utilização de alimentos artificiais é imprescindível (Sebrae, 1995). Os animais alojados no tanque escavado podem ter tido acesso a outro tipo de alimentação diferente da ração experimental, como larvas, insetos e alguma vegetação carreada pela chuva, 330 Figura 1. Fotografia de esfregaço sanguíneo da tartaruga-da-amazônia, mostrando as células vermelhas ou eritrócitos nucleados e, ao centro, um tipo de célula branca, o eosinófilo. O plasma, por sua vez, é constituído principalmente por água, além de uma variedade de substâncias que incluem os sais minerais (ex. sódio, potássio, cálcio e cloreto), os produtos finais da digestão das proteínas (aminoácidos), açúcares (glicose) e lipídeos (triglicerídeos e colesterol), vitaminas, hormônios, metabólitos, gases, além de produtos de excreção, como a uréia, amônia e ácido úrico, entre outros (Verrastro et al., 1998). O sangue é responsável pela integração dos diferentes sistemas de um animal, mantendo os líquidos que estão distribuídos nos diferentes compartimentos do corpo em constante movimento. À medida que o coração bombeia o sangue para os diferentes vasos, os tecidos recebem os nutrientes, os sais minerais e o oxigênio necessário para manter suas funções normais. Essas substâncias em suspensão no sangue deixam os vasos através do movimento do plasma, para os espaços entre as células (compartimento 203 extracelular), e se misturam aos líquidos ali existentes, passando a se movimentar para o espaço existente no interior das células (compartimento intracelular). Nas células, o oxigênio e os nutrientes são consumidos para a produção da energia e, em contrapartida, são formadas substâncias de excreção (gás carbônico e outros metabólitos) que precisam ser transportados para fora das células e posteriormente eliminados. Como o organismo da maioria dos animais é formado por cerca de 60 a 75% de água (Aires, 1999; Davies et al., 2002), esse movimento contínuo do sangue e dos líquidos ao longo do corpo é responsável pela manutenção da distribuição de água nos diferentes compartimentos e pelo equilíbrio geral das funções do organismo. Em humanos, exames de sangue envolvendo a análise da série vermelha do sangue (hemograma) e dos metabólitos presentes no plasma (análise bioquímica) já são feitos de forma rotineira em laboratórios, que utilizam técnicas específicas bastante desenvolvidas e, em sua maioria, automatizadas. Parte dessa tecnologia vem sendo transferida para a aplicação em outros grupos de animais como bovinos, eqüinos e caprinos, para o estabelecimento de intervalos normais que servem como referenciais no diagnóstico da saúde desses animais (Silva et al., 1999; Sharma et al., 2000; Birgel Júnior et al., 2001). Mais recentemente, diversos grupos de pesquisa científica e veterinária distribuídos no país vêm padronizando técnicas de diagnóstico clínico para animais silvestres mantidos em zoológicos e criados em cativeiro, como jacarés (Kindermann et al., 2003; Marcon et al., 2003) e quelônios (Mundim et al., 1999; Marcon et al., 2000). As técnicas que avaliam o hemograma se baseiam na análise de algumas propriedades do sangue conhecidos como parâmetros hematológicos, que incluem o hematócrito, a concentração de hemoglobina e o número de células vermelhas presentes no sangue. 204 A forma como os quelônios utilizam os nutrientes e a energia que consomem, é um aspecto fisiológico ainda pouco estudado e tem implicações importantes para a produtividade de animais cultivados. Desenvolvimento de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) criada em tanque-rede e tanque escavado O tanque-rede é um conjunto flutuante que permite o confinamento de animais aquáticos em quantidade planejada, possibilitando maior produtividade e diminuindo o impacto ambiental causado pela intervenção do homem. O material utilizado na confecção do tanque deve seguir as orientações técnicas (telas, armação de sustentação e bóias) para evitar danos ao meio ambiente. Para tanto, o material deve resistir à corrosões, pressões, choques mecânicos e predadores (Santos, 1995). Neste capítulo, objetivou-se comparar os resultados de crescimento para P. expansa em tanques-rede, com e sem cobertura plástica e tanque escavado. A Tabela 16 compara os valores médios de comprimento da carapaça. Tabela 16: Comprimento da carapaça (cm) de (P. expansa) em tanque-rede e tanque escavado. Insta 20/ lações 3.500 CE 21,29 ± 2,4 SE 20,22 ± 3,6 TE 18,07 ± 2,3 30/ 3.500 21,57 ± 2,0 21,12 ± 2,1 18,40 ± 1,9 40/ 3.500 22,06 ± 2,0 21,76 ± 2,0 19,33 ± 1,9 20/ 4.500 21,31 ± 1,1 20,64 ± 1,5 19,70 ± 2,2 30/ 4.500 21,69 ± 0,6 21,19 ± 1,1 20,00 ± 2,5 40/ 4.500 21,98 ± 2,3 21,45 ± 1,1 21,50 ± 1,7 *SE= tanque-rede sem cobertura plástica, CE= tanque-rede com cobertura plástica, TE= tanque escavado. 329 Ganho diário de peso de tartaruga em tanque escavado GDP (g/dia) 2,5 2 1,5 1 0,5 0 20/3500 40/3500 30/4500 Níveis de PB e EB Figura 11: Ganho diário de peso de P. expansa alimentada com ração de três níveis de proteína bruta e 3.500 e 4.500 kcal de EB/kg em tanque escavado. O hematócrito representa a proporção de células vermelhas ou eritrócitos sedimentados no sangue (Figura 2). Esse parâmetro nos fornece indicações sobre a viscosidade (“consistência”, grau de atrito que o sangue tem quando friccionado entre os dedos) e a relação entre o volume total de sangue e a proporção de elementos sólidos presentes, que estão sendo continuamente bombeados pelo coração. Torna-se cada vez mais difícil para o coração bombear o sangue, quanto maior for sua viscosidade. Nos quelônios, o sangue circula dentro dos vasos fechados, de forma idêntica aos demais vertebrados. Aumentos do hematócrito podem dificultar o fluxo do sangue e, com isso, exigir mais do coração para que esse fluxo seja mantido dentro dos níveis necessários para o bom funcionamento do animal. A Figura 11 mostra o ganho diário de peso dos animais aos 24 meses de idade. Observa-se que há uma tendência de maior desenvolvimento com a ração de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg. Peso de tartaruga em tanque escavado 1500 1000 500 20/4500 0 12 16 18 I d a d e ( m e se s) 22 24 30/4500 40/4500 Figura 12: Peso de P. expansa alimentada com ração de três níveis de proteína bruta e 4.500 kcal de EB/kg em tanque escavado. 328 Figura 2. Obtenção do hematócrito por sedimentação ou centrifugação, a partir de uma amostra de sangue. Em humanos e outros animais terrestres sujeitos à desidratação pode ocorrer uma concentração do sangue nos vasos, 205 como resultado da perda anormal de água, uma condição clinicamente chamada de hemoconcentração e facilmente diagnosticada pela análise do hematócrito. Este se mostra elevado quando comparado com o de animais não sujeitos a esse tipo de condição. Hematócritos diminuídos podem refletir, por exemplo, um diagnóstico de anemia, distúrbio do sangue muito comum entre os humanos causado por vários fatores, como desnutrição, carência de ferro e, em alguns casos, por características determinadas geneticamente, como a anemia falciforme, muito freqüente em populações endêmicas do continente africano. A concentração de hemoglobina reflete a capacidade que o sangue tem de transportar o oxigênio, que é retirado da atmosfera pelos pulmões para ser fornecido aos tecidos e, com isso, permitir que eles possam produzir a energia necessária para manter suas funções normais. A hemoglobina é uma proteína de estrutura complexa que é produzida e confinada dentro do citoplasma das células vermelhas do sangue. Cada molécula da hemoglobina pode transportar até quatro moléculas de oxigênio que se ligam em locais específicos chamados heme, onde há a presença do átomo de ferro (Leninhger, 1984). Aliás, é graças à presença do ferro no interior das células vermelhas ou eritrócitos (eritro = vermelho; citos = célula) que o sangue dos animais tem coloração tipicamente vermelha. O ferro é também responsável pelo aspecto corado da pele, observado nos humanos saudáveis, não observado em pacientes portadores de anemia, por exemplo, que normalmente possuem a pele de coloração pálida (Verrastro et al., 1998). O número de eritrócitos é também outro parâmetro do sangue muito importante na avaliação do estado de saúde de um animal. Ele retrata a estimativa do número de células vermelhas que 3 -6 circulam em cada milímetro cúbico de sangue (1 mm equivale a 10 litros; quantidade menor do que uma gota). Nos mamíferos, os eritrócitos não possuem núcleo e, por isso, possuem vida curta (120- 206 Tabela 15: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o ganho diário em peso(g/dia) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado. Comparação das médias. 3.500 kcal de EB 4.500 kcal de EB Médias 20%PB 30%PB 40%PB Médias 0,712 0,77 0,8102 0,76±0,05 1,004 1,3626 1,5794 1,31±0,29 0,858± 1,0663± 1,1948± 0,206475 0,419031 0,543907 De modo geral, não houve diferença significativa ao nível de P<0,05, dos níveis de proteína e energia bruta estudados. Observase, porém, um aumento linear de crescimento, com o aumento dos níveis de proteína e energia bruta para todas as variáveis analisadas. O ganho diário de peso também foi crescente com o aumento da idade dos animais. Não houve diferença significativa para comprimento e altura da carapaça, porém, há uma tendência para que os animais alimentados com rações de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg obtenham maiores medidas de carapaça. Esse resultado também é observado para peso e ganho diário de peso, sendo que, analisando-se a variável peso, apesar de não significativa ao nível de P<0,05, ocorre uma maior variação dos valores médios entre os tratamentos testados. Vale ressaltar que a temperatura média da água ficou em torno de 29°C. Os resultados encontrados neste estudo corroboram com os encontrados para P. expansa no experimento I, com animais criados em tanques-rede, em que observou-se tendência a um maior desenvolvimento em animais alimentados com ração de 40% de PB. Porém, diferem quanto ao nível de energia, pois, um maior crescimento tende a ser alcançado com a ração de 4.500 kcal de EB/kg. Talvez, animais instalados em tanques escavados mantenham-se mais isolados e tenham mais espaço para se movimentar, ocorrendo maior gasto energético e necessitando de níveis mais altos de energia na ração para compensar essa perda. 327 Tabela 13: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o comprimento da carapaça (cm) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado. Comparação das médias. 20%PB 3.500 kcal de 18,07 EB 4.500 kcal de 18,40 EB Médias 18,23±0,23 30%PB 19,33 40%PB 20,00 Médias 19,13±0,98 19,70 21,50 19,87±1,56 19,51±0,26 20,75±1,06 Efeito de níveis de proteína e energia no crescim ento em peso de tartarugas Peso (g) 1200 1000 20/ 3500 800 30/ 3500 40/ 3500 600 20/ 4500 400 30/ 4500 200 40/ 4500 0 10 (T0) 12 16 18 22 24 idade(m eses) Figura 10: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o peso (g) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado. Tabela 14: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o peso(g) de tartaruga (P. expansa) em Tanque escavado. Comparação das médias. 20%PB 30%PB 40%PB Médias 752,61 790 836,46 3.500 793,02± kcal 42,0 de EB 932 1.030,6 1.081,4 4.500 1.014,6 kcal ±75,9 de EB Médias 842,30±126,8 910,27±170,09 958,93±173,20 326 180 dias) e precisam ser constantemente repostos pelos tecidos que produzem essas células, denominados tecidos hematopoiéticos. No homem, eles se localizam na medula espinhal. Nos quelônios, como já mencionado, os eritrócitos possuem núcleo e podem viver por muitos anos na circulação no animal. Os tecidos hematopoiéticos dos quelônios e répteis, em geral, estão situados no fígado, no baço e, em menor proporção, na medula (Schmidt-Nielsen, 1996). O número de eritrócitos, assim como a concentração de hemoglobina, está geralmente correlacionado ao nível de atividade do animal (Schmidt-Nielsen, 1996). Quanto maior a atividade do seu metabolismo, mais oxigênio deve ser consumido para que as células do organismo possam gerar a energia necessária. Essa necessidade pode ser facilmente suprida pelo aumento do número de células vermelhas (e de moléculas de hemoglobina), aumentando, com isso, a oferta de oxigênio transportado, através do sangue, para os tecidos. Em humanos e outros animais, o estabelecimento de um quadro clínico de anemia geralmente está associado a uma diminuição do número de eritrócitos presentes no sangue (Verrastro et al., 1998; Davies et al., 2002) A partir da obtenção dos parâmetros hematológicos descritos acima, é possível calcularmos os chamados índices hematimétricos, representados pelo volume celular médio (VCM), hemoglobina celular média (HCM) e a concentração de hemoglobina celular média (CHCM). Esses índices nos fornecem informações sobre o comportamento do eritrócito diante de alterações no volume de água no organismo, bem como na quantidade de íons como ferro, sódio (Na+) potássio (K+), cloreto (Cl-) e cálcio (Ca2+), entre outros. O VCM representa o volume que uma única célula vermelha pode apresentar no momento em que o sangue foi retirado do animal. Se em uma dada condição o animal perder água excessivamente, seu volume sanguíneo diminuirá e, com isso, as 207 células vermelhas do sangue podem murchar, causando diminuições no VCM. Em situação oposta, se houver excesso de água corpórea, o aumento do volume de sangue pode ser acompanhado por um aumento do VCM. A análise desse parâmetro hematimétrico é, portanto, uma ferramenta simples e rápida para identificar se o animal está ou não em equilíbrio hídrico ou eletrolítico. Já, o HCM, representa a quantidade de hemoglobina presente em um único eritrócito. Além de também fornecer indicações sobre o comportamento do volume celular, que se reflete em maior ou menor quantidade de hemoglobina no seu interior, para os eritrócitos nucleados esse parâmetro pode ser importante, pois a síntese de novas moléculas de hemoglobina pode ocorrer repetidas vezes, dependendo das necessidades metabólicas do animal. Essas características também podem influenciar o CHCM, que representa a proporção de hemoglobina em relação ao volume do eritrócito. Como o ferro é necessário para a síntese de hemoglobina, a carência desse mineral também pode induzir a diminuições na CHCM. Além do estudo da função dos elementos celulares do sangue, a avaliação da composição química do plasma pode fornecer um outro conjunto importante de informações sobre o estado de saúde e das características nutricionais dos animais. Através da análise do plasma é possível termos uma visão das quantidades dos principais nutrientes exigidos e consumidos pelo organismo, como a glicose, os triglicerídeos, o colesterol e as proteínas totais, além da quantidade de íons (Na+, K+ e Cl-, entre outros) e produtos de excreção. Condições ambientais e nutricionais variáveis ou desfavoráveis podem provocar mudanças dramáticas na composição química do plasma, que podem ser facilmente diagnosticadas através da análise desse constituinte do sangue. ganho diário de peso (g/dia), rendimento de carcaça (%). Os tratamentos foram organizados em um delineamento experimental inteiramente casualizado. Os resultados foram submetidos à análise de variância (Anova), as comparações foram realizadas através do teste t. O nível de significância utilizado em todos os testes estatísticos foi de P < 0,05. As Tabelas 12, 13, 14,15 e a Figura 10 apresentam resultados de crescimento para comprimento de carapaça (cm), peso (kg) e ganho de peso (g/dia). Os resultados foram analisados bimestralmente utilizando como covariável os valores das observações obtidas na medição anterior. Tabela 12: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg)na ração, sobre o comprimento da carapaça (cm) de tartaruga (P. expansa) em tanque escavado. Idade (meses) 10 (T0) 12 16 18 22 24 20/ 3.500 13,27 ± 2,0 15,03 ± 2,8 16,82 ± 2,6 17,06 ± 1,8 17,75 ± 1,6 18,07 ± 2,3 30/ 3.500 13,27 ± 2,0 15,46 ± 2,0 17,35 ± 1,9 17,52 ± 2,6 17,98 ± 1,6 18,40 ± 1,9 40/ 3.500 13,27 ± 2,0 15,26 ± 2,0 17,62 ± 1,7 17,97 ± 2,4 18,10 ± 2,0 19,33 ± 1,9 20/ 4.500 13,27 ± 2,0 15,40 ± 1,8 18,11 ± 1,4 18,30 ± 1,6 18,61 ± 2,4 19,70 ± 2,2 30/ 4.500 13,27 ± 2,0 15,60 ± 2,2 18,35 ± 2,0 18,80 ± 1,8 18,90 ± 1,5 20,00 ± 2,5 40/ 4.500 13,27 ± 2,0 16,30 ± 1,9 18,44 ± 2,2 19,00 ± 1,4 19,23 ± 1,8 21,50 ± 1,7 O estudo das características do sangue pode, portanto, 208 325 Alimentação: De 0 aos 10 meses de idade esses animais foram alimentados com uma ração constituída de 60% da ração comercial para peixe (Tabela 1). Nesse período, os animais estavam 2 depositados num tanque escavado de 400m , numa densidade de 9 2 animais/m . A alimentação dos animais durante o período experimental foi uma ração fabricada na Universidade Federal do Amazonas, com três níveis de proteína bruta (20, 30 e 40% de PB) e dois níveis de energia bruta (3.500 e 4.500 kcal de EB/kg). Os animais foram alimentados com as mesmas rações utilizadas no experimento I (Tabela 2). O experimento foi dividido em seis tratamentos, de acordo com o tipo de alimentação fornecida. Os animais eram alimentados uma vez por dia, com base em 5% de seu peso vivo, sendo esse valor ajustado bimestralmente, de acordo com os resultados da biometria. Para a definição dos teores de proteína bruta e energia bruta utilizados nas rações experimentais, foram tomados por base teores utilizados em outros experimentos realizados no estado do Amazonas, onde foram testados 27 e 30% de PB e 3.000 e 4.000 kcal de EB/kg (Lima, 1998). Os níveis de PB e EB das rações experimentais também estão bem próximos dos níveis utilizados nas rações comerciais para peixes. As rações foram fornecidas na forma de péletes. fornecer informações clínicas importantes para o entendimento do estado geral de saúde e do próprio desempenho do animal, seja em seu ambiente natural ou quando submetido aos procedimentos inerentes da criação em cativeiro. III - Procedimentos para coleta, armazenamento e análise do sangue de quelônios Como pudemos perceber, a análise do sangue se torna vantajosa pela quantidade de informações que podem ser obtidas para diagnosticar o estado de saúde de um animal. Entretanto, fora do corpo, o sangue é um líquido muito suscetível à degradação e alteração de suas propriedades. Para assegurar a qualidade desse material, são necessários, portanto, observar alguns critérios de procedimento que visam a praticidade e agilidade em todas as etapas envolvidas na análise, i e., desde a etapa de captura do animal e coleta do sangue até o seu tratamento e armazenamento. A seguir são definidas as etapas e os principais procedimentos recomendados para a aplicação em cada uma delas: a) Captura: dependendo das dimensões e das condições dos açudes e/ou tanques de criação (profundidade e transparência da água, presença de paus e troncos no fundo, tipo de fundo, etc.), os animais podem ser capturados com o auxílio de puçás, redes de cerco, malhadeiras e até tarrafas (Figura 3). Essa deve ser feita rapidamente e, dependendo no número de exemplares necessários, em várias etapas. Delineamento experimental e análise dos resultados: Os animais foram medidos e pesados bimestralmente, tirando-se uma amostragem de 100 indivíduos/baia. Os dados foram tabulados em planilha eletrônica Excel e submetidos à análise estatística no programa SPSS for Windows 8.0. Os dados foram tabulados por nível de proteína e energia testados. As variáveis analisadas foram comprimento da carapaça (cm), altura da carapaça (cm), peso (g), 324 209 Figura 3. Captura dos animais em uma das fazendas visitadas, utilizando tarrafa. Figura 9: Experimento em baias com tela plástica em tanque escavado em criadouro no Rio Preto da Eva/AM. Foto: RAN/AM (P.C.M. Andrade). b) Coleta da amostra: após serem capturados, os quelônios devem ser retirados da água e rapidamente imobilizados, por viração, para a coleta da amostra de sangue. É importante que esse período de tempo não exceda o intervalo de 2 a 5 minutos para cada animal, pois a partir daí, os hormônios de estresse começam a exercer seus efeitos, que resultam em alterações nas propriedades do sangue do animal. Por esses motivos, recomendamos que os quelônios a serem amostrados sejam capturados paulatinamente e de acordo com as possibilidades de trabalho da equipe, pois, à medida que esperam, esses animais vão ficando estressados e, conseqüentemente, inadequados para o diagnóstico do estado geral de saúde daquele lote e/ou população de animais. Animais: Foram utilizados um total de 3.600 tartarugas (Podocnemis expansa), de 10 meses de idade, com comprimento médio inicial de 13,27 ± 2,0cm e peso médio inicial de 320,05 ± 0,6g, acompanhadas dos 10 aos 24 meses de idade. Os animais foram distribuídos numa densidade de estocagem de 75 indivíduos/ m2. Esses animais pertenciam ao mesmo lote dos animais utilizados no experimento I. A punção do sangue pode ser feita a partir da veia femoral (Figura 4), utilizando seringas plásticas descartáveis (volumes entre 1 e 5 ml), contendo heparina ou liquemina como substâncias 210 Instalações: Os animais foram distribuídos em tanques cercados com madeira, tipo curral, de 48,0 m2 e 1,80m de profundidade, situados em uma barragem de 1,5 ha de espelho d'água. Os tanques foram divididos com tela, em 6 baias de 8 m2, sendo alojados 600 animais em cada baia. Sobre o tanque foram colocados fios de náilon para evitar o ataque de predadores como gavião (Spizastur sp.) e urubu (Coragyps atratus). 323 Estudo do desenvolvimento de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) alimentada com ração de três níveis de proteína bruta e dois níveis de energia bruta, criadas em tanque escavado. Este experimento teve duração de 14 meses e foi conduzido em criatórios comerciais de tartaruga, legalizados pelo Ibama/AM, localizados na estrada AM 070, Km 26, Iranduba/AM e na rodovia AM-010, Km 100, Rio Preto da Eva (Figuras 8 e 9). Figura 8: Experimento em baias com cerca de madeira em tanque escavado em criadouro no Iranduba/AM. Foto: RAN/AM (Andrade, P.C.M.). anticoagulantes. Em fêmeas grandes da tartaruga-da-amazônia, a punção pode ser feita na veia caudal. Não recomendamos o uso de EDTA em quelônios, anticoagulante utilizado em humanos e muito comum em postos de saúde e laboratórios clínicos, pois constatamos em trabalho realizado com tartarugas selvagens na Rebio Abufari, que o EDTA causa alterações no volume do eritrócito e principalmente hemólise (destruição dos eritrócitos e liberação de hemoglobina no plasma), o que pode levar a interpretações errôneas quando da análise do sangue. Figura 4. Obtenção de amostras de sangue em uma tartaruga, através da punção da veia femoral. Durante a coleta, é importante o uso de luvas de procedimento e jaleco (bata) para assegurar proteção contra a contaminação por eventuais agentes infecciosos presentes no sangue. Os quelônios não são considerados vetores de doenças para humanos e peixes. Entretanto, como os resultados obtidos são ainda escassos e inconclusivos, deve-se ter cautela e evitar contato direto com o sangue desses animais. 322 211 c) Medidas biométricas: normalmente essas medidas se baseiam no comprimento retilíneo e curvilíneo da carapaça, comprimento do plastrão, altura, peso e, pelo menos em animais de cativeiro, suas respectivas idades. É importante mencionar que os dados biométricos devem ser obtidos sempre após a retirada do sangue, pois, caso aconteça o inverso, a manipulação do animal durante a biometria poderá ocasionar alterações significativas em seus parâmetros hematológicos e metabólicos plasmáticos, o que pode levar a conclusões errôneas na análise dos resultados. Existem relatos científicos com uma espécie de tartaruga (Clemys insculpta), demonstrando que ela sofre uma condição de febre temporária (aumento rápido da temperatura corpórea) quando manipulada em condições de cativeiro (Cabanac & Bernieri, 2000). Aumentos da temperatura corpórea podem causar alterações nas propriedades do sangue. d) Análise e armazenamento do sangue: durante a análise de suas propriedades, tanto no campo como nas fazendas de criação, o sangue deve ser mantido constantemente em gelo. A baixa temperatura deprime o funcionamento das células e contribui para preservar a composição química e hematológica do sangue. Se a análise do sangue prevê a utilização do plasma, esse pode ser separado do sangue total por centrifugação, acondicionado em tubo apropriado e bem vedado, devidamente identificado e, finalmente, congelado em freezer -20ºC ou em nitrogênio líquido, mais adequado, já que promove o congelamento instantâneo da amostra a uma temperatura aproximada de -183ºC. IV - Métodos analíticos aplicados à avaliação das propriedades do sangue em quelônios Os resultados da comparação de crescimento das duas espécies coincidem com os encontrados por Oliveira (2000), citando que a tartaruga cresce melhor do que o tracajá, em cativeiro, tanto no primeiro quanto no segundo ano de vida, citando GDP de 1,05 ± 0,14 para a tartaruga no primeiro ano e 1,97 ± 0,24 no segundo ano, e para o tracajá 0,87 ± 0,15 no primeiro ano e 1,51 ± 0,27 no segundo ano (Tabela 11). Tabela 11: Comparação entre o peso, ganho diário de peso, ao final de 18 meses de cultivo, entre três espécies de quelônios criadas em tanque-rede (tartaruga, P.expansa; tracajá, P. unifilis; e iaçá, P. sextuberculata) (Oliveira, 2000) Espécies Peso (g) GDP (g/dia) GDP (% do peso vivo) Tartaruga 853 1,51 0,17 Tracajá 598 1,19 0,19 Iaçá 333 0,59 0,17 Neste experimento, Oliveira (2000) observou que o iaçá apresenta, no primeiro ano, maior crescimento com rações de 3.500 kcal de EB/kg e 40% de PB (peso=340 g e GDP =0,38 g/dia). No segundo ano, não há diferença significativa em termos de energia, embora animais alimentados com rações de 4.500 kcal de Eb, apresentem maior ganho de peso (GDP=0,83 g/dia). Existe uma tendência, no segundo ano, de que animais alimentados com rações com 20% de PB tenham maior crescimento (peso médio=370 g e GDP=0,88 g/dia). Parâmetros hematológicos Hematócrito (Ht): a proporção relativa (%) dos eritrócitos presentes no sangue pode ser determinada de acordo com o método que emprega o uso de tubo capilar (75 mm x 1 mm) de vidro, no qual um volume qualquer de sangue total é introduzido e centrifugado a 10.000 rpm, durante 5 minutos. 212 321 Concentração de hemoglobina sangüínea (Hb): é determinada por meio de uso de um método colorimétrico que emprega o uso de um reativo de cor especial (reagente de Brabkin) que reage diretamente com a hemoglobina presente no sangue. Com o uso de um aparelho denominado espectrofotômetro (que mede a intensidade de luz que passa pela solução de cor contendo hemoglobina), é possível quantificar a concentração (expressa em g/dl) desse pigmento, que tipicamente tem a coloração vermelha. Figura 6: Peso de duas espécies de quelônios alimentados com ração em tanques-rede com cobertura plástica. Contagem do número de eritrócitos (NE): a contagem do número total de células vermelhas presentes no sangue pode ser realizada pelo método de leitura em microscópio óptico, a partir da diluição de uma amostra de sangue total (10ml) em 2 ml de solução de formol-citrato (citrato de sódio e formol), utilizando a câmara de Neubauer, uma placa de vidro dividida em quadros milimétricos, nos quais as células são contadas. O resultado da contagem é expresso 6 3 em milhões de eritrócitos (NE) por milímetro cúbico (10 /mm ) de sangue. Índices hematimétricos: o volume corpuscular médio (VCM), a hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) podem ser facilmente calculados a partir das relações entre os valores obtidos para os parâmetros do sangue, citados acima, por meio das seguintes equações: 3 VCM (m ) = (Ht / nº de eritrócitos) x 10 HCM (pg) = ([Hb] / nº de eritrócitos) x 10 CHCM (%) = ([Hb] / Ht) x 100 Metabólitos plasmáticos Figura 7: Ganho de peso de duas espécies de quelônios alimentados com ração em tanques-rede com cobertura plástica. 320 Glicose plasmática: os níveis (mg/dl) de glicose foram determinados por meio de uma reação enzimática, utilizando um kit. comercial (Glicose enzimática líquida, Doles reagentes, GoiâniaGO), seguido de leitura em espectrofotômetro a 510 nm. Triglicerídeos: Os triglicerídeos (mg/dl) foram determinados através de um método enzimático colorimétrico (Triglicerídeos enzimático líquido, Doles reagentes, Goiânia-GO), que se baseia na 213 hidrólise com lipases. A leitura foi feita em espectrofotômetro a 510 nm. Colesterol: Os níveis plasmáticos (mg/dl) de colesterol total foram analisados através de um kit. comercial enzimáticocolorimétrico (Colesterol enzimático líquido, Doles reagentes, Goiânia-GO), com leitura em 510 nm. Proteínas totais: As proteínas totais do plasma foram determinadas por meio de um teste colorimétrico em 540 nm, utilizando-se o reagente de Biureto (Doles, GO) e seus níveis expressos em g/dl. Uréia plasmática: Os níveis de uréia (mM) foram determinados em 600 nm através de um kit. comercial enzimáticocolorimétrico (Uréia enzimática líquida, Doles reagentes, GoiâniaGO). V - Estudos de caso Durante a apresentação de alguns estudos de caso desenvolvidos pelo grupo de fisiologia e bioquímica com quelônios em várias fazendas próximas a Manaus, o leitor vai ter uma visão de como as propriedades do sangue podem ser empregadas como ferramentas para diagnosticar a saúde, bem como o caráter nutricional de quelônios criados em cativeiro, utilizando a tartaruga-da-amazônia como objeto de estudo. Três situações distintas: parasitismo, perda anormal de água por dessecação e o acompanhamento de tartarugas submetidas a diferentes métodos de criação, foram estudadas e parte desses resultados são mostrados a seguir: Animais parasitados Em 1999, os técnicos do Ibama-Manaus informaram aos membros do projeto Diagnóstico que um lote de tartarugas mantidas nas dependências daquele órgão estavam doentes. Os 214 Tabela 10: Efeito da ração experimental e tipos de instalações sobre a altura da carapaça (cm) de duas espécies de quelônios. Espé T cie I 20/3. 500 30/3.5 00 40/3. 500 20/4.5 00 30/4. 500 40/4.5 00 Tarta ruga C E 8,07 ± 0,4 8,18 ± 0,5 8,60 ± 0,3 7,80 ± 0,7 8,04 ± 0,9 8,42 ± 0,7 Traca C E já 6,90 ± 1,8 7,50 ± 2,7 7,66 ± 2,6 6,80 ± 2,3 7,88 ± 2,2 7,20 ± 1,6 Tarta ruga S E 7,96 ± 0,4 7,59 ± 0,7 7,70 ± 0,9 7,30 ± 0,6 7,54 ± 0,6 7,42 ± 0,6 Traca já S E 6,20 ± 1,9 7,00 ± 2,8 7,12 ± 2,2 6,70 ± 1,7 7,73 ± 1,1 6,90 ± 1,7 *SE= tanque-rede sem cobertura plástica, CE= tanque-rede com cobertura plástica, TI= tipo de instalação. Comparando-se o crescimento das duas espécies de quelônios estudadas em tanques-rede, não houve diferença significativa ao nível de P<0,05 nas variáveis analisadas. Observase, porém, que, de um modo geral, a tartaruga supera em desenvolvimento (comprimento e altura da carapaça) em relação ao tracajá, tanto nos animais alojados em baias com cobertura plástica quanto nos alojados em baias sem cobertura. Tartarugas obtiveram tendência a alcançar maior crescimento com a ração de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, já, entre os tracajás, esse resultado foi alcançado com a ração de 30% de PB e 4.500 kcal de EB/kg. Os mesmos resultados foram obtidos para peso (Figura 6) e ganho diário de peso (Figura 7), em que tartarugas tendem a superar os tracajás, tanto entre os animais confinados em tanques-rede, com cobertura plástica, quanto nos animais confinados em tanques sem cobertura. As tartarugas obtiveram maior ganho de peso com a ração de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, e os tracajás alcançaram melhores resultados com a ração de 30% de PB e 4.500 kcal de EB/kg. 319 instalados em baias com cobertura (CE), alimentados com ração de 30% de PB e 4.500 kcal de EB/kg tendem a obter maior rendimento em relação aos animais instalados em baias sem cobertura (SE). Os resultados para rendimento de carcaça foram semelhantes aos encontrados para P. expansa, no experimento I, quanto ao tipo de instalação. Desenvolvimento de duas espécies de Quelônios criados em Tanque-Rede As Tabelas 9 e 10 comparam os valores médios de crescimento e altura da carapaça de tartaruga (Podocnemis expansa) e tracajá (P. unifilis), criados em tanques-rede (com cobertura plástica e sem cobertura) aos 24 meses de idade. Tabela 9: Efeito da ração experimental e tipos de instalações sobre o comprimento da carapaça (cm) de duas espécies de quelônios. Espé cie Tarta ruga Traca já Tarta ruga Traca já T I C E C E S E S E 20/3. 500 21,29 ± 2,4 17,25 ± 0,8 20,22 ± 3,6 15,90 ± 0,9 30/3.5 00 21,57 ± 2,0 18,00 ± 2,3 21,12 ± 2,1 16,62 ± 1,7 40/3. 500 22,06 ± 2,0 17,80 ± 1,4 21,76 ± 2,0 17,66 ± 1,7 20/4.5 00 21,31 ± 1,1 16,25 ± 1,9 20,64 ± 1,5 16,10 ± 1,4 30/4. 500 21,69 ± 0,6 19,00 ± 1,8 21,19 ± 1,1 18,50 ± 1,7 40/4.5 00 21,98 ± 2,3 17,10 ± 2,3 21,45 ± 1,1 16,90 ± 2,4 *SE= tanque-rede sem cobertura plástica, CE= tanque-rede com cobertura plástica, TI= tipo de instalação. 318 animais estavam sendo mantidos em tanques de fibra de vidro de 1.000 litros, parcialmente preenchidos com água estagnada e de qualidade precária. O diagnóstico foi realizado no local e confirmou a presença de parasitismo múltiplo (Santos, 1999). As tartarugas apresentavam pele ressecada, hematomas e sinais de hemorragia no plastrão e nas patas, manchas e proliferação de fungos ao longo da pele, na membrana timpânica e nos olhos. Além disso, a autopsia realizada em nove exemplares encaminhados ao Laboratório de Parasitologia, da Universidade Federal do Amazonas, revelou quantidade muito elevada de vermes helmintos aderidos às paredes internas do trato gastrointestinal. Com o objetivo de comparar o quadro diagnosticado nos animais doentes, nove tartarugas consideradas saudáveis também foram abatidas para autopsia e houve confirmação da não incidência de parasitas gastrointestinais e cutâneos. Estes animais serviram como grupo controle. A presença de helmintos em quelônios amazônicos selvagens coletados na natureza já foi descrita na literatura para a tartaruga e o tracajá (Gibbons et al., 1997), contudo, a freqüência e o grau de infestação são geralmente baixos. Além dos sinais externos provocados pelo parasitismo múltiplo, as tartarugas também apresentaram modificações importantes nas propriedades do sangue. Diminuições significativas (p<0,05) no hematócrito, na concentração de hemoglobina e, principalmente, no número de eritrócitos foram observados nas tartarugas parasitadas, em comparação ao grupo-controle (Tabela 1), indicando a presença de um quadro representativo de uma condição de anemia. De acordo com os resultados obtidos, torna-se evidente que as tartarugas parasitadas sofreram perda de seu volume sanguíneo provocado, 215 principalmente, pela elevada carga de helmintos presentes no trato gastrointestinal. Em mamíferos em geral, esses parasitas são reconhecidos por causarem, além da anemia, uma série de distúrbios como letargia, morbidade (falta de estímulo e movimento), parada no processo de crescimento e, em casos extremos, a morte do animal. Os resultados também demonstram que as tartarugas parasitadas respondem de forma semelhante aos mamíferos, quando infestadas por helmintos. Como esses parasitas não apresentam tubo digestivo completo, alimentamse por meio da sucção do sangue, contendo as células e os nutrientes do plasma, absorvidos durante o processo digestivo, aspectos que explicam os baixos valores observados em seus parâmetros hematológicos. Rendimento de carcaça de P. unifilis O abate foi realizado conforme os procedimentos sugeridos por Silva Neto (1998). Para a insensibilização, os animais foram colocados em um recipiente, contendo água e gelo a uma temperatura de 4ºC, durante 15 minutos. Inicialmente, foi realizada a decapitação. Após a retirada do plastrão com auxílio de uma serra elétrica, foi efetuada a retirada manual das vísceras do trato digestivo, fígado, pâncreas, gordura, baço, pulmões, aparelho excretor e órgãos reprodutores. Foram abatidos 10 animais de cada tratamento, após a última biometria realizada (24 meses de idade). Tabela 8: Rendimento de carcaça (%) de P. unifilis de acordo com o tratamento. P arte do co rp o C arca ça V ís c e ras G o rd u ra e x tra m us c u la r (n ã o c a v it á r ia ) TOTA L (% ) C ara paça P la s trão TI 20/ 3 .5 0 0 30/ 3 .5 0 0 40/ 3 .5 0 0 20/ 4 .5 0 0 30/ 4 .5 0 0 40/ 4 .5 0 0 CE SE CE SE CE SE 2 7 ,0 2 6 ,8 8 9 ,0 3 8 ,4 6 4 ,3 5 4 ,0 2 2 7 ,9 5 2 7 ,1 2 9 ,4 6 8 ,6 4 4 ,8 7 4 ,4 2 2 8 ,4 5 2 7 ,6 3 9 ,8 7 9 ,0 3 5 ,1 0 5 ,0 2 8 ,9 7 2 8 ,1 2 1 0 ,0 9 ,3 6 5 ,3 6 5 ,1 5 2 9 ,0 3 2 8 ,3 6 1 0 ,6 4 9 ,7 8 5 ,5 5 5 ,2 0 2 9 ,5 5 2 8 ,7 7 1 0 ,9 8 1 0 ,0 1 5 ,7 2 5 ,4 2 CE SE CE SE 4 0 ,3 8 3 9 ,3 6 2 1 ,2 7 2 0 ,9 7 4 2 ,2 8 4 0 ,1 8 2 1 ,9 8 2 1 ,0 3 4 3 ,4 2 4 1 .6 6 2 2 ,0 5 2 1 ,8 5 4 4 ,3 3 4 2 ,6 3 2 2 ,4 5 2 2 ,0 1 4 5 ,2 2 4 3 ,3 4 2 2 ,8 8 2 2 ,2 5 4 6 ,2 5 4 4 ,2 0 2 3 ,0 2 2 ,6 3 CE SE 7 ,9 8 7 ,1 2 8 ,0 2 7 ,8 6 8 ,3 6 8 ,0 8 ,4 7 8 ,2 5 8 ,9 8 8 ,3 6 9 ,0 5 8 ,6 5 *TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica); A Tabela 8, mostra o rendimento de carcaça (%) de P. unifilis de acordo com o tratamento. Observa-se que animais de maior tamanho e peso apresentaram maior rendimento de carcaça e partes comestíveis do que animais de categorias menores. Os resultados de rendimento de carcaça convergem com os encontrados para as outras variáveis analisadas. Animais 216 317 apresentaram um crescimento superior quando comparados aos animais alojados em baias sem cobertura (SE), tanto para comprimento e altura da carapaça, quanto para peso e ganho diário de peso. Esse resultado corrobora com os encontrados para P. expansa, confirmando que pelo fato da cobertura plástica proporcionar maior estabilidade da temperatura e manutenção de temperaturas mais altas, dentro das baias cobertas, considerando que estes animais tinham dentro das baias uma rampa para tomarem sol, provavelmente esse fator pode influenciar no metabolismo de quelônios criados em cativeiro, por serem ectotérmicos e, conseqüentemente, numa taxa de desenvolvimento positiva. Observa-se um aumento linear, nas rações com 3.500 kcal de EB/kg, quanto ao aumento do nível de proteína bruta nas variáveis estudadas, sendo que para o nível de energia bruta de 4.500 esse resultado não foi observado. Comparando-se os resultados quanto aos níveis de proteína bruta, as variáveis apresentaram maiores valores quando referentes aos tratamentos com 30% de PB, diferindo dos resultados encontrados para P. expansa, nesse estudo, onde 40% de PB proporcionou melhor resposta em desenvolvimento, em valores médios. Oliveira (2000), em estudos com tracajás (P. unifilis), de zero a um ano de idade, em temperatura ambiente em torno de 28C, cita uma tendência para que animais alimentados com rações de 40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg tenham maior crescimento. Nesse estudo, obteve-se como resultado para o segundo ano de vida, tendência a maior desenvolvimento com 30% de PB, o que pode indicar que ocorre uma diminuição da necessidade protéica dessa espécie, de acordo com a fase de vida. No habitat natural, animais jovens consomem mais proteína de origem animal do que os adultos (Teran, 1992). 316 Tabela 1. Efeito da infestação por parasitas sobre os parâmetros hematológicos e índices hematimétricos (média DP) obtidos no sangue de tartarugas-da-amazônia criadas em cativeiro. Animais controle Animais parasitados Parâmetro 28,14 ± 0,94 18,09 ± 0,74* Ht (%) 9,39 ± 0,40 5,84 ± 0,28* [Hb] (g/dl) 0,32 ± 0,02 0,20 ± 0,01* NE (106/mm3) 935.42 ± 65,31 930,09 ± 62,99 VCM (mm3) 298,87 ± 14,45 301,07 ± 23,18 HCM (pg) 32,45 ± 1,83 32,46 ± 1,31 CHCM (%) * Indica diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre os animais sadios e os parasitados. 217 O parasitismo não parece influenciar os índices hematimétricos (VCM, HCM e CHCM) nas tartarugas estudadas (Tabela 1). Geralmente, as alterações observadas nesses índices estão relacionadas a distúrbios do balanço hídrico e eletrolítico do organismo, como por exemplo, em animais sujeitos à perda anormal de água ou acúmulo excessivo de sais. Tabela 7: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal/kg) na ração, sobre o ganho de peso (g) de tracajá (P. unifilis) em tanques-rede. Idade (meses) TI 20/3. 500 30/3. 500 40/3. 500 20/4. 500 30/4. 500 40/4. 500 12 C E SE 0,412 ±2,1 0,398 ±2,3 0,596 ±1,9 0,458 ±1,8 0,740 ±0,3 0,591 ±1,5 0,780 ±1,8 0,546 ±2,4 0,898 ±0,8 0,700 ±1,9 0,710 ±0,6 0,499 ±1,8 0,444 ±1,5 0,650 ± 2,1 0,586 ±2,2 0,850 ±0,6 0,812 ±1,8 0,980 ±1,9 0,673 ±1,6 1,214 ±1,4 0,956 ±1,6 1,123 ±0,5 1,224 ±1,4 1,112 ±0,9 1,680 ±2,3 1,416 ±2,7 1,720 ±1,7 1,444 ±2,4 1,530 ±1,1 1,437 ±1,5 1,990 ±2,1 1,890 ±2,3 1,800 ±2,1 1,470 ±1,3 1,391 ±2,5 1,730 ±2,4 1,472 ±1,6 1,890 ±1,9 1,567 ±1,4 1,740 ±1,3 1,585 ±2,8 2,420 ±1,4 2,150 ±2,2 2,100 ±1,8 1,620 ±1,1 1,555 1±2,1 1,990 ±1,7 1,858 ±0,5 2,350 ±1,5 2,180 ±2,2 2,490 ±1,9 2,270 ±1,6 2,760 ±1,4 2,680 ±1,6 2,500 ±1,6 Situações de infestação por parasitas podem ser muito freqüentes em animais mantidos em ambientes de criação, por isso é necessário que o criador observe o comportamento de seus animais durante a criação e, periodicamente, realize exames parasitológicos para evitar a possibilidade de infestação por helmintos ou outros tipos de parasitoses. 16 Animais sujeitos à perda excessiva de água, por dessecação 18 O diagnóstico de perda de água corpórea em exemplares da tartaruga (P. expansa) foi obtido em duas fazendas de criação situadas no município de Manacapuru-AM, durante os procedimentos de despesca desses animais para acompanhamento da biometria. No primeiro local de criação (fazenda A), os animais foram capturados com rede de cerco, confinados em sacos de náilon de 50 litros (n=10) e expostos ao ar por um período aproximado de 3 horas consecutivas, até a conclusão da biometria. As amostras de sangue foram obtidas imediatamente após o término desse intervalo. Paralelamente, outro lote de tartarugas (n=10) foi capturado, mantido em água por um período máximo de 15 minutos e, em seguida, amostrado para a obtenção do sangue. Esses indivíduos foram analisados para servirem como controles em relação aos animais expostos à dessecação. Na fazenda B, um grupo de tartarugas (n=10) também foi submetido ao mesmo procedimento de captura e confinamento, só que por um período aproximado de 6 horas consecutivas. A exemplo da fazenda anterior, um grupo de tartarugas mantidas em água foi analisado para servir como 218 22 24 C E SE C E SE C E SE C E SE 0,654 ±0,7 1,055 ±1,6 1,720 ±2,3 1,960 ±1,5 2,458 ±1,3 *TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica); De um modo geral, não houve efeito significativo ao nível de P<0,05, dos níveis de proteína bruta e energia bruta utilizados nas rações experimentais, para nenhuma das variáveis analisadas. Porém, os animais confinados em instalações com cobertura (CE) 315 Tabela 6: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal/kg) na ração, sobre o peso (g) de tracajá (P. unifilis) em tanques-rede. Idad T e I (me ses) 10 (T0) 12 C E S E 16 C E S E 18 C E S E 22 C E S E 24 C E S E 20/ 3.500 30/ 3.500 40/ 3.500 20/ 4.500 30/ 4.500 40/ 4.500 120,40 ±0,3 186,00 ±2,2 184,60 ±2,1 289,60 ±1,4 255,00 ±1,0 425,00 ±2,1 343,33 ±1,8 628,70 ±0,9 530,00 ±2,5 631,16 ±0,6 615,00 ±0,8 120,40 ±0,3 217,00 ±1,1 210,00 ±1,8 332,00 ±2,1 263,33 ±1,3 497,00 ±1,5 394,16 ±1,1 706,00 ±0,9 628,33 ±1,5 718,20 ±0,6 635,00 ±0,8 120,40 ±0,3 238,00 ±1,3 230,00 ±1,1 384,00 ±1,3 332,50 ±1,2 515,00 ±1,1 419,16 ±2,4 775,00 ±2,1 752,50 ±2,2 760,00 ±2,3 641,00 ±1,6 120,40 ±0,3 190,00 ±1,9 169,16 ±1,5 333,33 ±2,1 250,00 ±2,2 465,00 ±1,8 397,50 ±1,3 581,66 ±1,4 562,50 ±1,7 785,00 ±1,9 650,33 ±2,1 120,40 ±0,3 231,25 ±2,3 259,00 ±1,8 376,25 ±1,4 373,75 ±1,7 755,00 ±2,1 400,00 ±2,2 785,00 ±2,3 660,00 ±1,9 935,00 ±2,1 868,33 ±1,9 120,4 0 ±0,3 281,3 7 ±0,9 218,4 ±1,8 348,0 0 ±1,4 341,0 0 ±2,1 527,5 0 ±2,3 455,0 0 ±2,4 617,5 0 ±1,7 610,0 0 ±1,8 819,0 ±1,9 765,0 ±1,5 *TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica); controle em relação aos animais dessecados. Quando os animais sujeitos à dessecação são comparados com seus respectivos grupos de controle, é possível observar que os parâmetros hematológicos não sofreram variações nas tartarugas da fazenda A (Tabela 2). Entretanto, nos animais da fazenda B, expostos à dessecação durante 6 horas, já foi possível verificar aumentos significativos na concentração de hemoglobina. Esse aumento da hemoglobina no sangue é resultado da diminuição do volume do eritrócito, que se refletiu nos baixos valores de VCM (p<0,05) observados para ambos os grupos de tartarugas sujeitas à dessecação (Tabela 2). Tabela 2. Mudanças observadas (média DP) nos parâmetros hematológicos e índices hematimétricos provocados pela perda de água corpórea em exemplares da tartaruga-da-amazônia submetidos por três (fazenda A) e seis horas (fazenda B) à dessecação. Parâmetro Fazenda A Fazenda B Normais Dessecados Normais Dessecados Ht (%) 23,9 ± 1,4 23,0 ± 1,8 28,5±1,6 25,9±1,1 [Hb] (g/dl) 6,7 ± 0,4 7,42 ± 0,5 7,0 ± 0,4 9,0 ± 0,5* NE (106/mm3) 0,28±0,02 0,31 ± 0,02 0,31±0,02 0,34 ± 0,02 VCM (mm3) 859,5±27,3 745,7±35,0* 890,8±18,7 777,6± 31,1* HCM (pg) 241,1±7,4 245,4± 16,5 226,9±6,1 269,1± 11,1* CHCM (%) 28,1 ± 0,7 32,1 ± 1,6* 25,3 ± 0,7 34,6 ± 0,6* * Indica diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre os animais dessecados e aqueles mantidos em água. É importante mencionar que, pelo menos nas tartarugas expostas à dessecação por 6 horas consecutivas, todos os índices hematimétricos se mostraram alterados (Tabela 2), indicando que esses animais estavam enfrentando uma situação de estresse 314 219 hídrico intenso, pois a diminuição da quantidade de água corpórea já vinha sendo acompanhada por um decréscimo da proporção de líquido em relação à quantidade de elementos celulares, que leva os eritrócitos a ficarem menos volumosos e com maior concentração de hemoglobina em seu interior. Diminuições no volume dos eritrócitos, bem como no volume sanguíneo total, foram também observadas em porcos jovens sujeitos à deprivação de água por 12 horas consecutivas (Houpt & Yang, 1995), indicando que mamíferos e quelônios sofrem os efeitos negativos da perda de água corpórea, de maneira similar. sinensis) foram 18,21 e 1,23%, respectivamente, e o conteúdo de lipídio do bloco de gordura foi de 86,72% (Zhan et al., 2000). Efeito do tipo de instalação e da ração experimental no desenvolvimento de tracajá (Podocnemis unifilis) criados em cativeiro As Tabelas 6 e 7 apresentam resultados de crescimento para peso (kg) e ganho de peso (g/dia) de tracajá (P. unifilis) criado em gaiolas flutuantes. Os animais foram alimentados diariamente com ração de 20, 30 e 40% de proteína bruta e 3.500 e 4.500 kcal de energia bruta/kg. A ração experimental utilizada tem a mesma composição da ração descrita no experimento com P. expansa. As variáveis ambientais registradas no experimento, a fim de que se pudesse avaliar o efeito da cobertura plástica (estufa) sobre metade dos tanques-rede foram a temperatura do ar e temperatura da água. Com relação a essas variáveis, a temperatura da água foi maior nas instalações com cobertura plástica (31,5 2,22C) comparada às instalações sem estufa (30,1 1,25C), bem como a temperatura do ar, que nas instalações com estufa foi de 33,1 1,27C e nas baias sem estufa de 29,31 1,95C. No caso dos quelônios, para reverter essa situação de estresse, é necessário que após o manejo os animais sejam rapidamente devolvidos à água, para que possam restabelecer o seu equilíbrio hídrico. Nesse sentido, é importante que durante o processo de criação os animais sejam mantidos fora da água, o menor tempo possível, para que não sejam expostos a situações de estresse hídrico e deprivação de água. 220 313 Tabela 5: Rendimento de carcaça (%) de P. expansa de acordo com o tratamento. Parte do corpo Carcaça Vísceras Gordura extramuscular (não cavitária) Total (%) Carapaça Plastrão TI CE SE CE SE CE SE 20/ 30/ 40/ 20/ 30/ 3.500 3.500 3.500 4.500 4.500 29,9 30,85 33,85 31,45 32,0 28,89 30,12 33,52 30,95 31,74 9,95 10,12 12,75 10,64 11,0 9,21 9,77 12,11 10,0 10,84 5,01 5,10 6,1 5,26 5,56 4,95 5,0 5,87 5,12 5,23 40/ 4.500 33,28 32,88 11,85 11,25 5,95 5,85 CE SE CE SE CE SE 44,86 43,05 22,56 22,0 8,78 8,23 51,08 49,98 25,24 24,56 9,98 9,6 46,07 44,89 22,98 22,11 8,93 8,65 52,70 47,35 51,50 46,07 25,76 23, 97 25,0 23,0 10,4 9,0 10,0 8,8 48,56 47,81 24,46 23,54 9,45 9,2 *TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: em estufa (sem cobertura plástica). A Tabela 5 mostra o rendimento de carcaça (%) de P. expansa de acordo com o tratamento. Observa-se que animais de maior tamanho e peso (de acordo com as Tabelas 5 e 7), apresentaram maior rendimento de carcaça e partes comestíveis do que animais de categorias menores. Os resultados de rendimento de carcaça convergem com os encontrados para as outras variáveis analisadas. Animais instalados em baias com cobertura (CE), alimentados com ração de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg tendem a obter maior rendimento em relação aos animais instalados em baias sem cobertura (SE). Valores aproximados foram encontrados por Gaspar & Rangel-Filho (2001), verificando que depois da retirada dos ossos o rendimento de carne de tartaruga foi de 30%, o conteúdo de proteína e lipídio foi de 17,39 e 1,83%, respectivamente, com valor calórico baixo (86,03 kcal/100 g carne). Estudos na China mostram que o conteúdo de proteína e lipídio no músculo da tartaruga-chinesa-de-casco-mole (Trionyx 312 Animais submetidos a diferentes métodos de criação em cativeiro Como um dos objetivos principais do projeto era realizar um diagnóstico das condições gerais de criação dos quelônios, entre os anos de 1998 e 2000, as equipes do projeto promoveram visitas periódicas em diversas fazendas de criação localizadas em Manaus e municípios próximos. Inicialmente, a equipe de fisiologia selecionou fazendas que haviam recebido lotes de recém-eclodidos provenientes da Rebio Abufari, onde foram realizados os primeiros estudos com o sangue de tartarugas selvagens, para a obtenção de valores de referência para os parâmetros hematológicos e metabólitos do plasma (Marcon et al., 2000). Com o intuito de preservar a privacidade dos proprietários que apoiaram esse estudo, as fazendas de criação foram aqui identificadas apenas por letras. Nesse sentido, foram eleitas quatro fazendas: fazenda A (Manaus), fazenda B (Iranduba), fazenda C (Manacapuru) e fazenda D (Rio Preto da Eva). Paralelamente à coleta de sangue, foram realizadas entrevistas com os proprietários e/ou responsáveis das fazendas, com o objetivo de obter informações mais detalhadas sobre as condições de criação, o tipo de tanque utilizado, alimentação (tipo e quantidade), qualidade da água, relatos de parasitismo, etc. As fazendas monitoradas neste revelaram procedimentos de criação variados. Os animais da fazenda A estavam sendo criados em tanques escavados (aprox. 20m x 40m), contendo água de coloração barrenta. A alimentação era notoriamente insuficiente e consistia basicamente da sobra de vegetais (alface picada, repolho e outros tipos de verdura) obtidos em feiras. Na fazenda B, a alimentação se resumia à oferta de uma macrófita aquática (mureru, Eichhornia 221 sp.), de restos de pão e, quando disponível, de ração comercial para peixes. Em ambas as fazendas, os indivíduos amostrados estavam magros e pequenos e apresentavam sinais claros de inanição, em comparação aos indivíduos de mesma faixa etária, amostrados nos outros dois criadores (Tabela 3). Na fazenda C, os animais eram criados em um pequeno lago contendo água preta e de boa qualidade. Os animais estavam sendo alimentados com uma ração comercial à base de peixes, oferecida em quantidades aparentemente suficientes e apresentavam aspecto saudável. Já na fazenda D, as tartarugas estavam sendo criadas em uma barragem, em consórcio com tilápias (Tilapia sp.) e pirarucus (Arapaima gigas), com água também de coloração preta e de boa qualidade. A alimentação, a exemplo da fazenda C, também consistia na oferta de ração comercial à base de peixes. Entretanto, além da ração, o criador fazia uma complementação alimentar diária com macaxeira. Os animais estavam aparentemente saudáveis, com peso e tamanho superiores ao observado nos animais analisados nas demais fazendas (Tabela 3). Rendimento de carcaça de P. expansa em tanque-rede O abate foi realizado conforme os procedimentos sugeridos por Silva Neto (1998). Para a insensibilização, os animais foram colocados em um recipiente contendo água e gelo a uma temperatura de 4ºC, durante 15 minutos. Inicialmente, foi realizada a secção da cabeça. Após a retirada do plastrão, com auxílio de uma serra elétrica, foi efetuada a retirada manual das vísceras do trato digestivo, fígado, pâncreas, gordura, baço, pulmões, aparelho excretor e órgãos reprodutores. Foram abatidos 5 animais de cada tratamento, após a última biometria realizada (24 meses de idade). Esse histórico inicial é fundamental para entendermos como as condições gerais de criação podem influenciar os parâmetros hematológicos da tartaruga. Os resultados obtidos nas diferentes fazendas revelam dois extremos importantes: os animais das fazendas A e B apresentaram os parâmetros hematológicos estatisticamente (p<0,05) inferiores aos registrados para os animais da natureza (controle). Esse comportamento foi ainda mais evidente na fazenda B (Tabela 3). Isso é um forte indicativo de que os procedimentos empregados nas duas primeiras fazendas não estavam sendo satisfatórios para propiciar um crescimento adequado para a tartaruga em cativeiro. 222 311 protéico são mais caras, mas esse custo se justifica, se o ganho de peso for considerável. Vale ressaltar que os gastos com alimentação nesse sistema situam-se entre 50% e 70% dos custos totais da produção, porém, é imprescindível investir na dieta correta, pois a resposta virá em produtividade e, conseqüentemente, em lucro. Quanto aos níveis de proteína bruta e energia bruta utilizados nas rações experimentais, de modo geral, observou-se tendência das rações com 40% de PB proporcionarem maior crescimento em todas as variáveis analisadas. É observado um crescimento linear dentro de cada nível de PB e EB avaliado, de acordo com o aumento da idade do animal, em todas as variáveis analisadas. À medida que é aumentado o nível de proteína bruta, observa-se também um aumento linear dentro das variáveis. Costa et al., 1998, em estudos com P. expansa em cativeiro, observaram que animais alimentados com 20% de PB obtiveram melhor ganho de peso (0,523 ± 1,08 g/dia) em relação aos que foram alimentados com 30% de PB (0,489 ± 0,89 g/dia) e 40% de PB (0,492 ± 1,13 g/dia). Animais alimentados com 3.000 Kcal de EB/kg (0,536 ± 1,16 g/dia) superam os animais alimentados com 4.000 Kcal de EB/kg (0,466 ± 1,93 g/dia), no primeiro ano de vida. Esse resultado pode indicar que essa espécie, no segundo ano de vida, necessite de um maior teor de proteína bruta para atender à exigência dietética por aminoácidos necessários ao seu crescimento máximo. Como não houve diferença significativa no efeito dos níveis de PB e EB testados, sugere-se a utilização de dietas com 30% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, já que a ração de 20% de PB tende a proporcionar desenvolvimento mais baixo. Para a criação de tartarugas em tanques-rede pode-se optar pela utilização de cobertura plástica, para conservar maior temperatura da água dentro das baias, permitindo um metabolismo mais eficiente. 310 Tabela 3. Biometria, hematologia e níveis dos principais metabólitos plasmáticos (média DP) obtidos em exemplares (n=10) da tartaruga (Podocnemis expansa) criados em 4 fazendas próximas a Manaus. * indica diferença estatística (p<0,05) em relação aos animais controle. Parâmetro Animais controle Fazenda A Fazenda B Fazenda C Fazenda D 18,6±3,3 * 5,5±0,7* 22,4±5,0 29,9±6,7 1 Hematologia Ht (%) 28,1±4,2 19,6±3,8 [Hb] (g/dl) NE (10 6 /mm 3 ) VCM (mm 3 ) HCM (pg) CHCM (%) Metabólitos PT (g/dl) Glicose (mg/dl) TG (mg/dl) 8,2±1,4 5,4±1,0* 6,4±1,9 9,0±1,81 0,30±0,04 0,28±0,05 0,22±0,02 * 0,27±0,08 0,41±0,07 * 803±144 249 ± 45 31,2±2,2 722±199 198±42* 28,5±8,1 847±157 249±33 29,8±4,6 893±249 248±91 28,4±3,4 728±104 221±36 30,8±6.5 2,8±0,7 94,9±30, 6 31,3±20, 9 38,3±38, 6 1,6±1,5 2,4±0,3 102,5±15, 1 53,6±61,0 31,4±8,4 1,7±0,3* 59,7±19, 5* 69,2±33, 6 27,8±7,7 4,0±0,7* 86,7±15, 7 209,4±9 8 26,1±7,9 1,0±0,4 2,4±0,8* 1,5±0,3* 90,1±16, 0 18,6±11, 7 33,3±12, 4 2,5±1,6* 37,9±5,0 14,1±1,2 14,2±1,1 22,6±4,3 24,5±3,0 5,74±2,6 0,37±0,1 ? 4,0±0 0.32±0,0 7 2,5±0,5 1,33±0,7 2 2,7±0,5 1,78±0,5 6 2,0±0 COL (mg/dl) Uréia (mM) Biometria Carapaça (cm) Peso (kg) Idade (anos) 5,9±3,8* Nota: 1) indivíduos selvagens (n=10) da tartaruga, provenientes da Rebio Abufari. PT = proteínas totais; TG = triglicerídeos; COL = colesterol total. A avaliação das condições gerais dessas fazendas demonstra descaso com a alimentação e a manutenção da qualidade da água. Apesar de condizente com o hábito herbívoro atribuído à tartarugada-amazônia (Fachin et al., 1995; Soini et al., 1989), tanto a quantidade, como a qualidade (restos de feira e mureru) do alimento fornecido não pareciam estar satisfazendo as necessidades fisiológicas da espécie. Isso se reflete claramente no peso dos animais cultivados nessas fazendas: os quelônios analisados na 223 fazenda A possuíam uma faixa etária de aproximadamente 4 anos e um dos menores pesos registrados entre os diferentes locais. Situação semelhante pode ser observada nas tartarugas da fazenda B que, apesar de mais jovens, também revelaram pesos muito abaixo da média, observados para outras fazendas (Tabela 3), indicando que os animais dessas fazendas estavam sendo submetidos a uma dieta destinada tipicamente à manutenção de suas funções orgânicas e distantes daquela esperada para um bom crescimento em condições de criação. A fazenda C e, especialmente a fazenda D, parecem estar mais preparadas para a criação de P. expansa em cativeiro. A manutenção desses animais em açudes de igarapé represados e/ou lagos naturais, bem como a utilização de rações mais equilibradas e ricas em proteínas, parecem ser procedimentos que melhor satisfazem as necessidades naturais dessa espécie e se refletem positivamente no crescimento dos animais (Tabela 3). Na fazenda C, apenas os níveis de proteínas totais estiveram diminuídos em relação aos animais de controle, enquanto que os níveis de uréia encontraram-se aumentados. O proprietário da fazenda estava em fase de negociação do imóvel durante o período de acompanhamento 224 ambiente (ectotérmicos). Como o consumo de alimento está diretamente relacionado ao metabolismo dos quelônios, pode-se inferir que a cobertura plástica promova um maior desenvolvimento dos animais, pela manutenção de temperaturas mais altas dentro das baias. O baixo desenvolvimento referente à menor temperatura, pode estar relacionado à mudança de comportamento termorregulatório dos animais. Pouco se conhece quanto às exigências nutricionais de quelônios, portanto, é necessário determinar a necessidade de aminoácidos para cada fase de produção e a relação de aminoácidos ideal em rações de baixo teor de proteína. A qualidade da proteína é um fator a ser considerado para o fornecimento de ração aos animais, visando oferecer os níveis de aminoácidos essenciais adequados para atender suas necessidades iniciais. Duarte, 1998, infere em estudos com Podocnemis expansa, que proteína de origem animal (vísceras de peixe e bovina) proporciona maior ganho de peso relacionado ao fornecimento de proteína de origem vegetal. As matérias-primas de origem vegetal ou animal, usadas na fabricação de ração comercial, possuem proteína variando entre 5 e 10%. Assim como varia o teor de proteína bruta, também varia o teor de aminoácidos que compõem cada uma dessas matérias-primas. No entanto, essas variações não são lineares, ou seja, um ingrediente mais rico em proteína não é necessariamente mais rico em todos os aminoácidos essenciais. Nos tanques-rede, os animais não têm acesso ao meio ambiente e a ração é a única fonte alimentar. Por esse motivo, o alimento deve ser de excelente qualidade, com o devido balanceamento dos nutrientes necessários ao desenvolvimento do animal. O nível protéico das rações para criação em tanques-rede deve ficar entre 32% e 40% (RAN, 2001). Rações de maior nível 309 É importante considerar que os animais alojados em baias sem cobertura podem ter tido acesso a outro tipo de alimentação diferente da ração experimental, como larvas, insetos e alguma vegetação carreada pela chuva, sendo que nas baias cobertas esse controle era mais rigoroso. Isso pode ter influenciado no menor desenvolvimento dos animais nas instalações sem estufa, visto que essa alimentação alternativa disponível poderia ser mais palatável e, assim, ter desencadeado a preferência dos animais, levando ao menor consumo voluntário de ração. e, provavelmente, deve ter reduzido a quantidade de ração oferecida aos animais. Isso poderia explicar, em parte, a diminuição dos valores de proteínas totais, observada no plasma. Já, as propriedades do sangue das tartarugas criadas na fazenda D foram semelhantes aos dos animais de controle, com exceção do número de eritrócitos, bem como dos conteúdos de proteínas totais, uréia e, principalmente, de triglicerídeos, provavelmente devido ao tipo de complementação alimentar, à base de macaxeira, ingerido por esses animais. De um modo geral, não houve diferença significativa ao nível de P<0,05 quanto ao efeito dos níveis de proteína e energia bruta testados e o tipo de instalação. Porém, há uma tendência para que animais instalados em baias com cobertura plástica superem em desenvolvimento aqueles alojados em instalações sem cobertura plástica, em todos os tratamentos e em todas as variáveis analisadas (aos 24 meses, GDP=3,3 ± 1,8g/dia e GDP=2,815 ± 1,74g/dia, respectivamente, para ração de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg). Esses resultados corroboram com os encontrados por Costa et al., 1998, onde P. expansa confinada em tanques-rede com cobertura plástica, apresentou maiores valores de ganho diário de peso em relação aos animais alojados em baias sem cobertura (1,37 0,36 g/dia e 1,08 0,48g/dia, respectivamente), com temperatura ambiente em torno de 30C, acompanhados no primeiro ano de vida. Oliveira (2000), estudando o desenvolvimento de P. expansa em tanques-rede encontrou resultados semelhantes aos resultados desse estudo. Aos 12 meses de idade, os animais apresentaram GDP de 1,26 0,25, em baias cobertas, e GDP de 1,09 0,35 em baias sem cobertura, explicando que a cobertura plástica proporciona maior estabilidade da temperatura e conservação do ambiente, por mais tempo, permitindo uma taxa metabólica mais regular, visto que o metabolismo desses animais é influenciado pela temperatura 308 Informações obtidas em tartarugas selvagens (Marcon et al., 2000, Duncan et. al., 2001) indicam que esses animais são versáteis quanto ao uso de diferentes substratos energéticos, desde as primeiras fases de vida. Nesse sentido, é provável que o excesso de carboidratos ingeridos pelas tartarugas da fazenda D estariam sendo convertidos em triglicerídeos e transportados no plasma em grandes quantidades, por parte das proteínas aí presentes, até os diversos tecidos, onde podem ser metabolizados ou armazenados na forma de gordura. A quantidade de triglicerídeos foi tão expressiva nesse grupo, que dois indivíduos chegaram a apresentar 449 e 680 mg/dl, respectivamente, valores bem superiores aos considerados 225 normais para animais da natureza (Marcon et al., 2000). O resultado desse complemento alimentar se refletiu no peso médio atingido por esses animais, que supera os valores obtidos nas outras fazendas de criação. Entretanto, os níveis de triglicerídeos também indicam que esse procedimento de criação pode induzir as tartarugas a ficarem excessivamente gordas. Naquela oportunidade, foi sugerido ao proprietário da fazenda diminuir a oferta de macaxeira para balancear melhor a quantidade de alimento fornecido aos seus animais. Uma dieta mais equilibrada pode permitir que o animal converta a maior parte dos nutrientes absorvidos e metabolizados em massa muscular (carne) e não em gordura. Por fim, torna-se evidente que o acompanhamento periódico das características do sangue pode se constituir em uma excelente ferramenta, tanto para o diagnóstico do estado de saúde como para o entendimento das necessidades nutricionais dos quelônios criados em cativeiro. Estudos complementares são ainda necessários para que possam ser definidos com maior adequação, critérios e procedimentos de acompanhamento das condições gerais de criação de quelônios no estado do Amazonas. PB e 3.500 kcal de EB/kg, a partir dos 18 meses. Esse resultado é alcançado aumentando-se o nível de energia bruta para 4.500 kcal de EB/kg. A diferença nos resultados apresentados entre as variáveis analisadas talvez indique um crescimento alométrico para esta espécie, conforme sugerido por Vianna, 1999, para P. unifilis, sendo que alguns autores indicam crescimento isométrico para animais de carapaça externa. Pelas controvérsias, são necessários estudos específicos complementares para confirmarem esses parâmetros. Pode indicar também que sejam necessários maiores níveis de energia bruta para o crescimento em comprimento já que com o aumento do nível protéico da dieta ocorre uma redução na energia não protéica disponível. Porém, como os quelônios são vendidos por peso vivo esse resultado é irrelevante, sendo importante considerar os resultados encontrados para peso e ganho diário de peso e, para essas variáveis, o melhor desenvolvimento foi alcançado com rações de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, durante todo o período experimental. Pode ser que as rações com 40% de PB apresentem melhor perfil de aminoácidos essenciais, assim como apresentaram melhores níveis de cálcio e fósforo, permitindo, dessa forma, um maior atendimento das exigências nutricionais. As variáveis ambientais registradas no experimento, a fim de que se pudesse avaliar o efeito da cobertura plástica (estufa) sobre metade dos tanques-rede, foram a temperatura do ar e a temperatura da água. Com relação a essas variáveis, a temperatura da água foi maior nas instalações com cobertura plástica (30,55 1,53 C) se comparada às instalações sem estufa (27,22 0,73 C), assim como a temperatura do ar que, nas instalações com estufa, foi de 33,5 2,98C e nas baias sem estufa foi de 28,82 2,47C. Isso pode ser devido ao fato de que o plástico das estufas tornou-se opaco pelo acúmulo direto de sujeira, o que, de certa forma, impediu a rápida dissipação do calor nas instalações, provocando um efeito estufa. 226 307 Capítulo 7: Instalações para a criação de quelônios Paulo César Machado Andrade João Alfredo da Mota Duarte Francimara Souza da Costa Wander Rodrigues Hugo R. Bezerra Alves Anndson Oliveira Brelaz Figura 4: Ganho diário de peso de tartarugas criadas em tanques-rede com estufa, alimentadas com ração de 20, 30 e 40% de proteína bruta. G a n h o d iá r io d e p e s o d e t a r t a r u g a e m c a t iv e ir o 3 ,5 G D P ( g /d ia ) 3 2 ,5 Na criação comercial de quelônios em cativeiro, as o instalações precisam ser conforme exige o Ibama na Portaria n 142/92, para as fases de reprodução, cria, recria, alimentação e manutenção, para que, ao submeter o animal a um ambiente artificial, com características aproximadas ao habitat natural, se consiga um crescimento satisfatório (Duarte, 1998). As principais instalações para um criatório de quelônios são: 2 1 ,5 1 0 ,5 0 12 16 18 20 22 24 3500 Id a d e ( m e s e s ) 4500 Figura 5: Ganho diário de peso de tartarugas criadas em tanques-rede com estufa, alimentadas com ração de 3.500 e 4.500 kcal/kg. a) Berçário: Instalação onde os filhotes ficaram durante o primeiro ano de vida, recebendo maior proteção contra predadores e uma alimentação que propicie melhor crescimento inicial. Em geral, são feitos de cercas de madeira em barragens, pequenos tanques escavados, tanques em alvenaria ou tanques-rede. Em média, trabalha-se com uma área de 70-150 m2 para 4.000-4.500 filhotes em berçários de cerca de madeira ou tanque escavado, ou de 35 animais/m3 em tanques-rede ou gaiolas (Figuras 1, 2, 3). Em resumo, no comprimento e altura da carapaça, a tendência a um maior crescimento nos primeiros meses de experimento é observada com o fornecimento de ração com 40% de 306 227 Figura 3: Peso de tartarugas em tanques-rede alimentadas com ração de 40% de PB e dois níveis de energia bruta. Figura 1: Modelos de berçários de quelônios na fazenda experimental da Universidade Federal do Amazonas: a) Balsa com berçário em gaiolas flutuantes ou tanques-rede; b) Berçário com cercado de madeira. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.) Figura 2: Berçário com cerca de madeira, cantos arredondados e plataforma de areia como solário. Fazenda Águas Claras, Manacapuru/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.) 228 A Figura 4 compara os níveis de proteína bruta na ração de 3.500 kcal de EB/kg dos animais confinados nos tanques-rede com cobertura plástica. Os resultados sugerem que a ração de 40% de PB proporciona uma resposta de maior ganho diário de peso em relação aos níveis de 20 e 30% de PB, durante todo o período experimental, sendo que essa diferença não foi significativa ao nível de P<0,05. A Figura 5 demonstra o ganho diário de peso (g/dia) de animais alimentados com ração de 40% de PB e dois níveis de energia bruta (3.500 e 4.500 kcal de EB/kg) confinados em baias com estufa. Pode-se observar que o nível de 3.500 de energia bruta promove um maior ganho diário de peso a partir dos 16 meses de idade. Resultados semelhantes foram encontrados por Oliveira (2000), inferindo que tartarugas criadas em gaiolas flutuantes apresentaram maior desenvolvimento com rações de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, avaliadas no primeiro ano de vida. 305 A Figura 2 demonstra o peso dos animais aos 24 meses de idade, alimentados com três níveis de proteína bruta em rações de 3.500 kcal de EB/kg, e a figura 3 compara os dois níveis de energia de acordo com o tipo de baia. O efeito das baias cobertas e sem cobertura não foi significativo ao nível de P<0,05. Porém, pode-se observar que animais alojados em baias cobertas (CE) possuem peso superior aos animais instalados em baias sem cobertura (SE), assim como aqueles alimentados com rações de 40% de PB superam em peso os animais alimentados com 20 e 30% de PB. O nível de energia que teve tendência a proporcionar melhor resposta de crescimento foi o de 3.500 kcal de EB/kg. Figura 3: Berçário tipo gaiola em lagos naturais. Macuricanã, Nhamundá/AM. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.) Peso de tartaruga em diferentes instalações 1600 1400 Peso (g) 1200 1000 800 CE 600 SE 400 200 0 20 30 40 b) Tanque ou barragem de crescimento: Instalação para onde os animais são transferidos após a saída do berçário. Em geral, são tanques escavados ou barragens, onde os quelônios têm maior espaço disponível para deslocamentos, permitindo um melhor desempenho. Essa instalação serve para animais de 12 a 36 meses, 2 e em geral trabalha-se com cerca de 1 animal/m , sendo, entretanto, 2 possível, trabalharmos intensivamente com até 20 animais/m no segundo ano (Figura 4). Proteína bruta (% ) Figura 2: Peso(g) de tartarugas criadas em tanques-rede alimentadas com ração de 3.500 kcal de EB/kg. Figura 4: Tanques de crescimento e barragem como área de reprodução com praia artificial. Novo Israel, Manaus/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.) 304 229 c) Tanque ou barragem de reprodução: Esta instalação destina-se aos reprodutores e matrizes, selecionados entre animais acima de 4 anos ou 7 kg de peso vivo, no caso das tartarugas, e 4 anos ou acima de 3 kg, no caso dos tracajás. Trabalha-se com uma 2 densidade de um animal para cada 2,5 m , preferencialmente, em barragens de um hectare ou grandes tanques escavados (acima de 2 1.000 m ). Em uma de suas margens deverá ser construída uma praia artificial com areia fina ou média, com no mínimo um metro de altura acima do nível d'água (Figura 5). Tabela 4: Efeito do tipo de instalação e níveis de PB (%)/EB (kcal/kg) na ração, sobre o peso (g) de Podocnemis expansa em tanques-rede. Idade (mês) 10 (T0) 12 16 18 20 22 24 Figura 5: Tanque circular de reprodução de quelônios em alvenaria. CPPQA, Balbina/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.). Outras instalações poderão ser construídas, como berçários para animais com dois anos, tanques de engorda para animais acima de três anos, que ainda não atingiram peso de abate, etc. Quanto mais divididos forem os lotes, preferencialmente, por classe de tamanho ou peso, menor a competição e mais uniformemente os animais terão acesso ao manejo e alimentação oferecidos. Todas as instalações deverão ser cercadas com cercas de madeira, tela de alambrado ou mureta de alvenaria, com, no 230 T I C E S E C E S E C E S E C E S E C E S E C E S E 20/ 3.500 320,05 ± 0,6 465,41 ± 1,2 380,72 ± 2,4 548,25 ± 2,0 470,00 ± 7,3 641,53 ± 5,0 525,85 ± 1,8 701,00 ± 2,5 576,87 ± 2,6 770,78 ± 1,6 708,57 ± 2,1 1.124,4 0 ± 3,8 1.046,3 0 ± 2,8 30/ 3.500 320,05 ± 0,6 488,87 ± 2,9 401,00 ± 2,2 568,75 ± 1,4 481,25 ± 4,0 648,41 ± 1,2 548,16 ± 5,0 736,81 ± 9,6 648,41 ± 1,0 1.051,3 0 ± 1,2 940,50 ± 2,0 1.378,2 0 ± 1,0 1.305,0 0 ± 3,8 40/ 3.500 320,05 ± 0,6 539,33 ± 1,9 433,33 ± 3,6 685,00 ± 1,3 502,61 ± 1,2 748,75 ± 2,6 587,77 ± 2,0 1.217,3 0 ± 3,3 773,03 ± 1,9 1.350,0 0 ± 2,1 1.055,0 0 ± 2,5 1.542,4 0 ± 3,5 1.435,0 0 ± 3,2 20/ 4.500 320,05 ± 0,6 453,02 ± 2,8 348,50 ± 3,8 457,77 ± 2,6 421,60 ± 1,0 483,88 ± 1,5 595,00 ± 3,8 600,00 ± 2,1 561,11 ± 1,8 778,33 ± 6,9 625,55 ± 1,7 1.116,4 0 ± 2,2 872,50 ± 1,3 30/ 4.500 320,05 ± 0,6 483,50 ± 8,2 377,50 ± 2,8 525,93 ± 6,8 507,85 ± 7,4 579,12 ± 1,3 523,75 ± 5,7 762,54 ± 3,5 619,86 ± 1,2 978,68 ± 4,6 970,58 ± 2,0 1.296,9 0 ± 6,7 1.136,3 0 ± 1,8 40/ 4.500 320,05 ± 0,6 525,93 ± 9,1 422,97 ± 7,1 564,64 ± 4,1 526,33 ± 1,3 701,25 ± 4,5 602,66 ± 7,1 773,67 ± 9,4 732,22 ± 8,2 1.262,7 0 ± 1,3 1.007,0 0 ± 1,5 1.496,7 0 ± 4,8 1.373,6 0 ± 2,1 *TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica). Analisando-se os dados de peso (Tabela 4), também não foi encontrada diferença significativa ao nível de P<0,05. Pôde-se observar, porém, que durante todo o período experimental animais alimentados com rações de 3.500 kcal de EB/kg, tendem a superar em desenvolvimento aqueles alimentados com rações de 4.500 kcal de EB/kg, sendo que a maior média foi alcançada com o fornecimento de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg. Em todos os tratamentos, o maior peso e ganho diário de peso foram alcançados com animais alimentados com rações de 40% de PB. 303 Quanto ao comprimento da carapaça (Tabela 3), não houve diferença significativa ao nível de P<0,05, do efeito dos níveis de PB e EB testados, tanto para os tratamentos com animais confinados em instalações com cobertura plástica (CE), quanto para os confinados em instalações sem cobertura (SE). Porém, observa-se que dos 12 aos 18 meses de idade, ocorre uma tendência à obtenção de maior crescimento em valores médios, com o fornecimento de ração com 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg para as duas instalações testadas. A partir dos 18 meses de idade, até o final do experimento, obteve-se tendência para maiores valores de comprimento da carapaça, aumentando-se o teor de energia bruta para 4.500 kcal de EB/kg, em rações de 40% de PB. mínimo, 60 cm de altura e com cantos arredondados. Este tipo de estrutura evitará a fuga de animais (principalmente tracajás), quando de eventuais problemas de secagem acidental dos tanques e barragens (Figura 8). Nos berçários, é recomendável que se coloque uma estrutura de proteção para evitar predadores aéreos (gaviões, garças, socós, etc.). Isso pode ser feito com redes de pesca, tela tipo sombrite ou fios de náilon esticados (Figuras 6 e 7). Para a variável altura da carapaça também não foi observada diferença significativa ao nível de P<0,05, do efeito dos níveis de PB e EB testados para nenhuma das instalações. Observa-se, porém, que aos 12 meses de idade a maior altura foi obtida nos animais alimentados com rações de 40% de PB e 3.500 kcal de EB/kg, tanto para aqueles alojados em instalações com cobertura, quanto aos alojados em instalações sem cobertura. Dos 16 aos 24 meses de idade, observa-se que há tendência à obtenção de maior desenvolvimento, com o aumento do teor de energia bruta associado ao maior nível de proteína bruta (40% de PB e 4.500 kcal de EB/kg). Figura 6: a) Berçário com cerca de madeira em barragem; b) Detalhe do sistema de fios de náilon para proteger contra predadores aéreos. Vide praia de reprodução ao fundo. Fazenda do sr. Chico Lima/Manacapuru-AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.). 302 231 Tabela 3: Efeito dos níveis de PB (%)/EB (kcal de EB/kg) sobre o comprimento da carapaça (cm) de tartaruga (P. expansa), em tanques-rede. Idade (mês) TI CE SE 16 CE SE Figura 7: Berçário de alvenaria redondo e com proteção contra predadores, feita com rede de pesca. Piraruacá, Terra Santa/PA. Foto: Projeto Pé-de-Pincha (Andrade, P.C.M.). 18 CE SE 20 CE SE 22 CE SE 24 CE SE Figura 8: Detalhe de cerca de madeira em barragem com quelônios. Eirunepé/AM. Foto: RAN-AM (Duarte, J.A.M.). 30/ 40/ 3.500 3.500 3.500 10 (T0) 12 20/ 20/ 4.500 30/ 40/ 4.500 4.500 13,27 ± 2,0 13,27 ± 2,0 13,27 ± 2,0 13,27 ± 2,0 13,27 ± 2,0 13,27 ± 2,0 14,53 ± 1,5 15,02 ± 1,4 16,27 ± 2,2 15,08 ± 2,3 14,96 ± 1,6 15,54 ± 1,7 13,73 ± 2,3 14,62 ± 1,6 14,89 ± 2,0 14,16 ± 1,1 14,23 ± 1,3 14,56 ± 1,3 15,48 ± 0,5 15,80 ± 1,2 16,35 ± 1,2 15,85 ± 1,0 15,16 ± 1,4 15,85 ± 1,7 15,35 ± 1,2 15,56 ± 0,7 15,69 ± 1,0 14,86 ± 1,1 15,00 ± 1,0 15,67 ± 0,5 15,71 ± 1,3 16,43 ± 1,7 17,63 ± 1,8 15,69 ± 0,7 17,05 ± 1,4 17,05 ± 1,1 15,55 ± 1,4 16,03 ± 0,6 16,44 ± 1,2 15,26 ± 0,4 15,70 ± 1,1 16,06 ± 1,5 17,79 ± 1,8 18,08 ± 1,6 18,65 ± 1,8 18,03 ± 0,8 18,18 ± 2,0 19,17 ± 1,2 16,29 ± 1,7 17,35 ± 1,0 17,67 ± 0,8 16,84 ± 1,1 17,13 ± 1,2 18,27 ± 1,3 18,33 ± 1,3 19,78 ± 1,8 20,97 ± 2,8 18,46 ± 1,3 19,72 ± 1,6 21,41 ± 1,3 18,21 ± 1,7 19,17 ± 1,3 20,69 ± 1,5 17,49 ± 1,6 18,06 ± 1,7 21,19 ± 0,9 21,29 ± 2,4 21,57 ± 2,0 21,93 ± 2,0 21,31 ± 1,1 21,69 ± 0,6 22,06 ± 2,3 20,22 ± 3,6 21,12 ± 2,1 21,45 ± 2,0 20,64 ± 1,5 21,19 ± 1,1 21,76 ± 1,1 *TI: Tipo de instalação; CE: em estufa (com cobertura plástica); SE: sem estufa (sem cobertura plástica). 232 301 As rações foram fornecidas na forma de péletes, por promover maior facilidade no momento da apreensão. Proporciona também maior estabilidade na água e maior agregação dos ingredientes, já que o fornecimento da ração farelada promove grande perda de alimento, pois os animais ao se alimentarem ficam com a ração aderida ao corpo (Vianna, 2000). A seguir, temos uma pequena revisão sobre dados de instalações para quelônios e, posteriormente, apresentamos os resultados de estudos realizados em instalações para queloniocultura no Amazonas. 5.1. Instalações para quelônios: uma pequena revisão Espriella (1972) indica algumas condições para a criação em cativeiro, como a renovação de água (oxigenação); tamanho da fonte de água, que deve ser adequado para fomentar a espécie, pois cada tartaruga necessita, em função do manejo, de um espaço vital de 2 m³ de água (2.000 litros) onde a água deve fluir tranqüilamente; a elevação do nível da água não deve comprometer a barragem, com profundidade de 1,0 m a 2,20 m; deve-se dispor de bosques, dentro da área, com o objetivo de manter a presença de insetos ou outros organismos úteis que possam fazer parte da alimentação; a localização da praia de desova deve ser para o oriente, porque ao nascer, os filhotes caminham nesse sentido até a submersão, e a área de praia necessária para cada tartaruga é de 1m² numa profundidade de 80 cm, com areia retirada de rio. Figura 1: Produção da ração experimental. Setor avicultura da FCA/Ufam, Manaus. A areia da praia de desova não pode ser úmida (poços d'água), pois a desova poderia ocorrer em terra firme, “compacta”. A disponibilidade de plantas variadas através de cultivo ou não para complementar a alimentação é muito importante. A ração deve variar para permitir um maior crescimento corporal e produção de ovos. O tamanho da área física, recomendado por Morlock (1979) para o funcionamento do cativeiro é de 1 m² para cada 1 cm de casco de tartaruga. Sendo o proposto pelo Sebrae (1995), uma área de 2 1.250 m para 5.000 filhotes, de 1 kg cada animal, aproximadamente, no período de adaptação. 300 233 O Cenaqua (1994) e o Ibama-AM recomendam por 1 ha de lâmina d'água 4.500 e 4.000 indivíduos, respectivamente. A princípio, para o investimento físico, é necessário o levantamento topográfico da área escolhida, demarcação para limpeza e construção de barragem. Na limpeza é importante que sejam retirados troncos que correspondam a 20% da área a ser inundada para a captura e nos 80% restante, corta-se rente ao solo (Espriella, 1973; Sebrae, 1995). Para Espriella (1972) e o Sebrae (1995), praias de desova devem margear o criatório e possuir 250 m2, aproximadamente. O uso de cercas, caso haja necessidade, deve ser feita após a construção com mourões distanciados a cada 2,0 m. A profundidade do mourão e da estaca deve ser de 30 cm, a uma altura de 1,5 m e no caso da superfície da água deve estar a 1m acima da superfície para evitar a entrada de animais indesejáveis ou a saída das tartarugas do berçário ou represa. Por isso, não é recomendado construir porta comum e, quando for o caso, o tipo guilhotina seria o indicado, incluindo também rampa para acesso dos animais, cultivos de plantas para ampliar/diversificar a alimentação dos quelônios. Alfinito, Viana & Silva (1976) enfatizam a importância do berçário de tartarugas, na qual os animais confinados desenvolvem-se satisfatoriamente, não sendo registrado perda superior a 1%. Recomenda-se a construção de berçário para diminuir ou evitar o índice de mortalidade, nos primeiros meses de vida, dada às adaptações naturais biológicas, com solário e comedouro submerso, sendo o primeiro com 10 m x 8 m, comprimento e largura, respectivamente, a uma profundidade de 1 m, ou menor, 234 Tabela 2 - Nutrientes e ingredientes da ração experimental. Ingredien tes (%) 20/3.500 30/3.500 40/3.500 20/4.500 Milho F. soja F. carne F. trigo F. osso Calcário Sal Óleo Premix vit. Mineral Total 63,81 23,40 6,25 5,00 0,50 0,50 0,30 0,25 37,03 48,66 7,76 5,00 0,50 0,50 0,30 0,25 12,936 71,388 9,126 5,00 0,50 0,50 0,30 0,25 63,81 23,40 6,25 5,00 0,50 0,50 0,30 5,8L 0,25 100Kg 100Kg 100 Kg 100Kg Nutrientes (%) 100Kg 100Kg 20,19 30,74 40,01 20,08 30,52 40,25 3.524 3.513 3.535 4.546 4.537 4.523 4,56 7,63 12,25 4,25 1,81 5,25 7,98 12,90 4,28 1,69 6,34 8,47 11,98 4,44 1,87 4,98 7,85 12,11 4,32 1,78 5,70 6,86 7,46 8,54 12,56 11,87 4,12 4,56 1,79 1,98 Proteína Bruta Energia Bruta EE Fibra Cinzas Cálcio Fósforo 30/4.500 40/4.500 37,03 48,66 7,76 5,00 0,50 0,50 0,30 5,8L 0,25 12,936 71,388 9,126 5,00 0,50 0,50 0,30 5,8L 0,25 *PB(%)/EB(kcal/kg) Delineamento experimental e análise dos resultados Os resultados de crescimento foram obtidos através de biometria bimestrais. Todos os animais eram medidos e pesados. Os dados foram tabulados em planilha eletrônica Excel e submetidos à análise estatística no programa SPSS for Windows 8.0. Os dados foram tabulados por espécie, por nível de proteína e energia testados, e por tipo de instalação a que foram submetidos os animais. As variáveis analisadas foram comprimento da carapaça (cm), altura da carapaça (cm), peso (g), ganho diário de peso (g/dia) e rendimento de carcaça (%). Os tratamentos foram organizados em um delineamento experimental inteiramente casualizado. Os resultados foram submetidos à análise de variância (Anova) e as comparações foram realizadas através do teste t. O nível de significância utilizado em todos os testes estatísticos foi de P < 0,05. 299 Para a análise da variação de temperatura nas baias, foram utilizadas medidas de temperatura da água e do ar. A temperatura ambiente foi medida por meio de um par de psicômetros, um de bulbo seco e um de bulbo úmido, instalados dentro da baia. As leituras foram feitas de 10:00h às 16:00h, em intervalos de uma hora. De 0 aos 10 meses de idade, as tartarugas e tracajás foram alimentados com uma ração constituída de 60% da ração comercial Nutripescado e 40% da ração comercial Nutritruta. Os ingredientes dessas duas rações são: farinha de peixe, milho, farelo de soja, farelo de trigo, farinha de sangue, carbonato de Ca, sal, premix vitamínico e mineral. A Tabela 1 apresenta os nutrientes desta ração. Neste período, os animais estavam depositados num tanque escavado de 120 m2, numa densidade de 9 animais/m2. Tabela 1: Nutrientes da ração fornecida aos animais de 0 a 10 meses de idade. Nutrientes Umidade (%) Proteína bruta (%) Energia bruta (kcal/kg) Extrato etéreo (%) Fibra bruta (%) Extrato não nitrogenado (%) Matéria mineral (%) Ca (%) P (%) % 13,0 32,33 3.432,80 3,66 7,0 46,01 11,00 2,50 0,7 A alimentação dos animais durante o período experimental (10 a 24 meses), foi uma ração fabricada na Universidade Federal do Amazonas, com três níveis de proteína bruta (20, 30 e 40% de PB) e dois níveis de energia bruta (3.500 e 4.500 kcal de EB/kg). A Tabela 2 apresenta os nutrientes desta ração. podendo essas medidas variar segundo as circunstâncias de disponibilidade, características técnica e econômica do material encontrado no local, desde que não comprometam o crescimento do animal, podendo ser coberto com tela de arame ou fio de náilon, a fim de evitar o ataque de predadores avícolas silvestres. O solário e a rampa de alimentação devem ter lâmina d'água para diminuir o consumo de água de reposição no reservatório, controle de alimentação e realizar a higienização diária (Alfinito, 1980). Pela qualidade da água amazônica, em termos de sais dissolvidos, ser pouco produtiva e com certa acidez, sendo causado por fatores geológicos ou pelo índice pluviométrico, deve haver a possibilidade de renovação para que a taxa de oxigênio dissolvido esteja acima de 9,0 ppm (Sebrae, 1995). Sobretudo o período após a alimentação dos quelônios, para o Sebrae (1995), é extremamente essencial porque esses animais necessitam de flutuadores (natural ou artificial) para, através da sua exposição aos raios solares, acelerar seu metabolismo e a digestão, após a alimentação em cativeiro. Na barragem, o escoamento controlador do nível d'água deve ser feito através de gravidade em direção do monge e sangradouro, telados. Para facilitar a captura dos animais, a caixa de coleta deve ser de 10% da área inundada com 0,75 m de profundidade. Após o esvaziamento deve ser feita a calagem com calcário dolomítico, em função da análise química d'água, com solo úmido, sem nenhuma tartaruga, e após 7 dias, a barragem deverá ser enchida e os animais colocados depois de 15 dias de espera (Sebrae,1995). Observações realizadas no Núcleo de Criação de Quelônios em Cativeiro, na Fazenda Vale do Sol, em Goiás, demonstraram que 298 235 a baixa temperatura ambiente é um fator que causa a morte em tartarugas jovens em cativeiro. Como conseqüência do frio, os filhotes podem desenvolver um quadro de pneumonia, evidenciado por sintomas como perda do apetite, presença de uma membrana esbranquiçada cobrindo o globo ocular, secreção nasal com obstrução das vias respiratórias, insuficiência respiratória caracterizada pelo comportamento atípico dos animais, que permanecem boiando com o corpo em posição inclinada, e mortalidade (Ferreira, 1994). Isso indica que em locais com períodos mais frios, além dos solários, os berçários podem receber cobertura plástica para propiciar temperaturas maiores e mais constantes. Para a criação de tartarugas é necessário que haja alguns cuidados, principalmente em áreas adaptáveis ao seu habitat natural como: a água deve ser renovável; o viveiro deve ser fertilizado para que ocorra uma reprodução de microplâncton, útil ao equilíbrio ecológico do açude; é necessária a construção de tanques de engorda e crescimento inicial (Duarte, 1998). Os criadouros comerciais de quelônios, instalados em represa ou açudes, deverão apresentar sistema que permita seu completo esvaziamento. Os criadouros instalados em braços de lagos devem prever sistemas de captura dos animais através de cercados ou redes, mediante condicionamento alimentar (Duarte, 1998). Para a criação comercial de quelônios em cativeiro, sugere-se a construção de um tanque e de um lago de barragem. Os lagos deverão ter 10.000 m2, destinando-se aos últimos 36 meses de engorda, de onde sairão 4.500 tartarugas adultas, pesando, no mínimo, 25 kg a unidade (Sebrae, 1995). Para implementar um criatório de quelônios, é necessário 236 proteína e energia na dieta, são indicadas entre 20 e 40%, porém, é necessário diminuir essa faixa visando minimizar os custos do produtor com ração. O objetivo deste trabalho foi estudar o efeito de diferentes níveis de proteína e energia bruta em dietas artificiais no desenvolvimento de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e tracajá (Podocnemis unifilis). Avaliar a influência de tipos de instalações no desenvolvimento: tanques-rede com e sem cobertura plástica e tanque escavado. Localização: Esse experimento teve duração de 14 meses e foi conduzido na Fazenda Experimental da Universidade Federal do Amazonas, localizada na BR-174, Km 37, Manaus/AM. Animais: Foram utilizadas 270 tartarugas (Podocnemis expansa) com comprimento médio inicial de 13,27 ± 2,0cm e peso médio inicial de 320,05 ± 0,6g e 270 tracajás (Podocnemis unifilis), com comprimento médio inicial de 9,58 ± 0,8cm e peso médio inicial de 120,40 ± 1,5g, avaliados de 10 a 24 meses de idade, provenientes da Reserva Biológica de Abufari, município de Tapauá/AM. A densidade de estocagem era de 15 indivíduos/ m2. Instalações: Em um tanque escavado de 120m2 de espelho d'água, foram depositadas quatro balsas de madeira de 9m2, cada uma com quatro flutuadores (camburões metálicos). Cada balsa estava dividida em 9 baias de 1,0m2 x 0,6m de profundidade, num sistema de gaiolas tanques-rede flutuantes, sendo que do total de 36 baias, metade foi coberta com plástico transparente para simular o efeito de uma estufa (com estufa), e a outra metade estava sem cobertura plástica (sem estufa). Cada baia possuía uma área para banho de sol, e as baias sem cobertura foram teladas para evitar o ataque de possíveis predadores. 297 sementes e frutos, e os machos, talos. Os exemplares menores consomem proporcionalmente mais produto de origem animal do que os maiores, ainda que em baixa proporção do volume total. Mudanças na dieta de jovens e adultos são comuns nos quelônios. Em geral, espécies onívoras tendem a ser carnívoras quando jovens e herbívoras quando adultas. Lima (1998) avaliou o efeito de dietas contendo diferentes fontes de proteína na matéria seca (100% vegetal; 75% vegetal e 25% animal; 50% vegetal e 50% animal; 25% vegetal e 75% animal; e 100% animal), como alimentação de filhotes de P. expansa em cativeiro, pós-eclosão até 12 meses de idade, e observou que a ração com 50% de proteína animal e 50% vegetal foi a que proporcionou maior ganho de peso, 512,79% ± 12,48g, e melhor homeostase. A principal dificuldade enfrentada pela queloniocultura é a questão alimentar. Pouco se conhece sobre as reais exigências nutricionais da tartaruga. Estudos têm indicado que 90% da alimentação da tartaruga, em condições naturais, são compostas de vegetais. O item alimentar mais utilizado na criação de tartaruga tem-se constituído de ração para peixes, com níveis protéicos variando de 28% a 30% de proteína bruta e é considerado o melhor alimento disponível no mercado (RAN, 2001). Duarte et al., 1998, ao fazer um diagnóstico da queloniocultura no estado do Amazonas, verificaram que tartarugas alimentadas com ração para peixes superaram em crescimento àquelas alimentadas com produtos de origem animal e vegetal, tendo com este último produto, o pior desenvolvimento dos animais. Apesar de apresentar boas qualidades zootécnicas, poucos são os conhecimentos tecnológicos disponíveis para o cultivo intensivo de quelônios, havendo a necessidade de mais pesquisas para que se viabilize sua produção em larga escala. As exigências nutricionais elementares para quelônios, como as concentrações de 296 dispor de uma área adequada que contenha igarapé com uma lâmina de água não inferior a 1,0 ha (Duarte, 1998). Os investimentos físicos para a implantação de um criatório de tartaruga consistem em atividades da construção civil como: seleção e demarcação da área, cuidado com a qualidade da água, limpeza da área, praia de desova, cerca de proteção, sistema de escoamento, monges, sangradouros, barragens, tanque de filhotes e local de captura (Sebrae, 1995). 5.2 Instalações para quelônios no Amazonas: Etapa I: diagnóstico da criação de quelônios no estado do Amazonas Através do projeto Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Amazonas, a Universidade Federal do Amazonas e o Ibama realizaram o levantamento dos principais tipos de instalações de quelônios utilizadas no Amazonas. 5.2.1 Localização do diagnóstico As propriedades visitadas, bimestralmente, foram os criadouros registrados no Ibama-AM apresentados na Tabela 1. 5.2.2 Procedência dos animais Os filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa) foram doados pelo Ibama-AM ao(s) queloniocultor(es), mediante a aprovação do projeto para a criação comercial, sendo os animais provenientes, inicialmente, da Reserva Biológica do Abufari (Lat. S 0451' – 0530' e Long. W 6247' a 6322'; Criada pelo Decreto Federal nº 87.585 de 20/9/1982) no município de Tapauá (Lat. S 0545' e Long. W 6424') e depois nos tabuleiros de Sororoca, Rio Branco, Roraima e Walter Buri, Rio Juruá, Itamarati. Tabela 1: Criadouros de tartaruga (Podocnemis expansa) do estado do Amazonas analisados e total de animais recebidos do Ibama até 2000. 237 Propriedade Manoel Neuzimar Pinheiro - Sítio Vida Tropical Carlos A. de Souza José V. dos S. Lima Águas Claras Piscicultura Ltda. Agropecuária Exata Ltda. Francisco de S. Campos Antônio B. Penha Manoel Neuzimar Francisco O. Jordão - Agropecuária Punã Ltda. Pedro de Q. Sampaio - Agropecuária PEC Ltda. José da S. Vasconcelos Ocimar Lopes – Aq. Sypiri Arlindo Apolinário Pereira Ufam Ivan Menezes – Fazenda D. Diego José Itamar da Silva José Bastos de Oliveira Stênio Lima da Silva Total (unidades) Animais recebidos 1.000 835 1.300 3.000 22.100 15.000 8.000 1.000 19.433 25.000 5000 2.000 3.000 1.200 2.000 4.000 4.000 5.000 122.868 5.2.3 Material para captura, biometria e pesagem dos animais Para a captura e biometria dos animais foram utilizados puçá, rede de pesca (tipo tarrafa ou malhadeira), paquímetros metálicos, plásticos e/ou de madeira, caçapas plásticas, trena, coletor plástico para amostras, máquina fotográfica, etiquetas de identificação, ficha de biometria de quelônios, prancheta, lápis, borracha, papel-lenço, balanças com capacidade respectiva de 1,610 kg (graduação de 1g), 2,610 kg (graduação de 1g), 15 kg (graduação de 5 g) e 50 kg (graduação de 100 g). Foram realizadas biometrias e pesagens amostrais em 100 animais de cada criadouro, bimestralmente. 238 Capítulo 9: Desenvolvimento de tartaruga-daamazônia (P. expansa) e tracajá (P. unifilis) em cativeiro, alimentados com dietas artificiais em diferentes instalações Francimara Sousa da Costa Paulo Henrique Guimarães de Oliveira Augusto Shynia Abe Paulo César Machado Andrade Pedro Macedo da Costa Pouco se conhece sobre a nutrição adequada dos quelônios em cativeiro na fase de pós-eclosão até um ano de idade (Souza, 1984). A importância de estudos morfológicos para as diversas áreas de pesquisas em quelônios pode ser ressaltada através de alguns exemplos, como o fato do comprimento do intestino ser, na maioria dos casos, proporcionalmente maior em animais herbívoros quando comparado aos carnívoros. Em estudos realizados por Terán (1998), com animais de vida livre, observou-se que não houve variação sazonal na alimentação entre machos e fêmeas de P. unifilis. Sementes e frutos foram mais consumidos por fêmeas, e talos, por machos. Houve aumento no consumo de sementes e frutos em função do tamanho, sendo que o volume de peixe consumido diminuiu com o tamanho do animal. Também foi observada a influência da alimentação consumida em função do tipo de habitat. Sementes e frutos foram consumidos na floresta inundada do que nos lagos e no rio. Apesar de machos e fêmeas de P. unifilis serem herbívoros, existem diferenças na alimentação entre os sexos. As fêmeas consomem principalmente 295 aquáticos cultivados. Animais alimentados com rações com farelo de arroz não tiveram bom crescimento. Luz et al. (1993) compararam rações com 20 e 25% de proteína bruta na alimentação de filhotes recém-eclodidos de tracajás (P. unifilis), cultivados com uma densidade de 25 3 animais/m , obtendo, ao final de 8 meses, animais com mais de 120 mm de comprimento de carapaça e de 200 a 280 g de peso, sendo que houve uma tendência para que animais alimentados com ração com 25% de PB tivessem melhor desempenho. As rações utilizadas tinham os seguintes ingredientes: a) Ração com 20% de proteína e 4,71% de fibra: 38% de milho, 28,45% de farelo de soja, 18,55% de farelo de trigo, 5% de talo e folha de mandioca, 1,5% de fosfato bicálcico, 8% de calcário calcítico, 0,5% de premix. Figura 9: Captura para biometria de quelônios. Fazenda Chico Lima, Manacapuru/AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.) 5.2.4 Metodologia do diagnóstico b) Ração com 25% de proteína e 4,8% de fibra: 29,6% de milho, 43,9% de farelo de soja, 11,5% de farelo de trigo, 5% de talo e folha de mandioca, 1,5% de fosfato bicálcico, 8% de calcário calcítico e 0,5% de premix. Conclusão A alimentação representa entre 60 a 80% dos custos de produção de tartarugas e tracajás cultivados. Enquanto não estão totalmente definidas as exigências nutricionais por espécie e categorias de idade e sexo, cada criador deverá buscar utilizar aqueles alimentos que já foram testados e que apresentam melhores efeitos no desempenho dos quelônios e, certamente, um menor custo, a fim de baratear sua produção. 294 Foram realizadas visitas bimestrais aos criadouros licenciados pelo Ibama, no estado do Amazonas, onde foram aplicados questionários para caracterizar os criadores através de informações sobre questões referentes à qualidade da água, tipos e dimensões de instalações, densidade de cultivo, etc. Para a coleta dos dados, foi feita uma amostragem de 100 animais em cada criadouro. Eles foram medidos e pesados (biometria) bimestralmente. Após a biometria os animais eram submersos em solução antifúngica em bacias plásticas de tamanho apropriado para evitar quaisquer possíveis problemas fúngicos. Posteriormente, eles eram soltos nos berçários. Cada animal foi medido linearmente, com paquímetro. As variáveis mensuradas foram comprimento e largura da carapaça e 239 do plastrão, altura e peso. Sistematicamente, na carapaça, mediuse o comprimento entre a união dos dois primeiros escudos/placas laterais. Até os dois últimos e para a largura adotou-se como referência a união dos sextos e sétimos escudos laterais. No plastrão, o comprimento foi realizado na parte externa do escudo/placa intergular, até o final da sutura médio-ventral, e a largura mediu-se pelo centro dos escudos abdominais, coincidindo com o sexto e sétimo escudos laterais. A altura, envolvendo a carapaça e o plastrão, foi medida com paquímetro inserido verticalmente na união do quinto e sexto escudos laterais (ou marginais), na parte superior da carapaça e inferior do plastrão. 5.2.5 Resultados e discussões O tamanho das propriedades variou de 9 até mais de 5.000 hectares (ha). Sendo a maioria entre 9 –35 ha, com média de 22 18,38 ha (Figura 10). As represas variaram de 0,1 a 6,0 ha, embora a maioria estivesse entre 1 e 2 ha (Figura 11). A área dos berçários foi, em maioria, de 30 m2 até mais de 1.000 m2 (Figura 14 a, b e c). A maior parte dos criadouros possui a densidade no berçário entre 0,5 e 5 indivíduos/ m2 (Figuras 12, 13 e 15). T3: ração basal + 1.200 ml de óleo de soja = R$ 99,028 T4: ração basal = R$ 85,29 T5: ração basal + 600 ml de óleo de soja = R$ 92,1615 T6: ração basal + 1.200 ml de óleo de soja = R$ 99,028 A receita líquida foi calculada baseando-se na venda dos animais ao preço de R$13,00/kg de peso vivo. Através dos resultados pode-se observar que o custo total de ração foi de R$ 552,959, a renda bruta (peso médio/tratamento x 13,00) foi de R$ 4.985,166 e a receita líquida total foi de R$ 4.432,207. Isso vem demonstrar que é extremamente viável a criação de tartaruga utilizando como alimentação ração disponível no mercado, para peixes em crescimento, mesmo sem incluir nos custos os gastos com mão-de-obra e instalações. Muitos criadores vêm testando formulações diversas de rações balanceadas. Na Tabela 11 apresentamos a variação percentual dos ingredientes em algumas rações testadas. Tabela 11: Variação percentual de ingredientes de rações testadas por alguns queloniocultores do Amazonas e Rondônia. Ingredientes Farelo de soja Milho Farinha de carne Farinha de peixe Fosfato bicálcico Farelo de arroz Sal Premix mineral/vitamínico B.H.T.(antioxidante) Óleo de soja Valor máximo utilizado (%) 54,1 49,1 12,0 23,0 2,0 10,0 0,5 0,4 Valor mínimo utilizado (%) 31,0 29,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,4 0,03 4,0 0,03 0,0 **- Premix para peixes carnívoros (truta). As rações com farinha de peixe e óleo vegetal (mais proteína e energia) tiveram melhores efeitos sobre o desempenho de quelônios 240 293 Com base nos resultados destes experimentos, podemos concluir que filhotes de tartaruga criados em instalações com cobertura plástica (efeito estufa), com uma ração com 4.500 kcal de 2 EB/kg, na densidade de 25 animais/m (tanques-rede) ou 40 2 animais/m (berçário circular de madeira) podem alcançar um melhor desempenho. 7.2.3 Análise econômica O experimento teve duração de 422 dias, onde foi fornecida, no total, a quantidade de 21 sacos de ração de peixe (saco de 25 kg) para alimentar 360 animais. A análise econômica do experimento foi baseada nos gastos com a ração fornecida para alimentação dos animais e o óleo de soja que era adicionado de acordo com cada tratamento, sendo um total de seis tratamentos. Nos dois primeiros meses de condução do experimento, com animais de idade entre 3 e 5 meses, foi fornecido inicialmente um total de 21,12 kg de ração, por tratamento. Nos dois últimos meses, a quantidade de ração fornecida foi de 40,04 kg, quando os animais estavam com idade de 22 meses. Cada saco de ração custou R$ 22,50, portanto, o gasto inicial por tratamento foi de R$ 19,01, com total de R$ 114,048 e o final de R$ 36,036, com total de R$ 216,216. Esses cálculos foram baseados na quantidade de fornecimento diário de ração, por tratamento, nos dois primeiros meses (inicial) e dois últimos meses (final). Figura 10: Tamanho das propriedades (Duarte, 1998). O peso médio final dos animais, por tratamento, foi de: T1:10.23,75 g ; T2: 9.33,33 g; T3: 1.168 g; T4: 9.55,83 g; T5: 1.292,5 g e T6: 1.017,5 g. O custo total de ração mais óleo de soja adicionado, nos 16 meses de condução do experimento foi: Figura 11: Tamanho das represas (Duarte, 1998). T1: ração basal = R$ 85,29 T2: ração basal + 600 ml de óleo de soja = R$ 92,1615 292 241 Efeitos do nível de energia na ração sobre o ganho diário de peso (g/dia) de tartaruga (P. expansa ) criadas em cativeiro GDP (g/dia) 2,5 2 1,5 1 0,5 3500 0 6 8 13 16 Idade (meses) Figura 12: Densidades de cultivo utilizadas pelos criadores do Amazonas (Duarte, 1998). 4000 4500 Figura 9: Efeitos do nível de energia bruta na ração sobre o ganho diário de peso (g/dia) de tartaruga (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999). A Tabela 10 apresenta as interações entre o nível de energia bruta na ração e o tipo de instalação, sendo que elas não afetaram significativamente o ganho de peso de filhotes de tartaruga. Tabela 10: Efeitos do tipo de instalação e nível de energia bruta sobre o ganho médio diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (P. expansa), aos 16 meses de idade. (Costa, 1999) Instalação/ 3.500 kcal 4.000 kcal 4.500 kcal Nível de de EB/kg de EB/kg de EB/kg energia bruta 1,35±0,4 1,81±0,5 1,427±0,39 Estufa 1,1±0,4 1,14±0,4 1,276±0,28 Ar livre 1,22±0,4 1,099±0,42 1,328±0,335 Médias Médias 1,254±0,43 1,176±0,36 Figura 13: Número médio de animais, por criadouro, no Amazonas (Duarte, 1998). 242 291 Tabela 8: Efeitos do tipo de instalação e do nível de energia bruta sobre o ganho médio diário de peso (GDP) de filhotes de tartaruga (P. expansa) (Costa, 1999). Instalação 3.500 kcal /nível de de EB/kg Energia Estufa 0,88±0,60 Ar livre 0,65±0,47 Médias 0,77 4.000 kcal de EB/kg 0,98±0,41 0,89±0,59 0,93 4.500 kcal de Médias EB/kg 0,88±0,41 1,02±0,20 0,95 0,91 0,85 Observa-se uma tendência linear de que tartarugas até os sete meses alimentadas com rações com maior nível de energia bruta apresentem maior ganho de peso (GDP3.500= 0,77 g/dia; GDP4.000=0,93 g/dia e GDP4.500=0,95 g/dia). Não foi aplicada a regressão linear para analisar o comportamento dos dados visto que a Anova resultou não significativa. 2 Figura 14 a:Berçário de filhotes de Podocnemis expansa com 30 m . Fazenda Águas Claras/Manacapuru-AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.). Observa-se, também, para animais dos 7 aos 16 meses, uma tendência de que ao serem alimentados com rações com maior nível de energia bruta apresentem maior ganho de peso (GDP3.500= 1,217 g/dia; GDP4.000=1,099 g/dia e GDP4.500=1,328 g/dia), conforme pode-se observar na Tabela 9 e Figura 11. Não foi aplicada a regressão linear para analisar o comportamento dos dados visto que a Anova resultou não significativa. Tabela 9: Efeito do nível de energia na ração sobre o ganho diário de peso de tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999). Nível de energia (kcal de EB/kg) / idade 3.500 4.000 4.500 290 6 meses 8 meses 13 meses 16 meses 0,288 0,401 0,534 1,102 0,945 1,205 2,263 1,869 2,242 1,217 1,099 1,328 Figura 14 b: Berçário de filhotes de Podocnemis expansa com área superior a 1.000 m². Fazenda Exata, Manacapuru-AM. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.). 243 Tabela 6: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre a variação do peso (g) de filhotes de tartaruga (Costa, 1999). Tratamen to/idade T1 T2 T3 T4 T5 T6 3 meses 5 meses 32,12 33,19 33,04 32,48 32,97 31,82 40,73 40,52 43,22 40,6 40,54 42,9 8 meses 13 meses 256,63 241,99 245,45 220,26 224,47 254,44 617,07 619,68 620,44 577,75 549,55 639,28 16 meses 855,46 947,01 751,1 731,72 724,87 855,07 * T1: CE x 3.500 kcal de EB/kg; T2: CE x 4.000 kcal de EB/kg; T3: CE x 4.500 kcal de EB/kg; T4: SE x 3.500 kcal de EB/kg; T5: SE x 4.000 kcal de EB/kg; T6: SE x 4.500 kcal de EB/kg; SE: instalações sem cobertura plástica; CE: instalações com cobertura plástica. Figura 14 c: Equipe da Ufam/Ibama no diagnóstico dos criadouros de quelônios no Amazonas. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.). 5.3 Instalações para quelônios no Amazonas: Etapa II: experimento sobre os efeitos de três tipos de instalações sobre o desempenho de filhotes de tartaruga (P. expansa) criados em cativeiro O experimento foi realizado em área de terra firme na fazenda experimental da Universidade do Amazonas, localizada no Km 38 da BR-174, Manaus-Boa Vista. 5.3.1 Instalações utilizadas e metodologia Baias experimentais: Os filhotes utilizados no experimento foram alojados em um berçário tipo tanque-rede colocado em um 2 tanque escavado de 400 m de espelho d'água, na Fazenda Experimental, conforme demonstra a Figura 15. O berçário tipo tanque-rede se constitui em duas balsas de madeira de 2,40m x 1,80m, com dois flutuadores (camburões metálicos de 200 litros). Cada balsa está dividida em 18 baias de 0,9m x 0,9m, sendo que 244 Tabela 7: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre o ganho diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (Costa, 1999). Tratamen to/idade T1 T2 T3 T4 T5 3 meses 5 meses 8 meses 13 meses 16 meses 0,696 0,758 0,727 0,737 0,666 0,770 0,295 0,450 0,461 0,578 1,466 1,066 1,209 0,823 0,825 2,263 1,672 2,372 2,262 2,067 1,335 1,116 1,311 1,100 1,082 T6 0,740 0,592 1,202 2,479 1,346 *-Mesmos tratamentos citados anteriormente nas Tabelas 5 e 6. As variáveis comprimento, largura e altura da carapaça, peso e ganho médio diário de peso não apresentaram diferenças significativas, ao nível de 5%, pelo teste F e teste t do LSMEANS, tanto para o fator densidade, como tipo de instalação e nível de energia. 289 O experimento conduzido na fazenda experimental sobre o nível de energia na ração, durou 422 dias, sendo iniciado com filhotes de tartaruga da Rebio Abufari, Tapauá/AM, com 3 meses de idade e peso médio de 45,66 3,63 g. A temperatura da água medida nas instalações ao ar livre foi de 31,05 0,81C e, em berçário com estufa de 30,52 0,90C. A temperatura do ar foi nas instalações com estufa era igual a 33,5C, e nas sem estufa de 31,82C. A umidade relativa do ar maior em instalações com estufa, 76,25%, do que nas instalações ao ar livre, 69,90%. cada baia possui uma área para o banho de sol, uma abertura para água, devidamente telada, com aproximadamente 0,9 m de profundidade. As baias foram recobertas, sendo 50% cobertas com telas de fio de náilon, para evitar ataque de predadores. As outras baias foram cobertas com plástico para simular o efeito de uma estufa, mantendo a temperatura mais elevada e constante. Foram utilizadas as 3 seguintes densidades de estocagem: 30, 20 e 10 animais/m . Em anexo, apresentamos o croqui das baias experimentais. As Tabelas 5, 6 e 7 apresentam os resultados encontrados para algumas das variáveis analisadas nesse experimento (comprimento e largura de carapaça, comprimento e largura de plastrão, altura, peso e ganho diário de peso). Tabela 5: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre a variação no comprimento da carapaça (mm) de filhotes de tartaruga (Costa, 1999). Tratamen to/idade T1 T2 T3 T4 T5 T6 3 meses 5 meses 8 meses 82,61 82,59 82,75 83,11 83,14 79,67 102,42 110,35 108,87 110,36 107,34 107,29 127,18 124,23 125,6 118,28 120,53 125,51 13 meses 166,20 167,34 173,22 161,45 162,25 174,9 16 meses 207,91 207,12 181,57 165,96 178,97 193,76 * T1: CE x 3.500 kcal de EB/kg; T2: CE x 4.000 kcal de EB/kg; T3: CE x 4.500 kcal de EB/kg; T4: SE x 3.500 kcal de EB/kg; T5: SE x 4.000 kcal de EB/kg; T6: SE x 4.500 kcal de EB/kg; SE: instalações sem cobertura plástica; CE: instalações com cobertura plástica. 288 Figura 15: Baias experimentais destinadas a filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa), Fazenda Experimental-Ufam, Manaus. Foto: Projeto Diagnóstico (Andrade, P.C.M.). O berçário destinado aos outros filhotes de tartaruga, provenientes de Abufari, foi um curral de estacas de madeira (berçário convencional) de 16 m2 situado no mesmo tanque escavado de 400 m2 de espelho d'água, dentro da fazenda. O berçário encontra-se recoberto por tela para evitar o ataque de possíveis predadores, bem como possui pequenas balsas que permitem aos 245 filhotes a exposição ao sol. Os animais foram medidos com paquímetros e pesados em balança mecânica de prato, com capacidade para 1.610g e precisão de 1g. Para medir a temperatura da água foram utilizados termômetros de imersão. A temperatura do ar bem como a umidade relativa foi obtida através de psicrômetro. Neste experimento foram avaliados os efeitos de três tipos de instalações (com e sem estufa em tanques-redes berçário), três densidades (12, 25 e 37 indivíduos/m2) e três níveis de energia bruta (3.500, 4.000 e 4.500 kcal/kg) em ração utilizada na alimentação, sobre o desempenho de filhotes de tartarugas (Podocnemis expansa) em cativeiro. Os resultados sobre densidade de cultivo e nutrição são apresentados em capítulos posteriores relativos ao tema. Foram medidos os seguintes parâmetros: comprimento e largura da carapaça, comprimento e largura do plastrão, altura, peso, ganho diário de peso e conversão alimentar. Os tratamentos foram distribuídos em um delineamento inteiramente casualizado, com esquema fatorial 3x2x3, sendo 2 consideradas três densidades (12, 25 e 37 indivíduos/m ), três instalações (com e sem estufa e berçário) e três níveis de energia bruta em rações (3.500, 4.000 e 4.500 kcal de EB/kg). Foi considerada como parcela a densidade e como subparcelas as instalações e os níveis de energia da ração. Foram tomadas medidas repetidas ao longo do tempo, sendo cada período de medição considerado uma repetição. As variáveis foram analisadas pelo programa SAS, através da análise com aplicação da Anova e LSMEANS (teste t). Os animais da balsa (tanque-rede) foram comparados com os animais do berçário através do teste t do LSMEANS. 246 Para a alimentação dos animais foi utilizada ração experimental com três níveis de energia (3.500, 4.000 e 4.500 kcal de Energia Bruta/kg), conforme a Tabela 4: Tabela 4: Nutrientes e ingredientes da ração experimental utilizada como alimento para os animais do experimento. Nutrientes Umidade (%) Proteína bruta (%) Energia bruta (kcal/ kg) Extrato etéreo (%) Fibra bruta (%) Extrato não nitrogenado (%) Matéria mineral (%) Ca (%) P (%) Ingredientes Ração Basal* Óleo de soja (ml/100 kg) EB3.500 13 38,75 EB4.000 13 38,75 EB4.500 13 38,75 3.629 3.985 4.302 3.432,8 3,33 8,8 13,68 3,66 7 7 7 7 40,94 35,47 30,59 46,01 9,98 9,98 9,98 11 3,84 0,83 3,84 0,83 3,84 0,83 2,5 0,7 1 0 1 6.000 Berçário 13 32,33 1 12.000 2 0 * Ração Basal 1: Composta de 67,10% da ração comercial com 42% de proteína e 32,89% de ração com 30% de PB; Ração Basal 2: composta de 66,66% de ração com 42% de PB e 33,33% de ração com 30% de PB. Os ingredientes dessas rações são os seguintes: farinha de peixe, milho, farelo de soja, farelo de trigo, farinha de sangue, carbonato de Ca, sal, premix mineral e vitamínico. Os filhotes utilizados no experimento, foram alojados nas baias experimentais e, diariamente, foram alimentados. A alimentação era fornecida mediante a deposição da ração dentro das baias, no horário de 9:00h às 10:00h da manhã, numa quantidade de 5% do peso vivo dos animais. 287 Amazonas, localizada no Km 38 da BR-174, Manaus-Boa Vista, experimento para determinar as exigências energéticas de filhotes de tartaruga até os 16 meses. Neste experimento foram utilizados 360 filhotes de tartaruga (Podocnemis expansa), com 3 meses de idade. Esses animais foram obtidos no Ibama/AM e são oriundos da Reserva Biológica de Abufari, localizada no município de Tapauá/AM, tinham, ao nascer, peso médio de 23,1 ± 3,07g, e foram alojados em baias em balsas tipo tanques-rede. Outros filhotes de mesma origem foram alojados em um berçário circular de 16 m2, feito curral de estacas de madeira. Os filhotes foram alojados em berçário tipo tanque-rede colocado em um tanque escavado de 400 m2 de espelho d'água. Esse berçário foi constituído de duas balsas de madeira de 2,40m x 1,80m, com dois flutuadores (camburões metálicos). Cada balsa foi dividida em 18 baias de 0,9m x 0,9m, sendo que cada baia possuía uma área para o banho de sol, uma abertura para água devidamente telada, com aproximadamente 0,9 m de profundidade. Os tratamentos foram distribuídos em um delineamento inteiramente casualizado, com esquema fatorial 3x2x3, sendo considerados três densidades (12, 25 e 37 indivíduos/m2), 3 instalações (com e sem estufa e berçário) e 3 níveis de energia bruta em rações (3.500, 4.000 e 4.500 kcal de EB/kg). O experimento teve duração de 422 dias. No início, os animais foram separados e devidamente marcados, com esmalte e picos no casco, indicando o seu número e o correspondente tratamento, para não haver mistura entre as baias. Os tratamentos ficaram divididos de acordo com alimentação, instalação e densidade. Concomitantemente à biometria, foram tomadas as medidas de temperatura da água e do ar e umidade relativa referente a cada baia. Essas medidas serviram para se ter uma idéia das condições de temperatura e umidade às quais os animais estavam submetidos. 5.3.2 Resultados obtidos com os filhotes de tartaruga dos 3 aos 7 meses O experimento conduzido na fazenda experimental sobre densidade, tipo de instalação e nível de energia na ração durou, em sua primeira fase, 153 dias, sendo iniciado com filhotes de tartaruga provenientes da Rebio Abufari, Tapauá/AM, com 3 meses de idade e peso médio de 45,66 3,63 g. Além do experimento nos tanques-rede foram acompanhados, também, 353 animais de diferentes populações (Abufari, Rio Branco e Uatumã) colocados no berçário circular de estacas de madeira com, aproximadamente, 16 m2 de área e 1 m de profundidade (Figura 1), na densidade de 22 animais/m2. As variáveis ambientais registradas para avaliar o efeito da cobertura plástica (estufa) sobre metade dos tanques-rede foram a temperatura do ar, a temperatura da água e a umidade do ar. Com relação a essas variáveis foi observado que a temperatura da água foi maior nas instalações ao ar livre (31,05 0,81C) do que nas instalações com estufa (30,52 0,90C). Já, a temperatura do ar, foi maior nas instalações com estufa (33,5C) do que nas sem estufa (31,82C). Isso pode ser devido ao fato de que o 286 247 plástico das estufas tornou-se opaco pelo acúmulo direto de sujeira, o que, de certa forma, impediu a entrada total dos raios solares, funcionando como uma espécie de sombreamento. Contudo, da mesma forma que impediu a total irradiação solar, a estufa impediu a rápida dissipação do calor nas instalações, o que foi verificado através de uma menor variação de temperatura, dentro das instalações, com uma menor amplitude térmica entre dia e noite, e ao longo do dia, como pode ser observado na Figura 15. A umidade relativa do ar foi maior nas instalações com estufa, 76,25%, do que nas ao ar livre, 69,90%. o C Temperatura da água nos tanques-redes ao longo do dia 33 32 31 30 29 28 27 ar livre estufa 10 11 12 13 14 15 16 horas com base em 3% da biomassa, passando a 1% da biomassa a partir do quarto ano de cultivo. Lembrar que se desejar manter uma alimentação 100% baseada em ração diminuirá o tempo de produção, pois o animal crescerá mais rápido, o que acaba por reduzir custos com mão-de-obra, equipamentos e instalações. 7.2 Exigências nutricionais Além do horário de fornecimento, do tipo, da forma e da quantidade de alimento fornecida, é de fundamental importância para as criações de quelônios conhecer suas exigências nutricionais específicas e por categoria de idade. A determinação dos níveis de energia, proteína, cálcio, fósforo e demais minerais e vitaminas para atender a demanda de filhotes, jovens e adultos reprodutores de tartarugas e tracajás em cultivos comerciais, ainda é uma incógnita. Alguns experimentos foram conduzidos para determinação, principalmente, das exigências protéicas (origem e níveis). Contudo, ainda faltam muitas pesquisas para que possamos chegar a uma tabela de exigências nutricionais para as diferentes espécies (P. expansa, P. unifilis e P. sextuberculata) e diferentes categorias de quelônios aquáticos cultivados na Amazônia. 7.2.1 Energia bruta o Figura 16: Variação da temperatura ( C) ao longo do dia nos tanques-rede do experimento (Costa & Andrade, 1999). A quantidade de alimento ingerida por um animal é em função direta de sua necessidade energética, por isso, primeiramente, devemos pensar no atendimento das exigências de energia dos quelônios. No próximo capítulo, trataremos das necessidades protéicas e suas inter-relações com a energia. Através do Projeto Diagnóstico/PTU-CNPq foi realizado em área de terra firme na Fazenda Experimental da Universidade do 248 285 Para animais pequenos e mesmo os adultos, a alimentação na superfície da água é mais difícil de ser realizada, exigindo maior esforço dos animais. Os alimentos devem afundar rapidamente e não ser jogados a lanço, o que causa um maior desperdício. Pequenos cochos de madeira colocados no fundo, em uma das margens do berçário ou barragem, ou cochos suspensos que possam ser afundados ou suspendidos através de fios e roldanas, também são interessantes. Uma simples rampa de madeira em que se coloque o alimento próximo à margem permitirá visualizar melhor os animais e evitar o estrago dos alimentos. Evitar fornecer alimentos contaminados por fungos ou estragados, pois poderão causar doenças no plantel. c) Alimentação inicial dos filhotes de quelônios: ao receber os animais do Ibama, sugerimos que na primeira semana, forneça fígado bovino moído ou gema de ovo cozida, misturada com pó de casca de ovo, na proporção de 1 g por filhote. Essa alimentação servirá para estimular o quelônio a comer e poderá servir para condicioná-lo a comer em cochos ou rampas. Quando os filhotes estiverem acostumados a comer, fornecer ração balanceada para peixe, em alevinagem, com o menor tamanho de pellet disponível e que afunde rapidamente, com cerca de 30-36% PB e 4.000-4.500 kcal de EB/kg. Essa ração deverá compor 100% da dieta nos 6 primeiros meses, posteriormente, poderá ser substituída por 30% de subprodutos de origem animal e/ou 30% de subprodutos de origem vegetal. Nesse período, o cálculo da quantidade de alimento é feito com base em 5% do peso da biomassa. d) Acima dos 12 meses: a ração é fornecida suplementarmente e trabalha-se com uma ração de crescimento (com 25-30% de PB). Para baratear custos, pode-se ir cortando gradativamente o fornecimento de ração até que ela represente apenas 10% da quantidade diária fornecida. A partir dessa fase, o fornecimento é 284 A Tabela 2 e as Figuras 17 e 18 apresentam os resultados encontrados para algumas das variáveis analisadas neste experimento (comprimento e largura de carapaça, comprimento e largura de plastrão, altura, peso e ganho diário de peso). Tabela 2: Efeito do tipo de instalação sobre o comprimento e altura da carapaça (mm) de filhotes de tartaruga (P. expansa) de 4 a 7 meses (Costa &Andrade, 1999). Tratamento\ idade 4 meses 5 meses 6 meses 7 meses Comprimento da carapaça (mm) Tanque-rede sem 82,7±0,1 99,2±1,8 107,2±4,2 109,8±4,3 cobertura plástica Tanque-rede com 82,0±2,0 101,2±1,9 108,3±1,8 115,9±2,9 cobertura plástica (estufa) Altura da Carapaça (mm) Tanque-rede sem 32,8±0,6 40,8±0,9 41,5±1,5 43,5±1,2 cobertura plástica Tanque-rede com 32,4±0,6 41,2±0,9 41,3±1,3 44,9±0,3 cobertura plástica (estufa) As variáveis comprimento e largura de carapaça, altura, peso e ganho médio diário de peso não apresentaram diferenças significativas, ao nível de 5%, pelo teste F e teste t do LSMEANS, para o fator tipo de instalação (análise do SAS). Todavia, conforme é possível verificar nas Tabelas 2, 3 e 4, existe uma tendência para que animais criados em estufa apresentem maior desenvolvimento (GDP=0,91 g/dia) do que aqueles que foram criados ao ar livre. Isso é, provavelmente, relacionado a uma maior estabilidade da temperatura e à conservação do calor no ambiente, por mais tempo, permitindo um taxa metabólica mais regular, visto que o metabolismo destes animais é influenciado pela temperatura externa (ectotérmicos). 249 250 200 150 100 50 0 Comprimento da carapaça ( mm ) 10 20 30 sest3500 sest4000 sest4500 cest3500 cest4000 cest4500 Tratamentos Comprimento da carapaça (mm ) g ra m a s EfeitosdadensidadeXenergiabrutaXtipodeinstalaçãosobreopesofinal(g) 250 Peixe 200 Vísceras 150 Peixe + puerária 100 50 0 0 Figura 17: Efeitos da densidade e do nível de energia bruta nas rações sobre o peso, aos 7 meses, de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa &Andrade, 1999). **-Tanques-rede sem cobertura plástica (alimentados com T1=3.500 kcal de EB; T2=4.000 kcal de EB; T3=4.500 kcal de EB); Tanques-rede com cobertura plástica–estufa, (alimentados com T1=3500 kcal de EB; T2=4000 kcal de EB;T3=4500 kcal de EB. 4 6 8 10 12 15 17 19 21 23 25 Restos de Feira (verdura) Ração Idade ( m eses) Figura 8: Efeito do tipo de alimentação no crescimento de comprimento de carapaça (mm) de tartarugas (Podocnemis expansa) criadas em cativeiro no estado do Amazonas (Costa & Andrade, 1999). gramas Peso(g) X niveis de energia bruta X tipo de instalação PROGRAMA DE MANEJO ALIMENTAR 250 200 150 100 50 0 T1 T2 T3 T4 T5 Recomenda-se ao queloniocultor que, sempre que possível, para reduzir custos e utilizar subprodutos originados em sua propriedade ou de fácil aquisição nas proximidades, seguir o seguinte programa: T6 4 5 6 7 a) Horário de arraçoamento: uma vez ao dia, às 10:00h, ou duas vezes ao dia, às 9:00h e às 15:00h. idade (meses) Figura 18: Efeitos do tipo de instalação e do nível de energia bruta nas rações sobre o peso, aos 7 meses, de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999). 250 b) Forma de fornecimento da alimentação: preferencialmente, deve-se fornecer os alimentos sempre em um mesmo local. Esse condicionamento alimentar facilitará, posteriormente, a captura dos animais para atividades de rotina como biometria ou despesca. 283 na revisão do início deste capítulo. A ração de peixe balanceada peletizada, como base alimentar, vem proporcionando um bom desempenho dos animais, talvez por conter os níveis nutricionais aproximados dos valores necessários para quelônios, dando ao animal os ingredientes essenciais para um bom crescimento. A Tabela 3 apresenta uma comparação de médias de ganho diário de peso (g/dia) relacionado ao tipo de alimento fornecido no primeiro e segundo ano de vida. Tabela 3: Médias de ganho diário de peso (g/dia) – GDP, em relação ao tipo de alimento fornecido no primeiro e segundo ano de vida para filhotes de tartaruga (P. expansa) (Costa & Andrade, 1999). Tipo de alimento 1o ano GDP 2o ano (g/dia) (g/dia) Peixe Ração (30% PB) Peixe + puerária Restos de feira (verdura) Vísceras bovinas 0,304 ± 0,29 0,769 ± 0,71 0,296 ± 0,35 0,121 ± 0,17 0,30 ± 0,43 1,315 ± 1,04 1,061 ± 1,26 1,071 ± 1,3 1,199 ± 1,27 1,818 ± 0,97 GDP Tabela 3: Efeitos do tipo de instalação e do nível de energia bruta sobre o ganho médio diário de peso (GDP) de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa & Andrade, 1999). Instalação 3.500 kcal /nível de de EB/kg Energia Bruta 0,88±0,60 Estufa Ar livre 0,65±0,47 0,77 Médias 4.000 kcal de EB/kg 4.500 kcal de EB/kg Médias 0,98±0,41 0,89±0,59 0,93 0,88±0,41 1,02±0,20 0,95 0,91 0,85 Com relação aos animais do berçário, nos sete primeiros meses de vida eles apresentaram maior ganho de peso do que os animais dos tanques-rede (1,52 0,79 g/dia contra 0,88 0,13 g/dia). Tabela 4: Efeitos do tipo de instalação e da densidade sobre o ganho médio diário de peso (GDP) de filhotes de tartaruga (P. expansa). (Costa &Andrade, 1999). Instalação /densidad e Estufa Ar livre Médias 25 12 animais/ animais/m2 m2 0,91±0,44 1,04±0,46 0,86±0,44 0,85±0,38 0,88 0,94 37 animais/m2 Médias 0,79±0,39 0,91±0,28 0,85 0,91 0,87 5.3.3 Recomendação para berçário de filhotes de quelônios nos primeiros 7 meses de vida: a) Com base nos resultados deste experimento podemos concluir que filhotes de tartaruga criados em tanques-rede com cobertura plástica, simulando um efeito estufa, na densidade de 25 animais/m2 podem alcançar um melhor desempenho. b) Animais criados em berçários circulares de madeira apresentam maior desenvolvimento do que os criados intensivamente em tanques-rede. 282 251 c) A densidade e o tipo de alimento fornecido aos quelônios são fatores limitantes. Um grande número de animais numa pequena área diminui a taxa de crescimento e o ganho de peso. Nos primeiros anos, o crescimento é melhor com o fornecimento de alimentos à base de proteína animal. A densidade que propicia um 2 maior desenvolvimento é a de 65-80 animais/m em berçário tipo curral com estacas de madeira. De acordo com o observado no diagnóstico, pode-se constatar que os jovens de tartaruga, até 24 meses, alimentados com vísceras bovinas (GDP=0,3 g/dia) e peixe (GDP=0,421 g/dia), que são alimentos à base de proteína animal, continuam apresentando tendência a um melhor crescimento e ganho de peso em relação aos demais tipos de alimentos fornecidos, sendo que as vísceras bovinas(GDP= 1,818 g/dia) superam o peixe (GDP=1,168 g/dia) em ganho de peso, no segundo ano. d) A espécie que obtém melhor ganho de peso nos primeiros anos é o tracajá (Podocnemis unifilis). A utilização de ração peletizada para peixes tem demonstrado promover bom crescimento. Apesar dessa ração não ser balanceada para quelônios, apresenta muitos nutrientes essenciais para o crescimento e engorda de tartarugas. Em geral, utiliza-se a ração tipo alevinagem (mais protéica – 36 a 42%PB – e com pellet menor) para filhotes, no primeiro ano de vida, e a ração para crescimento para animais com mais de 12 meses. 5.3.4 Resultados obtidos com os filhotes de tartaruga dos 8 aos 16 meses As Tabelas 5, 6, 7 e 8 e a Figura 19 apresentam os resultados encontrados para algumas das variáveis analisadas neste experimento (comprimento e largura de carapaça, comprimento e largura de plastrão, altura, peso e ganho diário de peso). Tabela 5: Efeitos dos níveis de energia bruta e tipo de instalação sobre a variação no comprimento da carapaça (mm), peso (g) e ganho de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga – P. expansa.. (Costa, 1999). T r a t a m e n to / id a d e 8 m eses 1 3 m eses C o m p r im e n t o d e c a r a p a ç a (m m ) T a n q u e -re d e s e m 1 2 5 ,7 ± 1 , 1 6 8 ,9 ± 3 ,8 c o b e r t u r a p lá s t ic a 5 T a n q u e -re d e c o m 1 2 1 ,4 ± 3 , 1 6 6 ,2 ± 7 ,5 c o b e r t u r a p lá s t ic a (e s t u fa ) 7 P e s o (g ) T a n q u e -re d e s e m 2 4 8 ,0 ± 7 , 6 1 9 ,1 ± 1 ,8 c o b e r t u r a p lá s t ic a 7 T a n q u e -re d e c o m 2 3 3 ,1 ± 1 8 5 8 8 ,9 ± 4 5 , c o b e r t u r a p lá s t ic a (e s t u fa ) ,6 9 G a n h o d iá r io d e p e s o (g / d ia ) T a n q u e -re d e s e m 1 ,2 ± 0 ,2 2 ,1 ± 0 ,4 c o b e r t u r a p lá s t ic a T a n q u e -re d e c o m 1 ,0 ± 0 ,2 2 ,3 ± 0 ,2 c o b e r t u r a p lá s t ic a (e s t u fa ) 252 1 6 m eses 1 9 8 ,9 ± 1 5 1 7 9 ,6 ± 1 3 , 9 8 5 1 ,2 ± 9 8 7 7 0 ,6 ± 7 3 , 3 1 ,3 ± 0 ,1 1 ,2 ± 0 ,1 Os animais que recebem peixe + puerária também crescem de forma razoável. No caso dos criatórios analisados, observou-se que em determinado ponto os animais têm um ganho de peso compensatório, pois inicialmente os animais recebiam muita puerária e depois passaram a aumentar a quantidade de fornecimento de peixe em relação à puerária. Animais alimentados à base de verdura (proteína vegetal) demonstraram menor ganho diário de peso (0,211 g/dia) em relação aos outros tipos de alimentos. Esses fatos podem ser observados na Figura 8 que demonstra uma comparação entre os criadores distribuídos de acordo com o tipo de alimentação que fornecem, entre eles: vísceras bovinas, peixe, restos de feira (principalmente verduras e tubérculos), ração e peixe + puerária. O fato de o alimento à base de proteína animal demonstrar melhor crescimento pode estar ligado, como já mencionamos, à digestibilidade das proteínas, sabendo-se que nos primeiros anos de vida os quelônios fazem melhor digestão de proteínas de origem animal. É importante, porém, ressaltar novamente que não se deve privar os animais de alimentos à base de proteína vegetal, pois possuem fibra, minerais e vitaminas (principalmente carotenóides) essenciais para um melhor desenvolvimento. Nesse caso, pode-se optar por produtos ou subprodutos baratos ou disponíveis na propriedade. Próximo à criação, recomenda-se plantar algumas das espécies vegetais de melhor palatabilidade e valor nutritivo, citadas 281 As variáveis comprimento, largura e altura da carapaça, peso e ganho médio diário de peso para tartarugas dos 8 aos 16 meses, também não apresentaram diferenças significativas, ao nível de 5%, pelo teste F e teste t do LSMEANS, tanto para o fator densidade, como tipo de instalação e nível de energia. Todavia, conforme é possível observar-se na Tabela 6 e na Figura 19, existe uma tendência para que esses animais criados em estufa apresentem maior desenvolvimento (GDP=1,215 g/dia) do que aqueles que foram criados ao ar livre. Tabela 6: Efeito do tipo de instalação sobre o ganho diário de peso de tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro (Costa, 1999). 7.1.2 Alimentação na recria (12 a 24 meses) O tipo de alimento fornecido aos quelônios pode ser um fator limitante para a produção comercial. Como reflexo do acompanhamento bimestral, iniciado em 1997, e das orientações técnicas dadas pelos pesquisadores da Ufam e do Ibama-AM, durante essas visitas, houve uma modificação no tipo de alimentação fornecida pelos queloniocultores do Amazonas, a partir de 1999, quando registramos que entre eles 10% passaram a utilizar ração para peixe, pelo menos no primeiro ano de vida ou suplementarmente a outra alimentação fornecida. Buscando maior crescimento dos filhotes, 40% passaram a alimentar suas tartarugas com peixe, 10% com vísceras e 20% forneceram uma proporção de 60-70% de peixe e 30-40% de puerária. Apenas 20% mantiveram a dieta baseada em folhas, verduras, tubérculos e frutas, obtidas em restos de feiras e mercados (Costa & Andrade, 1999). 280 3 GDP (g/dia) Figura 6: Tartarugas (P.expansa) com crescimento diferenciado em função do tipo de alimento. Animais à esquerda do paquímetro têm 12 meses: o de cima foi alimentado com vísceras bovinas, o do meio com pescado e o de baixo com 70% de puerária e 30% de pescado; à direita, animal de 24 meses alimentado com puerária (Duarte, 1998). Tipo de 6 m eses instala ção /idade Com 0,455 estufa Sem 0,385 estufa 8 m eses 13 m eses 16 m eses 1,679 2,391 1,254 0,485 2,269 1,176 Efeitos do tipo de instalação sobre o ganho diário de peso de tartarugas (P. expansa ) criadas em cativeiro 2,5 2 1,5 1 0,5 0 6 8 13 Idade (meses) 16 CE SE Figura 19: Efeitos do tipo de instalação (CE=com estufa e SE=sem estufa) sobre o ganho diário de peso (g/dia) de tartarugas (P. expansa) criadas em cativeiro. (Costa, 1999). 253 Não houve diferença significativa em crescimento e ganho de peso relacionando-se animais alojados em berçário circular de madeira e animais alojados em baias tipo tanque-rede, porém, através da Tabela 7 observa-se que há uma tendência para que animais alojados em baias tipo tanque-rede obtenham um melhor desempenho na idade de 8 a 16 meses. Tabela 7: Crescimento de filhotes de tartaruga (P. expansa) de acordo com o tipo de instalação. (Costa,1999). V a riá v e is/ In sta la ç ã o C o m p rim e n to da c a ra p a ç a (m m ) A ltu ra da c a ra p a ç a (m m ) P e so (g ) B a lsa (T a n q u e - B e rç á rio c irc u la r d e re d e ) m a d e ira 1 8 6 ,7 7 ± 1 5 ,9 2 1 6 7 ,8 5 ± 2 1 ,3 6 6 9 ,7 6 ± 5 ,8 4 8 1 0 ,8 7 1 4 1 ,8 0 G anho d iá rio 1 ,2 1 8 ± 0 ,6 5 d e p e so (g / d ia ) 6 1 ,7 1 ± 7 ,2 2 ± 7 5 4 ,7 1 ± 2 0 2 ,3 8 D en sid ad e cu ltivo de Variáveis GDP médio (g) GDP mínimo (g) GDP máximo (g) GDP do PV (% ) Proteína animal 0,554 ± 0,13 0,257 ± 0,17 1,22 ± 0,62 0,402 ± 0,09 Proteína vegetal 0,375 ± 0,31 0,02 ± 0,03 0,489 ± 0,27 0,476 ± 0,34 Essa diferença de crescimento entre animais alimentados com matéria de origem animal e vegetal também está ligada ao nível protéico dos alimentos, muito superior nos de origem animal, como o pescado utilizado (branquinha – Curimata spp.) com teores de proteína (19,2 ± 2,545 g/100g), lipídio (15,95 ±0,636 g/100g), quando comparado ao teor de proteína dos alimentos de origem vegetal, como por exemplo, a batata-doce (Ipomoea batatas Lam.) (0,94 g/100g) e o cará-roxo (1,24 g/100g) (Aguiar, 1996). 1 ,2 0 0 ± 0 ,8 7 Tabela 8: Efeitos do tipo de instalação e densidade de cultivo sobre o ganho médio diário de peso (g/dia) de filhotes de tartaruga (P. expansa), aos 16 meses de idade (Costa, 1999). In stalação/ Tabela 2: Ganho diário de peso (GDP) de tartaruga (P. expansa) sob diferentes dietas – Relatórios Ibama (Duarte, 1998). 12 25 37 an im ais/ an im ais/ an im ais/ m2 m2 m2 M éd ias E stu fa 1,2±0,6 1,2±0,4 1,3±0,4 1,2±0,5 A r livre 1,1±0,5 1,2±0,2 1,1±0,2 1.2±0,3 M éd ias 1,2±0,5 1,2±0,3 1,2±0,3 A Figura 6 ilustra bem essa tendência quando compara filhotes de tartaruga, em que o animal de maior tamanho corporal recebeu pescado, o médio, acima, recebeu vísceras bovinas e o menor (abaixo do maior) recebeu proteína vegetal, todos com um ano de idade. O lado direito do paquímetro é um animal de dois anos alimentado com proteína vegetal. 5.3.5 Recomendações sobre instalações para filhotes até os 16 meses: Com relação aos animais de 8 a 16 meses, há uma tendência para que sejam alojados em baias tipo tanque-rede com estufa para obter um melhor desempenho. 254 279 Ganho diário de peso (g) X tipo de alimentação gramas 2 visc.bov. 1,5 pescado 1 pueraria+pesc 0,5 rest.feira 0 4 6 8 10 12 14 16 idade (meses) Figura 5: Ganho diário de peso em tartarugas (P. expansa), sob diferentes tipos de alimentação (Duarte, 1998). A análise dos dados coletados no diagnóstico, comparada com os dados de biometria apresentado nos processos dos demais criadores, nos permite observar que existe, realmente, uma tendência de que animais alimentados com maior quantidade de proteína animal apresentem maior ganho de peso do que aqueles alimentados com proteína de origem vegetal, embora não haja diferença estatística significativa pelo teste F. A Tabela 2 apresenta esses resultados. Isso se deve, provavelmente, não só a uma menor digestibilidade de alimentos de origem vegetal, para as tartarugas de um ano, como também devido a uma menor disponibilidade de aminoácidos essenciais, de maior importância para quelônios em crescimento, como a lisina. Animais alimentados com peixe apresentaram desempenho superior àqueles alimentados com vísceras e sangue coagulado. 278 5.3.6 Criação em gaiolas ou tanques-rede em ambientes naturais (lagos, rios) Para tartarugas em vida livre Hernandez (1999) estimou que animais que foram soltos com um ano de idade, pesando 358,30 g e medindo 90,2 mm de comprimento de carapaça, chegavam aos quatro anos com peso vivo de 4 kg. Andrade et al. (2001) observou que crescimento em vida livre de tracajás (P. unifilis), ao final de um ano, variava conforme a água e o ambiente que se encontravam. Em águas pretas, atingiam aos 12 meses um peso médio de 87 a 103 g, com ganho diário de peso de 0,25 g/dia. Em águas barrentas, atingiam um peso bem superior, de 108 a 125 g, com ganhos de peso de 0,3 g/dia. Em tanques-rede de ambientes artificiais como barragens ou tanques escavados, tartarugas atingem ao final de 12 meses peso médio de 810,9 g (máximo=1.400g), em densidades de até 37 animais/m3, com ganho diário de peso (GDP) de 1,23 g/dia (Costa, 1999). Andrade et al. (2001) em estudo realizado com tracajás criados em tanques-rede, em lagos de várzea ou margens de rio, a uma densidade de 22 animais/m3, estimou o peso médio final variando de 350 a 700 g, com ganho diário de peso de 3,8 g/dia, até os três meses de vida. Em 2002, foi realizado um estudo com modelos de gaiola ou tanques-rede, à venda no mercado de Manaus, para a criação de peixes. Foram montadas duas unidades demonstrativas, uma no lago do Puraquequara e outra no rio Preto da Eva. Filhotes de P. expansa foram alojados na densidade de 30 animais/m3 e alimentados com ração para peixe com 36% de PB, 3.800 kcal de EB/kg e sangue bovino coagulado. Os animais foram monitorados até os quatro meses de vida. 255 Ao final de 120 dias de cultivo os animais haviam atingido 84,51 ± 12,06 mm de comprimento de carapaça e pesavam, em média, 153,54 ± 46,55 g (máximo=269 g; mínimo=45,9 g), com ganho médio diário em peso de 1,06 ± 0,42 g/dia. Esses valores, considerando-se que os animais não foram acompanhados até um ano nem receberam ração regularmente, são bastante promissores sobre o cultivo de quelônios nesse tipo de instalação, em áreas naturais, o que poderá ser uma saída para pequenos produtores e para as comunidades que ajudam na conservação das áreas de reprodução de quelônios que, até o presente, não podiam criar os animais que ajudavam a preservar, pelo alto custo inicial para a implantação de tanques e barragens ou, mesmo, por não possuírem documentação legal das terras que tradicionalmente habitam. 5.3.7 Instalações em criações comunitárias de quelônios Com o apoio do ProVárzea, através do Componente Iniciativas Promissoras, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), desde 2004, estão sendo realizados estudos para analisar o potencial da criação comunitária de quelônios em diferentes instalações, principalmente, em tanques-rede ou gaiolas. A criação comunitária de quelônios é uma possibilidade de exploração do recurso ex-situ, e sempre foi uma demanda daqueles ribeirinhos que, tradicionalmente, protegem as praias de desova. Através do Programa Pé-de-Pincha, 78 comunidades manejam, de forma participativa, quelônios na região do Médio Amazonas. No Baixo e Médio Juruá, as comunidades das reservas extrativistas também protegem tabuleiros de desova. Contudo, embora essas comunidades devolvam por ano, respectivamente, próximo a 100 e 256 alimentados com peixe têm casco mais baixo e achatado (abaulado), o que pode representar um menor volume interno no casco e, portanto, um menor rendimento de carcaça. Essa diferença no modo de desenvolvimento, conforme a alimentação fornecida provavelmente relaciona-se ao fato de o pescado conter maiores teores de cálcio e fósforo do que as vísceras bovinas, permitindo que o organismo do quelônio invista mais no desenvolvimento de tecido ósseo como o casco, gerando um desenvolvimento mais acelerado da carapaça. Sob a ótica de que os quelônios são comercializados vivos, animais alimentados com pescado apresentam um maior atrativo visual por parecerem maiores e mais pesados. Quando a comercialização for baseada apenas no rendimento de carcaça, a alimentação com vísceras tornase mais interessante. Observa-se, na Figura 4 (peso x idade x tipo de alimentação), que os animais alimentados com puerária apresentam uma tendência a ganho compensatório de peso, a partir dos 10 meses, devido a uma mudança na proporção da dieta. Deste período em diante foi fornecido, basicamente, pescado, o que garantiu maiores ganhos diários de peso (GDP) aos animais, como podemos observar na Figura 5. Observa-se também uma grande queda no GDP dos animais alimentados com pescado a partir dos 14 meses. Esse fato foi devido ao grande período de seca (efeito do El Niño) pelo qual passou a região desse criador, o que o levou a transferir, provisoriamente, seus animais de berçário, acarretando estresse e, conseqüentemente, perda de peso. Contudo, na avaliação geral de ganho de peso, tartarugas alimentadas com pescado apresentaram a maior média. 277 Altura X tipo de alimentação mm 60 40 visc.bov 20 pescado pueraria+pesc 0 rest.feira 4 6 8 10 12 14 16 idade (meses) Figura 3: Crescimento de tartaruga (P.expansa) em altura da carapaça (mm), de acordo com o tipo de alimentação (Duarte, 1998). Peso (g) X tipo de alimentação 400 gramas 200 mil filhotes de quelônios para a natureza, por se encontrarem em área de várzea, em sua maioria não possuem documentação legal da terra que habitam há muitos anos. Também não dispõem de recursos para construção de tanques escavados ou barragens, geralmente utilizados na criação comercial de quelônios. Dessa forma, pela Portaria nº 142/92 de criação de quelônios, as comunidades que protegem as praias de reprodução dessas espécies jamais poderiam criá-las legalmente. visc.bov. 300 Em 2002, a Diretoria de Fauna e o RAN começam a elaborar a minuta da nova instrução normativa de criação, onde está inserida a questão da criação comunitária de quelônios. Como forma de estimular esse tipo de criação pelas comunidades, implantamos as primeiras unidades demonstrativas de criação com os quelônios nascidos nas praias protegidas, utilizando diferentes tipos de instalação: tanques de fibra, tanques de alvenaria, tanques escavados e tanques-rede (Figura 20), e comparamos com o desempenho dos filhotes soltos na natureza. pescado 200 pueraria+pesc 100 rest.feira 0 0 4 6 8 10 12 14 16 idade (meses) Figura 3: Crescimento de tartaruga (P.expansa) em altura da carapaça (mm), de acordo com o tipo de alimentação (Duarte, 1998). Foram marcados 7.960 filhotes, 2004-2005, sendo criados 2.305 (1.100 em tanque de fibra-alvenaria, 805 em tanque-rede e 400 em tanque escavado) e os demais soltos em lagos. Inicialmente, os filhotes foram alojados em 14 unidades (três lagos, cinco tanques-rede, cinco tanques de alvenaria-fibrocimento de 1,76 m3, um tanque escavado de 1.350 m2). Analisou-se comprimento, largura e altura da carapaça, peso, ganho diário de peso (GDP) e sobrevivência de filhotes de tracajá (Podocnemis unifilis), tartaruga Não houve diferença nas variáveis analisadas entre os animais de criadores que alimentaram com pescado e vísceras bovinas, contudo, tartarugas que se alimentaram com pescado apresentaram uma tendência de maior peso e comprimento de carapaça. A forma do casco desses animais, entretanto, é diferente. Animais alimentados com vísceras bovinas são mais altos e animais 276 257 (P. expansa), iaçá (P. sextuberculata), irapuca (P. erythrocephala) e cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus) – Figura 21. basicamente com proteína animal, em todas as variáveis analisadas (comprimento, largura e altura da carapaça, comprimento e largura do plastrão e peso). Comprimento de carapaça X tipo de alimentação mm 150 visc.bov. 100 pescado 50 0 0 4 6 8 10 12 14 16 pueraria+p esc rest.feira Idade (meses) Figura 2: Crescimento de tartaruga (P.expansa) em comprimento de carapaça (mm), de acordo com o tipo de alimentação (Duarte, 1998). Alimentos de origem vegetal foram enriquecidos com farelo de soja ou puerária para atingirem níveis similares aos alimentos de origem animal, em teores de proteína bruta (PB), permitindo, assim, a comparação entre dietas praticamente isoprotéicas, em torno de 45% de PB. Figura 20: Diferentes instalações de criação comunitária: de cima para baixo – gaiola, tanque de piso de concreto e parede de cinta de borracha, e tanque de alvenaria (Foto: ProVárzea). 258 275 vísceras, GDP = 0,42 0,88g) do que com proteína vegetal (50% de puerária, Pueraria phaseoloides mais 50% de pescado, GDP = 0,388 0,44g; “sobra ou resto verduras de feira”, GDP = 0,135 0,07g). Esse fato pode estar ligado à digestibilidade das proteínas, em função de que nos primeiros anos de vida os quelônios fazem melhor digestão de proteínas de origem animal por não conseguirem, ainda, fazer grande aproveitamento das fibras, o que reduz a digestibilidade dos nutrientes em alimentos de origem vegetal. É importante, porém, não privar os animais de alimentos à base de proteína vegetal, visto que ela propicia a manutenção e estimula a flora microbiana na mucosa intestinal. São esses microrganismos que fazem a fermentação das fibras dos alimentos de origem vegetal, o que tende a melhorar a eficiência digestiva das tartarugas. Conforme crescem, esses animais assumem um caráter mais onívoro e, além disso, os alimentos de origem vegetal, com maior teor de fibra, em geral, são mais baratos para manter animais em crescimento ou engorda. Pelos resultados apresentados do crescimento médio em função do tipo de alimentação fornecida para P. expansa em cativeiro, verifica-se uma superioridade desses se comparados aos de TCA – SPT (1997) e Alho & Pádua (1982), que citam que, em cativeiro, quando os animais são criados em condições favoráveis, alcançam no primeiro ano de vida 85 mm de comprimento da carapaça, com peso de 85g. As Figuras de 2 a 5 apresentam uma comparação entre dois grupos de criadores distribuídos de acordo com o tipo de alimentação que fornecem, ou seja, maior parte em vísceras de boi ou peixe (proteína animal) ou a maior parte em verduras, raízes e restos de feira, ou em puerária+pescado (proteína vegetal). Observase o melhor desempenho dos criadores que alimentam os animais 274 Figura 21: Diferentes espécies de quelônios utilizadas nas unidades demonstrativas: irapuca (P. erythrocephala), iaçá (P. sextuberculata), tracajá (Podocnemis unifilis) e tartaruga (P. expansa) – de cima para baixo (Foto: Oliveira, P.H.). Tartarugas e cabeçudos são as espécies que mais crescem nos primeiros 16 meses (Figura 22). Todavia, a espécie Peltocephalus dumerilianus (cabeçudo) é extremamente agressiva, atacando e mordendo indivíduos de espécies diferentes, por isso aconselha-se criá-los separados. Os animais foram monitorados por um período de 28 meses, sendo que os quelônios criados em tanques-rede demonstraram um ganho diário de peso (GDP) superior (0,41g/dia) aos criados em tanques fixos de alvenaria ou fibra (0,18g/dia). P. unifilis, em tanques-rede apresentam, aos 16 meses, comprimento superior aos dos animais criados em tanques de fibra (99,66 ± 6,14 mm vs. 70,37 ± 10,07 mm), e inferior aos do tanque escavado ou lagos (181,42 ± 259 Tabela 1: Crescimento médio em função do tipo de alimentação fornecida para Podocnemis expansa, em cativeiro, no primeiro ano de vida (Duarte, 1998). 17,6 mm) – Figura 23. Ali ment o 140,00 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 0,00 Tracajá Tartaruga Iaçá Cabeçudo Irapuca 0m ê 3m s es e 6m s es e 8m s es 1 0 es m e 1 2 ses m e 1 4 ses m e 1 6 ses m es es g Peso médio de quelônios Figura 22: Crescimento de tracajá (Podocnemis unifilis), tartaruga (P. expansa), iaçá (P. sextuberculata), irapuca (P. erythrocephala) e cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus) durante 16 meses, em criações Crescimento em carapaça de tracajás em cativeiro e em vida livre 200 mm 150 Trede Natureza 100 Tfibra Tescavado 50 0 0 3 6 8 10 meses 260 12 14 16 VÍSCERAS BOVINAS PEIXE VEGETAL Ccp¹ (mm) Lcp¹ (mm) Inicial* 69,0± 5,7 60,6± 5,0 Final** 137,5± 14,8 116,8± 11,52 Inicial* 81,4± 6,0 66,1± 4,7 Final** 134,9± 18,5 104,2± 12,9 Inicial* 57,0± 7,1 48,8± 2,5 Final** 91,4± 8,8 76,3± 6,4 Htp¹ (mm) 29,8± 2,3 52,5± 3,79 34,2± 2,8 51,7± 5,9 21,1± 1,3 35,7± 3,1 Peso¹ (g) 54,7± 12,5 281,5± 85,41 64,7± 14,2 261,0± 115,8 25,4± 3,55 103,3± 24,1 * - Primeira biometria: animais com 4 meses de idade. ** - Última biometria: animais com 16 meses de idade. 1- As variáveis referem-se: Ccp - Comprimento da carapaça; Lcp - Largura da carapaça; Hcp - Altura da carapaça e plastrão; Peso. De acordo com o diagnóstico dos criadouros de quelônios, constatou-se que os animais alimentados com vísceras bovinas ou peixe (proteína animal) apresentaram uma tendência a um melhor crescimento e ganho de peso em relação aos que foram alimentados basicamente com verduras e tubérculos (proteína vegetal). Observa-se melhor desempenho em locais onde os animais são alimentados, basicamente com proteína animal, em todas as variáveis analisadas, como comprimento e largura de carapaça e plastrão, altura da carapaça e peso. As variáveis comprimento e largura de carapaça, altura, peso e ganho de peso dos animais que receberam diferentes tipos de alimentação, apresentaram, pela análise multivariada, uma diferença significativa ao nível de 5% pelo teste F (Prob>F= 0,019; CV = 86,54%), entre aqueles criadores que alimentaram com maior quantidade de proteína animal (pescado, GDP = 0,66 0,55g; 273 Figura 23: Distribuição de crescimento em comprimento da carapaça (mm) de tracajás (Podocnemis unifilis). criados em diferentes tipos de instalações (tanque-rede, tanque de fibra ou alvenaria, tanque escavado e na natureza) Figura 1: Tipo de alimento fornecido para P. expansa em cativeiro (Duarte, 1998). A Tabela 1 apresenta a média de crescimento de filhotes de tartaruga conforme o tipo de alimentação fornecida. Esses dados foram obtidos através de biometrias bimestrais, em onze queloniocultores do Amazonas (Manacapuru, Iranduba, Itacoatiara, Rio Preto da Eva e Manaus) (Duarte, 1998). 7.1.1 Alimentação desde o nascimento até 12 meses Conforme observado na Tabela 1 existe crescimento diferenciado entre os animais dos criatórios, ou seja, há animais crescendo mais do que outros, apesar de terem a mesma característica (idade e origem). Isso sugere que há um tipo de alimento melhor que outro. Isso pode, também, estar sendo influenciado pelo potencial orgânico e fisiológico de cada indivíduo, pela densidade, pelo tipo de alimentação fornecida (qualidade) ou, ainda, pela imprescindível necessidade de exposição dos animais ao sol, que são fatores que influenciam diretamente no crescimento diferenciado dos animais no cativeiro, obtendo-se assim um maior ou menor crescimento. 272 A melhor densidade de cultivo para esse sistema foi de 40-65 3 indivíduos/m , sendo que a sobrevivência com um ano foi de 89,42 ± 10,56%, não havendo diferença entre instalações, sendo a espécie com menor taxa a P. sextuberculata, com 76,92%. Os quelônios foram alimentados com ração com 36% de proteína, obtendo melhor desempenho que com alimentos alternativos (peixe, macrófitas aquáticas, beldroega). Sanguessugas foram registradas parasitando principalmente tracajás, em tanques-rede colocados em áreas de água preta, com pouca movimentação e baixa profundidade. Parasitas identificados em tanque-rede em água preta (sanguessuga) e em ovos transferidos (larvas de Diptera, Ephydridae, 1%). Animais alimentados com ração com 25% de proteína tiveram melhor desempenho em GDP do que com alimentos alternativos (peixe, macrófitas aquáticas, beldroega). A Figura 24 apresenta o crescimento em peso, de tracajás em cativeiro comunitário, até os 28 meses. Tartarugas criadas em tanques-rede atingem, aos 28 meses, média de peso de 1.537,6 g (mínimo= 937,33 g; máximo= 3.166,67 g). Em 2005, com recursos do ProVárzea, adquirimos 10 tanquesrede padrão, medindo 2 m x 2 m x 1,5 m (tela de alambrado, estrutura em aço, Figura 25), os animais puderam ser colocados em áreas mais profundas e com fluxo de água mais intenso, proporcionando melhores condições e melhor desempenho do que nas outras instalações (GDP= 0,488 ± 0,202 g/dia). 261 Peso médio do Tracajá/Instalação 350 300 g 250 T. Rede 200 150 T. Fibrocimento 100 50 28meses 24meses 22meses 16meses 14meses 12meses 8meses 10meses 6meses 0mês 3meses 0 Figura 24: Distribuição do peso da carapaça de tracajás (Podocnemis unifilis) criados em diferentes instalações no período de 28 meses. devidamente tratados e fornecidos com o uso de equipamentos adequados, como cochos, caixas de madeira, canoas, pranchas (Sebrae, 1995). Terán (1993), ao realizar estudos sobre diferentes dietas em cativeiro, para tracajás jovens e adultos, observou um aspecto importante com relação à perturbação da água e o consumo dos alimentos. Efetivamente, verificou que quando uma pessoa entrava no tanque ou jaula e ficava perto do comedouro, a água ficava turva, fazendo com que os animais não viessem comer os alimentos disponíveis. Nesses dias, o consumo reduzia bastante (até 15% do total dos alimentos oferecidos). Uma situação semelhante foi observada quando o tanque era esvaziado para realizar as amostras mensais. Esse comportamento deve-se provavelmente, ao estresse provocado por modificações no ambiente e manipulação do animal. 7.1 Tipos de alimentos fornecidos A alimentação fornecida pelos criadores de quelônios do Amazonas é variada sendo distribuída entre vísceras, verduras, tubérculos e peixe, Figura 1 (Duarte, 1998). Desde 2000, muitos criadores, sob orientação do RAN-AM e da Ufam têm dado mais atenção à alimentação, no primeiro ano de vida dos filhotes, fornecendo rações de crescimento para peixe com cerca de 25-30 % de proteína bruta. Figura 25: Diferentes modelos de tanques-rede utilizados na criação de quelônios. 262 271 evitar a ocorrência de processos fermentativos (Lima, 1967; Morlock, 1979; Alfinito, 1980). Estudos feitos por Terán (1993), testando o tipo de alimentação para tracajá em cativeiro, demonstraram que uma dieta onívora (constituída de espécies comuns de peixes, Curimatus rutiloides, e folha de bananeira, Musa paradisiaca), influi significativamente no crescimento de P. unifilis, durante os primeiros 8 meses de vida. Isso reafirma o fato de que os indivíduos jovens necessitam de uma abundante ração de proteína, cálcio e carboidratos, que são usados na construção dos tecidos e como combustível de crescimento. Essas dietas são de baixo custo e ideal para serem usadas para a criação do tracajá em cativeiro. Folhas frescas de puerária (Pueraria phaseoloides) não foram aceitas pelos filhotes. Estudos realizados por Navarro (1997), para determinar o melhor tipo de alimentação para a criação de tracajá em cativeiro, tiveram como fonte: peixes (Psectrogaster amazonica, Curimatus rutiloides e Potamohrina altamazonica) e banana (Musa spp.) Em condições de cativeiro Espriella (1972) cita que o alimento deve ser fornecido em pequenos pedaços ou amarrados e suspensos para facilitar a deglutição. Um animal adulto pode consumir 1.816g de alimento, repartidos em 10 dias, de 7:00 às 9:00h ou às 16:00h. Existe uma tendência a um melhor desenvolvimento dos filhotes de tartarugas e tracajás acondicionados em gaiolas do tipo tanque-rede na margem de rios/lagos, pelo fato de apresentarem características mais próximas do ambiente natural, como por exemplo, fluxo contínuo de água, que acarreta uma maior circulação de nutrientes no ambiente do cativeiro, e menor carga de estresse aos animais. Os 3.130 quelônios criados nesse sistema propiciaram em 16 meses de cultivo uma produção total de 866 kg. Em Terra Santa, a comercialização experimental de 10 unidades de criação comunitária alcançou o preço de venda similar ao praticado em Manaus, ou seja, R$10,00/kg, contra o preço clandestino que, na região, é de cerca de R$3,36-5,56 com potencial de venda estimado em R$8.660,00. A construção de tanques-rede com material local e a utilização de alimentos disponíveis na comunidade como macaxeira, peixe, piracuí, beldroega ou erva-de-jabuti, reduzirá os custos com instalações e alimentação, aumentando a lucratividade, hoje em torno de 12,55%. A Tabela 9 apresenta os custos e receitas da criação comunitária de quelônios para uma unidade familiar. Em cativeiro, os filhotes de tartaruga começam a se alimentar com microorganismos gerados na flora bacteriana do tanque. Entretanto, a alimentação deve ser complementada com substâncias protéicas, principalmente à base de fígado de animais e caramujos. É importante que, a partir do segundo ano a alimentação seja complementada com resíduos vegetais e subprodutos de origem animal (vísceras, sangue coagulado, restos de filetagem de peixes) 270 263 Tabela 9: Orçamento simplificado de unidade de criação familiar de quelônios. Orçamento – 16 meses de criação Custos Custos fixos 216,9 Custos variáveis 276,26 Custos totais 493,17 Receita N. animais 500 Biomassa total 155,92 kg Preço kg ilegal 3,36-5,56 Preço kg criação 10 Receita bruta 1.559,20 Receita líquida 1.066,03 A rentabilidade para os investimentos em manejo comunitário de quelônios foi estimada em 120,21% e para a criação de quelônios, pelo sistema de tanques-rede, em 183,44%. As unidades comunitárias de criação de quelônios demonstram que esse sistema poderá, perfeitamente, servir como modelo de manejo, tipo ranching, em que as comunidades que protegem áreas de reprodução de quelônios adquirem o direito de criar um percentual dos filhotes produzidos (30% de tracajás e 10% de tartarugas). As instalações mais eficientes e práticas são os tanques-rede, e a alimentação é produzida na própria comunidade. Isso garantirá geração de renda aliada à conservação dessas espécies. Comparativamente, Viana & Abe (1998), ao avaliarem o desenvolvimento de 198 filhotes de tracajá Podocnemis unifilis com dieta de 21, 26 e 31% de proteína bruta - PB e isocalóricas (energia bruta = 3.850 kcal/kg) durante 240 dias, obtiveram nos animais alimentados com ração de 26 ou 31% de PB maior desenvolvimento. Então, sugeriram utilizar ração com 21% de PB, até 8 meses de idade, e com 26% de PB para filhotes até completarem 12 meses para diminuir o custo com ração. Esses dados são semelhantes aos encontrados por Best & Souza (1984) ao testarem quatro rações peletizadas, com teores de 40%, 60%, 70% e 80% de proteína em matéria seca, e balanceada em termos de energia, utilizando 60 tartarugas com peso médio 26,0g e pesos médios finais, respectivamente, em relação aos teores de proteína: 174,0 ± 39,9 g; 194,1 ± 58,1 g; 221,4 ± 67,3 g e 165,4 ± 62,7 g, onde o GDP para a ração com 70% proteica foi 0,71 g/dia, à base de 2% do peso corporal, uma maior eficiência de utilização igual a 47,8 g de tartaruga/100g ração. Eles citam haver uma estreita relação entre a quantidade de alimento fornecido e o crescimento das tartarugas. Na Venezuela, Hernandez et al. (1999) verificaram também que filhotes de tartaruga cresciam mais com o fornecimento de rações com maior nível protéico e sugerem que no primeiro ano seja fornecida uma ração básica para peixes carnívoros com 48% de proteína e que, no segundo ano, uma ração de crescimento para peixes com 24% PB. Com essa dieta os animais atingiram, ao final de um ano 90,2 a 143 mm de comprimento de carapaça e 100,6 a 358,3 g de peso, com uma conversão alimentar de 1:1, ou seja, para cada grama de ração consumida os filhotes engordaram um grama. De certa forma, deve haver uma complementação que contenha cálcio para a formação do casco e deve-se ter atenção para a alimentação dos animais jovens, mantidos em cativeiro, para 264 269 provavelmente, devido a um maior nível protéico e uma concentração de aminoácidos essenciais, superior. Segundo Quintanilha et al. (1997), há indícios de que a qualidade de proteína (origem animal e vegetal), influência no desenvolvimento de P. expansa em cativeiro. Cantarelli (1994), em experimento sobre metodologia alimentar para quelônios em cativeiro, testou rações formuladas com diferentes níveis de proteína bruta, 18, 21, 24, 27 e 30% de PB e ração comercial para peixes com 30% de PB. Concluiu que há indícios de que a qualidade da proteína (origem animal ou vegetal) influencia no desenvolvimento dos animais e que os animais crescem melhor, se alimentados com alta taxa de proteína bruta (27 a 30%). Maria das Graças Houssaine-Lima (comunicação pessoal, 1999) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, testou diferentes fontes de proteína (farinha de peixe e farelo de soja) na dieta de tartaruga (P. expansa) nos primeiros anos de vida. Neste experimento conduzido no Centro de Preservação e Pesquisa de Quelônios Aquáticos (CPPQA) da UHE Balbina/AM, foram usadas rações que variavam a fonte protéica em diferentes níveis de substituição do farelo de soja por farinha de peixe (100% e 0%; 75% e 25%; 50% e 50%; 25% e 75%; 0% e 100%; respectivamente). Os animais apresentaram maior crescimento em dietas com 100% de farinha de peixe, contudo, também apresentaram uma maior taxa de mortalidade, mesmo em animais acima de 1,5 kg. Concluiu-se que a melhor ração foi aquela em que a fonte protéica tinha 50% de farelo de soja e 50% de farinha de peixe. Capítulo 8: alimentação e nutrição de quelônios aquáticos amazônicos (Podocnemis spp.) Francimara Sousa da Costa João Alfredo da Mota Duarte Paulo Henrique Guimarães de Oliveira Paulo Cesar Machado Andrade O tipo de alimento fornecido aos quelônios para criação em cativeiro é um fator decisivo para que os animais o peso vivo mínimo de 1,5 kg para comercialização, conforme determinam as Portarias Normativas nº 142/92 (Criação) e nº 70/96 (comercialização). A alimentação de Podocnemis expansa é bastante variada, sendo considerada por muitos autores como uma espécie onívora, oportunista, ou seja, alimenta-se tanto de raízes, frutas, sementes e folhas, quanto de crustáceos, moluscos e pequenos peixes (Cenaqua, 1994). Estudos feitos por Téran, Vogt e Gomez (1995), no rio Guaporé – Rondônia, demonstraram que a principal fonte de alimento nessa área, para esses animais, são matérias vegetais incluindo-se sementes pertencentes às famílias Anonaceae, Leguminosae, Sapotaceae e Rubiaceae e frutas (Leguminosae, Euforbiaceae, Convolvulaceae). Os frutos citados como alimento de tartaruga incluem as seguintes espécies: Astrocarium jauari, Bactris spp., Spondias 268 265 mombin, Genipa americana, Inga spp., Hevea spp., Macrolobium acaciaefolium, Symphonia globulifera, Tachigalia paniculata, e espécies adicionais dos gêneros: Brosimum, Calophyllum, Campsiandra, Curatella, Desmoncus, Gustavia, Lonchocarpus e Sideroxylon (Soini, 1997). Os estômagos de P. expansa adultas examinados na temporada de reprodução, por Ramirez (1956) e Ojasti (1971), em Orinoco, e Pádua e Alho (1984), em Trombetas, estavam vazios e continham somente fragmentos de madeira decomposta, lodo e areia, o que torna evidente que P. expansa experimenta um amplo “cardápio” durante o período de estiagem. O estômago de uma fêmea que morreu durante a desova no rio Trombetas continha cascas vazias de ovos da mesma espécie (Pádua, 1981). Portal et al. (2002), estudaram a alimentação natural de tracajás (P. unifilis) na região do Pracuúba, Amapá, Brasil, e encontraram 35 diferentes espécies vegetais, sendo a maioria de leguminosas (22,81%) e gramíneas (8,57%). Das plantas analisadas, 12 espécies apresentam teores de proteína superiores a 10%. Entre essas, oito espécies apresentam boa possibilidade de servirem como ingredientes de uma ração regional, em função de suas propriedades nutricionais e disponibilidade na natureza. São elas: Commelina longicaulis (maria-mole) (20,78%); Polygonum acuminatum (pimenteira-brava) (20,19%); Aschymene sensitiva (corticeira)(19,93%); Macrolobium acaiaefolium (jandaruá)(17,06%), Oryza glandiglumes (canarana-grande)(15,00%); Thalia geniculata (14,14%); Nymphaea rudgeana (11,55%) e Hymenachne amplexicaulis (10,11%). Em cativeiro, essa espécie é eminentemente onívora. Aceita uma grande variedade de produtos vegetais, pescado e carne picada (Alho e Pádua, 1982; Terán et al., 1992, FPR, 1988). Os recémnascidos demonstram maior preferência pela dieta carnívora do que 266 os animais mais velhos (Ojasti, 1971). Em geral, a tartaruga e o tracajá têm uma dieta herbívora na natureza, mas em condições de cativeiro consomem carne e peixe (Molina & Rocha, 1996). Segundo Best & Souza (1984), pouco se conhecia sobre a nutrição adequada dos quelônios em cativeiro, na fase de póseclosão, até um ano de idade. Para Alfinito (1980), P. expansa apresenta uma demorada digestão, justificando-se os jejuns prolongados pelo qual o curso no trato digestivo é considerado bastante significativo, e suas fezes são liberadas após 170 horas de digestão, correspondendo a 7 dias, significando 5% do volume alimentar, podendo o restante ser expelido até 880 horas, equivalente a 36 dias. No habitat natural, o forrageamento condiciona-se às contingências momentâneas. Em condições de cativeiro, Espriella (1972) cita que o alimento deve ser fornecido em pequenos pedaços ou amarrados e suspensos, para facilitar a deglutição, onde um animal adulto pode consumir 1.816g de alimento em 10 dias, repartidas entre 7:00 e 16:00 horas. Para o Sebrae (1995), os filhotes devem receber uma complementação de proteína à base de fígado e caramujos, no entanto, não cita como seria feito o fornecimento. A partir do segundo ano, deverá ser complementada com resíduos vegetais e peixe, carne ou outros alimentos de origem animal, tratados e fornecidos em pequenos pedaços, para facilitar a deglutição, com preferência por palmito, vísceras, leguminosas e, naturalmente, por frutos silvestres das margens dos rios. Nos primeiros anos, o crescimento é melhor com o fornecimento de alimentos à base de proteína animal, 267