A Tradição Cultural como Incremento à Oferta Turística: O Caso do
Evento Stammtisch em Blumenau, SC.
Rachel Aparecida de Oliveira Rueckert1
Talita Cristina Zechner2
Patrícia Adriana Petersen Mette3
Universidade Regional de Blumenau – FURB
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
Resumo
O Município de Blumenau (SC) tem sua história marcada pela colonização alemã, o que
lhe confere características sociais, econômicas e culturais próprias deste povo. As festas
e comemorações ligadas às tradições culturais fazem parte do contexto histórico local.
Além das festas tradicionais, surgem outras que contribuem com o fortalecimento da
imagem cultural do município, como é o caso do evento strassenfest mit
stammtischtreffen. Este trabalho objetivou analisar o referido evento verificando se o
mesmo contribui para complementar e impulsionar o turismo local. Adotou-se a
pesquisa qualitativa, através de um estudo de caso. Verificou-se que com a criação do
evento stammtisch, o entendimento desta prática, tradicional na região, sofreu alterações
de acordo com os objetivos e propósitos pelo qual o evento acontece atualmente. No
entanto, contribui para preservar a tradição cultural.
Palavras-Chave: Evento Stammtisch; Tradições Culturais; Turismo
Introdução
A atividade turística tem sido destaque em muitas propostas de desenvolvimento local,
principalmente em regiões que possuem características propícias para o turismo. Não
obstante, para constituir-se em um instrumento de desenvolvimento destas localidades,
torna-se necessário que haja uma diversificação e um aproveitamento do potencial
1
Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Professora do Curso de Turismo e
Lazer da Universidade Regional de Blumenau – FURB. [email protected]
2
Turismóloga e Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau – FURB.
[email protected]
3
Mestre em Turismo e Hotelaria e Professora do Curso de Turismo e Lazer da Furb. patrí[email protected].
destas regiões transformando-as em produtos turísticos ou ampliando o que podem
oferecer. Uma alternativa que atende a esse princípio refere-se à criação de eventos.
Estes eventos partem, comumente, de um aspecto cultural e/ou social da comunidade
aumentando a atratividade e a demanda turística.
Apesar de estes eventos estarem normalmente relacionados, num primeiro momento, a
motivações culturais, faz-se relevante conhecer os impactos que proporcionam. Apesar
do freqüente otimismo que se abordam os impactos positivos da atividade turística em
localidades receptoras, os impactos negativos não podem ser desconsiderados. Cabe
destacar que estes impactos estão intrinsecamente correlacionados com o modo como
tais atividades são planejadas e gerenciadas.
Referente a estes impactos, pode-se dizer que dentre os segmentos do turismo, eventos é
um dos mais dinâmicos e interativos, provocam grandes fluxos, ampliam as taxas de
permanência dos turistas, valorizam aspectos culturais e naturais, enfim, são tidos como
atrativos turísticos, o que permite, em muitos casos, a diminuição da sazonalidade.
Neste segmento, destacam-se também as festas populares. Complementando, Macena
(2003, p. 69) afirma que:
As festas populares são importantíssimas na atividade turística, pois
possibilitam um encontro com a realidade cultural da comunidade visitada
em seus aspectos ecológicos, históricos, estéticos, religiosos, econômicos,
sociais e políticos, além de funcionar como atrativo complementar ou
principal em períodos distintos, como, por exemplo, durante a baixa estação,
podendo, provavelmente, serem estas motivadoras do deslocamento de
pessoas durante este período de menor fluxo interferindo, de forma positiva,
na sazonalidade turística.
Mas até que ponto estes eventos conseguem realmente transformarem-se em produtos
turísticos? Os aspectos culturais contribuem para a criação destes eventos? Quais são os
impactos desta ação?
Na tentativa de melhor elucidar estas questões o presente trabalho propõe uma análise
do evento Strassenfest mit stammtischtreffen4 de Blumenau (SC) cujo objetivo é
verificar se o mesmo contribui para complementar e impulsionar o turismo local. Partese do princípio que o evento stammtisch agrega valor ao que já vem sendo trabalhado
em Blumenau: a gastronomia típica, a arquitetura enxaimel, as demais festas
tradicionais (ex.: Oktoberfest) etc.
4
Expressão alemã, cuja tradução para o português é: festa de rua com encontro de stammtisch. Mette (2005) explica
que o termo stammtisch é formado pela junção das palavras do alemão stamm (em portugues tronco) e tisch, que
significa mesa. Numa tradução literal, "mesa de tronco". O termo stammtisch também é usado no sentido de uma
mesa redonda como plataforma de discussão.
Neste interim, faz-se mister destacar que o Município de Blumenau (SC) tem sua
história marcada pela colonização alemã, lhe conferindo características – sociais,
econômicas, étnicas, culturais e arquitetônicas – próprias deste povo. Seu fundador
Hermann Otto Bruno Blumenau trouxe os primeiros colonizadores para a região em
1850. Os costumes e modo de viver destes primeiros imigrantes deram sustentação à
nova colônia, sendo facilmente observado, ainda hoje, por quem chega ao local.
Com o intuito de compreender a dinâmica do stammtisch e sua origem, a metodologia
utilizada na pesquisa realizada foi à qualitativa, através de um estudo de caso. O estudo
de caso é um procedimento metodológico definido por Yin apud Roesch (1999) como
uma estratégia de pesquisa que busca examinar um fenômeno contemporâneo dentro de
seu contexto. Roesch (1999) salienta que além de permitir estudar os fenômenos em
seu contexto, tal procedimento sugere a exploração dos fenômenos, com base em
distintos ângulos em decorrência da flexibilidade de poderem ser utilizadas diversas
fontes de dados. Assim, ao pesquisar sobre o objeto de estudo aqui proposto, praticou-se
um levantamento dos dados já existentes realizando novas buscas e entrevistas quando
necessárias. A Secretaria de Turismo de Blumenau, Convention & Visitors Bureau
5
e
integrantes dos grupos do stammtisch foram atores importantes no processo de coleta
dos dados. A observação in loco contribuiu para que a análise pudesse ser realizada
favorecendo a compreensão do processo evolutivo do evento.
Destaca-se que a relevância deste estudo se dá a partir do momento que traz discussões
sobre um evento local decorrente da herança germânica na região e que vem ganhando
proporções cada vez maiores, compondo, inclusive, o calendário de eventos da cidade.
O stammtisch representa um esforço de alguns atores (público e privado) que
vislumbraram, inicialmente, um evento que valorizasse a cultura local. No entanto, fazse necessário refletir criticamente se o enfoque e encaminhamento que está se dando ao
evento é adequado, bem como, se o evento atende a seu principal objetivo fortalecimento da cultura - como, também, se pode ser considerado um incremento à
oferta turística do município.
Compreendendo os Aspectos Históricos da Tradição Germânica de Blumenau (SC)
Ao discorrer sobre a tradição germânica de Blumenau (SC) é relevante compreender o
5
Entidade sem fins lucrativos, mantida pela iniciativa privada, apoiada pelo poder público e focada para a captação
de eventos e fomento do turismo local.
processo histórico deste município. Apoiados em tradições do país de origem, os
imigrantes alemães que vieram para a colônia com o seu fundador Hermann Otto Bruno
Blumenau mantiveram características próprias que os diferenciaram das demais
colônias.
Conforme Santiago (2001), embora o objetivo inicial desta colônia fosse uma produção
agrícola de subsistência, já em 1856 cresciam, gradativamente, o número de negócios de
beneficiamento (engenhos de farinha, engenhos de açúcar, alambiques, moinhos de
milho, engenhos de serrar, fábrica de vinagre, fábrica de cerveja, padaria e olaria).
Em 13 de janeiro de 1860, foi assinado o convênio determinando que o estabelecimento
do Dr. Blumenau, tornaria uma Colônia Imperial, cabendo ao Governo do Império,
administrá-la. Porém, Blumenau deveria permanecer a sua frente, atuando na direção e
recebendo uma gratificação anual. No dia 04 de fevereiro de 1880 é aprovada a lei 860,
elevando a Colônia à categoria de município e, através do decreto imperial 8.454, de 18
de março de 1882, o município de Blumenau foi declarado completamente emancipado,
tendo já no dia 17 de janeiro do mesmo ano, dissolvida a direção da Colônia,
dispensando, desta forma, seu diretor e respectivos auxiliares (SANTIAGO, 2001).
Quanto ao desenvolvimento urbano, Blumenau seguiu o mesmo modelo adotado por
algumas cidades alemãs nas quais a distribuição se dá partindo de uma rua comercial.
Estas cidades obtiveram pleno sucesso nas atividades comerciais, sendo que na cultura
germânica, tornou-se uma evidência que o fator determinante nas relações estaria nas
instituições econômicas e não na religião (DEECKE, 1995).
Petry (1982) comenta em sua obra que o desenvolvimento da colônia de Blumenau foi
marcada pelas manifestações culturais, conservando suas caracteristicas folclóricas e
tradicionais. Os schützenvereine6, assim denominadas, no idioma alemão, são exemplos
destas primeiras manifestações culturais permanecendo até os dias de hoje.
Ern Filho e Graipel Júnior (2006) destacam que as manifestações culturais em
Blumenau não foram inventadas ou imitadas para que se tornassem um produto
turístico. A cultura alemã predominou no local, mas sofreu, ao longo dos anos,
interferências, transformações e, com o desenvolvimento econômico da cidade houve
uma contribuição maior para o surgimento de mais associações culturais, esportivas e
filantrópicas, representando assim o espírito associativo incorporado nos blumenauenses
6
Palavra alemã, cujo significado é sociedade dos atiradores. Segundo Petry (1982) a instalação do primeiro
schützenverein de Blumenau deu-se a partir da doação da área para sua instalação pelo Dr. Blumenau.no ano de 1859.
para o lazer e a cultura.
Acerca dos aspectos culturais, cabe aqui destacar Warnier (2002) que apresenta a
cultura enquanto totalidade complexa que compreende as capacidades e hábitos
adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade, possuindo assim certas
características. Dentre estas, evidencia-se o fato de que nenhuma cultura poderá ser
transmitida de forma independente à sociedade que a alimenta – a cultura é assim,
socializada; as culturas são singulares, extraordinariamente diversas e localizadas –
podendo, em alguns casos, ser mais social que espacial. Toda cultura é transmitida pelas
tradições reformuladas em função do contexto histórico; a língua e a cultura estão na
essência dos fenômenos de identidade. Esta cultura pode ser observada em Blumenau.
Nesta dinâmica pode-se afirmar que sua história começa com o legado da tradição. Carr
(1982) explica que tradição significa a transferência dos hábitos e lições do passado
para o futuro.
Aspectos Culturais: Incremento à Oferta Turística
Os diferentes tipos de turismo surgem a partir das experiências que os turistas almejam
conhecer. A discussão do turismo cultural, que perpassa incialmente pela conceituação
do mesmo, compreendido como as atividades turísticas que dizem respeito à vivência
do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos
culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais de uma comunidade
(BARRETO, 2000), deixa evidente a principal motivação de viagem para os adeptos
deste tipo de turismo.
A interface que se estabelece entre cultura e turismo são nítidos quando se estabelecem
relacionamentos nos quais o turismo se apropria das manifestações culturais, da arte,
dos artefatos da cultura. Neste sentido, para que se possa compreender a relação entre
cultura e turismo, incialmente se discute o tema da cultura, o qual envolve por
elementos como patrimônio histórico e identidade.
Ao se pensar em patrimônio histórico, inicialmente, é comum que se remetam as
imagens de monumentos históricos antigos e exuberantes, usualmente dotados de
importantes atributos arquitetônicos. Na contemporaneidade, observa-se que o restrito
entendimento de vincular patrimônio histórico a monumentos antigos é insuficiente
diante da complexidade e amplitude do conceito de patrimônio histórico.
A explicação da razão pela qual se relaciona patrimônio histórico aos monumentos
antigos pode ser encontrada na obra de Fonseca (2003). A autora pontua que alguns
monumentos são frutos do olhar distante de estrangeiros, que identificaram e, por
conseguinte, determinaram que certos objetos fossem qualificados como monumentos.
Barreto (2000) explica que a palavra patrimônio tem vários significados, sendo que o
mais comum é aquele que denota o conjunto de bens que uma pessoa ou uma entidade
possuem. Esta autora evidencia ainda que a noção de patrimônio está relacionada a um
território, ao ressaltar que o patrimônio é um conjunto de bens que situam-se dentro de
determinados limites de competência administrativa. É possível observar neste ponto, a
relevância da questão do território e do poder envolvidas nas discussões sobre
patrimônio. Na área do turismo, o patrimônio pode ser classificado em duas grandes
categorias: natural e cultural. A primeira se refere às riquezas que estão no solo e no
subsolo, como é o caso das florestas e jazidas, enquanto a segunda, abrange cada vez
mais um número maior de elementos e fenômenos (BARRETO, 2000). Tais elementos
são tão importantes quanto os recursos naturais, pois, conforme Leite (2004, p.173):
[...] da mesma forma que os atrativos naturais são vitais na atividade, as
manifestações populares (festas, comemorações religiosas, gastronomia,
artesanato, férias, mercado) e outros acontecimentos programados (feiras,
exposições, realizações desportivas, artísticas, culturais) também devem ser
consideradas da maior importância para o desenvolvimento turístico.
Fonseca (2003) esclarece que o conceito de patrimônio cultural brasileiro, conforme a
constituição federal de 1988 é definido como bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Esta definição
pretende deixar claro que todas as manifestações culturais que representem a identidade
e a memória de distintos grupos sociais, são passíveis de serem denominadas de
patrimônio cultural, independente do seu grau de erudição e sofisticação ou da
quantidade de atributos arquitetônicos envolvidos, pois como argumenta Brenner
(2005), a cultura é a causa principal da diversidade, manifestando-se de diversas formas,
incluindo o patrimônio cultural. Este patrimônio traduz especificidades e características
singulares de uma localidade e contribui assim, para a consolidação de uma identidade
própria, que é oriunda da memória coletiva e pode ser marcada pelas diferenças.
É oportuno esclarecer ainda, que a identidade permite aos indivíduos estabelecer um
vínculo, um sentimento de pertença a determinado grupo social. Isto é muito
importante, pois fortalece os laços de referencial. É interessante observar, que a
atividade turística quando envolve aproximação com distintos modos de vida permite
uma dupla interface com a questão do patrimônio cultural. Considerando o patrimônio
cultural como um conjunto de bens, manifestações e modos de ser e viver que refletem a
memória coletiva de determinado grupo, merece atenção o papel do sentimento de
identidade. A identidade de um indivíduo é um aspecto importante para a construção da
memória coletiva de determinado grupo e, como explica Oliveira (1998), um dos
subsídios fundamentais para a consolidação do sentimento de identidade é o jogo
dialético que ocorre a partir das percepções entre as semelhanças e diferenças de alguém
consigo mesmo no curso do tempo ou com demais seres humanos que o cercam no
plano grupal. Diz Oliveira (1998) que a identidade surge por oposição, implicando a
afirmação de uma pessoa diante dos outros, jamais se afirmando isoladamente.
Nestas condições, caminha-se para o entendimento de que sob o ponto de vista da
comunidade local, a atividade turística estimula a conservação do patrimônio cultural
seja por intermédio de políticas públicas específicas, seja pela entrada de recursos
financeiros que contribuem para o fortalecimento do patrimônio quando a atividade
turística ocorre de maneira ordenada e sustentável, ou ainda, devido a valorização e o
reconhecimento de seus atributos culturais.
Ao referir-se à cultura como uma possibilidade de composição da oferta turística de um
destino, cabe perfeitamente a definição de turismo cultural proposta pelo Ministério do
Turismo em parceria com o Ministério da Cultura e o IPHAN: “Turismo Cultural
compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos
significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e
promovendo os bens materiais e imateriais da cultura. (MINISTÉRIO DO TURISMO,
2006, p.12).
No sentido de contribuir para o aumento da oferta turística dos destinos, as organizações
têm direcionado seus esforços para que cada vez mais se ampliem os números de
atrativos turísticos. Neste contexto, os aspectos culturais têm sido foco de muitos
projetos. A Organização Mundial do Turismo (OMT) e a Comissão Européia de
Turismo (ETC) sugerem a necessidade dos destinos turísticos promoverem inovações
em seus produtos, como forma de diferenciá-los, levando-se em consideração o
aumento da oferta de Turismo Cultural em todo o mundo. Por esta razão, a incorporação
de atividades criativas a roteiros e produtos é medida fundamental na gestão do
segmento, (OMT; ETC, 2005).
O Ministério do Turismo (2006) enfatiza que para dinamizar o patrimônio material
(casarios, palácios) ou valorizar determinadas manifestações (gastronomia, artesanato,
bonecos), poderão ser agregadas algumas atividades capazes de se tornarem atrativos
por si só, a depender da criatividade.
São atividades culturais que podem gerar novas possibilidades de leitura e de
vivência das culturas locais e regionais. Para isso, como os órgãos de cultura
são os principais responsáveis pela gestão dos espaços culturais, é desejável
que os órgãos de turismo passem a participar do planejamento das atividades
culturais para fins turísticos, envolvendo gestores e empresários do turismo
para a promoção destes espaços (MINISTERIO DO TURISMO, 2006, p.31).
O Ministério do Turismo (2006) destaca, ainda, que o adequado desenvolvimento do
Turismo Cultural depende da observância de questões legais relacionadas aos atrativos
turísticos e ao patrimônio, ao território, e à prestação de serviços, dentre outras. São
estes dispositivos que irão orientar as ações, estruturar os procedimentos e ordenar o
território, considerando os anseios e as necessidades da população brasileira.
Stammtisch: da Tradição Cultural a Produto Turístico
As festas e comemorações ligadas às tradições culturais dos imigrantes alemães fazem
parte do contexto histórico de Blumenau (SC). Além das tradicionais festas relacionadas
às competições de tiro, bolão e bocha, outras tem surgido contribuindo com o
fortalecimento da imagem cultural do município, como é o caso da Oktoberfest – festa
da cerveja – considerada uma das maiores festas culturais do país. Esta festa
consolidou-se num dos mais importantes produtos turísticos do calendário nacional,
projetando a cidade de Blumenau (SC) e suas características alemãs, como: a
gastronomia, a música, as danças e o folclore. Mais recentemente, no ano de 2000,
ocorreu o primeiro evento Strassenfest mit stammtischtreffen (festa de rua com encontro
de stammtisch).
Para Rischbieter (2007) trata-se de um evento, aonde os grupos de stammtisch trazem
para a Rua XV de Novembro – centro da cidade - toda a sua estrutura: mesas, copos,
bebidas e alimentação, procurando reeditar em plena rua, suas reuniões diárias,
semanais, quinzenais ou mensais. Durante o evento, inúmeras bandas típicas alemãs,
com acordeões, gaitas de boca, instrumentos de sopro animam a festa, que não se
caracteriza pela espetacularização. Seus integrantes passam o tempo comendo,
brindando, cantando, conversando, além das rodadas de dominó, cartas, skat e outros.
Mas, como surgiu o stammtisch? Quais suas características? Este evento contribui para
fortalecer as tradições? Pode ser considerado um complemento a oferta turística do
município?
Ilustração 1: Músicas típicas alemãs fazem parte do
contexto do Stammtisch realizado em 17.04.2010 –
Rua XV de Novembro, Blumenau (SC)
Foto de: Fabiana Lange
Ilustração 2: Motocicleta transportadora de cerveja –
Choppmotorrad em 17.04.2010 – Rua XV de
Novembro, Blumenau (SC)
Foto de: Jaime Batista da Siva
Para compreendermos como o evento stammtisch faz parte atualmente do calendário
turístico e vem sendo trabalhado na perspectiva de componente da oferta turítica local,
torna-se necessário inicialmente uma abordagem histórica. Luiz Eduardo Caminha, um
dos organizadores das primeiras edições do stammtisch, comenta que são imprecisos
os
registros históricos a respeito dos grupos de stammtisch, em Blumenau.
Segundo Caminha (2010) os stammtisch acontecem desde os tempos de colônia. É
muito provável que devido os grupos serem freqüentados por homens, estes não tinham
o zelo de registrar tais reuniões informais ou não achavam estes registros importantes
ou ainda, porque não tinham interesse que suas conversas e andanças, habitualmente
noturnas, pudessem chegar ao conhecimento de suas esposas, noivas ou namoradas,
muito menos à pudica sociedade da época.
Caminha (2010) defende que não há dúvida que o movimento nacionalista deflagrado a
partir de 1935, tendo como alvo as colônias alemãs do sul do Brasil contribuiu para o
esmorecimento desta cultura. É importante destacar que neste período foi proibido o
idioma alemão, as atividades nos populares clubes e sociedade de atiradores
(schützenverein) tiveram seus nomes nacionalizados ou foram fechadas. Neste período,
na tentativa de “encobertar” os stammtisch desenvolveu-se o hábito de associar à
reunião a uma atividade sócio-esportiva, como o futebol, a bocha, o bolão, entre
outras, o que acabou por transformá-los em grupos ou patotas destinados a estas
atividades. Conforme Caminha (2010) foi na segunda metade do século XX, já livres da
campanha nacionalista da era Vargas, que alguns grupos voltaram a se identificar como
stammtisch.
Kormann (1996) explica que os stammtisch acontecem na região desde o final do século
XIX e, na época, apenas os homens formavam grupos de stammtisch. As mulheres,
geralmente, participavam dos kränzchen (encontro restrito as mulheres, realizados
durante chás e cafés da tarde). Mette (2005) complementa que outra característica
marcante dos antigos grupos de stammtisch é o consumo de, apenas, bebidas alcoólicas.
Não era servido nenhum tipo de refeição. Os grupos atuais foram adaptados conforme
as atitudes comportamentais da sociedade moderna. Portanto, os stammtisch de hoje são
compostos por homens, mulheres, jovens e idosos, sem distinção de sexo ou idade e,
além disso, a gastronomia típica da região complementa o consumo da bebida mais
tradicional desses encontros, a cerveja.
Mette (2005) conta que a 1ª edição do evento aconteceu durante as comemorações do
sesquicentenário de Blumenau, em agosto de 2000. Foi uma iniciativa do Instituto 150
Anos (constituído por representantes de entidades de classe e poder público de
Blumenau para coordenar as ações comemorativas dos 150 anos da cidade) e com o
apoio do Blumenau Convention & Visitors Bureau e o Sindicato do Comércio Varejista.
As duas primeiras edições aconteceram num intervalo de 02 meses e já de início
despertou o interesse de grupos que ainda não haviam participado em montarem suas
confrarias7 e comemorarem em plena Rua XV de Novembro, principal via comercial e
vitrine da cidade. Tal interesse motivou a comissão organizadora a programar as demais
festas.
7
O termo confraria é mais utilizado do que grupos, pois remete a idéia de irmandade, conjunto das pessoas da mesma
categoria, dos mesmos interesses ou da mesma profissão.
Ilustração 3: Stammtisch realizado em 17.04.2010 – Rua XV de Novembro, Blumenau (SC)
Foto de: Marcelo Martins
No início, o encontro ocorria duas vezes ao ano, geralmente nos meses de março e
setembro. Porém, a partir de 2008, devido principalmente as dificuldades
organizacionais e pela amplitude que o evento tomou, passou-se a realizar apenas uma
edição ao ano (em abril). A última festa, ocorrida em 17 de abril de 2010, reuniu 270
grupos de stammtisch contando com a participação de aproximadamente 8 mil pessoas
distribuídas nas diversas confrarias dispostas ao longo da Rua XV de Novembro. No dia
do evento, a principal via comercial de Blumenau recebeu uma média de 25 mil
pessoas8 que transitaram entre os grupos. Na tabela abaixo, é possível observar a
evolução dos números do evento:
Edição
1ª
2ª
3ª
4ª
5ª
6ª
7ª
8ª
9ª
10ª
11ª
12ª
13ª
14ª
8
Data
26/08/2000
25/11/2000
21/04/2001
01/09/2001
02/03/2002
21/09/2002
22/03/2003
20/09/2003
22/03/2004
20/11/2004
19/03/2005
17/09/2005
25/03/2006
25/11/2006
Grupos Inscritos
17
26
34
72
95
160
270
263
275
257
245
240
260
160
Participantes
433
550
900
1.700
2.200
3.700
6.750
6.575
6.500
7.080
6.700
6.600
6.000
3.500
Conforme dados do Diário Catarinense referente à última edição de 17 de abril de 2010.
15ª
16ª
17ª
18ª
19ª
31/03/2007
22/09/2007
26/04/2008
25/04/2009
17/04/2010
180
150
209
240
270
3.700
3.100
4.800
6.000
8.000
Fonte: Blumenau Convention & Visitors Bureau, 2010.
Observa-se que nas edições de 2006 e nas duas edições que ocorreram em 2007 houve
uma considerável retração do número de participantes. Fato atribuído a mudança do
evento da Rua XV de Novembro para o espaço onde acontece a Oktoberfest, Parque
Vila Germânica. Muitos grupos não participaram, pois são contrários a realização do
evento fora da Rua XV de Novembro.
Os grupos permanecem durante todo o dia na Rua XV de Novembro, preparando pratos
diversificados como o porco no rolete, goulasch (uma espécie de carne ensopada),
carnes grelhadas, sanduíches diversos, entre outras receitas que compõem o típico
cardápio local.
Embora tenha sido criado como uma festa destinada, a princípio, aos blumenauenses, o
evento vêm despertando atenção de turistas, atraindo visitantes de cidades próximas
como Pomerode, Indaial, Balneário Camboriú, Florianópolis e São Bento do Sul.
Rischbieter (2007) explica que este evento é uma tradição re-inventada em Blumenau e
hoje levada a efeito em aproximadamente 40 cidades catarinenses. Atualmente, o
stammtisch compõe o calendário de eventos fixos de Blumenau sendo organizado pelo
Parque Vila Germânica (representante do poder público local) em parceria com o
Blumenau Convention & Visitors Bureau (representante da iniciativa privada).
Para que o evento aconteça com sucesso, vários setores e organizações envolvem-se nos
períodos pré, trans e pós evento. O Serviço Autônomo Municipal de Trânsito (Seterb) e
Transportes de Blumenau interdita o fluxo de veículos na madrugada do dia do evento,
o que possibilita a montagem de toda a estrutura (palco, barracas, sanitários móveis,
entre outros). O Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) instala pias e
disponibiliza aproximadamente 25 pontos de água aos grupos participantes. A
Companhia Urbanizadora de Blumenau (URB) realiza a limpeza das vias públicas após
o término do evento e o Seterb, finalmente reabre estas ruas para o trânsito fluir
normalmente. Além destas, pode-se citar também a participação da universidade local,
dos lojistas da Rua XV de Novembro, cervejarias, restaurantes e polícia militar que
garante a segurança dos participantes nestas vias que compõem o espaço público do
evento. Assim, através da participação e integração de todos os envolvidos na
organização e execução do evento, o stammtisch reforça o sucesso alcançado a cada
edição realizada, compondo de forma significativa os costumes e tradições dos
blumenauenses.
Considerações Finais
Este trabalho apresentou, por meio de um estudo de caso do evento Stammtisch de
Blumenau (SC), algumas reflexões sobre como a tradição cultural pode ser utilizada
para criar eventos que, muitas vezes, evoluem ao ponto de incrementar a oferta turística.
Tal fato pode ser exemplificado pelas festas tradicionais, ocorridas principalmente
durante o mês de outubro, que compõem o rol de produtos turísticos de Santa Catarina.
Muitos turistas visitam o estado nestes períodos festivos afim de participarem destes
eventos que estão diretamente ligados as tradições culturais das comunidades
pertencentes ao estado. Neste sentido, destaca-se o patrimonio cultural herdado dos
imigrantes alemães que colonizaram muitas cidades catarinenses, em especial a região
do Vale Europeu. Vale destacar que para o planejamento da atividade turística, o setor
de eventos constitui-se como uma atividade que agrega valor ao produto turístico
permitindo minimizar os efeitos da sazonalidade em destinos que antes viviam
exclusivamente de suas temporadas.
Neste sentido, Allen et.al (2008) comentam que a maioria das comunidades realiza um
grande número de eventos, voltados principalmente para o público local e, a princípio,
organizados por causa de seu valor social, de diversão e de entretenimento. Percebe-se,
no entanto, que muitos destes eventos que antes eram tidos como locais ganham
proporções e características turísticas. Destaca-se que neste trabalho foi possível
verificar que o stammtisch é um recurso cultural que fortalece os laços identitários da
comunidade e, de certa forma, impulsiona o segmento turístico já explorado no
município.
Esta pesquisa demonstrou, também, que há algumas divergências em relação às
tradicionais
reuniões
de
stammtisch
com
o
atual
evento
strassenfest
mit
stammtischtreffen, o qual ficou popularmente conhecido pelo mesmo nome, stammtisch.
Um fator que contribuiu para este ocorrido é a utilização da mesma palavra para
referenciar coisas diferentes, pois como o termo stammtisch já era popularmente
conhecido, o “encontro de rua dos grupos de stammtisch” acabou sendo abreviado ao
mesmo termo. Talvez, o mais adequado teria sido a redução ao termo “strassenfest”
(festa de rua), que poderia distinguir melhor o evento, desvinculando-o do tradicional
stammtisch, evitando, assim, o atual desentendimento. Faz-se necessário esclarecer que
na realidade são eventos distintos, que se confundem devido à utilização da mesma
palavra. O primeiro trata-se da prática tradicional de reunião de amigos, o outro se
refere a um evento criado com a finalidade de confraternização de todos os grupos. Luiz
Eduardo Caminha9 esclarece o início desta confusão. Ele explica que no ano de 2000,
juntamente com demais integrantes, organizaram o primeiro strassenfest mit
stammtischtreffen tendo como escopo, o incentivo ao resgate da tradição dos grupos de
stammtisch. Assim, aconteceu o primeiro evento em 26 de agosto do mesmo ano. Desde
então os strassenfest mit stammtischtreffen passaram a ser conhecidos como stammtisch
e vêm se realizando cada vez com mais grupos. Caminha explica ainda que stammtisch,
em Blumenau ainda continua sendo um local de encontro num bar, restaurante, clube,
ou outro, com o objetivo de reunir pessoas de afinidades comuns onde conversam,
bebem, ou exercem, paralelamente, alguma outra atividade, via de regra, de caráter
social ou esportivo, tal qual na Alemanha, Áustria, Suíça ou outro país onde a tradição é
cultivada. O que se criou de diferente em Blumenau foi o encontro de stammtisch (não
existe registro em outro país), onde um número variável destes grupos se reúne em
barracas, na principal rua da cidade.
Tal explanação se faz necessário para compreender que desta ação surgiram muitos
grupos que se reúnem somente com a finalidade de participação no evento stammtisch,
ou seja, se encontram somente em vésperas da data do evento, o que acaba gerando
críticas dos grupos tradicionais que possuem uma conduta diferente. No entanto, muitos
outros grupos se formaram incentivados pelo evento e, atualmente, adotaram as normas
de praxe, ou seja, se reúnem semanalmente, ou mensalmente para discutir assuntos
diversos, não se vinculando somente ao encontro na Rua XV de Novembro.
Embora o stammtisch tenha sofrido alterações de acordo com os objetivos e propósitos
pelo qual o evento acontece, atualmente, é aceito como um evento que fortalece os
recursos disponíveis no destino para a exploração do segmento do turismo histórico
cultural. Nas palavras de Rischbieter (2007) o stammtisch está devidamente
consolidado, e passa a ter, agora, um novo desafio: torná-lo um foco de atração turística
da cidade. Por fim, destaca-se que se trata de um importante evento para a comunidade
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Luiz Eduardo Caminha é o idealizador e responsável pelo site Stammtisch Confrarias e Patotas. (CAMINHA, 2010)
e que em geral, tais acontecimentos possibilitam dentre vários benefícios: desenvolver o
orgulho na comunidade e fortalecer o sentimento de origem, mas acima de tudo,
preservar as tradições culturais, o que culmina com incremento à oferta turística.
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A Tradição Cultural como Incremento à Oferta Turística: O