A Tradição Cultural como Incremento à Oferta Turística: O Caso do Evento Stammtisch em Blumenau, SC. Rachel Aparecida de Oliveira Rueckert1 Talita Cristina Zechner2 Patrícia Adriana Petersen Mette3 Universidade Regional de Blumenau – FURB Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Resumo O Município de Blumenau (SC) tem sua história marcada pela colonização alemã, o que lhe confere características sociais, econômicas e culturais próprias deste povo. As festas e comemorações ligadas às tradições culturais fazem parte do contexto histórico local. Além das festas tradicionais, surgem outras que contribuem com o fortalecimento da imagem cultural do município, como é o caso do evento strassenfest mit stammtischtreffen. Este trabalho objetivou analisar o referido evento verificando se o mesmo contribui para complementar e impulsionar o turismo local. Adotou-se a pesquisa qualitativa, através de um estudo de caso. Verificou-se que com a criação do evento stammtisch, o entendimento desta prática, tradicional na região, sofreu alterações de acordo com os objetivos e propósitos pelo qual o evento acontece atualmente. No entanto, contribui para preservar a tradição cultural. Palavras-Chave: Evento Stammtisch; Tradições Culturais; Turismo Introdução A atividade turística tem sido destaque em muitas propostas de desenvolvimento local, principalmente em regiões que possuem características propícias para o turismo. Não obstante, para constituir-se em um instrumento de desenvolvimento destas localidades, torna-se necessário que haja uma diversificação e um aproveitamento do potencial 1 Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Professora do Curso de Turismo e Lazer da Universidade Regional de Blumenau – FURB. [email protected] 2 Turismóloga e Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. [email protected] 3 Mestre em Turismo e Hotelaria e Professora do Curso de Turismo e Lazer da Furb. patrí[email protected]. destas regiões transformando-as em produtos turísticos ou ampliando o que podem oferecer. Uma alternativa que atende a esse princípio refere-se à criação de eventos. Estes eventos partem, comumente, de um aspecto cultural e/ou social da comunidade aumentando a atratividade e a demanda turística. Apesar de estes eventos estarem normalmente relacionados, num primeiro momento, a motivações culturais, faz-se relevante conhecer os impactos que proporcionam. Apesar do freqüente otimismo que se abordam os impactos positivos da atividade turística em localidades receptoras, os impactos negativos não podem ser desconsiderados. Cabe destacar que estes impactos estão intrinsecamente correlacionados com o modo como tais atividades são planejadas e gerenciadas. Referente a estes impactos, pode-se dizer que dentre os segmentos do turismo, eventos é um dos mais dinâmicos e interativos, provocam grandes fluxos, ampliam as taxas de permanência dos turistas, valorizam aspectos culturais e naturais, enfim, são tidos como atrativos turísticos, o que permite, em muitos casos, a diminuição da sazonalidade. Neste segmento, destacam-se também as festas populares. Complementando, Macena (2003, p. 69) afirma que: As festas populares são importantíssimas na atividade turística, pois possibilitam um encontro com a realidade cultural da comunidade visitada em seus aspectos ecológicos, históricos, estéticos, religiosos, econômicos, sociais e políticos, além de funcionar como atrativo complementar ou principal em períodos distintos, como, por exemplo, durante a baixa estação, podendo, provavelmente, serem estas motivadoras do deslocamento de pessoas durante este período de menor fluxo interferindo, de forma positiva, na sazonalidade turística. Mas até que ponto estes eventos conseguem realmente transformarem-se em produtos turísticos? Os aspectos culturais contribuem para a criação destes eventos? Quais são os impactos desta ação? Na tentativa de melhor elucidar estas questões o presente trabalho propõe uma análise do evento Strassenfest mit stammtischtreffen4 de Blumenau (SC) cujo objetivo é verificar se o mesmo contribui para complementar e impulsionar o turismo local. Partese do princípio que o evento stammtisch agrega valor ao que já vem sendo trabalhado em Blumenau: a gastronomia típica, a arquitetura enxaimel, as demais festas tradicionais (ex.: Oktoberfest) etc. 4 Expressão alemã, cuja tradução para o português é: festa de rua com encontro de stammtisch. Mette (2005) explica que o termo stammtisch é formado pela junção das palavras do alemão stamm (em portugues tronco) e tisch, que significa mesa. Numa tradução literal, "mesa de tronco". O termo stammtisch também é usado no sentido de uma mesa redonda como plataforma de discussão. Neste interim, faz-se mister destacar que o Município de Blumenau (SC) tem sua história marcada pela colonização alemã, lhe conferindo características – sociais, econômicas, étnicas, culturais e arquitetônicas – próprias deste povo. Seu fundador Hermann Otto Bruno Blumenau trouxe os primeiros colonizadores para a região em 1850. Os costumes e modo de viver destes primeiros imigrantes deram sustentação à nova colônia, sendo facilmente observado, ainda hoje, por quem chega ao local. Com o intuito de compreender a dinâmica do stammtisch e sua origem, a metodologia utilizada na pesquisa realizada foi à qualitativa, através de um estudo de caso. O estudo de caso é um procedimento metodológico definido por Yin apud Roesch (1999) como uma estratégia de pesquisa que busca examinar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto. Roesch (1999) salienta que além de permitir estudar os fenômenos em seu contexto, tal procedimento sugere a exploração dos fenômenos, com base em distintos ângulos em decorrência da flexibilidade de poderem ser utilizadas diversas fontes de dados. Assim, ao pesquisar sobre o objeto de estudo aqui proposto, praticou-se um levantamento dos dados já existentes realizando novas buscas e entrevistas quando necessárias. A Secretaria de Turismo de Blumenau, Convention & Visitors Bureau 5 e integrantes dos grupos do stammtisch foram atores importantes no processo de coleta dos dados. A observação in loco contribuiu para que a análise pudesse ser realizada favorecendo a compreensão do processo evolutivo do evento. Destaca-se que a relevância deste estudo se dá a partir do momento que traz discussões sobre um evento local decorrente da herança germânica na região e que vem ganhando proporções cada vez maiores, compondo, inclusive, o calendário de eventos da cidade. O stammtisch representa um esforço de alguns atores (público e privado) que vislumbraram, inicialmente, um evento que valorizasse a cultura local. No entanto, fazse necessário refletir criticamente se o enfoque e encaminhamento que está se dando ao evento é adequado, bem como, se o evento atende a seu principal objetivo fortalecimento da cultura - como, também, se pode ser considerado um incremento à oferta turística do município. Compreendendo os Aspectos Históricos da Tradição Germânica de Blumenau (SC) Ao discorrer sobre a tradição germânica de Blumenau (SC) é relevante compreender o 5 Entidade sem fins lucrativos, mantida pela iniciativa privada, apoiada pelo poder público e focada para a captação de eventos e fomento do turismo local. processo histórico deste município. Apoiados em tradições do país de origem, os imigrantes alemães que vieram para a colônia com o seu fundador Hermann Otto Bruno Blumenau mantiveram características próprias que os diferenciaram das demais colônias. Conforme Santiago (2001), embora o objetivo inicial desta colônia fosse uma produção agrícola de subsistência, já em 1856 cresciam, gradativamente, o número de negócios de beneficiamento (engenhos de farinha, engenhos de açúcar, alambiques, moinhos de milho, engenhos de serrar, fábrica de vinagre, fábrica de cerveja, padaria e olaria). Em 13 de janeiro de 1860, foi assinado o convênio determinando que o estabelecimento do Dr. Blumenau, tornaria uma Colônia Imperial, cabendo ao Governo do Império, administrá-la. Porém, Blumenau deveria permanecer a sua frente, atuando na direção e recebendo uma gratificação anual. No dia 04 de fevereiro de 1880 é aprovada a lei 860, elevando a Colônia à categoria de município e, através do decreto imperial 8.454, de 18 de março de 1882, o município de Blumenau foi declarado completamente emancipado, tendo já no dia 17 de janeiro do mesmo ano, dissolvida a direção da Colônia, dispensando, desta forma, seu diretor e respectivos auxiliares (SANTIAGO, 2001). Quanto ao desenvolvimento urbano, Blumenau seguiu o mesmo modelo adotado por algumas cidades alemãs nas quais a distribuição se dá partindo de uma rua comercial. Estas cidades obtiveram pleno sucesso nas atividades comerciais, sendo que na cultura germânica, tornou-se uma evidência que o fator determinante nas relações estaria nas instituições econômicas e não na religião (DEECKE, 1995). Petry (1982) comenta em sua obra que o desenvolvimento da colônia de Blumenau foi marcada pelas manifestações culturais, conservando suas caracteristicas folclóricas e tradicionais. Os schützenvereine6, assim denominadas, no idioma alemão, são exemplos destas primeiras manifestações culturais permanecendo até os dias de hoje. Ern Filho e Graipel Júnior (2006) destacam que as manifestações culturais em Blumenau não foram inventadas ou imitadas para que se tornassem um produto turístico. A cultura alemã predominou no local, mas sofreu, ao longo dos anos, interferências, transformações e, com o desenvolvimento econômico da cidade houve uma contribuição maior para o surgimento de mais associações culturais, esportivas e filantrópicas, representando assim o espírito associativo incorporado nos blumenauenses 6 Palavra alemã, cujo significado é sociedade dos atiradores. Segundo Petry (1982) a instalação do primeiro schützenverein de Blumenau deu-se a partir da doação da área para sua instalação pelo Dr. Blumenau.no ano de 1859. para o lazer e a cultura. Acerca dos aspectos culturais, cabe aqui destacar Warnier (2002) que apresenta a cultura enquanto totalidade complexa que compreende as capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade, possuindo assim certas características. Dentre estas, evidencia-se o fato de que nenhuma cultura poderá ser transmitida de forma independente à sociedade que a alimenta – a cultura é assim, socializada; as culturas são singulares, extraordinariamente diversas e localizadas – podendo, em alguns casos, ser mais social que espacial. Toda cultura é transmitida pelas tradições reformuladas em função do contexto histórico; a língua e a cultura estão na essência dos fenômenos de identidade. Esta cultura pode ser observada em Blumenau. Nesta dinâmica pode-se afirmar que sua história começa com o legado da tradição. Carr (1982) explica que tradição significa a transferência dos hábitos e lições do passado para o futuro. Aspectos Culturais: Incremento à Oferta Turística Os diferentes tipos de turismo surgem a partir das experiências que os turistas almejam conhecer. A discussão do turismo cultural, que perpassa incialmente pela conceituação do mesmo, compreendido como as atividades turísticas que dizem respeito à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais de uma comunidade (BARRETO, 2000), deixa evidente a principal motivação de viagem para os adeptos deste tipo de turismo. A interface que se estabelece entre cultura e turismo são nítidos quando se estabelecem relacionamentos nos quais o turismo se apropria das manifestações culturais, da arte, dos artefatos da cultura. Neste sentido, para que se possa compreender a relação entre cultura e turismo, incialmente se discute o tema da cultura, o qual envolve por elementos como patrimônio histórico e identidade. Ao se pensar em patrimônio histórico, inicialmente, é comum que se remetam as imagens de monumentos históricos antigos e exuberantes, usualmente dotados de importantes atributos arquitetônicos. Na contemporaneidade, observa-se que o restrito entendimento de vincular patrimônio histórico a monumentos antigos é insuficiente diante da complexidade e amplitude do conceito de patrimônio histórico. A explicação da razão pela qual se relaciona patrimônio histórico aos monumentos antigos pode ser encontrada na obra de Fonseca (2003). A autora pontua que alguns monumentos são frutos do olhar distante de estrangeiros, que identificaram e, por conseguinte, determinaram que certos objetos fossem qualificados como monumentos. Barreto (2000) explica que a palavra patrimônio tem vários significados, sendo que o mais comum é aquele que denota o conjunto de bens que uma pessoa ou uma entidade possuem. Esta autora evidencia ainda que a noção de patrimônio está relacionada a um território, ao ressaltar que o patrimônio é um conjunto de bens que situam-se dentro de determinados limites de competência administrativa. É possível observar neste ponto, a relevância da questão do território e do poder envolvidas nas discussões sobre patrimônio. Na área do turismo, o patrimônio pode ser classificado em duas grandes categorias: natural e cultural. A primeira se refere às riquezas que estão no solo e no subsolo, como é o caso das florestas e jazidas, enquanto a segunda, abrange cada vez mais um número maior de elementos e fenômenos (BARRETO, 2000). Tais elementos são tão importantes quanto os recursos naturais, pois, conforme Leite (2004, p.173): [...] da mesma forma que os atrativos naturais são vitais na atividade, as manifestações populares (festas, comemorações religiosas, gastronomia, artesanato, férias, mercado) e outros acontecimentos programados (feiras, exposições, realizações desportivas, artísticas, culturais) também devem ser consideradas da maior importância para o desenvolvimento turístico. Fonseca (2003) esclarece que o conceito de patrimônio cultural brasileiro, conforme a constituição federal de 1988 é definido como bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Esta definição pretende deixar claro que todas as manifestações culturais que representem a identidade e a memória de distintos grupos sociais, são passíveis de serem denominadas de patrimônio cultural, independente do seu grau de erudição e sofisticação ou da quantidade de atributos arquitetônicos envolvidos, pois como argumenta Brenner (2005), a cultura é a causa principal da diversidade, manifestando-se de diversas formas, incluindo o patrimônio cultural. Este patrimônio traduz especificidades e características singulares de uma localidade e contribui assim, para a consolidação de uma identidade própria, que é oriunda da memória coletiva e pode ser marcada pelas diferenças. É oportuno esclarecer ainda, que a identidade permite aos indivíduos estabelecer um vínculo, um sentimento de pertença a determinado grupo social. Isto é muito importante, pois fortalece os laços de referencial. É interessante observar, que a atividade turística quando envolve aproximação com distintos modos de vida permite uma dupla interface com a questão do patrimônio cultural. Considerando o patrimônio cultural como um conjunto de bens, manifestações e modos de ser e viver que refletem a memória coletiva de determinado grupo, merece atenção o papel do sentimento de identidade. A identidade de um indivíduo é um aspecto importante para a construção da memória coletiva de determinado grupo e, como explica Oliveira (1998), um dos subsídios fundamentais para a consolidação do sentimento de identidade é o jogo dialético que ocorre a partir das percepções entre as semelhanças e diferenças de alguém consigo mesmo no curso do tempo ou com demais seres humanos que o cercam no plano grupal. Diz Oliveira (1998) que a identidade surge por oposição, implicando a afirmação de uma pessoa diante dos outros, jamais se afirmando isoladamente. Nestas condições, caminha-se para o entendimento de que sob o ponto de vista da comunidade local, a atividade turística estimula a conservação do patrimônio cultural seja por intermédio de políticas públicas específicas, seja pela entrada de recursos financeiros que contribuem para o fortalecimento do patrimônio quando a atividade turística ocorre de maneira ordenada e sustentável, ou ainda, devido a valorização e o reconhecimento de seus atributos culturais. Ao referir-se à cultura como uma possibilidade de composição da oferta turística de um destino, cabe perfeitamente a definição de turismo cultural proposta pelo Ministério do Turismo em parceria com o Ministério da Cultura e o IPHAN: “Turismo Cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006, p.12). No sentido de contribuir para o aumento da oferta turística dos destinos, as organizações têm direcionado seus esforços para que cada vez mais se ampliem os números de atrativos turísticos. Neste contexto, os aspectos culturais têm sido foco de muitos projetos. A Organização Mundial do Turismo (OMT) e a Comissão Européia de Turismo (ETC) sugerem a necessidade dos destinos turísticos promoverem inovações em seus produtos, como forma de diferenciá-los, levando-se em consideração o aumento da oferta de Turismo Cultural em todo o mundo. Por esta razão, a incorporação de atividades criativas a roteiros e produtos é medida fundamental na gestão do segmento, (OMT; ETC, 2005). O Ministério do Turismo (2006) enfatiza que para dinamizar o patrimônio material (casarios, palácios) ou valorizar determinadas manifestações (gastronomia, artesanato, bonecos), poderão ser agregadas algumas atividades capazes de se tornarem atrativos por si só, a depender da criatividade. São atividades culturais que podem gerar novas possibilidades de leitura e de vivência das culturas locais e regionais. Para isso, como os órgãos de cultura são os principais responsáveis pela gestão dos espaços culturais, é desejável que os órgãos de turismo passem a participar do planejamento das atividades culturais para fins turísticos, envolvendo gestores e empresários do turismo para a promoção destes espaços (MINISTERIO DO TURISMO, 2006, p.31). O Ministério do Turismo (2006) destaca, ainda, que o adequado desenvolvimento do Turismo Cultural depende da observância de questões legais relacionadas aos atrativos turísticos e ao patrimônio, ao território, e à prestação de serviços, dentre outras. São estes dispositivos que irão orientar as ações, estruturar os procedimentos e ordenar o território, considerando os anseios e as necessidades da população brasileira. Stammtisch: da Tradição Cultural a Produto Turístico As festas e comemorações ligadas às tradições culturais dos imigrantes alemães fazem parte do contexto histórico de Blumenau (SC). Além das tradicionais festas relacionadas às competições de tiro, bolão e bocha, outras tem surgido contribuindo com o fortalecimento da imagem cultural do município, como é o caso da Oktoberfest – festa da cerveja – considerada uma das maiores festas culturais do país. Esta festa consolidou-se num dos mais importantes produtos turísticos do calendário nacional, projetando a cidade de Blumenau (SC) e suas características alemãs, como: a gastronomia, a música, as danças e o folclore. Mais recentemente, no ano de 2000, ocorreu o primeiro evento Strassenfest mit stammtischtreffen (festa de rua com encontro de stammtisch). Para Rischbieter (2007) trata-se de um evento, aonde os grupos de stammtisch trazem para a Rua XV de Novembro – centro da cidade - toda a sua estrutura: mesas, copos, bebidas e alimentação, procurando reeditar em plena rua, suas reuniões diárias, semanais, quinzenais ou mensais. Durante o evento, inúmeras bandas típicas alemãs, com acordeões, gaitas de boca, instrumentos de sopro animam a festa, que não se caracteriza pela espetacularização. Seus integrantes passam o tempo comendo, brindando, cantando, conversando, além das rodadas de dominó, cartas, skat e outros. Mas, como surgiu o stammtisch? Quais suas características? Este evento contribui para fortalecer as tradições? Pode ser considerado um complemento a oferta turística do município? Ilustração 1: Músicas típicas alemãs fazem parte do contexto do Stammtisch realizado em 17.04.2010 – Rua XV de Novembro, Blumenau (SC) Foto de: Fabiana Lange Ilustração 2: Motocicleta transportadora de cerveja – Choppmotorrad em 17.04.2010 – Rua XV de Novembro, Blumenau (SC) Foto de: Jaime Batista da Siva Para compreendermos como o evento stammtisch faz parte atualmente do calendário turístico e vem sendo trabalhado na perspectiva de componente da oferta turítica local, torna-se necessário inicialmente uma abordagem histórica. Luiz Eduardo Caminha, um dos organizadores das primeiras edições do stammtisch, comenta que são imprecisos os registros históricos a respeito dos grupos de stammtisch, em Blumenau. Segundo Caminha (2010) os stammtisch acontecem desde os tempos de colônia. É muito provável que devido os grupos serem freqüentados por homens, estes não tinham o zelo de registrar tais reuniões informais ou não achavam estes registros importantes ou ainda, porque não tinham interesse que suas conversas e andanças, habitualmente noturnas, pudessem chegar ao conhecimento de suas esposas, noivas ou namoradas, muito menos à pudica sociedade da época. Caminha (2010) defende que não há dúvida que o movimento nacionalista deflagrado a partir de 1935, tendo como alvo as colônias alemãs do sul do Brasil contribuiu para o esmorecimento desta cultura. É importante destacar que neste período foi proibido o idioma alemão, as atividades nos populares clubes e sociedade de atiradores (schützenverein) tiveram seus nomes nacionalizados ou foram fechadas. Neste período, na tentativa de “encobertar” os stammtisch desenvolveu-se o hábito de associar à reunião a uma atividade sócio-esportiva, como o futebol, a bocha, o bolão, entre outras, o que acabou por transformá-los em grupos ou patotas destinados a estas atividades. Conforme Caminha (2010) foi na segunda metade do século XX, já livres da campanha nacionalista da era Vargas, que alguns grupos voltaram a se identificar como stammtisch. Kormann (1996) explica que os stammtisch acontecem na região desde o final do século XIX e, na época, apenas os homens formavam grupos de stammtisch. As mulheres, geralmente, participavam dos kränzchen (encontro restrito as mulheres, realizados durante chás e cafés da tarde). Mette (2005) complementa que outra característica marcante dos antigos grupos de stammtisch é o consumo de, apenas, bebidas alcoólicas. Não era servido nenhum tipo de refeição. Os grupos atuais foram adaptados conforme as atitudes comportamentais da sociedade moderna. Portanto, os stammtisch de hoje são compostos por homens, mulheres, jovens e idosos, sem distinção de sexo ou idade e, além disso, a gastronomia típica da região complementa o consumo da bebida mais tradicional desses encontros, a cerveja. Mette (2005) conta que a 1ª edição do evento aconteceu durante as comemorações do sesquicentenário de Blumenau, em agosto de 2000. Foi uma iniciativa do Instituto 150 Anos (constituído por representantes de entidades de classe e poder público de Blumenau para coordenar as ações comemorativas dos 150 anos da cidade) e com o apoio do Blumenau Convention & Visitors Bureau e o Sindicato do Comércio Varejista. As duas primeiras edições aconteceram num intervalo de 02 meses e já de início despertou o interesse de grupos que ainda não haviam participado em montarem suas confrarias7 e comemorarem em plena Rua XV de Novembro, principal via comercial e vitrine da cidade. Tal interesse motivou a comissão organizadora a programar as demais festas. 7 O termo confraria é mais utilizado do que grupos, pois remete a idéia de irmandade, conjunto das pessoas da mesma categoria, dos mesmos interesses ou da mesma profissão. Ilustração 3: Stammtisch realizado em 17.04.2010 – Rua XV de Novembro, Blumenau (SC) Foto de: Marcelo Martins No início, o encontro ocorria duas vezes ao ano, geralmente nos meses de março e setembro. Porém, a partir de 2008, devido principalmente as dificuldades organizacionais e pela amplitude que o evento tomou, passou-se a realizar apenas uma edição ao ano (em abril). A última festa, ocorrida em 17 de abril de 2010, reuniu 270 grupos de stammtisch contando com a participação de aproximadamente 8 mil pessoas distribuídas nas diversas confrarias dispostas ao longo da Rua XV de Novembro. No dia do evento, a principal via comercial de Blumenau recebeu uma média de 25 mil pessoas8 que transitaram entre os grupos. Na tabela abaixo, é possível observar a evolução dos números do evento: Edição 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 8 Data 26/08/2000 25/11/2000 21/04/2001 01/09/2001 02/03/2002 21/09/2002 22/03/2003 20/09/2003 22/03/2004 20/11/2004 19/03/2005 17/09/2005 25/03/2006 25/11/2006 Grupos Inscritos 17 26 34 72 95 160 270 263 275 257 245 240 260 160 Participantes 433 550 900 1.700 2.200 3.700 6.750 6.575 6.500 7.080 6.700 6.600 6.000 3.500 Conforme dados do Diário Catarinense referente à última edição de 17 de abril de 2010. 15ª 16ª 17ª 18ª 19ª 31/03/2007 22/09/2007 26/04/2008 25/04/2009 17/04/2010 180 150 209 240 270 3.700 3.100 4.800 6.000 8.000 Fonte: Blumenau Convention & Visitors Bureau, 2010. Observa-se que nas edições de 2006 e nas duas edições que ocorreram em 2007 houve uma considerável retração do número de participantes. Fato atribuído a mudança do evento da Rua XV de Novembro para o espaço onde acontece a Oktoberfest, Parque Vila Germânica. Muitos grupos não participaram, pois são contrários a realização do evento fora da Rua XV de Novembro. Os grupos permanecem durante todo o dia na Rua XV de Novembro, preparando pratos diversificados como o porco no rolete, goulasch (uma espécie de carne ensopada), carnes grelhadas, sanduíches diversos, entre outras receitas que compõem o típico cardápio local. Embora tenha sido criado como uma festa destinada, a princípio, aos blumenauenses, o evento vêm despertando atenção de turistas, atraindo visitantes de cidades próximas como Pomerode, Indaial, Balneário Camboriú, Florianópolis e São Bento do Sul. Rischbieter (2007) explica que este evento é uma tradição re-inventada em Blumenau e hoje levada a efeito em aproximadamente 40 cidades catarinenses. Atualmente, o stammtisch compõe o calendário de eventos fixos de Blumenau sendo organizado pelo Parque Vila Germânica (representante do poder público local) em parceria com o Blumenau Convention & Visitors Bureau (representante da iniciativa privada). Para que o evento aconteça com sucesso, vários setores e organizações envolvem-se nos períodos pré, trans e pós evento. O Serviço Autônomo Municipal de Trânsito (Seterb) e Transportes de Blumenau interdita o fluxo de veículos na madrugada do dia do evento, o que possibilita a montagem de toda a estrutura (palco, barracas, sanitários móveis, entre outros). O Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) instala pias e disponibiliza aproximadamente 25 pontos de água aos grupos participantes. A Companhia Urbanizadora de Blumenau (URB) realiza a limpeza das vias públicas após o término do evento e o Seterb, finalmente reabre estas ruas para o trânsito fluir normalmente. Além destas, pode-se citar também a participação da universidade local, dos lojistas da Rua XV de Novembro, cervejarias, restaurantes e polícia militar que garante a segurança dos participantes nestas vias que compõem o espaço público do evento. Assim, através da participação e integração de todos os envolvidos na organização e execução do evento, o stammtisch reforça o sucesso alcançado a cada edição realizada, compondo de forma significativa os costumes e tradições dos blumenauenses. Considerações Finais Este trabalho apresentou, por meio de um estudo de caso do evento Stammtisch de Blumenau (SC), algumas reflexões sobre como a tradição cultural pode ser utilizada para criar eventos que, muitas vezes, evoluem ao ponto de incrementar a oferta turística. Tal fato pode ser exemplificado pelas festas tradicionais, ocorridas principalmente durante o mês de outubro, que compõem o rol de produtos turísticos de Santa Catarina. Muitos turistas visitam o estado nestes períodos festivos afim de participarem destes eventos que estão diretamente ligados as tradições culturais das comunidades pertencentes ao estado. Neste sentido, destaca-se o patrimonio cultural herdado dos imigrantes alemães que colonizaram muitas cidades catarinenses, em especial a região do Vale Europeu. Vale destacar que para o planejamento da atividade turística, o setor de eventos constitui-se como uma atividade que agrega valor ao produto turístico permitindo minimizar os efeitos da sazonalidade em destinos que antes viviam exclusivamente de suas temporadas. Neste sentido, Allen et.al (2008) comentam que a maioria das comunidades realiza um grande número de eventos, voltados principalmente para o público local e, a princípio, organizados por causa de seu valor social, de diversão e de entretenimento. Percebe-se, no entanto, que muitos destes eventos que antes eram tidos como locais ganham proporções e características turísticas. Destaca-se que neste trabalho foi possível verificar que o stammtisch é um recurso cultural que fortalece os laços identitários da comunidade e, de certa forma, impulsiona o segmento turístico já explorado no município. Esta pesquisa demonstrou, também, que há algumas divergências em relação às tradicionais reuniões de stammtisch com o atual evento strassenfest mit stammtischtreffen, o qual ficou popularmente conhecido pelo mesmo nome, stammtisch. Um fator que contribuiu para este ocorrido é a utilização da mesma palavra para referenciar coisas diferentes, pois como o termo stammtisch já era popularmente conhecido, o “encontro de rua dos grupos de stammtisch” acabou sendo abreviado ao mesmo termo. Talvez, o mais adequado teria sido a redução ao termo “strassenfest” (festa de rua), que poderia distinguir melhor o evento, desvinculando-o do tradicional stammtisch, evitando, assim, o atual desentendimento. Faz-se necessário esclarecer que na realidade são eventos distintos, que se confundem devido à utilização da mesma palavra. O primeiro trata-se da prática tradicional de reunião de amigos, o outro se refere a um evento criado com a finalidade de confraternização de todos os grupos. Luiz Eduardo Caminha9 esclarece o início desta confusão. Ele explica que no ano de 2000, juntamente com demais integrantes, organizaram o primeiro strassenfest mit stammtischtreffen tendo como escopo, o incentivo ao resgate da tradição dos grupos de stammtisch. Assim, aconteceu o primeiro evento em 26 de agosto do mesmo ano. Desde então os strassenfest mit stammtischtreffen passaram a ser conhecidos como stammtisch e vêm se realizando cada vez com mais grupos. Caminha explica ainda que stammtisch, em Blumenau ainda continua sendo um local de encontro num bar, restaurante, clube, ou outro, com o objetivo de reunir pessoas de afinidades comuns onde conversam, bebem, ou exercem, paralelamente, alguma outra atividade, via de regra, de caráter social ou esportivo, tal qual na Alemanha, Áustria, Suíça ou outro país onde a tradição é cultivada. O que se criou de diferente em Blumenau foi o encontro de stammtisch (não existe registro em outro país), onde um número variável destes grupos se reúne em barracas, na principal rua da cidade. Tal explanação se faz necessário para compreender que desta ação surgiram muitos grupos que se reúnem somente com a finalidade de participação no evento stammtisch, ou seja, se encontram somente em vésperas da data do evento, o que acaba gerando críticas dos grupos tradicionais que possuem uma conduta diferente. No entanto, muitos outros grupos se formaram incentivados pelo evento e, atualmente, adotaram as normas de praxe, ou seja, se reúnem semanalmente, ou mensalmente para discutir assuntos diversos, não se vinculando somente ao encontro na Rua XV de Novembro. Embora o stammtisch tenha sofrido alterações de acordo com os objetivos e propósitos pelo qual o evento acontece, atualmente, é aceito como um evento que fortalece os recursos disponíveis no destino para a exploração do segmento do turismo histórico cultural. Nas palavras de Rischbieter (2007) o stammtisch está devidamente consolidado, e passa a ter, agora, um novo desafio: torná-lo um foco de atração turística da cidade. Por fim, destaca-se que se trata de um importante evento para a comunidade 9 Luiz Eduardo Caminha é o idealizador e responsável pelo site Stammtisch Confrarias e Patotas. (CAMINHA, 2010) e que em geral, tais acontecimentos possibilitam dentre vários benefícios: desenvolver o orgulho na comunidade e fortalecer o sentimento de origem, mas acima de tudo, preservar as tradições culturais, o que culmina com incremento à oferta turística. Referências ALLEN, J. et.al. Organização e Gestão de Eventos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008 BARRETO, Margarita. Turismo e legado cultural: as possibilidades do planejamento. Campinas, SP: Papirus, 2000. (Coleção Turismo). BLUMENAU CONVENTION VISITORS www.blumenau.com.br. Acesso em 02 abr. 2010. BUREAU. Disponível em: BRENNER, Eliane Lopes. Uma contribuição teórica para o turismo cultural. In: Habitus: Revista do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da Universidade Católica de Goiás. Goiânia: Ed. da UCG, v. 3, n. 2, p. 347-360, jul/dez., 2005. CAMINHA, Luiz Eduardo. Stammtisch Confrarias e Patotas. Disponível em http://www.stmt.com.br. Acesso em: 02. mar.2010. CARR, Edward Hallet. 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