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B A S T I D O R E S
D A V E
T R A D U Ç Ã O
G I B B O N S
D E
R I C A R D O
G I A S S E T T I
D E
C H I P
K I D D
F O T O G R A F I A S
M I K E
D E
D A N
E S S L
S C U D A M O R E
Í
N
D
I
C
E
INTRODUÇÕES
24
MECANISMOS
64
C A PÍ T U LO I
78
C A PÍ T U LO I I
90
C A PÍ T U LO I I I
102
RE AÇÕE S I N ICI A I S
118
C A PÍ T U LO I V
128
C A PÍ T U LO V
140
C A PÍ T U LO V I
152
CO R E S LO C A I S
164
C A PÍ T U LO V I I
1 74
C A PÍ T U LO V I I I
184
C A PÍ T U LO I X
192
BIZARRICES
204
C A PÍ T U LO X
206
C A PÍ T U LO X I
214
C A PÍ T U LO X I I
224
TERM INADO?
236
M A S E N TÃO. . .
237
FINAIS
269
P O S FAC I O À E D I Ç ÃO
EM PORTUGUÊS
271
N OTA S
272
A N OTAÇÕ E S
2 74
I N T R O D U Ç Õ E S
Em 1980, a Marvel Comics promoveu uma convenção de histórias em quadrinhos
no Royal Horticultural Hall, no centro de Londres. Muitos dos presentes se
lembram bem dos atores vestidos como personagens da Marvel. Mais
especificamente, lembram-se de um Wolverine asmático, um Homem-Aranha
tendo problemas com sua saqueira e um Hulk desmaiando de calor dentro do
seu traje de músculos. Foi muito divertido, mas também ligeiramente entristecedor,
ver que essas criaturas, tão magníficas em nossa imaginação, se mostravam tão
falíveis em carne e osso.
Talvez isso tenha sido um presságio do que estava por vir, porque foi nessa
mesma convenção onde conheci Alan Moore e começamos a trilhar o caminho
que eventualmente levaria a Watchmen.
O cenário dos quadrinhos britânicos era, na época, um lugar vibrante e
excitante. A primeira geração de criadores britânicos, que cresceu lendo os gibis
importados no começo dos anos 1960, havia formado seu clube na antologia
semanal de quadrinhos 2000 AD. Artistas como Brian Bolland, Mick McMahon,
Kevin O’Neill – e eu próprio – haviam conquistado alguma celebridade e
estavam se acostumando a autografar e fazer os desenhos que lhes eram
pedidos nas convenções de quadrinhos.
Foi assim que me encontrei sentado atrás de uma mesa no Royal Horticultural
Hall. O lugar não era ideal, mas fazia bem sentir-me na ribalta, no topo de uma
escada larga, banhado pela luz contínua do sol, recebendo meu público.
Entre os que estavam subindo a escada, estava um velho camarada, Steve
Moore. Eu o conhecia desde minhas primeiras tentativas de entrar no mercado,
quando ele fazia parte da equipe editorial da IPC Magazines e, depois,
trabalhando juntos, ao ilustrar seus roteiros para a Doctor Who Magazine, da
Marvel UK.
Naquele dia, Steve estava acompanhado: uma figura esbelta que vestia, se
bem me lembro, um terno de três peças, carregava uma sacola de plástico com
quadrinhos e tinha mais cabelo e barba do que eu jamais havia visto em outra
pessoa.
— Queria te apresentar um amigo meu — disse Steve. — Alan Moore, sem
parentesco.
Apertamos as mãos e fizemos piadas. Alan disse algumas palavras gentis
sobre o meu trabalho, desejei-lhe boa sorte e voltei às minhas tarefas.
E, por ora, foi só isso.
Naquela época, a 2000 AD encomendava histórias curtas com finais ousados
de escritores e artistas novatos para ver o que eles podiam fazer. Comecei a notar
o nome de Alan aparecendo nos créditos, e logo, quando precisaram de material
INTRODUÇÕES
extra, enviaram um de seus roteiros para mim. Não havia muitos diálogos naquele
primeiro roteiro, mas o ritmo narrativo e os enquadramentos que ele descrevia
tornaram aquilo uma delícia de desenhar. Pedi mais.
Ao todo devemos ter feito quase uma dúzia dessas, das quais a mais notória
foi “Chronocops” (“Policiais do tempo”). Era uma história complexa, com um
paradoxo temporal detalhado, e precursora do tipo de narrativa intrincada que
tentaríamos depois em Watchmen.
Em algum ponto daquele período, também recebi um telefonema de Dez
Skinn, antigo editor-chefe da Marvel Comics UK, que estava organizando uma
nova revista que se chamaria Warrior. Ele perguntou se eu estaria interessado em
desenhar a revitalização de um personagem chamado Marvelman, que Alan
estava escrevendo. Infelizmente, tive de dizer a ele que eu estava ocupado
demais para aceitar o convite.
Agora, colegas de profissão, eu e Alan nos falávamos por telefone e nos
encontrávamos ocasionalmente, fosse nos encontros mensais da Society of Strip
Illustration (Sociedade de Ilustradores de Quadrinhos), uma reunião efêmera de
novos e antigos criadores, fosse nas corriqueiras feiras de quadrinhos, em
Westminster.
Esses últimos encontros consistiam num verdadeiro caldeirão de ideias para
os gibis britânicos, uma grande sala com vendedores e um pequeno pub, The
Westminster Arms, ao lado, que todos os meses ficava entulhado de criadores
de quadrinhos. Além da turma da 2000 AD, você podia topar com Alan Davis,
Mark Farmer, Garry Leach, David Lloyd, Mike Collins, Richard Starkings, Eddie
Campbell e muitos outros que, um dia, deixariam sua marca no mercado de
quadrinhos norte-americanos.
Na verdade, toda essa atividade criativa não havia passado despercebida
do outro lado do Atlântico, particularmente na DC Comics, que enviou a dupla
de editores-seniores Dick Giordano e Joe Orlando a uma missão de recrutamento
de artistas. Recebendo os interessados em um hotel em Londres, eles ofereceram
condições muito melhores do que quaisquer outras no Reino Unido.
Levei comigo o material no qual estava trabalhando na época, uma página
dupla para a 2000 AD, escrita por Alan, estrelando Billy the Squid1, o flagelo
cefalópode de um distante planeta-caubói e seu arqui-inimigo, o multicorpóreo
Clone Ranger2. Dick e Joe não entenderam direito, mas consegui um contrato
com a DC mesmo assim.
Uma vez lá, contudo, encontrei-me repentinamente subempregado.
Aparentemente, eles pretendiam me colocar para desenhar a licença de
Jornada nas Estrelas (Star Trek), que acabara de ser comprada, imaginando
que minha experiência na 2000 AD e em Doctor Who me qualificariam para o
“bico”. Talvez eu fosse o cara, mas não fiquei entusiasmado com a ideia e, em vez
disso, acabei desenhando histórias de fundo para as revistas The Flash e Lanterna
Verde (Green Lantern).
Em pouco tempo, ofereceram-me a história principal em Lanterna Verde, que
era como um sonho de criança se realizando para mim. As histórias, escritas por
Len Wein, eram bem redigidas, mas enredos de novelas cotidianas não me
satisfazem e decidi que desistiria do trabalho após um ano.
Aparentemente, Len pensou que eu poderia me transferir para o título
Monstro do Pântano (Swamp Thing), personagem que ele havia criado, mas
que, no momento, estava com as vendas em declínio, devido à equipe criativa
de então, e me pediu para desenhar uma página de amostra. Eu não tinha
entusiasmo pelo personagem – pelo menos, não naquela época –, e
concordamos que a página que produzi apenas afundaria ainda mais o monstro
de adubo no lodo. Ele precisava de outra pessoa para ressuscitá-lo.
27
página oposta
Esboço a lápis do meu teste, incluindo um laboratório de cientista louco
e uma vítima feminina indefesa.
acima
Detalhe arte-finalizado da página-teste. O monstro de musgo mais
bem-apessoado que já se viu.
M E C A N I S M O S
Criar quadrinhos é, quase sempre, um processo de linha de produção. Um
editor discutirá o storyline com um roteirista. Depois, o roteiro será escrito, editado
e passado a um desenhista. As páginas a lápis serão passadas novamente, por
meio do editor, para um letrista e, depois, a um arte-finalista. Após isso, cópias
da arte-final serão tiradas e enviadas a um colorista. Finalmente, a arte-final e
as guias de cores serão editadas e enviadas à gráfica. (Esse processo mudou um
pouco na atual era digital.)
Com Watchmen foi diferente. O escritor, o artista/letrista e o colorista viviam
perto um do outro, a um oceano de distância dos escritórios editoriais da DC.
Não apenas isso, mas Alan, de fato, precisava de pouca intervenção editorial
(praticamente só para erros de revisão, os quais eu geralmente corrigia na fase
de letreiramento) e nenhum direcionamento. Quanto a mim, eu provia a arte
completa – letreirada e arte-finalizada – e organizada, e aprovava o trabalho de
cor de John. Todo o material ia para a gráfica virtualmente intocado, nossa visão
coletiva deixada intacta. O papel editorial da DC era, em boa parte, restrito ao
gerenciamento de tráfego, apesar de seu departamento de direção de arte, nas
pessoas de Richard Brunning e Julia Sabbagh, trabalhar junto comigo, melhorando
meus esboços de design e layouts, até que estivessem prontos para impressão.
Após algumas edições, Barbara Randall assumiu como editora, mas, já
tendo montado nosso próprio processo de produção, nós mal notamos.
Nossa rotina era esta: Alan passava as linhas gerais para uma edição pelo
telefone. Ele sempre tinha tudo muito bem planejado com antecedência em sua
cabeça e, essencialmente, apenas desfilava as ideias à minha frente e eu
aplaudia. Talvez eu adicionasse algumas sugestões ou mencionasse coisas que
suas ideias haviam despertado em mim. Normalmente, terminávamos explorando
todos os tipos de tangentes, falando sobre filmes, livros, música, memórias de
infância ou quadrinhos antigos e as sensações de surpresa e euforia que
geravam. Então, de algum jeito, depois de horas, retornávamos à tarefa principal,
tendo recolhido texturas e contextos ao longo da conversa, e ficávamos ainda
mais entusiasmados sobre as possibilidades do que estávamos fazendo.
Só então Alan escreveria um roteiro completo, normalmente sem outras
deliberações. Seu método preciso ainda é um mistério para mim, mas lembro
dele dizendo que o processo envolvia ficar enfiado em uma cama quente e
aconchegante, com um caderninho, devaneando o trabalho para o mundo real.
De algum modo, ele fazia a sua mágica e, em algum momento, eu recebia
uma pilha de cópias datilografadas, golpeadas em uma máquina de escrever
manual. E quero mesmo dizer golpeadas. As letras apareciam em alturas diferentes,
às vezes varando o papel fino, sem quebras de páginas, pouca preocupação
com parágrafos ou margens, e marcadas com corretivo e brasa de cigarro. Eu lia
tudo avidamente e telefonava para Alan com meus comentários, que normalmente
consistiam apenas em uma aprovação entusiástica. Às vezes, tinha que esclarecer
detalhes, mas apenas uma vez me lembro de ter sugerido algo a ser refeito. Alan
também achou que aquilo não estava de acordo e ficou feliz em me atender.
Então, era minha vez de me afundar no trabalho. Eu lia o roteiro mais algumas
vezes e, na última passagem, usava canetas marca-texto para isolar informações
essenciais, como o conteúdo e o tipo de enquadramento para cada quadro, já
que as descrições de quadros de Alan tendiam a ser discursivas e coloquiais.
Gosto do sentimento de dominar o material que estou desenhando, interiorizando
tudo a ponto de ser capaz de desenhar sem consultar o roteiro, por mais bem
escrito que seja.
página oposta
Bilhete manuscrito de Alan para mim,
acompanhando o primeiro roteiro.
acima
Bilhete de Alan ao editor Len Wein,
acompanhando outra cópia do mesmo
roteiro. Note-se que Sob o capuz estava
planejado originalmente para ocupar
apenas as primeiras capas internas e,
depois, dar lugar a cartas de leitores.
próxima página dupla
O roteiro de Alan Moore para a primeira
edição, com minhas anotações marcadas.
Atraímos muita atenção da imprensa também, tanto local quanto nacional.
Chegamos até as páginas da The Face, a principal revista de moda e
comportamento do Reino Unido na época. A sessão de fotos, porém, não foi
tão vanguardista assim. O fotógrafo nos mostrou com orgulho uma área no
chão, revestida com papel estampado de tijolos e um pedaço de corda largado
sobre ele. A gente não entendeu.
— Batman e Robin! — ele riu. — Vocês dois seguram na corda e se inclinam
para a frente, depois viramos a foto de lado e vocês estarão escalando uma
parede!
Santo silêncio desconcertante, como o Garoto Prodígio teria dito.
Concordamos em fazer um arranjo artesanal de espelhos e luzes.
A cada dia nos tornando uma dupla menos dinâmica, autografamos até
nossos dedos doerem, quando eu já havia aperfeiçoado o desenho de dez
segundos do Rorschach, que hoje deve adornar a página de abertura de quase
todos os exemplares de Watchmen existentes.
Quanto às convenções nos Estados Unidos, a experiência nos marcou pela
incrível cordialidade e pelo entusiasmo que havia em torno da indústria em geral
e, em particular, por Watchmen. Vimos camisetas feitas à mão, bonecos, bolos e
até tatuagens que homenageavam nosso trabalho. Ouvimos várias histórias de
como Watchmen havia trazido leitores perdidos de volta aos quadrinhos.
É estranho, mas as experiências mais intensas sobre Watchmen trazer leitores
de volta aos quadrinhos não aconteceram na turnê, mas em casa.
Mudei de casa durante a produção de Watchmen, como se eu já não
estivesse ocupado o suficiente. Logo depois, o novo morador da antiga casa me
ligou para dizer que haviam entregado uma caixa vinda dos Estados Unidos. Fui
lá pegar o pacote e descobri que continha minhas outras 50 cópias da primeira
edição de Watchmen.
Pôster da turnê da Titan. Nada de
dormir até chegarmos a Londres.
Esboço preliminar e capa
finalizada para o terceiro volume
dos álbuns publicados na França.
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