O PAPEL DA EDUCAÇÃO NA EMANCIPAÇÃO HUMANA: LIMITES E
POSSIBILIDADES SOB O OLHAR DO MATERIALISMO HISTORICO DIALÉTICO
Greiciane Pereira1
RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de discutir, através da revisão bibliográfica dos
autores, Sério Lessa, Mario Alighiero Manacorda e Karl Marx, os limites e possibilidades do processo
de emancipação humana em nossa sociedade atual, bem como discutir os processos históricos que
estão intrinsecamente relacionados ao a construção e ontologia do ser social. Propomos ainda neste
texto estabelecer um olhar mais atento ao papel da educação neste processo emancipatório, haja vista
que a educação como um complexo social, tem em si a contradição, pois ao mesmo tempo em que é
espaço de reprodução da estrutura social também pode e deve ser usada como instrumento de luta.
PALAVRAS-CHAVE: Emancipação humana. Educação. Ontologia
As discussões acerca de um processo de emancipação humana, principalmente entre os
estudiosos e educadores, muitas vezes reverberam como utópicas o que em grande parte motivou
este texto uma vez que o próprio método do materialismo histórico dialético nos dá ferramentas para
a compreensão do real bem como de olhar para a história e traçar limites e possibilidades , no
entanto vimos que esta temática tem sido bastante debatida e nos propomos a discutir qual o papel
da educação neste processo, fundamentada nos autores já citados anteriormente, bem como no
pressuposto filosófico dos autores e na pedagogia histórico - critica para tratar mais especificamente
da educação conduziremos a discussão no sentido de se aproximar mais de uma práxis educativa e
refutar a dicotomia entre teoria e prática que vimos muitas vezes nos processos educacionais e que
nos distancia de um processo emancipatório para além do que está posto.
Para uma apreensão do significado da atividade emancipatória, antes se faz necessário
trabalhar algumas categorias como educação, trabalho que estão diretamente ligadas com a
ontologia do ser social, compreender o processo histórico que nos torna humanos e ter claro que
somos sujeitos de nossa própria história e, portanto produzimos nossa própria humanidade e que
a fazemos não necessariamente como queremos, conforme vimos em o 18 Brumário de MARX.
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Aluna do Curso de Pedagogia da UNIOESTE (Foz do Iguaçu). E-mail: [email protected]
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Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas
oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
A citação acima nos leva a discutir sistematicamente a nossa ontologia, ora se produzimos
a nossa humanidade e somos sujeitos de nossa história isso não significa necessariamente que a
fazemos em um nível de consciência ou mesmo de premeditação suposta, uma vez que também
estamos sujeitos as múltiplas determinações históricas e econômicas, e que quando construímos
nossa história a fazemos partindo de uma base material, do saber historicamente acumulado e
principalmente que quando a fazemos, é de forma dinâmica e dialética, pois não apenas criamos o
que previamente idealizamos ou no nosso agir teleológico, mas também novas necessidades e
possibilidades e desta maneira percebemos o trabalho como categoria fundante do ser social, não
em seu sentido mercadológico, ou mesmo empregabilidade ou ocupação, mas sim como
reprodução social, como resultado concreto de objetivação e exteriorização. LESSA nos ajuda a
compreender a essência do trabalho:
O trabalho, pela sua própria essência, remete o homem para além do próprio trabalho – de
tal modo que, com o passar do tempo, o trabalho apenas pode se efetivar quando atende a
necessidades sociais que não mais pertencem diretamente à troca orgânica entre homem e
natureza. O trabalho, portanto, apenas pode se realizar no interior de um conjunto global de
relações sociais muito mais amplas que ele próprio: apenas no interior da reprodução
socioglobal pode o trabalho se efetivar como tal.(LESSA, 2007, p.60).
Vimos que o trabalho humaniza o homem, este trabalho que humaniza que transcende
a troca orgânica com a natureza e a transforma de forma a garantir a reprodução de nossa
existência e produz nossa humanidade, o nosso ser social, não é o trabalho que dentro da
lógica do modo de produção capitalista e que ao invés de humanizar aliena, que nos subtrai a
nossa capacidade teleológica e de abstração e compreensão do real, Manacorda nos lembra
que o homem pode se diferenciar dos animais por sua consciência, pelas relações sociais, mas
antes deve ter claro que esta consciência assim como os demais complexos são produtos
sociais e que resultam fundamentalmente do fato que o homem produz seus meios de
subsistência, que domina a natureza de acordo com estas necessidades e com isto não só a
natureza é transformada este homem também e com isso cria-se novas necessidades e novas
possibilidades, nos aproximando assim mais do significado do materialismo histórico. Diante
disto podemos afirmar que ainda que o homem realize a troca orgânica da natureza, a
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transforme e seja por ela transformado, de forma alguma pode ser dissociado, o homem é e
sempre será um ser natural, conforme afirma LUKÁCS (s/d, p. 111):
[...] Em primeiro lugar, o trabalho (e toda atividade humana, que, em última análise, por ele
se mova e nele desemboca) põe cada indivíduo frente a tarefas novas e cuja execução
suscita nele novas capacidades; em segundo lugar, os produtos do trabalho satisfazem as
necessidades humanas de um novo modo, que se afasta, cada vez mais, da satisfação
biológica, mas sem chegar nunca à ruptura total com ela. Em suma, o trabalho e os
produtos do trabalho introduzem na vida continuamente novas necessidades, até aquele
momento desconhecidas, e cm elas novas maneiras de satisfazê-las. Em uma palavra:
Enquanto tornam a reprodução da vida humana sempre mais variada e complexa, levando-a
cada vez mais distante daquela biológica, ao mesmo tempo também transforma o homem
autor da práxis, o afastando cada vez mais da reprodução biológica da própria vida.
A afirmação acima nos ajuda a compreender que este trabalho, como forma de
reprodução da vida, e construção do ser social que nos humaniza, e que consequentemente é
categoria fundante do ser social bem como imprescindível para a emancipação humana, e
contraditoriamente por este trabalho entendido como pôr teleológico estar cada dia mais
distante de nossas ocupações e cotidiano que a possibilidade de emancipação humana parecer
ser tão remota, quando não utópica.
No entanto faz-se necessário voltar um olhar para a história e vermos que como sujeitos
históricos que somos e num processo dialético, fruto de lutas de classes galgamos alguns avanços
no processo democrático bem como a emancipação política, dentre outros, porém isto não
necessariamente nos legitima uma vez que a lógica de nossa sociedade não foi transformada,
ainda temos que nos submeter a via eleitoral, ou mesmo por dentro do Estado, o que nos garante
no máximo paliativos, ou mesmo políticas ou ganhos compensatórios, que visam conter maiores
conflitos, pois como vimos em Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista:
A burguesia, desde o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou
finalmente a soberania política no Estado representativo moderno. O Governo do Estado moderno
é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia. (MARX, 1848, p.28)
Este trecho do manifesto nos ajuda a relacionar que mesmo em contextos de lutas e
ganhos para as classes trabalhadoras, ainda estamos subsumidas a lógica do capital e que
mesmo quando as políticas públicas estão voltadas para uma tentativa de bem-estar social, a
intencionalidade é de condicionar, cooptar, é efetivar este ajuste estrutural que visa conservar
e não transformar, portanto as condições reais e objetivas e os fatos históricos que nos trazem
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a este momento atual e a discussão proposta neste artigo, devem estar orientada que qualquer
movimento que não seja revolucionário, que não esteja orientado pela necessidade de se
construir um novo projeto de sociedade e que buscam os caminhos a serem traçados no
processo emancipatório deve ser permeada pela discussão do papel da educação.
Discutir o papel da educação para a emancipação humana nos leva a uma questão central,
que pela divisão social do trabalho, ora se nossa sociedade dentro do modo de produção
capitalista é desigual, e que a ciência não é neutra e principalmente que a escola é um dos
aparelhos ideológicos do Estado, seria ingênuo crer nas ideologias que descrevem a educação
como redentora de todos os problemas e desigualdades sociais, que através dela podemos
transformar a nossa sociedade, uma vez que nestas ideologias, vimos um discurso neoliberal,
meritocrático e que está mais centrado em justificar as desigualdades do que eliminá-las.
Pressupõe-se neste discurso uma relação entre educação e trabalho, mas não o trabalho
teleológico e sim o que nos aliena, e isso implica em uma formação para o mundo do trabalho,
na lógica de mercado, de venda de força de trabalho qualificada e criação de exércitos de
reserva, bem como o papel da escola enquanto doutrinador do processo de submissão de
alienação, onde o chão da fábrica é reproduzido na escola. O que por si só já se faz
contraditório a afirmação de que a escola é redentora, pois nela já está implícito o caráter de
reprodução e não de transformação haja vista que as desigualdades devem ser eliminadas da
nossa sociedade e não apenas na escola.
Contrapondo-se a este discurso, ainda que estando evidente que a escola é um espaço
de reprodução, e reproduz as desigualdades tal como elas acontecem em nossa sociedade, não
podemos perder de vista os métodos que utilizamos para compreender o real, que é
materialista histórico e dialético, e por isso além de reproduzir, como sujeitos históricos e que
fazemos a nossa história podem também transformá-la, não exatamente ou exclusivamente
pela escola, mas devemos ocupar os espaços do saber científico.
Para tanto, o trabalho neste sentido, mais especificamente o trabalho educativo
implica em apropriar-se dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade,
pois estes são instrumentos de luta e de compreensão do real, para que não tenhamos uma
compreensão distorcida da realidade e possamos desvelar as cortinas de fumaça que muitas
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vezes nos impedem de conhecer nossas amarras sociais, o que nos leva ao papel fundamental
da educação conforme nos mostra Saviani:
Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto de homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação
dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana
para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das
formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2005, p.13).
A educação é um ator protagonista no processo de emancipação humana, ainda que
saibamos dos problemas que estão contidos no processo educativo, bem como que se a sociedade é
desigual os saberes também são divididos de forma desigual e que as classes menos favorecidas,
muitas vezes não conseguem ter acesso, ou quando tem o ensino não é de qualidade e não
conseguem se apropriar destes conhecimentos de modo que ocorra uma emancipação intelectual, ou
que se desperte uma consciência em si e para si, o que nos leva a uma luta mais específica, nós
enquanto educadores não podemos nos ausentar da luta por um ensino público, gratuito e de
qualidade, da construção de um projeto revolucionário de sociedade e não apenas de educação, uma
vez que as condições materiais e objetivas estão intrinsecamente ligadas ao sucesso e ou fracasso
escolar, bem como aos processos de exclusão, marginalização de minorias e classes sociais.
Nossa discussão já nos apontou muitos de nossos limites para a emancipação humana,
cabe agora estabelecer as possibilidades, a educação é uma delas haja vista que é uma categoria
social complexa e que tornar possível a apropriação dos saberes já construídos bem como da
construção de novos conhecimentos e tecnologias, que podem dentro de uma outra lógica de
modo de produção contribuição para a superação deste modelo alienante que é o capitalista, no
entanto vivemos um momento exponencial do conhecimento científico e tecnológico, e nem por
isso conseguimos ser liberados do tempo de trabalho para o ócio criativo, para a fruição e tantas
outras atividade humanas que nos permitem exercer nossas capacidades teleológicas e de
objetivação e exteriorização e consequentemente nos emancipariam enquanto humanos e não nos
reduziria a força de trabalho, isso nos leva a conclusão que o desenvolvimento das forças
produtivas é de extrema importância, porém se a lógica do capital permanece esta não contribui
em nada para a redução do tempo de trabalho necessário. Vejamos o que Lukács afirma:
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[...] o desenvolvimento das forças produtivas provoca diretamente um crescimento das
capacidades humanas, mas pode ao mesmo tempo e no mesmo processo sacrificar os
indivíduos (classes inteiras). Esta contradição é inevitável, já que implica a existência de
momentos do processo social de trabalho, que nós tínhamos visto em análises anteriores,
como componentes inelimináveis do seu funcionamento como totalidade.
[...] O desenvolvimento das forças produtivas é necessariamente também o
desenvolvimento das capacidades humanas, mas – e aqui emerge plasticamente o problema
da alienação – o desenvolvimento das capacidades humanas não produz obrigatoriamente
aquele da personalidade humana. Ao contrário: justamente potencializando capacidades
singulares, pode desfigurar, aviltar, etc. a personalidade humana (s/d, p. 2).
As reflexões produzidas a partir da fundamentação teórica do materialismo histórico
dialético nos levam a compreender que ao mesmo tempo que temos as condições materiais,
intelectuais, objetivas, o desenvolvimento das forças produtivas que são quesitos básicos para
emancipação humana, ainda nos falta além de intelectuais orgânicos, um projeto revolucionário
de sociedade que não ecoe como utópico, e para isso precisamos fortalecer os processos de ensino
que tenham como prioridade uma educação que liberta e transforma, pois o status quo aproveitase da precariedade da educação e das desigualdades dela para , através do conhecimento,
conformar , justificar e defender e reproduzir as teses das classes dominantes para conservar esta
estrutura social, por isso a educação exerce papel fundamental nas possibilidades de emancipação,
pois através da história vimos que a revolução social não é só necessária mas também possível, e
que só em posse dos bens culturais e materiais que a classe dominante detém podemos
transformar e libertar-mos não só os oprimidos como também os opressores.
REFERÊNCIAS
LESSA, Sérgio. Para compreender a ontologia de Lukács. 3. ed. rev. e ampl. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.
LUKÁCS, Gÿorgy. In: ______. Per I’ontologia dell’essere sociale. Tradução italiana de Alberto
Scarponi. Roma: Reuniti, 1981. (Tradução de Maria Norma Alcântara Brandão de Hoalanda,
disponível em: <http://www.esnips.com/doc/fbf78ad5-eb68-4696-a704-74f1021deab6/GyörgyLukács---Alienação-(Para-uma-Ontologia-do-Ser-social)>
______. A reprodução. In: ______. Per I’ontologia dell’essere sociale. Tradução italiana de Alberto
Scarponi. Roma: Reuniti, 1981. (Tradução da seções 1, 2, e 3, de Sérgio Lessa, disponível em:
<http://sergiolessa.com/ontologia_all/novareproduc.pdf>.
MANACORDA, Mario A. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Alínea., 2007.
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MANACORDA, Mario A. O princípio educativo em Gramsci. São Paulo: Alínea., 2008.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte – tradução nélio schneider. São Paulo: Boitempo,
2011, p. 80.
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