Actas del Primer Congreso Nacional de Historia de la Construcción, Madrid, 19-21 septiembre 1996, eds. A. de las Casas, S. Huerta, E. Rabasa, Madrid: I. Juan de Herrera, CEHOPU, 1996. o arco ultrapassado Da arquitectura visigótica Nuno Santos Pinheiro Como professor de tecnologias da constrw;ao, tem os meus trabalhos de investiga~ao sido orientados para a evolu~ao destas formas de edificar e por esse facto, para a história da tecnologia da constru~ao. Para além dos estudos sobre a evolu~ao do habitat dos POyOSque foram sempre, ao longo dos milénios, influenciados pela constante cultural vinculada pelo Mediterraneo, elaborei um estudo profundo sobre o arco ultrapassado também conhecido por arco de ferradura. Sao várias as hipóteses que se p6em quanto a sua génese. Curiosamente, na reimpressao de 1995 da História de la Arquitectura Occidental-de Grecia al Islam, de Fernando Chueca Goitia, leio na pag.292 »...queda como un incognita la aparición del arco de herradura en estelas romanas, y en algunos mosaicos, como el de Arnal, cerca de Leiria, que hoy se encuentra en el «Victoria and Albert Museumy de Londres. Aparecen numerosas estelas deste tipo en la Península desde el siglo n...» Ao verificar que Frank Lloyd Wright usa este arco ultrapassado, como elemento decorativo, nalguns tipos da sua arquitectura, concluo que este mestre, pioneiro do racionalismo na arquitectura moderna da qual é um dos grandes responsáveis, faz reflectir a sua grande liga~ao com o sentir oriental, com o desejo ,segundo a minha leitura, de frisar o intimismo que este elemento construtivo sugere. Anteriormente, este arco de ferradura, fora usado em arquitecturas revivalistas até ao Séc. XIX em consequencia da sistematiza<;:aoda sua utiliza<;:aono período gótico ma- nuelino e no anterior. Na realidade como aparece este arco? Já em 2000AC, no velho Egipto que partilha com a Caldeia a honra de ter dado nascimento a arquitectura, segundo Auguste Choisy, encontramos na piramide de Abydos o arco de volta perfeita como processo construtivo que permite fazer com que as cargas provenientes da abertura de um vao, se encaminhem para as paredes e se degradem, ao longo delas, até chegarem ao chao, onde sao absorvidas. Curiosamente em 500AC quer os Etruscos quer os Incas, do outro lado do Atlantico, no templo do Sol, na ilha Titicaca, ensaiam as suas tentativas no sentido de superar a verga recta. Os Maias, em 300DC, acabam mesmo por conseguir executar o arco polilobado (figura 1). Estes sao alguns exemplos flagrantes da capacidade enovadora do Homem que, com diferen~as temporais, conseguiu descobrir, em vários pontos da terra, um elemento formal de grande importancia e significado que, ora se desenvolve na singeleza poética dos seus múltiplos tra~ados, ora se transforma na geratriz da abóbada acménida. A este elemento construtivo cabe o significado arquitectónico do ornamental mas, ele encerra em si mesmo, urna for~a carregada de símbolismo e de misticismo. Recordemos que o «triunfo» romano se materializa num arco de volta perfeita até ao séc.I AC passando depois a um conjunto de tres, sendo o do meio, o maior. Ele simboliza a forma viva do triunfo de Roma e dos seus cidadaos mas este facto leva-me a 478 N. Santos Figura 2 Porta de Scvilhu, Córdova figura 1 Arcos Maias 320D.C. admitir que séculos depois, os cristaos quiseram mostrar o triunfo clo seu Dcus, quando usam cste conjunto de arcos como geratriz do temp10 que o glorifica. O arco de ferradura é urna das Iliuitas formas que este elemento construtivo pode apresentar. Eje tem urna característica cspecífica: o arco continua depois das suas nascen<;as, descansando nas irnpostas, para além da 1inha que contem o centro da circunferencia (figura 2). Muitos historiadores, já anteriormente se debru<;aram sobre a génese deste tipo de arco: -Gomez-Moreno, considera o arco de ferradura de origem peninsular e anterior a invasao árabe. -Auguste Choisy considera que C\C aparece pela necessidade construtiva de se fazer um recuo nas naseen<;as, para coloca<;ao da cofragem. -Henry Martin conc\ui que a arte árabe importou da Pérsia as cúpu1as, os arcos de ferradura e os arcos polilobados. -Manuel Monteiro, quando fala da cape1a de S.Frutuoso de Montélios perto de Braga, diz que es- tcs arcos já eram conhecidos da península antes da invasao bárbara como atestam as estelas romanas dos se. II e 111dos museus de Leon e Madrid (figura 3). -Creswell considera que este arco [oi ditado por primitivas cstruturas de madeira em que uma cobertura de bambú [oi eurvada. Esta estrutura terá sido copiada nos templos cortados nas roehas, da Índia. Figura 3-a S.Fruoso de Montélios o arco ullrapassado na arquitectura visigótica 479 Figura 3-b S.Fruoso de Montélios Numa estela votiva a mulher de Flávio (figura 4), podemos encontrar elementos de caracteriza<;ao romana na composi<;ao dos tres arcos de ferradura mas sobretudo de simboJogia oriental(Mesopotamica), nos círculos divididos por tres diámetros, como sinal de infinito e eterno, assim como nos conjuntos de triangulos invertidos como símbolo de fertilidade. Lembro aqui as palavras de Torres Balbás que falando deste tipo de arco nos diz»...indica una posible difusion en el Occidente romano en compania dc las divindades orientales...» Noutra estela votiva de 525DC (figura 5), encontrada em Mértola também com o arco de fcrradura, referente a um «princeps cantorum sacrosancte aeclesiae mertilliane», a sua caracteriza<;ao é cxclusivamente crista. Nao sao estes os únicos indicadores da cxistencia deste arco antes da reorganiza<;ao da arquitcctura pcninsular feita no domínio visigótico. Gomez-Moreno indica-nos a sua existencia nas mural has de Autun, Verona, Saintes, Córdova e Mérida. Entendemos no entanto que a sua utiJiza<;ao sistcmática aparece no séc.VI, em 661, na igreja de S. Juan de Banos, na igreja de Trampa] em Alcucscar, segundo Helmut Schlunk em S. Pedro de Balsemao e no séc. VII em S.Frutuoso de Montélios perlO de Braga, em S.Giao da Nazaré, S. Pedro de la Nave, S. Comba de Bande em Orense e Quintanilla de las Vinas em Burgos. Neste período confuso, difícil por vezes dc entender, a península albergo u os visigodos, admitiu o seu domínio mas sujeitou-os a sua cultura, porquanto a Figura 4 Estela votifva a ll1uIhcr de Flávio estrutura nómada deste pavo, nao permitia que a tivessem. POyO quc se arrasta ao longo da Europa dcsde a Groenlándia, cm convuls6es sucessivas de guerras sangrentas, traz consigo a tenda que o tapa da chuva e elemcntos de virilidade guerreira nos alforges do seu cavalo, feitos de meta], de pedras preciosas, de cauro. com lima mistura de simbologias que traduzem o scu contacto com outros pOYOS,com outras religi6es. no longo caminho de gera<;6es, até chegar a península. No entanto, na segunda metade do séc.VI as tropas de lustiniano trouxeram a península o prestígio da 480 N. Santos Figura 5 Estela encontrada em Mértola grandiosa arte bizantina e fizeram com que a poderosa civiliza<;ao dos visigodos convertidos, atingisse o seu apogeu, na segunda metade do séc.VII. De facto com a conversao de Recaredo em finais do séc.VI, termina um período em que, como afirma o Professor Theodor Hauschild «...sao de notar varia<;:6es nas técnicas e no menor cuidado da execu<;:ao da obra...». Este período visigótico na península, é marcado por urna arquitectura com elementos característicos da península, das artes bizantina, Síria e do Norte de África. Os visigodos contribuem com a sua arte decorativa, fruto do seu nomadismo. O arco de ferradura torna-se portanto constante desta arquitectura, como elemento construtivo já existente na península. Fernando de Almeida refere»...que o arco de ferradura, característico da arte visigótica, já se via nas constru<;:oes sírias. Encontra-se na basílica e mosteiro de S.simero e na de Binbirkalésia...» Conforme W. Neuss, as colunatas usadas nos templos sírios eram formadas por arcos de ferradura...». Charles Diehl afirma»...foi mérito do visigótico terse servido deste arco para o converter em elemento arquitectónico...» . Na realidade este arco é constante nos poucos templos, da península, que restam deste período, Foi o historiador Quadrado que chamou a aten<;:ao para a sua existencia em S.Juan de Banos, templo construído por Recesvindo e que atrás referimos, como sendo o primeiro, conhecido daquela época. Destrui<;:6es quando da invasao mu<;:ulmana, ausencia de manuten<;:ao, reutiliza<;:ao de materiais para outras constru<;:6es, fizeram diminuir, em muito, o valor patrimonial daquele período da história. O que se passa fora da Península? Na realidade nao existe em toda a Europa o uso deste arco. O que acontece em Constantinopla, grande centro cultural da bacia mediterránica? Quer Constantino, no séc.IV quer Justiniano no séc. VI, ambos intimamente ligados a S. Sofia, nao utiJizaram este arco. O segundo, ao reedificá-Ja, depoi s do último incendio, usou a arte dos arquitectos gregos Anthemios e Isidoros. Este arco nao foi usado tendo mesmo em aten<;:ao que,desde o tempo de Constantino, havia Jiga<;:6es periódicas entre Constantinopla e a PenínsuJa. A arquitectura bizantina recorre 11decora<;:ao para cobrir urna anatomia estruturalmente pobre, eJa perde o culto da forma humana harmoniosa e flexível, esquece a estatuária. É o triunfo do génio decorativo sobre o espírito plástico da arte grega. Emilc Brehier escreve a este propósito»...a nova capital do Império era pouco favorável aos estudos filosóficos: o neopJatonismo morre com toda a fiJosofia e toda a cultura grega: os séc.VI e VII sao os momentos de grande silencio...». Lembremo-nos que a religiao crista nao pode ser motivo para que se ex- .... o arco ultrapassado na arquitectura clua este elemento construtivo, de linhagcm paga, da arquitectura, porque ela foi impregnada por esta simbologia. segundo Alfred Foucher, se bem que as fontes de inspirac;ao da arte grega-budista (figura 6) sejam controversas, parece ser de atender que a solidariedade estabelecida entre a escola de Gandhara (berc;o desta arte) e as escolas contemporaneas de Antióquia, Palmira e Susa, é notória. Houve certamente urna interligac;ao entre a Índia e a artc helenística do Oriente através, pensamos, da Estrada da Seda e da Estrada Real que, como sabemos, vem até ao Cresccnte FértiL Petra e Palmira sao grandes centros, charneiras entre o Oriente e o Ocidcnte e naturalmente responsáveis pelo intercambio de culturas. A Índia estava portanto ligada, através das caravanas, a estes centros pelo camelo, meio de transporte importante que aparece no séc.I AC, no Sul da Babilónia. visigótica Flgura7 Nasik - Santuário - séc.II A.C., se acolhiam nos planaltos do Irao e recebiam as int1uéncias do culto indu. O círculo é o sinal da unidade principal, indicando a actividade e os movimento s cíclicos (figura 8). Assim, a arquitectura e a urbanística indu nao podem esquecer esta temática vinda da religiao e da Figura 6 Decora<;aodo manuscrito da Escala de Bengala Com a seda eram transportados conhecimentos e naturalmente processos e formas de construir sobretudo porque a Índia comec;ava a ter urna vida moral superior, na altura em que os POYOSdo Mcditerraneo ocidental abriam a porta a História. De facto, os textos técnicos, comec;ando pelo mais completo, o Manazara, enumeram com precisao os diversos aspectos da preparac;ao do arquitecto o qual, para além dos conhecimentos técnicos, artísticos e até psicológicos, tem de possuir conhecimentos religiosos e mágicos (figura 7). Daí, a permanente ligac;ao com Ahouramazda, revelado como o círculo inteiro do céu, sendo o seu corpo, um corpo de luz, o seu olho, o disco solar. A mágica e a religiao entram na arquitectura indu como elementos de concepc;ao. Daí a constante utilizac;ao do círculo, do disco solar e o desenvolvimento da técnica da cúpula pelos Medas que, sete séculos 481 Figura 8 Siva danc;ando 482 N. Santos mística e, por isso, desde muito antes de Cristo, a forma circular foi usada nas construí;oes elementares a custa do bambú dobrado, em arcarias de madeira, esculpida na pedra, nas cavernas dos santuários (Chaitya) ou nos mosteiros(Vihara) e finalmente a partir da dinastia Maurya, em 250 AC, no reinado do rei Aí;oka, este arco de ferradura denominado Kudu, faz parte do seu paláeio em Pataliputa e das stupas, monumentos votivos. De regresso a península, podemos verificar que o baptistério de «Mar Ya Qub», na Mesopotámia, talvez seja o templo onde se eneontra o primeiro exemplo deste areo,f ora da Índia. Encontramos outros exemplos em Ruwayka que Butler diz ser do séc. VI e outro na Síria, na igreja de Dana. Este arco é ainda encontrado na Ásia Menor, nas ruinas da igreja de Khoja-Kalesi, na antiga província da Isauria, na qual a ábside tem este arco com 4,0 metros de vao. Encontramo-Io também na Capadócia, na Arménia e na Sicília. Ele aparece como elemento pontual em todo este percurso o que tal vez leve Fernando Saldanha a afirmar que foi pela Síria que chegou ao Ocidente o enorme reflexo das artes do Irao e da Índia, intluenciadas por urna religiao sem imagem onde os símbolos tém de exprimir a divindade. Admito desta forma que este elemento construtivo tivesse entrado na Península por via marítima e pelas nÚos dos sírios que aproveitando conhecer o mediterrfmeo e até a península, emigra va m das suas montanhas e se estabeleciam neste canto ocidental da Europa. Para Hauschild existem na península abóbadas de tradií;ao oriental, cronologicamente mais antigas que as encontradas em Itália, o que bem prova que os caminhos para a península foram vários tendo sido o marítimo, muito importante. Um outro POyO nómada, constiwÍdo por castas diversas, de etnias diferentes, de cultos múltip]os que as guerras e as lutas pela sobrevivéncia nao permitiam que tivessem uma unidade para além do deserto que partilhavam, soube Maomé aglutinar com a sua doutrina e com ele criou um império. Estes homens que possuÍam urna civilizaí;ao rudimentar, urna religiao primitiva, uma sociedade tribal, que viviam o deserto e que sofriam nele a nostalgia do imenso infinito da areia, trazem consigo a poesia, a música, a estética da arte que se traduz no geol1letrisl1lo da forma que nao tem princípio e que nunca acaba, como o mundo onde vivia e que se mistura nUI1l envolvimento infinito com a caligrafia. É a sensibilidade deste mu~ulmano que, a partir de 711 e durante séculos transforma este arco de ferradura (figura 9), que o visigodo soube sistematizar na península, num importante elemento da arquitectura que criou, no mundo que governou (figura 1O). BIBLIOGRAFÍA Torres Balbás, L. Ciudades Hispano-Musulmanas, Instituto Luso-Árabe de Cultura. 1985, voL l. Choisy. A. Histoire de I'Architecture. Editions Vincent. Freal CIE, 1964, voL l. Monteiro, M. S. Frutuoso. Urna Igreja Mo¡:arahe. Arquivo DistritaL Braga, 1939. Figura 9 Porta da :vJcsquitade Mértola o arco ultrapassado na arquitecturd vi sigótica 483 Creswell, K.kC. Cnmpí'ndio de Arquitectum Palco Islamica. Public. Univcrsilad de Sevilla, vol. l. Gomes-Moreno. M. Retazos. Ideas sn[¡re Histnria, Cultum \' Arte. Cons.Sup. Invest.Cicntíficas .1970. Saldhana, F.; A. ,\. Silvd. Arte VisigÓtica em Portugal. Tcse Doutorallícnto. Faculdade de Letras de Lisboa, 1962. Hauschild. T. 11 N,'IfIIÚm d'Arqu('olngia Palcn-Cristiana. Universidad Barcelona. 1982. Figura 10 Constru"ao na actual Libid