Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais
em Moçambique
Documento de trabalho para Rights and Resources Initiative
Janeiro 2010
Paul De Wit
Simon Norfolk
The Rights and Resources Initiative
A Iniciativa para os Dereitos e Recursos é uma coalizão global para promover a posse da floresta, e as
política sobre reformas de mercado. RRI é formada por organizações internacionais, regionais e
organizações das comunidades envolvidas na conservação, pesquisa e desenvolvimento.
A missão da Iniciativa para os Direitos e Recursos é promover uma maior ação global sobre a política
florestal e as reformas de mercado para aumentar os dereitos de propriedade das comunidades, de
controle e benefícios das florestas e árvores. RRI é coordenado pelo Grupo de Direitos e Recursos, uma
organização não governamental sem fins lucrativos baseada em Washington DC. Por favor, visite
http://www.rightsandresources.org para mais informações.
Parceiros
Donantes
Esta publicação foi possível com o apoio da Fundação Ford, Ministério dos Negócios Estrangeiros da
Finlândia, a Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento, a Agência Sueca para o
Desenvolvimento e Cooperação Internacional, Agência Suíça para o Desenvolvimento ea Cooperação, e o
Departamento de Desenvolvimento Internacional da UK. As opiniões apresentadas aqui são de
responsabilidade dos autores e não são necessariamente compartilhadas por as agências que
generosamente apoiaram este trabalho, nem todos os parceiros da coligação.
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Tabela de Conteúdos
Comunidades, terra e recursos florestais – o quadro Moçambicano .................................. 5
A política e o contexto jurídico ...................................................................................... 5
Tabela 1 – Elementos fundamentais das leis seleccionadas ............................................................. 5
A dinâmica de reconhecer os direitos comunitários sobre a terra e os recursos naturais ................. 7
A terra e os recursos florestais ....................................................................................... 8
Figura 1 – Aptidão potencial da terra para a agricultura de sequeiro ................................................ 9
Figura 2 – Cobertura da vegetação em Moçambique ..................................................................... 10
Figura 3 - Parque, Reservas & Concessões de Florestas em Moçambique ....................................... 11
Tabela 2 – Panorama quantitativo da ocorrência de florestas, dos direitos de exploração de florestas
e das tendências de degradação das florestas .............................................................................. 12
Procedimentos e metodologias para delimitar as terras comunitárias ............................ 12
Figura 4 – Metodologia de Delimitação ......................................................................................... 15
Situação da implementação .............................................................................. 16
Realizações.............................................................................................................. 16
Tabela 3 – Progressos realizados nas delimitações de terras comunitárias ...................................... 16
Tabela 4 - Áreas de terras comunitárias delimitadas ..................................................................... 18
Custos .................................................................................................................... 18
Facilitação, prestação de serviços e financiamento ............................................................. 19
Quem paga a delimitação? .......................................................................................................... 20
Caracterização das áreas delimitadas .............................................................................. 20
Figura 5 – Delimitações de terras comunitárias projectadas face ao uso potencial de terra .............. 21
Figura 6 - Delimitações de terras comunitárias projectadas face à cobertura florestal e à varios
direitos sobre os recursos florestais ............................................................................................. 22
Figura 7 – Direitos sobre os recursos florestais e terras comunitárias delimitadas na província de
Sofala ........................................................................................................................................ 23
Desafios por enfrentar .................................................................................... 24
O uso do AT ............................................................................................................. 24
Questões conceituais .................................................................................................. 25
Comunidade local ....................................................................................................................... 25
Representação da Comunidade .................................................................................................... 25
Natureza do direito registado....................................................................................................... 26
Direitos sobre direitos ................................................................................................................. 27
Direitos da comunidade, da família e individuais ........................................................................... 27
Alargar a delimitação e fazer estratégias para a delimitação ................................................. 27
Riscos associados à delimitação de terras comunitárias ............................................. 28
Papel das autoridades tradicionais ................................................................................. 28
Direitos da mulher incluídos na posse comunitária formalizada .............................................. 29
Riscos associados à delimitação de fronteiras .................................................................... 29
Riscos de exclusão ..................................................................................................... 29
Impactos .................................................................................................... 30
Impactos nas comunidades ........................................................................................... 30
Caixa 1 - Chipanju Chetu, Niassa ................................................................................................. 30
3
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Caixa 2 – Capital social ............................................................................................................... 31
Caixa 3 – Comunidade de Canhane .............................................................................................. 32
Pagamento de benefícios ao abrigo da Legislação de Florestas & Fauna Bravia............................... 33
Tabela 5 – Pagamento da parte comunitária de 20% das receitas florestais e da fauna bravia, 2006 –
2008 .......................................................................................................................................... 33
Figura 8 – Comunidades delimitadas, concessões florestais & áreas de conservação ....................... 34
Figura 9 – Número de comunidades que recebem benefícios e proporção dos pagamentos de 20% já
efectuados, 2006-8 ..................................................................................................................... 35
Diferenças & Sinergias ................................................................................................................ 36
Impactos no governo .................................................................................................. 37
Impactos na base dos recursos ...................................................................................... 38
Caixa 4 – Reserva de Mareja ....................................................................................................... 38
Tabela 6 – Benefícios de comunidade gerados pelo projecto de Nhambita para o período 2004 - 2007
................................................................................................................................................. 39
Impactos nos parceiros doadores ................................................................................... 40
Lições para outros países ................................................................................. 40
Referências ................................................................................................. 44
Notas ........................................................................................................ 46
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Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Comunidades, terra e recursos florestais – o quadro
Moçambicano
A política e o contexto jurídico
Após uma série de emendas constitucionais em 1990 terem introduzido a necessidade de rever o quadro
jurídico da terra e dos recursos naturais i, o governo de Moçambique iniciou um processo bastante
fragmentado para o desenvolvimento dum novo quadro político e institucional de gestão dos recursos
naturais. Os principais pilares deste quadro consistem em várias leis específicos, tais como a Lei de
Terras, a Lei de Florestas e Fauna Bravia, a Lei de Minas, e os seus respectivos regulamentos e anexos.
Tem havido tendência para desenvolver estes pacotes sectoriais isolados uns dos outros e com base nos
objectivos específicos de cada sector.
Algumas análises, por exemplo, sublinharam as abordagens filosóficas fundamentalmente diferentes na
legislação da terra e de florestas. A Lei de Terras reconhece os direitos consuetudinários e dá-lhes o valor
de direitos legais formais e, ao mesmo tempo, estimula o sector privado a obter direitos de uso da terra.
O ambiente propício que foi criado pela Lei de Terras, tem por finalidade permitir às comunidades locais e
aos investidores do sector privado, a negociação de acordos ligados aos direitos de uso da terra,
limitando-se o papel do Estado a garantir a aplicação de certas normas mínimas no âmbito destas
negociações, a permitir que o registo dos direitos cumpra os padrões técnicos e que o sistema de
tributação funcione de modo efectivo. Prevê-se que os benefícios das comunidades locais se encontrem
na forma de pagamentos ou benefícios, em resultado da negociação do uso do ‘seu’ capital natural por
terceiros (SLSA, 2001).
Em contrapartida, a legislação de Florestas e Fauna Bravia cria um ambiente favorável que tem por
objectivo atrair as comunidades locais e o sector privado para fóruns decisores com poderes de gestão
sobre os recursos. No entanto, estes recursos mantêm-se propriedade do Estado, que não reconhece
nenhum direito consuetudinário ou inerente aos mesmos, excepto sob certas formas limitadas (por
exemplo, o direito à utilização ao nível da subsistência). Portanto aqui prevê-se que os benefícios para as
comunidades locais se traduzam numa taxa paga pelo Estado, a partir das receitas que obtém pela
utilização dos recursos, e nalgum poder de decisão quanto à forma como se gerem os recursos (ibid).
Durante o mesmo período de tempo, houve outras emendas legislativas que introduziram novas
abordagens ao planeamento, à tomada de decisão, à allocação de recursos e ao controlo democrático, ii
ou que procuraram introduzir novas formas de controlo e monitorização ambientais, tendo todas elas tido
um impacto nas leis específicas dos recursos natirais, e sido afectadas pelas mesmas.
Enquanto observadores costumavam interrogar-se acerca de qual destas abordagens ia ter o impacto
mais positivo sobre os meios de sustento das populações rurais mais pobres, o enfoque desviou-se para o
potencial dum aproveitamento simultâneo destas diferentes abordagens. Depois de várias experiências de
implementação de projectos agrícolas, florestais ou outros projectos relacionados com a gestão dos
recursos naturais em todo o país, parece agora que estas leis podem, de facto, ter potencial para
funcionarem muito bem em conjunto, não obstante as preocupações anteriores quanto ao seu
desenvolvimento em separado e aos seus diferentes fundamentos filosóficos. A Tabela 1 apresenta alguns
elementos fundamentais das leis.
Tabela 1 – Elementos fundamentais das leis seleccionadas
Legislação da
terra
•
Mantém o estado como proprietário da terra e dos recursos naturais;
•
Reconhece os direitos das comunidades locais sobre as terras que ocupam
segunda as normas e práticas costumeiras a partir da ocupação’, bem como
os direitos para delimitar e registrar as suas terras, para gerir e atribuír
5
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
terras dentro dessas áreas delimitadas, e para resolver conflitos;
•
Introduz o conceito de delimitação de terras comunitárias, através dum
Diagnóstico Rural Participativa legislado - o Anexo Técnico;
•
Introduz um órgão representativo para supervisionar o processo de
delimitação - o “G9”;
•
Sujeita e obriga todos os pedidos externos da terra a processos de consulta
as comunidades locais e as partes afectadas; estabelece os procedimentos
para este efeito;
•
Introduz o conceito de planos do uso da terra comunitária (através dum
memorando departamental);
•
Determina o contexto geral para o estabelecimento de parcerias por parte de
terceiros do sector privado, baseadas na exploração e uso comerciais de
terras delimitadas pelas comunidades;
•
Permite às comunidades declararem sítios florestais como histórica e
culturalmente importantes. Garante às comunidades os direitos de acesso
para o uso de subsistência dos recursos florestais e faunísticos;
•
Garante a necessidade dos pedidos de Licença Simples especificarem os
postos de trabalho e outros benefícios para a comunidade local;
•
Estipula que as aprovações de Concessão só podem ser concedidas quando
os resultados dos processos de consulta local forem favoráveis;
•
Define os procedimentos dos processos de consulta a comunidade;
•
Garante os direitos de caça das comunidades e a isenção de impostos sobre
as práticas de caça de subsistência ou cerimonial;
•
Estabelece a participação da comunidade nas estruturas de gestão conjunta
- COGEP;
•
Atribui 20% das taxas recolhidas na exploração dos recursos florestais às
comunidades locais;
•
Oferece até 50% do valor das multas aplicadas pela transgressão da
legislação, aos agentes e membros da comunidade que participam em
acções de aplicação ou de denúncia.
Legislação das
instituições
governamentais
locais
•
Institucionaliza a representação das comunidades nos processos locais de
tomada de decisões e de planeamento;
•
Institui os Fundos de Desenvolvimento Comunitária;
Legislação do
ordenamento
territorial
•
Assegura a participação das comunidades no planeamento e na identificação
das oportunidades de desenvolvimento local;
•
Reconhece que o ordenamento do território precisa de respeitar os direitos
existentes sobre as terras e os recursos naturais;
•
Estabelece o princípio de que a allocação de recursos deve reflectir as
necessidades locais, e encoraja as parcerias que buscam a partilha dos
benefïcios. .
Legislação das
florestas
6
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
A dinâmica de reconhecer os direitos comunitários sobre a terra e os
recursos naturais
A delimitação de terras comunitárias em Moçambique continua a ser um mecanismo que responde a uma
série de situações e forças motrizes diferentes que obrigam as comunidades a estabelecer direitos fortes
sobre a sua terra. Estas situações e forças motrizes têm variado ao longo do tempo, desde o fim do
conflito armado em 1992, passando por fase de pós emergencia e recuperação, para uma fase actual de
desenvolvimento com um crescimento económico considerável. Elas mostram como o conceito de terras
comunitárias tem conseguido responder a uma vasta gama de diferentes exigências:
• No início do período pós-conflito, usou-se o processo de delimitação de terras comunitárias como
forma de ‘ defesa preventivo’, para proteger os direitos da comunidade perante um
comportamento de especulação geral e para estabelecer uma ‘rede de segurança de posse da
terra’. Esta foi a força maior para iniciar os primeiros programas de delimitação, financiados por
doadores nas províncias da Zambézia e Nampula, por exemplo.
•
A partir dos finais dos anos 90, a delimitação tornou-se uma parte mais comum das estratégias
de implementação de uma série de iniciativas de Gestão de Recursos Naturais em Parceria com a
Comunidade – CBNRM- (Tchuma Tchato, Chipanju Chetu, Goba). Isto respondeu, em parte, à
alegada incapacidade da legislação de Florestas e Fauna Bravia para responder à necessidade de
desenvolver direitos fortes sobre os recursos florestais e faunísticos; a lei de terras utilizou-se, por
isso, para tentar devolver um conjunto diferente de direitos através dum outro mecanismo legal e
para sustentar as reivindicações locais para legitimar os poderes.
•
A partir de meados da década de 2000 em diante, a delimitação passou a ter uma aceitação mais
ampla enquanto mecanismo potencial para atrair investimentos legítimos nas zonas rurais e como
pré-condição para viabilizar parcerias de investimento privado mais equilibradas. Este processo,
conduzido em grande parte pelos doadores, assistiu à criação da ITC (Iniciativa Terras
Comunitárias), como meio de financiar e apoiar o registo de direitos, e destaca a ligação às
oportunidades de desenvolvimento económico local, e o potencial para o estabelecimento de
parcerias entre os investidores e as comunidades. Esta abordagem também está implícita nos
princípios subjacentes que constam da Estratégia de Desenvolvimento Rural.
•
Mais recentemente, a delimitação de terras comunitárias começa a ser considerada como parte
essencial na implementação do mecanismo de pagamento de 20% ao abrigo do regime de
exploração florestal, oferecendo informação essencial acerca dos territórios ocupados
respectivamente por comunidades diferentes, e acerca das suas quotas de benefícios
correspondentes. Os pioneiros deste abordagem foram alguns doadores e agências de
assistêncieTA, particularmente nalgumas áreas protegidas, tal como Gorongosa.
•
Finalmente, a delimitação está a ser abordada como um mecanismo para aumentar a
responsabilização local pela protecção dos ecossistemas e recursos frágeis (parques, áreas
protegidas, áreas de conservação), e estão-se a delimitar as terras comunitárias nas zonas
tampão e centrais destas áreas (Gorongosa, Quirimbas). Este é o caso do projecto Nhambita, por
exemplo (veja p. 34 abaixo).
7
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
A terra e os recursos florestais
A base dos recursos naturais em Moçambique está distribuída de forma irregular; a parte norte do país
(Niassa, Zambézia, Nampula) está melhor dotada de terras aptas para a agricultura do que as províncias
mais secas do sul (Maputo, Gaza, Inhambane) e o extremo ocidental (Tete ). A Figura 1 apresenta um
panorama geral da aptidão das terras para a agricultura de sequeiro, um sistema agrário que é praticado
pela maioria das famílias rurais. A maior parte dos legisladores continuam a acreditar que a base de
recursos de terras é sem limites e abundante para todos, inclusive para as comunidades, agentes do
sector privado nacional e grandes investimentos estrangeiros que pressionam o governo com os seus
ambiciosos projectos de biocombustível.
Afirma-se frequentemente que Moçambique é um país vasto, com grandes espaços que não estão a ser
utilizados (ou melhor, que não são utilizados dum modo claramente visível) e que estão, portanto,
sujeitos a serem atribuídos pelo Estado a actores que tenham a ‘capacidade’ para tal. No entanto, uma
avaliação recente da disponibilidade de terra contradiz esta visão predominante e conclui que ‘apenas’ 6,5
milhões de hectares se mantêm ‘disponíveis’ para actividades agrícolas sob determinadas condições. Isto
é muito menos do que alguns esperavam e nem sequer tem em consideração os direitos das
comunidades à terra, que ainda não tenham sido delimitados.
Do mesmo modo, os recursos florestais são mais abundantes na parte central e norte do país, em
comparação com o sul (Figura 2 e Figura 3). Ilustra-se também claramente a importância dos diferentes
tipos de floresta e coberturas lenhosas (tons verdes) em comparação com a agricultura (tons
acastanhados). Desde os acordos de paz, o sector florestal tem sofrido grandes mudanças que resultam,
em geral, na drástica redução e degradação da base de recursos. Ao mesmo tempo, houve um forte
aumento dos pedidos de novas concessões florestais (veja a Figura 3), e em particular das 'licenças
simples’, que se encontram muito menos regulamentadas do que as concessões. Mais recentemente, tem
havido uma grande procura de acesso a grandes áreas (superiores a 150.000 hectares), por parte de
empresas estrangeiras, para criarem novas plantações florestais. Houve um caso em que cerca de 10.000
famílias foram identificadas como ocupantes duma parte das áreas solicitadas; as promessas
subsequentes de dar oportunidades de trabalho a esses moradores, como forma de evitar possíveis
grandes conflitos ligados ao acesso à terra nas plantações, parecem meio simplistas. A Tabela 2 fornece
dados quantitativos sobre a existência de diferentes tipos de floresta e de direitos de exploração florestal.
8
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Figura 1 – Aptidão potencial da terra para a agricultura de sequeiro
Fonte: IIAM-DARN, 2008
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Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Figura 2 – Cobertura da vegetação em Moçambique
Fonte: DNTF, 2007
10
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Figura 3 - Parque, Reservas & Concessões de Florestas em Moçambique
Fonte: DNTF,2007
11
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Tabela 2 – Panorama quantitativo da ocorrência de florestas, dos direitos de
exploração de florestas e das tendências de degradação das florestas
Província
Maputo
Floresta de
Floresta Conservação e
Produtiva de protecção
2007 (a)
2007 (a)
683
138
Gaza
2,422
Inhambane
1,437
Sofala
Manica
Concessões Titulares de
florestais
Licenças
(No) – 2008 Simples (No)
(b)
-2008 (b)
0
9
1,357
3
982
12
1,419
1,886
1,951
1,505
Tete
3,340
Zambézia
4,113
Nampula
C. Delgado
Niassa
TOTAL
Taxa de
Taxa de
Desflorestação Desflorestação
1972-1990 (a) 1990-2002 (a)
Plantações
florestais
2008 (b)
17
16
0,004
66
3
13
0,012
77
14
11
0,093
27
121
12
20
0,516
10
46
10
23
1,306
882
6
54
16
27
0,019
951
43
98
26
31
1,186
2,317
455
18
61
28
33
0,062
3,176
1,628
31
65
11
25
0,203
6,404
6,050
3,379
6
19
8
21
26,908
13,163
156
616
145
220
Fontes: (a) Inventário Florestal Nacional, DNTF, 2007 (b) Relatório Anual da DNTF de 2008. Os números
das áreas são em 000 hectares e 000 ha/ano.
As variações nas taxas de desflorestação das diferentes províncias resultam do impacto da guerra civil e,
posteriormente, da estabilidade pós conflito, e da pressão da população sobre a base dos recursos
naturais, na ausência dum sector florestal bem regulamentado.
Um inventário nacional de gases com efeito de estufa, realizado em 1994, estimou o total das emissões
directas para Moçambique em 9,265 Gg de CO2. Estimou-se que a contribuição dada pela alteração do
uso da terra e pela silvicultura correspondia a 8% do total. Tendo em conta que, desde o último
inventário, é quase certo que tenham ocorrido grandes alterações na cobertura da terra , prevê-se que
tenha havido um aumento significativo das emissões provenientes da alteração do uso da terra e da
desflorestação. Está neste momento a decorrer um novo inventário nacional de gases com efeito de
estufa para o período 1995-2004 (GoM, 2009).
Procedimentos e metodologias para delimitar as terras
comunitárias
Existem várias metodologias para garantir os direitos da comunidade à terra, embora os princípios básicos
sejam semelhantes. A abordagem do “Plan Foncier Rural”, bem conhecida em vários países da África
ocidental, incluindo o Benim, a Costa do Marfim e o Burkina Faso, é um dos exemplos. O seu
desenvolvimento ocorreu num contexto de paz, antecipando porém conflitos seríos de terra,
principalmente entre agricultores estabelecidos e novos colonos, incluindo criadores de gado e pastores. A
metodologia utilizada em Moçambique foi desenvolvida numa situação pós-conflito, dentro dum contexto
específico em que era preciso responder a uma série de ameaças. As primeiras investigações foram feitas
já em 1993 iii; as abordagens e técnicas foram posteriormente afinadas noutros países, incluindo a GuinéBissau e Angola. Finalmente, isto resultou naquilo que se pode chamar a “Metodologia de Moçambique
para a delimitação de terras comunitárias iv”, a qual está prescrita na lei pelo Anexo Técnico (AT), um
complemento aos Regulamentos da Lei de Terras v. O processo encontra-se ilustrado esquematicamente
na Figura 4 e inclui os seguintes passos:
12
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
1. Fase de sensibilização, transmitindo a informação e organizando o processo
O primeiro passo envolve informar a população local sobre a legislação da terra e doutros
recursos naturais, e sobre assuntos de desenvolvimento local, centrando-se nas possibilidades
oferecidas por estas plataformas, para garantir os direitos à terra e aos recursos naturais e para
uma melhor gestão das mesmas. O AT sugere uma série de eventos e de encontros ao longo do
tempo, para conseguir isto. A comunidade também selecciona entre 3 e 9 membros para a
representarem nos assuntos da terra, e para assinarem documentos de delimitação.
2. Fase de diagnóstico, utilizando o Diagnóstico Rural Participativa (DRP)
Os objectivos da DRP são dois: (i) provar que a comunidade tem um direito adquirido à terra,
obtido através da ocupação, de acordo com as normas e práticas costumeiras, e (ii) estabelecer
os limites territoriais sobre os quais estes direitos se aplicam. Utilizam-se uma variedade de
técnicas, incluindo diagramas de Venn para estabelecer as responsabilidades institucionais pela
gestão de terra, transectos, entrevistas semi-estruturadas para esclarecer o funcionamento das
instituições locais ligadas à terra e à gestão, uma série de técnicas visuais para estabelecer o
funcionamento da gestão da terra e dos sistemas de produção, incluindo a sua expansão
territorial e técnicas para estabelecer a dinâmica da ocupação do espaço ao longo do tempo.
3. Mapeamento Participativo
Durante a DRP, os diferentes grupos de interesse produzem uma série de mapas participativos,
podendo cada um dele ter opiniões particulares sobre a forma como a comunidade ocupa e utiliza
o espaço. Estes mapas apresentam os alegados limites do território da comunidade, identificam
as comunidades vizinhas por nome e localização e dão uma ideia da presença e distribuição da
terra e dos recursos naturais no território. Recomenda-se fortemente a utilização de fotografias
aéreas ou de imagens de satélite com uma resolução razoável, mas esta muitas vezes não é
aplicada.
4. Cruzamento de referências e confirmação de informações
Ao comparar os diferentes mapas participativos e completando-os com outras informações acerca
da história, dos sítios sociais e religiosos, dos sistemas de produção e do uso dos recursos
naturais e da gestão da terra, produz-se um mapa composto com base no consenso, chamado o
“cartograma”. Este mapa não tem escala, não é o produto de trabalho de agrimensura, mas
apresenta distâncias e áreas proporcionais do território da comunidade e dos seus recursos
naturais.
5. Validação da informação com os vizinhos
O cartograma é confirmado junto das comunidades vizinhas, que foram identificadas durante o
DRP. Efectua-se uma visita a cada comunidade (uma comunidade alvo pode ter até 4-5
comunidades vizinhas) e o mapa de consenso é analisado numa série de reuniões. O processo de
delimitação de terras comunitárias não pode continuar na ausência dum acordo entre as
diferentes comunidades.
6. Processamento cadastral
As actividades seguintes fazem parte do processamento cadastral feito Serviços Provinciais do
Cadastro (SPGC):
13
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
•
Transferência do cartograma para um mapa topográfico, normalmente com uma escala de
1:50.000. Georeferenciamento dos pontos de limite quando necessário, utilizando
equipamento simples de GPS.
•
Produção duma ‘memoria descritiva’, que é uma narrativa que descreve a natureza e a
localização de cada ponto e linha de limite identificado e numerado.
•
Verificação local do mapa final junto da comunidade e dos seus vizinhos, numa única
reunião; após chegar a um acordo final, os mapas e documentos são assinados pela
comunidade e pelos representantes das comunidades vizinhas.
•
Despacho do processo pelo Estado, na sua função de proprietário de toda a terra em
Moçambique; Registo nos registos cadastrais, sendo toda a documentação registada no
cadastro provincial.
•
Após obtenção do despacho formal, os SPGC emitem um Certificado de Terra Comunitária,
cujo original é enviado para a comunidade.
A delimitação de terras comunitárias encontra-se, portanto, totalmente sustentada pela lei, é
juridicamente completa e sujeita à aplicação da lei. O AT também inclui um conjunto de formulários
padrão que se devem preencher antes de se poder aceitar legalmente o processo e de se poderem
registar as terras comunitárias no cadastro.
A metodologia em si resulta das boas práticas aprendidas com uma série de 21 experiências piloto
implementadas em todas as 10 províncias do país, sob diferentes condições sócio-ambientais. Estas foram
facilitadas por diferentes ONGs prestadores de serviços, com o envolvimento de todos os dez SPGC. O AT
resultante é, portanto, o produto duma rede ampla e diferenciada de prestadores de serviços, incluindo
agentes e instituições públicas e privadas, e obteve um elevado nível de legitimidade desde a sua origem.
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Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Figura 4 – Metodologia de Delimitação
1
FASE DE SENSIBILIZAÇÃO, TRANSMITINDO INFORMAÇÃO E
2
FASE DE DIAGNÓSTICO, UTILIZANDO TÉCNICAS DE DRP
3
MAPAS PARTICIPATIVOS, PRODUZIDOS POR GRUPOS DIFERENTES
4 CRUZAMENTO DE REFERÊNCIAS E CONFIRMAÇÃO DA INFORMAÇÃO DOS
5
VALIDAÇÃO DA INFORMAÇÃO JUNTO DOS VIZINHOS
6
TRANSFERÊNCA DE INFORMAÇÃO E REGISTO CADASTRAL
15
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Situação da implementação
Realizações
Após dez anos de delimitação de terras comunitárias, continua a ser difícil descrever qual é a situação
exacta em que se encontra a sua implementação, devido a uma série de razões, incluindo:
•
Nem todos os dados que estão disponíveis a nível provincial nos SPGC são transferidos para a
DNTF
•
Os dados disponíveis nos SPGC nem sempre estão actualizados; muitas vezes não se mantêm
registos específicos sobre as delimitações de terras comunitárias
•
Tanto as ONGs que estavam envolvidas na delimitação das terras comunitárias como os SPGC
mantêm registos de dados, mas estes podem diferir significativamente
Em 2007 houve uma alteração das regras jurídicas para registar as terras comunitárias, e isto introduziu
uma insegurança jurídica e teve um impacto na forma como os SPGC lidam com as comunidades que já
foram delimitadas antes desta alteração (uma interpretação retroactiva desta alteração, que é
juridicamente incorrecta), e com os processos que estavam em vias de serem registados;
A Tabela 3 apresenta um panorama das delimitações das terras comunitárias, baseadas em várias fontes
de informação. Assim que o AT foi aprovado em Março de 2000, houve várias províncias que fizeram
rápidos progressos, tal como o indica o inventário de 2003. No início de 2009, fez-se um inventário com
base nas informações cadastrais mantidas pela Direcção Nacional de Terras e Florestas. Um inventário
posterior (Novembro de 2009) utiliza os dados cadastrais das próprias províncias, que parecem estar
mais actualizados.
Tabela 3 – Progressos realizados nas delimitações de terras comunitárias
Número de comunidades
2003 (a)
02/2009 (b)
Área delimitada
11/2009 (c)
02/2009 (hectares)(b)
Certificado
Em curso
Certificado
Em curso
Certificado
Em curso
Certificado
Em curso
Niassa
3
3
9
0
7
0
357,231
0
Cabo
Delgado
0
11
0
0
0
4
0
0
Nampula
43
13
93
2
103
19
743,418
4,518
Zambézia
Província
28
20
73
18
65
52
3,637,001
568,011
Tete
0
2
0
27
0
27
0
3,928,912
Manica
4
14
7
7
10
8
226,374
553,656
Sofala
5
12
11
3
11
35
648,288
778,699
Inhambane
0
5
8
3
13
0
575,407
10,400
Gaza
8
1
17
3
17
7
447,782
24,702
Maputo
Total
7
2
11
11
4
14
98,786
55,337
98
83
229
74
230
166
6,734,287
5,924,235
Fontes: (a) Relatório do CTC, 2003 (b) Cossa & De Wit, 2009, baseando-se em dados da DNTF (c) Dados
de Novembro de 2009, dos SPGC
16
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Podem-se retirar uma série de lições desta avaliação quantitativa:
•
Há uma número reduzido de comunidades que foram delimitadas e que obtiveram um
certificado, correspondendo, provavelmente, a menos de 10% das “comunidades rurais”
Moçambicanas e que cobrindo também menos de 10% do território nacional. As principais razões
desta situação são múltiplas. Em primeiro lugar, a delimitação de terras comunitárias, bem como
o registo doutros direitos de uso da terra, continua a ser implementada na base da procura, o
que resulta numa titulação esporádica. Isto tem, obviamente, implicações importantes nos custos
associados ao processo, bem como no desempenho que se pode esperar dos prestadores de
serviços. Em segundo lugar, a delimitação de terras comunitárias é impulsionada principalmente
pelo sector das ONGs, e nunca foi uma grande prioridade do governo. Este ponto reflecte-se
claramente no baixo volume de atribuições do orçamento do estado para a delimitação vi. Em
reacção a esta situação, uma série de doadores internacionais criaram um fundo, conhecido
como a Iniciativa Terras Comunitárias (ITC), que disponibiliza recursos para actividades na área
de gestão da terra e dos recursos naturais no nível local, com um maior enfoque na delimitação
de terras comunitárias. Este mecanismo tem demorado a tornar-se plenamente operacional. Em
terceiro lugar, a capacidade para implementar as delimitações continua a ser fraca, tanto no
sector público como no das ONGs. O sector público nunca fez realmente esforços para criar uma
capacidade de resposta a este desafio e, embora o sector das ONGs tenha estado inicialmente
muito activo na linha da frente das terras, neste momento há várias ONGs líder que estão a
diversificar as suas actividades e a deixar a delimitação de terras comunitárias um pouco de lado.
•
Há uma número cada vez maior de casos de processos de delimitação, que não resultaram na
emissão dum certificado. A alteração do Artigo 35 dos Regulamentos da Lei de Terras [que refere
o despacho das delimitações de maiores dimensões ao nível do ministro (1.000-10.000 ha) ou do
Conselho de Ministros (> 10.000 ha)] parece ter um grave impacto nisto. A Tabela 4 4 mostra
que a grande maioria das delimitações ultrapassa a responsabilidade dos 1.000 hectares do
governador provincial. Há também grandes atrasos na tramitação dos processos, principalmente
por causa duma série de incertezas e inconsistências existentes, que se discutem abaixo. Importa
notar que a DNTF, no seu papel de coordenação enquanto serviço nacional, não tem consolidado
esforços com os serviços provinciais para responder às dúvidas processuais, o que resulta em
atrasos administrativos vii.
•
Podem-se observar grandes diferenças provinciais, incluindo duas províncias sem quaisquer
certificados comunitários. Em geral, os processos são dirigidos pela procura, por parte das ONGs,
no seu papel de prestador de serviços. As províncias que contam com a liderança duma ONG
forte, ou com projectos que responderam à delimitação comunitária em particular, fizeram
progressos importantes (províncias de Nampula e Zambézia). A sensibilidade e a motivação
política dos governos locais e das pessoas proeminentes, incluindo os homens de negócios,
desempenham um papel crucial. Alguns governos provinciais não suportam realmente a
delimitação de terras comunitárias, e levantam entraves administrativos e burocráticos. Não se
deve subestimar a sensibilidade e as interpretações pessoais da lei de terras ao nível dos serviços
provinciais de cadastro viii.
•
O tamanho das áreas comunitárias que estão delimitadas, varia consideravelmente (menos de 10
hectares, e mais de 200.000 hectares e nalguns casos mesmo 500.000 hectares). No entanto isto
sublinha, mais uma vez, a existência duma série de desafios pendentes ligados a questões
conceituais que são actualmente interpretadas de diferentes maneiras pelos diferentes actores.
Uma das principais razões é o facto dos territórios sob a jurisdição da liderança tradicional serem
17
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
indevidamente considerados como representando a 'terra da comunidade’ e de estarem
delimitados em diferentes níveis de liderança. Na província do Niassa, por exemplo, várias
delimitações de terras comunitárias resultaram em áreas superiores a 400.000 hectares, com
cerca de 30 aldeias incluídas em cada uma, com populações totais de 20.000-46.000 residentes
(Akesson et al, 2008). Estes territórios não correspondem, no entanto, aos territórios de gestão
da terra, mas sim às jurisdições de líderes tradicionais de alto nível, tais como “régulos” e
“sultões”.
•
Existe também uma ligação aparente entre o tamanho das terras comunitárias e os actuais
sistemas de produção agraria dos membros da comunidade. As maiores áreas delimitadas
correspondem geralmente a sistemas de base florestal, em que as comunidades combinam o uso
extensivo das florestas (produção de carvão vegetal, caça) com a agricultura itinerante. Estas
áreas maiores ocorrem principalmente nas províncias de Sofala, Tete, Niassa e Zambézia. A
província de Nampula é uma província essencialmente agrícola (algodão, castanha de caju), com
uma densidade populacional relativamente elevada, daí resultando que as comunidades
delimitadas sejam mais pequenas .
Tabela 4 - Áreas de terras comunitárias delimitadas
Área das Terras Comunitárias (hectares)
Províncias
1,00010,000ha
<1,000
10,00020,000ha
20,00050,000ha
50,000100,000ha
>100,000ha
Maputo
1
16
3
2
0
0
Gaza
1
8
4
6
0
1
Inhambane
2
6
1
0
0
2
Sofala
0
1
0
5
5
3
Manica
0
2
0
7
2
3
Tete
0
0
1
3
5
18
Zambézia
0
45
19
12
11
4
Nampula
10
67
6
11
1
0
C. Delgado
0
0
0
0
0
0
Niassa
0
0
2
3
2
1
Total
14
145
36
Fonte: Arquivos de dados cadastrais da DNTF e dos SPGC
49
26
32
Custos
Há poucos esforços para calcular os custos das delimitações de terras comunitárias. A ORAM, uma ONG
nacional, providenciou uma análise detalhada dos custos, baseada em cerca de 20 delimitações
implementadas no início dos anos 2000, e comunicadas na avaliação do CTC (2003). Os custos da
delimitação e registo de terra comunitária variam consideravelmente, conforme os diferentes prestadores
de serviços, a abordagem utilizada e os factores técnicos.
A ORAM calcula as delimitações com base em custos variáveis (trabalho de campo) e em custos fixos
(incluindo os custos de suporte institucional). Os custos variáveis de US$ 1.596 representam
provavelmente uma subestimação dos custos reais dum processo médio de delimitação e registo de terra
comunitária, principalmente porque estes não incluem os salários dos prestadores de serviços. Por outro
lado, os custos totais de US$ 8.714 dão uma estimativa elevada e incluem despesas gerais, resultantes
das despesas gerais de apoio institucional do prestador do serviço. Outras estimativas podem derivar de
21 casos-piloto realizados pela Secretaria Técnica da Comissão de Terra, para consolidar o AT em 1999.
18
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Em média, os custos destas delimitações variaram entre US$2.200 - US$5.500, excluindo os custos
salariais da facilitação.
Alguns actores parecem considerar que este é um valor elevado. No entanto, em comparação com a
titulação de parcelas individuais, a delimitação de terras comunitárias parece ser uma forma eficaz em
termos de custos de assegurar o acesso a terra dum grande número da população rural ix. Em suma,
pode-se concluir que um processo de delimitação duma terra comunitária de tamanho médio,
implementado de forma isolada, incorre num custo de US$2.000 - US$8.000. Isto abrange uma área de
1.000-20.000 hectares e protege a terra de milhares de populações rurais. Há também várias
possibilidades de reduzir os custos. Considerando uma abordagem de agrupamento, a delimitação
simultânea de várias comunidades adjacentes e a promoção como tal duma abordagem mais sistemática
da delimitação de terras comunitárias, é uma maneira de reduzir os custos globais. A delimitação de
áreas de maior dimensão não significa necessariamente um aumento proporcional dos custos.
Destaca-se que o certificado da comunidade não é um documento de título de terra equivalente ao
registo completo dum direito à terra. Este requer um procedimento de levantamento mais rigoroso e com
maior precisão, bem como a demarcação física com marcadores em cimento, duma série de pontos de
limite. Isto implica naturalmente custos adicionais significativos. Os pilotos implementados pela ONG
Kulima na província de Nampula, indicam um custo total pela delimitação de terras comunitárias e,
consequentemente, pela demarcação, de cerca de US$14.000 (área total de 2.000 ha). A ausência dum
título (em vez de um certificado) não põe em causa os direitos de que gozam as comunidades sobre a
terra e os recursos naturais. O certificado da terra comunitária estabelece uma evidência sólida do direito
à terra, sem a necessidade de passar pelo processo muito mais dispendioso de titulação de terra.
Facilitação, prestação de serviços e financiamento
O AT indica as responsabilidades dos diferentes prestadores de serviços no processo. Os passos 1 a 5 são
implementados por ONGs que receberam formação específica para esta actividade, eventualmente com
algum envolvimento do pessoal dos SPGC. O processamento Cadastral é da responsabilidade dos SPGC. A
eficiência e a qualidade da delimitação dependem, em grande medida, das relações de trabalho que se
podem estabelecer entre os SPGC e a ONG.
Na maior parte dos casos as ONGs, em resposta a um pedido verdadeiro ou ‘induzido’ da parte da
comunidade, iniciam a delimitação das terras comunitárias, em vez do governo ou dos serviços
cadastrais. Existe uma frustração crescente no seio dos observadores porque, “em todos os casos, o que
é mais negativo é a ausência do Estado que deixa a condução do processo e o estabelecimento das
prioridades entregues às ONGs” (Calengo, 2009). A ONG que está a comandar o processo contacta a
certa altura os SPGC, para solicitar a sua participação. Este processo realça o carácter passivo da
administração das terras públicas, em que os SPGC respondem aos pedidos das comunidades e das
ONGs, em vez de tomarem a iniciativa e de terem um programa próprio para a delimitação.
A capacidade da prestação de serviços continua a ser fraca em todo o país. O relatório do CTC declarou
em 2003 que “Não há uma única agência estatal que esteja devidamente treinada e equipada para
realizar o procedimento ela própria. À excepção dos 21 casos de ensaio, executados pela Comissão de
Terra para testar e desenvolver a metodologia, praticamente todas as delimitações feitas até agora têm
sido realizados com o apoio técnico e material das ONGs. Tanto quanto pode ser determinado, não
existem actualmente quaisquer fornecedores do sector privado, ou outros, a operarem neste mercado”.
Esta situação não se alterou significativamente; pelo contrário, vários funcionários dos SPGC que tinham
sido treinados na delimitação de terras comunitárias, desde essa altura já deixaram o serviço e os novos
quadros não recebem treinos específicos.
Há também indícios de que a qualidade dos serviços prestadospelas ONGs precisa de ser seriamente
melhorada; se isto não se fizer, o resultado podem ser delimitações mal implementadas que provocam
19
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
conflitos em vez trazerem benefícios. Isto está claramente demonstrado numa série de delimitações
recentes no Niassa (Akesson et al, 2008). Outro desafio é o facto das ONGs estabelecidas como
prestadoras de serviços, terem diversificado as suas actividades e ficado com uma capacidade limitada
para se envolverem nas delimitações. Calengo (2009) observa que “a ORAM é, na realidade, a ONG mais
envolvida nos processos de delimitação. A agenda da ORAM nas províncias, aonde a iTC opera, está
altamente sobrecarregada com muitos pedidos diferentes, o que faz com que esta ONG se torne num
‘intermediário dos intermediários’. Quando se canalizam fundos da iTC para uma ONG que tem um fraco
entendimento do processo de delimitação, esta ONG solicita à ORAM um sub-contrato para esta a ajudar
a fazer o trabalho. Na província de Cabo Delgado, aonde a ORAM não tem representação, o pedido para
ajudar as organizações locais que estão envolvidas no processo de delimitação através da iTC, é feito
através da província vizinha. x
Em resposta a isto, ambos os projectos da iTC, que cobrem seis das dez províncias, incluem a formação
de prestadores de serviços locais, como fazendo parte das suas actividades.
Quem paga a delimitação?
As disposições legais para o pagamento das delimitações de terras comunitárias, não se aplicam na
prática. No caso duma delimitação relacionada com um conflito, devia ser o Estado a financiar o
processo, enquanto nos casos em que a delimitação é feita devido a novas actividades económicas,
deviam ser os investidores a suportarem as despesas. Neste momento existem quatro mecanismos
possíveis de financiamento:
•
Pagamento de custos através das iniciativas da iTC, mas apenas nas seis províncias alvo;
•
Atribuição directa ao orçamento da ONG, tal como a ORAM em várias províncias;
•
Orçamentos de projectos específicos, tal como o programa de apoio aos Parques
Transfronteiriços, financiado pelo Banco Mundial, que atribuem recursos às ONGs para a
delimitação de terras;
•
Rubricas do orçamento público, tal como o programa de apoio orçamental ao sector agrícola ProAgri, que podem ser disponibilizadas ao nível central (nos últimos anos, a DNTF nunca pediu
um orçamento específico para a delimitação de terras comunitárias), ou ao nível provincial
(SPGC). Em princípio, cada SPGC inclui no seu financiamento anual o pedido duma série de
delimitações comunitárias à ProAgri. Isto é uma resposta directa à meta exigida de 50
delimitações/ano, incluída como indicador do programa ProAgri apoiado pelo sector.
Caracterização das áreas delimitadas
Até agora, são menos de metade as terras comunitárias que foram digitalizadas, e a avaliação que se
segue só pode ser usada para indicar tendências. A Figura 5 apresenta as delimitações num contexto da
aptidão potencial das terras para diferentes sistemas de uso da terra, incluindo a agricultura. Torna-se
evidente que as terras comunitárias são delimitadas sobre um vasto leque de potenciais de terra, que vão
desde as terras agrícolas de elevado potencial até às terras com menor potencial, nas quais se deve
praticar apenas a pastagem.
As delimitações também abrangem áreas que mostram um uso potencial limitado, devido a limitações
importantes (solos delgados, por exemplo), bem como terras que foram classificadas como frágeis,
devido a riscos de erosão ou a outras ameaças ambientais. É evidente que um elevado potencial agrícola
não é necessariamente uma força motriz para as comunidades ou para as ONGs que facilitam o processo,
dirigirem as delimitações de terra. Existem casos isolados em que as comunidades tentaram registar os
20
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
direitos sobre terras irrigadas (abandonadas, que não estão a ser utilizadas, ou que precisam de
reabilitação), mas estas tentativas não tiveram êxito até agora.
Figura 5 – Delimitações de terras comunitárias projectadas face ao uso potencial
de terra
Fonte: Base map IIAM-DARN, 2008
21
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Figura 6 - Delimitações de terras comunitárias projectadas face à cobertura
florestal e à varios direitos sobre os recursos florestais
Fonte: Base map DNTF, 2007
A Figura 6 ilustra as delimitações face à base dos recursos florestais, incluindo as florestas existentes e as
concessões de caça, bem como às áreas de conservação. Parece existir uma certa correlação entre a
presença de recursos florestais e as áreas que foram delimitadas, embora esta hipótese não seja
conclusiva a esta escala de apresentação. É interessante o número significativo de comunidades cujas
terras foram delimitadas na proximidade de áreas de conservação, reservas de caça e florestais. Isto é
particularmente notável para a parte sul da província de Gaza, adjacente à área de conservação de fauna
bravia Transfronteiriça do Limpopo (extensão do Parque Kruger).
A Figura 7 ilustra, a uma escala mais detalhada, a situação na província de Sofala, localizada no centro
do país, e abundantemente dotada de recursos florestais. Aqui, existe uma correlação significativa entre
as áreas que as comunidades delimitaram como terra sua e a presença de recursos florestais que
22
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
possuem um estatuto jurídico de concessão florestal, reserva florestal, parque nacional (Parques
Nacionais de Gorongosa e Marromeu,) ou concessão de fauna bravia.
Figura 7 – Direitos sobre os recursos florestais e terras comunitárias delimitadas na
província de Sofala
Fonte: Base map DNTF, 2009
Há direitos de terra comunitária delimitados numa parte significativa do Parque Nacional da Gorongosa,
bem como nas zonas tampão. Este cenário é útil para gerar alguma forma de responsabilização da parte
da comunidade local e, eventualmente, a participação activa na conservação da base de recursos
naturais do parque. A delimitação dos vários direitos da comunidade ao longo da área do parque, é uma
boa ferramenta para canalizar para as respectivas comunidades os benefícios directos proporcionais,
derivados da gestão do parque (taxas de entrada). De igual modo, há várias comunidades que têm
direito ao benefício da taxa anual de 20% das concessões florestais que foram delimitadas, o que facilita
em grande medida o seu desembolso.
23
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Importa observar que é menos evidente a sobreposição entre os DUATs (Direitos de Uso e
Aproveitamento da Terra) agrícolas superiores a 500 hectares e as terras comunitárias delimitadas. Isto
pode explicar, até certo ponto, as dificuldades enfrentadas pelas comunidades que estabeleceram direitos
sobre estas terras através da ocupação histórica, para obterem alguns benefícios derivados da emissão
destes DUATs agricolas a longo prazo.
Desafios por enfrentar
O uso do AT
A compreensão dos objectivos da delimitação de terras comunitárias, bem como os benefícios que esta
pode acarretar, continuam a ser problemáticos. Em combinação com uma abordagem contínua orientada
pela oferta das ONGs prestadoras de serviços, isto leva alguns observadores a concluir que
“provavelmente, a maior parte das delimitações ocorreram aonde não deviam, e não ocorreram aonde
eram, de facto, necessárias” (Calengo, 2009 xi). Não há dúvida de que a fase de sensibilização exige
muito mais atenção.
A aplicação adequada da ARP por parte das ONGs também se mantém um grande obstáculo, e precisa de
mais capacitação e educação no seio dos prestadores de serviços. Pijnenburg (2004) concluiu, após o seu
trabalho de campo, que:
“A ARP parecia ser fortemente percebida como um passo burocrático necessário no processo de
delimitação de terras comunitárias. A ARP foi considerada como um exercício extractivo de
recolha de dados; “na ARP só precisamos da comunidade para responder às perguntas”. Os
dados foram necessários para acompanhar o mapa para o registo da terra, conforme prescrito
pela AT da Comissão de Terra. Isto fez com que os métodos tenham sido utilizados de forma
bastante extractiva e mecanicista. O pessoal da facilitação considerou ARP como um mal
necessário. Uma atitude destas face ao método pode ser parcialmente a causa da atitude acrítica
em relação à qualidade dos dados; não houve quase nenhuma verificação e/ou triangulação.
Qualquer resposta dada às perguntas do longo questionário era suficiente. Não houve partilha ou
triangulação dos resultados. Não houve momentos de reflexão crítica, e os facilitadores muitas
das vezes não sabiam o motivo daquilo que estavam a fazer. Na maior parte dos casos, o
trabalho era mal introduzido e a tendência era para o terminar o mais rápido possível. Também
se caracterizou pela ausência de diálogo e, muitas vezes, pela ausência duma empatia genuína
por parte dos funcionários da ONG. As técnicas visuais, destinadas a permitir a participação
plena, foram utilizados duma forma que minimizou a participação, o entusiasmo e a
apropriação”.
O tratamento da parte administrativa cadastral da delimitação apresenta defeitos, e estes são a razão
principal dos atrasos que ocorrem na emissão do certificado assim que uma comunidade é delimitada.
Identificaram-se os seguintes obstáculos importantes:
•
Transferência dum cartograma para um mapa topográfico; a qualidade de cartogramas pode ser
fraca e subsistem dúvidas relativamente às fronteiras;
•
Relutância dos inspectores em aceitar o conceito e os resultados do mapeamento participativo,
incluindo os limites naturais;
•
Problemas com o geo-referenciamento, muitas vezes excessivo e com maior precisão do que a
necessária; problemas com a transferência dos pontos verificados para mapear polígonos
incluindo a digitalização; subsistem dúvidas relativamente à utilização de diferentes sistemas de
projecção do mapa;
24
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
•
Inconsistências no preenchimento da documentação exigida, que podem resultar em trabalho de
campo adicional, custos mais elevados e atrasos; subjectividades na interpretação do conteúdo
do processo por diferentes serviços aos níveis nacional e provincial;
•
Falta de clareza, incoerências e subjectividade do processo de apuramento aos diferentes níveis.
Há alguns indícios de que alguns governadores provinciais não são susceptíveis de assinar
documentos, mesmo quando estes estão em total conformidade com a legislação de terra. Esta
situação agrava-se agora com a alteração do Artigo 35.
Há dados que indicam que a conclusão dum processo demora, em média, 2-3 anos, o que está em nítido
contraste com o processo de 90 dias de tramitação administrativa para os DUATs privados xii.
A maior parte destes obstáculos são originados pela falta de (i) directrizes processuais claras, a serem
emitidas pela DNTF, (ii) modus operandi acordado entre a DNTF, os SPGCs e as ONGs prestadoras de
serviços, (iii) uma falta geral de atenção profissional, e (iv) a resistência das instituições públicas e dos
governos locais à aplicação da lei. Sem dúvida, a TA requer directrizes processuais adicionais para
aumentar a eficácia da sua utilização. Também é necessário que haja mais entendimento e compreensão
inter-institucional, e uma melhor parceria, com responsabilidades claramente definidas, entre os serviços
do cadastro e as ONGs.
Questões conceituais
Alguns conceitos da lei de terra não são assim tão fáceis de deslindar e interpretar objectivamente, e
muito menos de traduzir em orientações e procedimentos simples e práticos que sirvam para instruir os
prestadores de serviços sobre a forma de fazerem o seu trabalho. Os problemas seguintes requerem
maior atenção a todos os níveis, devem ser objecto de mais investigação e podem resultar na
consolidação adicional da regulamentação e de procedimentos.
Comunidade local
O conceito da comunidade local foi amplamente discutido durante o processo de desenvolvimento da lei
de terras, mas o único resultado prático foi uma vaga definição que está incluída nos Regulamentos da
Lei de Terras e que se mantém aberta ao debate e à interpretação. Existem interpretações diferentes
sobre a natureza duma comunidade local e que compreendem desde um número de definições diferentes
na lei até a uma possivel interpretação diferente de cada uma destas definições por parte dos diversos
intervenientes. Os debates tendem a ser bastante académicos, com interesses diferentes a defenderem,
cada um, posições diferentes e a justificarem as suas contribuições com fundamentos diferentes. Não é
surpresa nenhuma o facto de, na ausência de qualquer outra orientação concreta e simples, a
identificação duma comunidade por parte duma vasta gama de prestadores de serviços, resultar em
realidades diferentes, conforme se ilustra na Tabela 3.
Representação da Comunidade
As tentativas do GdM para introduzir formas institucionais diferentes ao nível comunitário e para manter
um nível de ‘comando e controlo’ sobre as regiões rurais e a população rural, tem confundido a questão
fundamental das formas de representação. Consequentemente, conduziu a uma situação em que se
tornaram confusas as distinções entre os direitos e as obrigações privadas e públicas, muitas vezes em
detrimento daqueles que operam na esfera privada. Os grupos comunitários, enquanto entidades
privadas e titulares de direitos privados ao abrigo da Lei de Terras, deviam ser capazes de exercer estes
direitos através de um ou outro tipo de órgão representativo, nomeado livremente pelos membros da
comunidade enquanto co-titulares dos direitos. A Lei de Terras de certo modo prevê isto, através da
introdução dum órgão eleito para supervisionar e assinar o processo de delimitação (‘o grupo dos nove’,
que se tornou conhecido como o ‘G9’). Infelizmente, a Lei de Terra não prevê que o G9 tenha quaisquer
25
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
outros poderes ou funções, além do acto de delimitar a terra, e é omissa relativamente aos arranjos
institucionais para uma contínua supervisão da administração e gestão local da terra, salvo na
identificação das “práticas consuetudinárias” da “comunidade local”. Pelo contrário, a lei lega a decisão
sobre a matéria a outras leis xiii.
A resposta do GdM a esta crítica tem sido múltipla, como se segue, e em vez de dar orientações claras,
reforça a confusão:
•
O Decreto 15/2000 cria uma potencial confusão com a Lei de Terras, especificando, entre outras
coisas, a comunidade local como um organismo público, e não como uma entidade privada de
gestão de terra. Esta clara distinção também é sustentada pela legislação de Florestas e Fauna
Bravia, na qual a comunidade é igualmente tratada como um órgão privado, passível de ser
titular de direitos de exploração de recursos e, na sua maior parte, sujeito às mesmas regras e
regulamentos que são aplicáveis aos operadores comerciais do sector privado.
•
A Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE) introduz outras estruturas institucionais que também
tratam da face pública da comunidade local e do seu papel nas discussões, ao nível local, acerca
de vários assuntos de desenvolvimento e gestão de recursos naturais. Estas tais entidades não
podem representar a comunidade como a titular do DUAT privado que lhe foi conferido pela Lei
de Terras.
Há quase uma década atrás, a revisão da Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Social, observou que
uma das mudanças conceptuais a serem feitas pelos governos era que “O(s) governo(s) [precisa(m) de
dar] a verdadeira propriedade aos pobres, não apenas um sentido de propriedade. As pessoas não
podem ser enganadas pelos esforços que lhes dão um ‘sentido de propriedade’, sem que lhes dêem a
verdadeira propriedade” (Singh e Gilman, 2000). A caracterização de Anstey do contexto Moçambicano
como oferecendo a “ilusão de inclusão”, mostra que a falta desta mudança conceptual tem constituído
uma característica do processo de descentralização e de transferência dos direitos aos recursos (Anstey,
2000).
Portanto, o Estado precisa de responder através da regulamentação de mecanismos simples de
representação das comunidades locais enquanto entidades privadas, com as salvaguardas necessárias
para garantir a transparência e a aderência aos preceitos constitucionais. Não é suficiente deixar estas
questões entregues a conceitos vagos como “prática consuetudinária”; as regras para a representação, a
regularidade de eleições, a aquisição de direitos por parte de novos membros do grupo, etc., todas elas
precisam de ser discutidas e acordadas pelos membros da comunidade local.
Actualmente, não existe um quadro regulamentar que permita que as comunidades locais o façam, quer
na lei de terras quer na legislação florestal. A introdução dum novo tipo de entidade detentora de direitos
ao nível da comunidade local, podia responder às exigências de ambas leis e ajudar a concretizar os
benefícios previstos para os pobres, quer sejam estes provenientes de acordos de parcerias baseados na
negociação de capital, quer de sistemas de benefícios baseados no reconhecimento da participação em
sistemas locais de gestão dos recursos naturais. xiv
Natureza do direito registado
O espírito da legislação da terra estabelece que as terras comunitárias correspondem às terras usadas
pelos membros da comunidade em todas as suas dimensões, para alcançar os seus objectivos de
sustento e aqueles das futuras gerações. Uma instituição local toma determinadas decisões de gestão de
terra para estas terras e recursos naturais; por exemplo, os membros desta instituição são consultados
quando há pessoas de fora a tentarem ter acesso à terra, ou são chamados a testemunhar transferências
internas de terra. Assim, a terra comunitária corresponde às terras e aos territórios de gestão dos
recursos naturais e não aos territórios de posse da terra. Sob a égide do direito global de gestão da terra
26
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
comunitária, existem diversos outros direitos, incluindo os direitos mais individuais que equivalem aos
direitos de propriedade. Outra questão é que se as comunidades, na sua função de gestores de terras
locais, têm o direito de excluir pessoas, ou se têm o direito de vetar pedidos de emissão de novos
direitos, dentro das terras da comunidade. Várias leis também sugerem que uma comunidade tem várias
responsabilidades pela gestão local, o que levanta a questão da comunidade ter apenas direitos ou, na
sua qualidade de gestor, de também ter obrigações. Ainda não se percebem bem estes conceitos e as
suas possíveis implicações que contribuem para a criação, no seio de certas camadas da sociedade, dum
ambiente adverso para a delimitação de terras comunitárias. Certos círculos do Governo de Moçambique
acreditam que a delimitação de terras comunitárias tem um efeito negativo sobre o investimento privado
nas zonas rurais.
Direitos sobre direitos
Os cenários de direitos sobrepostos dão mais benefícios directos às comunidades e aos seus membros do
que os ‘direitos isolados’ da comunidade. Estes cenários incluem combinações entre direitos da
comunidade com concessões florestais, direitos da comunidade com direitos privados de DUAT, direitos
da comunidade com zonas de caça e direitos da comunidade com áreas registadas de parques e de
conservação. Estes pacotes de direitos sobrepostos, e a sua interacção, constituem uma ferramenta forte
para a produção de benefícios locais, derivados do uso da terra e dos recursos naturais. No entanto, o
princípio dos direitos sobrepostos nem sempre é claro para os decisores e para os administradores da
terra. Quanto a estes últimos, os serviços cadastrais expressam dúvidas sobre se a questão dos direitos
sobrepostos devia fazer parte dum registo de cadastro, uma vez que coloca alguns desafios técnicos em
comparação com o sistema de parcela-única-direito-único (um sistema baseado em parcelas únicas).
Direitos da comunidade, da família e individuais
Em consonância com a existência de vários direitos individuais e dos agregados familiares, ao abrigo do
direito comunitário global, também deviam existir opções que permitam aos proprietários de direitos
individuais retirar as suas terras da jurisdição consuetudinária, assim que houver necessidade de o
fazer xv. Os mecanismos para atingir este objectivo estão incluídos na legislação de terras Moçambicana.
Há um consenso quanto ao facto desta forma de “desanexação” só poder ocorrer se for acompanhada de
diálogo e de consenso entre o indivíduo particular e as pessoas que gerem os direitos consuetudinários.
Esta parte da lei ainda não foi explorada e requer uma fase piloto. A discussão quanto à possibilidade de
transferência destas tais terras alienadas a terceiros, incluindo a pessoas de fora da comunidade,
também precisa de mais reflexão.
Alargar a delimitação e fazer estratégias para a delimitação
Até agora, Moçambique destaca-se regionalmente e internacionalmente, como um exemplo bem
sucedido de envolvimento num programa de aumento da posse das áreas rurais. Ainda subsistem
questões quanto ao modo como se podem ampliar as actividades para abranger mais o território
nacional, pelo menos quando houver a necessidade e a vontade de o fazer. Existe a necessidade? Sim,
sem dúvida, quando se considera o aumento da pressão sobre as terras rurais ao longo dos últimos anos,
motivada não apenas pelos projectos de bio-combustíveis, mas também pela pecuária, o turismo e o
sector florestal.
Até agora não ficou bem claro se existe vontade (política) para expandir o programa. Por um lado, o GdM
incluiu, sob pressão dos doadores, um indicador quantitativo da delimitação de terras comunitárias, como
fazendo parte da matriz do progresso do PARPA. Os dois fundos da iTC para financiar actividades básicas
da gestão de terras estão operacionais e disponibilizam recursos e conhecimentos especializados para
facilitar a delimitação. Há sinais de que a DNTF pretende incluir uma rubrica para as actividades de
delimitação no seu orçamento anual global. Estes sinais apontam todos na direcção dum maior
27
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
compromisso, apesar de ser um ‘segredo aberto’ o facto dos outros actores considerarem as
comunidades como um “obstáculo” ao desenvolvimento nas zonas rurais e de considerarem a delimitação
de terras comunitárias como uma das principais causas de constrangimento do investimento do sector
privado.
Existe um consenso entre alguns profissionais de que a futura delimitação de terras comunitárias deve
ser abordada duma forma mais estratégica, ao longo das seguintes linhas:
•
A delimitação precisa de fazer parte duma cadeia de intervenções para criar benefícios directos
para a população rural. Isto pode-se conseguir através do estabelecimento de parcerias entre as
comunidades e o sector privado, ou através de iniciativas da CBNRM, ou dos benefícios directos
derivados da utilização dos direitos da exploração florestal ou, no futuro, dos benefícios
derivados do comércio de certificados de carbono.
•
As terras comunitárias são delimitadas nas localizações estratégicas em que são precisas (locais
com pressão decorrente do sector privado, novas atribuições de áreas muito grandes de terra e
de potencial conflito, corredores de desenvolvimento), aonde as condições são favoráveis para
gerar benefícios económicos e/ou ambientais directos (concessões florestais xvi, áreas de
conservação e zonas tampão circundantes, terras com cobertura florestal densa e valiosa, áreas
de caça oficial), ou aonde há procura. O último cenário continua a ser duvidoso, pois continua a
haver uma baixa procura da parte das próprias comunidades.
•
É preciso encarar uma abordagem de grupo, em vez de continuar com as delimitações isoladas.
Na realidade, isto traduz-se num direccionamento para uma determinada área com base na
presença de terras e/ou recursos naturais, ou num potencial existente, ou em lugares aonde se
tenham identificado eventuais oportunidades de investimento ao nível do governo central (o
exercício de zoneamento nacional) xvii. Esta abordagem é mais eficaz em termos de custos e,
portanto, não requer uma “pré-identificação” das comunidades com base em critérios duvidosos,
o que constitui neste momento uma grande fraqueza. A delimitação estratégica nesta base,
estabelece um bom equilíbrio entre a abordagem ad hoc a pedido, a qual é fortemente orientada
pelas ONGs, e uma titulação completa e sistemática, a qual se encontra vedada no âmbito do
actual financiamento e das restrições à prestação de serviços.
Riscos associados à delimitação de terras comunitárias
Papel das autoridades tradicionais
Em geral, as instituições locais que gerem terras comunitárias estão fortemente enraizadas nas estruturas
consuetudinárias, com as linhagens dominantes a exercerem os poderes de decisão. Em diversas
ocasiões, os líderes tradicionais têm conseguido influenciar o processo de delimitação de terras
comunitárias, para fortalecer sua ‘posição política’. De facto, a delimitação das jurisdições políticas locais
está mais generalizada do que a dos territórios da gestão de terras, o que resulta em reacções adversas
por parte dos administradores de terras públicas. Esta é agora uma prioridade que exige uma atenção
urgente.
28
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Direitos da mulher incluídos na posse comunitária formalizada
Os direitos directos que a mulher goza ao abrigo dos regimes de propriedade comum são muitas vezes
fracos e mais prováveis de corresponderem a um ‘direito de uso da terra’ secundário, o qual obtêm não
como indivíduo, mas pela sua relação com um titular do sexo masculino. A formalização da terra
comunitária é capaz de enfraquecer estes direitos indirectos da mulher. Até agora fizeram-se poucos
progressos no desenvolvimento de soluções eficazes e específicas para melhorar os direitos da mulher ao
acesso à terra e à propriedade. A legislação da terra prevê possibilidades de desanexar os direitos
individuais dos direitos comunitários, incluindo para as mulheres, mas até agora esta ferramenta não foi
utilizada. Os direitos da mulher estão fortemente vinculados a princípios constitucionais mais abrangentes
e à legislação específica (direito da família, do Código Civil), bem como a regulamentos favoráveis da
herança e sucessão. Na maior parte dos casos, a mulher só pode usar estas disposições se: a) ela as
conhecer, e b) ela tiver tido apoio suficiente para dar início a um processo que será seguramente difícil. É
preciso haver mais investigações acerca dos eventuais riscos que os direitos comunitários formais podem
induzir aos direitos individuais da mulher.
Riscos associados à delimitação de fronteiras
Há situações em que os limites são confusos e aonde existe vontade de os manter desta forma, por
exemplo quando comunidades vizinhas utilizam e gerem o mesmo recurso fundamental (uma lagoa e as
zonas húmidas circundantes) que está localizado na área fronteiriça das comunidades. A lei Moçambicana
permite a delimitação e o registo do recurso sob um regime de co-titularidade entre as comunidades
envolvidas. As possíveis consequências negativas de tornar ‘visíveis’ as fronteiras entre
comunidadesdiferentes ainda não foram objecto duma investigação em Moçambique. Em Burkina Fasso,
pelo contrário, este desafio tem recebido a atenção que merece xviii.
Também pode haver casos em que as fronteiras mudam ao longo do tempo e em que assumem um
carácter dinâmico. Há casos relatados em Moçambique, aonde isto acontece como resultado de
alterações de fidelidades entre as autoridades tradicionais ou, simplesmente, quando as populações
rurais se mudam para outras terras (Tornimbeni, 2007). Isto levanta dúvidas sobre se os limites da
comunidade “sempre foram assim”, uma afirmação que é muitas vezes proferida pelos administradores
de terra locais, durante um exercício de ARP para a delimitação de terras comunitárias. Um “cadastro
vivo” informal, não-documentado (isto é, a memória e os conhecimentos dos membros da instituição
local de gestão das terras sobre os diferentes direitos à terra e os seus limites) pode ser uma resposta
melhor, do que um cadastro de terra formalizado.
Existem também, naturalmente, riscos e desafios, quando as fronteiras da comunidade estão
determinados e fixados em ambientes aonde há um imperativo ecológico, ou outro, que obriga os
agregados familiares e as comunidades a serem móveis. Esta situação é característica das sociedades
pastorais da região do Sahel e na África Oriental. Na maior parte das regiões do Sudão, incluindo o
Darfur, por exemplo, formalizar a terra comunitária sem tratar simultaneamente dos outros direitos
inerentes ao sistema (tais como os direitos de passagem, os direitos de acesso sazonal à água e às
pastagens doutras comunidades), irá provavelmente alimentar conflitos de terra.
Riscos de exclusão
Tornimbeni (2007) dá indícios de que “a perspectiva de estratégias de exclusão contra pessoas móveis
pode ser, no futuro, mais do que uma simples hipótese”. Há relatos de que imigrantes (estrangeiros
nalgumas áreas fronteiriças, mas também cidadãos nacionais que procuram oportunidades de sustento
noutras comunidades que não a sua comunidade de origem) e outras pessoas móveis, de serem privadas
de ter acesso à terra e à utilização dos recursos naturais em várias partes de Moçambique. Ele
29
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
argumenta que a delimitação de terras comunitárias, portanto a lei de terras, é utilizada pelas
autoridades locais para controlar o movimento, contando com vários mecanismos.
Por um lado, a liderança local tende a atrair “novos membros da comunidade” para aumentar a colecta
de impostos e o rendimento e, consequentemente, o poder político local. Outra tendência parece ser o
movimento de migrantes económicos para as comunidades que recebem as taxas de 20% da exploração
florestal. As pessoas, e sobretudo a liderança local, parecem estar ansiosas para ser incluídas em
conceitos territoriais, tais como a delimitação de terras comunitárias, uma vez que isto oferece
oportunidades de obter vantagens práticas. Por outro lado, utiliza-se um sistema de “documentos de
viagem”, necessário para o assentamento em novas terras (uma herança colonial e pós-colonial), para
excluir as pessoas do acesso à terra. Há também indícios de que a formalização dos direitos da terra
comunitária tem um impacto de exclusão nos produtores de carvão, outra camada do mundo rural que
depende muito da mobilidade. A questão fundamental sobre se a formalização dos direitos da terra
comunitária resulta em padrões de exclusão, ou se são necessárias medidas específicas para garantir que
isto não aconteça, carece de mais discussão e pesquisa.
Impactos
Impactos nas comunidades
Os impactos nos grupos comunitários que realizaram processos de delimitação podem ser variados;
podem consistir em benefícios palpáveis para a comunidade, na forma dum acordo de parceria ou do
pagamento duma renda previamente acordada ou de dividendos por terceiros utilizadores das suas
terras, ou podem ser impactos menos tangíveis, tais como mudanças de atitude ou de comportamento. O
projecto Chipanje Chetu (Caixa 1), no norte da província de Niassa, por exemplo, ilustra como é que o
processo de delimitação tanto pode contribuir para aumentar a consciência local dos direitos, atitudes e
cidadania, como pode resultar em benefícios económicos directos para a comunidade. Visto que não há,
no entanto, uma monitorização sistemática, só pode haver indícios pontuais e parciais.
Caixa 1 - Chipanju Chetu, Niassa
O projecto Chipanju Chetu começou em 1999, numa área rica em áreas de floresta natural e de fauna
bravia, mas com ausência quase total de controlo sobre a exploração de madeira e a caça. Começou a
haver uma coordenação entre os Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia e várias ONGs que
tentavam controlar a exploração dos recursos faunísticos e florestais e as actividades subsequentes (para
tornar a população local consciente dos seus direitos ao abrigo da nova Lei de Terras e da legislação
florestal), o que conduziu à delimitação formal da área em Março de 2003 e à emissão dum certificado
para a comunidade. A área delimitada abrangeu 6.000 km2, com uma população estimada de 2.570
pessoas (ou de cerca de 650 famílias), distribuídas de forma bastante equilibrada entre as cinco aldeias
de Nova Madeira, Matchedje, Lilumba, II Congresso e Maumbica.
A delimitação, em seguida, evoluiu para um novo projecto do qual o elemento mais significativo foi o
estabelecimento dum acordo formal entre os implementadores do projecto, uma operação de caça
profissional e o governo provincial, segundo o qual uma parte das taxas de caça e de troféus seria
partilhada entre a comunidade, o governo local e o próprio projecto. Curiosamente, a maior parte foi
para a comunidade. O esquema começou em 2001 e, até 2004, houve um aumento constante das
receitas acumuladas para os grupos da comunidade e do projecto (veja tabela abaixo).
Atribuição de receitas de taxas de caça
Beneficiário
% atribuição
2001
30
2002
2003
2004
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Comunidades locais
Administração do
Distrito de Sanga
Projecto Chipanje
Chetu
Total
57%
3,000
3,956
6,230
14,800
20%
1,050
1,390
2,185
5,190
23%
1,210
1,600
2,512
5,970
100%
5,260
6,946
10,927
25,960
Então, em 2005, o governo provincial decidiu cancelar a licença experimental da empresa de caça,
paralisando efectivamente o projecto. Parece que isto fez parte duma campanha conduzida por interesses
políticos e da elite locais, que queriam substituir o operador privado. Mas, devido ao facto da comunidade
já ter registado os seus direitos, o processo do novo concurso foi sujeito à imposição de condições
importantes. A comunidade também teve uma maior consciência daquilo que podia esperar
legitimamente da caça, na sua área. Uma das características do projecto Chetu Chipanju desde o início,
tem sido uma maior organização e consciência dos direitos: os guardas da comunidade que foram
empregados para proteger a caça contra as actividades de caça furtiva, rapidamente se tornaram
suficientemente confiantes para enfrentar os funcionários dos governos local provincial que foram
apanhados a caçarem ilegalmente.
Fonte: Norfolk & Tanner (2006)
Partindo de casos iniciais do processo de delimitação realizados na província de Manica, Simione &
Alberto (2001) identificaram os seguintes benefícios: a comunidade assume um maior controlo da sua
área através duma definição mais clara dos limites; isto conduz a uma maior participação na gestão dos
recursos locais; estimula uma maior participação em actividades de desenvolvimento local e minimiza a
incidência de conflitos locais.
Isto tende a sugerir que os impactos mais significativos são os que incidem na comunidade enquanto
“actor” (e não como “destinatário” dos benefícios) ou na própria base dos recursos. Há indícios doutros
casos que mostram que os benefícios tanto podem ser directos, na forma de pagamentos de receitas,
como indirectos, no sentido em que as comunidades podem defender melhor os seus direitos e privilégios
Vários comentadores têm observado a criação de capital social no seio de grupos comunitários, como
resultado da implementação da Lei de Terras. Knight (2002) identifica quatro áreas significativas aonde a
lei tem um impacto benéfico, estando todas elas relacionadas com uma melhoria do funcionamento
interno dos grupos ou com a extensão das suas ligações externas à outros actores (veja Caixa 2).
Caixa 2 – Capital social
•
Utilizando a lei, as comunidades estão a ficar cada vez mais integradas no quadro (jurídico)
nacional de Moçambique, o que está a fazer diminuir o isolamento das comunidades rurais e a
ajudar a construir uma nação mais inclusiva;
•
Sentimentos mais fortes de poder pessoal e da comunidade como resultado das possibilidades de
delimitação nos termos da lei, conduzem a um sentimento mais forte relativamente à segurança
da posse o que, por sua vez, ajuda a promover o desenvolvimento pessoal e comunitário;
•
As comunidades sentem-se protegidas pela lei de terras e acreditam que esta constitui uma
validação das suas próprias tradições e leis consuetudinárias. Deste modo,juda a promover a
implementação de estratégias para a gestão dos recursos;
31
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
As comunidades estão cada vez mais organizadas e unidas, na medida em que percebem que é
necessária a cooperação e o diálogo para poderem negociar os benefícios e a gestão dos
recursos naturais com os investidores.
•
Fonte: Knight (2002)
Estes são, sem dúvida, ganhos positivos, mas ficam aquém da criação generalizada de parcerias
mutuamente benéficas que poderia resultar da implementação da metodologia de delimitação
comunitária, conforme acreditavam os legisladores nos anos noventa . Existem, de facto, muito poucos
exemplos de parcerias bem sucedidas, apesar do apoio considerável dos doadores e de AT de alto nível,
durante vários anos. Aquelas que existem são encorajadoras, mas ainda são poucas.
Os sucessos dos modelos de Gestão Comunitária dos Recursos Naturais (CBNRM) também são poucos, e
há um consenso crescente de que isto se deve largamente à relutância do governo em delegar poderes e
autoridade para o nível comunitário, apesar da retórica contida nos instrumentos políticos de alto nível.
Caixa 3 – Comunidade de Canhane
A Comunidade de Canhane é um exemplo bem sucedido da formalização dos direitos à terra e do
posterior desenvolvimento dum empreendimento comunitário ligado a uma pousada e ao ecoturismo. A
delimitação das terras comunitárias foi concluída em finais de 2002; o processo de delimitação também
serviu de base a um plano de uso da terra (realizado por Helvetas) que identificou a área para a
pousada. A pousada foi construída durante os dois anos seguintes, com a participação total da
comunidade, e abriu formalmente ao público em Maio de 2004. Um relatório da FAO que avaliou o
impacto do projecto na segurança alimentar, declarou que:
“a comunidade está a obter uma maior capacidade para se envolver com as instituições locais e com o
mundo exterior e para participar no processo de desenvolvimento que já se encontra em curso na região
de Massingir (Calane, 2006, p12).
Após a abertura, em meados de 2004, o volume dos negócios e a receita bruta aumentaram, de
US$4.250 nos primeiros seis meses desse ano para US$14.900 no segundo semestre de 2005 (Calane
2006:30). Os impactos positivos incluíram:
•
criação de novas oportunidades de emprego
•
diversificação de actividades numa região muito propícia à seca e a más colheitas
•
a comunidade investiu o rendimento da pousada em infra-estruturas sociais seleccionadas pela
própria comunidade
•
‘posse’ comunitária do programa da pousada, com uma comissão eleita pela comunidade a gerir
a associação da pousada
•
aumento da capacidade local para avaliar as necessidades e para tomar decisões relativas ao
planeamento
•
melhores ligações de mercado decorrentes do melhoramento das estradas implementado pela
comunidade
•
um compromisso local renovado para com a educação, considerada como a chave para o futuro
acesso às novas oportunidades de emprego que se estão a criar localmente e para com a nova
economia impulsionada pelo Parque Nacional
32
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
A comunidade de Canhane geriu a pousada durante algum tempo como um empreendimento
comunitário, após o que começou à procura dum parceiro privado para a administrar. Norfolk & Tanner
(2006) observaram que “a forma como a Comissão [tem participado] participou no processo de selecção
do concurso, confirma claramente os comentários positivos feitos por Calane sobre a capacidade local e
sobre a mudança em termos de atitude e de consciência das novas oportunidades”.
Fontes: Calane (2006) e Norfolk & Tanner (2006)
Até 2001, o único projecto de CBNRM em Moçambique em que a comunidade conseguiu obter plenos
poderes de jure e autoridade sobre o uso dos recursos foi o projecto de Goba, um projecto emblemático
da unidade de apoio técnico à CBNRM, estabelecida na Direcção Nacional de Florestas e Fauna Bravia
(DNFFB) financiado e apoiado no âmbito dum projecto florestal da FAO. A experiência mais generalizada
foi o da CBNRM tendo operado durante anos num vazio jurídico, pois atribuíram-se várias
responsabilidades e até mesmo poderes de facto, às comunidades locais, sem que lhes tivesse sido
concedida a correspondente autoridade de jure.
Pagamento de benefícios ao abrigo da Legislação de Florestas & Fauna Bravia
Nos últimos três anos, houve um aceleramento (após um início lento) na implantação do sistema de
pagamento dos 20% às comunidades locais, ao abrigo da legislação de Florestas e Fauna Bravia que
abrange, agora, 436 comunidades em todas as 10 províncias do país (veja Tabela 5) xix.
Tabela 5 – Pagamento da parte comunitária de 20% das receitas florestais e da
fauna bravia, 2006 – 2008
No. de Grupos
Comunitários
registados
2006 – 2008 ($)
Valores ainda em
dívida
C. Delgado
79
230,015
386,167
37.33%
Gaza
35
53,175
90,501
37.01%
Inhambane
30
113,816
188,539
37.64%
Manica
32
168,845
144,023
53.97%
Maputo
25
19,934
29,343
40.45%
Nampula
63
216,069
44,424
82.95%
Niassa
10
22,345
46,862
32.29%
Sofala
18
233,207
759,619
23.49%
Tete
35
162,475
141,966
53.37%
Zambézia
109
597,006
-25,504
104.46%
Grand Total
436
1,816,888
1,832,391
49.79%
Província
Valores pagos
% taxa de
pagamento
2006 – 2008 ($)
Fonte: Relatórios anuais 2007 – 2009 da DNTF & cálculos dos autores
Apesar dos progressos feitos, parece haver ainda montantes elevados por pagar. Os números na Tabela
5 que representam os valores ainda em dívida, foram obtidos através do cálculo de 20% da receita total
recebida pela DNTF e subtraindo as quantias já pagas. Estes mostram que, ao nível nacional, o Estado
ainda não conseguiu pagar metade do valor dos benefícios da comunidade. Existem grandes variações
entre as províncias, tendo a Zambézia terminado todos os pagamentos enquanto que a provincia de
33
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
sofala terá conseguido pagar menos de um quarto. Note-se que estes números não contam com os
montantes recebidos ao nível central no âmbito da CITES (um valor adicional de US$714.184).
Figura 8 – Comunidades delimitadas, concessões florestais & áreas de conservação
Fonte: Base map DNTF 2007
34
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Figura 9 – Número de comunidades que recebem benefícios e proporção dos
pagamentos de 20% já efectuados, 2006-8
Fontes: De Wit and Norfolk
As Figuras 8 e 9 mostram a distribuição geográfica das áreas de delimitação comunitária, as concessões
florestais e as áreas de conservação, bem como a proporção dos benefícios de 20% pagos aos grupos
comunitários entre 2006 e 2008. As seguintes tendências/questões são notáveis:
•
A província da Zambézia tem áreas mais extensas em gestão de concessão florestal do que
qualquer outra província mas, aparentemente, gera menos receitas que as províncias Cabo
Delgado e Sofala.
•
Embora a receita global gerada seja menor na Zambézia, a proporção efectivamente paga aos
grupos comunitários é maior do que aquela paga tanto em Cabo Delgado como em Sofala.
35
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
•
O número de grupos comunitários registados e a beneficiarem do pagamento dos 20% é mais
elevado na Zambézia. Esta variação, juntamente com a variação na proporção dos benefícios
pagos, reflecte provavelmente diferenças entre as províncias que incluem a capacidade e a
vontade política, mas principalmente a presença de ONGs fortes. xx
•
Os benefícios canalizados para os grupos da comunidade, na província do Niassa, são mínimos.
Ironicamente, o sector florestal da província é dominado por regimes de plantações florestais, os
quais não são responsáveis pelos pagamentos dos 20% mas têm um impacto maior nos direitos
de terra locais e no acesso aos recursos.
•
Elementos ocultados pelos dados disponíveis a partir da DNTF são: (i) a proporção dos benefícios
canalizados pela exploração da fauna bravia face aos da madeira, e (ii) o nível dos benefícios
canalizados pelas receitas do turismo, nas áreas de conservação
Uma das peculiaridades das áreas protegidas em Moçambique é a presença generalizada de
assentamentos humanos xxi. Embora a legislação das Florestas e Fauna Bravia defina as áreas protegidas,
não especifica se podem ou não existir assentamentos humanos dentro dos seus limites; isto é
geralmente interpretado como permitindo que as pessoas vivam em áreas protegidas e usem os recursos
naturais para a sua subsistência. Nos parques nacionais e nas áreas de caça, que estão melhor colocadas
para atrair investimentos privados devido aos seus componentes animais, há muitas comunidades que
têm participado em esquemas de co-gestão com os gestores das áreas protegidas, e que tem
consequentemente obtido benefícios directos com oportuidades de emprego e actividades de turismo
cultural.
Diferenças & Sinergias
Uma das principais diferenças que pode explicar o relativo progresso obtido com o sistema de pagamento
dos 20%, em comparação com a falta de acordos de parceria baseados na lei de terras, é o facto do
sistema de pagamento dos 20% ser não só um imperativo legal, mas também ter sido (finalmente)
apoiado por instrumentos práticos e jurídicos, de forma a fazê-lo funcionar xxii. Não é este o caso dos
acordos de parceria, da delimitação de terras comunitárias ou das consultas locais ao abrigo da lei de
terras, que nem são obrigatórios xxiii nem são apoiados pelas ferramentas, metodologias ou orientações
necessárias para os tornar eficazes.
Posto isto, existem algumas sinergias fortes entre os diferentes quadros legislativos:
•
O pagamento às comunidades duma parte das receitas do governo provenientes duma área
geográfica específica (como resultado da tributação da exploração de recursos), depende
também da existência duma definição espacial clara da área, sobre a qual a comunidade pode
exigir legitimamente os seus direitos subjacentes aos recursos;
•
As instituições fortes e legítimas ao nível da comunidade são um pré-requisito tanto para a
gestão sustentável da terra e dos recursos correspondentes, como para a atribuição equitativa
dos benefícios derivados da exploração comercial destes recursos - ou seja, as leis de terra e
florestais precisam de instituições fortes ao nível da comunidade;
•
O processo de delimitação na lei de terras tem por finalidade estabelecer instituições
representativas que sejam localmente legítimas mas também conferir o reconhecimento legal a
estas entidades, o que é uma característica exigida pelo sistema de pagamento ao abrigo da
legislação florestal e da fauna bravia (para abrir uma conta bancária em nome da comunidade,
por exemplo).
36
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Dadas estas sinergias, uma combinação das duas abordagens parece oferecer muitas vantagens. Esta
integração poderia juntar o estabelecimento de entidades privadas legítimas, reconhecidas pela lei formal
e representantes dos co-titulares de direitos de terra registados numa área definida e delimitada, com a
canalização dos pagamentos do Estado em reconhecimento do benefício dos direitos locais com a
exploração comercial dos recursos nessa área. Um exemplo actual da adopção benéfica desta abordagem
seria o Parque Nacional da Gorongosa e a zona tampão, aonde a delimitação de terras comunitárias
ajudaria à formalização dos órgãos representativos dos vários grupos da comunidade e à definição das
“partes” das taxas de entrada no parque, que cada um destes grupos deve legitimamente receber.
Esta abordagem, se adoptada de forma consciente, tem potencial para igualar o tipo de sucessos que se
observaram na Tanzânia, aonde as leis e as políticas da terra dos anos 1980 e 1990 evoluíram para o
reconhecimento das terras das aldeias como uma das categorias de jure da gestão de terra. Nesta base,
uma série de comunidades resistiu, com sucesso, à anexação oficial das terras locais arborizadas em
reservas florestais do estado (um dos exemplos é a terra arborizada muito famosa de Duru Haitemba) e
subsequentemente criaram e implementaram sistemas de gestão mais intensivos e eficazes. O impacto
destas acções na conservação das terras arborizadas, até agora degradadas, foi relatado como “imediato
e óbvio” (Wily e Dewees, 2001: 10). xxiv
O principal elemento subjacente à história da Tanzânia é o bom ‘ajuste’ entre as políticas e as leis que
definem as aldeias como unidades jurídicas investidas da autoridade de governação local, a autoridade
de gestão da terra e dos recursos naturais e o facto destas unidades se localizarem o mais próximo
possível das pessoas comuns. Moçambique tem a oportunidade de replicar isto, aproveitando as
oportunidades oferecidas pela lei de terras e pela legislação florestal e da fauna bravia. No entanto, é
necessário que o Estado assuma uma atitude mais progressista e radical do que tem assumido até à
data.
Impactos no governo
A resposta do governo aos conceitos da CBNRM e a devolução dos poderes de gestão sobre a terra e os
recursos naturais, descreveu-se no passado como “esquizofrénica” (Virtanen, 2005, p. 10) e como tendo
conduzido a um “amargo impasse entre as autoridades estatais incapazes de aplicar totalmente as novas
políticas ambientais, e as populações rurais incapazes de escapar totalmente às exigências e controlos
centrais” (Walker, 1999, pp. 260-265). A relutância quanto à devolução por parte do governo, evidenciase nos atrasos na criação do quadro para o sistema de pagamento dos 20%, bem como na ausência
contínua de órgãos de co-gestão florestal ao nível distrital com poderes delegados para gerir os recursos.
Contudo, esta relutância nota-se mais claramente na abordagem dos princípios e conceitos contidos na
política e lei de terras, onde o governo tem procedido a uma degradação gradual dos elementos
progressivos da delimitação e da consulta local obrigatória. A alteração do artigo 35, introduzida pelo
Conselho de Ministros em 2007 e que sujeita a titulação dos direitos da comunidade à terra à discrição
administrativa/política, foi seguida dum ditame departamental que procura introduzir mais condições no
registo dos direitos à terra.
Estes são apenas os últimos obstáculos colocados no caminho dos grupos comunitários, ONGs (e mesmo
parceiros doadores), que tentaram pôr em prática as políticas e os instrumentos da política e da lei de
terras. Inicialmente, a falta de vontade do governo para implementar este elemento da lei de terras
manifestou-se pela ausência completa de atribuição de quaisquer recursos orçamentais ou estatais xxv.
Ultimamente, ao que parece, o governo não se opõe à alteração da lei e está mesmo contente por
contemplar a aplicação retroactiva, para privar as comunidades locais dos seus direitos.
Há provavelmente uma série de razões que explicam esta relutância do Estado em delegar o controlo
sobre a terra, incluindo:
•
os interesses económicos de agentes estatais em valiosos recursos naturais;
37
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
•
a falta de vontade dos políticos para permitir o controlo ao nível local em áreas simpatizantes da
oposição;
•
o receio de que, ao garantir os direitos
locais à terra em nome de grupos
comunitários, possa bloquear o
investimento privado nestas áreas.
Caixa 4 – Reserva de Mareja
A Reseva de Mareja cobre uma área de 36,000
hectares de terra delimitada em nome da
Associação Comunitária de Mareja. Nela se
encontra uma grande variedade de tipos de
floresta, incluindo uma região arborizada de
miombo, savana de acácias, floresta tropical seca
e contém ainda muitas espécies de plantas raras
e endémicas bem como uma grande variedade
de fauna, incluindo elefantes.
Quaisquer que sejam as razões, é sobretudo a
relutância do Estado em descentralizar o poder o
que conduz a uma situação em que são muito
poucos os exemplos de impactos bem sucedidos,
duradouros e positivos, da legislação de terra e
florestal, apesar dos princípios geralmente sólidos e
claros da política.
A reserva estabeleceu-se desde o início como
uma parceria entre dois principais interessados: a
comunidade de Mareja e um investidor privado, a
Mareja Management Limitada, que oferece apoio
financeiro e técnico com o objectivo de
estabelecer um projecto sustentável de ecoturismo na área. Os benefícios da comunidade
estão garantidos através duma percentagem no
contrato de arrendamento da operação turística /
pagamentos da concessão e através duma
participação no capital próprio de vários
empreendimentos turísticos.
Impactos na base dos recursos
Os impactos na base dos recursos dentro das áreas
delimitadas surgem quase exclusivamente como
resultado duma mudança de comportamento. Os
indícios tendem, de novo, a ser de natureza
pontual, mas estão muito generalizados. O caso de
Chipanju Chetu dá uma ilustração de como o
processo de delimitação conduziu, entre outras
coisas, a um aumento da confiança local no seio
dos membros da comunidade responsáveis pela
monitorização e fiscalização o que serve, sem
dúvida, para reduzir a incidência da caça furtiva xxvi.
Um exemplo mais directo vem da Associação
Comunitária de Mareja em Cabo Delgado, aonde,
face à contínua inacção oficial e provas de conluio,
a comunidade local começou a prender os
madeireiros ilegais que operavam dentro da sua
área delimitada e a confiscar os toros não
licenciados. Eles também beneficiam dum regime de
benefícios inovador (veja Caixa 4).
A iniciativa Guarda-Florestal Comunitário foi
particularmente bem sucedida e estes guardas
florestais foram muito eficazes no controlo do
abate ilegal de árvores e da caça furtiva.
Inicialmente treinados no Parque Nacional da
Gorongosa, os guardas florestais também
receberam uma contribuição fixa para efectuarem
passeios guiados e um pagamento adicional de
incentivo, por cada espécie animal que
avistassem; este incentivo valorizou a vida
selvagem a qual era dantes considerada apenas
como uma fonte de alimento.
Vários projectos em Moçambique revelaram que os
habitantes locais, embora raramente considerassem
a conservação da natureza como uma questão
prioritária, valorizavam vários serviços ambientais e
estavam muitas vezes dispostos a desistir ou a
restringir a utilização de alguns recursos de forma a mantê-los. O caso de Goba é um dos exemplos
aonde a maior parte da população estava disposta a impor regras estritas sobre a utilização dos recursos
naturais essenciais, para garantir a sustentabilidade dos recursos florestais necessários de forma a dar
continuidade com o negócio lucrativo de carvão.
A utilização dos benefícios em dinheiro correspondentes a 20% das taxas da exploração florestal, pelas
comunidades locais, também é ilustrativa . As estatísticas da DNTF informam que este dinheiro é
investido principalmente em actividades que não prevêem a conservação da base dos recursos, mas que
podem ter antes o efeito contrário. O dinheiro é usado para expandir horizontalmente a produção de
38
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
culturas, com um impacto negativo directo na base de recursos florestais: aquisição de charruas, tracção
animal, tractores, moinhos de grão, abertura de novos campos de agricultura e remoção de cepos.
Apenas em algumas raras ocasiões é que as comunidades investem em medidas que prevêem a gestão
sustentável de floresta, tais como a aquisição de meios de transporte (bicicletas) para os guardas
florestais comunitários.
Outro exemplo importante é um projecto em pequena escala de fixação de carbono com base agroflorestal, que poderia ser classificado como um projecto de ‘Pagamentos por Serviços Ambientais’ (PES),
em fase de implementação na comunidade Nhambita, na província de Sofala. Nesta comunidade, os
agricultores assinaram voluntariamente contratos com a agência de implementação (Envirotrade, uma
companhia com sede no Reino Unido), para plantarem plantas indígenas e frutíferas nas suas fazendas
(tanto nos limites das propriedades como em linhas intercaladas com as outras culturas) e para as
gerirem durante 25 anos, em troca de pagamentos anuais em dinheiro.
O objectivo do projecto de Nhambita é fixar o carbono através do plantio e posteriormente vender os
créditos de carbono no mercado internacional de carbono. O projecto também tem um leque doutras
actividades (carpintaria, apicultura, construção dum viveiro), dá emprego a tempo inteiro a cerca de 100
pessoas e dá também emprego sazonal limitado, na área da prevenção de incêndios florestais e de
actividades de patrulha.
O que torna Nhambita particularmente relevante é o facto da comunidade se ter comprometido a
delimitar as suas terras nos termos da Lei de Terras, em 2003. A comunidade localiza-se na fronteira do
Parque Nacional da Gorongosa. xxvii Para minimizar as pressões de caça furtiva no interior do Parque
durante a sua reabilitação, utilizou-se uma estratégia de zona tampão que previa o envolvimento da
comunidade local na gestão do Parque e a delimitação de todas as terras comunitárias circundantes
(Zolho, 2005).
A terra naquela área consiste, portanto, numa disparidade de áreas protegidas; zona tampão e terras
comunitárias. A área protegida está sob a administração do Estado e está actualmente a ser gerida por
contrato efectuado com uma fundação privada sem fins lucrativos. A zona tampão, terra imediatamente
adjacente ao limite do Parque, é administrada conjuntamente pelo governo, pelas comunidades e por
outros interessados. Embora seja permitida a agricultura de subsistência na zona tampão, não é
permitida nenhuma outra actividade comercial, incluindo a caça ou a extracção de produtos florestais
para a produção comercial. Dentro das áreas delimitadas, as comunidades são responsáveis pela gestão
das terras e dos recursos. A Tabela 6 mostra a evolução do projecto de Nhambita em 2005-2007, tanto
em termos do número de contratos como do nível de rendimentos, para as famílias e para o fundo da
comunidade
Tabela 6 – Benefícios de comunidade gerados pelo projecto de Nhambita para o
período 2004 - 2007
Contratos
o
Rendimentos (US$)
N de
Agricultores
Área plantada
Árvores
plantadas
Agricultores
Fundo
comunitário
04/05
62
58
4,000
ND
ND
05/06
307
356
26,000
3,787.62
2,456.78
06/07
120
135
90,000
26,820.84
11,241.68
Total
485
549
120,000
30,608.45
13,698.46
Ano
Fonte: Serra, 2008
Os benefícios do projecto são compartilhados entre a comunidade inteira, em parte como resultado da
Nhambita ter garantido o co-título das áreas das suas terras ocupadas comunalmente (as áreas de
39
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
floresta e de mato, por exemplo). São efectuados depósitos de US$40,50 por hectare para o fundo
comunitário, pelo número de hectares colocados sob fixação de carbono. Em virtude de toda a terra estar
registada em nome da comunidade, toda a comunidade pode ganhar com estes pagamentos ao grupo
(Jindal, 2004).
Impactos nos parceiros doadores
Com uma ou duas excepções notáveis, a tendência de muitos dos parceiros doadores de Moçambique, no
passado, era evitar os debates em torno da política de terras e evitar apoiar directamente a
implementação da lei. A maioria acreditava que esta era uma questão altamente sensível e complexa,
firmemente controlada pela elite política nacional, que não justificava que se gastassem grandes
quantidades de capital político. As excepções incluem o DFID e os Países Baixos, os quais
providenciaram, desde o início, fundos e apoio ao trabalho pioneiro das ONGs. Mais recentemente, os
parceiros doadores tornaram-se mais incisivos nas suas declarações acerca das questões de terra e
começaram a exercer uma pressão mais sistemática sobre o GdM de modo a procurar meios
independentes para apoiar a implementação dos elementos da legislação que garantiam a posse a favor
dos pobres. Isto levou à adopção dum indicador formal no Quadro de Avaliação do Desempenho (QADPAF), a matriz utilizada para medir o progresso do Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta
(PARPA), bem como ao estabelecimento dum fundo independente (o iTC) para dar assistência aos grupos
comunitários no registo dos seus direitos à terra e na realização de outras actividades correspondentes.
Os níveis de financiamento mantêm-se, no entanto, relativamente baixos e parece estar a haver uma
mudança do objectivo principal da iTC para as actividades de interesse público (o financiamento dos
planos distritais do uso da terra, por exemplo) e um afastamento dos elementos ‘controversos’ que foram
a sua razão de existência.
Lições para outros países
Há uma série de lições da experiência Moçambicana que se podem aplicar a outros países e noutros
contextos:
•
A formalização dos direitos da comunidade à terra e a aceitação das comunidades locais como
administradores activos de terra e dos recursos naturais com poderes formais, permanece, em
muitos contextos, uma abordagem politicamente corajosa. O processo deve equilibrar a
introdução de abordagens progressivas e radicais com a probabilidade de aceitação política a
longo termo e requer a interacção contínua entre os diferentes interesses no seio do governo e
da sociedade civil, com base nos princípios do compromisso e do consenso. É necessário o
envolvimento significativo e constante dos intervenientes para conceder um nível elevado de
legitimidade social a estas abordagens; isto pode, então, criar um espaço político maior para
reconhecer e dar seguimento às reivindicações e direitos. É importante considerar as formas
formais e institucionalizadas de consulta das partes interessadas, tais como as comissões de terra
ou outros fóruns de consulta.
•
A delimitação de terras comunitárias, como ferramenta para a formalização dos direitos à terra,
precisa de ser apoiada por um quadro legal que seja abrangente e claro e que responda às
diversas situações no terreno. O quadro deve ser suficientemente flexível e inovador para ser
aplicado em toda uma vasta gama de situações de posse que existirá invariavelmente dentro
dum território. A legislação deve dar respostas claras a uma vasta gama de questões relativas à
natureza dos direitos, à identidade dos titulares de direitos, aos poderes e deveres dos
representantes dos titulares de direitos, etc. Os conceitos, tais como ‘comunidade', ou mesmo
40
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
‘aldeia’, podem ser problemáticos quando são usados em políticas sem que haja uma
compreensão comum daquilo que significam, no seio das pessoas responsáveis pela
implementação. Nalguns países, a lei comum ou, como em Moçambique, o Código Civil, pode
proporcionar algumas dessas respostas. Podem surgir uma série de problemas legais
relacionados, envolvendo questões que têm a ver com a prova da identidade, a cidadania e a
adesão a grupos, e estas questões devem ser abordadas como parte do ‘pacote jurídico
completo’.
•
A delimitação de terras comunitárias deve ser considerada como fazendo parte dum processo
mais amplo de formalização de direitos e de aumento da participação local nos processos de
desenvolvimento e, consequentemente, de alcançar melhores níveis de governação das terras e
dos recursos naturais locais. Os decisores políticos devem considerar a interligação de processos
e a criação de sinergias entre o registo de direitos e uma maior participação noutros processos
de desenvolvimento, tais como o planeamento descentralizado, o desenvolvimento rural local e o
planeamento do uso da terra. O objectivo central deve ser sempre a determinação pelas
comunidades locais dos benefícios directos com a utilização e gestão das suas terras e recursos
naturais.
•
Devem-se considerar seriamente as questões de representação do grupo, as quais devem ser
respondidas no âmbito do quadro legislativo. Neste aspecto, o princípio orientador deve ser o de
‘assentar naquilo que já existe’; isto é, tanto quanto possível, devem-se reconhecer formalmente
os grupos já existentes e os seus processos de tomada de decisões, sem introduzir alterações
desnecessárias. Posto isto, os legisladores também devem estar conscientes e alertados contra
qualquer tendência para tratar as comunidades como se fossem homogéneas, com interesses
comuns identificados através de processos consensuais. Na realidade, a estratificação social
dentro de qualquer comunidade é um facto, e é possível que sejam apenas os mais visíveis e
poderosos a participarem nos processos de delimitação e a encaminharem os mesmos para a
obtenção de benefícios pessoais. Os projectos também devem estar preparados para a possível
emergência de novas elites locais.
•
Todos os intervenientes, incluindo funcionários públicos, funcionários de ONGs e membros da
comunidade, também precisam de estar bem informados e formados no uso do quadro legal,
incluindo no uso da metodologia. Haverá sempre necessidade duma educação cívica cuidadosa e
abrangente e de capacitação da comunidade. O pessoal das ONGs, geralmente oriundo de meios
urbanos, pode não ter as qualificações necessárias para trabalhar com as comunidades rurais. Os
actores estatais também precisarão de ser constantemente apoiados e formados em novas
abordagens e incutidos de um novo tipo de pensamento; a 'maneira antiga' de fazer as coisas é
persistente e continua a exercer uma forte influência sobre os agentes burocráticos. Será quase
sempre necessário haver acções significativas de formação e de apoio em métodos e
planeamento participativos, para os gestores e para as outras entidades envolvidas na realização
de programas e na gestão de recursos; a formação deste tipo deve-se considerar como fazendo
parte integrante do currículo formal das instituições de formação em administração de terras.
•
Nos casos em que as novas abordagens envolvem o reconhecimento dos direitos à terra, até
agora informais, de grupos comunitários, é inevitável (e desejável) que tanto os actores estatais
como os não estatais precisem de ser envolvidos na facilitação e implementação do processo. A
lei em Moçambique sugere firmemente a implementação de processos de delimitação através
duma parceria entre os serviços do estado e as ONGs locais e devem-se envidar esforços para
criar uma atmosfera propícia ao apoio e ao encorajamento desta abordagem, a todos os níveis.
41
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
•
Os facilitadores dos processos de delimitação devem ser sensíveis aos contextos em que
trabalham. Nalguns contextos ‘tradicionais’, os processos de delimitação formais e legais podem
colocar desafios particulares em termos de educação cívica, dependendo da história e da cultura
predominante das comunidades; em muitos contextos, existem crenças duradouras segundo as
quais as relações personalizadas e as regras informais ainda valem muito mais do que as
relações e regras da praxe codificadas na lei. Nestes contextos, a legislação não pode ser
encarada pela população local como a que determina as ‘regras do jogo’, mas apenas como
aquela que faz parte do jogo. Noutros contextos, a profunda desconfiança ou o medo das
autoridades no seio das comunidades rurais podem, de facto, fazer com que a delimitação formal
e legal das terras seja entendida como uma ameaça.
•
Até à data, os dados de Moçambique indicam que os grupos comunitários usufruem de maiores
benefícios directos com a implementação do sistema de pagamento de receitas estatais ao abrigo
da legislação das Florestas e Fauna Bravia, em comparação com os benefícios relativamente
limitados que as comunidades conseguiam negociar até agora com o assegurar do seu capital de
terra no âmbito da legislação de terras e que utilizavam como objecto de negociação no
mercado. Dito isto, parece que as duas leis podem oferecer mecanismos de reforço mútuo; os
pagamentos relacionados com a silvicultura oferecem benefícios imediatos, ao passo que o
processo de delimitação de terras ajuda à consolidação disto e assegura atribuições justas
baseadas no uso dos recursos naturais, na administração e gestão. No contexto crescente de
pagamentos por serviços de ecossistemas, de acções para evitar o agravamento das alterações
climáticas, e para a introdução de mecanismos de REDD, é possível que esta combinação de leis
se comprove como uma ferramenta poderosa.
•
A implementação dum número limitado de programas piloto é fácil, em comparação com a
implantação dum programa de formalização abrangente em todo o território nacional. É preciso
conceber, desde o início, estratégias sólidas para a ampliação da implementação; estas devem
incluir abordagens estratégicas para a definição das prioridades, a identificação de
agrupamentos, áreas contenciosas e oportunidades de criação de sinergias ao nível local, a
disponibilidade de apoio abrangente à prestação de serviços, o estabelecimento de parcerias e a
subcontratação de serviços. São precisas abordagens estratégicas para maximizar os resultados
práticos reais e os benefícios para a população local.
•
Os mecanismos para apoiar financeiramente os processos de delimitação irão ter,
inevitavelmente, um impacto na natureza e o impacto do processo. Tanto foram implementados
em Moçambique os processos movidos pela oferta (através do financiamento de ONGs
particulares) como aqueles movidos pela procura (através da criação da iTC), tendo cada um
deles os seus prós e contras. Embora os fundos movidos pela oferta tenham permitido
intervenções estratégicas nalgumas áreas fundamentais, também produziram algumas
delimitações que tiveram um impacto pouco positivo. Da mesma forma, a iTC movida pela
procura tem conseguido responder às necessidades específicas, mas também tem exigido um
grande esforço e custos de transacção elevados, de forma a estabelecer os mecanismos de
desembolso. A conclusão é que, provavelmente, é necessária uma combinação de mecanismos
de financiamento, com o Estado a dar apoio nalgumas áreas, e com os grupos comunitários a
terem acesso independente ao apoio, noutras situações.
•
É preciso haver acções de monitorização e avaliação contínuas e rigorosas para avaliar o
impacto, mas também para acompanhar as tendências da implementação do processo. Estas
tendências podem, nalguns casos, ser negativas, como pode ser o caso da delimitação das
42
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
competências de liderança tradicional em vez da delimitação das unidades de gestão de terras e
recursos locais, ou a exclusão ou marginalização de certos grupos dentro das comunidades em
relação ao acesso à terra e aos recursos. A identificação destas tendências irá exigir intervenções
de investigação sensíveis e bem concebidas, bem como sistemas de monitorização. Estes terão
de ter fortes sistemas de retorno para a continuação do desenvolvimento de políticas e de
abordagens de implementação que conduzam à consolidação adequada e sensível do quadro.
43
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
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45
Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique
Notas
i
O Artigo 48 da Constituição de 1990 obrigou o Estado, pela primeira vez, a reconhecer os direitos
obtidos pela herança ou ocupação. Foi esta alteração que proclamou a subsequente revisão da lei de
terras e que conduziu ao reconhecimento jurídico dos direitos consuetudinários e demais direitos à terra.
ii
Estes incluem a Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE), a legislação sobre o Planeamento Territorial, o
Decreto 15/2000 e o pacote de legislação sobre os municípios.
iii
Um programa de apoio ao Sector Agrícola em Moçambique financiado pelo PNUD e implementado pela
FAO que investigou desde 1993 os sistemas de gestão de terras ao nível local e realçou a necessidade de
reconhecer e de utilizar estes sistemas pela protecção das experiências comunitárias da terra e dos
recursos naturais (De Wit et al 1995 e 1996). Mais tarde, este trabalho resultou numa metodologia de
campo inicial para delimitar as terras comunitárias, a qual foi testada e melhorada noutros países
(inicialmente na Guiné Bissau, em 1996, e mais tarde em Angola). De facto, a metodologia consolidada
daí resultante coincide com o Anexo Técnico e portanto é, até certo ponto, uma metodologia Africana
Lusófona.
iv
Comissão de Terras, 2001; “Manuais do Curso e de Delimitação de Terras das Comunidades”;
Maputo, Comissão Inter-ministerial para a Revisão da Legislação de Terras, Secretariado Técnico. O
Secretariado Técnico da Comissão Inter-ministerial de Terras produziu dois manuais, com o apoio da
FAO. Um deles descreve detalhadamente os procedimentos para a delimitação de terras comunitárias ; o
outro é um manual para organizar e realizar cursos de formação para os prestadores de serviço
envolvidos na delimitação de terras comunitárias.
v
GdM, 2000; “Diploma Ministerial 29-A/2000. Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras”; Maputo,
Ministério da Agricultura e Pescas.
vi
Não se sabe quantas comunidades rurais existem em Moçambique. Os indicadores que podem ser
utilizados incluem o número de aldeias rurais, o número de mesas de votação nas áreas rurais ou as
estimativas com base na divisão administrativa (uma avaliação grosseira dum número de comunidades
por cada uma das localidades); tudo isto aponta para cerca de 8,000-12,000 comunidades rurais
O relatório do CTC informa que, para o período 2001-2003, o Estado disponibilizou fundos apenas para 4
delimitações por ano, através do orçamento do ProAgri.
vii
Importa notar que o pessoal superior da DNTF se desloca para o campo numa base regular para
«resolver», no terreno, desafios administrativos e técnicos, ligados a pedidos privados de DUAT de maior
envergadura. Até agora nunca se consideraram os mesmos esforços para as terras comunitárias.
viii
Pelo menos um chefe dos serviços provinciais interpreta a implementação do artigo 35 alterado, como
sendo retroactivo para todas as delimitações processadas desde a adopção do AT.
ix
Os custos da demarcação e registo dum lote individual de 10 hectares estão calculados em US$400 –
veja o relatório do CTC.
x
“A ORAM é na realidade a ONG que mais se destacou no processo das delimitações. A agenda da ORAM
hoje nas províncias em que opera o iTC é muito sobre-carregada com solicitações de vária ordem,
surgindo ela como ‘intermediário de intermediários’, quando é uma outra ONG que em nome da
comunidade a delimitar consegue os fundos do iTC mas que esta não entende muito de delimitação subcontrata a ORAM para fazer o trabalho. Em Cabo Delgado, onde a ORAM não tem representação já é
solicitada a partir das províncias vizinhas para ajudar as organizações locais que começam a entrar no
processo de delimitação via iTC”
xi
“...provavelmente as delimitações na sua maioria ocorreram onde não deveriam ter acontecido e onde
seriam necessárias não tiveram lugar”
xii
Em 2002, o GdM instruiu a Direcção Nacional de Geografia e Cadastro para acelerar a tramitação dos
pedidos para o uso de terra privada até um máximo de 90 dias. Os Serviços Provinciais foram
severamente pressionados a cumprirem este novo prazo.
xiii
1997 Lei de Terras, Artigo 30.
xiv
Em muitos países da região da África Austral há precedentes destes tipos de entidades institucionais e
de legislação que permite parcerias e consórcios. Há também indícios de que estas tenham melhorado as
práticas de gestão de terra e aumentado a participação das mulheres ao nível local e reduzido as práticas
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discriminatórias contra estas. Isto seria apropriado, dado que o Estado não é a única autoridade
reguladora do acesso das mulheres à terra.
xv
Muitas vezes isto torna-se necessário quando alguns membros da comunidade são bem sucedidos nos
negócios e pretendem utilizar a sua terra como um bem comercial.
xvi
A distribuição dos benefícios dos 20% às comunidades parece ser problemática na ausência de limites
da comunidade, que são conhecidos e tornados visíveis. As estatísticas sobre os pagamentos dos 20%
indicam claramente que, num número significativo de ocasiões, estes pagamentos são feitos duma só vez
a várias comunidades que foram identificadas como tendo um direito adquirido sobre a floresta, sem no
entanto especificar a proporção deste direito. As autoridades deixam a distribuição interna dos benefícios
a cargo das próprias comunidades. Não há informação em primeira mão que indique se isto funciona
bem ou se provoca disputas.
xvii
Há exemplos de abordagens por grupo em Moçambique. Delimitaram-se cinco comunidades no âmbito
da criação da Área de Conservação Transfronteiriça de Chimanimani. Em grande parte do Parque de
Gorongosa e suas zonas-tampão, formalizaram-se direitos a terras comunitárias. O exercício de
zoneamento de 1:1 milhão, solicitado pelo GdM, resultou na identificação de parcelas de terra com um
excesso de 1000 hectares, que estão potencialmente disponíveis para serem alocadas a investidores,
principalmente para a produção de culturas. A delimitação de terras comunitárias nestas áreas e nas suas
imediações constitui, sem dúvida, uma boa abordagem estratégica para garantir que os direitos das
populações locais não são negligenciados e que se criam as condições para obter alguns benefícios
directos com o investimento. Isto é outra oportunidade, ou até uma necessidade, para adoptar uma
abordagem por grupo.
xviii
No Burkina Faso existe a preocupação real de que os limites das terras comunitárias possam ser
interpretadas pelas populações rurais como “fronteiras”, eventualmente cortando os seus direitos à terra,
comprometendo o seu acesso estabelecido aos recursos naturais, dividindo grupos sociais e o seu
território. Os líderes tradicionais também parecem ser suspeitos quando “um tipo qualquer de limite”
corta o seu território de jurisdição.
xix
O Artigo 102 dos Regulamentos de Florestas e Fauna Bravia estabelece que se devolvam 20 por cento
das receitas de exploração de florestas e fauna bravia às comunidades locais residentes na área aonde
se extraíram os recursos.
xx
A ORAM, a ONG nacional especializada em assuntos de terra e florestas, tem uma presença
particularmente forte na Zambézia, por exemplo.
xxi
Isto aplica-se a todas as áreas protegidas, incluindo os parques nacionais do Arquipélago do Bazaruto,
das Quirimbas e do Limpopo, bem como às reservas florestais – a Reserva de Florestas de RibaueM’palue, por exemplo, contem 1 300 agregados familiares e a Reserva de Florestas de Derre tem 15 000
habitantes.
xxii
É interessante notar que existe um Manual de 36 páginas que dá orientações práticas para a aplicação
do pagamento dos 20% das taxas florestais.
xxiii
Salvo no caso de consultas, as quais são uma característica obrigatória do processo através do qual o
Estado pode atribuir propriedades arrendadas de terra a investidores. Acerca dos problemas com os
processos de consulta, veja Tanner & Baleira (2006), CTC (2003), Norfolk & Cau (2001), Chidiamassamba
(2004).
xxiv
Há informações que agora mais de 500 aldeias tanzanianas possuem e gerem directamente ‘reservas
florestais’ em cinco das vinte regiões do país.
xxv
Para pormenores sobre a falta de atribuição de fundos no PROAGRI para a delimitação comunitária,
veja Norfolk & Liversage (2001). Para mais pormenores sobre a disponibilidade geral de fundos, veja CTC
(2003).
xxvi
Como observado por Anstey (2001), a recolha de dados por esta comunidade sobre o uso ilegal dos
recursos foi particularmente útil quando mostrou que mais de 85% de todas estas actividades envolvem
funcionários públicos, pois serviu para responder às críticas da elite em cargos do governo local que
procura a obtenção de lucros e que já não pode caçar à vontade.
xxvii
Parte das terras comunitárias foi adoptada pela Autoridade Nacional de Parques, quando se reavaliou
a então Reserva de Caça para Parque Nacional, em 1965.
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