IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA
HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.
29 de Julho a 1° de Agosto de 2008.
Vitória da Conquista - BA.
ESCRAVIDÃO EM ECONOMIA NÃO -EXPORTADORA: UM ESTUDO SOBRE A
PROPRIEDADE ESCRAVA E A POPULAÇÃO CATIVA. LAGARTO /SE (1800-1850)
Carlos Roberto Santos Maciel
Universidade Tiradentes . E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Economia. Escravidão. Sergipe. Lagarto.
Vários autores, pertencentes a Historiografia Clássica (FURTADO, 1979; PRADO
JUNIOR, 1998; NOVAIS, 1993) , se debruçaram sobre o estudo da economia e mão -de-obra
utilizadas para a realização dos trabalhos. Esses historiadores apontam que o o bjetivo da
colonização feita pelas Metrópoles européias era o de extrair o máximo possível das riquezas
minerais e agrícolas das suas respectivas colônias, propiciando assim, um acúmulo primitivo
de capital, e estes seriam utilizados posteriormente numa fa se mais avançada do capitalismo, a
industrial (COSTA, 1968, p. 64 -125).
Segundo essa corrente historiográfica a economia brasileira era caracterizada
principalmente pela produção de gêneros agrícolas que obtivessem grandes preços no
mercado internacional. Para a Historiografia Clássica, essa produção, voltada para a
exportação, só seria possível a partir de três princípios básicos: grandes propriedades, trabalho
escravo e monocultura. Era esse tripé que norteava a economia do Brasil desde sua
colonização até meados do século XIX.
A partir da década de 1970 surge uma nova corrente historiográfica, a qual mostrará
que a mão-de-obra escrava não só se deteve a economia de exportação, e aos latifúndios, pois
houve uma proliferação de escravos em diversos setore s sociais e em economia de
subsistência.
O presente estudo tem como objetivos analisar a utilização da mão -de-obra escrava em
uma economia não -exportadora, visto que a região de Lagarto, no período, se caracterizava
pela produção de gêneros alimentícios e pela pecuária. E traçar um perfil dos proprietários e
da população escrava da região.
A principal fonte utilizada para a realização dessa pesquisa foram os inventários postmortem. Utilizamos o método quantitativo, fazendo se necessário devido a impossibi lidade de
analisar a temática sem fazer uma quantificação desses documentos. Com a utilização dos
inventários, foi possível fazer uma história serial do objeto em estudo. Além dos inventários
utilizamos também os relatos do pároco de uma Freguesia Sergipan a, Marco Antônio de
Souza, e do viajante Antônio Moniz de Souza, que é natural de Campos do Rio Real. Fizemos
o uso de análise do discurso, como método para melhor compreender e fazer críticas sobre
esses relatos.
A Historiografia Clássica trabalhou o Bra sil como um todo, e não se detêm a perceber
e a analisar as especificidades regionais, coisas que vai ser introduzida pela nova
historiografia, que não irá se utilizar somente de relatos de viajantes, o que era antes utilizado
como fontes de estudos. Essa nova historiografia utiliza novos tipos de fontes que
possibilitaram uma escrita historiográfica mais abrangente.
O marco temporal de nossa pesquisa é de 1800 à 1850. A primeira data é devido ao
fato da região de Lagarto iniciar o século XIX com uma econo mia bastante diversificada e
com um contingente razoável de escravos. E a segunda, é devido a interrupção do tráfico de
negros, causando um declínio nos números dos mesmos. Ao longo deste período irão ocorrer
grandes transformações nos campos políticos e e conômicos do Brasil e de Sergipe. O país
ficará independente de Portugal em 1822. Essa independência influenciará em algumas
mudanças econômicas, pois o Brasil tornou -se livre para comercializar os seus produtos com
outros países. Sergipe por ter colaborad o com o processo de separação do Brasil junto a
Portugal, foi recompensado com a sua libertação da Bahia por definitivo em 1823.
O marco especial de nossa pesquisa contempla a região de Lagarto. Essa região, além
da Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lag arto, englobava outras localidades e freguesias,
como: Lagoa Vermelha 1, Simão Dias 2, Riachão do Dantas 3 e Campos do Rio Real 4.
De início nos deteremos em analisar a propriedade escrava em Lagarto. No entanto,
também abordaremos os não -proprietários de esc ravos, do período de 1800 -1850. Para melhor
entendermos a propriedade escrava optamos em dividi -la em três tamanhos: pequena, média,
e grande. A partir desse passo, buscaremos estabelecer números que melhor definam o
tamanho da propriedade escrava, assim a pequena propriedade fica compreendida de 1 a 3
cativos, a média de 4 a 9 e a grande propriedade de 10 ou mais.
5
A partir das fontes utilizadas foi possível indicar como estavam distribuídas às
propriedades escravas em Lagarto na primeira metade do sécul o XIX, bem como mostrar em
quais atividades esses escravos estavam sendo empregados.
1
Hoje atual cidade de Boquim. Em 20 de Fevereiro de 1857 a Freguesia de Lagoa Vermelha foi elevada a
categoria de Vila , tornando-se um município independente de Lagarto.
2
Este município conseguirá sua independência junto a Lagarto, no dia 15 de Março de 1850 com a criação da
Vila em Simão Dias.
3
Essa Freguesia conseguirá seu desmembramento de Lagarto somente no dia 08 de Maio de 1850.
4
Hoje atual cidade de Tobias Barreto. Essa foi desanexada de Lagarto e elevada de categoria de Vila no dia 17
de Janeiro de 1835. Campos, também englobava o território da atual cidade de Poço Verde.
5
Nesse caso usaremos a mesma classi ficação de Santos (2001) , pelo fato da região estudada ser a mesma da
nossa pesquisa.
Em relação aos não -proprietários, buscaremos descobrir a quantidade de pessoas que
não faziam uso da mão -de-obra escrava como força produtiva, visto que a escravidão no
Brasil, em Sergipe e Lagarto era algo bastante difundido.
Para melhor mostrar qual a proporção dos proprietários e não -proprietários de
escravos vejamos o gráfico 1, onde mostraremos com maior clareza a proporção de ambos.
Nela fica evidenciado que a posse d e escravos era algo bastante difundido na região
pesquisada, fato que, mas uma vez vem reafirmar uma faceta importante da escravidão em
Sergipe, aspecto esse mostrado também no trabalho da professora Joceneide Cunha que
estudou sobre um período posterior m as na mesma localidade. 6
R elação dos não-proprietários e dos
proprietários de escravos
16,98%
não-proprietário
proprietário
83,02%
Gráfico 1 – Lagarto -Sergipe (1800-1850)
Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 - AGJSE
Como fica claro no gráfico 1, a maioria dos inventariados possuía escravos, fato que
parecia comum no período, e que ressalta a importância da mão -de-obra escrava na economia
de Lagarto. Esses escravos trabalhavam na agricultura e pecuária tanto de pequeno como nas
propriedades de grande porte, ou nos engenhos.
A tabela 1 mostra como estavam distribuídos os inven tários dos proprietários de
escravos, analisando qual o tamanho da posse escrava, se era pequena, média ou grande.
Lembrando que os parâmetros dos tamanhos das posses foram mencionados anteriormente,
ficando a pequena posse de 1 a 3 cativos a media de 4 a 9 e a grande com 10 escravos ou
mais.
6
Idem.
Tabela 1 – Lagarto-Sergipe (1800-1850). Distribuição da posse escrava por tamanho da posse
Tamanho das posses
Número de escravos
% dos escravos
N. de inventários
Pequeno
113
15,43%
63
Médio
245
33,33%
45
Grande
374
51,09%
24
Total
732
100%
132
Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 - AGJSE
Como fica evidente na tabela 1 , o número de pequenos proprietários é maior que o
médio e a grande posse, ou seja, dos 132 inventários pesquisados aqueles cuja posse fica entre
um e três escravos era maioria, esses representavam 63 dos 132 proprietários, que tinham
posses de escravos, fato que ratifica a afirmação da professora Joceneide Cunha, que em seu
trabalho monográfico pontuou que a escravidão em Lagarto e ntre 1850-1888 era algo bastante
comum mesmo entre os pequenos criadores ou agricultores (SANTOS, 2001).
A autora acima mencionada citou que os escravos estavam em sua maioria
concentrados nas grandes posses. Fato que nossa pesquisa aponta que já ocorria n a primeira
metade do século XIX, como ficou claro na tabela citada anterior (SANTOS, 2001).
Dos 132 inventariados pesquisados e que tinham posse de escravos, os proprietários
das grandes posses detinham 374 escravos ou 51,10% do número total dos mesmos. Ap esar
de os grandes proprietários serem apenas 24 pessoas, esses superam os de médios e pequenos
proprietários juntos, em número de escravos. O que vem confirmar a concentração da
propriedade escrava nas mãos de poucas pessoas que faziam parte dos grandes proprietários.
É comprovado que existiu um número razoável de escravos na região do Agreste de
Lagarto (MOTT, 1986, p. 242) , foi encontrado uma população cativa composta por 732
escravos no período de 1800 -1850. Sobre a economia de Lagarto, no marco tempo ral
escolhido, essa era caracterizada principalmente pelo cultivo de gêneros alimentícios e pela
criação de gado, havendo apenas cinco engenhos, esses aparecerão em maior número na
segunda metade do século XIX (SANTOS, 2001).
De início queremos demonstrar os locais de nascimento dos cativos de La garto.
Vejamos o gráfico 2 .
Lugar de Nascimento
13,11%
África
Brasil
86,89%
Gráfico 2 – Lagarto – Sergipe (1800-1850)
Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 AGJSE
Mott (1986, p. 144) no informa que na Província de Sergipe, o número de escravos
provindos da África não representavam nem a metade dos escravos.
Os cativos oriundos d’África nunca devem ter ultrapassado 1/3 da
escravaria total de Sergipe. A impossibilidade de importar negros
diretamente da Costa da África e o próprio est ilo de pequena empresa
doméstica dos engenhos sergipanos seriam talvez as duas principais razões
que explicam a alta taxa de reprodução dos escravos e conseqüentemente, a
predominância de crioulos nas terras d e Sergipe Del Rey.
Sobre os africanos existe ntes na Vila, eles representavam 13,11% dos cativos, as
etnias ou nações que se sobressaíram foram os escravos que provinham principalmente de
Angola já que esses representavam 90,32% dos escravos provindos da África, além dos nagôs
e gêge. Vejamos os segu intes exemplos: João Angola 7, com 45 anos de idade, um escravo
gêge 8, cujo nome não possível decifrar, e por fim Pedro Nagô, escravo de João da Silva
Vieira9. Além de escravos que só eram caracterizados pelo continente como Sebastião
Africano10. Como também escravos que tinha como definição boçal. Essa nomenclatura era
utilizada para caracterizar particularmente os cativos recém -chegados da África e que ainda
7
Inventariado: Thome de Fraga Pimentel; Inventariante: D. Paula Josefa de São Pedro. Inventário post-mortem.
Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 22/05/1821, caix a 2.
8
Inventariado: Antônio Vieira de Andrade; Inventariante: Manoel Luiz de Andrade. Inventário post-mortem.
Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 14/09/1815, caixa 1.
9
Inventariado: João da Silva Vieira; Inventariante: Josete da Silva. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício
de Lagarto, 21/06/1918, caixa 2.
10
Inventariado: Feliz José de Carvalho; Inventariante: Maria José do Nascimento. Inventário post-mortem.
Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 15/09/1823, caixa 3.
não sabiam falar nem compreender o português. Como era o caso do escravo Domingos
Boçal, de 40 anos 11. O grande número de angolanos nos leva a afirmar que os escravos
provenientes da África Centro -Ocidental foram maioria na região.
Através dos números do gráfico podemos perceber que 86,89% dos escravos da região
eram crioulos, ou seja, escravos nascidos no Brasil. Quando se registrava as identidades de
escravos brasileiros os escribas usavam os termos: crioulo, pardo, mulato, mestiço e cabra
12
.
Esses eram possíveis frutos do tráfico interprovinciais, da compra e venda de escravos na
região e de uma reprodu ção natural. Por isso é perceptível o número significativo de crianças,
mostrando assim que muitos escravos nasciam nas vilas vizinhas, e que uma boa parte era
fruto da reprodução dos cativos da Vila de Lagarto. O que nos leva a crer que a vila tinha uma
alta taxa de produção natural entre os cativos. Outro fato que corrobora com esta hipótese é
que encontramos nos inventários um número de 30 escravinhos com idade menor ou igual a
um ano.
Embora reconhecessem que índios e escravos vinham de nações diferen tes,
os senhores de escravos em geral ignoram as origens regionais dos escravos
brasileiros. Em poucos casos a origem provincial assumia precedência, mas,
para a maioria deles a cor era uma nação (KARASCH, 2000. p. 39 ).
A faixa etária dos escravos de La garto era caracterizada por uma variação
significativa. Encontramos escravos na faixa de idade mais produtiva, de 15 aos 35 anos.
Foram encontrados também alguns escravos com idades superiores aos 60 anos, além de um
número razoável de crianças como posse de cativos. As crianças com idades de 0 -9 anos
Guttiérrez (apud SANTOS, 2001, p. 56) , representavam 23,90% das posses , conforme mostra
o gráfico 3.
11
Inventariada: Bárbara Maria do Ros ário; Inventariante: Capitão Alexande José de Gusmão. Inventário postmortem. Cartório de 1º Ofício de Lagarto, 28/06/1832, caixa 2.
12
Cabra – mestiço de mulato e negro. Indivíduo de pele bem clara.
Faixa etária dos escravos
23,90%
crianças
adultos
76,10%
Gráfico 3 – Lagarto – Sergipe (1800-1850)
Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 18 00-1850 – AGJSE.
Foram encontradas em Lagarto 175 crianças, com idades de 0 -9 anos. Para Mott
(1986, p. 144), a incapacidade de se importar negros da África propiciou uma alta taxa de
reprodução natural entre os escravos da província de Sergipe Del Rey. A partir desta tática de
reprodução entre os cativos, foi possível preencher a lacuna deixada pelo não acesso de
escravos via tráfico. Vejamos o caso da escrava Rita Mulata, de 40 anos de idade: ela tinha
duas filhas, Joana Mulata, de 1 ano e Gonçala de 2 a nos.13
Aparentemente a região de Lagarto caracterizada pelo cultivo de alguns gêneros
alimentícios e pela pecuária, propiciou uma alta reprodução natural entre os escravos. Além
desta possível reprodução, uma outra hipótese é de que muitos proprietários co m pouco poder
aquisitivo adotaram a estratégia de comprar crianças escravas (BACELLAR, 2000, p. 238 254) como forma de adquirir seus primeiros cativos. Isto acontecia porque comprar
escravinhos era menos dispendioso, pois custavam menos. Uma outra possibil idade era que
possuir crianças escravas era melhor ao ponto de que elas cresciam, e aprendiam desde
pequenas a se tornarem escravos e que fossem submissos aos seus donos. Como também
aqueles proprietários que estavam começando a formar suas posses de escra vos. Não podemos
descartar ainda a probabilidade de que as mães de muito escravinhos tivessem morrido,
deixando os seus filhos órfãos.
Um elemento pode ser ressaltado para sugerir a viabilidade de se dispor de
um cativo; a aquisição de crianças escravas. Alguns domicílios optavam por
adquiri-las provavelmente por ser o único caminho possível para se
13
Inventariado: Thomé de Fraga Pimentel; Inventariante: D. Paula Josefa de São Pedro. Inventário post-mortem.
Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 25/05/19821, caixa 2.
ascender a posse de um cativo, mesmo que necessário aguardar que
atingisse uma idade onde fosse capaz de participar efetivamente da fo rça de
trabalho (BACELLAR , 2000, p. 245).
Sobre as demais faixas etárias dos escravos, percebemos que um número elevado de
cativos ficavam na faixa etária produtiva , ou seja, de 15 a 35 anos. Esses escravos
representavam 42,56% do total. Existia também um número razoável de escr avos com idade
superior aos 35 anos. Com a tabela 2 será possível perceber de forma mais precisa a
composição das idades dos cativos:
Faixa etária
De 0 a 9
De 10 a 15
De 15 a 35
Acima de 35
Total
Tabela 2 – Lagarto - Sergipe (1800 -1850)
14
Estrutura etária e distribuição por sexo dos escravos
Homens
Mulheres
Número
Porcentagem
Número
Porcentagem
96
16,22%
79
13,34%
28
4,73%
26
4,39%
127
21,45%
125
21,11%
62
10,47%
49
8,27%
313
52,87%
279
47,13%
Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 – AGJSE.
Através da tabela fica claro que existia um número reduzido de escravos na faixa
etária de 10 a 15 anos, já que nessa só se encontrava 54 escravos ou 9,12% do total. Esses
podiam ter sido comprados, como também poderia ser fruto da reprodução, e já trabalhavam
A respeito da distribuição dos escravos por sexo é comprovado que existia um número
superior dos homens em relação ao das mulheres. Mas o número não era tão superior como
em áreas de plantation, onde existiam casos de ter a proporção de um a mulher para cada cinco
homens (COSTA, 204, p. 147) . O gráfico 4 esclarecer melhor esta distribuição por sexo dos
escravos em Lagarto .
14
Existiam nos inventários post-mortem muitos escravos que não constavam as idades, desses tinha 78 ou
10,65% eram homens e 59 ou 8,06% do total e ram mulheres.
Distribuição Sexual enre os cativos
45,77%
54,23%
mulheres
homens
Gráfico 4 – Lagarto – Sergipe (1800-1850)
Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 – AGJSE
O gráfico nos permite observar que a diferença não era acentuada. O número de
escravas nas posses de um cativo era marca significativa. A região em estudo favorecia a
utilização da escrava como mão -de-obra, já que a localidade cultivava milho, mandioca, f umo
e feijão, e criava animais. Estes trabalhos eram mais leves que os realizados nos canaviais e
por isso por isso o uso de escravas era possível.
Voltando a observar e analisar a tabela 2, podemos notar que o número de homens e
mulheres na faixa etária de 15 a 35 anos, o período de idade mais produtiva, era quase
equivalente uma vez que os homens compunham 21,45% e as mulheres 21,11% dos cativos.
Esse equilíbrio se mant ém quando observado a faixa etária de 10 a 15 anos em que existia
apenas dois escravos a mais que o de escravas. Convêm ressaltar a existência de um maior
desequilíbrio entre os sexos quando analisamos as crianças de 0 -9 anos de idade e os escravos
com idade acima dos 35 anos.
Um motivo para este equilíbrio entre os sexos é a grande represe ntatividade dos
crioulos na região. Pois, quanto maior é a taxa de africanidade maior seria o desequilíbrio
entre o número de homens e mulheres escravos (REIS apud SANTOS, 2004, p. 46).
As escravas eram, em muitos casos, preferidas devido estas custarem m enos que os
homens, e pela sua versatilidade, podendo desenvolver atividades domésticas, rurais e serem
possíveis escravas de ganho. Além disso, eram importantes para aumentar a posse de cativos a
partir da reprodução natural entre eles, já que os escravos ficavam com os donos das cativas.
Podemos supor que comprar uma escrava seria talvez, parte de uma
estratégia de ampliação ou multiplicação mais acessível da mão -de-obra
forçada, sem recorrer às parcas e difíceis poupanças familiares. Apesar dos
riscos de uma elevada mortalidade materna e infantil, e em que se pese a
necessidade de aguardar o crescimento do rebento, a reprodução natural
talvez fosse, para um pequeno lavrador, um roceiro ou um artesão, uma
opção viável, que não envolvia maiores dispêndio s de capital (BACELLAR,
2000, p. 243).
O quase equilíbrio entre os sexos dos escravos provavelmente propiciou uniões
consensuais entre eles, e a partir disto uma reprodução natural. Apesar de que muitos
preferiram comprar escravos adultos a criar um escravi nho, devido a alta taxa de mortalidade
antes dos 10 anos (KARASCH, 2000) . Foram encontrados nos inventários muitos escravinhos
e alguns casais de escravos, como também cativas que tinham filhos e eram mães solteiras,
constituindo assim famílias matrifocais .
Apesar de só serem mencionadas as mães dos escravos, possivelmente os pais estavam
por perto, podiam ser escravos, feitores e até os seus senhores. Foi constatado a existência de
algumas escravas solteiras, que possuíam filhos. Encontramos um número de s ete escravas
que se enquadravam nesta categoria. Dessas escravas 3 se encontravam nas grandes posses.
Nas médias e pequenas posses a existia duas para ambas.
Permitindo-se um estabelecer famílias, senhores buscavam impedir fugas
minimizar o trabalho com alimentação e tratamento de enfermos. Pessoas
com laços familiares são mais estáveis e menos propensas a mudanças.
Presumo que escravos com família tivessem mais problemas ou menos
intenção de se deslocar do que outros solteiros e sem filhos. Os laços
familiares tendiam a estabilizar o indivíduo, e com isto contavam os
senhores, ao reconhecer, socialmente, por meio do casamento legal, casais
escravos. Dificultar -lhes as fugas, adequá -los aos cativeiros e ao trabalho,
estabilizá-los na região e torná -los dóceis foram objetivos ferrenhamente
perseguidos por senhores (FARIA, 1998, p. 327).
Encontramos um caso interessante, uma mãe escrava ganhou sua carta de alforria e
sua filha pequenina continua sendo escrava. Este caso ocorreu com a escrava Luiza Cabra, d e
22 anos, que tinha como filha Paula de um e meio de idade 15. Luiza ganhou a liberdade
condicional aos doze anos. Sua senhora concedeu sua liberdade com a morte da escrava Maria
que era a mãe de Luiza. A liberdade condicional concebida a Luiza foi devido s ua mãe, ter
prestado serviço a sua senhora por muito tempo. Só que sua liberdade completa seria
concedida após ela cumprir a obrigação de acompanhar a sua senhora até a morte. Antes de
15
Inventariada: Maria Francisca do Nascimento. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto,
01/12/1840, caixa 8.
sua dona morrer e Luiza ganhar a sua liberdade, ela ganhou uma criança. Apesar de ter
liberdade condicional ela não era livre, e então sua prole seria escrava. Luiza após ter ganho
sua liberdade, provavelmente continuou a trabalhar para essa família, só que de forma
remunerada para acumular pecúlio para comprar a alforria de sua filha. Como podemos ver,
até mesmo a alforria poderia separar uma família escrava.
Apesar de ter sido encontrado apenas sete mães, acreditamos que o número era bem
maior, pois classificamos como mães aquelas que nos inventários catalogados havia
afirmação, mas analisando os mesmos percebemos que de 30 crianças com idade igual ou
inferiores a um ano, dessas apenas cinco evidenciavam suas respectivas mães, havendo assim
um número de 25 crianças com esta faixa etária que não havia citações de quem eram s uas
mães. É exemplo disso, a escrava Hermenegilda 16, que é a possível mãe dos escravinhos
Pedro Cabra, de um ano e quatro meses e Honorato de apenas um mês de idade, já que ela é a
única escrava adulta na posse. Outro exemplo é que possivelmente a escrava P astora
Crioula17, de 24 anos, é a mãe de Manoel Mulato, de três meses de idade, já que a proprietária
só tinha os dois cativos. Uma outra hipótese é que muitos dos escravinhos, cujas suas mães
não são mencionadas, as perderam na hora do parto, pois algumas escravas morriam após o
parto, deixando assim seus filhos órfãos. A maioria das mortes ocorrem porque muitas
escravas eram forçadas a trabalhar grávidas e com os seus filhos recém -nascidos. Veja o que
diz um relato do viajante Antônio Muniz de Souza, cujo viajou por várias províncias como
Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe entre outros. Em Sergipe ele se deteve a relatar sobre
a
Freguesia de Campos do Rio Real que era a sua terra natal.
A respeito das escravas pejadas, ocorre -me dizer que são muito mal
tratadas, pois ainda estando prenhes, são obrigadas a trabalhar naqueles
serviços próprios de homens. Muitos senhores sofrem imperceptivelmente o
dano, deixando a sua escravatura de prosperar e florescer, porque uma
escrava prenhe jamais deve ser encarregada da queles serviços, que lhe
podiam ser dados, se não estivesse em tais circunstâncias, porém pelo
contrário são pelos senhores desumanos, mandadas igualmente com os mais
escravos para os laboriosos serviços, e uma delas fica incumbida de todas as
crias, por muitas que sejam e é obrigada a dar o peito a todas, cuidar delas
(SOUZA, 2000, p. 61 -62).
16
Inventariado: Ana Correa Dantas; Inventariante: José Sutério Candeias. Inventário post-mortem. Cartório de 2º
Ofício de Lagarto 13/12/1840, caixa 8.
17
Inventariado: Francisca Maria Borges; Inventariante: José Antônio de Anchieta. Inventário post-mortem.
Cartório de 2º Ofício de Lagarto 09/11/1846, caixa 12.
Sobre os preços dos escravos, houve um aumento crescente de década a década. Os
preços dos escravos variavam principalmente em função do sexo, idade, profissão, ap tidão,
saúde e da conjuntura econômica. Além do sexo e da idade, por si só suficiente para fazer
variar amplamente a cotação de um cativo, eram também considerados os defeitos físicos,
estado de saúde, a etnia (quando africano) e, principalmente, as eventu ais profissões.
(BACELLAR, 2000, p. 249). Sobre as variações dos preços dos cativos vejamos a ta bela 3 a
seguir.
Tabela 3 – Lagarto - Sergipe (1800 -1850)
Média dos preços dos escravos de Lagarto década a década
Décadas
Média da década
1800-1810
94 $ 400
1811-1820
105 $ 542
1821-1830
137 $ 817
1831-1840
256 $ 439
1841-1850
274 $ 074
Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 - AGJSE
Analisando a tabela é perceptível que existe um crescimento dos preços no decorrer
dos anos. Mas o que nos c hamou a atenção é o aumento significativo dos preços dos cativos,
que ocorreu na década de 1830 e 1840. Em 1850 os preços subiram aproximadamente 100%
em relação ao valor do cativo na década de 1820.
Durante o período 1830 a 1850, apesar de todas as proib ições e fiscalizações, os
escravos continuavam a chegar da África em carregamentos sempre mais volumosos, a
medida que se aproxima 1850 (MATTOSO, 2003, p. 93 ). Apesar da lei aprovada em 1831
não ter sido efetivada na prática, os contemporâneos não sabiam d isto (FARIA, 1998, p. 339) ,
e prevendo o fim do tráfico a curto prazo, começaram a importar o maior número possível de
escravos africanos. Esse medo com término do tráfico tem efeito significativo no aumento dos
preços dos escravos em todo o país no períod o.
Uma outra hipótese para esta alta acentuada nos preços dos cativos, se deu por um
motivo interno da Província. Em 1820 Sergipe contava com um número de 163 engenhos de
açúcar, e em 1852 este número foi elevado para 672 engenhos (ALMEIDA, 1984; MOTT,
1986). Percebe-se que houve um aumento extraordinário de aproximadamente 420% no
número de engenhos. Inclusive esta expansão canavieira vai alcançar a região em estud o, que
está neste momento histórico se enquadrando, de forma embora lenta, nesta expansão d a canade-açúcar18. Então este aumento no cultivo da cana requer um maior número de escravos na
18
Não aprofundaremos a análise , pois foge um pouco do obje tivo do artigo.
Província. Uma maior procura por cativos fazem os seus preços se elevarem, seguindo a
lógica do capitalismo da Lei da Oferta e da Procura.
No geral as peculiari dades da economia local, sendo esta voltada para o abastecimento
do comércio interno influenciou para o tamanho das posses, o equilíbrio entre os sexos e os
preços dos cativos, além da influência na predominância das famílias matrifocais e/ou
consensuais, como também um possível incentivo que se foi dado a reprodução natural entre
os escravos como fonte de obtenção de forças para o trabalho compulsório.
A partir do presente estudo percebemos que o trabalho escravo foi utilizado em
diversas atividades econô micas, e constituía um importante empecilho para a economia da
região. A posse de escravos em Lagarto foi algo bastante disseminada entre seus moradores,
porquanto percebemos que um grande número de pessoas conseguiam adquirir escravos,
apesar da região pr oduzir gêneros agrícolas voltado para o abastecimento
do mercado
interno, e se dedicar a criação de gado.
A posse de cativos era caracterizada principalmente pela pequena propriedade ou seja,
composta de 1 a 3 escravos por proprietários. Mas apesar de s er maioria os pequenos
proprietários não concentravam em suas mãos o maior número de escravos, que estava sob o
domínio dos médios proprietários de 4 a 9, e dos grandes proprietários com posses acima de
10 escravos.
Essa peculiaridade influenciou na compo sição das posses dos cativos, onde existiam
um quase equilíbrio entre os sexos dos escravos. A faixa etária da população escrava era
bastante variada, existindo um bom número de escravos em idade não -produtiva, ou seja,
menor de 15 anos. Os escravos na ida de produtiva 15 -35 anos eram maioria entre os cativos
de Lagarto. Existiam ainda, vários escravos com idades superiores aos 35 anos.
Com relação as crianças escravas, o seu número era bastante considerável, esse fato
mostra que houve uma reposição de mão -de-obra escrava a partir da reprodução natural.
Possivelmente houve estímulos por parte de muitos senhores para que os seus escravos
reproduzissem, diminuindo assim a lacuna deixada pela impossibilidade de reposição via
tráfico.
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Carlos Roberto Santos Maciel