IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. ESCRAVIDÃO EM ECONOMIA NÃO -EXPORTADORA: UM ESTUDO SOBRE A PROPRIEDADE ESCRAVA E A POPULAÇÃO CATIVA. LAGARTO /SE (1800-1850) Carlos Roberto Santos Maciel Universidade Tiradentes . E-mail: [email protected] Palavras-chave: Economia. Escravidão. Sergipe. Lagarto. Vários autores, pertencentes a Historiografia Clássica (FURTADO, 1979; PRADO JUNIOR, 1998; NOVAIS, 1993) , se debruçaram sobre o estudo da economia e mão -de-obra utilizadas para a realização dos trabalhos. Esses historiadores apontam que o o bjetivo da colonização feita pelas Metrópoles européias era o de extrair o máximo possível das riquezas minerais e agrícolas das suas respectivas colônias, propiciando assim, um acúmulo primitivo de capital, e estes seriam utilizados posteriormente numa fa se mais avançada do capitalismo, a industrial (COSTA, 1968, p. 64 -125). Segundo essa corrente historiográfica a economia brasileira era caracterizada principalmente pela produção de gêneros agrícolas que obtivessem grandes preços no mercado internacional. Para a Historiografia Clássica, essa produção, voltada para a exportação, só seria possível a partir de três princípios básicos: grandes propriedades, trabalho escravo e monocultura. Era esse tripé que norteava a economia do Brasil desde sua colonização até meados do século XIX. A partir da década de 1970 surge uma nova corrente historiográfica, a qual mostrará que a mão-de-obra escrava não só se deteve a economia de exportação, e aos latifúndios, pois houve uma proliferação de escravos em diversos setore s sociais e em economia de subsistência. O presente estudo tem como objetivos analisar a utilização da mão -de-obra escrava em uma economia não -exportadora, visto que a região de Lagarto, no período, se caracterizava pela produção de gêneros alimentícios e pela pecuária. E traçar um perfil dos proprietários e da população escrava da região. A principal fonte utilizada para a realização dessa pesquisa foram os inventários postmortem. Utilizamos o método quantitativo, fazendo se necessário devido a impossibi lidade de analisar a temática sem fazer uma quantificação desses documentos. Com a utilização dos inventários, foi possível fazer uma história serial do objeto em estudo. Além dos inventários utilizamos também os relatos do pároco de uma Freguesia Sergipan a, Marco Antônio de Souza, e do viajante Antônio Moniz de Souza, que é natural de Campos do Rio Real. Fizemos o uso de análise do discurso, como método para melhor compreender e fazer críticas sobre esses relatos. A Historiografia Clássica trabalhou o Bra sil como um todo, e não se detêm a perceber e a analisar as especificidades regionais, coisas que vai ser introduzida pela nova historiografia, que não irá se utilizar somente de relatos de viajantes, o que era antes utilizado como fontes de estudos. Essa nova historiografia utiliza novos tipos de fontes que possibilitaram uma escrita historiográfica mais abrangente. O marco temporal de nossa pesquisa é de 1800 à 1850. A primeira data é devido ao fato da região de Lagarto iniciar o século XIX com uma econo mia bastante diversificada e com um contingente razoável de escravos. E a segunda, é devido a interrupção do tráfico de negros, causando um declínio nos números dos mesmos. Ao longo deste período irão ocorrer grandes transformações nos campos políticos e e conômicos do Brasil e de Sergipe. O país ficará independente de Portugal em 1822. Essa independência influenciará em algumas mudanças econômicas, pois o Brasil tornou -se livre para comercializar os seus produtos com outros países. Sergipe por ter colaborad o com o processo de separação do Brasil junto a Portugal, foi recompensado com a sua libertação da Bahia por definitivo em 1823. O marco especial de nossa pesquisa contempla a região de Lagarto. Essa região, além da Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lag arto, englobava outras localidades e freguesias, como: Lagoa Vermelha 1, Simão Dias 2, Riachão do Dantas 3 e Campos do Rio Real 4. De início nos deteremos em analisar a propriedade escrava em Lagarto. No entanto, também abordaremos os não -proprietários de esc ravos, do período de 1800 -1850. Para melhor entendermos a propriedade escrava optamos em dividi -la em três tamanhos: pequena, média, e grande. A partir desse passo, buscaremos estabelecer números que melhor definam o tamanho da propriedade escrava, assim a pequena propriedade fica compreendida de 1 a 3 cativos, a média de 4 a 9 e a grande propriedade de 10 ou mais. 5 A partir das fontes utilizadas foi possível indicar como estavam distribuídas às propriedades escravas em Lagarto na primeira metade do sécul o XIX, bem como mostrar em quais atividades esses escravos estavam sendo empregados. 1 Hoje atual cidade de Boquim. Em 20 de Fevereiro de 1857 a Freguesia de Lagoa Vermelha foi elevada a categoria de Vila , tornando-se um município independente de Lagarto. 2 Este município conseguirá sua independência junto a Lagarto, no dia 15 de Março de 1850 com a criação da Vila em Simão Dias. 3 Essa Freguesia conseguirá seu desmembramento de Lagarto somente no dia 08 de Maio de 1850. 4 Hoje atual cidade de Tobias Barreto. Essa foi desanexada de Lagarto e elevada de categoria de Vila no dia 17 de Janeiro de 1835. Campos, também englobava o território da atual cidade de Poço Verde. 5 Nesse caso usaremos a mesma classi ficação de Santos (2001) , pelo fato da região estudada ser a mesma da nossa pesquisa. Em relação aos não -proprietários, buscaremos descobrir a quantidade de pessoas que não faziam uso da mão -de-obra escrava como força produtiva, visto que a escravidão no Brasil, em Sergipe e Lagarto era algo bastante difundido. Para melhor mostrar qual a proporção dos proprietários e não -proprietários de escravos vejamos o gráfico 1, onde mostraremos com maior clareza a proporção de ambos. Nela fica evidenciado que a posse d e escravos era algo bastante difundido na região pesquisada, fato que, mas uma vez vem reafirmar uma faceta importante da escravidão em Sergipe, aspecto esse mostrado também no trabalho da professora Joceneide Cunha que estudou sobre um período posterior m as na mesma localidade. 6 R elação dos não-proprietários e dos proprietários de escravos 16,98% não-proprietário proprietário 83,02% Gráfico 1 – Lagarto -Sergipe (1800-1850) Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 - AGJSE Como fica claro no gráfico 1, a maioria dos inventariados possuía escravos, fato que parecia comum no período, e que ressalta a importância da mão -de-obra escrava na economia de Lagarto. Esses escravos trabalhavam na agricultura e pecuária tanto de pequeno como nas propriedades de grande porte, ou nos engenhos. A tabela 1 mostra como estavam distribuídos os inven tários dos proprietários de escravos, analisando qual o tamanho da posse escrava, se era pequena, média ou grande. Lembrando que os parâmetros dos tamanhos das posses foram mencionados anteriormente, ficando a pequena posse de 1 a 3 cativos a media de 4 a 9 e a grande com 10 escravos ou mais. 6 Idem. Tabela 1 – Lagarto-Sergipe (1800-1850). Distribuição da posse escrava por tamanho da posse Tamanho das posses Número de escravos % dos escravos N. de inventários Pequeno 113 15,43% 63 Médio 245 33,33% 45 Grande 374 51,09% 24 Total 732 100% 132 Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 - AGJSE Como fica evidente na tabela 1 , o número de pequenos proprietários é maior que o médio e a grande posse, ou seja, dos 132 inventários pesquisados aqueles cuja posse fica entre um e três escravos era maioria, esses representavam 63 dos 132 proprietários, que tinham posses de escravos, fato que ratifica a afirmação da professora Joceneide Cunha, que em seu trabalho monográfico pontuou que a escravidão em Lagarto e ntre 1850-1888 era algo bastante comum mesmo entre os pequenos criadores ou agricultores (SANTOS, 2001). A autora acima mencionada citou que os escravos estavam em sua maioria concentrados nas grandes posses. Fato que nossa pesquisa aponta que já ocorria n a primeira metade do século XIX, como ficou claro na tabela citada anterior (SANTOS, 2001). Dos 132 inventariados pesquisados e que tinham posse de escravos, os proprietários das grandes posses detinham 374 escravos ou 51,10% do número total dos mesmos. Ap esar de os grandes proprietários serem apenas 24 pessoas, esses superam os de médios e pequenos proprietários juntos, em número de escravos. O que vem confirmar a concentração da propriedade escrava nas mãos de poucas pessoas que faziam parte dos grandes proprietários. É comprovado que existiu um número razoável de escravos na região do Agreste de Lagarto (MOTT, 1986, p. 242) , foi encontrado uma população cativa composta por 732 escravos no período de 1800 -1850. Sobre a economia de Lagarto, no marco tempo ral escolhido, essa era caracterizada principalmente pelo cultivo de gêneros alimentícios e pela criação de gado, havendo apenas cinco engenhos, esses aparecerão em maior número na segunda metade do século XIX (SANTOS, 2001). De início queremos demonstrar os locais de nascimento dos cativos de La garto. Vejamos o gráfico 2 . Lugar de Nascimento 13,11% África Brasil 86,89% Gráfico 2 – Lagarto – Sergipe (1800-1850) Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 AGJSE Mott (1986, p. 144) no informa que na Província de Sergipe, o número de escravos provindos da África não representavam nem a metade dos escravos. Os cativos oriundos d’África nunca devem ter ultrapassado 1/3 da escravaria total de Sergipe. A impossibilidade de importar negros diretamente da Costa da África e o próprio est ilo de pequena empresa doméstica dos engenhos sergipanos seriam talvez as duas principais razões que explicam a alta taxa de reprodução dos escravos e conseqüentemente, a predominância de crioulos nas terras d e Sergipe Del Rey. Sobre os africanos existe ntes na Vila, eles representavam 13,11% dos cativos, as etnias ou nações que se sobressaíram foram os escravos que provinham principalmente de Angola já que esses representavam 90,32% dos escravos provindos da África, além dos nagôs e gêge. Vejamos os segu intes exemplos: João Angola 7, com 45 anos de idade, um escravo gêge 8, cujo nome não possível decifrar, e por fim Pedro Nagô, escravo de João da Silva Vieira9. Além de escravos que só eram caracterizados pelo continente como Sebastião Africano10. Como também escravos que tinha como definição boçal. Essa nomenclatura era utilizada para caracterizar particularmente os cativos recém -chegados da África e que ainda 7 Inventariado: Thome de Fraga Pimentel; Inventariante: D. Paula Josefa de São Pedro. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 22/05/1821, caix a 2. 8 Inventariado: Antônio Vieira de Andrade; Inventariante: Manoel Luiz de Andrade. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 14/09/1815, caixa 1. 9 Inventariado: João da Silva Vieira; Inventariante: Josete da Silva. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 21/06/1918, caixa 2. 10 Inventariado: Feliz José de Carvalho; Inventariante: Maria José do Nascimento. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 15/09/1823, caixa 3. não sabiam falar nem compreender o português. Como era o caso do escravo Domingos Boçal, de 40 anos 11. O grande número de angolanos nos leva a afirmar que os escravos provenientes da África Centro -Ocidental foram maioria na região. Através dos números do gráfico podemos perceber que 86,89% dos escravos da região eram crioulos, ou seja, escravos nascidos no Brasil. Quando se registrava as identidades de escravos brasileiros os escribas usavam os termos: crioulo, pardo, mulato, mestiço e cabra 12 . Esses eram possíveis frutos do tráfico interprovinciais, da compra e venda de escravos na região e de uma reprodu ção natural. Por isso é perceptível o número significativo de crianças, mostrando assim que muitos escravos nasciam nas vilas vizinhas, e que uma boa parte era fruto da reprodução dos cativos da Vila de Lagarto. O que nos leva a crer que a vila tinha uma alta taxa de produção natural entre os cativos. Outro fato que corrobora com esta hipótese é que encontramos nos inventários um número de 30 escravinhos com idade menor ou igual a um ano. Embora reconhecessem que índios e escravos vinham de nações diferen tes, os senhores de escravos em geral ignoram as origens regionais dos escravos brasileiros. Em poucos casos a origem provincial assumia precedência, mas, para a maioria deles a cor era uma nação (KARASCH, 2000. p. 39 ). A faixa etária dos escravos de La garto era caracterizada por uma variação significativa. Encontramos escravos na faixa de idade mais produtiva, de 15 aos 35 anos. Foram encontrados também alguns escravos com idades superiores aos 60 anos, além de um número razoável de crianças como posse de cativos. As crianças com idades de 0 -9 anos Guttiérrez (apud SANTOS, 2001, p. 56) , representavam 23,90% das posses , conforme mostra o gráfico 3. 11 Inventariada: Bárbara Maria do Ros ário; Inventariante: Capitão Alexande José de Gusmão. Inventário postmortem. Cartório de 1º Ofício de Lagarto, 28/06/1832, caixa 2. 12 Cabra – mestiço de mulato e negro. Indivíduo de pele bem clara. Faixa etária dos escravos 23,90% crianças adultos 76,10% Gráfico 3 – Lagarto – Sergipe (1800-1850) Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 18 00-1850 – AGJSE. Foram encontradas em Lagarto 175 crianças, com idades de 0 -9 anos. Para Mott (1986, p. 144), a incapacidade de se importar negros da África propiciou uma alta taxa de reprodução natural entre os escravos da província de Sergipe Del Rey. A partir desta tática de reprodução entre os cativos, foi possível preencher a lacuna deixada pelo não acesso de escravos via tráfico. Vejamos o caso da escrava Rita Mulata, de 40 anos de idade: ela tinha duas filhas, Joana Mulata, de 1 ano e Gonçala de 2 a nos.13 Aparentemente a região de Lagarto caracterizada pelo cultivo de alguns gêneros alimentícios e pela pecuária, propiciou uma alta reprodução natural entre os escravos. Além desta possível reprodução, uma outra hipótese é de que muitos proprietários co m pouco poder aquisitivo adotaram a estratégia de comprar crianças escravas (BACELLAR, 2000, p. 238 254) como forma de adquirir seus primeiros cativos. Isto acontecia porque comprar escravinhos era menos dispendioso, pois custavam menos. Uma outra possibil idade era que possuir crianças escravas era melhor ao ponto de que elas cresciam, e aprendiam desde pequenas a se tornarem escravos e que fossem submissos aos seus donos. Como também aqueles proprietários que estavam começando a formar suas posses de escra vos. Não podemos descartar ainda a probabilidade de que as mães de muito escravinhos tivessem morrido, deixando os seus filhos órfãos. Um elemento pode ser ressaltado para sugerir a viabilidade de se dispor de um cativo; a aquisição de crianças escravas. Alguns domicílios optavam por adquiri-las provavelmente por ser o único caminho possível para se 13 Inventariado: Thomé de Fraga Pimentel; Inventariante: D. Paula Josefa de São Pedro. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 25/05/19821, caixa 2. ascender a posse de um cativo, mesmo que necessário aguardar que atingisse uma idade onde fosse capaz de participar efetivamente da fo rça de trabalho (BACELLAR , 2000, p. 245). Sobre as demais faixas etárias dos escravos, percebemos que um número elevado de cativos ficavam na faixa etária produtiva , ou seja, de 15 a 35 anos. Esses escravos representavam 42,56% do total. Existia também um número razoável de escr avos com idade superior aos 35 anos. Com a tabela 2 será possível perceber de forma mais precisa a composição das idades dos cativos: Faixa etária De 0 a 9 De 10 a 15 De 15 a 35 Acima de 35 Total Tabela 2 – Lagarto - Sergipe (1800 -1850) 14 Estrutura etária e distribuição por sexo dos escravos Homens Mulheres Número Porcentagem Número Porcentagem 96 16,22% 79 13,34% 28 4,73% 26 4,39% 127 21,45% 125 21,11% 62 10,47% 49 8,27% 313 52,87% 279 47,13% Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 – AGJSE. Através da tabela fica claro que existia um número reduzido de escravos na faixa etária de 10 a 15 anos, já que nessa só se encontrava 54 escravos ou 9,12% do total. Esses podiam ter sido comprados, como também poderia ser fruto da reprodução, e já trabalhavam A respeito da distribuição dos escravos por sexo é comprovado que existia um número superior dos homens em relação ao das mulheres. Mas o número não era tão superior como em áreas de plantation, onde existiam casos de ter a proporção de um a mulher para cada cinco homens (COSTA, 204, p. 147) . O gráfico 4 esclarecer melhor esta distribuição por sexo dos escravos em Lagarto . 14 Existiam nos inventários post-mortem muitos escravos que não constavam as idades, desses tinha 78 ou 10,65% eram homens e 59 ou 8,06% do total e ram mulheres. Distribuição Sexual enre os cativos 45,77% 54,23% mulheres homens Gráfico 4 – Lagarto – Sergipe (1800-1850) Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 – AGJSE O gráfico nos permite observar que a diferença não era acentuada. O número de escravas nas posses de um cativo era marca significativa. A região em estudo favorecia a utilização da escrava como mão -de-obra, já que a localidade cultivava milho, mandioca, f umo e feijão, e criava animais. Estes trabalhos eram mais leves que os realizados nos canaviais e por isso por isso o uso de escravas era possível. Voltando a observar e analisar a tabela 2, podemos notar que o número de homens e mulheres na faixa etária de 15 a 35 anos, o período de idade mais produtiva, era quase equivalente uma vez que os homens compunham 21,45% e as mulheres 21,11% dos cativos. Esse equilíbrio se mant ém quando observado a faixa etária de 10 a 15 anos em que existia apenas dois escravos a mais que o de escravas. Convêm ressaltar a existência de um maior desequilíbrio entre os sexos quando analisamos as crianças de 0 -9 anos de idade e os escravos com idade acima dos 35 anos. Um motivo para este equilíbrio entre os sexos é a grande represe ntatividade dos crioulos na região. Pois, quanto maior é a taxa de africanidade maior seria o desequilíbrio entre o número de homens e mulheres escravos (REIS apud SANTOS, 2004, p. 46). As escravas eram, em muitos casos, preferidas devido estas custarem m enos que os homens, e pela sua versatilidade, podendo desenvolver atividades domésticas, rurais e serem possíveis escravas de ganho. Além disso, eram importantes para aumentar a posse de cativos a partir da reprodução natural entre eles, já que os escravos ficavam com os donos das cativas. Podemos supor que comprar uma escrava seria talvez, parte de uma estratégia de ampliação ou multiplicação mais acessível da mão -de-obra forçada, sem recorrer às parcas e difíceis poupanças familiares. Apesar dos riscos de uma elevada mortalidade materna e infantil, e em que se pese a necessidade de aguardar o crescimento do rebento, a reprodução natural talvez fosse, para um pequeno lavrador, um roceiro ou um artesão, uma opção viável, que não envolvia maiores dispêndio s de capital (BACELLAR, 2000, p. 243). O quase equilíbrio entre os sexos dos escravos provavelmente propiciou uniões consensuais entre eles, e a partir disto uma reprodução natural. Apesar de que muitos preferiram comprar escravos adultos a criar um escravi nho, devido a alta taxa de mortalidade antes dos 10 anos (KARASCH, 2000) . Foram encontrados nos inventários muitos escravinhos e alguns casais de escravos, como também cativas que tinham filhos e eram mães solteiras, constituindo assim famílias matrifocais . Apesar de só serem mencionadas as mães dos escravos, possivelmente os pais estavam por perto, podiam ser escravos, feitores e até os seus senhores. Foi constatado a existência de algumas escravas solteiras, que possuíam filhos. Encontramos um número de s ete escravas que se enquadravam nesta categoria. Dessas escravas 3 se encontravam nas grandes posses. Nas médias e pequenas posses a existia duas para ambas. Permitindo-se um estabelecer famílias, senhores buscavam impedir fugas minimizar o trabalho com alimentação e tratamento de enfermos. Pessoas com laços familiares são mais estáveis e menos propensas a mudanças. Presumo que escravos com família tivessem mais problemas ou menos intenção de se deslocar do que outros solteiros e sem filhos. Os laços familiares tendiam a estabilizar o indivíduo, e com isto contavam os senhores, ao reconhecer, socialmente, por meio do casamento legal, casais escravos. Dificultar -lhes as fugas, adequá -los aos cativeiros e ao trabalho, estabilizá-los na região e torná -los dóceis foram objetivos ferrenhamente perseguidos por senhores (FARIA, 1998, p. 327). Encontramos um caso interessante, uma mãe escrava ganhou sua carta de alforria e sua filha pequenina continua sendo escrava. Este caso ocorreu com a escrava Luiza Cabra, d e 22 anos, que tinha como filha Paula de um e meio de idade 15. Luiza ganhou a liberdade condicional aos doze anos. Sua senhora concedeu sua liberdade com a morte da escrava Maria que era a mãe de Luiza. A liberdade condicional concebida a Luiza foi devido s ua mãe, ter prestado serviço a sua senhora por muito tempo. Só que sua liberdade completa seria concedida após ela cumprir a obrigação de acompanhar a sua senhora até a morte. Antes de 15 Inventariada: Maria Francisca do Nascimento. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto, 01/12/1840, caixa 8. sua dona morrer e Luiza ganhar a sua liberdade, ela ganhou uma criança. Apesar de ter liberdade condicional ela não era livre, e então sua prole seria escrava. Luiza após ter ganho sua liberdade, provavelmente continuou a trabalhar para essa família, só que de forma remunerada para acumular pecúlio para comprar a alforria de sua filha. Como podemos ver, até mesmo a alforria poderia separar uma família escrava. Apesar de ter sido encontrado apenas sete mães, acreditamos que o número era bem maior, pois classificamos como mães aquelas que nos inventários catalogados havia afirmação, mas analisando os mesmos percebemos que de 30 crianças com idade igual ou inferiores a um ano, dessas apenas cinco evidenciavam suas respectivas mães, havendo assim um número de 25 crianças com esta faixa etária que não havia citações de quem eram s uas mães. É exemplo disso, a escrava Hermenegilda 16, que é a possível mãe dos escravinhos Pedro Cabra, de um ano e quatro meses e Honorato de apenas um mês de idade, já que ela é a única escrava adulta na posse. Outro exemplo é que possivelmente a escrava P astora Crioula17, de 24 anos, é a mãe de Manoel Mulato, de três meses de idade, já que a proprietária só tinha os dois cativos. Uma outra hipótese é que muitos dos escravinhos, cujas suas mães não são mencionadas, as perderam na hora do parto, pois algumas escravas morriam após o parto, deixando assim seus filhos órfãos. A maioria das mortes ocorrem porque muitas escravas eram forçadas a trabalhar grávidas e com os seus filhos recém -nascidos. Veja o que diz um relato do viajante Antônio Muniz de Souza, cujo viajou por várias províncias como Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe entre outros. Em Sergipe ele se deteve a relatar sobre a Freguesia de Campos do Rio Real que era a sua terra natal. A respeito das escravas pejadas, ocorre -me dizer que são muito mal tratadas, pois ainda estando prenhes, são obrigadas a trabalhar naqueles serviços próprios de homens. Muitos senhores sofrem imperceptivelmente o dano, deixando a sua escravatura de prosperar e florescer, porque uma escrava prenhe jamais deve ser encarregada da queles serviços, que lhe podiam ser dados, se não estivesse em tais circunstâncias, porém pelo contrário são pelos senhores desumanos, mandadas igualmente com os mais escravos para os laboriosos serviços, e uma delas fica incumbida de todas as crias, por muitas que sejam e é obrigada a dar o peito a todas, cuidar delas (SOUZA, 2000, p. 61 -62). 16 Inventariado: Ana Correa Dantas; Inventariante: José Sutério Candeias. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto 13/12/1840, caixa 8. 17 Inventariado: Francisca Maria Borges; Inventariante: José Antônio de Anchieta. Inventário post-mortem. Cartório de 2º Ofício de Lagarto 09/11/1846, caixa 12. Sobre os preços dos escravos, houve um aumento crescente de década a década. Os preços dos escravos variavam principalmente em função do sexo, idade, profissão, ap tidão, saúde e da conjuntura econômica. Além do sexo e da idade, por si só suficiente para fazer variar amplamente a cotação de um cativo, eram também considerados os defeitos físicos, estado de saúde, a etnia (quando africano) e, principalmente, as eventu ais profissões. (BACELLAR, 2000, p. 249). Sobre as variações dos preços dos cativos vejamos a ta bela 3 a seguir. Tabela 3 – Lagarto - Sergipe (1800 -1850) Média dos preços dos escravos de Lagarto década a década Décadas Média da década 1800-1810 94 $ 400 1811-1820 105 $ 542 1821-1830 137 $ 817 1831-1840 256 $ 439 1841-1850 274 $ 074 Fonte: Inventários 1º e 2º Ofício de Lagarto 1800 -1850 - AGJSE Analisando a tabela é perceptível que existe um crescimento dos preços no decorrer dos anos. Mas o que nos c hamou a atenção é o aumento significativo dos preços dos cativos, que ocorreu na década de 1830 e 1840. Em 1850 os preços subiram aproximadamente 100% em relação ao valor do cativo na década de 1820. Durante o período 1830 a 1850, apesar de todas as proib ições e fiscalizações, os escravos continuavam a chegar da África em carregamentos sempre mais volumosos, a medida que se aproxima 1850 (MATTOSO, 2003, p. 93 ). Apesar da lei aprovada em 1831 não ter sido efetivada na prática, os contemporâneos não sabiam d isto (FARIA, 1998, p. 339) , e prevendo o fim do tráfico a curto prazo, começaram a importar o maior número possível de escravos africanos. Esse medo com término do tráfico tem efeito significativo no aumento dos preços dos escravos em todo o país no períod o. Uma outra hipótese para esta alta acentuada nos preços dos cativos, se deu por um motivo interno da Província. Em 1820 Sergipe contava com um número de 163 engenhos de açúcar, e em 1852 este número foi elevado para 672 engenhos (ALMEIDA, 1984; MOTT, 1986). Percebe-se que houve um aumento extraordinário de aproximadamente 420% no número de engenhos. Inclusive esta expansão canavieira vai alcançar a região em estud o, que está neste momento histórico se enquadrando, de forma embora lenta, nesta expansão d a canade-açúcar18. Então este aumento no cultivo da cana requer um maior número de escravos na 18 Não aprofundaremos a análise , pois foge um pouco do obje tivo do artigo. Província. Uma maior procura por cativos fazem os seus preços se elevarem, seguindo a lógica do capitalismo da Lei da Oferta e da Procura. No geral as peculiari dades da economia local, sendo esta voltada para o abastecimento do comércio interno influenciou para o tamanho das posses, o equilíbrio entre os sexos e os preços dos cativos, além da influência na predominância das famílias matrifocais e/ou consensuais, como também um possível incentivo que se foi dado a reprodução natural entre os escravos como fonte de obtenção de forças para o trabalho compulsório. A partir do presente estudo percebemos que o trabalho escravo foi utilizado em diversas atividades econô micas, e constituía um importante empecilho para a economia da região. A posse de escravos em Lagarto foi algo bastante disseminada entre seus moradores, porquanto percebemos que um grande número de pessoas conseguiam adquirir escravos, apesar da região pr oduzir gêneros agrícolas voltado para o abastecimento do mercado interno, e se dedicar a criação de gado. A posse de cativos era caracterizada principalmente pela pequena propriedade ou seja, composta de 1 a 3 escravos por proprietários. Mas apesar de s er maioria os pequenos proprietários não concentravam em suas mãos o maior número de escravos, que estava sob o domínio dos médios proprietários de 4 a 9, e dos grandes proprietários com posses acima de 10 escravos. Essa peculiaridade influenciou na compo sição das posses dos cativos, onde existiam um quase equilíbrio entre os sexos dos escravos. A faixa etária da população escrava era bastante variada, existindo um bom número de escravos em idade não -produtiva, ou seja, menor de 15 anos. Os escravos na ida de produtiva 15 -35 anos eram maioria entre os cativos de Lagarto. Existiam ainda, vários escravos com idades superiores aos 35 anos. Com relação as crianças escravas, o seu número era bastante considerável, esse fato mostra que houve uma reposição de mão -de-obra escrava a partir da reprodução natural. Possivelmente houve estímulos por parte de muitos senhores para que os seus escravos reproduzissem, diminuindo assim a lacuna deixada pela impossibilidade de reposição via tráfico. Referências ALMEIDA, Maria da Glória Santana. Fundamentos de uma economia dependente. Rio de Janeiro: Vozes, 1984. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. A escravidão miúda em São Paulo Colonial. I n: SILVA, Maria Beatriz Nizza da ( Org). Brasil: colonização e e scravidão. Rio de Ja neiro: Nova Fronteira, 2000. p. 238 -254. BARICKAMAN, B. J. Um contraponto baiano : açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780 -1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação pol ítica. In: MOTTA, Carlos Guilherme (Org). Brasil em perspectiva . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1968. p. 64 -125. . O escravo na grande lavoura. I n: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. ( Org). História geral da civilização brasileira. 7. ed. Rio de Janeir o: Bertrand Brasil, 2004. T. 2: O Brasil Monárquico, v. 3: Reações e Transações. p. 135 -188. FARIA, Sheyla de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. FURTADO, Celso. Formação econômic a do Brasil. 16. ed. São Paulo: Nacional, 1979. KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808 -1850). Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MATTOSO, Kátia. Ser escravo no Brasil . São Paulo: Brasiliense, 2003. MOTT, Luis R. B. Sergipe Del Rey : população, economia e sociedade. Aracaju: Fundesc, 1986. NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial . (1777-1808). 6. ed. São Paulo: H ucitec, 1995. . Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. NUNES, Maria Thetis. Sergipe Colonial I . 2. ed. São Cristóvão: UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2006. . Sergipe Provincial I (1820-1840). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2001. . Sergipe Colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. PASSOS SUBRINHO, Josué M. dos. História econômica de Sergipe . (1850-1930). Aracaju: Editora da UFS, 1987. PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil . 45. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 1998. . Formação do Brasil contemporâneo. 24. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 1996. . Evolução política do Brasil . São Paulo: Brasiliense, 1980. p. 18 -25. SANTOS, Joceneide Cunha dos. Entre farinhadas, procissões e famílias: a vida de homen s e mulheres escravos em Lagarto, Província de Sergipe (1850 -1888). Salvador, 2004. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia , Salvador, 2004. . De senhores de engenho à lavradores de mandioca : um estudo sobre a propriedade escrava (Agreste -Sertão de Lagarto 1850 -1888). 2001. Monografia (Licenciatura em História) – Universidade Federal de Sergipe , Aracaju, 2001. SOUZA, Antônio Moniz de. Viagens e observações de um brasileir o. 3. ed. Salvador: IGHB, 2000. Organizado por Ubiratan Castro de Araújo. SOUZA, Marcos Antônio de. Memórias sobre a capitania de Sergipe . Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 2005.