O MOÇO QUE CASOU COM UMA JARARACA
Tradução e atualização de
Calixto de Inhamuns
do texto medieval de
Don Juan Manuel
Personagens:
Moço
Pai Pobre
Mãe
Moça
Padre
Convidados
Cachorro
Gato
Cavalo
Galo
PRAÇA EM FRENTE À CASA DO PAI RICO.
PAI POBRE:
Meu filho, pense bem antes que eu bata nessa porta. Essa moça é muito rica, e não presta que a mulher seja superior ao marido.
MOÇO:
Concordo com senhor, meu pai, mas o homem só tem duas chances de
ficar rico na vida – quando nasce ou quando casa. Nasci por baixo, tenho que casar por cima. É tudo ou nada, é pegar ou largar.
PAI POBRE:
Gosto desse seu jeito forte, dessa ousadia... Mas vocês são diferentes –
ela é rica como uma rainha, você pobre como um mendigo. Se quisesse
andar por todas terras delas ficaria com a língua de fora.
1
MOÇO:
Se ela tem tanta terra, compro um cavalo... Se possui tanta riqueza, vou
aumentar com o meu esforço.
PAI POBRE:
Mas o que me preocupa mais, meu filho, é que falam cobras e lagartos
dessa moça. Você é uma pessoa calma e educada e dizem que ela é
uma jararaca.
MOÇO:
Se há mula manhosa é por falta de bom montador. Desde o começo
manterei a rédea curta, não se preocupe.
PAI POBRE:
O pai nunca conseguiu domar a víbora... Só teve sofrimentos e desgostos. Tem um gênio tão ruim que dizem que nunca apareceu um moço
querendo casar com ela.
MOÇO:
A moça pode ser um cruzamento de jararaca com cascavel, mas me agrada. Gosto do jeito dela... Desde pequeno tenho olhado para ela com
admiração... Olha pai, às vezes, acordo pensando nela, até com amor.
Se o pai dela consentir, tenho um plano que pode acalmar a fúria da
onça e hei de ser feliz com ela.
PAI POBRE:
Já que você insiste... Depois não vá dizer que não avisei. (À PARTE,
PARA O CÉU.) Que Deus nos ajude e não deixe que o pai dela concorde com essa loucura. (BATE PALMAS.) Ô de casa!
PAI RICO:
(OFF.) Ô de fora!
O PAI DA MOÇA APARECE.
PAI RICO:
Ah, meu grande amigo, que honra receber sua visita. Em que posso
servi-lo?
PAI POBRE:
Estou aqui em nome do meu filho para fazer um pedido.
PAI RICO:
Que jamais poderia negar. O carinho e amizade que tenho por você, tenho por seu filho.
PAI POBRE:
Tanta atenção me comove. O meu amigo tem uma filha...
PAI RICO:
(CORTANDO.) Que me pesa como quatrocentas...
PAI POBRE:
E eu tenho só esse filho, que é a razão do meu viver. Na juventude,
quando você era pobre como eu, fomos grandes amigos.
PAI RICO:
Agora o considero mais ainda. Você é como um irmão – aliás, mais que
um irmão! Não faça rodeios, diga em que posso ajudar seu filho e seu
pedido será uma ordem!
PAI POBRE:
(TOMANDO CORAGEM.) Meu filho quer casar com sua filha!
PAI RICO:
O quê!? Você tem coragem de falar em casamento de minha filha com
seu filho?
PAI POBRE:
Eu pensei...
2
PAI RICO:
De pensar morreu um burro! Minha filha não nasceu para casar com
seu filho, nunca!
PAI POBRE:
Pois é... Falei com meu filho...
PAI RICO:
Pois falou pouco! (PARA O MOÇO.) E o senhor, um rapaz que sempre
estimei – respeitei e admirei, até! –, querendo casar com a minha filha!
MOÇO:
(ASSUSTADO.) Mas gosto dela!
PAI RICO:
Não é verdade! É mentira!
MOÇO:
Juro por minha mãe morta, juro...
PAI RICO:
Chega! Você não casará com minha filha! Você não merece a minha filha! (MUDANDO.) Merece coisa melhor! Vai ser a desgraça da sua vida! (PARA O PAI POBRE.) Meu amigo, não deixe o seu filho cometer
essa loucura!
MOÇO:
Quero mesmo casar com sua filha!
PAI RICO:
Não acredito! Nunca ninguém – mas ninguém mesmo! – quis casar com
ela. Agora que tá ficando passada nos anos, tá pior. É dura, brava, maldosa, venenosa como quinhentas cascáveis e 1200 jararacas! Quem
cometer essa burrice quíntupla vai se arrepender de ter nascido. Gosto
muito de você pra permitir essa loucura.
PAI pobre:
Meu filho quer mesmo casar com sua filha!
PAI RICO:
Mas por quê? Seu eu fosse mil vezes mais rico do que sou... Se fosse
dono de toda Ásia, África e Oceania... Se tivesse todas as minas de diamantes do mundo... Nada!... Nada valeria tantos futuros sofrimentos e
desgraças!
MOÇO:
Não é por causa do dinheiro, meu senhor...
PAI RICO:
Então por que é? O que se esconde por trás desse gesto tresloucado?
MOÇO:
É que gosto do jeitinho rebelde dela... Daquela carinha de maldade pura!
PAI RICO:
(ENQUANTO FAZ GESTO PERGUNTANDO AO PAI POBRE SE O
MOÇO ESTÁ LOUCO.) Você gosta é?... (O PAI POBRE FAZ GESTO
QUE O FILHO NÃO ESTÁ LOUCO.) Bom... Pra quem gosta de merda
é um prato cheio. Vou perguntar pela última vez – quer mesmo?!
MOÇO:
Quero!
PAI RICO:
Então não se discute mais – é sua! Que Deus o proteja! (OUVE-SE
DENTRO UMA GRANDE BRIGA. PRATOS QUEBRAM, CACHORRO
GANE, UM INFERNO.) Não se assustem, é a moça discutindo amigavelmente com a mãe. Vou falar com ela sobre o casamento.
3
MOÇO:
Será que ela vai aceitar?
PAI RICO:
Não se preocupe... Tenho a forma infalível para convencê-la de qualquer coisa. (PARA FORA.) Ei, vocêS duas, venham aqui!
MÃE:
Que é que você quer, velho batráquio!
PAI RICO:
(PARA PÚBLICO.) Isso me ama!... (PARA FORA.) Venham aqui! Tenho grandes novidades!
ENTRAM, QUEBRANDO O PAU, A MÃE E A MOÇA. ELAS DISPUTAM UM PEDAÇO
DE PANO VELHO.
MÃE:
Larga, tô falando, larga!
MOÇA:
Não largo!
MÃE:
Vou arrancar das suas mãos!
MOÇA:
Só se arrancar também as minhas unhas, os meus dedos e as minhas
mãos!
MÃE:
Não seja teimosa! Sou eu que vou jogar esse pano velho no lixo!
MOÇA:
Sou eu! Eu jogo no lixo!
PAI RICO:
Parem com isso! Parem! Tô mandando! (AS DUAS PARAM E ENCARAM COM ÓDIO O PAI RICO. MANSO.) Mulher! Filhinha! Olhem as visitas... Temos visitas.
MOÇA:
Grande coisa! Se fosse gente!
MÃE:
Por acaso você interrompeu nossa conversa só pra mostrar esse par de
idiotas?
PAI RICO:
Tenho uma novidade que vocês não vão acreditar. Esse rapaz simples,
pobre como um cachorro vira-lata, filho do meu melhor amigo, teve a
ousadia de pedir sua mão em casamento.
MOÇA:
Pedir minha mão em casamento? Esse borra-botas?
MÃE:
Quem esse joão-ninguém pensa que é?
PAI RICO:
Foi o que eu disse! (DANDO UMA BRONCA NO RAPAZ.) Olha aqui,
seu ninguém, quem é você pra querer casar com minha filha! Eu não
quero!
MOÇA:
Quem não quer sou eu! Prefiro casar com um xepeiro da feira mais ralé!
MÃE:
Mesmo que você quisesse, velho idiota, era mais fácil um camelo passar na bunda de uma agulha do que esse remendão casar com minha
filha!
MOÇA:
(PARA O RAPAZ.) Idiota!
MOÇO:
Como vai, gentil senhorita?
4
MOÇA:
Não é da sua conta!
PAI RICO:
Não dirija a palavra a esse moço, minha filha! Você tá proibida!
MOÇA:
Falo com quem quiser!
MÃE:
Quem é você pra proibir minha filha de alguma coisa?
PAI RICO:
Com esse moço pobre, filho do meu melhor amigo, ela não casa! E minha opinião, a opinião do chefe da casa e tem que ser respeitada!
MÃE:
Respeitada? (PARTE PRA CIMA DO MARIDO.) Vou mostrar o respeito, seu...
MOÇA:
(SEGURANDO A MÃE.) Deixa, mãezinha, não quebre seus dedos na
cabeça oca do papai. (OLHANDO O MOÇO.) Só de birra, se ele não
fosse tão rastaqüera, casava com esse maltrapilho.
PAI RICO:
Você não ousaria me desobedecer e me desafiar!
MÃE:
Se ela quisesse, ela casava e pronto!
PAI RICO:
Nunca! Proíbo!
MOÇA:
Proíbe, é? Pois eu caso! Vou dar uma lição nesse joão-ninguém! Estou
cansada de andar no meu burro de trote, vou arrumar um mais burro
pra montar! Eu aceito! Eu caso com o joão-ninguém!
PAI RICO:
(GRITANDO PARA FORA.) Padre! Padre! Minha filha vai casar! Venha
padre! Minha filha vai casar.
OUVEM-SE GRITOS: “A MEGERA VAI CASAR!”, “MILAGRE! MILAGRE!”, ETC. MUSICA DE FANFARRA. ENTRA O PADRE DE CUECAS, VESTINDO A BATINA, E
CONVIDADOS. MULHERES TRAZEM GRINALDA E O BUQUÊ-DE-NOIVA.
PADRE:
(TERMINANDO DE SE VESTIR, MAS JÁ ABENÇOANDO.) Eu os declaro marido e mulher.
MÃE:
Que declara marido e mulher, velho indecente! Tem que ser uma cerimônia bem-feita! (CHORANDO DE EMOÇÃO, ABRAÇA A FILHA.) Ah,
minha filha! É o dia mais triste e emocionante da minha vida! (UMA
MULHER COLOCA A GRINALDA NA MOÇA.) Não tá vendo que tá torta, imprestável! (ARRUMA A GRINALDA.) Trate seu marido, filhinha,
como eu sempre tratei seu pai – com pancadas e desprezo.
MOÇA:
(FRAQUEJA.) Acho que não vou querer, mamãe...
PAI RICO:
Isso mesmo, filhinha! Eu proíbo! Se não quer casar, não casa.
MOÇA:
Quem falou que não quero casar? Não vou querer é demorar muito com
essa palhaçada! Tô louca para colocar as mãos no pescoço desse idiota!
5
PADRE:
Se tem tanta vontade de casar, não vamos perder tempo com os prolegômenos! Eu os declaro marido e...
MÃE:
Que declara coisa nenhuma! No casamento da minha filha tem que ter
música! (CONVIDADOS FORMAM UM CORO RAPIDAMENTE E
CANTAM “ATÉ QUE ENFIM” EM QUATRO VOZES, BAIXINHO.) O
pai tem que entrar com a noiva! (O PAI RICO ARRASTA A FILHA PARA FORA.) Tem que ter padrinhos! (OS CONVIDADOS TOMAM O
LUGAR DOS PADRINHOS.) Tem que ter flores! (JOGAM FLORES
DAS COXIAS.) Tem que ser organizado! (O NOIVO FICA AO LADO
DO PAI. O PAI FICA NO LUGAR DELE, TUDO RAPIDAMENTE.) Eu
estou tão emocionada! (CHORA. O PAI ENTRA COM A MOÇA E A
MÃE CORRE ATÉ ELA.) Minha filhinha! Minha pobre filha!
PAI RICO:
Obedeça ao seu marido, minha filha! Não o maltrate!
MÃE:
Não tenha piedade dele! Cachorro que lambe bota, pontapé nele.
QUANDO ELES CHEGAM PERTO DO ALTAR O PADRE ARRASTA O MOÇO, COLOCA AO LADO DA NOIVA.
PADRE:
Eu os declaro marido e mulher! Podem beijar-se! (SAI DE PERTO.)
MOÇA:
(PARA O RAPAZ QUE SE APRONTA PARA O BEIJO.) Não se atreva,
seu asno! Dou-lhe um soco no focinho.
TODOS:
Viva os noivos! Até enfim! Etc! Etc.
TODOS CANTAM E DANÇAM. GRANDE ALGAZARRA. CERCAM OS NOIVOS E
QUANDO SAEM OS NOIVOS ESTÃO NUMA SALA, SÓS.
MOÇO:
Depois de todas essas comidas e bebidas, só mesmo um licorzinho.
MOÇA:
Licor pra quê?
MOÇO:
Ajuda na digestão.
MOÇA:
Ajuda na digestão? Largue de ser besta, seu palerma, você está acostumado a comer lavagem. Vocês viram? Um licorzinho! Essa é boa!
MOÇO:
Sou pobre, mas sempre tomei um licorzinho depois das refeições. E faço questão de tomar um licorzinho. (PARA O CACHORRO DA CASA.)
Eh, cachorro, traz um licorzinho. (O CACHORRO ABANA O RABO.)
Para de frescura e traz o licor, desgraçado!
MOÇA:
Não acredito no que vejo e ouço! Traz o licor, cachorrinho!
MOÇO:
Mandei trazer um licor, cão miserável, e não gosto de ser desobedecido. (PUXA UMA FACA ENORME E SAI CORRENDO ATRÁS DO CACHORRO. FORA OUVE-SE GANIDOS E GRITOS. VOLTA O MOÇO
COM A FACA CHEIA DE SANGUE.)
6
MOÇA:
Desgraçado! Matou o cachorro? Tá louco?
MOÇO:
Mandei trazer o licor, não trouxe! Não gosto que me desobedeçam!
(LIMPA A FACA COM A LÍNGUA. ENTRA UM GATO.) Gato, traz um
licor que preciso adoçar a boca!
MOÇA:
Essa não! Você tá falando com o gato?
MOÇO:
Não ouviu, gato, traz um licor! (O GATO MIA CARINHOSAMENTE.)
MOÇA:
Deixa disso, marido, gato nem sabe o que é licor!
MOÇO:
Cala a boca, mulher! Então, gato, vai trazer ou não? (O GATO MIA,
TERNO) Bichano dos infernos, vou ensinar a me obedecer! (SAI CORRENDO COM A FACA ATRÁS DO GATO. FORA, MIADOS, O DIABO.
VOLTA COM O GATO ESPETADO NA FACA.)
MOÇA:
Ai, meu gato, meu pobre gatinho!... (O MOÇO LEVANTA O GATO PELO RABO, RODA E JOGA PELA JANELA. TODO CURIOSO APARECE UM CAVALO NA JANELA.)
MOÇO:
Foi bom você aparecer, cavalo! Vai buscar um licor!
MOÇA:
Pelas almas do purgatório! Por favor, marido, cachorro e gato até vai!
Mas cavalo é caro, custa dinheiro!
MOÇO:
Tô ligando pra dinheiro? Gosto é que me obedeçam! Ele que cumpra
minhas ordens, senão morre como os outros. (O CAVALO RELINCHA.)
Vai logo, rocinante, capricha um licorzinho.
MOÇA:
(FAZ O SINAL DA CRUZ.) Santa Edwiges, Santa Mara e Santa Quitéria! Tá louco varrido!
MOÇO:
Não foi ainda, bucéfalo! (PUXA O REVOLVER E ATIRA NO CAVALO
QUE CAI DURINHO.) É pra aprender, comedor de capim!
MOÇA:
Deus, tenha piedade! Vocês viram que loucura! Mataste o cavalo, marido?
MOÇO:
Quando mando gosto de ser obedecido! (CHUTA A CADEIRA E O
QUE TIVER POR PERTO. DEPOIS OLHA A MULHER E FALA CALMAMENTE.) Mulher... traz um licor.
MOÇA:
Licor!? Claro! Por que não me pediu antes? Do quê?
MOÇO:
Qualquer um.
MOÇA:
Com gelo? (MOÇO FAZ GESTO DE IMPACIÊNCIA.) Trago um com gelo e outro sem gelo, amorzinho!
MOÇA SAI CORRENDO. MOÇO DEITA NA CADEIRA E FICA EM SILÊNCIO. O PAI
RICO FICA NA PORTA DE ENTRADA, CAUTELOSAMENTE, E OLHA.
PAI RICO:
(À PARTE.) Meu Deus! Será que tá morto?
7
A MOÇA VOLTA COM O LICOR.
MOÇA:
O licorzinho, meu marido!
PAI RICO:
(À PARTE.) Ai, Jesus, deve ser veneno!
MOÇO:
De quê?
MOÇA:
Laranja, querido!
MOÇO:
Laranja não gosto, traz outro.
MOÇA SAI CORRENDO.
PAI RICO:
(À PARTE, ESFREGANDO OS OLHOS.) Nossa Senhora dos Deserdados, o que estará acontecendo?
MOÇA VOLTA COM A BANDEJA CHEIA DE LICORES.
MOÇA:
Agora pode escolher, maridinho! Tem de jabuticaba, morango, pêssego,
maçã, uva e figo!
MOÇO:
Pode ser maçã. (MOÇA SERVE. O PAI RICO SE BELISCA.) Tira meus
sapatos e faz uma massagem nos meus dedos!
A MOÇA CORRE PARA TIRAR OS SAPATOS E FAZER A MASSAGEM. O MOÇO VÊ
O PAI RICO.
MOÇO:
Meu sogro! Não tinha visto o senhor.
PAI RICO:
(DESCONFIADO.) Cheguei agora.
MOÇO:
(PARA MOÇA.) Cumprimenta seu pai e beije a mão dele.
A MOÇA SE ENCAMINHA PARA O PAI QUE RECUA ASSUSTADO.
MOÇA:
Bença, pai. (PEGA A MÃO DO PAI PRA BEIJAR. O PAI CEDE COM O
MAIOR CUIDADO.)
MOÇO:
Como vai o senhor?
PAI RICO:
Bem... Passei apenas para cumprimentar vocês e conversar um pouco.
MOÇO:
Mulher, saia que precisamos de sossego pra conversar.
MOÇA:
Sim, meu senhor! Qualquer coisa é só chamar. (SAI.)
PAI RICO:
Mas diga, o que aconteceu?
MOÇO:
Já domei a megera.
PAI RICO:
Minha filha, mansa? Impossível.
MOÇO:
Mansa como uma ovelhinha!
PAI RICO:
Que maravilha! Como conseguiu esse milagre?
MOÇO:
Cavalo comedor, cabresto curto! Desde o início mostrei quem manda
em casa. Pedi um licor pro cachorro... Não trouxe? Levou vinte facadas.
8
Depois pedi pro gato e pro cavalo... Não trouxeram? Furei o gato... Ficou uma peneira... E atirei na orelha do cavalo! Depois de tanto sangue,
pedi um licor pra megera e foi o que o senhor viu. De hoje em diante ela
vai ser um mel e viveremos felizes para sempre.
PAI RICO:
Mas que diabo, rapaz! Por Belzebu!... Sabe que você me deu uma
grande idéia! Vou fazer o mesmo com a megera da mãe!
MOÇO:
Talvez não dê certo, meu sogro... Tem aquele ditado que diz: – “Mande
desde o começo, senão quando mandar será tarde”.
PAI RICO:
Tem um mais famoso que diz: “Antes tarde do que nunca”. Agora empreste a faca e saia, minha mulher vem aí.
A MÃE RICA ENTRA.
MÃE:
Que tá fazendo aí, palhaço, com essa faca na mão?
PAI RICO:
O que faço ou deixo de fazer não é da sua conta.
MÃE:
O quê? O que cê tá falando, velho vagabundo?
PAI RICO:
Respeito, mulher! Dobre a língua e fale manso pra não me aborrecer.
MÃE:
O velho ficou maluco! Só pancada pra consertar essa doideira!
APARECE UM GALO CANTANDO.
PAI RICO:
Antes de falar ou fazer bobagem, preste atenção no que vou fazer. Ô
galo, traz um licor.
MOÇO:
Pronto! Agora, além de bater, tem que internar no hospício!
PAI RICO:
Cale-se, mulher! Preste atenção no que vou fazer! Como é que é, galo,
vai trazer o licor ou não? (GALO CANTA.) Não obedece, galináceo?
Você vai fazer, desgraçado! (SAI CORRENDO ATRÁS DO GALO. CAI.
LEVANTA-SE. OS DOIS SOMEM NAS COXIAS.)
MÃE:
Não é possível! Ficou louco! (COMEÇA A ARREGAÇAR AS MANGAS.) Com uma boa surra, volta ao normal.
FORA SE OUVE CACAREJAR DE GALINHAS, GRITOS, ETC. A MÃE CONTINUA,
CALMAMENTE, ARREGAÇANDO AS MANGAS. VOLTA O PAI TRAZENDO O GALO
MORTO PELO PESCOÇO. ESTÁ TODO SUJO DE BOSTA DE GALINHAS, DESPENTEADO.
PAI RICO:
Veja o que acontece com quem não me obedece!
MÃE:
Velho maluco! Tarado! Matou o galo da minha filha! (TOMA O GALO
DO PAI RICO E BATE COM O MESMO NA CABEÇA DELE.) Toma,
desgraçado! Toma! Vou fazer uma canja de você, desgraçado!
9
O VELHO SAI CORRENDO E MÃE ATRÁS, BATENDO COM O GALO.
FIM
10
Download

o moço que casou com uma jararaca