Tributo à mãe solteira
O título não é enviesado ou inadequado, com a exclusão de todas as outras mães, as
quais são dignas das mesmas homenagens. A solteira aqui referida e que merece
destaque, é aquela que suportou toda a gravidez sem a presença do companheiro, teve o
filho e o ampara com cuidados redobrados, nem sempre contando com a compreensão e
colaboração dos parentes.
O Brasil já viveu um período, não muito distante, em meados do século passado, em
que o estigma de mãe solteira criava sempre uma barreira social, pois na pequenez do
pensamento reinante, a mulher nesta condição, além de quebrar uma regra
rigorosamente imposta, tinha por objetivo procurar um pai para os filhos. Daí que, em
caso de eventual namoro, a família do interessado solteiro procurava demovê-lo de
qualquer tipo de união, para não ter uma oportunidade arruinada na vida.
E, ainda em período mais remoto, na época imperial, herdou do reino português a
prática da Roda dos Enjeitados, que tinha por finalidade receber a criança abandonada
pela mãe. As Santas Casas, o primeiro registro consta de 1726, na cidade de Salvador,
responsáveis pelo acolhimento, mantinham, na entrada do prédio, um cilindro de
madeira giratório, que ostentava na parte externa uma gaveta, por onde era colocado o
recém-nascido, geralmente ali deixado durante à noite. A mãe, depois de alojar o filho,
tocava o sino para a recolha e mantinha sua identidade preservada. A prática era
costumeira entre as mulheres brancas, casadas ou solteiras, que se arriscavam em
relações amorosas, assim como pelas escravas, estupradas pelos seus senhores. O
processo, por mais estranho que possa parecer, evitava o abandono e morte de recémnascidos, dando a eles não só um abrigo como também a proteção das amas-de-leite.
Era melhor assim do que abandoná-los clandestinamente, em condições indignas e
subumanas.
Atualmente, até mesmo nos moldes da Roda dos Expostos, tramitou pela Câmara
Federal um projeto de lei a respeito dos direitos reprodutivos das mulheres, criando a
figura do parto anônimo. Garante à mulher grávida, que não deseja a criança, o
atendimento pré-natal e o parto, ambos gratuitamente. Assim, o filho será deixado no
hospital ou posto de saúde por determinado prazo, período em que poderá ser
reivindicado por ela ou por qualquer parente biológico. Findo o período, a criança será
encaminhada à adoção. A parturiente que optou pela entrega do filho será submetida a
acompanhamento psicológico, isenta de qualquer responsabilidade civil ou criminal em
relação ao filho e sua identidade. As informações a respeito de sua saúde e a do genitor,
serão mantidas e divulgadas somente por ordem judicial fundamentada.
Ainda, com o intuito de proteger a gestante solteira e que também não viva em união
estável, foi editada a Lei nº 11.804/2008, que confere direito de receber alimentos,
desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em
desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base
nos indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar,
mas em restrito núcleo cognitivo também. Os alimentos fixados permanecerão até o
nascimento com vida, quando serão convertidos em pensão alimentícia e, a partir deste
marco, poderão ser revistos por uma das partes.
A maternidade não se mede pelo estado civil e se o mundo fosse realmente sério, não
iria editar leis para ampará-la, vez que sua origem está contida na própria natureza
humana. É sim regida pelo amor, pelo afeto que transita entre mãe e filho. Tanto é que o
Estatuto da Criança e do Adolescente, em boa hora e acertadamente, é taxativo em
afirmar, em seu artigo 42, que “podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos,
independentemente de estado civil”.
A mãe solteira, erradamente desta forma adjetivada, pois em qualquer formatação é pura
e majestosamente mãe, ocupa lugar de respeito e destaque no meio social. Basta ver
que, pelas técnicas de reprodução humana, ela pode se valer do material reprodutivo
masculino, ter um filho cujo pai seja desconhecido, pelo anonimato existente no
procedimento. E, pela permissibilidade do Supremo Tribunal Federal, que conferiu
status de casada à união homoafetiva, duas mulheres que se submeteram às mesmas
técnicas, podem figurar como mães no registro de nascimento.
Assim, no quadro atual, a mãe independente, não só pela sua bravura destemida, pelo
seu arrojo incontido, pela sua extremada dedicação, totalmente divorciada da hipocrisia
do passado, vem desatando os nós do cotidiano e desbastando caminhos a serem
seguidos pelas belas almas que cultivam em seus lares, pilares que são das famílias
uniparentais. Lutam com o tempo e procuram fazê-lo seu aliado na labuta diária.
Proferem as mais otimistas frases de enlevo e incentivo que, como o sentimento que
devotam aos filhos, não tem ponto final. Enfrentam a vida com a privilegiada
maturidade conquistada já no ninho das suas entranhas, porque representam a soma e
nunca a divisão da família. Enchem o coração de júbilo, transbordando generosidade,
numa doação contínua e indizível, que supera com sobras o limite do humano.
Posicionam as balizas corretamente ajustadas às necessidades dos filhos, ofertando a
eles, mesmo no lar de parcos recursos, um oásis de paz e felicidade.
Parabéns, mesmo.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito
público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp/São José do
Rio Preto.
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