IMPACTOS DA APLICAÇÃO DO SISU NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR: UMA ANÁLISE BASEADA NOS MODELOS DE NEGÓCIOS NA ERA DIGITAL Autoria: Leandro Sumida Garcia, Douglas de Lima Feitosa RESUMO Oportunidades de negócios digitais surgem para instituições de ensino não mais apenas no processo educacional, mas também na seleção. Nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), essa situação evidenciou-se com o Sistema de Seleção Unificada (SISU), permitindo a vestibulandos brasileiros concorrer a vagas nas instituições cadastradas sem sair de sua localidade. Este trabalho verificou impactos positivos e negativos do SISU na seleção de alunos em IFES. Com o caso ilustrativo da Universidade Federal do ABC (UFABC), analisado pelos modelos de negócios na era digital, demonstrou-se que a adoção do agregador – SISU – proporcionou um aumento na procura dos cursos da UFABC. Palavras-chave: TI em IFES; Instituição de Ensino Superior; Modelos de Negócio na Era Digital; Sistema de Seleção Unificada 1 Introdução A expansão do uso de Tecnologias de Informação nos anos 1990 gerou reações tanto de organizações privadas quanto públicas, que passaram a rever a forma como poderiam tirar proveito dessas tecnologias que se tornavam mais baratas e disponíveis. Nesta mesma década, a Reforma Gerencial do Estado, descrita por Pereira (1997), foi o marco de uma posição diferenciada da gestão pública, que buscaria mais eficiência e controle de resultados. A TI, assim, seria uma ferramenta estratégica para esta nova postura. O advento da internet abriu ainda mais o leque de possibilidades de atuação das organizações por meio da Tecnologia de Informação, assim como tornou o ambiente muito mais desafiador e em constante mudança. Empresas encontram diversas oportunidades neste cenário, tanto as já existentes – procurando novos mercados – quanto outras que surgem para atender necessidades específicas do ambiente digital (Neff & Stark, 2003). Órgãos públicos passaram a ter recursos novos para atender uma quantidade maior de cidadãos, oferecendo serviços e informações confiáveis sem que o indivíduo precise se deslocar, e diminuindo a necessidade de manutenção de infraestrutura física de atendimento – ao passo em que ganha novas preocupações com segurança dos dados e disponibilidade dos serviços (Layne & Lee, 2001). Ao se observar as instituições públicas de ensino superior, nota-se que as chances de acesso à educação superior gratuita enfrentam barreiras sociais diversas – temas recorrentes de projetos governamentais que, ao menos idealmente, procuram atingir a igualdade de oportunidades (Pinto, 2004; Carvalho, 2006), uma prerrogativa do próprio serviço estatal. Considerada a distância física como um dos obstáculos à ampliação do acesso (Silva, Pinezi, & Zimerman, 2012), foi proposto pelo Ministério da Educação o Sistema de Seleção Unificada [SISU], com o intuito de eliminar a necessidade de grandes deslocamentos para que pessoas pudessem se candidatar a vagas de graduação em instituições federais de ensino superior apenas por meio da realização do Exame Nacional do Ensino Médio [Enem] (MEC, 2009). Neste sentido, a aplicação do Sistema de Seleção Unificada ao processo seletivo discente consiste em um fenômeno que gera impactos, que estão ligados às dinâmicas de relações entre governo, Instituições Federais de Ensino Superior [IFES] e candidatos. Com isso, este trabalho tem o objetivo de verificar os impactos do SISU no processo de seleção de alunos em IFES, sob a ótica dos modelos de negócios na era digital de Ticoll, Lowy e Kalakota (1998). Busca-se, assim, evidenciar fatores contextuais relacionados à aplicação do SISU, por meio de um estudo de caso, no sentido de fornecer indícios acerca do alcance do objetivo gerencial, relacionado ao aumento de alcance geográfico das IFES. Considerando as premissas acima, a contribuição obtida a partir da realização deste trabalho caracteriza-se como empírica, ao passo que aborda a aplicação da estrutura de modelos de NED para análise de um fenômeno recente e emergente, que implica em uma quebra de paradigma no processo de seleção/captação de alunos das IFES. Assim, este trabalho está dividido em seis seções, sendo a primeira esta introdução; a segunda seção apresenta o referencial teórico sobre o papel da TI nas empresas e as dimensões do seu uso; a terceira apresenta a metodologia e os procedimentos adotados nesta pesquisa; a quarta apresenta os resultados; a quinta seção traz as discussões acerca dos resultados; e a última seção engloba as conclusões do trabalho. Revisão Teórica Modelos de Negócios na Era Digital A visão dos possíveis benefícios de Tecnologia da Informação para a empresa ampliouse com o passar do tempo. Quando surgiu, como uma possibilidade de investimento para as organizações, seu papel era essencialmente o de automação de processos, ocasionando o aumento da velocidade das atividades corriqueiras e a diminuição de mão de obra, e assim, 2 gerando economia de tempo e pessoal, além de diminuir a taxa de erros. Desse modo, a utilização de TI era apenas interna, no nível da administração, sem perspectiva de aplicação estratégica (Meirelles, 2008). O barateamento, disponibilidade e facilidade do uso de Tecnologias de Informação levaram à crescente difusão de tais tecnologias, e investir apenas na automação não geraria nenhum diferencial significativo à empresa. Passou-se, assim, de uma perspectiva em que a TI deveria se adequar completamente aos processos organizacionais para a visão de que a empresa precisaria reformular seus próprios processos conforme o que as tecnologias compradas indicassem (Albertin & Albertin, 2009), acreditando que aquelas eram necessariamente as melhores práticas existentes. Atualmente, observa-se a possibilidade de uma visão integrada de tecnologia e negócio. Muitas organizações mudaram seu comportamento na tentativa de buscar o alinhamento entre TI e estratégia empresarial, em que se enxergam contribuições mútuas. A internet e seus serviços, compondo o ambiente digital para troca de informações e realização de transações (Albertin, 2000), abrem oportunidades para a melhoria do desempenho organizacional e desenvolvimento de novos mercados. O impacto do uso intensificado e planejado de TI, assim, é capaz de alavancar ou mesmo viabilizar estratégias da empresa. Deve-se notar que, para isso, autores como Nevo e Wade (2010), e Weill, Subramani e Broadbent (2002) destacam o fato de que TI, por si só, não é capaz de gerar valor para a empresa. Porter (2001) coloca o elemento “Desenvolvimento de Tecnologias” como uma atividade de apoio, que está envolvida em todo o processo de entrega de valor para o cliente, e não como uma etapa específica. O benefício efetivo para a empresa, portanto, ocorre quando a implantação dos recursos de Tecnologia de Informação é gerenciada junto aos processos, pessoas e a outros recursos envolvidos. Então, a TI torna-se estratégica para a organização quando a própria estratégia é elaborada e executada em conjunto com o planejamento da aplicação de tecnologia. Ticoll, Lowy e Kalakota (1998), ao abordar especificamente as transações pela interação de sistemas eletrônicos, propuseram quatro classificações de comunidades virtuais de negócio interconectados. A organização pode atuar em um ou mais tipos de comunidades, e seu posicionamento pode alterar o relacionamento com seus clientes e fornecedores. Mercado Aberto: Conforme demonstra a Figura 1, é um modelo auto-organizado de comercialização pela internet, caracterizado pela concorrência ampla; fornecedores e consumidores relacionam-se livremente entre si, a um custo baixo, e o poder de negociação e a competitividade aumentam devido à disponibilidade de produtos e informações a respeito destes. O desafio dos participantes do mercado aberto é conseguir destaque frente aos demais concorrentes, principalmente devido ao distanciamento gerado pela relação eletrônica. 3 Figura 1. Modelo de Mercado Aberto. Fonte: Albertin (2010) Agregador: Conforme demonstra a Figura 2, este modelo representa uma comunidade virtual em que há um intermediário entre fornecedores de produtos/serviços e consumidores. Tal intermediário deve efetivamente agregar valor notado pelas duas partes, que do contrário podem optar por se relacionar diretamente entre si. Assim, a organização que atua como agregadora precisa identificar os processos que geram benefícios tanto para o fornecedor quanto para o cliente final. Estes atores, por sua vez, ao encontrarem-se num modelo regulado, tornam-se dependentes do agregador. Eventualmente, a dependência pode afetar os custos e o alcance da atuação. Figura 2. Modelo de Agregação. Fonte: Albertin (2010) 4 Cadeia de Valor: Conforme demonstra a Figura 3, este é um modelo também regulado, em que uma organização integradora coordena vários fornecedores para entregar um produto ou serviço aos clientes finais. O integrador, assim, pode controlar os custos, diminuir restrições de recursos e aumentar a flexibilidade, mas fica dependente de bons níveis de qualidade dos demais participantes. Os produtores possuem uma figura que se responsabiliza pela garantia do mercado e de parceiros, e podem se concentrar no negócio principal. Entretanto, dependem do intermediário para a regulação do mercado, e também dos demais produtores para a entrega do produto/serviço completo. Os clientes, enquanto possuem a vantagem do custo e da flexibilidade, ficam também dependentes das determinações do integrador para preço e especificações do produto ou serviço. Figura 3. Modelo de Cadeia de Valor. Fonte: Albertin (2010) Aliança: Conforme demonstra a Figura 4, este modelo é auto-organizado e prevê que uma ou mais instituições desenvolvam e mantenham uma infraestrutura denominada “espaço de valor”, onde fornecedores e clientes possam realizar seus processos sem interferências diretas ou custos adicionais. Tal tipo de interação possui retornos indiretos e confiabilidade não garantida, pois a premissa é de que todos os agentes disponham das mesmas informações, recursos e oportunidades. Entretanto, é uma estrutura altamente flexível. 5 Figura 4. Modelo de Aliança. Fonte: Albertin (2010) A figura 5 sintetiza os principais aspectos de cada um dos modelos de negócios na era digital. Aspectos Vantagens Desafios Controle Integração valor Modelos de Negócios em NED Mercado Cadeia de Agregador Aberto Valor Tendência ao Participantes Flexibilidade; “mercado contam com diminuição de perfeito” mercado maior restrições de e mais produtos confiável; escassos redução de custos Baixa confiabilidade; necessidade de entender novas regras de mercado Autorregulado de Baixa Diminuição da Dependência liberdade de do desempenho atuação e dos elementos; decisão esforços para atração de participantes Hierárquico Hierárquico Baixa Alta Aliança As contribuições geradas para o próprio mercado ou comunidade; aumento das transações e informações Retorno não mensurável; baixa confiabilidade; possibilidade de interferência Autorregulado Alta Figura 5. Síntese das Características dos Modelos de Negócios em NED. Fonte: Baseado em Albertin (2010) Com a adoção desses modelos, progressivamente, formam-se as redes de negócio (Albertin, 2005), que aumentam os desafios do ambiente ao mesmo tempo em que permitem o 6 pleno aproveitamento dos seus benefícios. Nota-se que, conforme aumenta a complexidade dos modelos de negócios na era digital, mais crítica é a importância da informação, até o ponto em que o modelo de aliança é o principal gerador de dados a respeito de todos os atores: fornecedores, clientes e concorrentes. TI nas Instituições de Ensino Superior A maioria das pesquisas em Tecnologia de Informação para a educação superior possui como foco a sua aplicação no processo de ensino-aprendizagem em si, ou seja, a TI na condição de ferramenta de apoio ao estudante e/ou ao professor durante a transferência e retenção do conteúdo. Os trabalhos abordam desde a educação à distância, como o estudo de fatores críticos para e-learning de Bhuasiri et al (2012), até o uso de ambientes virtuais de aprendizagem no ensino presencial, tendo por exemplo a pesquisa sobre a aceitação do ambiente Moodle, de Escobar-Rodriguez e Monge-Lezano (2012), além da própria interação entre os estudantes fora do ambiente educativo mas ainda dentro do contexto da comunidade acadêmica – ver Edmunds, Thorpe e Conole (2012). A TI aplicada em atividades intermediárias nas Instituições de Ensino Superior, como periféricos de apoio às aulas e sistemas de gestão, parece encontrar mais resistência na sua implantação, sendo a adoção de inovações tecnológicas algo menos natural para professores e técnicos do que para alunos (Chang et al, 2011). A cultura organizacional de uma IES tende a ser difícil de compreender como um todo, por fragmentar-se em subculturas: departamentos, funções acadêmicas e administrativas, campos de conhecimento. Desse modo, a implantação de uma ferramenta de Tecnologia de Informação que altera consideravelmente os processos ou a lógica de negócio precisa ser acompanhada de uma forte conscientização que vise seus benefícios (Usluel, Askar & Bas, 2008; Lin & Ha, 2009; Waring & Skoumpopoulous, 2012). Um processo em que existe potencial de colaboração da Tecnologia de Informação é a influência no processo de decisão do potencial cliente, ou seja, quando o candidato seleciona a instituição em que ele pretende estudar. A disponibilidade de informações aos candidatos possui um papel que pode se tornar um diferencial considerável, principalmente em relação a candidatos de localidades mais distantes. Afinal, o cenário ideal é aquele em que a pessoa pode escolher a opção que mais se adeque às suas expectativas, de modo a diminuir as chances de evasão e melhorar o aproveitamento geral da vivência universitária (Bergamo et al, 2008). Chapman (1981) já afirmava que a localização da faculdade é um fator de baixa importância na decisão de escolha por uma instituição, e que ações que promovam a divulgação de uma universidade conseguem gerar mudança em tal decisão. Estudos com casos do Brasil (Mainardes, Alves & Domingues, 2010) e do exterior (Ford, Joseph & Joseph, 1999) corroboram a disponibilidade do candidato a se deslocar para estudar, admitindo que haja informações disponíveis a respeito da instituição. O custo, entretanto, apresenta-se como uma barreira, e a necessidade de deslocamento sem a certeza da admissão aumenta a percepção de risco do candidato (Hazelkorn, 2012). Tendo, assim, a Tecnologia de Informação como facilitadora do fluxo de informações, observa-se a possibilidade de aumentar o alcance de captação dos alunos, visto que o interesse despertado por uma ação de divulgação não será severamente prejudicado pela distância geográfica. Aumenta-se, assim, a probabilidade de aceitação do “risco” de buscar a admissão na instituição. Metodologia Este trabalho utiliza uma abordagem qualitativa que inclui a utilização de um caso ilustrativo. São usados dados quantitativos, extraídos a partir de documentos, e dados 7 qualitativos coletados por meio de entrevistas não-estruturadas em uma IFES. A coleta de dados qualitativos e quantitativos, além do uso de mais de uma ferramenta, permite uma compreensão mais ampla do cenário e do problema estudado (Eisenhardt, 1989). Foram realizadas as seguintes etapas: Pesquisa bibliográfica e documental para identificação dos indicadores relacionados ao processo de seleção de discentes, que abrange as séries anteriores e posteriores à aplicação do Sisu. Entrevistas com o gestor de Tecnologia de Informação, com representante da reitoria, e com representante da Assessoria de Comunicação e Imprensa, questionando sobre referências históricas a respeito da implantação do Sisu, benefícios observados dentro da área e da universidade, e requisitos adicionais gerados com a adesão. Levantamento das características da IFES estudada, antes e após a aplicação do SISU, a partir sob a ótica dos modelos de NED. Identificação dos modelos de NED utilizados, conforme as premissas apresentadas por Ticoll, Lowy e Kalakota (1998). A Universidade Federal do ABC foi selecionada, pois as instituições federais de ensino superior são as que proporcionalmente oferecem mais vagas pelo Sistema de Seleção Unificada (MEC, 2010). Assim, a análise desse caso permitirá inferências a respeito dos benefícios e dificuldades esperados de outras universidades e institutos federais que também tenham adotado o Sisu. Descrição do Caso A Universidade Federal do ABC [UFABC] é uma instituição federal de ensino superior criada pela lei nº 11.145/2005. Com um campus na cidade de Santo André e outro na cidade de São Bernardo do Campo (ambas na região do Grande ABC, Estado de São Paulo), a universidade surgiu com a proposta de um plano acadêmico diferenciado, em que o estudante tivesse uma formação mais completa e, ao mesmo tempo, mais independente. Possui 462 docentes, 553 funcionários técnico-administrativos, cerca de 7.200 alunos de graduação e 650 de pós-graduação. É dividida academicamente em três centros interdisciplinares: CCNH (Centro de Ciências Naturais e Humanas), CECS (Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas) e CMCC (Centro de Matemática, Computação e Cognição), em que são alocados os professores e os cursos de graduação. Os cursos de pós-graduação não são ligados a nenhum centro. Os dois órgãos deliberativos superiores da instituição são o Conselho Universitário e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. Ambos são presididos pelo reitor e possuem em sua composição, além de dirigentes de departamentos, representantes eleitos dos professores, funcionários técnico-administrativos e alunos. As diretrizes estabelecidas nesses conselhos são seguidas pelos demais órgãos – departamentos, comissões e outros conselhos – da universidade. O Núcleo de Tecnologia da Informação (NTI) é o departamento responsável pela gestão, implantação, manutenção e desenvolvimento das políticas de TI da UFABC. É um setor ligado diretamente à Reitoria, com grande autonomia administrativa e pouca autonomia financeira. Possui 58 funcionários técnico-administrativos e dois professores em cargo de chefia (o coordenador de projetos e o coordenador-geral do núcleo), sendo o quarto maior dos doze departamentos da universidade em número de funcionários. O orçamento da área, para o ano de 2012, é de aproximadamente R$8,23 milhões, o que corresponde a 5,5% do orçamento da UFABC – comparativamente, em 2011 esse percentual era de 9,66%. 8 A principal atividade do setor envolve a manutenção dos Sistemas de Informação envolvidos na prática e gestão do ensino. O Sistema de Informações para o Ensino (SIE), que suporta atividades administrativas relacionadas à matrícula e cadastro de alunos, disciplinas e lançamento de notas – usado por funcionários e dirigentes para geração de informações operacionais e tomadas de decisão; e o ambiente virtual do sistema de Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (TIDIA), que oferece estrutura para cursos presenciais e à distância, usado por professores e alunos no decorrer das disciplinas e compartilhamento de conteúdo didático. A importância da TI na instituição é reconhecida principalmente no suporte às atividades rotineiras. Seu papel estratégico sempre foi muito limitado; a demanda por informações geradas pelos sistemas é pontual, limitando-se às Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação, além de algumas divisões de departamentos específicos. A integração completa dos sistemas da universidade é algo idealizado, mas tido como prioridade baixa – o próprio corte orçamentário e repasse de menor quantidade de verba para a área de Tecnologia de Informação, em 2012, limita ainda mais as ações de crescimento. Migração dos Modelos de NED em IFES – Antes e depois do Sisu Os dois primeiros processos seletivos da UFABC (feitos em 2006, 2007 e 2008) foram realizados por uma organizadora de processos seletivos contratada para desenvolver e aplicar as provas, e fazer a classificação dos candidatos. Em 2009, o Ministério da Educação alterou o método e as regras do Exame Nacional de Ensino Médio – que até então era usado geralmente como uma nota adicional no vestibular – e disponibilizou às Instituições Públicas de Ensino Superior a opção de usar a nota do exame de quatro formas diferentes: fase única da seleção; primeira fase, seguida de etapas seguintes pela própria instituição; nota combinada ao processo seletivo da instituição; ou única fase para vagas remanescentes do vestibular (MEC, 2009). As instituições optantes pela primeira alternativa (Enem como fase única) adeririam ao Sistema de Seleção Unificada – Sisu, um sistema mantido pelo próprio Ministério da Educação que permitiria às inscrições cadastrar seus cursos, quantidades de vagas, notas de corte e informações sobre matrícula, seria usado para que os candidatos indicassem seus cursos de interesse, e faria a seleção automática de tais candidatos, além de gerenciar chamadas subsequentes. A Universidade Federal do ABC aderiu ao sistema já em 2009, junto com outras 49 universidades e instituições de ensino públicas (MEC, 2010). Segundo a reitoria da UFABC, a decisão de adotar o Sisu logo no primeiro ano ocorreu pela perspectiva de democratizar o processo seletivo: o vestibular incorre em gastos financeiros e de tempo adicionais para o candidato, que precisa pagar a taxa de inscrição (ou solicitar isenção, dependendo do caso), preparar-se especificamente para a prova e deslocar-se de sua residência para o local de prova. A proposta do MEC de modificação do formato do Enem, conforme a secretária do reitor da época, recebeu comentários favoráveis quando foi apresentada aos reitores das instituições federais de ensino superior em 2009, e a confiança na sua avaliação foi positiva para que a UFABC optasse pela adesão. Com essa adesão, a universidade não necessitou mais de contratação de empresa organizadora de vestibular, o que desonerou funcionários dos setores administrativos. Em contrapartida, houve a necessidade de treinamento no sistema para o pessoal da Pró-Reitoria de Pós-Graduação. Porém, de acordo com a responsável pela Divisão Acadêmica do departamento, o tempo investido no treinamento (que é fornecido pelo MEC) e o uso do sistema são menos trabalhosos e estressantes se comparados à necessidade, antes do Sisu, de se administrar as chamadas de candidatos quando o número de vagas não era preenchido da primeira vez. 9 A figura 1 sumariza algumas das vantagens identificadas conforme trechos das entrevistas: Vantagem identificada Departamento entrevistado Economia de Divisão de Contratos recursos e tempo Aquisições (DCA) de trabalho do Trecho da entrevista e “Antes dava trabalho fazer o processo de contratação da empresa pro vestibular, depois ainda tinha que fiscalizar contrato e fazer o repasse de verba.” Assessoria de Comunicação “A gente conseguiu manter o e Imprensa (ACI) aumento da quantidade de candidatos sem precisar de tanto esforço na divulgação.” Pró-Reitoria de Graduação “Fazer a segunda, terceira, (PROGRAD) quarta chamadas é muito mais fácil pelo sistema do que antes, em que tinha que consultar as listas de aprovados, montar e divulgar tudo no site.” Democratização da Reitoria oferta de vagas PROGRAD “Primeiro o candidato precisava pagar a nossa inscrição e, se quisesse alguma vantagem adicional, pagar o ENEM. Depois precisava arcar com os custos do transporte. Caso morasse longe, nem tentava, porque o deslocamento seria caro. Pensar em um vestibular com duas fases seria quase crueldade com o perfil de candidato que queríamos atingir – a pessoa que tinha muito potencial e não tinha tantos recursos para fazer uma faculdade. O Sisu resolveu bem alguns desses problemas.” “É até bonito ver o menino falando que tava (sic) morrendo de vontade de entrar aqui porque tinha o curso que ele queria mas não podia vir pra cá fazer a prova porque morava numa cidade lá do Ceará.” Diminuição das Núcleo de Tecnologia da “Só tivemos a demanda inicial de exigências de TI Informação (NTI) integrar nossa base à do MEC, mas depois foi bem mais tranquilo 10 que manter a base completa de candidatos inscritos, aprovados, por chamada etc.” ACI “O problema é que antes [da implantação do Sisu] na época de divulgação dos resultados o site caía porque tinha muitos acessos, daí o pessoal ficava ligando pra saber se tinha passado, o jornal e os cursinhos queriam divulgar a lista, simplesmente não dava. (...) O acesso agora é direto no site do MEC, lá quase nunca cai.” Figura 6. Evidências de vantagens da aplicação do sistema Fonte: Autores A quantidade de interessados nos cursos de graduação da universidade teve um aumento considerável no ano de adoção ao Sisu. Embora esse número não tenha se mantido no ano seguinte, a quantidade de inscritos na instituição apresenta tendência de aumento. Tabela 1: Inscritos no Bacharelado em Ciência e Tecnologia (curso de acesso) Ano 2006/2007 2007/2008 2008/2009 2009/2010 2010/2011 2011/2012 Nº de inscritos 12.508 9.202 9.463 16.253 9.384 19.651 Além do aumento do número total de candidatos, nota-se a ampliação do alcance geográfico do processo seletivo. No vestibular de 2006, 42% dos ingressantes residia na região do Grande ABC. Esse índice baixou para 31% no processo seletivo de 2009, e a pesquisa de perfil socioeconômico da UFABC (2010) demonstrou que 27% dos alunos moram na região. Silva, Pinezi e Zimerman (2012), ao estudar a progressão da inclusão social na universidade, demonstram que a porcentagem de ingressantes de outros estados aumentou de menos de 1% em 2009 para 3,1% em 2010. Assim, a maior parte dos ingressantes é oriunda do litoral ou do interior de São Paulo. Os dados podem ser vistos como positivos principalmente se for considerado que os gastos com publicidade diminuíram. Apesar de não possuir dados exatos, a Assessoria de Comunicação e Imprensa da universidade afirma que os esforços e investimentos para propaganda da UFABC a candidatos diminuíram pouco mais de 75% entre 2006 e 2010; com isso, a instituição teve a possibilidade de mudar o foco da divulgação a públicos específicos – comunidades beneficiadas por ações extensionistas, divulgação científica e eventos acadêmicos diversos. O Núcleo de Tecnologia da Informação, antes com a necessidade de oferecer manutenção frequente a um sistema próprio que gerenciava as chamadas de alunos e organizava suas informações, passou a precisar apenas oferecer suporte ao módulo que integra 11 o SIE ao Sisu, pois os dados dos candidatos (e por consequência dos futuros alunos) já são recuperados diretamente da base de dados do Ministério da Educação. Isso diminui o tempo que o ingressante perderia fornecendo várias vezes as mesmas informações para diversas bases diferentes. Considerações finais A mudança da Universidade Federal do ABC de um mercado aberto para um agregador em seus programas de graduação segue a evolução dos modelos de negócio na era digital (Albertin & Albertin, 2005). A instituição em geral torna-se muito dependente da organização agregadora – no caso, o Ministério da Educação. Isso traz riscos à imagem, por exemplo, como levantado em agências de imprensa; reportagem da Terra (2011) informa que a Universidade de São Paulo possui ressalvas em relação ao Enem, devido aos seguidos problemas apresentados desde a implantação do Sisu e que “prejudicaram a credibilidade do exame” (Terra, 2011). O número de interessados, no entanto, demonstra a princípio não ter havido prejuízos relacionados a esse aspecto. Outro aspecto da dependência é a falta de controle sobre o sistema que interage com os clientes. Algum departamento que necessitasse de determinada informação a respeito dos candidatos precisaria solicitar ao MEC uma alteração no formulário para que fosse possível captá-la no momento da inscrição, ou então deveria aguardar o fim do processo seletivo e obter os dados somente na matrícula. Sendo um dos objetivos da universidade o acesso à educação superior para a maior quantidade possível de cidadãos, a adoção do modelo agregador permitiu que a UFABC, que por enquanto possui recursos para agir apenas localmente – dentro da região do ABC e proximidades – tivesse sua publicidade aumentada. A concessão de bolsas a alunos completa as condições para que aprovados de outras regiões possam se mudar para perto da universidade. Nota-se, dessa maneira, sinergia entre a estratégia institucional e a alteração da modalidade de negócio digital. O intuito de economia de recursos públicos também é apoiado, ao passo em que os custos financeiros e de mão de obra para o processo de seleção diminuíram. Gastos com propaganda para aumentar a visibilidade, necessidade de manutenção do sistema para chamadas e dedicação de maior contingente de pessoal para a operacionalização foram cortados, e os recursos foram realocados ou então direcionados à maior qualidade dos processos de admissão e matrícula. A principal contribuição identificada foi a visualização do benefício de adotar um agente agregador para instituições de ensino – no caso, o Sistema de Seleção Unificada. Seu formato permitiu uma maior divulgação da universidade ao mesmo tempo em que diminuiu gastos e quantidade de força de trabalho. Apesar de o método de estudo de caso minimizar as possibilidades de generalização, os resultados encontrados podem ser confirmados em outras universidades e faculdades que também tenham adotado a transição abordada neste trabalho. Referências ALBERTIN, A.L. (2000) O comércio eletrônico evolui e consolida-se no mercado brasileiro. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, 40(4), 94-102. ALBERTIN, A.L., & ALBERTIN, R.M.M. (2005) Tecnologia de Informação: Desafios da Tecnologia de Informação Aplicada aos Negócios. São Paulo: Atlas. ALBERTIN, A.L., & ALBERTIN, R.M.M. (2009) Tecnologia de Informação e Desempenho Empresarial: as Dimensões de seu Uso e sua Relação com os Benefícios de Negócio. 2. ed. São Paulo: Atlas. 12 BERGAMO, F.V.M., PONCHIO, M.C., ZAMBALDI, F., GIULIANI, A.C., & SPERS, E.E. (2008) De prospect a aluno: fatores influenciadores da escolha de uma Instituição de Ensino Superior. In: Anais do III Encontro de Marketing da ANPAD, Curitiba. BHUASIRI, W., XAYMOUNGKHOUN, O., ZO, H., RHO, J.J., & CIGANEK, A.P. (2012) Critical Success factors for e-learning in developing countries: a comparative analysis between ICT experts and faculty. Computers & Education, 58(2), 843-855. CARVALHO, C.H.A. (2006) O ProUni no governo Lula e o jogo político em torno do acesso ao ensino superior. Educ. Soc., Campinas, 27(96) – Especial, 979-1000. CHANG, J.-L., LIEU, P.-T., LIANG, J.-H., LIU, H.-T., & WONG, S.-L. (2011) Factors influencing technology acceptance decisions. African Journal of Business Management, 5(7), 2901-2909. CHAPMAN, D.W. (1981) A model of student college choice. The Journal of Higher Education, 52(5), 490-505. EDMUNDS, R., THORPE, M. & CONOLE, G. (2012) Student attitudes towards and use of ICT in course study, work and social activity: a technology acceptance model approach. British Journal of Educational Technology, 43(1), 71-84. EISENHARDT, K.M. (1989) Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14(4), 532-550. ESCOBAR-RODRIGUEZ, T., & MONGE-LOZANO, P. (2012) The acceptance of Moodle technology by business administration students. Computers & Education, 58(4), 1085-1093. FORD, J.; JOSEPH, M.; JOSEPH, B. (1999) Importance-performance analysis as a strategic tool for service marketers: the case of service quality perceptions of business students in New Zealand and the USA. Journal of Services Marketing, 13(2), 171-186, 1999. HAZELKORN, E. (2012) The effects of rankings on student choices and institutional selection. In: JONGBLOED, B.W.A, & VOSSENSTEYN, H. (ed.) Access and Expansion Post-Massification: opportunities and barriers to further growth in Higher Education participation. Londres: Routledge. LAYNE, K.; & LEE, J. (2001) Developing fully functional E-government: A four stage model. Government Information Quarterly, 18(2), 122-136, mai 2001. LIN, C., & HA, L. (2009) Subcultures and use of communication information technology in Higher Education Institutions. The Journal of Higher Education, 80(5), 564-590. MAINARDES, E.W.; ALVES, H.; DOMINGUES, M.A. (2010) The attraction of students to the undergraduate course in management: multicase study on the factors attracting students in Joinville, SC. International Journal of Business Strategy, 10(1), 115-216. MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2009). Proposta à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Brasília: MEC/ACS. ______ (2010). Instituições que oferecem vagas no Sisu. Disponível em <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em mai 2012. MEIRELLES, F.S (2008). Informática: novas aplicações com microcomputadores. São Paulo: Pearson. NEFF, G.; & STARK, D. (2003) Permanently Beta: Responsive organization in the internet era. In: HOWARD, P.N.; & JONES, S. Society Online: The Internet in Context, 173-188. Thousand Oaks: Sage. NEVO, S.; & WADE, M.R. (2010) The formation and value of IT-enabled resources: antecedents and consequences of synergistic relationships. MIS Quarterly, 34(1), 163-183. PEREIRA, L.C.B. (1997) A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: MARE. PINTO, J.M.R. (2004) O acesso à educação superior no Brasil. Educ. Soc., Campinas, 25(88), 727. PORTER, M.E. (2001) Strategy and the internet. Harvard Business Review, 79(3), 63-78. 13 SILVA, S.J.; PINEZI, A.K.M.; ZIMERMAN, A. (2012) Ações afirmativas e inclusão regional: a experiência da Universidade Federal do ABC. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 93(233), 147-165, Brasília. TERRA, Portal de Notícias (2011). USP: só vamos adotar o Enem quando for seguro e consolidado. Disponível em <http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5339689EI8266,00-USP+so+vamos+adotar+o+Enem+quando+for+seguro+e+consolidado.html>. Acesso em mai 2012. TICOLL, D., LOWY, A., & KALAKOTA, R. (1998) Joined at the Bit: the emergency of the e-business community. In: TAPSCOTT, D., LOWY, A., & TICOLL, D. Blueprint to the Digital Economy: creating wealth in the era of e-business. Nova Iorque: McGraw-Hill. UFABC – Universidade Federal do ABC. (2010) Levantamento do Perfil Socioeconômico de 2010 dos alunos da UFABC. Disponível em: <http://www.ufabc.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4290:mais-deum-terco-dos-alunos-da-ufabc-e-da-capital&catid=731:noticias&Itemid=183>. Acesso em mai 2012. USLUEL, Y.K., ASKAR, P., & BAS, T. (2008) A structural equation model for ICT usage in higher education. Educational Technology & Society, 11(2), 262-273. WARING, T., & SKOUMPOPOULOU, D. (2012) Through the kaleidoscope: perspectives on cultural change within an integrated information systems environment. International Journal of Information Management, 32(6), 513-522. WEILL, P., SUBRAMANI, M., & BROADBENT, M. (Fall, 2002) Building IT Infrastructure for Strategic Agility. MIT Sloan Management Review, 57-65. 14