Revista Vila XXI - Alfabetização
Revista Vila XXI
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Alfabetização
Texto Com Sentido
Abandonar as chatas cartilhas, as famílias silábicas e enxergar o erro
como expressão do processo de aprendizagem foram as principais
inovações da Escola da Vila
Andréa Luize
Desde a implantação da Escola da Vila, uma das preocupações da equipe foi estruturar
um trabalho baseado na proposta construtivista. Tarefa árdua numa época em que a
concepção tradicional de ensino e aprendizagem era dominante! Passados esses anos,
as contribuições desta instituição aos avanços da Educação têm sido fundamentais: o
que fora considerado ousadia, hoje se mostra como um ponto
de referência para as mais diversas escolas e profissionais.
As idéias construtivistas acerca do processo de alfabetização
vêm sendo cada vez mais divulgadas: as práticas tradicionais
não mais encontram espaço onde se busca uma
alfabetização atualizada e de qualidade.
Em 1983, a partir de um primeiro contato com as idéias
apresentadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, começouse a repensar a prática cotidiana em sala de aula. Sabemos,
atualmente, que um sujeito plenamente alfabetizado é aquele
capaz de atuar com êxito nas mais diversas situações de uso
da língua escrita. Dessa maneira, não basta ter o domínio do
código alfabético - saber codificar e decodificar um texto: é
preciso conhecer a diversidade de textos que circulam
socialmente, suas funções e também os procedimentos
adequados para interpretá-los e produzi-los. O processo de
alfabetização, assim entendido, estende-se ao longo de toda
a escolaridade e tem início muito antes do ingresso da
criança na escola, em suas primeiras tentativas de compreender o universo letrado que a
rodeia. Também implica tomar como ponto de partida o texto, pois este, sim, é revestido
de função social - e não mais as palavras ou muito menos as sílabas sem sentido.
Transformações - As idéias trazidas pelas autoras citadas, entre outros pesquisadores,
indicavam como a criança aprende, como constrói seus conhecimentos sobre a língua,
mas não fornecia "modelos" de como atuar pedagogicamente para favorecer seus
avanços. Da mesma forma, não mostrava como os diferentes tipos de textos deveriam
ser trabalhados em sala de aula. Era preciso construir efetivamente intervenções
pedagógicas adequadas, consistentes e condizentes com aqueles conhecimentos
teóricos, o que só foi possível a partir de experiências, investigações e muita reflexão por
parte dos professores.
Naquele período, o processo de alfabetização na Escola da Vila tomava como base a
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idéia de palavra-chave que era utilizada como unidade lingüística. A escolha dessas
palavras não acontecia aleatoriamente, mas buscava-se um vocábulo que tivesse um
real significado para o grupo-classe, que fosse extraído de suas experiências. As
palavras apareciam na medida em que o grupo ia construindo sua história: TOMATE,
SAPO, ZEZÉ, MENUDO, PIPA, VIVEIRO. O objetivo era sistematizá-las, tornando-as
familiares ao grupo, para que as crianças pudessem, aos poucos, utilizá-las na escrita de
outras palavras: era preciso que conseguissem decompor a palavra em sílabas e
recompor essas sílabas em outras palavras: MEDO, MATE, MAPA…
É importante afirmar que a opção por essa
metodologia já se mostrava inovadora, pois
resultava na certeza de que a cartilha, e a
concepção que traz consigo, não era o
recurso mais favorável à aprendizagem da
escrita, acima de tudo por ser destituída de
qualquer significado e apresentar textos
desconexos apenas para garantir a
"memorização das famílias silábicas".
Trabalhar com esse instrumento era
acreditar que o ato de ler e escrever podia
ser aprendido mecanicamente através do
treino, da cópia repetitiva e principalmente
da memorização. Essa não era a escolha
da Escola da Vila!
Escrita espontânea - Foi através da leitura e análise do livro "Psicogênese da língua
escrita", das autoras já referidas, que algumas mudanças na prática foram sendo
estabelecidas. Em 1986, a Escola da Vila adotou a escrita espontânea, em que a criança
é solicitada a escrever antes mesmo de dominar o código alfabético. Compreendeu-se
que a criança, desde muito cedo, possui hipóteses em relação à forma como se escreve.
Colocá-las em prática, confrontando-as com as idéias dos colegas e com modelos
permite que avance até a conquista da escrita convencional.
Mesmo assim, a utilização das palavras-chaves era mantida, pois a concepção do que
torna um sujeito alfabetizado ainda era restrita. Não havia clareza sobre o que fazer
quando uma criança já estava alfabética (já lia e escrevia convencionalmente). A Escola
da Vila ainda não havia estabelecido um procedimento para dar continuidade ao trabalho
e, de fato, não se tinha idéia da amplitude do processo de alfabetização. Isso pode ser
exemplificado pela cisão existente entre o trabalho que objetivava o domínio sobre o
código alfabético e o trabalho com a produção de textos: a Escola da Vila acreditava que
o primeiro deveria anteceder o segundo; não era clara a idéia de que aconteceriam
paralelamente.
Escrita e linguagem escrita - Mais uma vez, a busca por respostas a tantas questões
esteve atrelada às reflexões do grupo de profissionais da Escola da Vila, contando com a
colaboração da pesquisadora Ana Teberosky, que realizou uma supervisão junto à
equipe, em 1986. Dentre as várias contribuições trazidas por essa autora, uma das mais
significativas foi a diferenciação entre escrita e linguagem escrita, consideradas, ambas,
parte de um mesmo processo, o processo de alfabetização.
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Para Teberosky, a escrita deve ser entendida como um sistema de notação, que no caso
da língua portuguesa é alfabético (conhecer as letras, sua organização, sinais de
pontuação, letra maiúscula, ortografia etc.). A linguagem escrita é definida como as
formas de discurso, as condições e situações de uso nas quais a escrita possa ser
utilizada (cartas, notícias, relatos científicos etc.).
Na prática, no dia-a-dia da sala de aula, tudo isso se concretizou em mudanças
gradativas nas propostas e intervenções feitas junto às crianças. Em primeiro lugar, era
preciso tomar por base o texto, e não mais as palavras-chaves, como o modelo que
permitirá à criança construir conhecimentos sobre a escrita e suas formas de
representação. O texto deveria ser o elemento fundamental para inserir a criança no
universo letrado!
Além da escrita espontânea já introduzida anteriormente, também o trabalho com
modelos, que permitem às crianças confrontarem suas hipóteses com o convencional,
passou a ser considerado. Através de listas de palavras de um mesmo campo semântico
(animais, comidas prediletas, personagens de gibi, brinquedos, jogos favoritos, nomes
das crianças do grupo etc.), das parlendas e de outros textos, as crianças podem, hoje,
ampliar suas concepções e avançar na aquisição da base alfabética, como também na
compreensão de outros aspectos aqui inerentes (a grafia correta das palavras, o uso de
sinais gráficos etc.).
Paralelamente, os diferentes tipos de textos
precisam aparecer como objetos de análise
em si mesmos, permitindo aos alunos
diferenciá-los, conhecer melhor suas
funções e características específicas. Para
que isso se efetive, não só é necessário
que saibam interpretá-los, como também
escrevê-los (o que é de fato
imprescindível!). A expressão pessoal cartas, bilhetes, diários etc. - continua
fazendo parte de nosso trabalho, mas
acompanhada, na mesma medida, da escrita de outros textos, inclusive apoiada em
modelos.
Todos esses avanços - e principalmente a concepção que temos hoje sobre a
alfabetização - permitem caracterizar o trabalho realizado na Escola da Vila por sua
qualidade. Também é importante lembrar que a preocupação com essa qualidade faz
com que os profissionais que aqui atuam estejam em constante capacitação, a fim de
aprimorar cada vez mais as intervenções pedagógicas realizadas e o atendimento às
necessidades de cada criança.
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