ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS DA CAVIDADE BUCAL DO IDOSO Carine Batista da Silva* Hugo Domingues Fagundes Neto* Ingrid de Matos Lima* Joana Luiza Lemos Ramos* Suely Maria Rodrigues** RESUMO O Brasil, assim como alguns países em desenvolvimento, está passando por um processo de transição demográfica, processo esse que tem como resultado o aumento no número da população idosa. Diante desse dado surge a necessidade de uma atenção especial a essa parcela da população, inclusive no âmbito odontológico. Este estudo teve por objetivo realizar uma revisão da literatura a respeito das alterações fisiológicas da cavidade bucal decorrentes do processo de envelhecimento humano. De acordo com a fisiologia natural do envelhecimento, o indivíduo da terceira idade apresenta algumas alterações bucais tais como diminuição do fluxo salivar, deposição de dentina, redução do volume da câmara pulpar, aumento na largura do cemento e atividade de reabsorção óssea aumentada. Palavras-chave: Odontogeriatria. Idoso. Envelhecimento da cavidade bucal. * Acadêmicos do 8º Período do Curso de Odontologia da FACS/UNIVALE ** Doutora em Saúde Coletiva e Professora do Curso de Odontologia da FACS/UNIVALE 2 INTRODUÇÃO Tornou-se indiscutível que a população brasileira vem, ao longo dos últimos 50 anos, apresentando redução de suas taxas de mortalidade e fertilidade, com o consequente aumento da esperança de vida ao nascer, que se estima que será de 75,5 anos em 2020 (FREITAS et al., 2002). Segundo Ramos et al. (1993) a elevação do nível de vida da população está relacionada com a urbanização adequada das cidades, melhoria nutricional, melhores condições de saneamento básico, maior cuidado com a higiene pessoal, maior acesso à educação, redução nas taxas de mortalidade e controle de natalidade, somado ao avanço da ciência e tecnologia aplicada na área da saúde, cujas pesquisas e resultados científicos conseguiram prolongar a esperança média de vida. O envelhecimento é um processo multifatorial, composto de aspectos genéticos e ambientais. Representa o declínio das funções orgânicas e em conseqüência disso, muitas alterações se manifestam. O desempenho do organismo diminui, progressivamente, com forma e velocidade, variáveis de órgão para órgão, e de indivíduo para indivíduo (FREEDMAN, 1976). A Organização Mundial de Saúde (OMS, 1983) caracteriza o envelhecimento como o prolongamento e término de um processo, representado por um conjunto de modificações fisiomorfas e psicológicas ininterruptas à ação do tempo sobre as pessoas. Diante desses dados surge a necessidade de uma atenção especial à população idosa, inclusive no âmbito odontológico, surgindo assim um novo segmento no ramo da odontologia, a odontogeriatria. 3 Moriguchi (1990) salientou a importância de o cirurgião-dentista conhecer as alterações biológicas no idoso, bem como, a influência negativa que causam à saúde a perda dos dentes e o uso de prótese. Em relação às alterações biológicas no idoso, sinalizou que o odontólogo deve compreender bem a fisiologia do envelhecimento e assim estará apto a manejar pacientes idosos de forma correta, saber das patologias decorrentes do envelhecimento e as patologias que comprometem o corpo envelhecido. Várias alterações fisiológicas dos elementos dentais se processam durante o envelhecimento, tais como: o desvio mesial dos dentes e alterações de cor (PINTO et al., 1982). A saliva pode sofrer mudanças na sua composição química (ASTOR et al., 1999). A mucosa bucal pode sofrer atrofia epitelial e perda de elasticidade (SHAY, 1997). Já no tecido ósseo, as mudanças freqüentes que ocorrem são: menor vascularização e redução na capacidade mitótica de cicatrização (MIGUEL, 1982). Este estudo tem por objetivo realizar uma revisão da literatura a respeito das alterações fisiológicas da cavidade bucal decorrentes do processo de envelhecimento humano. REVISÃO DA LITERATURA O envelhecimento das populações é uma conseqüência natural do desenvolvimento, sendo entendida por um conjunto de alterações morfológicas e fisiológicas que ocorrem ao longo do tempo (MARCACCINI et al., 1997). Durante o processo de envelhecimento do ser humano constatam-se grandes alterações fisiológicas e metabólicas em órgãos, paredes e tecidos, ocorrendo com isso processos clínicos muitas vezes irreversíveis (VELOSO; COSTA 2002). 4 ENVELHECIMENTO DAS ESTRUTURAS DA CAVIDADE BUCAL Estruturas dentais Várias alterações fisiológicas dos elementos dentais se processam durante o envelhecimento, tais como: o desvio mesial dos dentes provocados pela força de oclusão; as alterações de cor (os dentes se tornam mais escurecidos, com tonalidade de amarelo, castanho e cinza); atrito provocado pela mastigação ou por hábitos viciosos, como o bruxismo; superfície dental lisa e polida, devido ao atrito de alimentos e da escovação ao longo de toda a vida (PINTO et al., 1982). Um certo grau de atrição dentária ocorrerá como parte do envelhecimento, e é irreparável a perda do esmalte, uma vez que o atrito verificado nas cúspides dos dentes representa a marca do uso. A quantidade de desgaste que ocorre durante a vida varia em função do regime alimentar (dieta), bem como da força muscular empregada na mastigação, o que ocorre nas superfícies oclusais e incisais dos dentes (TOMMASI, 1989). Nos indivíduos em fase de envelhecimento ocorre atrição dentária de forma progressiva e lenta, devido ao aumento na dureza e friabilidade do órgão dental (MARQUES, 2006). A abrasão e a erosão são alterações prevalentes nos idosos. Na abrasão ocorre desgaste da substância dentária por influência mecânica; tem sua forma mais freqüente observada na altura do colo, como resultado de escovação excessivamente vigorosa, muitas vezes através de escovas de cerdas duras. A erosão resulta da exposição a ácido e atinge vários elementos dentários. E em muitos casos a dissolução é superficial. A regurgitação repetida dos sucos gástricos, causada, principalmente, pelo enfraquecimento e controle dos esfíncters em idosos, usualmente corrói as faces dos dentes anteriores e pré-molares (DUALIB et al., 1989). 5 Durante o processo de envelhecimento ocorre perda de translucência e dos detalhes das superfícies dentárias (linhas de Retzius). O esmalte dental apresenta-se mais maturado em decorrência de uma maior deposição de fluoretos em sua superfície, o que deixa este esmalte com maior resistência ao ataque de ácidos, que se por um lado o torna mais resistente ao processo de cárie, por outro, reduz a eficiência do ácido fosfórico em desmineralizar o esmalte, quando sistemas adesivos estão sendo utilizados (WERNER et al., 1998). Mudanças no complexo dentino-pulpar estão presentes durante o processo de envelhecimento. A dentina torna-se mais esclerótica e menos elástica; ocorre uma mineralização gradual, resultando em obliteração dos túbulos dentinários. Com a deposição constante de dentina secundária e reparadora, quase sempre, ocorre um escurecimento gradual da coroa dental (CASTELHANOS et al., 1993). Observa-se uma redução no número de odontoblastos, fibroblastos, vasos sanguíneos, devido a depressão das células mesenquimatosas com o envelhecimento (DOUGLAS, 1998). De acordo com Vendola e Neto (2009) a deposição fisiológica de dentina que ocorre durante todo período de vitalidade pulpar provoca a diminuição da câmara pulpar e um estreitamento dos canais radiculares. Cohen e Hargreaves (2007) apontaram que o volume do canal e da câmara é inversamente proporcional à idade: à medida que a idade avança, o diâmetro do canal diminui. Isso ocorre porque a formação de dentina, que ocorre durante toda a vida, pode resultar em obliteração quase completa da polpa e por causa da dentina reparadora resultante dos procedimentos restauradores, trauma, atrição e cárie recorrente. 6 Os canalículos dentinários sofrem alterações com a idade, pois há também uma calcificação progressiva na dentina periférica, nas junções amelodentinária e dentina-cemento, progredindo em direção à polpa e aos espaços interglobulares. Há ainda uma redução na permeabilidade dos canalículos dentinários, o que ocasiona o aumento do limiar de sensibilidade à dor, devido ao menor fluxo em seu interior (COMARK, 1999). Com o envelhecimento, a polpa dentária apresenta-se com câmara pulpar reduzida e fibrótica, e diminuição de sua celularidade. Paralelamente, ocorre redução do número e da qualidade dos vasos sangüíneos e da diminuição na atividade vascular, tornando-se mais susceptível ao dano irreversível, o que contra-indica tratamentos conservadores. Há também redução no número de fibras nervosas; logo, um alto limiar de reação à dor; esta redução faz com que haja respostas alteradas a estímulos do ambiente e testes de sensibilidade (FRARE et al., 1997; WERNER et al., 1998). Tecidos periodontais Em indivíduos idosos, a diminuição da vascularidade leva à menor capacidade de reparação e proliferação tecidual, tendo, como conseqüência, mais predisposição à gengivite e à periodontite (BERG, 1998). Ao se relacionar doença periodontal e envelhecimento, percebe-se que a resposta do hospedeiro aos microorganismos da placa é alterada com o aumento da idade. A resposta inflamatória da gengiva marginal é mais evidente, o que pode refletir em um mecanismo de defesa local, no qual o hospedeiro compensa, por uma resposta imune menos efetiva, ou, um declínio na efetividade dos leucócitos polimorfonucleares e monócitos na fagocitose (BRUNETTI et al., 1998; BRUNETTI; MONTENEGRO, 2002). 7 A estrutura do tecido gengival, clinicamente saudável, não apresenta alterações de epitélio relacionados com a idade; entretanto a submucosa revela redução de celularidade, com aumento na textura do tecido fibroso (LORANDI et al., 1990). Com o processo de envelhecimento, as gengivas também envelhecem, a capa queratinizada torna-se fina ou ausente (tendo uma aparência de cera), ocorrendo, com freqüência, feridas e enfermidades gengivais. Em lugar de uma gengiva pontilhada com aspecto de casca de laranja, encontra-se uma gengiva com aspecto liso e brilhante, com perda de seu contorno. O epitélio fino e delicado pode ser facilmente injuriado por alimentos ásperos, aparelhos protéticos e até mesmo por manobras clínicas (BIRMAN et al., 1991). Vendola e Neto (2009) afirmaram que uma quantidade maior e um grau de maturação das fibras colágenas é uma situação esperada com o avanço da idade, ou seja, isso faz com que a gengiva apresente uma coloração para rósea coral, mas sem modificações quanto ao aspecto clínico da gengiva saudável, apesar do aumento na textura do tecido fibroso decorrente da redução da celularidade da submucosa. Com o envelhecimento ocorre tanto um aumento como uma diminuição na largura do ligamento periodontal. A redução na largura pode ser creditada a uma demanda funcional menor, devido à diminuição na força da musculatura de mastigação, podendo também resultar na invasão do ligamento pela deposição contínua de osso e cemento. No entanto, o aumento na largura pode ser causado pela menor quantidade de dentes presentes para suportar toda a carga funcional (KAMEN, 1997). A quantidade de cemento está relacionada diretamente com a idade do paciente, ou seja, quanto mais idoso o indivíduo maior será sua espessura. A formação de 8 cemento ocorre nos ápices e bifurcações das raízes que são acompanhadas pela formação de osso no fundo do alvéolo e na crista alveolar (ZEGARELLI et al., 1982). Um aumento na largura do cemento é um achado comum; esse aumento pode ser de cinco a 10 vezes com aumento da idade. Esse achado não é surpreendente porque a deposição continua após a erupção. O aumento na largura é maior apicalmente e na face lingual. Apesar de o cemento ter uma capacidade limitada para remodelação, uma acumulação de sítios de reabsorção explica o achado de aumento de irregularidades de superfície (NEWMAN; MICHAEL, 2007). O cemento não sofre remodelação, mas com o avanço da idade uma aposição cementária é esperada em função das demandas funcionais (VENDOLA; NETO, 2009). No indivíduo idoso, a cementogênese é contínua e intensa, mas o cemento perde sua capacidade de renovação, tornando-se acelular. Sua espessura aumenta lenta e irregularmente, produzindo a obliteração da luz apical e redução do fluxo sanguíneo (NITZAN et al., 1986; SCOTT; BAUM, 1990; DOUGLAS, 1998). Glândulas salivares Segundo Fox et al. (1987) há uma perda da função do parênquima das glândulas salivares com o avanço da idade, contudo haveria uma “reserva funcional” em indivíduos saudáveis. Para Astor et al. (1999), a saliva pode sofrer mudanças na sua composição química com o envelhecimento, porém, em pessoas idosas saudáveis, o fluxo permanece normal. De acordo com Ettinger (1996), parece haver uma maior tendência de queixa de xerostomia em pessoas da terceira idade, porém a idade pode não ser o fator responsável. 9 Com o envelhecimento, as glândulas salivares sofrem um processo de degeneração avançada, provocando a diminuição da quantidade e viscosidade da saliva secretada, especialmente em repouso (PUCCA JR., 1995; BORAKS, 2002). As glândulas salivares nos idosos sofrem uma perda de aproximadamente 2030% em sua capacidade funcional, fazendo com que diminua a lubrificação da cavidade bucal, deixando-a mais susceptível a alterações patológicas. Uma das afecções mais comuns é a xerostomia, geralmente relacionada ao idoso. A literatura mostra que esta possui maior relação com uso de associações de medicamentos e/ou alterações sistêmicas (PEREIRA et al., 2004 citados por RODRIGUES et al., 2004). A redução no fluxo salivar em pessoas de idade avançada é resultado de alterações regressivas nas glândulas salivares, especialmente a atrofia nas células que cobrem os ductos intermediários. A função reduzida das glândulas também resulta em uma alteração na qualidade da saliva (BIRMAN et al., 1991). A saliva mostra uma redução no seu conteúdo de ptialina e um aumento de mucina, tornando-se mais viscosa e de baixa qualidade. Essa redução pode causar a deteriorização da saúde bucal e ter impacto na qualidade de vida do indivíduo. Tal mudança contribui para a formação de saburra lingüal, mau hálito, aumento da susceptibilidade a infecções na mucosa bucal (particularmente a candidíase), criando um meio favorável para o crescimento de bactérias cariogênicas, além da pouca tolerância ao uso de aparelhos protéticos (CAMPOSTRINI; ZENÓBIO, 2002). Carranza (1997) relatou que a xerostomia pode estar associada a doenças sistêmicas (Sindrome de Sjögren, diabetes e outras auto imunes) e ao efeito colateral de alguns medicamentos, já que 80% dos pacientes idosos fazem uso de alguma medicação e 90% destes fármacos podem produzir a xerostomia. Os sinais e sintomas incluem, queimação dos tecidos bucais, alterações na superfície lingual, disfagia, queilite angular, alterações do paladar, dificuldade de falar e desenvolvimento de cáries radiculares. Segundo Boraks (1998), com a diminuição salivar há uma alteração no equilíbrio bacteriano da 10 cavidade bucal devido ao aumento da quantidade de Streptococcus mutans e Lactobacillus. O envelhecimento por si só não tem um impacto clínico significativo na secreção salivar, sendo então, a causa mais comum de hipofunção salivar em idosos, a medicação usada, estando também associada à cárie e infecções fúngicas (COHEN; HARGREAVES, 2007). Entre as medicações que contribuem para a boca seca, encontram-se os antihipertensivos, os anti-depressivos, os ansiolíticos, os anti-colinérgicos, os antihistamínicos, e procedimentos específicos, como a terapia radioativa para o tratamento do câncer. Uma redução temporária da saliva pode ser causada por um estímulo de caráter emocional severo ou por bloqueio de um ducto salivar devido a um cálculo (sialolitíase) (BRUNETTI et al., 1998). Mucosa bucal Durante o envelhecimento, a mucosa bucal sofre diversas alterações. Essas alterações correspondem à atrofia epitelial, perda de elasticidade e diminuição da espessura, tanto da lâmina própria do epitélio de revestimento como da camada de queratina, o que torna a mucosa da cavidade bucal mais susceptível a lesões. Com a perda de suas propriedades elásticas, a mucosa responde a traumas protéticos e outros, com ulcerações em decorrência de menor irrigação (SHAY, 1997). Com o envelhecimento, a mucosa bucal pode se tornar atrófica e friável, com o aspecto brilhante e céreo devido a alterações metabólicas, que incluem modificações no equilíbrio hídrico e perda da característica superficial da gengiva. Clinicamente, essas alterações resultam em menor resiliência dos tecidos e redução dos capilares 11 superficiais, ocasionado pelo menor suprimento sanguíneo que retarda a micronutrição e prejudica a capacidade de regeneração tecidual (PASCHOAL; LIMA, 2005). A mucosa bucal, apesar de possuir o mesmo aspecto de normalidade de um jovem, apresenta-se menos resistente, pois é objeto de alterações inerentes ao envelhecimento assim como ocorre com os demais tecidos do organismo. Essa perda natural de sua capacidade deixa-a mais vulnerável a ferimentos (PEREIRA et al., 2004 citados por RODRIGUES et al., 2004). Em seus estudos, Birman et al. (1991) verificaram que com o processo de envelhecimento há presença de múltiplas pápulas de coloração amarelada, distribuídas na mucosa oral, predominantemente na região jugal e vermelhidão dos lábios. Estas pápulas são conhecidas como Grânulos de Fordyce, que são glândulas sebáceas localizadas ectópicamente. Para Vendola e Neto (2009) a mucosa bucal do idoso apresenta-se espessada nas regiões de epitélio queratinizado, porém reduzidas quanto a espessura da camada basal, o que gera dificuldade de renovação celular da mucosa oral. Nas áreas nãoqueratinizadas, o epitélio torna-se mais vulnerável a traumas. Afirmaram ainda que os grânulos de Fordyce ficam mais evidentes devido redução do grau de queratinização das camadas mais superficiais. Tecido ósseo As mudanças freqüentes que ocorrem no tecido ósseo com a idade são: menor vascularização e redução na capacidade mitótica de cicatrização. A atividade de reabsorção é aumentada, o grau de formação de osso é diminuído e pode resultar em 12 porosidade óssea. A densidade do osso pode aumentar ou diminuir, dependendo de sua localização no corpo e na espécie (MIGUEL, 1982). Com a idade, observa-se que a trama óssea diminui, as trabéculas tornam-se mais delgadas e aumentam as lacunas de reabsorção. As perdas das estruturas de suporte e do osso alveolar, comumente verificada no idoso, parecem estar mais associadas ao aumento da placa bacteriana e do cálculo dentário do que ao processo de envelhecimento dos tecidos (CARVALHO et al., 1998). Em decorrência do envelhecimento, o osso alveolar e o cemento sofrem alterações similares as que ocorrem em outros tecidos tais como osteoporose, diminuição da vascularização e redução da capacidade metabólica de cicatrização. A atividade de reabsorção é aumentada e o grau de formação óssea é diminuído, acarretando aumento da porosidade óssea e maior irregularidade, tanto na superfície do cemento como do osso alveolar voltado para o ligamento periodontal (MOURA et al., 2004). Segundo Cohen e Hargreaves (2007) a formação óssea e a reabsorção normal diminuem com a idade, e o envelhecimento do osso resulta numa porosidade maior e redução da mineralização do osso formado. Para Budtz-Jorgensen (1999) isso ocorre porque o hormônio da paratireóide e a vitamina D, que regulam a função dos ossos, rins e intestinos para manter a concentração normal de cálcio e fosfato do soro, tem sua ação e eficácia significadamente modificadas com a idade. Quando os dentes são removidos, os suportes alveolares se reabsorvem e o osso, obedecendo às leis mecânicas das forças diferentemente orientadas, sofrem modificações na sua arquitetura e configuração. Processa, assim, uma nova orientação do corpo mandibular, com aumento sensível do ângulo da mandíbula. Nos rebordos 13 ósseos da região correspondente aos antigos processos alveolares, podem ocorrer graus diferenciados de reabsorção, principalmente se o indivíduo é portador de próteses parciais removíveis sem grampo ou próteses totais. O grau de reabsorção está relacionado com o tempo de utilização dessas próteses (PINTO et al., 1982). De acordo com Vendola e Neto (2009) o rebordo maxilar diminui sua largura em função da reabsorção que ocorre na cortical vestibular, enquanto que o rebordo mandibular apresenta aumento de largura devido à reabsorção na cortical lingual dos dentes posteriores e na vestibular dos anteriores. Para eles, essa reabsorção alveolar acarreta perda de dimensão vertical e horizontal, com um maior raio de curvatura e maior intensidade na mandíbula em relação à maxila. A atrofia senil e a reabsorção do osso alveolar e basal são processos fisiológicos do envelhecimento. A atrofia acentuada apresenta como principal causa a perda dos dentes, pois há reabsorção do osso alveolar em resposta a pressão mastigatória exercida pela prótese total (MARQUES, 2006). DISCUSSÃO A população brasileira, ao longo dos últimos 50 anos, vem apresentando um aumento da expectativa de vida (FREITAS et al., 2002). A OMS (1983) e Marcaccini et al. (1997) conceituaram o envelhecimento como um conjunto de alterações morfológicas e fisiológicas que ocorrem ao longo do tempo. Em relação às alterações das estruturas dentais, tanto Pinto et al. (1982) quanto Tommasi (1989) e Marques (2006), observaram em seus estudos que a atrição dentária ocorre como parte do envelhecimento e é causada, em geral, segundo Pinto et al. (1982) e Tommasi (1989) pela força muscular empregada na mastigação. Dualib et al. (1989) 14 apontaram que a abrasão e a erosão são alterações prevalentes nos idosos. Provavelmente são decorrentes de força mecânica excessiva e exposição a ácidos bucais. Com o processo de envelhecimento ocorre uma diminuição do volume da câmara pulpar devido à deposição fisiológica de dentina que ocorre durante toda a vida, fato esse comprovado por Cohen e Hargreaves (2007) e Vendola e Neto (2009). Castelhanos et al. (1993) e Comark (1999) afirmaram que os canalículos dentinários também sofrem algumas alterações, como a mineralização, o que resulta na obliteração dos túbulos dentinários. Este fato, de acordo com Comark (1999), aumenta o limiar de sensibilidade à dor. Tanto Frare et al. (1997), como Werner et al. (1998) e Douglas (1998) concordaram que com o envelhecimento ocorre uma redução no número e na qualidade de vasos sanguíneos e da atividade vascular, bem como diminuição da celularidade, tornando o dente como um todo mais susceptível ao dano irreversível. Os tecidos periodontais também sofrem mudanças durante o envelhecimento. Nos estudos realizados por Berg (1998), ele comprovou que o indivíduo idoso possui menor capacidade de reparação e proliferação tecidual, tornando-o mais susceptível à gengivite e periodontite. Brunetti et al. (1998) e Brunneti e Montenegro (2002), notaram que esses indivíduos possuem uma menor efetividade das células do sistema imune. Lorandi et al. (1990) e Vendola e Neto (2009) afirmaram que ocorre aumento na textura do tecido fibroso decorrente da redução da celularidade da submucosa e que a gengiva não apresenta alterações clínicas quanto ao seu aspecto normal. Contrariamente, Birman et al. (1991) ressaltou que, clinicamente, a gengiva deixa de apresentar-se pontilhada com aspecto de casca de laranja, se tornando lisa e brilhante com perda do seu contorno. 15 Como demonstrado por Kamen (1997), durante o processo de envelhecimento pode ocorrer tanto um aumento como uma diminuição na largura do ligamento periodontal. O aumento na largura pode ser causado pela menor quantidade de dentes presentes para suportar toda a carga funcional. Alguns autores, como Zegarelli et al. (1982), Nitzan et al. (1986), Scott e Baum (1990), Douglas (1998), Newman e Michael (2007) e Vendola e Neto (2009) relataram que com o envelhecimento, há um aumento da espessura do cemento devido uma deposição contínua do mesmo ao longo da vida. No entanto, quanto a capacidade de remodelação do cemento, não há um consenso, pois Douglas (1998), Nitzan et al. (1986), Scott e Baum (1990) e Vendola e Neto (2009) observaram que o mesmo não sofre remodelação, enquanto que Newman e Michael (2007) relataram que esta capacidade existe, mas é limitada. Com a idade ocorre alteração da capacidade funcional das glândulas salivares, resultando na diminuição da secreção salivar, dado esse relatado por Fox et al. (1987), Birman et al. (1991), Pucca Junior (1995), Boraks (2002) e Pereira et al. (2004) citados por Rodrigues et al. (2004). Todavia Astor et al. (1999), Ettinger (1996) e Cohen e Hargreaves (2007), afirmaram que a idade não tem impacto e pode não ser o responsável pela hipossalivação. Carranza (1997) e Pereira et al. (2004) citados por Rodrigues et al. (2004) apontaram que a medicação usada e as doenças sistêmicas podem estar associadas com a diminuição do fluxo salivar. Para Boraks (1998), Campostrini e Zenóbio (2002) e Cohen e Hargreaves (2007) a diminuição do fluxo salivar cria um ambiente mais propício e favorável para o crescimento de bactérias cariogênicas. 16 Paschoal e Lima (2005), Pereira et al. (2004) e Vendola e Neto (2009), relataram a ocorrência da diminuição da resiliência dos tecidos da mucosa bucal, devido à alterações como perda da elasticidade, modificações do equilíbrio hídrico e diminuição de sua espessura, deixando-a mais vulnerável à traumas e lesões. Segundo Vendola e Neto (2009) e Birman et al. (1991) há uma maior evidência de grânulos de Fordyce em pacientes idosos, devido redução do grau de queratinização das camadas mais superficiais. Em relação ao tecido ósseo, Carvalho et al. (1998) afirmaram que as perdas das estruturas de suporte e do osso alveolar no paciente idoso parecem estar associadas ao aumento da placa bacteriana e do cálculo dentário do que ao processo de envelhecimento. Entretanto Miguel (1982) e Moura et al. (2004) notaram que ocorre um aumento da reabsorção e diminuição da formação óssea, resultando em aumento da porosidade óssea ao longo dos anos, e ainda afirmaram que ocorre uma diminuição da vascularização e da sua capacidade metabólica de cicatrização. CONCLUSÕES De acordo com a literatura consultada, conclui-se que: Durante o processo de envelhecimento desenvolvem-se algumas alterações fisiológicas que interferem no tratamento odontológico, dentre elas: como a diminuição da câmara pulpar; aumento na largura do cemento; diminuição do fluxo salivar; atrofia epitelial e atividade de reabsorção óssea aumentada; O cirurgião-dentista deve estar ciente das alterações fisiológicas que ocorrem na cavidade bucal durante o processo de envelhecimento, de forma a ampliar seus conhecimentos, estando mais bem preparados para o atendimento da população idosa, tanto no consultório como fazendo parte de equipes multidisciplinares. 17 ABSTRACT PHYSIOLOGICAL CHANGES OF THE ORAL CAVITY OF ELDERLY Brazil, as well as some developing countries, has been undergoing a demographic transition process, which has resulted an increase in elderly population. Therefore, emerges a need for special attention to this segment of the population, including the dentistry scope. This study aimed to conduct a literature review regarding the physiological changes of the oral cavity resulted from the aging process human. According to the natural physiology of aging, elderly patients present some oral changes, such as a decrease in salivary flow, deposition of dentin, reduction in the volume of pulp chambers, increase in the width of the cementum and increase in bone resorption activity. Key-Words: Geriatric dentistry. Elderly. Aging of the oral cavity. REFERÊNCIAS ASTOR, F. C. et al. Xerostomia: a prevalent condition in the elderly. Ear Nose Throat, v. 78, n. 7, p. 476-479, jul. 1999. BERG, R. Odontologia y pacientes de edad avanzada. Quintessence. 1998, v. 11, n. 8, p. 525-541. BIRMAN, E. G. et al. A study of oral mucosal lesions in Geriatric Patients. Rev. Fac. Odontol. F.Z.L, v. 3, n. 1, p. 17-25, jan./jun. 1991. BORAKS, S. Atendimento ao idoso. 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