A Adaptação de Expatriados Organizacionais e Voluntários no Brasil
Autoria: Bruno Felix von Borell de Araujo, Poliano Bastos da Cruz, Elise Malini
RESUMO
O objetivo deste estudo foi o de compreender possíveis diferenças na adaptação de dois tipos
de expatriados no Brasil: organizacionais (EOs) e voluntários (EVs). O estudo contribui para
a literatura sobre Negócios Internacionais ao oferecer uma atualização a respeito da adaptação
de estrangeiros nesta cultura e adicionar conhecimentos a respeito das distinções no ajuste de
EOs e EVs no Brasil. O estudo, de cunho exploratório e qualitativo, foi realizado por meio de
entrevistas semiestruturadas com 20 EOs e 24 EVs com perfil profissional executivo e que
residiram no Brasil por pelo menos dois anos. As três facetas da adaptação transcultural
sugeridas por Black et al (1991) foram empregadas como norteadoras das entrevistas e
categorias de análise. São elas: adaptação geral (clima, alimentação, compras e habilitação),
adaptação ao trabalho (expectativas, padrões de desempenho e valores relativos ao trabalho
dos locais) e adaptação à interação (diferenças de comunicação e estilos interpessoais usados
na cultura de destino). Os resultados sugerem que os EOs, por contarem com maior apoio
organizacional, conseguem superar mais facilmente a estrutura burocrática brasileira em seu
processo de adaptação geral. Por outro lado, os EVs se sentem mais confortáveis nos
dimensões de adaptação quanto ao trabalho e à interação com locais. O formalismo no Brasil
foi identificado como um desafio para a adaptação geral de EOs e EVs, uma vez que o país se
apresenta como burocrático e complexo em processos do cotidiano. Enquanto as empresas
que possuem EOs no Brasil utilizam sua influência para facilitar processos como obtenção de
visto, locação de imóvel e obtenção de carteira de motorista, EVs demoram mais para se
adaptar em termos gerais e, quando o fazem, aprendem estratégias de navegação social com
locais, como o jeitinho brasileiro. Os dados sugerem também que EOs latino-americanos têm
sua adaptação geral dificultada pelo insuficiente suporte oferecido pela empresa em que
trabalham. Na categoria de adaptação quanto ao trabalho, foram identificadas novas distinções
entre esses dois tipos de expatriados. O EO, que cumpre designações estrangeiras e costuma
impor uma cultura de trabalho alinhada aos valores do país e da organização de origem,
difere-se do EV, que cumpre orientações de gestores brasileiros e procura liderar conciliando
práticas competitivas internacionais com características da cultura local. Por último, na
dimensão da adaptação quanto à interação, os dados indicam que EOs interagem socialmente
em um ciclo de lugares e com um grupo de pessoas limitados - geralmente outros expatriados
- enquanto EVs possuem círculos sociais compostos predominantemente por brasileiros.
Dentre os EOs latino-americanos, percebeu-se uma tendência a evitar contatos sociais com
locais, com receio de perder status diante de outros expatriados. Para as empresas,
recomenda-se o desenvolvimento de técnicas de recrutamento e seleção de EVs no Brasil em
razão do baixo custo envolvido na sua contratação. Sugere-se também que as empresas que
possuem EOs latino-americanos designados para atuação no Brasil atentem para a
necessidade de melhor apoiá-los em sua adaptação geral.
1 INTRODUÇÃO
Os tempos atuais têm sido o cenário de uma transformação no perfil da demografia
global. A multinacionalização das atividades de negócio por diferentes regiões do mundo
produziu uma onda migratória na América do Norte, Europa e, mais recentemente, em
mercados emergentes, inclusive o Brasil (Tanure, Barcellos & Cyrino, 2006).
Em um ambiente de forte competição entre empresas globalizadas, tornou-se cada vez
mais atrativo para as organizações contratar talentos internacionais. Em busca de profissionais
com habilidades e técnicas gerenciais escassas, líderes que desenvolvam expertise de
gerenciamento, transferência de tecnologia e lançamento de novos projetos (Brookfield
Global Recolocation Services, 2010), diversas organizações têm competido globalmente pela
atração e retenção de profissionais talentosos de diferentes países e culturas.
Uma estratégia comum para desenvolver competências estratégicas globais é a
expatriação de executivos, ou seja, o envio de um profissional para uma posto remoto em
outro país por um período que varia entre 6 meses a 5 anos (Pertokorpi & Froese, 2009).
Segundo Strack et al. (2007), esta se tornou uma prática comum e crescente no mundo
corporativo. Apesar da redução no número de expatriados no mundo em 2010, provavelmente
devido ao cenário de recessão em que se encontravam diversas economias mundiais, nos
últimos anos a tendência geral foi de crescimento (Organisation for Economic Co-operation
and Development [OECD], 2007; Brookfield Global Recolocation Services, 2010).
Na academia tem sido comum o desenvolvimento de pesquisas a respeito das
motivações das empresas e executivos nos projetos de expatriação (Miller & Cheng, 1978), de
treinamento (Black & Mendenhall, 1990; Black, Mendenhall & Oddou, 1991) e sobre a
adaptação dos expatriados (Black, 1988; Chen & Chiu, 2009; Ramalu, Rose, Kumar & Uli,
2010) e da sua família (Selmer, 2005; Andreason, 2008; Takeuchi, Lepak, Marinova & Yun,
2007), assim como investigações sobre as especificidades da expatriação feminina (Tharenou,
2010; Insch, 2008; Selmer & Leung, 2007) e o processo de repatriação desses profissionais
(Begley, Collings & Sculling, 2008).
Entretanto, como ressaltam Inkson, Arthur, Pringle and Barry (1997), grande parte dos
expatriados no mundo não são enviados por empresas, mas decidiram migrar por iniciativa
própria. Para Jokinen, Brewster and Suutari (2008), a expatriação voluntária representa uma
vasta oportunidade para que organizações encontrem talentos com o perfil global desejado
dimuindo consideravelmente os custos e riscos de adaptação de uma expatriação
organizacional. Pires, Stanton and Ostenfeld (2006) sustentam que a migração global
aumentou a diversidade em vários países e criou uma rede de contatos que facilitam novas
chegadas. Apesar disso, a literatura sobre expatriação frequentemente trata os expatriados
como um grupo homogêneo, falhando ao reconhecer as idiossincrasias dos executivos que
cumprem designações organizacionais e daqueles que decidiram, por si, viver em outro país.
Diante desse contexto, diversos autores têm reconhecido a importância de que novos
estudos sejam realizados, considerando a distinção entre expatriados organizacionais e
voluntários (Suutari & Brewster, 2000; Vance, 2005). Os estudos de Inkson et al. (1997),
Suutari and Brewster (2000), Inkson and Myers (2003), Lee (2005), Myers and Pringle (2005)
e, mais recentemente, de Jokinen et al. (2008), Fitzgerald and Howe-Walsh (2008), HoweWalsh and Schyns (2010), Selmer and Lauring (2010) e Peltokorpi and Froese (2009)
contribuem para a compreensão das diferenças entre os tipos de expatriação e revelam os EVs
como um grupo pouco lembrado na academia e no mercado. Se no mundo nota-se uma
escassez de estudos sobre EVs, no Brasil o desconhecimento é ainda maior. Não foi
identificado nenhum estudo brasileiro que tivesse como objeto tal sub-grupo.
2 Diante de tal contexto, o presente artigo foi escrito com o objetivo de compreender
possíveis diferenças na adaptação de expatriados organizacionais e voluntários no Brasil. Sua
originalidade reside na aplicação inédita no Brasil de uma nova perspectiva para o estudo da
expatriação. O artigo contribui para a literatura sobre Negócios Internacionais de duas formas.
Primeiro, oferece uma atualização a respeito da adaptação de estrangeiros neste país. Além
disso, também representa um avanço neste campo de estudos ao adicionar conhecimentos para
a academia e para o mercado a respeito das distinções na adaptação de expatriados
organizacionais e voluntários na cultura brasileira.
Este artigo se divide em algumas etapas. Inicialmente, realizou-se uma revisão a
respeito da Adaptação Transcultural em termos gerais e no Brasil e apresentaram-se as
distinções entre EOs e EVs. Em seguida, foi descrita a metodologia que orientou o estudo e os
resultados foram apresentados e discutidos. O estudo encerra-se com a apresentação de
sugestões práticas e acadêmicas e das limitações da pesquisa.
REFERENCIAL TEÓRICO
Adaptação Transcultural de Expatriados
Para Takeuchi, Marinova, Lepak and Liu (2005, p. 129), a Adaptação Transcultural de
Expatriados pode ser definida como o "grau do conforto psicológico em relação a uma
variedade de aspectos em um novo ambiente". Já Black (1988) afirma que se refere ao grau
em que os expatriados se sentem psicologicamente confortáveis e familiares com aspectos do
ambiente externo. Lee and Van Vorst (2010, p. 630), por sua vez, afirmam que se trata do
"grau de facilidade ou dificuldade que os expatriados possuem com relação a diferentes
assuntos ligados à vida e ao trabalho no exterior".
Todas essas definições parecem apontar para o fato de que o ingresso em uma cultura
desconhecida tende a gerar um desconforto psicológico no recém-chegado. Investir na
adaptação é de extrema importância pelo fato de que essa sensação de desajuste pode
comprometer o desempenho profissional do expatriado (Church, 1982). Para Peltokorpi and
Froese (2009), a adaptação transcultural envolve redução de incertezas e algumas formas de
mudanças para que os estrangeiros comecem a se sentir mais confortáveis com as novas
culturas e viver em maior harmonia nelas.
Pesquisas que mensuraram o grau de adaptação de expatriados apontam para a ideia de
que esse processo ocorre em quatro etapas comumente conhecidas como "Curva-U" (p.e., Abe
& Wiseman, 1983; Black, 1988; Pires, Stanton & Ostenfeld, 2006). Segundo Black (1988), a
primeira fase ocorre logo após a chegada no exterior, quando o estrangeiro está fascinado e
em "lua de mel" com a nova cultura e ainda não vivenciou situações que lhe oferecessem uma
percepção negativa do país. Em seguida, o expatriado se depara com situações do cotidiano
em que percebe que seus hábitos não são congruentes com o ambiente em que se encontra.
Nesta fase, é natural que haja um sentimento de rejeição ao país de destino e seu povo.
Black (1988) descreve que esta situação se torna mais confortável quando o expatriado
entra na terceira etapa, ocasião em que começa a dominar melhor o idioma, os meios de
locomoção pela cidade e a aprender novos comportamentos mais apropriados à realidade
local. O processo de adaptação se completa no quarto e último estágio, quando a pessoa
conhece e consegue desempenhar os comportamentos esperados a tal ponto que lhe permite
amenizar a tensão e ansiedades anteriormente presentes devido às diferenças culturais.
Diversos fatores podem facilitar o processo de adaptação aqui discutido. Dentre as
características do próprio expatriado, pode-se destacar a sua personalidade (Kim & Slocum,
2008; Shaffer, Harrison, Gregersen, Black & Ferzandi, 2006; Ayree & Chen, 2006), seus
valores, como o de abertura a novas experiências (Church, 1982; Peltokorpi & Froese, 2009) e
3 sua habilidade para aprender novas culturas, chamada por Kumar, Rose and Subramaniam
(2008) de Inteligência Cultural. Já a organização pode cooperar desenhando contratos
psicológicos que eliminam barreiras psicológicas prévias (Chen & Chiu, 2009), provendo
treinamentos sobre competências técnicas (Shaffer et al, 2006) e sociais (Pires et al.,2006) que
levem em consideração as particularidades do país de destino (Tanure et al, 2006) e do perfil
da organização (Selmer & Fenner, 2008) e oferecendo apoio nas áreas relacionadas ao
trabalho, como moradia e colocação profissional do cônjuge, quando desejado (Chen & Chiu,
2009). O apoio da família (Van der Bank & Rothmann, 2006) e o perfil do país de destino
(Lee & Van Vorst, 2010) também podem influenciar a adaptação dos expatriados.
Caso o processo de adaptação seja mal sucedido, os expatriados podem sentir-se
frustrados a ponto de pensar que as pessoas do país de destino estão criando dificuldades ao
seu trabalho (Richards, 1996). O desconforto pode trazer quedas no desempenho e
insatisfação quanto ao trabalho (Shay & Baack, 2006). Nos casos mais extremos, o expatriado
pode retornar prematuramente ou ser desligado da empresa (Ramalu et al., 2010).
Dentre as diversas abordagens para o estudo do ajuste transcultural de expatriados
destaca-se a proposta de Black et al (1991). Para estes autores, a adaptação pode ser analisada
sob três facetas: geral (satisfação psicológica, clima, alimentação, compras e habilitação),
adaptação ao trabalho (adequação às expectativas, padrões de desempenho e valores relativos
ao trabalho dos locais) e adaptação à interação (conforto psicológico relacionado às diferenças
de comunicação e estilos interpessoais usados na cultura de destino). Estas facetas têm sido
empregadas como categorias de análise de alguns estudos sobre adaptação cultural de
expatriados (p.e., Searle & Ward, 1990; Bashkar-Shrinivas, Harrison, Shaffer & Luk, 2005;
Peltokorpi & Froese, 2009), inclusive no Brasil (Gonçalves & Miura, 2002). Estas categorias
representam tanto os aspectos da adaptação dos expatriados que são relacionadas ao trabalho,
como aqueles que não o são.
Adaptação Transcultural no Brasil
Segundo o Brookfield Global Recolocation Services (2010), o Brasil foi classificado
por gestores de todo o mundo em 9º lugar no ranking de destinos emergentes para
expatriações. Na pesquisa do ano anterior, o país havia ocupado a 7º posição. Este mesmo
órgão identificou o Brasil como o 6º destino com os maiores desafios para o processo de
expatriação. Esta combinação de alta procura e complexidade como destino para designações
internacionais configura uma demanda por pesquisas a respeito da adaptação de estrangeiros
no Brasil. Entretanto, poucos têm sido os estudos dedicados a gerar conhecimento sobre as
peculiaridades do contexto brasileiro para o recebimento de estrangeiros executivos. Alguns
exemplos são as pesquisas de Gonçalves e Miura (2002) e Guiguet e Silva (2003). Há ainda
outros que têm analisado a adaptação de brasileiros no exterior (Tanure, Barcellos & Fleury,
2009; Homem, 2005) e alguns ensaios teóricos (Pereira, Pimentel & Kato, 2005; Homem &
Dellagnelo, 2006). Estes últimos, todavia, discutem aspectos gerais deste campo da literatura
e não objetivam se aprofundar nas especificidades do Brasil enquanto país de destino.
Gonçalves e Miura (2002) defendem que os expatriados entrevistados em sua pesquisa
enfrentaram maiores dificuldades de ajuste nas dimensões de adaptação geral e relacionada ao
trabalho, enquanto a adaptação quanto à interação com os locais foi menos problemática.
Guiguet e Silva (2003) identificaram que a personalidade do expatriado e o apoio de sua
família possuem papel fundamental na adaptação do estrangeiro.
Esses estudos adicionaram à literatura informações úteis a respeito da adaptação de
expatriados no Brasil. Entretanto, percebe-se que uma lacuna no que diz respeito à
compreensão das particularidades da adaptação de expatriados voluntários se faz presente. No
4 estudo de Gonçalves e Miura (2002), quatro expatriados organizacionais foram entrevistados.
Já no artigo de Guiguet e Silva (2003), foram entrevistados 12 EOs da empresa PSA Peugeot
Citröen, sendo 6 deles com expatriação no Brasil. Mais recentemente, o estudo de Tanure et
al. (2009) que, dentre outros aspectos, analisava brasileiros no exterior, foi realizado com a
participação de EOs de 12 empresas. Homem (2005) também direcionou seu foco para
executivos com designações de empresas no exterior.
Diversos estudos têm sido realizados sobre a cultura nacional brasileira, quase sempre
destacando traços culturais predominantes e sua influência na gestão empresarial brasileira
(p.e.; Chu & Wood, 2008; Motta, Alcadipani & Bresler, 2001). Personalismo, formalismo,
malandragem, hierarquia, sensualismo, estilo aventureiro, "jeitinho brasileiro", distância de
poder, plasticidade e não valorização do trabalho manual são algumas das características
comumente apontadas. Estes estudos revelam traços culturais que podem ser úteis para
caracterizar o contexto brasileiro enquanto ambiente hospedeiro de executivos.
Expatriados Organizacionais e Voluntários
Apesar da literatura sobre expatriação frequentemente tratar EOs e EVs como um
grupo homogêneo, alguns autores têm identificado a necessidade de distingui-los
conceitualmente, devido às suas relevantes especificidades. Enquanto EOs são amiúde
entendidos como profissionais enviados por multinacionais ao exterior para ocupar um cargo
específico ou trabalhar pelo alcance de uma meta (Peltokorpi & Froese, 2009), Lee (2005, p.
173) define EVs como "qualquer pessoa que é admitida sob bases contratuais no exterior, e
não transferida por uma organização". EOs se motivam pela expatriação por questões
financeiras e como estratégia de carreira e possuem um prazo definido de permanência no
exterior (Miller & Cheng, 1978), diferentemente dos EVs, que estão frequentemente em busca
de autodesenvolvimento e do cumprimeiro de uma agenda pessoal e não costumam ter prazo
para retornar ao país de origem (Howe-Walsh & Schyns, 2010; Peltokorpi & Froese, 2009;
Tharenou, 2003). EOs geralmente recebem da empresa o direito a treinamento de idioma e
cultural, apoio financeiro e suporte em aspectos não relacionados ao trabalho, como moradia,
educação para os filhos (Brookfield Global Recolocation Services, 2010), enquanto EVs
devem prover esses elementos por conta própria. Apesar disso, EVs tendem a apresentar
maior interação social com os locais (Peltokorpi, 2007).
Ariss (2010) defende a necessidade da distinção entre os termos "imigrante" e
"expatriado voluntário", uma vez que o primeiro é frequentemente visto como um produto
social indesejável que perturba a ordem social e, portanto, não despertaria o interesse das
organizações no país de destino. Para ele, o EV possui um maior status social no país de
destino que o imigrante e, por isso, o autor argumenta que o conceito de EV se diferencia do
de imigrante. Diante disto, Ariss (2010) defende que um expatriado voluntário deve,
necessariamente, ser proveniente de um país desenvolvido. Diversos autores têm se alinhado
mais ao pensamento de Lee (2005) e têm classificado igualmente pessoas provenientes de
países desenvolvidos e em desenvolvimento como EVs. Neste artigo, adota-se o entendimento
de que é a qualificação para atuação em posições gerenciais, e não o grau de desenvolvimento
econômico do país de origem em relação ao de destino, que diferencia um EV de um
imigrante. Se a qualificação para que um indivíduo seja considerado hábil para cumprir uma
designação como EO não leva em consideração o desenvolvimento do seu país de origem,
mas sua qualificação gerencial e transcultural (Jokinen et al., 2008), entende-se aqui que seria
lógico aplicar o mesmo critério ao conceito de EV. Sendo assim, assume-se neste estudo o
entendimento de que expatriados voluntários são pessoas de qualificação gerencial que tomam
a iniciativa de migrar para outro país com intenção de desempenhar atividades profissionais.
5 Os EVs também podem ser classificados em subgrupos. Suutari and Brewster (2000)
identificaram seis tipos de EVs: jovens oportunistas (pouca qualificação profissional e buscam
aprender línguas e obter vivência profissional e cultural internacional), caçadores de
empregos (insatisfeitos com a oferta de empregos na sua cidade de origem), oficiais (pessoas
que solicitaram uma expatriação a uma multinacional), profissionais localizados (decidiram
permanecer fora do país durante um longo período, após um período como Expatriado
Organizacional), especialistas ou "mercenários" (garimpam pelo mundo experiências
internacionais com boas recompensas financeiras e de carreira) e casais de carreira dupla
(pessoas acompanhando o cônjuge em expatriação internacional e que buscam dar sequência à
sua própria carrreira). O critério adotado neste artigo para a classificação de um estrangeiro
como expatriado voluntário - possuir perfil gerencial - desconsideraria apenas jovens
oportunistas como EVs. Todos os demais tipos identificados por Suutari and Brewster (2000)
foram considerados nesta pesquisa como expatriados voluntários.
Apesar de a maior parte dos expatriados no mundo serem voluntários (Selmer &
Lauring, 2010) e destes representarem uma opção vantajosa para a obtenção de talentos
globais (Myers & Pringle, 2005), estudos que focam esse grupo ainda são escassos no mundo
e, segundo o levantamento realizado nesta revisão da literatura, ainda inexistentes no Brasil.
Jokinen et al. (2008), em um estudo com 200 expatriados finlandeses, identificaram que EVs
tendem a trabalhar em níveis hierárquicos inferiores em relação aos EO e que isso afeta o seu
potencial de carreira. Fitzgerald and Howe-Walsh (2008) realizaram uma análise
interpretativa fenomenológica de 10 entrevistas conduzidas com mulheres EVs nas Ilhas
Caimã e sugeriram que a identidade de expatriadas, e não o gênero feminino em si, como
razão para discriminação no mercado de trabalho. A dimensão de gênero também foi
explorada por Tharenou (2010) que, em uma revisão da literatura, destacou os aspectos éticos
envolvidos na experiência internacional de mulheres EVs. Discordando dos achados de
Fitzgerald and Howe-Walsh (2008), Tharenou (2010) argumenta que mulheres que vão ao
exterior para dar prosseguimento a uma carreira executiva encontram discriminação de
gênero, o que se reflete em menores salários e diferentes critérios de promoção. Já Peltokorpi
and Froese (2009) buscaram comparar o processo de adaptação de EOs e EVs no Japão e
identificaram que os EVs se adaptaram de forma mais satisfatória nas dimensões de adaptação
geral e relativa às interações com locais (Black et al, 1991). Essa pesquisa foi de cunho
quantitativo e contou com a participação de 124 EVs e 55 EOs.
Em 2010, novos estudos foram realizados sobre o tema. Howe-Walsh and Schyns
(2010) apontam sugestões práticas para a Gestão de Recursos Humanos no sentido de facilitar
a seleção e adaptação de EVs. Mo and Jian-Ming (2010) afirmam que EVs e EOs possuem
diferentes motivações, salários, competências profissionais e se encontram em distintos
estágios de carreira. Selmer and Lauring (2010), em uma pesquisa realizada com 428 EVs de
meio acadêmico, concluem que algumas motivações para a expatriação diferem segundo a
idade e o gênero do expatriado. Por último, Tharenou and Caufield (2010), investigaram as
razões para a repatriação de 546 EVs australianos e concluíram que deficiências na adaptação
e a ocorrência de eventos isolados frustrantes no país de destino, assim como a facilidade para
retornar ao país natal, contribuem para a decisão de retornar ao país de origem.
Conforme salientado por Peltokorpi and Froese (2009), estudar as diferenças de
adaptação entre EVs e EOs é de suma importância para a pesquisa sobre expatriação e para a
compreensão de distintas culturas como ambientes hospedeiros. Assim, esta pesquisa traz
avanços ao campo de pesquisa sobre EVs e adaptação transcultural ao analisar as diferenças
de adaptação entre dois tipos de expatriados em uma cultura hospedeira emergente como
destino para expatriação.
6 METODOLOGIA
Devido à escassez de literatura sobre expatriação voluntária, optou-se por uma
abordagem exploratória e qualitativa. Com base na orientação de Poirier, Clapier-Valladon et
Raubaut (1983) de que, de forma geral, um total de 20 a 30 entrevistados permite o alcance da
saturação de dados em pesquisas qualitativas, esta foi a meta adotada para a obtenção da
amostra. Assim, foram entrevistados 20 EOs e 24 EVs com perfil profissional executivo e que
residem ou residiram no Brasil por pelo menos dois anos. Esse critério de um prazo mínimo
de vivência no país foi adotado para que as inferências a respeito da adaptação de EOs e EVs
não sejam decorrentes de diferenças na etapa de adaptação (Black, 1988; Pires et al., 2006)
em que os sujeitos de ambos os grupos se encontram.
Os primeiros sujeitos da pesquisa foram identificados por meio de contatos em blogs e
redes sociais disponíveis na internet sobre expatriados no Brasil. Convites para a pesquisa
foram enviados para os e-mails pessoais disponibilizados pelos próprios executivos nessas
redes sociais. De um total de 183 e-mails enviados, 32 expatriados retornaram a mensagem e
aceitaram realizar a entrevista. Destes, 15 (9 EOs e 6 EVs) foram efetivamente entrevistados.
Em seguida, empregou-se a técnica de amostragem bola-de-neve (Heckathorn, 1997).
Solicitou-se aos já entrevistados que indicassem outros expatriados, criando-se ondas
sucessivas de obtenção de informação. Este processo permitiu a realização de 44 entrevistas
entre junho de 2010 a fevereiro de 2011, com uma duração média de 30 minutos. A tabela 1
sintetiza o perfil desses expatriados segundo a nacionalidade, sexo e idade.
Tabela 1:
Participantes da pesquisa
Expatriados Organizacionais
Código Nacionalidade Sexo
EO1
EUA
M
EO2
EUA
M
EO3
EUA
F
EO4
EUA
M
EO5
EUA
M
EO6
EUA
M
EO7
EUA
F
EO8
EUA
M
EO9
EUA
M
EO10
França
M
EO11
França
M
EO12
Alemanha
M
EO13
Reino Unido
M
EO14
Japão
M
EO15
Espanha
M
EO16
Portugal
M
EO17
México
M
EO18
Argentina
M
EO19
Colômbia
M
EO20
Uruguai
M
Idade
36
38
45
43
28
43
49
34
38
46
49
42
35
43
47
38
48
50
57
40
* Casadas com expatriados organizacionais
*Casados (as) com brasileiros (as)
Expatriados Voluntários
Código
Nacionalidade Sexo
EV1
EUA
M
EV2*
EUA
F
EV3
EUA
M
EV4
Espanha
M
EV5*
Espanha
F
EV6
Espanha
M
EV7
França
M
EV8**
França
M
EV9
Reino Unido
M
EV10** Reino Unido
M
EV11
Portugal
F
EV12
Portugal
M
EV13
Itália
M
EV14
Itália
M
EV15** Canadá
M
EV16** Suíca
M
EV17*
Japão
F
EV18** México
F
EV19
México
M
EV20*
Argentina
F
EV21
Argentina
M
EV22
Chile
F
EV23** Uruguai
M
EV24** Venezuela
M
Idade
38
38
29
30
35
38
28
40
31
44
48
39
33
35
48
41
38
42
30
37
46
46
36
52
Nota. Fonte: Dados da pesquisa
7 As entrevistas foram realizadas por meio de um roteiro semiestruturado. As questões
foram baseadas no modelo de adaptação transcultural de Black et al (1991) e foram
analisadas por meio de análise categorial temática (Bardin, 1977).
Inicialmente, as notas tomadas durante as entrevistas dos EOs e EVs foram
classificadas separadamente segundo as facetas da adaptação transcultural propostas por
Black et al. (1991). Desta forma, a primeira etapa da análise constituiu-se na identificação dos
trechos das entrevistas segundo os critérios de tipo de expatriação (organizacional ou
voluntária) e aspectos da adaptação (geral, relativa ao trabalho e relativa à interação). Em
seguida, os trechos classificados nestas categorias de análise resultantes foram codificados
segundo a interpretação de suas significações. Os temas com significados semelhantes e que
se referiam a mesmo conceito foram reunidos sob o mesmo código. Na apresentação e análise
dos resultados, foram citadas algumas evidências empíricas que originaram tais códigos que,
por sua vez, foram apresentados na forma de proposições. A discussão a respeito das
possíveis diferenças na adaptação transcultural de executivos organizacionais e voluntários no
Brasil foi organizada a partir desta sistematização dos dados em função das proposições
encontradas. É importante ressaltar que, em razão da natureza qualitativa do estudo, não se
pretende generalizar os resultados aqui apresentados para toda a população de interesse do
estudo. Todas as proposições apresentadas se referem aos sujeitos participantes da pesquisa.
ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como ponto de partida, os expatriados foram questionados a respeito do seu processo
de adaptação geral. As questões buscaram abordar como o expatriado percebeu a influência
do clima, alimentação, compras, habilitação, obtenção de visto e outros aspectos similares no
seu conforto psicológico no Brasil.
Adaptação Geral
O Brasil é frequentemente apontado na literatura como uma cultura dotada de
formalismo, que busca a redução da ambiguidade e da incerteza por meio da criação de
muitas regras, normas e procedimentos que transmitam previsibilidade nos sistemas sociais
(Chu & Wood; 2008). Esses procedimentos acarretam dificuldades para a realização de
atividades e processos do dia a dia, como realizar pagamentos, fechar contratos para locação
de residência e serviços públicos. Para um estrangeiro, tais normas e regras geram
desconforto, uma vez que o tempo para a resolução desses detalhes tende a ser prolongado
para além do normalmente tolerado.
O cartão de crédito que eu usava para comprar no mundo todo não serve aqui. Para
instalar internet no meu primeiro apartamento, eu precisava de uma conta anterior no
meu nome para comprovar o endereço. Como, se eu havia acabado de chegar no país?
Isso me deixou completamente sem saber como fazer (EV1, homem, estadunidense).
Nas entrevistas, tanto EOs como EVs apontaram dificuldades de adaptação geral em
decorrência da burocracia encontrada nos processos necessários à instalação do executivo no
país. Entretanto, o suporte organizacional recebido pelos EOs foi essencial para que estes
obtivessem e renovassem o visto de trabalho, encontrassem uma moradia adequada,
escolhessem a escola dos filhos e resolvessem outras questões de instalação no país. Esse
apoio da empresa não se dá apenas por meio da estrutura de processos internos para a
recepção de expatriados, mas também pelos contatos que os profissionais responsáveis
possuem e usam para superar as dificuldades impostas pela burocracia.
A competência do nosso departamento de apoio ao expatriado foi essencial. Eles
tinham aquela varinha mágica que abria as portas. Como eles têm o hábito de receber
8 estrangeiros, já têm uma estrutura montada e conhecem as pessoas certas para que as
coisas sejam mais rápidas (EO1, homem, estadunidense).
Diversos EOs relataram que funcionários da empresa em que trabalham usaram a
influência pessoal para agilizar os processos necessários à sua instalação. Segundo Chu e
Wood (2008), na cultura brasileira, a aplicação da lei não é universal, mas reservada ao
cidadão anônimo, isolado e que não possui relações com pessoas de maior influência na
sociedade. A autoridade e o status de uma grande organização fornecem credenciais para que
o departamento de RH supere algumas barreiras burocráticas.
Os dados mostraram uma diferença na forma como as empresas apoiam os EOs latinoamericanos. Estes relataram supresa quanto ao alto custo de vida no Brasil em comparação
aos países da região e destacaram que recebem um apoio de instalação insuficiente por parte
das empresas. Enquanto os EOs de origem norte-americana e europeia recebem pacotes de
auxílio que incluem benefícios como escolas no perfil do país de origem para os filhos,
auxílio-instalação, carro, curso de adaptação transcultural e idioma, o mesmo não ocorre com
os latino-americanos.
Meus filhos estão em escolas bilíngues, é diferente deles que têm direito a escolas
igual ao país deles. Estou pagando curso de português para a minha esposa. Acho que
eles pensam que português e o castelhano são mais parecidos do que são na verdade
(EO20, homem, uruguaio).
Sem contar com a influência de uma organização para apoiar o processo de adaptação,
os EVs encontraram mais dificuldades para superar as burocracias. Quase sempre com poucos
contatos sociais no país, os expatriados voluntários demoram mais para conhecer as
estratégias de navegação social adequados à cultura brasileira. No Brasil, "jeitinho" é
frequentemente apontado pelos EVs como o mecanismo para a resolução desses problemas.
No começo não tinha outro jeito: eu acabava sofrendo as consequências. Paguei
despachante para resolver problema de visto, esperei várias semanas para ter TV a
cabo instalada, aluguei uma casa que não era a que eu queria porque não consegui
cumprir todas as burocracias que exigiram. (...) Só depois, conhecendo mais pessoas, é
que eu fui entender que tem que pedir. Mas tem que saber pedir (risos) (EV13,
homem, italiano).
Após criar um círculo social e passar por experiências às vezes frustrantes, o EV
aprende o papel do "jeitinho brasileiro" na resolução de problemas do dia a dia. Trata-se de
um genuíno processo brasileiro de atingir objetivos apesar de determinações contrárias. É uma
estratégia usada para burlar normas e regras que dificultariam o alcance do objetivo da pessoa
que pede o jeito. Desta forma, ele funciona como uma "válvula de escape individual diante
das imposições e determinações" (Motta e Alcadipani, 1999, p. 9).
Entretanto, mesmo sem o apoio organizacional, por vezes o expatriado se sente tratado
como alguém especial e percebe que sua condição de estrangeiro pode lhe conceder vantagens
para resolver problemas. Conforme sugerem Motta et al. (2001), um dos traços culturais do
brasileiro é o estrangeirismo, ou seja, a fixação pelo estrangeiro e a valorização do que não é
nacional.
Uma vez fiquei em uma fila para tratar de um assunto no banco. Levou uns 25
minutos. Quando o gerente me atendeu, ele disse: 'Por que você não disse que era
você? Se eu soubesse, não teria feito você esperar!' Até hoje não sei porque ele falou
isso (EV17, mulher, japonesa).
Desta forma, alguns EVs perceberam que o simples fato de serem estrangeiros poderia
lhes conferir um tratamento social diferenciado. Esta característica social da sociedade
9 brasileira, quando percebida, passa a ser aproveitada pelos expatriados voluntários como
estratégia de superação de problemas decorrentes do excesso de entraves burocráticos.
Com base nessas observações, as seguintes proposições quanto à adaptação geral de
expatriados podem ser recomendadas:
Proposição 1: O formalismo no Brasil é um desafio importante para a adaptação geral de
expatriados organizacionais e voluntários.
Proposição 2: O personalismo usado pelo RH da filial brasileira é essencial para facilitar a
adaptação geral de EOs.
Proposição 3: EVs demoram mais para se adaptar em termos gerais e, quando o fazem,
aprendem estratégias de navegação social com locais, como o "jeitinho brasileiro".
Proposição 4: EOs latino-americanos têm sua adaptação geral dificultada pelo insuficiente
suporte oferecido pela empresa em que trabalham.
Proposição 5: A fixação do brasileiro pelo estrangeiro concede ao EV um status social que o
ajuda a superar barreiras burocráticas relacionadas à sua adaptação geral.
Adaptação quanto ao trabalho
Alguns traços relativos à forma de trabalho do brasileiro foram destacados como
facilitadores e dificultadores do processo de adaptação de EOs e EVs. Ambos destacaram as
tradicionais características brasileiras de evitar conflitos, paternalismo e indisciplina como
desafios à adaptação relativa ao trabalho.
Tive que gastar um bom tempo para treinar diversos brasileiros sobre como corrigir e
dar feedbacks negativos para seus liderados e companheiros. Percebo que vários
brasileiros têm dificuldade de dizer para uma outra pessoa que ela não está indo bem
(EO8, homem, estado-unidense).
As pessoas aceitam atrasos e flexibilizações com muita facilidade. Na França, isso
seria inaceitável. Os próprios líderes são tolerantes (EV7, homem, francês).
As pessoas gastam muito tempo conversando e isso prejudica a produtividade. No
telefone, as pessoas perguntam primeiro como vai a minha mãe, o meu pai e depois
eles falam. Os e-mails são meio longos. Sei que isso é algo de latinos, mas (...) acho
isso complicado (EO13, homem, inglês).
A forma de lidar com esses conflitos relativos a diferenças culturais, de forma geral,
varia entre EOs e EVs. Diversos EOs revelaram que apesar de terem recebido treinamentos a
respeito da cultura brasileira, enfrentaram desafios para lidar com equipes com essas
características. Frequentemente, a saída encontrada foi impor um padrão de trabalho mais
alinhado com a organização de origem. Entre os EVs foi mais comum encontrar relatos que
ressaltam a importância do expatriado aprender a obter resultados de uma equipe respeitando
seus padrões culturais. Um dos EVs, casado com uma brasileira, ressaltou que:
Você precisa aprender como as coisas funcionam aqui. Não dá para achar que o meu
jeito de trabalhar é o único que dá certo no mundo. Conviver no dia a dia com uma
mulher brasileira, me ajuda a entender como vocês são. Vocês precisam de pausas
para produzir. Vocês ficam até muito mais tarde no trabalho que nós, mas fazem
questão do cafezinho. Sabe, e isso mostra que não é falta de interesse ou efetividade.
(EV15, homem, suíço).
Em geral, relatos como esse revelam que a perspectiva temporária e a designação
instituicional do EO lhe transmitem uma ideia de que ele vem ao país de destino como um
missionário orientado a ensinar uma forma de trabalho entendida como ideal na organização
de origem. Por outro lado, o fato de ser contratado por brasileiros e a decisão própria de
10 migrar para o Brasil torna o EV mais capacitado e predisposto para trabalhar de forma a
considerar os preceitos compartilhados na cultura local.
Entre os EOs latino-americanos notou-se um discurso que revela que a falta de apoio
organizacional produz dificuldade para legitimar sua posição diante dos liderados brasileiros.
Não recebi treinamento (...) para entender o brasileiro (...). Parece que a empresa acha
que eu preciso dar graças a Deus por estar aqui (EO19, homem, colombiano).
Brasileiro gosta de trabalhar com alguma flexibilidade. O problema é que no mundo
moderno, prazo é tudo. Tem que ser pontual, tem que entregar no prazo. (...) Fico com
a impressão de que eles acham que estou sendo um traidor ao agir assim com eles. Sou
argentino, sou um vizinho, mas tenho um estilo gerencial mais europeu (EO18,
homem, argentino).
De acordo com essas palavras, pode ser que os líderes das organizações que os
designam para atividades no Brasil suponham que os países latino-americanos possuem
culturas mais semelhantes do que de fato são. Foi também destacada a percepção de que, por
meio da designação internacional, estariam recebendo um favor, uma oportunidade rara de
construir uma carreira internacional e que, por essa razão, deveriam esperar um apoio menor
que aquele recebido por EOs originados de países desenvolvidos.
Outra dificuldade de adaptação relatada por EOs latino-americanos se refere ao fato de
que os brasileiros os vêem como pessoas com valores culturais semelhantes aos encontrados
no Brasil. Com isso, esperam que o expatriado latino-americano trabalhe segundo os padrões
culturais locais. Assim, não é raro que o EO latino-americano, que chega ao Brasil
frequentemente imbuído dos valores de uma organização de origem norte-americana ou
européia, sinta-se com dificuldades para comunicar esse perfil aos liderados locais. Um dos
entrevistados chegou a afirmar que:
Eles (os brasileiros) não nos veem como expatriados; é imigrantes. De certa forma, eu
até entendo. Há uma diferença na forma como eles (a empresa) tratam os expatriados
estrangeiros. Para eles tem tudo. Têm apoio de todos os jeitos. É óbvio que essa
diferenciação traz consequências para a nossa imagem (EO17, homem, mexicano).
Desta forma, o entrevistado revela a importância da discussão sobre o conceito de
"expatriado". Ao usar o termo "expatriados estrangeiros" para se referir àqueles de
nacionalidade norte-americana ou europeia, o participante da pesquisa desnuda uma crença de
que o EO latino-americano seria tratado no Brasil como uma espécie de "expatriado
nacional", uma expressão contraditória em si própria. Este dado poderia ser usado como
suporte para a afirmação de Ariss (2010) de que, para ser chamado de expatriado, o executivo
estrangeiro deve ter como origem um país desenvolvido. Entretanto, um dos EOs latinoamericanos (EV18, homem, argentino) relatou que não sente diferenciação no tratamento
dispensado a ele e a expatriados de países desenvolvidos. Isso embasa o posicionamento
apresentado no referencial teórico de que a habilidade gerencial e não a origem do expatriado,
pode ser entendida como um requisito na definição do termo. O apoio organizacional a um
EO latino-americano - e não sua origem - legitima sua posição como tal.
Dentre os fatores destacados como facilitadores da adaptação ao trabalho, destaca-se a
frequente citação à capacidade improvisação, adaptabilidade e criatividade do brasileiro. A
partir das descrições apresentadas neste tópico, apresentam-se as seguintes proposições:
Proposição 6: O EO cumpre designações estrangeiras e costuma impor uma cultura de
trabalho alinhada aos valores do país e da organização de origem.
Proposição 7: O EV cumpre missões transmitidas por gestores brasileiros e procura liderar
conciliando práticas competitivas internacionais com características da cultura local.
11 Proposição 8: O insuficiente apoio oferecido a EOs latino-americanos no Brasil (proposição
4) reflete uma falta de legitimidade da liderança destes diante dos empregados brasileiros.
Adaptação quanto à interação
As características de comunicação e a visão quanto ao relacionamento interpessoal
expatriado e da cultura de destino determinam o que Black et al. (1991) chama de adaptação
quanto à interação. Quando questionados a respeito deste tema, EOs e EVs destacaram a
aprendizagem da língua portuguesa como um grande desafio. Todavia, ambos ressaltaram que
diversos brasileiros, não somente no ambiente de trabalho, apesar de frequentemente não
dominarem outros idiomas, se esforçam para fazer-se entender por estrangeiros.
Sem dúvida, a língua foi a maior barreira. Tenho dificuldades com o português. O
problema é que em casa, minha família só fala em inglês. Se o povo não tivesse essa
tolerância, minha esposa não sairia de casa, uma vez que ela não aprendeu
praticamente nada do português (EO5, homem, estadunidense).
Uma coisa que ajudou é que muitas pessoas, mesmo sem falar o inglês perfeitamente,
tentam nos ajudar na minha língua. Isso ajudou muito no começo! Hoje em dia nem
tanto, pois tenho muitos amigos que falam em português comigo o tempo todo, então
já consigo me comunicar (EV9, homem, inglês).
Historicamente, o brasileiro se acostumou a adotar uma postura solícita e dócil em
relação ao imigrante. Caldas (1997, p. 79) utiliza o termo o "estrangeiro significativo" para
descrever uma "figura arquetípica mutante, que se deslocou de nacionalidade e de origem no
tempo e no espaço". Ele sustenta que lusitanos, parisienses, londrinos e norte-americanos
ocuparam, em diferentes períodos a posição de estrangeiro significativo no Brasil, ou seja, de
referência cultural, econômica e institucional. Esta característica histórica produziu uma
cultura complexa, multifacetada e sempre aberta ao exterior. Hoje, tal postura se reflete no
interesse em receber o estrangeiro de forma solícita e, segundo os entrevistados, pode ser
considerada como facilitadora à adaptação de expatriados.
Apesar de essa postura ser um auxílio à adaptação quanto à interação de ambos os
grupos de expatriados, no longo prazo, o EV vivencia situações que favorecem mais o
aprendizado do idioma local. Segundo alguns entrevistados, o próprio fato de necessitarem
resolver diversos problemas ligados à adaptação geral por si próprios os faz passar por um
processo urgente de aprendizagem do idioma e dos padrões de comunicação interpessoal.
Peltokorpi e Froese (2009) encontraram resultados semelhantes em uma pesquisa sobre a
adaptação de expatriados no Japão.
O fato de receber maior apoio organizacional diminui a necessidade de interação entre
os EOs e os locais. Aliado à temporalidade da sua permanência no Brasil e ao caráter
cosmopolita das cidades onde vivem os expatriados entrevistados - Rio de Janeiro e São Paulo
-, este fato cria um cenário de isolamento social do EO.
Se você mora em um grande centro do Brasil, você se sente no mundo. Como as
comidas que comia na minha infância, meus filhos estudam em escolas semelhantes
àquelas dos Estados Unidos e ainda me reúno em bares com outros americanos para as
finais da NBA, Superbowl... Você demora um pouco para encontrar um ciclo de
lugares da cidade, mas depois disso, é só ficar restrito a esses lugares. Você cria um
roteiro previsível e sem perigo (EO6, homem, estadunidense).
Uma estratégia comum adotada é criar "ilhas de primeiro mundo" na cidade de
destino. Assustado com a complexidade do trânsito de cidades como Rio de Janeiro e São
Paulo, com as dificuldades com o idioma e com os rumores de violência urbana, o EO
frequentemente resume sua vida social à interação com outros EOs em um ciclo de locais
12 conhecidos e de fácil acesso. Uma vez estabelecida esta rotina, os expatriados organizacionais
entrevistados raramente arriscam novos destinos e ciclos sociais para interação. Diversos
alegaram também que percebem uma excessiva demanda por demonstração de afeto e que
isso acarreta uma resistência a interagir com locais.
Por outro lado, os EVs que participaram da pesquisa mostraram uma maior
necessidade de interagir com locais e "vivenciar um pouco do que é ser brasileiro" (EV11,
mulher, portuguesa). Assim como encontrado por Vance (2005), não é raro que o expatriado
voluntário seja casado com um local, o que facilita ainda mais seu processo de inserção social.
Mais uma vez, os expatriados organizacionais latino-americanos apresentaram uma
particularidade, conforme observado nos seguintes fragmentos:
É estranho. Por mais que a minha esposa cobre, eu tenho resistência a me associar com
brasileiros, pois soa mal diante dos outros expatriados. Soa mal dizer isso, eu sei,
mas... Eu preciso manter uma postura (EO18, homem, argentino).
O brasileiro é mais ou menos parecido com a gente do nosso país. Mas eu sou
diferentes de ambos. Estudei muito tempo nos Estados Unidos, e de alguma forma,
absorvi muito de lá (EO17, mexicano, homem).
Apesar de serem originados de países com um perfil cultural mais próximo ao
brasileiro que do europeu e do norte-americano, as falas dos expatriados latino-americanos
entrevistados sugerem que o fato de terem cursado um MBA ou trabalhado no exterior lhes
confere uma identidade de modernidade, que está associada à assimilação de
comportamentos, valores e técnicas de gestão adotados nos países em que estudaram ou
trabalharam. Para sustentar essa identidade e evitar perda de status, eles entendem que devem
agir como os EOs norte-americanos e europeus, mesmo que, para isso, em alguns casos,
necessitem reprimir uma demanda pessoal ou familiar por interação com locais. A partir
dessas observações, as seguintes proposições são apresentadas:
Proposição 9: EOs interagem socialmente em "ilhas de primeiro mundo", enquanto EVs
possuem interagem predominante com locais.
Proposição 10: O traço cultural brasileiro de abertura e fixação pelo estrangeiro, apreciado
pelos EVs, é considerado como uma demanda social incoveniente pelo EO.
Proposição 11: EOs latino-americanos evitam contatos sociais com locais, com receio de
perder status diante de outros expatriados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo compreender possíveis diferenças na adaptação de
expatriados organizacionais e voluntários no Brasil. A comparação das entrevistas realizadas
permitiu identificar que os EOs, por contarem com apoio organizacional mais amplo,
conseguem superar mais facilmente a estrutura burocrática brasileira em seu processo de
adaptação geral. Por outro lado, os EVs se sentem mais confortáveis nas dimensões de
adaptação quanto ao trabalho e à interação com locais. Este resultado difere parcialmente do
apresentado por Peltokorpi e Froese (2009) ao comparar as adaptações de EOs e EVs no
Japão. Esses autores identificaram que os EVs alcançam uma adaptação geral mais satisfatória
que os EOs em terras nipônicas. Talvez a explicação para esta diferença resida no alto grau de
burocracia encontrado no Brasil para a resolução dos aspectos envolvidos na adaptação geral.
Um aspecto inesperado e que parece ter sido um achado importante deste estudo se
refere às características específicas da adaptação de expatriados latino-americanos no Brasil.
Entre os EOs da Argentina, Colômbia, México e Uruguai, identificou-se uma percepção de
que a empresa em que trabalham subdimensionam o apoio necessário para sua adaptação
geral. Além disso, notou-se também que os EOs latino-americanos entrevistados afirmam que
13 este posicionamento da empresa acarreta perda de status e de legitimidade enquanto líder. A
questão de ter a liderança respeitada apareceu como uma preocupação deste grupo de
expatriados, o que os leva a evitar contatos sociais informais com locais.
O caráter qualitativo e exploratório desta pesquisa não permite generalizações, no
entanto os resultados apresentados possibilitam avançar na compreensão das tendências de
como o contexto brasileiro influencia a adaptação de EOs e EVs de diferentes origens. Além
disso, permitem também apontar sugestões para a prática gerencial e para pesquisas futuras
sobre o tema. Uma limitação constatada foi o reduzido número de expatriados latinoamericanos encontrados. Uma vez que o objetivo do estudo centralizou-se na distinção entre
dois tipos de expatriação, o processo de amostragem não objetivou segmentar a amostra por
nacionalidade dos participantes. Novas pesquisas podem ser realizadas com mais expatriados
latino-americanos buscando-se conhecer mais profundamente as propriedades da adaptação
desses profissionais no Brasil. Ainda que a amostragem em pesquisa qualitativa não seja
orientada por representatividade, acredita-se que novas entrevistas poderiam revelar outras
propriedades importantes. Outra abordagem válida seria estudar a adaptação de expatriados
brasileiros voluntários e organizacionais em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Por
último, recomenda-se a realização de estudos quantitativos que mensurem possíveis
diferenças na adaptação e nos valores de EOs e EVs no Brasil, o que seria útil para reafirmar a
inadequação do tratamento dos dois grupos de forma homogênea em pesquisas.
Para as empresas, recomenda-se o desenvolvimento de estratégias de recrutamento e
seleção de EVs no Brasil. Apesar de ser um país geograficamente distante de países
desenvolvidos, o Brasil é escolhido como destino de carreira por profissionais qualificados em
nível gerencial. Conforme ressaltam Chu e Wood (2008) os gestores que atuam no Brasil
enfrentam constantes pressões contraditórias: ao mesmo em que são pressionados a
desenvolver traços típicos do período pós-globalização, como valorização do planejamento e
da gestão do tempo, eles também interagem com pares e líderes pouco afeitos a disciplina.
Desta forma, EVs representam uma alternativa de baixo custo para a internacionalização da
gestão empresarial. Ao mesmo tempo em que diversos deles são conhecedores dos
paradigmas de gestão orientados por forças competitivas e consagrados mundialmente, estão
também adaptados à cultura brasileira e, assim, mais preparados para adotarem um modelo de
gestão que melhor concilie ambas as perspectivas. Além disso, recomenda-se também que as
empresas que possuem EOs latino-americanos designados para atuação no Brasil atentem para
a necessidade de melhor apoiá-los na adaptação e legitimação da liderança.
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A Adaptação de Expatriados Organizacionais e Voluntários