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LITERATURA GREGA I: ÉPICA
MÓDULO #4: DIGRESSÕES E PARANARRATIVAS
[o narrador ‘se desvia’ para exaltar a alta procedência do derrotado]
Teucro, filho de Telamón, foi o primeiro a matar um guerreiro, o lanceiro Ímbrio, filho de Mentor, rico em
cavalos. Habitava em Pedeu, antes de chegarem os filhos dos Aqueus, casado com uma filha ilegítima de
Príamo, Medesicasta; mas quando surgiram os navios dânaos, que navegam nos dois sentidos, correu para
Ílion, e distinguiu-se entre os Troianos. Morava em casa de Príamo, que o tratava como a um dos filhos. Foi
a ele que o filho de Telamón feriu, com sua comprida lança, debaixo da orelha. (Ilíada 13)
[Ilíada 18: o próprio personagem usa o mito como justificativa de sua conduta]
Tendo assim falado, Cáris, deusa divina entre todas, levou Tétis mais adiante. Fê-la sentar-se em trono
cravejado de prata, habilmente manufaturado, com um escabelo para os pés. E chamou Hefesto, artífice
ilustre, dizendo-lhe:
— Hefesto, vem como estás; Tétis precisa de ti.
Respondeu o ilustre coxo:
— Sim, é uma deusa temida e venerada que está em minha casa, que me acudiu quando o sofrimento
me acometeu, depois da longa queda ordenada por minha mãe de olhos de cadela, que queria esconder-me,
porque eu era coxo. Eu teria, então, sofrido muito se Eurínome e Tétis não me tivessem recebido em seu
seio, Eurínome, filha do Oceano que volta sobre si mesmo. Ao pé dela, durante nove anos, forjei muitas joias
bem feitas, em profunda gruta – presilhas, espirais de formosas curvas, cálices de flores e colares. Em torno
da gruta, o curso do Oceano, com sua escuma e seus murmúrios, fluía infinito; e ninguém sabia de nada, nem
os deuses, nem os mortais, senão Tétis e Eurínome, que me tinham salvado. É Tétis que hoje vem à nossa
casa; devo pagar-lhe cabalmente, a Tétis de formosas madeixas, o resgate de minha vida salva. Coloca diante
dela formosos presentes de hospitalidade, enquanto ponho de lado meus foles e meus instrumentos.
[Ilíada 19: Agamêmnon faz o mesmo para eximir-se de culpa por sua cegueira no entrevero com Aquiles]
Levantando-se no meio deles, falou do lugar em que estava o poderoso Agamenão:
— Amigos, heróis dânaos, servidores de Ares, bem é que se ouça e não se interrompa o orador que
está em pé, pois o falar é difícil até para quem está habituado a ele. Mas como ouvir ou falar no meio de
tumultuosa multidão? Sofre com isso o orador, ainda que tenha a voz possante. Vou explicar-me com o filho
de Peleu. Vós outros, argivos, refleti, e cada qual julgue bem minhas palavras. Muitas vezes mas repetiram
os aqueus, invectivando-me. Mas a culpa não é minha: é de Zeus, é do Destino, é da obscura Erínis, que, na
assembleia, mergulharam minha alma em selvagem cegueira, quando eu mesmo arrebatei a Aquiles sua
recompensa. Mas que fazer? É uma deusa que leva tudo a cabo, a venerável filha de Zeus, Ate, que
ensandece os mortais, a Perniciosa! Tem pés delicados, porque não toca no solo; caminha sobre as cabeças
dos homens, nefasta aos humanos. Entretanto, o certo é que encadeou pelo menos outro ser: pois, um dia,
extraviou o próprio Zeus, superior, contudo, aos homens e aos deuses, segundo afirmam. Até a ele, com sua
astúcia, enganou-o a feminina Hera, no dia em que devia nascer de Alcmena sua força Héracles, em Tebas
de bela coroa. Gloriando-se, disse Zeus a todos os deuses: "Escutai-me, vós todos deuses, vós todas deusas,
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para que eu vos diga o que o coração, no peito, me anima a dizer. Hoje Ilítia, a deusa dos partos penosos,
trará à luz um homem que há de reinar sobre todos os vizinhos, um homem da raça dos homens nascidos de
meu sangue". Meditando um logro, disse-lhe a venerável Hera: "Vais enganar-nos, e não cumprirás tua
palavra. Pois bem, jura agora, Olímpio, com poderoso juramento, que reinará sobre todos os vizinhos aquele
que, no dia de hoje, cair entre os pés de uma mulher, dentre os homens que pertencem à raça nascida de teu
sangue". Disse, e Zeus não deu tento da insídia; jurou com o grande juramento e depois se arrependeu
amargamente. Hera, num salto, deixou o píncaro do Olimpo, chegou célere a Argos de Acaia, onde sabia
estar a vigorosa esposa de Estênelo, filho de Perseu, grávida de um filho e já no sétimo mês. Hera trouxe à
luz a criança, embora prematura, e retardou o parto de Alcmena, detendo as Ilítias. E ela mesma foi anunciálo a Zeus filho de Cronos: "Zeus Pai, fulminante, tenho uma palavra para dizer à tua alma. Nasceu o homem
excelente que reinará sobre os argivos; é Euristeu, filho de Estênelo, filho de Perseu, tua raça: reúne todos os
requisitos para reinar sobre os argivos". Disse, e uma dor aguda pungiu Zeus no fundo da alma.
Imediatamente, agarrou Ate pelas brilhantes madeixas da cabeça, violentamente irritado, e jurou com
poderoso juramento que nunca, ao Olimpo e ao céu estrelado, voltaria Ate, que extravia todos os seres. Ele
disse e atirou-a do céu estrelado, fazendo-a girar com sua mão. Logo chegou ela aos trabalhos dos homens. E
ele não cessava de queixar-se da deusa quando via o filho preso a trabalhos indignos a mando de Euristeu.
Assim também, quando o grande Heitor de fúlgido capacete trucidava os argivos, perto de nossas popas, eu
não podia esquecer-me de Ate, que primeiro me extraviou. Mas, visto que me extraviei, e que Zeus me tirou
o juízo, quero dar-te magnífico resgate. Ergue-te para o combate e excita o resto das tropas; como presentes,
estou pronto a dar-te tudo o que te prometeu o divino Ulisses quando foi ontem à tua barraca. Se quiseres,
espera, embora estimulado por Ares; e meus servidores irão buscá-los em meu navio e tos trarão, para que
vejas que minhas dádivas são dignas de teu ardor.
[Ilíada 9: o mito usado como paradigma persusivo por Fênix para Aquiles]
Disse, e todos quedaram mudos, em silêncio, impressionados por seu discurso, porque ele recusara com
muita energia. Afinal, falou o velho escudeiro Fênix, com os olhos marejados de lágrimas, porque os mais
negros temores o assaltavam com respeito às embarcações acaias:
— Se estás mesmo resolvido a partir, ilustre Aquiles, se te recusas terminantemente a afastar dos
formosos lenhos o fogo destruidor, porque a bile caiu em teu coração, como, querido filho, ficaria eu aqui,
sozinho, longe de ti? A ti me enviou o velho escudeiro Peleu, no dia em que, para Agamenão, te mandou de
Ftia, menino ainda, sem experiência da guerra igual para todos, nem das assembleias em que se fazem notar
os homens. Enviou-me para ensinar-te tudo isso, para tornar-te apto a falar e capaz de agir… [Fênix conta
sua própria história]. Pois bem, Aquiles, domina tua alma soberba: não tenhas o coração implacável. Os
próprios deuses se abrandam, eles que nos excedem em virtude, honra e força. Por meio de perfumes, de
preces agradáveis, de libações, da gorda fumaça, os homens lhes modificam os sentimentos quando alguém
lhes infringe as leis e comete um erro.
Pois as Preces são filhas do grande Zeus, coxas, encarquilhadas, vesgas dos dois olhos, elas que se esforçam
por andar atrás do Desvario. O Desvario é robusto e ágil; por isso mesmo corre muito mais depressa do que
todas elas, e sobrepassa-as por toda a terra, para prejudicar os homens; mas as Preces curam o mal por trás.
Aquele que respeita as filhas de Zeus, quando se aproximam, é sempre assistido por elas e ouvido em suas
súplicas; mas quando alguém as rechaça e recusa duramente, elas pedem a Zeus, filho de Cronos, que o
Desvario o acompanhe para fazer-lhe mal, obrigando-o a expiar sua maldade.
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Pois bem, Aquiles, concede tu também às filhas de Zeus a honra que faz dobrarem-se ante elas outros nobres
espíritos. Se o atrida não te trouxesse presentes, se não enumerasse aqueles que pretende dar-te depois, se
persistisse em sua malévola rudeza, não te incitaria eu a rejeitares tua cólera para socorrer os argivos, embora
disso tenham eles absoluta precisão. Mas agora, desde já, dá-te ele um sem-número de presentes, e outros te
promete para depois. A suplicar-te, manda os homens mais nobres, escolhidos nas tropas acaias, os que mais
caros te são entre os argivos. Não deixes que lhes pareçam falsas as palavras e o gesto; até aqui, ninguém
poderia censurar-te a ira.
Tal era, segundo nos ensinam, o procedimento glorioso dos heróis de outrora, quando uma bile violenta os
assaltava: mostravam-se sensíveis aos presentes e às palavras suplicantes. Conheço uma história antiga – não
é nova – tal qual aconteceu. Vou contá-la, meus amigos, no meio de todos vós.
Os curetes e os etólios belicosos pelejavam em torno da cidade de Cálidon, e se entredegolavam, os etólios
defendendo a aprazível Cálidon, os curetes impacientes de devastá-la por força de Ares. Essa desgraça lhes
fora causada por Ártemis, a deusa do trono de ouro, em sua cólera, por amor das Talísias , que Eneu se
esquecera de ofertar-lhe em seu escarpado vergel. Os outros deuses fartavam-se de hecatombes; somente a
ela, à filha do grande Zeus, ele nada oferecera, ou porque lhe esquecesse ou por não haver pensado nisso.
Grandíssimo foi seu erro. Irritada, a que despede flechas, raça divina, suscitou um javali solitário, selvagem,
de presas brancas, que entrou a fazer enormes estragos no pomar de Eneu: arrancou e abateu muitas árvores
grandes, com raízes e flôres, promessas de frutos. Esse javali, matou-o o filho de Eneu, Meléagro,
chamando, de várias cidades, caçadores e cães, pois alguns humanos apenas não bastariam para subjugar o
animal, tão grande era ele, que já fizera subir à fúnebre fogueira muitos homens. Mas em torno do javali fez
rebentar a deusa tumultos e gritos de guerra – em torno da cabeça e do corpo eriçado do javali entre os
curetes e os magnânimos etólios. Enquanto combateu o valente Meléagro, as coisas andaram mal para os
curetes que, a despeito do número, não conseguiam manter-se diante das muralhas. Mas quando se deixou
penetrar da cólera que intumesce, no peito, o espírito dos humanos, até dos sensatos, irritado contra Altéia,
sua mãe, Meléagro decidiu permanecer ocioso junto da mulher, a bela Cleópatra. Ao pé de Cleópatra,
portanto, Meléagro quedava-se deitado, digerindo a bile dolorosa, irritado pelas imprecações que aos deuses
dirigia sua mãe, sumamente aflita pelo assassínio de um irmão : constantemente feria ela a alma terra com as
mãos, pedindo a Hades e à terrível Perséfone, de joelhos, com o seio molhado de lágrimas, que lhe matasse o
filho Erínia , que anda envolta em brumas, ouviu-a no fundo do Érebo, com o coração amargo. Presto, junto
das portas, estrondearam o tumulto e o alarido que faziam os curetes, abatendo as muralhas. Os anciãos dos
etólios suplicavam a Meléagro, enviando-lhe os mais nobres sacerdotes dos deuses, que saísse e os
protegesse. Prometiam-lhe grande recompensa: no ponto mais fértil da planície da aprazível Cálidon,
convidavam-no a escolher uma propriedade magnífica, de cinquenta jeiras, metade em vinhedos, metade em
terra cultivável a demarcá-la. Longo tempo lhe rogou o velho escudeiro Eneu, em pé no limiar do quarto de
alto teto, sacudindo a porta bem fechada, implorando ao filho; longo tempo lhe suplicaram as irmãs e a
própria mãe respeitável, longo tempo também os companheiros mais dedicados, os mais queridos: quanto
mais lhe pediam, com mais energia recusava. Nem eles conseguiram persuadir-lhe o coração no peito, até
que seu quarto foi atingido por um chuveiro de dardos e, tendo escalado as muralhas, os curetes incendiaram
a grande cidade. Então, ouviu Meléagro sua mulher de formosa cintura suplicar-lhe, gemendo, enumerandolhe os tormentos que afligem os habitantes de uma cidade conquistada: os homens são mortos; a cidade é
convertida em cinzas pelo fogo; as crianças são levadas por estranhos, com as mulheres de larga cintura.
Comoveu-se o coração de Meléagro ouvindo a relação dessas desgraças. Levantou-se, cobriu o corpo com
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armas cintilantes, afastou dos etólios o dia fatal, cedendo a seu coração, embora aqueles já não lhe dessem os
numerosos e agradáveis presentes; mas ele, não obstante, salvou-os da desgraça.
Pois bem, não penses assim em tua alma; não te leve a isso um demônio, amigo. Demasiado será o mal, se
tivermos de defender os navios em chamas. Cede aos nossos presentes, vem: como a um deus te honrarão os
aqueus. Se, um dia, não tendo aceitado estes presentes, te lançares à guerra assassina, já serás menos
honrado, ainda que afastes a guerra do acampamento.
[Odisseia 11: histórias aparentemente ilustrativas, mas todas questões conjugais…]
Vieram, pois, uma a uma, declarando cada qual sua ascendência e pude interrogar a todas. Então, deveras, a
primeira que vi foi Tiro, de nobre estirpe; declarou-se progênie do irrepreensível Salmoneu e disse ser esposa
de Creteu, filho de Éolo. Apaixonara-se do divino rio Enipeu, incomparavelmente o mais belo dos rios que
correm sobre a terra, e frequentava-lhe a bela correnteza. Disfarçando-se em Enipeu, o deus que a terra
envolve e o solo estremece deitou-se com ela nas águas revoltas da foz; uma vaga escura ergueu-se e cercouos como uma montanha, ocultando, abobadada, o deus e a mulher mortal. Ele, então, desatou-lhe o casto
cinto e sobre ela esparziu sono. Acabada a lida amorosa, o deus, segurando-lhe a mão, assim se expressou:
— Alegra-te, mulher, com este encontro; ao cabo de um ano, terás filhos gloriosos, pois o amplexo
dum imortal não fica jamais infecundo; tu os criarás e educarás. Vai agora para casa, guarda silêncio e nada
reveles; eu, sabe-o, sou Posidão que o chão estremeço.
Com essas palavras, mergulhou no mar encapelado. Ela concebeu e deu à luz Pélias e Neleu, que
vieram a ser ambos servos poderosos do grande Zeus. Pélias morreu na vasta Iolcos e foi rico ele rebanhos.
Neleu, porém, morou na Pilos areenta. Os demais filhos ela, rainha entre as mulheres, os deu a Creteu; foram
Éson, Feres e Amitão, que combatia montado num carro…
Depois dela, vi Alcmena, espôsa de Anfitrião, a qual, possuída pelo grande Zeus, gerou em seus
braços o intrépido Héracles de coração leonino, e vi Mégara, filha do denodado Creonte, que foi desposada
pelo filho de Anfitrião, de gênio sempre obstinado. Vi também a mãe de Édipo, a formosa Epicasta, que
monstruoso crime cometeu ao casar, sem o saber, com seu próprio filho; êste desposou-a, após matar o pai
num recontro, e de repente os deuses revelaram a verdade ao mundo.
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[Comparação contínua de mitos; a Oresteia é paralela à Telemaquia, pois tanto Orestes quanto
Telêmaco buscam honrar a herança paterna, por meio de ações dignas; porém, se de um lado
Agamenão foi traído e assassinado por Clitemnestra e seu amante (paradigmas negativos), Odisseu e
Penélope são íntegros (paradigmas positivos).]
[Odisseia 1.30-50]
O primeiro a falar foi o pai dos homens e dos deuses; em seu coração se lembrara do impecável Egisto,
morto pelo filho de Agamêmnon, Orestes, de largo renome. Nele pensando, dirigiu aos imortais estas
palavras:
— Santos numes! É de ver como os mortais se queixam dos deuses! Atribuem a nós a origem de suas
desgraças, quando eles próprios, com sua estultícia, arranjam tribulações a mais de sua sina. Haja vista o
caso recente de Egisto; a mais de sua sina, ele desposou a mulher legítima do filho de Atreu e, embora
advertido do fim abismal, matou-o quando ele regressou. Nós mandamos Hermes Argeifontes, o
clarividente, preveni-lo de que não o matasse, nem lhe cobiçasse a mulher, porque a vingança do filho de
Atreu viria por mão de Orestes, quando chegasse à juventude e sentisse saudades da pátria. Assim o avisou
Hermes, mas, com todos os bons intuitos, não o demoveu de seus desígnios e Egisto acaba de pagar duma só
vez todos os crimes.
Volveu-lhe então Atena, deusa de olhos verde-mar:
— Pai nosso, filho de Crono, supremo senhor, ele bem mereceu a morte que o prostrou; assim
pereçam quantos cometem crimes iguais. A mim punge-me o coração a sorte do judicioso Odisseu, o
desditoso, que longe dos seus há tanto tempo vem penando numa ilha em meio das ondas, onde fica o
umbigo do mar.
[Odisseia 3: Telêmaco pede a Nestor que lhe conte o destino de Agamêmnon; Nestor narra em detalhes a
ação do ‘divino Orestes’, cf. vv. 193-252 e 313-318]
— … do filho de Atreu vós mesmos, embora distantes, sabeis como chegou e como Egisto lhe
deparou um triste fim. Mas este pagou, não há dúvida, de modo miserável o seu crime, tão bom foi ter
sobrado um filho varão do assassinado, porque vingou a morte paterna na pessoa do traiçoeiro Egisto, que
lhe assassinara o glorioso pai. Tu também, amigo, a quem vejo belo e grande, sê valoroso para que muitos
dentre os pósteros te exaltem.
Volveu-lhe, então, o ajuizado Telêmaco:
— Ó Nestor, filho de Neleu, grande glória dos aqueus, aquele exerceu deveras a vingança e os aqueus
transmitirão seu largo renome para conhecimento da posteridade; prouvera aos deuses revestir-me de
tamanha força para punir a dolorosa maldade dos pretendentes, que, na sua insolência, maquinam desatinos
contra mim. Os deuses, porém, não urdiram para mim tamanha ventura – para meu pai e para mim; por isso,
tenho de aguentar de qualquer maneira.
Tornou-lhe, então, Nestor de Gerenos, o auriga:
— Já que me fizeste, com a tua alusão, lembrar disso, segundo consta, numerosos pretendentes à mão
de tua mãe andam, à tua revelia, praticando maldades em teu solar. Dize-me: tu te submetes sem reagir ou a
gente do país te quer mal, em virtude de um oráculo divino? Quem sabe se Odisseu não vai chegar um dia e
tomar vingança dessas violências, só ou com o auxílio de todos os aqueus? Se ao menos Atena de olhos
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verde-mar se inclinasse a querer-te bem com os extremos cuidados de que cercava a Odisseu no país dos
troianos, quando nós, os aqueus, sofríamos reveses — pois nunca vi deuses manifestar tão claramente sua
afeição como Palas Atena aparecendo a seu lado! Se ao menos ela se inclinasse a querer-te assim e cuidar de
ti de coração, então muitos deles haveriam de esquecer de vez o casamento.
Volveu-lhe, então, o ajuizado Telêmaco:
— Ancião, absolutamente não creio que esse voto venha a cumprir-se; o que disseste é grandioso
demais e me assombra; não pode acontecer, ao menos eu não o espero, mesmo que os deuses assim queiram.
Respondendo-lhe, disse Atena, deusa de olhos verde-mar:
— Telêmaco! Que palavras te escaparam à barreira dos dentes! A um deus, se o quiser, fácil é trazer
um homem a salvo, ainda que de longe. Por mim, preferiria sofrer inúmeras fadigas penosas antes de chegar
a casa e de ver o dia do regresso, a ser assassinado na chegada, ao pé da lareira, à traição, como foi morto
Agamêmnon por Egisto e sua própria mulher. Porém, a morte flecha igualmente a todos; mesmo de um
homem dileto, os próprios deuses não a podem arredar, quando o derruba a sina funesta da triste morte.
Volveu-lhe, então, o ajuizado Telêmaco:
— Não falemos mais desse assunto, Mentor, por mais que nele pensemos; para ele não há mais
regresso possível; já lhe decretaram os imortais o negro destino da morte. Agora desejo pedir outra
informação a Nestor, que de justiça e sabedoria entende como ninguém, pois, segundo consta, reina sobre
uma terceira geração de homens; tenho até a impressão de contemplar um imortal. Ó Nestor, filho de Neleu,
conta-me a verdade: como foi que morreu o filho de Atreu, Agamêmnon de imenso poder?
[Nestor conta a história em detalhes, ao fim da qual conclui com uma advertência a Telêmaco:]
— … Por isso, meu caro, não vagueies longo tempo longe de teu lar, deixando em casa tesouros e
homens tão descomedidos, se não, eles devoram e repartem toda a tua riqueza, enquanto perfazes uma
viagem frustrânea. Ao invés, eu te exorto e recomendo que procures a Menelau; ele acaba de chegar do
exterior…
[Odisseia 4: Menelau, em meio à sua própria narrativa, cita a necessidade de vingar o irmão, o que poderia
ocorrer pela mão de Orestes.]
— Que negócio, nobre Telêmaco, te traz aqui à divina Lacedemônia, por sobre o vasto dorso do mar?
É público ou particular? Dize-me a pura verdade.
Volveu-lhe, então, em resposta, o ajuizado Telêmaco :
— Filho de Atreu, Menelau, progênie de Zeus, cabecilha de guerreiros, vim por esperar que me desses
alguma notícia de meu pai. Meu patrimônio está sendo devorado, minhas ricas lavouras estão arruinadas, a
casa cheia de homens malignos, que não param de matar-me incontáveis carneiros e retorcidos bois de
curvos passos. São os pretendentes à mão de minha mãe, que procedem com arrogância abusiva. Por isso,
eis-me agora aos teus joelhos, esperando queiras contar-me sua triste morte, se por acaso a presenciaste com
teus olhos, ou se a ouviste contar por um vagamundo como ele, pois que sua mãe o gerou infeliz como
ninguém. Não queiras, por consideração ou condoído, suavizar a verdade; conta-me francamente o que viram
os teus olhos. Eu to suplico; se alguma vez meu pai, o nobre Odisseu, no país dos troianos, onde vós, os
aqueus, sofrestes provações, cumpriu em palavras e atos promessas que te fizera, em memória disso, dize-me
agora a pura verdade.
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Então, com profunda indignação, disse o louro Menelau:
— Santos numes! Então eles, que não passam de poltrões, pretendem deitar na cama de um varão de
alma valente?! Quando uma corça deita as crias recém-nascidas ainda tenras no covil dum leão bravio e sai a
explorar o monte selvoso e os vales relvosos em busca de pasto, vem em seguida o leão a sua cama e sobre
ambas vibra crua morte; assim sôbre eles crua morte vibraria Odisseu.
[Menelau conta sua saga, relatando as palavras ditas a ele pelo Velho-do-mar, Proteu; em seguida,
fala do destino do irmão:]
— … Agamêmnon pisou o solo pátrio, apoiou nele as mãos e beijou-o; copioso e quente pranto jorrou
de seus olhos, à visão acolhedora de sua terra. Foi quando de sua atalaia o avistou um vigia, que o traiçoeiro
Egisto trouxera e postara, prometendo-lhe em paga dois talentos de ouro. Ele estivera à espreita um ano inteiro,
para que Agamêmnon não passasse ao largo despercebido, nem se lembrasse de sua bravura impetuosa. O vigia
demandou o solar a dar a notícia ao pastor de guerreiros. Egisto prontamente tracejou um ardil traiçoeiro;
escolheu no país vinte varões dos mais valentes e postou-os de emboscada; mandou, de outro lado, preparar um
banquete. Feito isso, partiu com cavalos e carros a convidar Agamêmnon, pastor de guerreiros, com planos
ignóbeis no pensamento. Sem que ele suspeitasse o seu fim, levou-o para casa e, após banqueteá-lo, assassinouo, como quem mata um boi na manjedoura. Não sobreviveu nenhum dos amigos do filho de Atreu que o
seguiam, nenhum tampouco da malta de Egisto; pereceram todos no solar.” Assim falou; meu coração se partiu
e eu me pus a chorar sentado na areia; minha alma já não queria mais viver nem ver a luz do sol. Depois que
me cansei de chorar e rolar, o Velho do Mar infalível me disse: “Não chores mais, filho de Atreu, tão longa e
ininterruptamente; assim não se depara nenhum remédio. Trata de chegar quanto mais depressa a tua terra
pátria, pois ou encontrarás Egisto vivo ou Orestes se terá antecipado a matá-lo e mal chegarás a tempo para os
funerais.” Assim falou; minha alma e meu animoso coração novamente convalesceram em meu peito, apesar da
mágoa, e, proferindo aladas palavras, lhe disse: “Agora que já sei da sorte desses, dize-me quem é o terceiro
retido no vasto mar, ainda vivo ou já morto; quero ouvi-lo, por mais que me doa.” Assim falei; ele prontamente
me respondeu: “O filho de Laertes, que tem o seu lar em Ítaca; eu o vi numa ilha vertendo copioso pranto, na
mansão da ninfa Calipso, que o constrange a ficar; ele não pode voltar a sua terra pátria por falta de barcos
providos de remos e tripulação que o levem pelo vasto dorso do mar…
[Tudo isso faz parte do processo de crescimento e empoderamento de Telêmaco, que começa já no
canto 1 da Odisseia]
Indignada, volveu-lhe Palas Atena:
— Santos numes! Muita falta te faz o ausente Odisseu, para deitar mãos aos desfaçados pretendentes!
Ah, se ele chegasse neste instante e parasse à porta de entrada, com o elmo, o escudo e um par de lanças, tal
como o vi a primeira vez em nossa casa a beber e folgar, quando voltava da visita a Ilo, filho de Mérmero,
em Éfira – pois também lá foi Odisseu num ligeiro barco em busca dum veneno mortífero, com que untar
suas setas de ponta de bronze; Ilo não lho deu, por temor dos deuses eternos, mas deu-lho meu pai, por o
estimar profundamente. Oxalá como o vi então surpreendesse Odisseu os pretendentes! Achariam todos eles
morte pronta e amargas bodas. É coisa que deveras repousa nos joelhos dos deuses se ele há de voltar e
tomar vingança em seu palácio ou não; a ti, porém, exorto a cogitar os meios de expulsar do solar os
pretendentes. Vamos, dá-me ouvidas, atenta em minhas palavras. Convoca amanhã uma assembleia dos
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guerreiros aqueus e dirige a palavra a todos, tomando os deuses por testemunhas. Intima os pretendentes a
dispersar-se para suas casas e tua mãe, se o coração dela pende para o casamento, a ir de volta para o solar de
seu mui poderoso pai; lá prepararão as bodas e exporão copiosos presentes de núpcias, quantos devem
acompanhar uma filha dileta. Quanto a ti, farei uma sugestão sábia, se me ouvires. Arma um barco de vinte
remos, o melhor que puderes, e parte a indagar de teu pai há muito ausente: talvez algum mortal te possa
falar dele; talvez ouças a voz do oráculo de Zeus, a principal fonte de informação para a humanidade. Vai
primeiro a Pilos e interroga o divino Nestor; daí vai a Esparta, à casa do louro Menelau, que foi o último dos
aqueus de cotas de bronze a chegar. Se por ventura ouvires que teu pai está vivo e regressando, então, por
mais que te consumam as mágoas, podes suportar mais um ano; se ouvires, porém, que morreu, que já não
vive, então, de volta à querida terra pátria, erige-lhe uma tumba e faze-lhe oferendas fúnebres copiosas,
como ele merece, e dá tua mãe a um marido. Mas depois que levares a termo esses pios deveres, cogita em
tua mente e em teu coração como matar os pretendentes em teu solar, quer pela astúcia, quer em luta aberta.
Não deves proceder como criança, pois já não estás nessa idade. Não ouviste contar quanta glória adquiriu
em todo o mundo o divino Orestes, quando matou o assassino de seu pai, o patife Egisto, matador do
glorioso Agamêmnon? Sê valoroso também tu, meu caro, pois te vejo formoso e crescido o bastante para
teres igualmente os louvores da posteridade. Quanto a mim, volto agora ao meu ligeiro barco e a meus
companheiros que, por certo, se aborrecem muito com a minha demora. Tu, cuida de teus interesses e
considera os meus conselhos.
Volveu-lhe, então, o ajuizado Telêmaco:
— Forasteiro, esses conselhos tu me dás realmente por bem querer, como um pai a um filho, e não os
esquecerei nunca. Mas eia agora, demora-te, conquanto ansioso por partir, a fim de tomares banho, recreares
o coração e então embarcares de alma leve, levando um presente precioso, muito bonito, que seja uma
lembrança minha, como costumam dar os hospedeiros aos hóspedes benquistos.
Volveu-lhe, então, Atena, deusa de olhos verde-mar:
— Não me retenhas mais tempo contra o meu desejo de partir. O presente que teu coração te exorta a
dar-me, dá-mo quando eu passar na volta, a fim de que o leve para casa. Escolhe um bem bonito, que te
valha uma retribuição.
Com essas palavras, Atena de olhos verde-mar partiu; alçou o voo como uma ave e desapareceu.
Deixou-lhe no coração ardor e coragem, com a memória do pai mais viva do que antes. Refletiu sobre ela e
seu coração maravilhou-se, porque imaginou tratar-se de um deus. Quando, em seguida, foi ter com os
pretendentes, era um homem de aparência divina.
O famoso aedo estava cantando para eles, que o escutavam em silêncio; celebrava o regresso dos
aqueus, o triste regresso que lhes deparou Palas Atena. Dos aposentos superiores, a filha de Icário, a sensata
Penélope, recolheu no coração o seu canto inspirado e desceu de sua alcova pelas altas escadas. Não vinha
só; duas aias a acompanhavam. Quando a divina senhora chegou junto dos pretendentes, deteve-se ao pé do
pilar do bem construído salão; mantinha, erguidos diante do rosto, preciosos cendais; duas servas devotadas
ladeavam-na. Falou, então, em pranto ao divino aedo:
— Fêmio, conheces muitos outros cantares para enlevar os mortais, façanhas de homens e deuses, que
os aedos tornam famosas. Canta-lhes um desses, aí sentado, enquanto bebem calados o seu vinho, e deixa
esse cantar doloroso, que sempre me rói no peito o coração, pois sobre mim como sobre ninguém calou um
pesar inesquecível, tão cara é a pessoa que sem cessar recordo com saudade, meu esposo, de extensa fama na
Hélade e em meia Argos.
9
Volveu-lhe, então, o ajuizado Telêmaco:
— Minha mãe, por que reprovas o leal aedo que nos distrai como lhe dita o coração? A culpa não cabe
aos aedos, mas decerto a Zeus, que aos homens estrênuos dá conforme lhe apraz. Nenhum mal vai em que
ele cante o triste destino dos dânaos; os homens tanto mais aplaudem um cantar quanto mais novo lhes chega
aos ouvidos. Que teu coração e tua alma suportem melhor escutá-lo; Odisseu não foi o único a perder em
Troia o dia do regresso; muitos outros varões pereceram. Volta a teus aposentos, ocupa-te de teus misteres,
do tear e da roca, e manda tuas servas pôr-se ao trabalho; a palavra de ordem compete a homens,
principalmente a mim, pois que a mim cabe a autoridade nesta casa.
Ela, tomada de espanto, voltou a seus aposentos; tinha acolhido em sua alma a sábia ordem do filho.
Subiu com as aias para os aposentos de cima; em seguida, pôs-se a chorar a Odisseu, o amado esposo, até
que Atena de olhos verde-mar lhe esparziu nas pálpebras um doce sono.
Os pretendentes romperam numa algazarra pelas salas escuras; todos rezavam pela graça de deitar a
seu lado no leito. Começou, porém, a falar-lhes o ajuizado Telêmaco:
— Pretendentes à mão de minha mãe, que vos comportais com abusiva insolência: por ora folguemos
banqueteando-nos, mas sem gritaria, pois belo é escutar um aedo exímio como este, semelhante aos deuses
na voz. De manhã, vamos todos à assembleia e sentemo-nos, para que eu vos intime abertamente a ordem de
abandonar esta casa. Providenciai outros banquetes, consumindo recursos vossos e passando de casa em
casa. Se, porém, vos parece mais vantajoso e agradável que se arruíne impunemente o sustento de um único
homem, pilhai-o; eu invocarei os deuses eternos aos brados. Quiçá conceda Zeus que ações punitivas se
consumem e então pereçais, inultos, dentro destas paredes.
Assim falou ele. Todos cravaram os dentes nos lábios, admirados de ouvir Telêmaco proferir palavras
ousadas. Volveu-lhe então Antínoo, filho de Eupites:
— Telêmaco, são decerto os próprios deuses que te ensinam a altear a voz e proferir palavras ousadas.
Que jamais o filho de Crono te faça rei de Ítaca em meio ao mar, como te cabe por herança paterna.
Volveu-lhe então o ajuizado Telêmaco:
— Talvez, Antínoo, te agastes com o que vou dizer. Essa herança eu quisera recolher por outorga de
Zeus. Ou dizes tu ser essa a pior sorte no mundo? Não, não é mal nenhum reinar; a casa do rei enriquece
depressa, sua pessoa desfruta maior respeito. No entanto, existem muitos outros reis aqueus em Ítaca em
meio ao mar, moços e velhos; um deles pode lograr o posto, desde que o divino Odisseu está morto, mas
serei eu o senhor de nossa casa e dos escravos que o divino Odisseu capturou para mim.
10
[Odisseia 11: Agamêmnon conta sua história a Odisseu; Penélope ≠ Clitemnestra; Odisseu ≠ Agamêmnon
enquanto protegido de Atena…]
Ao vê-lo, chorei, com dó em meu coração e, proferindo aladas palavras, lhe disse:
— Glorioso filho de Atreu, Agamêmnon, rei de valorosos, que Parca te subjugou na dolorosa morte?
Foi acaso Posidão que te subjugou nos barcos, suscitando o sopro furioso de cruéis vendavais? Ou foste
abatido em terra por homens hostis quando lhes arrebatavas bois e belos rebanhos de ovelhas? Ou quando
lhes disputavas num combate a cidade e as mulheres?
Assim falei e ele prontamente me disse em resposta:
— Filho de Laertes, progênie de Zeus, engenhoso Odisseu, nem Posidão me subjugou nos barcos
suscitando o sopro furioso de cruéis vendavais, nem fui abatido em terra por homens hostis; quem me matou
foi Egisto. Acumpliciado com minha maldita mulher, ele preparou-me um destino de morte convidando-me a
sua casa e dando-me um banquete, como quem mata um boi na manjedoura. Tive, assim, a mais triste das
mortes. Em redor de mim foram brutalmente imolados os demais companheiros, como porcos de alvos
colmilhos em bodas, jantar de escote ou farto banquete em casa de homem opulento e poderoso. Embora
tenhas assistido à chacina de muitos homens derrubados isoladamente ou no ardor duma refrega, muito se
condoeria teu coração à vista daquelas mortes, de nossos corpos estendidos no salão entre crateras e mesas
repletas, com o chão todo inundado de sangue. Mas o grito mais dolorido que ouvi foi o de Cassandra, filha
de Príamo, que a traiçoeira Clitemnestra prostrou a meu lado; apesar de moribundo em terra, varado por um
punhal, ergui os braços, tentando golpes, mas a cadela retirou-se; nem se abalançou, embora eu estivesse
vindo para a mansão do Hades, a cerrar-me as pálpebras e fechar-me os lábios com sua mão. Tanto é verdade
que não há ente mais cruel nem mais canalha do que a mulher, quando concebe em seu coração tais pecados.
Haja vista o feito monstruoso que ela concebeu, quando preparou o assassínio do marido legítimo. E eu que
contava, ao chegar a casa, ser festejado por meus filhos e servos! Ela, porém, com suas propensões infames,
cobriu de vergonha a si mesma e até as mulheres que hão de existir no futuro, inclusive as que forem
virtuosas.
Assim falou ele e eu lhe disse em resposta:
— Santos numes! Zeus de voz longe ouvida, não há dúvida, exerce, desde o começo, seu ódio
tremendo à estirpe de Atreu por meio dos propósitos das mulheres! Muitos dentre nós pereceram por causa
de Helena e, enquanto te achavas longe, Clitemnestra armava uma cilada para ti.
Assim falei e ele prontamente me disse em resposta:
— Por isso não deves jamais tu tampouco ser bondoso com tua mulher; não lhe contes tudo quanto te
vem à mente; conta uma parte e guarda a outra em segredo. Mas tu, Odisseu, não será da parte de tua mulher
que depararás a morte; a filha de Icário, a sensata Penélope, é assaz prudente e nutre bons pensamentos no
coração. Sim, quando partimos para a guerra, deixamo-la ainda recém-casada e moça; sustinha aos seios uma
criança tenra que hoje, decerto, se assenta no número dos varões. Filho feliz! Seu querido pai o verá, quando
voltar, e ele abraçará o pai, naturalmente. A minha esposa, essa nem sequer deu tempo a que eu saciasse os
olhos na contemplação do filho: matou-me antes. Guarda em tua mente outras palavras que te vou dizer:
abica com teu barco à terra pátria à sorrelfa e não às claras; não se pode mais confiar nas mulheres.
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DIGRESSÕES E PARANARRATIVAS