1400 A ATUAÇÃO DOS CRISTÃOS CATÓLICOS E BATISTAS EM AMÉLIA RODRIGUES (1965-1985) Jeovane Santos de Jesus¹ ; Elizete da Silva². 1. Bolsista PIBIC/CNPq, Graduando em História, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected] 2. Orientadora, Departamento de História, Universidade Estadual de Feira de Santana, Email: [email protected] PALAVRAS-CHAVE: Cristãos, ditadura militar, Amélia Rodrigues. INTRODUÇÃO A instalação da República trouxe significativas mudanças que influenciaram o campo religioso brasileiro. A separação da Igreja do Estado, resultante da invasão das ideias laicas no País levou a Igreja Católica brasileira e baiana a uma reforma e a empreender novas relações políticas (SANTOS: 2007). O novo regime instalado em 1889 pôs fim ao Padroado Régio, e abalou o monopólio católico no Brasil. Os batistas norte-americanos estimulados pelos incentivos à imigração e pela derrota na Guerra de Secessão nos EUA chegaram ao País nos fins do século XIX e segundo da Silva desde o inicio foram os mais agressivos no ataque à Igreja Católica, definindo-a como idólatra responsável pela ignorância e o atraso do País (SILVA, 1998). Com um campo religioso historicamente de hegemonia católica a cidade de Amélia Rodrigues torna-se um lugar de conflitos quando da chegada de outros cristãos concorrentes e com uma forte ação proselitista. Os Católicos já tinham ligações com a cidade de Amélia Rodrigues desde o século XVII, quando as terras desta foram doadas aos Beneditinos de Salvador em 1622. (Livro oficial da cidade: 1988) As primeiras décadas da República foram marcadas por conflitos entre católicos e protestantes em diversas partes do País. É o exemplo da cidade de Amélia Rodrigues, como outras do Recôncavo Baiano, que apresentam historicamente uma hegemonia católica quando da “invasão” de seu espaço pelos Batistas, cristãos concorrentes que chegaram à cidade ainda na década de 1933 de forma embrionária com cultos nas casas dos convertidos. Os Batistas empreenderam atividades que atingiram a preeminência católica na cidade como o “Plano de Dinâmica de Evangelização” para chegar a todas as partes da cidade, mediante o uso de um discurso deslegitimador sobre os católicos para se legitimar como agentes e detentores dos bens de salvação. A vinculação destes sujeitos com a política local e as representações elaboradas acerca do contexto de Ditadura Militar se deu mediante a participação e a influência exercida pelas duas Igrejas Cristãs na cidade. O governo do primeiro prefeito da cidade, Gervásio Bacelar, advogado católico, foi acusado por seus adversários de ser comunista e de corrupção.Por outro lado, a influência exercida pelo pastor norte-americano Nell Mack 1401 Shults na Primeira Igreja Batista da cidade e a representatividade do terceiro prefeito da cidade Wilson Mota (1971-1973), casado com uma influente batista ameliense e vindo da primeira família batista da cidade, que contribui para entendermos as vinculações da Denominação Batista com a política local e estadual. METODOLOGIA A investigação tem se valido de fontes eclesiásticas: Registros paroquiais no Livro Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Lapa da cidade de Amélia Rodrigues (1965-1986); Livro Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Oliveira da cidade de Oliveira dos Campinhos (1916-1964); do Arquivo do Arcebispado de Feira de Santana: Livro Inventário Sumário do Acervo Histórico da Cúria Diocesana de Feira de Santana; Livro de Registros-Criação das Paróquias (1965); e o Livro de Relação das Paróquias da Arquidiocese de Feira de Santana. Além do Livro de Memórias do Pr. Isaías Batista, o jornal Batista Baiano e jornais como, Folha do Norte e o A Tarde. A utilização da metodologia da História Oral contribui de forma significativa para esta investigação, através do recolhimento de entrevistas de fiéis e líderes dos grupos religiosos, além de militantes políticos e populares outros que vivenciaram essa época na cidade. Elegemos o conceito de representação de Chartier para mediar esta investigação, analisando as representações elaboradas pelos sujeitos em questão no contexto histórico estudado, “identificando o modo como em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é constituída, pensada, dada a ler” (CHARTIER: 1999 p. 17). Além do conceito de Campo religioso de Bourdieu, que vincula religião e política já que "as diferentes instâncias religiosas, indivíduos ou instituições, podem lançar mão do capital religioso na concorrência pelo monopólio da gestão dos bens de salvação e do exercício legítimo do poder religioso” (BOURDIEU: 2009 p. 57). RESULTADO/DISCUSSÃO No período estudado a Igreja Católica brasileira passava por escassez de sacerdotes e uma das soluções encontradas foi a atuação de padres estrangeiros no País, sobretudo os italianos que desempenharam um significativo papel na organização popular e na luta contra a Ditadura no Brasil. Alguns como os jesuítas do CEAS e tantos outros atuaram na Bahia e em outros estados do Nordeste (SANTOS: 2009), como o padre italiano e primeiro pároco de Amélia Rodrigues, Aldo Giazzon que influenciou pessoas a se engajarem nas questões populares e fundou um espaço de socialização na cidade com a “Casa da Amizade” local de realização de atividades educacionais, catequéticas e de promoção humana. (Livro Tombo da Paróquia de Amélia Rodrigues, p. 9). A análise das fontes permite-nos avaliar o delineamento histórico do envolvimento político do Padre Aldo Giazzon ainda de forma parcial e sua contribuição para o engajamento social de alguns leigos católicos.Um exemplo é o então seminarista católico Ildes Oliveira que esteve em Amélia Rodrigues durante as atividades eclesiásticas do Padre Aldo, sendo este o incentivador para que o Prof. Ildes ingressasse na JAC (Juventude Agrária Católica). JAC que foi fundada nos anos 1930 com o objetivo de promover o debate e a reflexão para promover a ação consciente dos jovens de transformar as situações 1402 através do método ver, julgar e agir.(SANTOS:2010) Ildes Oliveira é hoje um sociólogo com importantes trabalhos sobre os trabalhadores do campo e com mais de 30 anos de atuação no MOC e na Universidade Estadual de Feira de Santana. Atribui a influência do Padre Aldo durante seu período como seminarista na cidade para a sua formação política "foi à tabua da salvação.Através dele engajei-me na JAC e aí iniciou propriamente a minha formação política" (Revista Bocapiu do Moc-nº 2.Ano 01Dez. de 2000 p 01.). A análise das Atas da Câmara de Vereadores de Amélia Rodrigues, mostra-se relevante para esta investigação, pois os debates travados entre os vereadores meses antes do golpe de 1964 e nos seguintes trazem dados de como a sociedade ameliense encarava aquele contexto e o que é ainda mais presente nas atas, os problemas enfrentados pelo prefeito Gervásio Bacelar, com as acusações de seus opositores da Arena, de ser ele o maior divulgador do “vírus vermelho” na cidade,e segundo eles com o intuito de começar na mesma, Ligas Camponesas. (Ata da Câmara de Vereadores- 52ª sessão ordinária de 7/04/64, p. 7 ). O pronunciamento do vereador Antonio Rosa sintetiza todas as acusações que serão proferidas em relação ao primeiro prefeito, adversário que iria incomodar o prefeito durante todo seu governo.Vereador conservador, Antonio Rosa colocava-se como representante dos votos anti-comunistas que o elegeu.No longo pronunciamento, percebe-se ainda a apreensão do mesmo em relação ao perigo da invasão das ideias comunistas no País e segundo ele os perigosos representantes deste na cidade que ocupam cargos dados pelo prefeito. (...) nesta hora que ainda considero grave para a nossa Pátria, e para que os meus adversários não tenha em conta de oportunista, venho levar ao conhecimento desta Casa o perigo que nos ameaça do “vírus vermelho”, talvez vindo da China comunista, de Cuba ou da Rússia, cujo maior fomentador, lavrador e propagandista deste vírus é o Dr. Gervásio Bacelar, Prefeito deste município.(Ata da Câmara de Vereadores de Amélia Rodrigues-52ª Sessão ordinária em 7 de abril de 1964,p.6) Essas acusações carece de uma análise mais profunda, por conta da maioria da Câmara ser formada pela oposição.Há fatos como o que resultou na interdição da Prefeitura por um dia em 5/10/66 e interrogátorio de horas que Bacelar foi submetido no dia seguinte, encontra-se ainda nebuloso pela falta de esclarecimentos que não foi concedida aos seus correligionários na Câmara para se ter a outra versão, tendo sido supostamente por atos ilegais na contratação de um funcionário. (Jornal Folha do Norte com título “Prefeito de Amélia Rodrigues às voltas com nossa justiça” no dia 08/10/66) (Jornal Folha do Norte de 08/10/66 / Ata da Câmara de Vereadores-152ª Sessão Ordinária de 10/10/66 p 96-97 ) Por outro lado, os batistas que no período buscavam representatividade política e contaram com a presença e o trabalho missionário na cidade do pastor norte-americano Newell Mack Shults, diretor do Seminário Batista do Nordeste de Feira de Santana (19711999), e que recebeu do poder Legislativo o Titulo de cidadão feirense; "desde a década de 1960 e não é difícil perceber na outorga do Título o colaboracionismo das principais lideranças batistas com o governo dos militares” (TRABUCO: 2008 p134). Como afirma Silva “os irmãos batistas brasileiros tinham profundos laços espirituais e ideológicos com os “irmãos da Outra América”” (SILVA: 2009 p. 37) Mack Shults que esteve presente na Igreja Batista ameliense, praticamente durante todo o período estudado recebendo destes 1403 também o título de pastor emérito em agosto de 1973, e é provável que tenha servido de ponte na relação com os irmãos norte-americanos para o recebimento de ajuda na construção do novo templo batista sendo designado um dos irmãos “para escrever uma carta de agradecimento a Igreja na América do Norte, a saber; Big Spring Sapfeit Church, Derveland, Tennesee”. (Ata da Igreja Batista de Amélia Rodrigues, 19ª sessão regular, 1972 p.74). A cidade contou com dois governos de Wilson Mota (1971-73 e 1977-83) prefeito vindo da primeira família batista da cidade (os irmãos Mota), e esposo de um das mais influentes batistas do município, a Sr.ª Aida Mota, que no período como primeira dama esteve à frente da assistência social da Igreja no cargo de diretora. O primeiro governo ocorreu justamente no mesmo período de Cleriston Andrade, prefeito de Salvador e diácono batista no período em que estes estavam mais próximos do poder político. (TRABUCO: 2009). Wilson Mota que antes de ser prefeito prestava serviços à prefeitura da cidade, vindo de uma família simples do município, casado com a Sr.ª Aida igualmente de família simples que ficou famosa na cidade pelos seus préstimos como parteira. A atuação desse político ameliense carece de mais investigação para melhor compreensão da atuação na política ameliense. Sobre o posicionamento dos batistas frente a Ditadura Militar na cidade é percebido nos registros oficiais da Igreja Batista desde os primeiros meses de 1964 a mobilização, contribuição e a adesão da Igreja Batista de Amélia Rodrigues a “Campanha Nacional de Evangelização” que através dos diversos meios como rádio,televisão, auto-falantes etc. levaria o Brasil para uma revolução espiritual.(Ata da Primeira Igreja Batista de Amélia Rodrigues, livro 02 p.16). Campanha que diz muito sobre as posições tomadas por estes cristãos frente aos acontecimentos políticos do País, intitulada de “Cristo, a Única Esperança”e que segundo Luciane Almeida tinha diversos significados entre eles, o intuito de dar uma resposta aos protestantes progressistas que tentavam atuar na sociedade em meio as mudanças do País e de igual modo, seria a confirmação do apoio batista ao Governo e seu afastamento da política que seria pertinente apenas ao Estado. Essa postura batista na cidade pode ser mensurada através da fala da Sr Aida Mota que perguntada sobre a postura da Igreja Batista da cidade diante da Ditadura afirmou que “a Igreja viveu em oração” aqueles momentos que para ela eram sinais dos tempos. (Entrevista dia 31/10/2010) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amélia Rodrigues (BA). Amélia Rodrigues: uma mulher, uma cidade. Amélia Rodrigues (BA): ED. Panorama de Noticias, 1988. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. CHARTIER, Roger. A História Cultural Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil.1990. 1404 FERREIRA, Muniz Gonçalves. O Golpe de Estado de 1964 na Bahia (Artigo). UFBA. Fonte: http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_bahia_02.pdf SANTOS, Rita Evejânia dos. Interação Fé e Vida: A “Caminhada” das Comunidades Eclesiais de Base em Feira de Santana (1980-2000) SILVA,Elizete da.Protestantes e o governo militar:convergências e divergências.Feira de Santana,2009. TRABUCO, Zózimo Antonio Passos.O Instituto Batista Bíblico do Nordeste e a construção da identidade batista em Feira de Santana (1960-1990).Dissertação.UFBA,Salvador.2009. ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (org.). Ditadura militar na Bahia: Novos olhares, novos objetos, novos horizontes. -Salvador: EDUFBA, 2009.