O ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO GAÚCHO: VOZES DISSONANTES
SOBRE A AVALIAÇÃO CONCEITUAL E OS ÍNDICES DE
APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO.
Éder da Silva Silveira1- UNISC
Marcos Vilella Pereira2 - PUCRS
Grupo de Trabalho: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Básica
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O texto confronta proposições sobre os índices de aprovação e reprovação no Ensino Médio
Politécnico, implantado na rede estadual do Rio Grande do Sul, em 2012. Utiliza-se como
fontes a publicação “O Ensino Médio e os desafios da experiência”, organizada pelo então
secretário da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, juntamente com Jonas Tarcísio Reis
(2014), bem como relatos de professores de Ensino Médio que participaram do curso
“Trabalho e Educação: tópicos especiais sobre o Ensino Médio Politécnico no RS”,
oferecido pela EaD Unisc. Naquele momento, para a SEDUC-RS, o Ensino Médio
Politécnico, já no primeiro ano de implementação, conseguiu diminuir consideravelmente os
índices de reprovação em virtude das mudanças ocorridas no currículo. A modalidade
politécnica teria provocado uma diminuição dos gastos públicos por aluno, somando
reprovados e evadidos no Ensino Médio. Nesse ensaio questionamos como os professores de
Ensino Médio estadual assimilaram a proposta curricular, e como vivenciaram as concepções
e princípios da avaliação conceitual no primeiro ano de sua implementação. A questão
norteadora centrou-se no conteúdo das narrativas de professores a respeito da avaliação que, a
partir da reforma curricular que implantou o Politécnico, passou a ser expressada por
conceitos. Confronta-se o discurso do governo com a experiência de professores que
vivenciaram a implementação do Ensino Médio Politécnico em suas escolas, trazendo ao
debate elementos que possam servir de mote para a problematização e a reflexão dos dados
estatísticos apresentados pela SEDUC-RS sobre os índices de reprovação/aprovação.
Palavras-chave: Ensino Médio Politécnico. Reforma Curricular. Avaliação.
1 Doutor em História; Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Departamento de História e
Geografia da UNISC; [email protected].
2 Doutor em Educação, Pesquisador CNPq, Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da
PUCRS; [email protected].
ISSN 2176-1396
23427
Introdução
No Rio Grande do Sul, em 2012, o governo iniciou uma reestruturação curricular no
Ensino Médio, com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio3. A partir
de então, há três modalidades de cursos: Ensino Médio Politécnico, Ensino Médio Curso
Normal e Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio. Em toda a rede estadual de
ensino, o Ensino Médio que não fosse curso “Normal” ou “Educação Profissional” passou a
ser oferecido sob a modalidade “Politécnica”.
Historicamente, o Ensino Médio no Brasil foi marcado por um “reformismo
inconsequente” (PILETTI, 2002, p.21). Só no regime republicano, mais de 11 reformas
sinalizaram movimentos contraditórios e desafiadores. Entre políticas de Estado e políticas de
governo, as mudanças curriculares no Ensino Médio não foram capazes de abrandar ou
solucionar o problema da identidade desta etapa final da educação básica, caracterizada por
ambíguos movimentos pendulares entre uma formação propedêutica, mais geral, e uma
formação profissional, mais técnica. Além disso, desafios relativos à universalização com
acesso, igualdade e qualidade social, bem como os referentes à formação de professores e à
diminuição da precarização do trabalho docente, fazem do Ensino Médio uma pauta
constantemente atualizada no campo do debate educacional brasileiro.
O estudo de Acácia Kuenzer (2010) trouxe vários dados que contribuem para essa
reflexão sobre o Ensino Médio no Brasil. Ao pesquisar diferentes documentos produzidos
pelo MEC, pelo CNE e pela sociedade civil, principalmente o Plano Nacional de Educação
2001/2010, a pesquisadora salienta que o quadro do Ensino Médio no Brasil é “preocupante”,
pois, na medida em que os problemas continuaram os mesmos nos últimos dez anos, a “última
década foi perdida para o Ensino Médio”. Segundo ela,
houve retração da evolução das matrículas entre 1991 e 2001; - em 2007 mais de
41% das matrículas foram feitas no turno da noite (alunos que trabalham ou
procuram trabalho); - a taxa de repetência de 18, 65% em 2000, aumentou para
22,6% em 2005, e de evasão, de 8% para 10%; - os dados do ENEM 2009 mostram
que os mil piores resultados foram obtidos por escolas públicas, sendo 97,8%
estaduais; - o custo do aluno do Ensino Médio por aluno é um dos mais baixos
comparados a outros países pela OCDE (KUENZER, 2010, p.851-873).
3 PARECER CNE/CEB Nº 5/2011, Aprovado em 4/5/2011. Despacho do Ministro, publicado no D.O.U. de
24/1/2012, Seção 1, Pág.10.
23428
Os dados, mesmo “descontínuos”, como salienta Kuenzer, permitiram à autora inferir
que o Plano Nacional de Educação 2001/2010 não conseguiu diminuir os problemas relativos
à permanência e sucesso dos alunos no Ensino Médio com qualidade social. Sendo assim, foi
também na “necessidade de reverter esse histórico quadro de desrespeito [...]” (KUENZER,
2010, p.859), conforme salientou, que a nova proposta de reestruturação do Ensino Médio
gaúcho encontrou guarida.
Nora Krawczyk (2011, p.755-756), na mesma direção, sublinha que o processo de
expansão do Ensino Médio ocorrido na década de 1990, não pode ser caracterizado ainda
como “um processo de universalização nem de democratização”. Para ela, “a tendência ao
declínio do número de matrículas desde 2004 e a persistência de altos índices de evasão e
reprovação” fomentam o descompasso e desenham um quadro preocupante.
Nesse contexto, o Estado Brasileiro, através do Ministério da Educação, instituiu,
com a Portaria 971 de 9 de outubro de 2009, o Programa Ensino Médio Inovador, visando
“apoiar e fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas do
ensino médio não profissional”. Desenvolver e reestruturar o Ensino Médio não
profissionalizante, expandindo e melhorando sua qualidade de ensino através do apoio às
Secretarias Estaduais de Educação, figuravam como as principais metas do Programa, que
incentivava projetos pedagógicos que promovessem “a educação científica e humanística, a
valorização da leitura, da cultura, o aprimoramento da relação teoria e prática, da utilização de
novas tecnologias e o desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras”
(BRASIL, 2009, p.52).
Em janeiro de 2012, o país define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio, em consonância com o Programa Ensino Médio Inovador. As diretrizes, também
alinhadas com princípios, fundamentos e procedimentos para a Educação Básica definidos
pelo Conselho Nacional de Educação, tinham como um de seus objetivos “orientar as
políticas públicas educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
na elaboração, planejamento, implementação e avaliação das propostas curriculares das
unidades escolares públicas e particulares que oferecem o Ensino Médio” (BRASIL, 2012).
No mesmo caminho, uma nova ação foi implementada a partir de 2014, com o Pacto
Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela portaria 1.140 de 22 de
novembro de 2013. Com um programa de formação voltado para docentes do Ensino Médio,
o Pacto prevê o aprofundamento e materialização dos seguintes pressupostos: “trabalho,
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ciência, tecnologia e cultura como dimensões da formação humana; trabalho como princípio
educativo; pesquisa como princípio pedagógico, direitos humanos como princípio norteador e
sustentabilidade socioambiental como meta universal” (BRASIL, 2013).
Sabemos que a reforma que implantou a modalidade Politécnica no Rio Grande do
Sul insere-se em diferentes contextos. No entanto, é nesse mosaico de movimentos
aparentemente consonantes e convergentes4, sobretudo a partir de 2009 com o Programa
Ensino Médio Inovador, que a reestruturação do Ensino Médio gaúcho se inseriu e encontrou
guarida.
Observamos que as principais mudanças da reforma que implantou o EMP no RS
concentram-se nos eixos da pesquisa, da avaliação, do planejamento e da significação
interdisciplinar dos conteúdos, destacando-se a criação de um novo componente curricular,
chamado de “Seminário Integrado”.
O Seminário Integrado tem um papel fundamental na estrutura do novo currículo,
particularmente no que tange à produção e execução de projetos de pesquisa (ou projetos de
“vivenciais”, como também são chamados) e às possibilidades de integração de áreas e
saberes na escola. O discurso do governo do Estado do RS dizia que a “formação politécnica
é de caráter científico-tecnológico e sócio-histórico, pois parte do contexto social e cultural
dos alunos, na integração de todos os conteúdos”, destacando-se o “diálogo entre campos de
saber aparentemente não aproximáveis [...]” (AZEVEDO e REIS, 2014, p.35).
Silveira e Pereira (2014) apresentam e refletem sobre alguns aspectos relativos à
dinâmica de trabalho defendida para o Seminário Integrado e a ideia de interdisciplinaridade
expressa nos documentos da reestruturação do Ensino Médio. Segundo os autores, uma das
necessidades ou desafios da formação de professores está em repensar a questão da
interdisciplinaridade, a partir de uma revisão reflexiva das formas como ela tem sido
concebida e tratada no discurso e na prática docente. Pensamos que é preciso superar a ideia
contida nas orientações da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul de que “o
pressuposto básico da interdisciplinaridade se origina no diálogo das disciplinas, no qual a
comunicação é instrumento de interação com o objetivo de desvelar a realidade”
(PROPOSTA..., 2011, p.19). Consideramos a necessidade de pensar que a construção
interdisciplinar do conhecimento só ocorre quando o aluno consegue, através de meios,
4
Vale destacar que nesse mosaico de movimentos também se inserem os que (re)tomaram e ampliaram a
discussão sobre politecnia, Ensino Médio Integrado e trabalho como princípio educativo. Ver, por exemplo:
Kuenzer (1989), Saviani (1989, 2007), Ramos (s.d.), Nosella (2015).
23430
atividades e estímulos, executar e/ou produzir associações entre diferentes áreas e saberes.
Para nós, “na interdisciplinaridade as disciplinas não perdem seu caráter disciplinar, uma vez
que permanecem sendo universos de referência limitados por uma zona de imobilidade. É o
sujeito quem realiza o trabalho interdisciplinar. Não há uma condição, um estado
interdisciplinar em si entre as disciplinas.” (PEREIRA, 2014, p.122) O diálogo entre as
disciplinas não garante, por si só, a construção ou significação interdisciplinar do
conhecimento. A interdisciplinaridade “é um processo mais complexo que deriva de outros
tipos de interação, especialmente os que a neurociência nos indica em relação ao cérebro
humano e a aprendizagem” (SILVEIRA e PEREIRA, 2014).
Interessa-nos, agora, ensaiar proposições que possam servir de mote para a reflexão
sobre a percepção da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul (SEDUC-RS) sobre os
índices de aprovação e reprovação, a partir das mudanças que se apresentaram, desde 2012,
nas práticas da avaliação escolar no EMP.
A Avaliação no Ensino Médio Politécnico entre a percepção do Estado e a realidade
narrada pelos professores
Relembremos aqui algumas mudanças da reestruturação no campo da avaliação, de
forma que possamos analisar a percepção do Estado e de professores a respeito dos índices de
aprovação/reprovação, após transcorridos os três anos de Ensino Médio Politécnico.
Primeiramente, as escolas ficam proibidas, a partir de 2012, de expressarem o
resultado da construção da aprendizagem dos alunos através de notas. O regimento do EMP
defende uma “avaliação emancipatória”, na qual a expressão dos resultados se dá através de
três conceitos: CSA – Construção Satisfatória da Aprendizagem; CPA – Construção Parcial
da Aprendizagem; CRA – Construção Restrita da Aprendizagem. A avaliação, no Regimento
do Ensino Médio Politécnico, tem funções “diagnóstica, formativa, contínua e cumulativa”.
Desde 2012, durante o período letivo, ocorrem dois tipos de avaliação da aprendizagem no
Ensino Médio: por área do conhecimento e por componente curricular. Conforme o
Regimento (2012, p.19-21):
Como síntese desta construção, o coletivo dos Professores das Áreas de
Conhecimento, em interface com a auto avaliação do aluno, após o planejamento, a
execução e a avaliação do desempenho do aluno no seu processo de construção do
conhecimento, estabelece, por consenso, como expressão do Resultado Parcial
(trimestre) e Final, para Ensino Médio Politécnico, a seguinte formulação:
23431
Construção Satisfatória da Aprendizagem (CSA) – expressa a construção de
conceitos necessários para o desenvolvimento dos processos da aprendizagem,
embasados na apropriação dos princípios básicos, desenvolvidos na formação geral das áreas do conhecimento e na parte diversificada, relacionados no Plano de
Trabalho do Professor. É atribuída a cada trimestre e ao final do período letivo. Este
conceito ao final do período letivo resulta na APROVAÇÃO DO ALUNO.
Construção Parcial da Aprendizagem (CPA) – expressa construção parcial de
conceitos sobre o desenvolvimento dos processos da aprendizagem, embasados na
apropriação dos princípios básicos, desenvolvidos na formação geral - nas áreas do
conhecimento e na parte diversificada, relacionados no Plano de Trabalho do
Professor. É atribuída a cada trimestre e ao final do período letivo. Durante o
período letivo este conceito encaminha o aluno às atividades de Plano Pedagógico
Didático de Apoio. Ao final do período letivo o aluno que recebe como resultado
final o conceito CPA em uma área de conhecimento está aprovado, devendo realizar
o PPDA; o aluno que receber CPA ou CRA em apenas uma área de conhecimento,
mas com características de dificuldades mais complexas, é considerado CPA, e está
aprovado com PROGRESSÃO PARCIAL, devendo realizar o PPDA, construído a
partir do parecer descritivo elaborado no Conselho de Classe.
O aluno promovido com Progressão Parcial no final do 1º e do 2º ano será
submetido ao Plano Pedagógico Didático de Apoio. Ao final do 3º ano, o aluno será
encaminhado ao PPDA na alternativa de Estudos Prolongados.
Ao final do ano letivo o aluno que receber CPA, em mais de uma área de
conhecimento é considerado com CRA e está reprovado.
Construção Restrita da Aprendizagem (CRA) – expressa a restrição, circunstancial,
na construção de conceitos para o desenvolvimento dos processos da aprendizagem,
embasados na apropriação dos princípios básicos desenvolvidos na formação geraláreas de conhecimento e na parte diversificada, relacionados no Plano de Trabalho
do Professor. É atribuída a cada trimestre e ao do final do período letivo. No
decorrer do ano letivo o aluno deve ser submetido a atividades constantes no Plano
Pedagógico Didático de Apoio.
No final do ano, se este conceito for atribuído ao aluno em apenas uma área do
conhecimento, transforma-se em CPA e o aluno é APROVADO com Progressão
Parcial.
No final do ano, se este conceito for atribuído ao aluno em mais de uma área de
conhecimento, determina retenção, e o aluno está REPROVADO.
A avaliação por área do conhecimento impõe às escolas e aos responsáveis pela
formação de professores uma série de questões. Para melhor compreensão, imaginemos que
um aluno é avaliado individualmente no trimestre por cada um dos componentes curriculares
e seus respectivos professores. Ao final do trimestre, no Conselho de Classe, os professores,
por área do conhecimento e por consenso, atribuirão um único conceito da área por aluno. E é
esse conceito da área que aparece no boletim. Ou seja, a avaliação da área se sobrepõe à
avaliação individual por componentes. Isto quer dizer que um aluno que, por exemplo,
receber o conceito CPA (Construção Parcial da Aprendizagem) na área de Ciências Humanas
não quer dizer que tenha sido CPA em todos os componentes da área (História, Geografia,
Filosofia, Sociologia).
Os componentes curriculares organizam-se por área, a avaliação final trimestral e
anual dos alunos também é por área. Entretanto, quase não existe planejamento por área.
23432
Consideramos que é preciso investir em estratégias de formação continuada para que haja
compreensão, por parte dos docentes, dos motivos pelos quais os componentes curriculares do
Ensino Médio organizam-se por áreas do conhecimento. É preciso que os professores se
perguntem o que caracteriza sua área do conhecimento, as especificidades da área, etc. É
necessário questionar quais são os objetivos e competências comuns aos componentes
curriculares de uma mesma área. Caso contrário, como conseguirão realizar uma prática
pedagógica e um processo avaliativo coerente com a ideia de partilha? Quais critérios estarão
guiando esses professores nos “consensos” dos Conselhos de Classe? O planejamento por
área torna-se, então, fundamental para qualificar o trabalho pedagógico na escola,
especialmente nos momentos de avaliação, Conselhos de Classe e elaboração dos Planos
Pedagógicos Didáticos de Apoio. Do mesmo modo, talvez seja necessário que a Universidade
promova, nos currículos das licenciaturas, momentos de reflexão, compreensão e formação
sobre o trabalho pedagógico, a partir de um currículo que se organiza por áreas do
conhecimento.
Tabela 1 - Síntese da avaliação – Ensino Médio Politécnico
SÍNTESE DA AVALIAÇÃO – ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO
PERÍODO
S
s
1º e 2º ANOS
S
3º ANOS
REGISTRO
CSA = Aprovado
CPA * = Aprovado com
PPDA
(com
“recuperação”)
CONCEITOS
DURANTE
O ANO LETIVO
(TRISMESTRAL)
CRA= Reprovado no
trimestre (com PPDA)
s
s
Idem aos 1º e 2º anos.
(a partir de 2014)
* Pode ocorrer em mais
de um componente
curricular e em mais de
uma área.
CONCEITO NO
FINAL DO ANO
LETIVO
Por componente curricular
(professor/diário de classe)
CSA = Aprovado
CSA = Aprovado
CPA * = Aprovado com
PPDA/PP (com Plano
Pedagógico de Apoio
para
Progressão
Parcial
no
ano
seguinte).
CPA * = Aprovado com
PPDA/EP (com Plano
Pedagógico de Apoio
para
Estudos
Prolongados no ano
seguinte).
*
Admite-se
este
conceito no final do
ano em apenas uma
área do conhecimento.
*
Admite-se
este
conceito no final do
ano em apenas uma
área do conhecimento.
CRA = Reprovado (a
partir de duas áreas do
conhecimento)
CRA = Reprovado (a
partir de duas áreas do
conhecimento)
E
Por área de conhecimento
(Conselho de Classe / Diário
de Classe / PPDA)
23433
Fonte: tabela demonstrativa realizada pelos autores
Em 2014, o então secretário da Educação do Estado do Rio Grande do Sul,
juntamente com Jonas Tarcísio Reis, organizam e publicam a obra “O Ensino Médio e os
desafios da experiência”, através da Fundação Santillana e Editora Moderna. Este livro,
tomado como um documento, permite aferir o discurso e a avaliação que o governo realizou
sobre a reestruturação curricular iniciada em 2012. Considerando os limites e recortes desse
artigo, elegemos, para nossa análise, a percepção do Estado e de professores a respeito dos
resultados da reestruturação curricular, com destaque aos índices de aprovação e reprovação
no Ensino Médio Politécnico. Serão tomados, como fontes para identificar o discurso do
governo gaúcho na gestão do professor José Clóvis de Azevedo, o referido livro e texto(s)
assinados por ele. Para identificar a percepção e a fala de professores que vivenciaram a
implementação do EMP no RS, utilizaremos as manifestações textuais dos professores de
Ensino Médio que participaram do curso “Trabalho e Educação: tópicos especiais sobre o
Ensino Médio Politécnico no RS”. Trata-se de um curso de extensão ministrado por um dos
autores, através da EaD Unisc. As doze sessões desse curso contribuíram para uma prática
dialógica com colegas professores de Ensino Médio de diferentes cidades do Estado, que
estavam vivenciando a reestruturação curricular. Nos fóruns de discussão das salas virtuais, os
professores participantes relataram exemplos de diferentes leituras, práticas e necessidades
que enfrentavam em suas escolas em relação à implementação do Novo Currículo. Os relatos
dos professores, registrados nos diferentes Fóruns desse curso, foram utilizados como fontes e
alguns serão utilizados aqui como indicadores da percepção docente sobre o mesmo processo.
Na visão da SEDUC-RS, gestão 2011-2014, o Ensino Médio “tradicional”
demonstrou historicamente sua inadequação concretizada em “resultados negativos”. Para ela,
o EMP trouxe bons resultados já no primeiro ano de implementação, em 2012:
O EMP mostrou bons resultados no seu primeiro ano de implementação, 2012. A
reprovação diminuiu de 22,3% para 17,9%. Como consequência direta dessa nova
forma de organização curricular, a aprovação passou de 66,3% para 70,4%. Em
2013, quando a reforma atingiu os segundos anos, a aprovação do primeiro ano do
Ensino Médio passou para 63,7% e no segundo ano foi de 74,1% a 76,9%, e de
reprovação 16,4%. São dados sem precedentes na história da educação gaúcha. A
garantia da aprendizagem começa a ser aprofundada (AZEVEDO e REIS, 2014,
p.41).
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Para a SEDUC-RS, o EMP, já no primeiro ano de implementação, conseguiu
diminuir consideravelmente os índices de reprovação em virtude das mudanças ocorridas no
currículo que instituiu o Politécnico. Essas mudanças teriam provocado uma diminuição dos
gastos públicos por aluno, somando reprovados e evadidos no Ensino Médio.
Teriam os professores de Ensino Médio assimilado a proposta curricular e
conseguido materializar concepções e princípios da “avaliação conceitual e emancipatória”, já
no primeiro ano de implementação? O que dizem as narrativas dos professores a respeito da
avaliação no primeiro ano de implementação? Em que medida é possível confrontar a
narrativa dos professores com a da SEDUC a esse respeito?
Ocorrido no formato EaD entre 2012 e 2013, o curso de extensão “Trabalho e
Educação: tópicos especiais sobre o Ensino Médio Politécnico” aglutinou em suas doze
edições professores de diferentes cidades e escolas da rede pública estadual do RS. O curso
ocorria em três semanas e nele destacavam-se dois Fóruns de Discussão entre os participantes.
Enquanto um dos fóruns abordava questões de ordem mais conceitual, o outro provocava um
intercâmbio de experiências. O Fórum conceitual exigia a participação dos professores em um
debate que partia da seguinte sentença “Assumir o trabalho como princípio educativo é ir
além da defesa de uma simples contextualização dos conteúdos em sala de aula”. O Fórum
de experiências era dedicado ao registro das impressões dos professores quanto ao que fora
abordado no 3º caderno de estudos do curso (Dinâmica de trabalho do Seminário Integrado e
avaliação), solicitando a realização de um intercâmbio de experiências através da questão:
“como vocês e seus alunos estão vivenciando esta nova disciplina na escola? Como vocês
analisam suas experiências após os estudos realizados em nosso curso?”. Selecionamos entre
os dois Fóruns algumas postagens que representam as angústias vivenciadas por diferentes
professores sobre a mudança curricular, particularmente sobre a avaliação.
A situação aqui não está diferente da de vocês, colegas. Concordo com vocês:
muita mudança, pouca orientação. As mudanças vão ocorrendo durante o ano letivo.
Notas, conceitos, regimento, seminários, projeto vivencial... mas a prática continua a
mesma. Professora 2, 2012/2.
Olá, colegas! Manifesto minha indignação sobre o que aconteceu em minha escola.
No último Conselho de Classe fomos orientados pela direção a transformar as notas
nos conceitos através de uma grade de equivalência apresentada aos professores.
Fizemos a avaliação por notas e, no final, tivemos de alterar no caderno de chamada
para conceitos. Quando vimos, tivemos uma número excessivo de alunos com CPA,
o que aumentaria muito o número de reprovações. Tivemos que passar muitos
alunos para o conceito CSA para não nos incomodar ou correr o risco de voltar para
a escola em Janeiro, tamanha a confusão que nos encontramos. Ou seja: todo um
23435
trabalho de avaliação durante o ano que não valeu para nada, pois o que parece é que
o que vale é aumentar o número de aprovados mesmo. Professor 3, 2012/2.
Na escola de uma colega não foi diferente, professor. Agora no final do ano fomos
orientados a deixar os alunos com CSA, pois a diretora disse que quem ficasse em
mais de uma área com CPA teria de vir em janeiro fazer a tal de PPDA que ninguém
sabe explicar o que é e como se faz. Professor 4, 2013/1.
As falas dos professores exemplificam e provocam questionamentos sobre a
percepção oficial do sucesso da reestruturação curricular nos índices de reprovação/aprovação
no primeiro ano do Ensino Médio Politécnico. Elas denunciam que a diminuição dos índices
de reprovação também estão relacionados aos diferentes problemas enfrentados pelos
docentes no campo da prática.
Temos escutado colegas que estão na rede atuando no Ensino Médio e percebemos
que o ato de avaliar é carregado de dificuldades, vícios e práticas ritualizadas que se
distanciam do trabalho que os professores realizam com seus alunos. Na prática escolar, a
lógica da nota e do quantitativo ainda permanece5. E não se trata apenas de resistência. Tratase, principalmente, de um não saber fazer diferente, de não conseguir criar estratégias e
instrumentos que traduzam a orientação teórica e metodológica da avaliação no Ensino Médio
em práticas satisfatórias. A discussão e apropriação de conceitos, métodos e funções da
avaliação no espaço escolar estiveram ausentes ou foram trabalhados superficialmente nas
escolas. Da mesma forma, o discurso do governo a respeito dos índices de aprovação e
reprovação no EMP oculta as dificuldades e os impactos no campo da prática escolar. Os
dados apresentados pelo governo não contextualizaram com o que estava ocorrendo na
realidade escolar.
[...] As notas que até então eram utilizadas deverão ser substituídas, este ano (para
amanhã), obrigatoriamente por conceitos CRA, CSA, CPA. Isso implica numa série
de mudanças que exigiram um tempo de assimilação e discussão que não foi
disponibilizado. Essa orientação seria para o próximo ano, porque exige a
reorganização das disciplinas que serão elencadas em "grandes áreas de
conhecimento": humanas, ciências da natureza, linguagens, matemática, ... Não
preciso te dizer o resultado: caso algum aluno reprovasse somente na disciplina "x"
teríamos que montar um planejamento e enviar para CRE explicitando todas as
atividades previstas para auxiliar o aluno a construir aprendizagens não construídas
este ano, ou seja, o aluno avançaria e faria uma "espécie de dependência " ano que
vem... Estou em alas com meus cadernos de chamada! Fui orientada a adulterar
5
A constatação está baseada em outra etapa da pesquisa que foge do escopo desse ensaio. Nela, um de nós
visitou 15 escolas para realizar formação continuada e coleta de dados sobre a maneira como ocorriam e se
articulavam Avaliação Conceitual e Planejamento. As escolas visitadas estão localizadas em 10 diferentes
cidades: Porto Alegre, Arroio dos Ratos, São Jerônimo, Charqueadas, Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul, Dois
Lajeados, Garibaldi, Carlos Barbosa e Antônio Prado. A pesquisa está vinculada a um plano de estágio de pósdoutoramento em Educação no PPGEdu da PUC-RS.
23436
dados para que todos alunos aprovem, caso contrário eu e minha "equipe/área"
teríamos que passar o natal montando planos. Nesse sentido, tive que priorizar
escolhas...Minha obrigação é entregar até amanhã as notas das demais turmas e
pareceres do ensino Politécnico para a secretaria, impreterivelmente. Passei o meu
dia envolvida nisso. As arbitrariedades do sistema e a falta de noção das CREs
continuam burlando a educação. Mesmo tentando agir corretamente, questionando,
chorando e argumentando, vejo que minhas concepções e ideologias estão
sendo "engolidas" pelo maldito sistema. Professora 5, 2013/1
Relatos como o da professora acima denunciam importantes contradições e
antagonismos entre a fala do governo e a fala dos professores, quanto aos índices de
aprovação/reprovação no primeiro ano da reforma curricular do Ensino Médio gaúcho. Os
índices de aprovação e reprovação do Ensino Médio da rede estadual de ensino no Rio
Grande do Sul ocultaram a experiência de professores que, como no exemplo acima, durante
o ano de 2012, trabalharam a avaliação na lógica da nota e, ao final do mesmo ano, foram
surpreendidos pela obrigação de apresentar conceitos e pareceres.
No campo da avaliação, se houve rupturas, também percebe-se permanências em
relação às práticas docentes no Ensino Médio Politécnico. O regimento defende uma
“avaliação emancipatória”, na qual a expressão dos resultados se dá através de conceitos.
A finalidade da Avaliação Emancipatória é diagnosticar avanços e entraves, para
intervir, agir, problematizar e redefinir rumos a serem percorridos. Propicia a
mudança e a transformação e, dessa forma, não se reduz a mera atribuição de notas,
conceitos ou pareceres que sinalizam aprovação ou reprovação, já que o processo
educacional não pode ser tratado nem reduzido a esses aspectos. A investigação
contínua sobre os processos de construção da aprendizagem demanda rigor
metodológico, que se traduz por registros significativos, sinalizando as
possibilidades de intervenção necessárias ao avanço e à construção do
conhecimento. (REGIMENTO..., 2012, p.16-17.)
Considerações Finais
Não pretendemos, ao final desta reflexão, apresentar conclusões definitivas. Ao
contrário: nossa intenção resume-se à constatação (quase óbvia) de que perduram
contradições severas entre o discurso oficial e as práticas implementadas. A Rede Estadual de
Ensino no RS, assim como outros espaços institucionalizados da Educação Básica, carrega
marcas profundas de uma cultura de avaliação quantitativa e expressa por notas. Ela
caracterizou-se mais como fim e não como um meio ou processo. Uma das dificuldades
23437
enfrentadas pelos professores tem sido migrar de uma avaliação quantitativa, expressada por
notas ou conceitos, para uma qualitativa, baseada em pareceres e ponderações.
Confrontar o discurso do governo com a experiência de professores que vivenciaram
a implementação do Ensino Médio Politécnico em suas escolas, permite preencher o hiato
produzido pela distância e pela contradição entre teoria e prática, na trajetória da Reforma
Curricular do Ensino Médio no estado. Eventualmente, podemos afirmar que esse dilema não
tem solução, uma vez que nem é plausível alcançar-se um consenso pleno ou uma
unanimidade, nem que se chegue a um ponto de convergência sem diferenças. Entendemos
que o caráter democrático está no percurso, no processo propriamente dito, e não em algum
estado das coisas a que se acede com o passar do tempo.
De qualquer forma, embora o EMP, através do Seminário Integrado, possa contribuir
para inaugurar uma experiência curricular que estimule novas e profícuas dinâmicas em
relação à pesquisa e à interdisciplinaridade, parece que muito há ainda o que se fazer,
especialmente a partir da escuta dos docentes sobre os “desafios da experiência” do
Politécnico no RS. Experiência denota um caminho formativo pautado no permanente
deslocamento dos sujeitos nele envolvidos, ou seja, aqueles que partilham uma experiência,
ao vivê-la, deixam de ser o que vinham sendo, em favor de algo que ainda não eram
(PEREIRA, 2013). Assim, o caminho é sempre incompleto. Especialmente no campo do
planejamento e da avaliação, as diferentes vivências da reestruturação curricular do Ensino
Médio gaúcho apontam para a necessidade de analisar qualitativamente os dados estatísticos
apresentados pela SEDUC-RS sobre os índices de reprovação/aprovação.
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