UM MUNDO QUASE IGUAL AO NOSSO
Álfio De Vuono
CAPITULO I
O Comandante Jonas estava particularmente desanimado aquela
manhã. Entrou na cabine de comando, cumprimentou os que ali estavam com um
sussurrado Bom Dia, e esparramou-se na sua poltrona olhando distraidamente a
paisagem estelar no telão de vídeo a sua frente.
Clark que estava sentado ao seu lado, levantou os olhos do livro que
estava lendo, e perguntou:- O que foi? Está com cara de quem perdeu o último trem
do metrô!
Jonas sorriu. Alguém falar de metrô naquela distância do Planeta Terra,
parecia uma observação bastante irreal.
O sorriso porém, durou somente um instante, voltou-se para o seu
Subcomandante e respondeu: - Oito anos dentro desta lata, e até agora nada.
-Ora! Também não é assim...a última estrela que passamos tinha uns
planetas até bonitinhos – Gracejou Clark.
-Uma estrela de sexta grandeza, e uns planetas mais áridos que a Lua.
-Pois então! Da mesma maneira que achamos esse sistema, podemos
localizar outros...
-Eu sei...na verdade só estou revelando minha impaciência.
Jonas tinha motivos para estar desanimado. Comandava uma
avançadíssima espaçonave, com uma tripulação de homens e mulheres altamente
treinados, com o objetivo único de localizar um ou mais sistemas estelares com
vestígios de vida.
A mais de oito anos que viajavam percorrendo bilhões de quilômetros
por dia. Já tinham achado várias estrelas, algumas com planetas, mas as analises nada
tinham registrado. Todas as informações das sondas eram de planetas em brasa, a
maioria inóspitos como asteróides, ou gelados como o espaço.
-O.K. – disse Clark, depois do desabafo do Comandante. Levantou da
poltrona, e pousando o livro no painel, completou: - Vamos malhar um pouco, assim
acaba sua impaciência.
-Boa idéia,... Hoje te dou uma surra.
O Subcomandante deu uma sonora gargalhada, e sentenciou:- Precisam
dois Comandantes para isso!
Alguns minutos depois, os dois Comandantes, mediam
forças no salão de ginástica da nave, sob os aplausos, e vaias de quatro tripulantes.
Clark era um gigante de dois metros de altura, mas não levava muita
vantagem com Jonas, um lutador ágil e experiente, campeão de muitas modalidades
de luta.
O Subcomandante já estava praticamente dominado, quando acima da
gritaria dos torcedores, a voz de Agatha fez-se ouvir nos alto-falantes.
- Comandante, temos novidades, solicitamos sua presença no Centro.
Jonas soltou de imediato o companheiro, lhe deu um tapa na nuca,
levantou-se, e comentou: - Será que vai ser desta vez?
A tripulação daquela nave era constituída de quatorze casais. Alguns
mantinham entre si uma relação matrimonial, outros se consideravam noivos, os
restantes não tinham compromissos sérios, e mantinham entre si uma amizade
colorida. Viviam juntos naquela espaçonave a oito anos, como uma grande família.
Desavenças já tinha havido várias, prisões também, nada porem muito sério, pelo
menos até ali.
Apesar do Comandante tentar manter com pulso firme a hierarquia, a
convivência prolongada tinha relaxado um pouco a disciplina, e o comportamento
entre eles. Por isso, naquele momento ambos saíram correndo do salão de ginástica, e
sem se preocupar em trocar de roupa, foram direto para o Centro de Análise e
Pesquisa.
Dois homens, e duas mulheres, no meio de uma parafernália de botões,
gráficos, computadores, e vídeos, comandados por Agatha, uma jovem loira, noiva de
Jonas, rastreavam no espaço sistemas estelares que pudessem interessar a missão.
Clark, e o Comandante, entraram rapidamente no Centro, Jonas logo
perguntando: - Alguma novidade?
Agatha sorrindo, empunhou uma fina vareta metálica, dirigiu-se a uma
enorme tela de vídeo apontou um ponto brilhante no meio de outros, no fundo negro
do espaço, e disse: - É uma estrela de quinta grandeza, igual ao Sol... Detectamos seis
planetas... Dois pelo menos tem possibilidades.
- Ótimo! – disse Jonas.
Deu um beijo na testa de Agatha. E concluiu: - Vamos lá.
Depois de alguns dias (terrestres) da descoberta da estrela, a nave
devorando o espaço a uma velocidade espantosa se aproximou de seu destino.
“Esperança”, nome que tinham dado a estrela, que antes era um
simples ponto luminoso no vídeo, já tinha o tamanho de uma laranja, e crescia a cada
dia na tela.
A ansiedade tomou conta da tripulação, e todos os sentidos estavam
voltados para o Centro de Análises.
Agatha, e sua equipe já tinham iniciado a pesquisa dos dois planetas
que mais pareciam ter possibilidades.
Os computadores que decodificavam as informações vindas dos
equipamentos de pesquisa, forneciam a cada dia dados cada vez mais promissores.
Passaram alguns dias, até que as últimas análises apareceram nos
vídeos.
Nem bem a equipe tomou conhecimento, um “hurra” de satisfação
ecoou no Centro de Analise, escutado pelos alto-falantes por toda a tripulação, que
em coro vibrou também com a noticia.
Agatha, com uma folha de relatório nas mãos correu para a cabine de
comando, onde Jonas, Clark, e mais dois pilotos, tendo escutado os gritos de alegria,
aguardavam ansiosamente noticias do Centro.
A expectativa foi pequena. A astronauta entrou correndo na cabine, e
com um largo sorriso, entregou o relatório ao Comandante, com um único
comentário: - É uma maravilha!
Realmente estavam certos. O planeta parecia ser um irmão gêmeo da
Terra.
As únicas diferenças reais que existiam, eram os fatos de não ter
satélites, e as florestas vistas pelo telescópio terem uma tonalidade verde-amarelada.
De resto, um teor de oxigênio um pouco maior que a Terra, uma superfície maior de
terra firme, mares de tom esverdeado, eram todas as diferenças que puderam detectar.
Jonas, nem bem terminou de ler o relatório, exclamou: - Gente! Se é
coberto de vegetação deve ter vida animal também! Não acham?
Todos confirmaram ao mesmo tempo, e o Comandante virando para a
noiva pediu: - Agatha, mostre para nós esse planeta.
- Pois não – Afirmou a moça, e se dirigiu para o painel de controle, em
frente ao vídeo que agora mostrava a Estrela no centro da tela, quase do tamanho de
uma bola de futebol. Chegando lá, acionou alguns botões, e em instantes “Esperança”
desapareceu da tela, e no seu lugar se viu uma brilhante meia Lua, se destacando no
fundo negro do céu.
A visão apesar de ser comum, teve para eles o sabor diferente do
desconhecido, da aventura, do inimaginável.
Sentiram-se como os desbravadores na Terra, que a custa muitas vezes
da própria vida, desvendaram todos os segredos do Planeta.
-Clark, - disse Jonas, depois de alguns instantes de contemplação do
Planeta – Vamos ver o que tem lá... programe a nave para entrar em órbita na linha do
Equador.
- Ouviram a ordem – afirmou Clark dirigindo-se aos dois pilotos, e
completou: - Vamos trabalhar.
Os três dirigiram-se para os painéis de controle, enquanto o
Comandante, colocando o braço sobre o ombro de Agatha, e ainda contemplando o
Planeta no vídeo, perguntou como que para si mesmo: - O que será que vamos
encontrar lá?
- Não faço idéia, - respondeu Agatha – mas se houver vida inteligente,
espero que sejam amigos.
Clark e os dois pilotos, durante dois dias terrestres, revezaram-se nos
controles da nave.
Auxiliados pelo computador da nave, determinaram a rota, corrigiram
pequenos erros de direção, entraram em órbita, corrigiram a velocidade, e quando os
propulsores pararam, estavam perfeitamente sincronizados com a rotação do Planeta,
a algumas centenas de quilômetros de altura.
Tinham “estacionado” entre a Estrela e o Planeta, e na tela no vídeo,
ocupando quase toda sua superfície, ele aparecia, num tom verde azulado, mostrando
por entre as nuvens brancas de um lindo dia, os contornos tênues de um imenso
continente.
Clark fez os últimos ajustes nos controles, girou na poltrona, e
dirigindo-se para o Comandante, apontou a tela e disse: - Missão cumprida!
- Excelente! – exclamou Jonas, ao mesmo tempo que pegou o vídeofone, ligou para a cabine de transmissão, e quando atenderam, perguntou: - John,
alguma novidade?
John, responsável por todo o sistema de transmissão,e recepção da
nave, vinha a dias tentando “escutar” alguma coisa nos potentes equipamentos, sem
nenhum resultado. Foi por isso que com voz desalentada, respondeu ao Comandante:
- Jonas, parece que o Hertz deles não nasceu ainda por aqui... Não tem nenhum
sinal...
- Bem, isso não quer dizer nada. Nós também na Terra éramos mudos
até bem pouco tempo... Concorda?
- É, mas seria bem mais interessante se a gente captasse algum “rock
pauleira” vindo lá de baixo... Não acha?
- Está bem – confirmou Jonas, rindo da idéia, e encerrando a conversa
aconselhou: - Continue tentando.
Virou então para Clark que o observava interrogativamente, e disse –
WE existem estão se comunicando com pombos correios.
- Eu imaginava isso!
- Porque? – perguntou Jonas.
-Muito verde lá em baixo, muita mata. Civilizações avançadas já
teriam destruído toda essa cobertura.
- Também não é assim. Você está admitindo que todas as civilizações
que por ventura existam no Universo sejam constituídas de vândalos, como na Terra.
Clark levantou as mãos em tom de desculpa, e Jonas batendo a mão no
seu ombro, disse: - Vamos ver se Agatha tem alguma novidade.
Ambos saíram da cabine de comando, e por um largo corredor
alcançaram o Centro de Análise e Pesquisa.
Os técnicos comandados pela cientista, estavam todos ocupados
analisando os dados vindos do Planeta.
Clark, e o Comandante se aproximaram de Agatha em pé, encostada
numa poltrona, e sem rodeios Jonas perguntou: - Que me diz?
-Oh! É desalentador, não achamos nada até agora que indique algum
tipo de civilização.
- Nem vida?
- Sim. Isso é possível. O telescópio mostra lagoas, florestas, campos,
mas nada que se pareça com uma cidade ou um aglomerado de casas. Alguns campos
são cortados por trilhas tortuosas que só podem ser de animais.
- Nada com traçado geométrico? – perguntou Clark
- Estradas, você quer dizer? – inquiriu Agatha
- Sim!
- Nada... Nem retas, nem curvas...Nada.
- Bem, se tiver animais, já é alguma coisa. O diabo é se forem
dinossauros – gracejou Clark.
- Não... disse Agatha – Animais grandes teriam sido detectados...
- Bem... Para sabermos com certeza, só descendo lá – disse Jonas, e
virando para o Subcomandante, pediu: - Convoque uma reunião de toda a tripulação
para daqui uma hora.
- Positivo. – disse Clark, saindo do Centro para cumprir sua missão.
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CAPITULO II
No pequeno auditório da espaçonave, toda a tripulação reunida,
aguardava a presença do Comandante.
Alguns minutos depois, Jonas acompanhado de seu Subcomandante,
entraram no salão, e se acomodaram num balcão, em frente a toda a tripulação.
Em instantes as conversas cessaram, e no silencio que se seguiu, o
Comandante falou:
- Meus amigos, finalmente temos lá em baixo, algo de positivo.Espero
que seja o primeiro de muitos outros. Não parece ser um planeta habitado por seres
inteligentes, mas fornece todas as condições para a vida de seres humanos, portanto
devemos efetuar uma exploração mais detalhada. Essa é nossa missão. Amanhã
faremos uma primeira expedição a superfície do planeta...
Todos bateram palmas, interrompendo a palavra do Comandante,
entusiasmados com a noticia.
Jonas pediu silencio e continuou: - Antes de falarmos da expedição,
queria informar, e deve constar do diário de bordo, que por ser o primeiro planeta que
encontramos com características semelhantes a Terra, resolvemos dar-lhe o nome de
Pioneiro...
- Viva o Pioneiro! – gritou um tripulante no meio do auditório, e toda a
tripulação em coro respondeu: - Viva!
Em seguida, estrondosas palmas, confirmaram a aprovação de todos
pelo nome.
Jonas levantou as mãos pedindo silêncio, e continuou:
- O.K. – Vamos agora organizar a expedição. A nave de exploração
deve ser checada, e estar pronta para decolar amanhã cedo. Levarei comigo quatro
tripulantes...
Um silêncio completo se fez entre todos. Havia ansiedade em saber
quais seriam os felizardos que acompanhariam o Comandante na primeira expedição
ao planeta. Por isso todas as atenções se voltaram para as indicações.
Jonas continuou:
- Como piloto o Capitão Gerson.
Gerson na primeira fila levantou o braço de punho cerrado, com um
largo sorriso no rosto.
- Capitão Drumont, e Sargento Joel, na transmissão, e manutenção.
Ambos que estavam sentados, um ao lado do outro, levantaram
sorrindo, e se abraçaram enquanto todos os homens aplaudiam.
- Por último a Doutora Agatha na análise e pesquisa. – completou o
Comandante.
Algumas vaias se ouviram entre os homens, no meio da gritaria das
mulheres, por terem uma representante do sexo feminino na expedição.
Jonas pediu silencio novamente, e disse: -A reunião está encerrada,
partiremos amanhã as sete horas.
Alguém no meio da tripulação perguntou:
- Horário terrestre ou local?
- Local! – esclareceu Jonas levantando juntamente com Clark, e
retirando-se do auditório, acompanhado por todos.
No corredor, Clark caminhando ao lado do Comandante, comentou:
- Tive esperança de poder ir também!
- Você terá oportunidade para isso, mas não agora... Fez uma pausa e
continuou: - Não sabemos o que tem lá em baixo, portanto não é conveniente que a
nave fique sem comando.
- É lógico... Eu compreendo... Falei por falar – afirmou Clark
resignadamente, encerrando o assunto.
No dia seguinte Jonas, e sua tripulação, usando vestes espaciais,
tomaram o elevador que os levaria da periferia da nave, onde por rotação existia uma
gravidade artificial, até o centro, onde nem gravidade nem atmosfera havia.
A medida que o elevador avançava para o centro da nave, os
astronautas foram se sentindo cada vez mais leves, até que chegando ao seu destino,
estavam se segurando em alças para não flutuarem.
Quando a porta do elevador se abriu, sentiram-se girando lentamente,
na lateral de um imenso salão, onde no centro, flutuando no espaço, e presa por
amarras, a nave de exploração, feericamente iluminada, aguardava seus ocupantes.
Jonas, com um pequeno impulso flutuou no espaço, segurou uma das
amarras ao lado do elevador, e usando ela como guia, impulsionou-se na direção da
nave de exploração, sendo imediatamente seguido pelos outros.
Num último impulso o Comandante alcançou uma alça ao lado da
porta da nave, onde se equilibrou. Em seguida abriu um pequeno postigo, onde no
fundo se via um teclado luminoso. Digitou a senha conhecida por toda a tripulação, e
a porta da nave, impulsionada por comandos
silenciosamente. Jonas,
e os outros
hidráulicos,
se
abriu
entraram flutuando, e se sentaram em poltronas reclináveis, na frente dos painéis de
controle, cada um se prendendo com largos cintos de segurança.
O Capitão Gerson, autorizado pelo Comandante, acionou alguns botões
no painel de controle. A porta atrás deles se fechou, luzes iluminaram toda a cabine, e
um sibilar característico, indicou que a nave estava sendo pressurizada. Alguns
instantes depois, uma luz vermelha no painel, mudou para verde, indicando a
pressurização completa.
Com as pressões igualadas, o Comandante, e todos os tripulantes,
desgrampearam, e retiraram os capacetes e luvas.
Agora, que os sons externos já eram audíveis, Agatha, guardando o
capacete, e as luvas, em um compartimento por baixo da poltrona comentou: - Nunca
vou me acostumar com esta parafernália.
- É! Mas lá fora é mais confortável com ela do que sem... Não é? –
gracejou Joel.
- Engraçadinho – resmungou Agatha.
Gerson tinha ligado os vídeos-transmissores da nave, e enquanto se
deitavam nas suas poltronas reclináveis. Jonas em voz clara informou: - Estamos
prontos Clark.
No vídeo o Subcomandante respondeu: - Certo, aguardem a contagem
regressiva.
A Exploradora – nome da pequena nave – com sua rota de abordagem
do Planeta previamente programada, seria na primeira etapa comandada pelos
computadores da nave-mãe. Depois que tivesse entrado na atmosfera do Pioneiro, e
reduzido sua velocidade, o piloto da Exploradora assumiria o seu controle.
Passaram alguns instantes, e a voz metálica do computador se ouviu,
iniciando a contagem regressiva – 4,3,2,1
As amarras se recolheram automaticamente, as seis turbinas a jato
brilharam de forma ofuscante, e a maquina subiu lentamente, passando pela imensa
escotilha da nave-mãe, em direção ao céu negro de Esperança.
A pequena nave fez uma ampla curva, acelerou seus motores, e entrou
tangenciando a atmosfera do Planeta.
Lá dentro, os tripulantes achatados contra suas poltronas, mãos
crispadas, agarrando as próprias vestes, aguardavam ansiosamente a pressão diminuir.
Alguns minutos depois, a nave, já próxima a superfície do Planeta,
auxiliada por jatos laterais, fez uma curva fechada, dirigindo seus propulsores para a
superfície do Pioneiro, e passou a descer lentamente.
A trepidação, e a pressão sobre os astronautas diminuíram
instantaneamente, e ao mesmo tempo a voz do computador tornou a se ouvir:
- Reversão completa. Favor assumir comandos.
Jonas, e os outros voltaram suas poltronas a sua posição normal, entre
suspiros, e alguns palavrões de alivio.
Gerson ligou uma série de aparelhos no painel a sua frente, conferiu a
velocidade de descida, regulou os jatos, e em seguida informou: - Controle manual
assumido.
- Obrigado, e boa viagem. – saudou polidamente o computador.
Drumont ligou o vídeo, e apareceu a imagem de uma área do Pioneiro
exatamente embaixo da nave. Viam-se nuvens esparsas ligeiramente rosadas,
refletindo a cor avermelhada de Esperança, e por entre as nuvens já se percebia o
verde amarelado da vegetação do continente sobre o qual estavam .
Jonas perguntou ao piloto: - Que altura estamos?
Quinze mil metros, descendo a três mil metros por minuto.
A nave varou rapidamente a camada de nuvens, e a mata cerrada do
Planeta, no seu tom mesclado, apareceu nitidamente.
Gerson aumentou a potência dos propulsores, e a exploradora reduziu
sensivelmente sua velocidade de descida.
- Aumente o campo visual. – pediu Jonas.
Drumont acionou alguns botões, e no vídeo a imagem do solo se
distanciou, ao mesmo tempo em que se ampliava, mostrando ao longe, a esquerda,
além da mata, algumas montanhas baixas.
O Comandante disse: - Vamos em direção aquelas montanhas, é
possível que encontremos algum campo limpo.
Sob o comando do Piloto a nave se estabilizou na altura que estava,
sofreu uma ligeira inclinação, e partiu na direção das montanhas, que no vídeo se
aproximaram rapidamente.
Estavam já bem próximos as primeiras elevações, nuas de vegetação,
quando perceberam que a floresta rareava em vários lugares dando lugar a clareiras
esparsas, onde manchas escuras denunciavam a existência de terreno pedregoso.
- Qualquer uma dessas clareiras serve...Vamos descer – disse Jonas.
A nave sob o comando do hábil piloto, fez uma curva suave a medida
que mais se aproximava do solo.
Passou próximo ao sopé dos montes, sobrevoou um pequeno lago de
águas azuis, e dirigiu-se diretamente a uma clareira que apareceu a direta do vídeo.
Drumont aproximou novamente a imagem na tela do vídeo.
As copas das arvores se tornaram extremamente nítidas e próximas,
passando lentamente na tela, dando de repente lugar a um chão de mato ralo,
entremeado de pedras de todos os tamanhos.
Nessa altura a nave estacionou completamente no ar, a uns cem metros
de altura.
Em torno dos jatos, a fuselagem se abriu, e longas pernas articuladas se
projetaram para fora da nave.
Em seguida, aquela estranha máquina aos olhos de um mundo
desconhecido, foi abaixando lentamente, até que suas longas pernas tocaram o solo
rochoso bastante desigual da clareira.
A nave tinha sido projetada para pousar em qualquer terreno. Suas
pernas retrateis se adaptaram aos desníveis do solo, travaram-se nas diversas alturas,
mantendo a nave perfeitamente nivelada.
Gerson desligou todos os propulsores, virou para Jonas, e com um
largo sorriso, exclamou: - São e salvos!
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CAPITULO III
Todas as imagens filmadas pelas câmeras estavam sendo transmitidas
para a nave mãe, onde toda a tripulação, no auditório estava assistindo com grande
interesse.
Quando a nave pousou, todos bateram palmas, se congratulando com
Gerson pela feliz aterrissagem .
Clark, através do vídeo-transmissor reclamou: - Jonas, não esqueça a
galera... Liga logo essa TV.
O que o Subcomandante queria é que mudassem a imagem, para
poderem ver o novo Planeta.
Jonas sorrindo fez um sinal a Drumont que imediatamente clicou
algumas teclas, e a tela quadrada do vídeo que estavam olhando até ali, se ampliou
numa enorme tela curva retangular, abrangendo todo o painel de controle, e
fornecendo uma imagem tridimensional de toda a área na frete da nave..
Pedras, arvores descomunais, arbustos, mato, frutas, flores, tudo muito
semelhante a qualquer floresta do Planeta Terra. A única diferença consistia nas
arvores com folhas amarelas, e troncos muito verdes, que se intercalavam com as
outras, de aspecto comum para os terráqueos.
- Nenhum sinal de vida! – comentou o Subcomandante pelo
transmissor.
- Mesmo que tenha, é normal, - esclareceu Jonas – o estardalhaço que
fizemos ao pousar, espantaria até dinossauros. Se houver animais neste Planeta eles
vão aparecer com certeza. De qualquer maneira nós vamos descer já...vou deixar
ligado o vídeo...
- Positivo, – afirmou Clark – mas vejam bem... Não quero ensinar
Padre-nosso pro vigário, mas não esqueçam que vocês não estão no Central Park!
Todos riram da preocupação do Subcomandante, mas era válida. Oito
anos de convivência tinha tornado todos grandes amigos, e uns se preocupavam
muito com a segurança dos outros.
- Esta bem mamãe – brincou Jonas.
Nesse ínterim todos retiraram os trajes espaciais, e por baixo já
estavam vestidos com roupas bastante leves, próprias para enfrentarem o calor da
região.
Alguns minutos depois, a porta da nave abriu, uma escada telescópica
embutida no pé da porta, se desdobrou até o solo, e os cinco astronautas desceram até
o solo daquele planeta tão parecido com o deles.
Joel carregava uma grande mochila nas costas com mantimentos, e
remédios.
Drumont transportava um poderoso transmissor. Agatha levava
também uma pequena mochila com vários produtos para análise. Gerson, e todos os
outros carregavam uma poderosa arma regulável, capaz de varar um muro de
concreto com um minúsculo furo, ou explodir em pedacinhos uma pedra de granito
de duas toneladas. No cinturão de cada um, uma longa faca serrilhada de cabo grosso,
e lâmina vibratória, que quando ligada poderia torar em pouco tempo uma barra de
ferro de uma polegada de diâmetro.
Estavam poderosamente armados, mas assim mesmo, parados no pé da
escada, se sentiram pequenos, e indefesos, em face de uma terra exuberante, e
estranha, apesar da semelhança com seu Planeta natal.
O paradoxo era evidente, viajando numa nave interplanetária, a uma
fantástica distancia de casa, se sentiram sempre confiantes. Ali, onde mesmo se
houvesse uma catástrofe com a nave, poderiam pelo menos garantir a existência, a
insegurança tomava conta dos exploradores.
Porem, apesar de ser, no intimo de cada um, uma verdade, ninguém
demonstrou o que estava sentindo.
Jonas abriu um pequeno compartimento no seu cinturão, apertou um
botão, e a escada se retraiu, desaparecendo por baixo da porta, que por sua vez num
baque surdo, lacrou a entrada da nave.
Agatha, ao lado do Comandante, segurou levemente seu braço, e
perguntou: - E agora?
Alienígenas em um mundo desconhecido, momentaneamente estavam
paralisados pela súbita consciência da gravidade da espantosa aventura de que
estavam sendo protagonistas.
Jonas olhou rapidamente para a luz forte e avermelhada da Estrela a
sua direita, a meia altura do belíssimo céu do Planeta. Virou para a linha de
montanhas baixas a esquerda, pensou mais um instante, e disse: - Vamos para o
Norte, é uma direção tão boa quanto as outras, e essas montanhas são uma excelente
referência.
Ninguém comentou nada. Iniciaram a caminhada, e Drumont
apontando em frente, chamou a atenção dos companheiros. Sobre as arvores da mata,
ao longe, vários pontos pretos evoluíam graciosamente no céu.
- Pássaros! – exclamou Joel.
- Tem vida no Planeta! – afirmou Jonas – Precisamos ter muito
cuidado, não temos a mínima idéia do que vamos encontrar!
Ninguém disse nada.
Drumont apertou fortemente a arma que carregava, como que para se
certificar que ela estava ali, na sua posse.
Caminhando por entre as pedras, pisando em mato rasteiro, chegaram a
borda da floresta.
Não era emaranhada, nem muito densa. Os raios de luz de Esperança
varavam a copa das frondosas árvores, e iluminavam claramente o chão coberto de
folhas mortas.
Penetraram na mata em fila indiana, Jonas na frente, cortando com sua
faca um ou outro galho atravessado no caminho. Sem nenhum esforço maior, a
lâmina cortava os galhos como se fossem feitos de manteiga, e assim avançavam sem
interrupção.
Em pouco tempo os sinais de vida começaram a aparecer. Canto de
pássaros, pios, grunhidos, pequenos vultos voando na copa das árvores. Um enorme
pássaro preto passou voando sobre a cabeça dos astronautas. Muitas aves
multicoloridas se viam pousadas nos galhos. Tudo ali muito Terrestre, até que um
súbito tropel na mata, e saindo de uma trilha por entre as árvores, um cavalo baixo, e
atarracado, com longa crina, e dois pontudos, e ameaçadores chifres, estancou
abruptamente na frente dos navegantes do espaço. Cinco armas se engatilharam
instantaneamente, e o animal com um relincho surdo, virou nos cascos, e a galope
sumiu na mata.
- Na Terra tem disso? – perguntou Gerson.
- Chifrudo, só em conto de fadas! – comentou Joel.
Nisso um esturro arrepiante se ouviu dentro da mata.
Jonas aconselhou: - Vamos ficar atentos... Pelo jeito, não é só cavalos
com chifres que tem por aqui!
Continuaram andando rumo ao Norte, cautelosamente.
Pararam na borda de uma pequena clareira, onde um bando de animais
parecidos com porcos, mas com longas orelhas, assustaram, saíram correndo, e
desapareceram na mata.
Aproveitaram o lugar para descansar um pouco. Sentaram num tronco
de arvore caída, na beira da clareira, e Joel retirando alguns tabletes de ração
concentrada da mochila ofereceu aos companheiros.
- Precisamos achar água logo – comentou Drumont, chacoalhando o
cantil.
- Não é difícil que a gente encontre algum córrego vindo das
montanhas – sugeriu o Capitão Gerson.
- Com certeza, – afirmou Agatha – mas a água da para mais dois dias.
Passado algum tempo, todos se levantaram, atravessaram a pequena
clareira, e entraram novamente na mata.
Algumas horas depois desceram por uma meia encosta, onde a mata se
adensava, e no fundo acharam um pequeno córrego de água transparente.
Enquanto Agatha examinava a água, Jonas apontou algo beirando o
córrego, que vinha rastejando logo acima de onde estavam.
Todos olharam curiosos o bicho, que mais parecia uma minhoca. Se
movia da mesma maneira, mas tinha mais de quatro metros de comprimento, e uns
quinze centímetros de grossura.
- Se as minhocas aqui são assim, de que tamanho vão ser os insetos? –
perguntou Drumont.
Joel riu sem graça, meio impressionado com o tamanho do verme, e a
minhoca nesse ínterim desapareceu num buraco na beira do córrego.
Agatha, que tinha se distraído com a minhocaçu, retornou a análise da
água, e depois de alguns instantes afirmou: - Pura, com alto teor de oxigênio. De sede
não morremos.
- Ótimo disse Jonas – despejando o resto da água do cantil, e
agachando, tornou a enche-lo na correnteza do córrego.
Todos repetiram seu gesto, e alguns minutos depois, continuaram pela
mata, subindo a encosta, do outro lado do pequeno rio.
Tinham mantido o tempo todo o rumo Norte, e essa direção os tinha
aproximado das montanhas que vez ou outra apareciam por entre os claros da mata.
No fim da tarde, quando já tinham andado bastante sem nada encontrar
de extraordinário, resolveram parar para passar a noite. Afinal o dia daquele planeta
tinha trinta e duas horas Terrestres, e pelos cálculos de Drumont já estavam andando
a mais de quatorze.
Pararam numa pequena clareira coberta de folhas secas.
Já escurecia, quando, sentados no chão, Joel distribuiu um tablete de
ração para cada um, a titulo de “jantar”.
Um único tablete daqueles parecia muito pouco para alimentar uma
pessoa, mas era engano. Além do alto teor alimentício, possuía também fibras
liofilizadas, que se avolumavam no estomago, deixando uma impressão de total
plenitude. Para o paladar porem, apesar dos sabores diversos, era uma total negação.
Por isso Joel, sacudindo a barra que estava comendo, disse: - Amanhã vou dar uma
volta por ai, pra ver se acho algo que se coma no lugar disto!
- Um daqueles orelhudos que vimos hoje, deve dar um bom assado,
não acham? – perguntou Gerson.
- Trouxe o sal? – perguntou Agatha para Joel.
- Um quilo, pelo menos! – respondeu Joel, sorrindo.
Enquanto os companheiros conversavam, Jonas transmitia pelo radio
para Clark, na nave mãe, os acontecimentos daquele dia.
Quando terminou, voltou a se reunir com os outros e, deitando nas
folhas comentou: - Vamos caminhar mais algumas horas amanhã, se nada mudar,
voltamos para a nave, e vamos explorar outra região.
- Ótimo... Mas antes me deixa caçar nosso “churrasco”... Concorda?
- Não vá levar toda a manhã! – foi o único comentário do Comandante.
Tinha já escurecido bastante, e mal se enxergavam uns aos outros.
Agatha tirou da mochila um minúsculo globo fixado num pequeno
pedestal. Apertou um botão na base do mesmo, e o globo se ascendeu com uma luz
forte o suficiente para iluminar a área onde estavam.
Dependurou a lanterna num galho de arvore, enquanto Joel retirava da
mochila pequenos pacotes escuros, e os distribuiu para os companheiros. Cada um
desdobrou seu pacote, que nada mais era que um folgada macacão com capuz, feito
de um tecido finíssimo e poroso, mais resistente que uma malha de aço.
Agatha juntou algumas folhas no chão, formando um colchão, vestiu o
macacão, e olhando através dos óculos do capuz, ligou um pequeno fio que saia da
vestimenta a uma bateria minúscula embutida no cinturão, fechou o zíper, e deitou
para dormir. Ela estava com frio, e a bateria manteria a veste numa temperatura
agradável.
Jonas distribuiu os turnos de vigia, e também se acomodou para
dormir.
Drumont, o primeiro do turno, colocou um volumoso par de óculos,
pegou a arma, apagou a lanterna, e sentou encostado num tronco, a alguns metros dos
companheiros.
Os óculos permitiam a Drumont enxergar até um mosquito no escuro, e
a arma seria capaz de acertá-lo sem acordar ninguém.
Os exploradores se revezaram na vigília durante toda a noite, que
passou tranqüila. Os óculos localizaram alguns animais que se aproximaram do
grupo, mas nenhum passou da borda da clareira.
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CAPITULO IV
Quando clareava o dia, Joel que tinha sido o último na vigília, acordou
os companheiros, jogou a arma nas costas, e saiu a procura de sua presa.
- Boa caçada – gritou Gerson, para o amigo que desaparecia na mata.
- Não vá levar o dia inteiro – relembrou o Comandante em voz alta.
Para ocupar o tempo enquanto esperavam a volta do companheiro,
Gerson e Drumont se distraiam com um joguinho de dados.
Gerson, mais azarado, já estava devendo um bocado de dinheiro, mas
teimava em continuar na esperança da sorte mudar.
- Não esquenta, que até o fim da viagem eu tomo tudo de volta!
- Uma merda que eu vou atrás disso. Você me paga primeiro, depois a
gente continua.
- Cara, você é maluco, acha que eu trouxe a carteira comigo?
Enquanto os dois amigos discutiam, Agatha e Jonas exploravam os
arredores.
- Jonas – chamou a moça.
- Fala!
- Você já reparou que nesta mata não tem mosquitos, nem formigas!
- Nem borboletas, nem larvas, a natureza parece que se esqueceu de
criar pragas por aqui!
- Se for tudo assim, é quase um paraíso – disse Agatha maravilhada.
De repente, um urro de dor, acompanhado de um rouco estertor, fez-se
ouvir ao longe na mata, paralisando os quatro astronautas.
- Foi humano! – sussurrou Agatha.
- Joel? – gritou Drumont levantando rapidamente.
- Calma – disse Jonas se aproximando dos companheiros,
acompanhado de Agatha.
- Joel! – gritou Gerson com toda força dos pulmões.
Nada se ouviu. Até o som dos pássaros tinha silenciado.
- Vamos seguir a trilha dele – disse Jonas, jogando nas costas a mochila
de Joel, recolhendo suas coisas, imitado pelos companheiros.
Correram para a mata no rumo que Joel tinha ido.
Em pouco tempo acharam os galhos cortados pela faca do
companheiro.
Andaram vagarosamente, armas em punho, vigiando todos os cantos da
floresta, bem afastados uns dos outros, Jonas seguindo os vestígios da trilha deixada
por Joel.
Vultos parecendo macacos agitaram os galhos no alto de umas arvores
próximas, fugindo assustados com a presença dos intrusos.
Já estavam andando a algum tempo quando encontraram uma trilha
larga e desimpedida.
Era lógico supor que Joel tivesse seguido por aquela trilha para um dos
lados.
Jonas pediu aos amigos que esperassem, e passou a procurar rastros no
capim úmido da trilha. Para a esquerda achou a impressão nítida de uma bota.
- Por aqui! – gritou para os companheiros.
Jonas mostrou a pegada no solo, e disse: - Ele foi por aqui.
Sempre atentos, reiniciaram a marcha no rumo que Joel devia ter
seguido.
As arvores rarearam, a trilha se alargou, e pelas falhas na mata se via
as rochas cinzentas das montanhas próximas.
Jonas completou uma curva da trilha, e parou de repente.
Agatha que vinha logo atrás, se aproximou, olhou por cima do ombro
do noivo, e soltou um grito de terror.
Os outros dois aceleraram o passo, se emparelharam com o casal, e os
quatro permaneceram estáticos por alguns instantes, sem acreditar no que estavam
vendo.
No meio da trilha, dependurado pelos pés por uma corda feita de
couro, o corpo de Joel balançava levemente, atravessado por meia dúzia de flechas
toscas e curtas. No chão, uma poça de sangue que pingava de seu corpo, e no rosto de
olhos arregalados uma expressão de susto e pavor.
- Meu Deus! – exclamou Agatha a ponto de chorar.
- Protejam-se – foi a ordem ríspida do Comandante.
Soldados experientes, além de astronautas, treinados para qualquer tipo
de situação, sumiram instantaneamente por entre os ramos da floresta.
De seus esconderijos, passaram a observar tudo, atentos aos mínimos
ruídos, a espera dos malditos seres que tinham preparado aquela armadilha.
Passaram horas, e nada aconteceu.
Jonas cansou de esperar. Fosse qual fosse as conseqüências, não podia
deixar mais tempo o amigo morto, naquela situação. Resolveu dar-lhe sepultura
mesmo arriscando qualquer surpresa.
Deu um sinal aos companheiros na mata, do outro lado da trilha,
apontou o fuzil para a corda que prendia Joel. Um raio branco silencioso e certeiro
partiu o couro, e o corpo do infeliz astronauta despencou amontoando no chão.
Gerson e Drumont correram para o amigo morto, enquanto Jonas e
Agatha ficaram na borda da trilha vigiando atentamente a mata.
Ambos tinham acabado de endireitar o corpo de Joel, quando Jonas
percebeu do outro lado da trilha um vulto escondido na folhagem.
No mesmo instante que resolveu contornar o espião para pega-lo de
surpresa, se tornou audível ao longo da trilha um furioso tropel, acompanhado de
estranhos guinchados.
O barulho assustou o vulto escondido na folhagem, que saiu correndo,
acompanhado de outros três, que estavam também escondidos, e Jonas percebeu 2que
pareciam seres humanos, quase nus.
- Venham – gritou para os outros, ao mesmo tempo que saiu correndo,
atravessou a trilha, e entrou na mata no encalço dos fugitivos, seguido de perto pela
noiva.
A necessidade de pegar os indígenas era tão grande que não prestou
atenção no barulho que vinha da trilha.
Para ele, aqueles miseráveis tinham matado Joel. Naquele momento
sua raiva se tornou enorme, e enquanto corria dizia para si mesmo que se depende-se
dele pegaria aqueles nativos vivos ou mortos, custasse o que custasse.
Esqueceu os companheiros, e na corrida tentou vária vezes atirar mas,
os vultos desapareciam constantemente, escondidos pela folhagem, e Jonas não
conseguia firmar pontaria.
Os indígenas eram bem mais rápidos que ele, conheciam perfeitamente
a mata, e estavam de mãos vazias. Por isso quando o Comandante saiu na borda da
mata, no sopé da montanha, eles já estavam longe, subindo com grande agilidade a
meia encosta bastante íngreme, e cheia de pedras de todos os tamanhos.
Jonas apontou sua arma para os fujões, e através da luneta telescópica
pode vê-los perfeitamente. O tom dourado da pele queimada pelos raios de
Esperança, indicava que eram brancos, sem pelos, nem barba, cabelos corridos
longos, vestindo tangas provavelmente de couro.
De onde estava poderia abater os quatro um a um, porem não o fez. A
corrida tinha arrefecido seu ódio, e a razão começou a falar mais alto. Pensou que
mata-los não iria esclarecer nada. Joel tinha sido morto a
flechadas, e aqueles nativos não carregavam armas, poderia não ter sido eles.
Esses pensamentos salvaram a vida dos indígenas.
Levantou o telescópio do fuzil no rumo que os quatro estavam subindo.
Num patamar acima deles, cheio de pedras, muitos outros nativos,
vigiavam a subida dos companheiros, e por traz deles aparecia na rocha o contorno
escuro e irregular da entrada de uma grande caverna.
Nesse instante os astronautas alcançaram o Comandante, e Agatha que
vinha na frente perguntou; - Onde estão?
Jonas apontou a caverna na montanha, onde os quatro tinham acabado
de chegar.
- Então é ali que moram! – disse Drumont para si mesmo, examinando
a encosta da montanha com o telescópio. Abaixou a arma, e disse: - Vamos atrás
deles... Mataram Joel.
- É preciso provar isso primeiro... Aqueles quatro não tinham armas. –
comentou Jonas.
- Pode ser, mas algum deles... Eu torceria o pescoço de todos –
sussurrou Gerson.
- Não é por ai! Não viajamos oito anos no espaço, para vir nos vingar
de um bando de nativos, por conta de um descuido nosso... E ainda sem provas –
concluiu Jonas.
Todos ficaram calados. Sabiam que o Comandante estava certo, por
isso engoliram a raiva, assim como ele já tinha feito.
Agatha perguntou: - Mas vamos entrar em contato com eles... Não?
Sim é claro. Mas hoje não, – argumentou Jonas – a tarde vai no fim, e
temos que enterrar o Joel antes que algum animal o ache.
Dizendo isso, virou, retornando para a mata, seguido pelos outros.
O Comandante foi o primeiro a chegar na trilha onde estava o
astronauta morto.
Estancou repentinamente, e estendeu o braço barrando a passagem dos
amigos.
Joel tinha desaparecido.
- Porca miséria! – exclamou Gerson, revelando sua origem latina.
Jonas, olhando em volta, apontou alguma coisa na folhagem, a sua
esquerda. Na direção que Jonas apontava, no meio das folhas se via um grosso galho
recurvado, onde se prendia uma espécie de catapulta armada com meia dúzia de
flechas curtas, sujas de sangue.
- Grandes filhos da puta ... Armaram a coisa outra vez – falou Drumont
entre dentes, e concluiu – Vamos destruir aquela montanha, e acabar com aquela
raça... Por isso não tinham armas!
Nesse instante Gerson virou na trilha, viu qualquer coisa escura
aparecendo no meio das folhas secas do outro lado, ameaçou andar, mas foi seguro
pelo ombro por Jonas.
- Espere – disse Jonas.
Abaixou, pegou um pedaço de tronco de arvore, e jogou no meio da
trilha, onde antes estava o corpo de Joel.
Ouviu-se um estalo seco, depois o barulho sibilante de uma corda sem
violentamente esticada, e o pedaço de tronco subiu no ar, preso por um laço, no
mesmo instante que a catapulta ao lado deles se desarmou, e uma chuva de flechas
ensangüentadas passou zunindo por baixo do tronco, e todas se perderam do outro
lado da trilha.
Drumont apontou um nó bem dado, acima do laço, no lugar onde Jonas
tinha partido a corda com um tiro, e comentou: - Eles emendaram!
Foram aqueles índios? – perguntou Agatha.
- Por enquanto é difícil de dizer... Mas vamos descobrir – disse o
comandante.
Gerson tornou a se interessar pelo que tinha atraído antes sua atenção.
Atravessou a trilha, seguido pelos outros.
Com uma cara transtornada com o que viu, virou rapidamente, e barrou
a moça, que vinha na frente,puxou seu braço, e disse: - Não... Não olhe.
Os outros dois avançaram curiosos, e ficaram paralisados, olhando sem
acreditar.
No meio das folhas secas e ensangüentadas, se acumulavam as
vísceras, e outros órgãos internos, com certeza do infortunado amigo morto.
Ao lado, próximo a mata, estavam as mãos decepadas, e os pés ainda
vestindo as botas, amontoados sobre as roupas rasgadas,e sujas de sangue do infeliz
Joel. O espetáculo macabro porem, não parou ai.
Drumont viu um rastro de pingos de sangue para dentro da floresta,
seguiu a trilha, afastou com o cano da arma algumas folhas, e horrorizado encontrou
a cabeça decepada do amigo.
- Esquartejado como um frango! – sussurrou.
Sem dizer nada, Jonas que também tinha visto a cabeça se afastou
seguido de Drumont. Segurou Agatha pelo ombro, ao lado de Gerson, e disse: - Não
vá ... São os restos de Joel, é trágico demais.
- Quem fez isso – afirmou Drumont apontando para trás – é canibal.
Ninguém tinha ânimo para comentar nada. Ficaram ali parados alguns
instantes sem saber o que fazer.
Jonas rompeu o silencio – Já esta anoitecendo, não é conveniente
ficarmos aqui... Vamos cobrir aqueles retos com folhas, e vamos embora – e
completou: - Agatha fique aqui.
Os três astronautas cumpriram sua nefasta missão, e junto com a moça
retornaram pelo caminho onde tinham perseguido os nativos.
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CAPITULO V
Já tinha escurecido quando os astronautas chegaram na borda da mata,
no sopé da montanha.
Lá em cima, no patamar em frente a caverna, brilhava uma fogueira, e
em volta se moviam os vultos dos indígenas.
- Será que são realmente canibais? – perguntou Agatha em tom
assustado.
- É possível, - afirmou Jonas – amanhã vamos descobrir.
Enquanto Agatha, Gerson, e Drumont continuaram em pé vigiando os
nativos, Jonas ligou o transmissor, e relatou para Clark na Nave mãe os
acontecimentos daquele dia.
Entre exclamações, e interjeições de espanto, Clark escutou sem
interromper o relato de seu Comandante. Quando ele terminou, se ouviu a voz
abalada de Clark no rádio.
- Jonas vocês são poucos ai... Correm perigo. Joel morreu... Pense em
Agatha... Volte... Você pode retornar depois, com um numero maior de homens...
O Comandante interrompeu o pedido de Clark – Joel se descuidou...
Não sabia. Estas armas seguram um exército de índios... Não se preocupe, ninguém
mais vai se machucar.
Eram soldados, e a cega obediência aos superiores tinha sido
fundamental para manter a ordem na nave durante os oito anos que viajavam juntos,
por isso, sem replicar, Clark afirmou em tom resignado: - Certo... Mas nos mantenha
informado.
- Fique tranqüilo. – afirmou o Comandante, e concluiu – Vou desligar
agora, precisamos dormir.
- Boa sorte, e de noticias apenas puder. – reiterou o amigo.
- Obrigado – disse Jonas desligando o rádio, e chamando os
companheiros.
- Devem ter ido dormir, – disse Drumont se aproximando – só tem dois
na borda do patamar.
- Vamos dormir também, amanhã faremos uma visita aos nossos
vizinhos.
Os astronautas, sem acender nenhuma luz, vestiram os macacões, e se
acomodaram no chão da mata.
Jonas, o primeiro no turno de vigia, colocou os óculos de visão
noturna, percorreu o olhar em torno, e se fixou na fogueira lá em cima na montanha.
Os vultos dos dois índios refletidos pela luz da fogueira, permaneciam
na beira da encosta.
Jonas pensou – Qual seria o motivo dos nativos manterem uma
fogueira acesa, e vigias, a noite inteira? Medo de que? Animais não poderiam chegar
lá! - Desistiu de se preocupar, as respostas viriam no dia seguinte.
Agatha, a última na vigia, acordou os companheiros na primeira luz do
dia de Pioneiro.
Em silêncio, sem fazer muitos movimentos, para não despertar a
atenção dos índios lá em cima, os astronautas se prepararam para a investida.
- Como vai ser? – perguntou Drumont.
- Não temos muitas alternativas, - disse Jonas – vamos nos espalhar, e
subir o mais rapidamente possível... E vejam... Sem contemplações... Se houver
resistência, usem as armas.
- Isso você pode ter certeza. – confirmou Gerson, apertando as mãos no
fuzil.
Alguns minutos depois, com as armas a tiracolo, os astronautas saíram
da mata, e iniciaram a escalada da montanha por entre rochas de todos os tamanhos.
O caminho era difícil e muito íngreme, exigindo de todos um grande esforço físico, e
muita atenção para não despencar pela escarpa abaixo.
Já estavam a meia altura da escalada, quando uma saraiva de pedras de
todos os tamanhos, caiu sobre os alienígenas.
Uma das pedras atingiu o ombro de Drumont que com um gemido
abafado se jogou atrás de uma rocha.
Os outros também se protegeram rapidamente enquanto as pedras
continuaram a zunir em volta deles.
Gerson por entre duas grandes pedras apontou o fuzil para o patamar
de onde os nativos jogavam as pedras, e com os dentes cerrados disse:
- Vou transformar esses animais em poeira cósmica!
- Não atire – gritou Jonas, quando percebeu a intenção do
companheiro.
-Por quê? – perguntou o amigo com raiva – Vão nos matar a pedradas!
- Se você atirar, nós é que vamos morrer enterrados... Não percebe?
Gerson se deu conta da besteira que ia fazer.
- Droga. – resmungou dando um murro na pedra.
Os índios tinham parado de atirar pedras, e Jonas perguntou a Drumont
- Como está?
- Dói bastante, mas acho que não quebrou nada. – respondeu o
astronauta.
- O.K., vamos descer de vagar, com cuidado chegaremos lá em baixo
inteiros.
Drumont resmungando uns palavrões de raiva acompanhou os outros
que rapidamente se locomoveram para posições mais baixas atrás das rochas.
Um alarido alegre se escutou lá em cima. Os nativos estavam
comemorando a retirada do inimigo.
Enquanto os astronautas de3sciam furtivamente, os índios pararam de
atirar pedras.
-Estão economizando munição – pensou Jonas enquanto ajudava
Agatha a vencer as últimas rochas no sopé da montanha.
Retornaram para a mata, e Drumont coçando a cabeça, comentou:
- Não entendo?
- O que? – interrogou Gerson.
- Não fizemos nenhuma demonstração de força... Somos que nem
eles... São canibais, e em grande numero... Porque não esperaram a gente chegar lá
em cima, para nos massacrar?
-São covardes. – sentenciou Gerson.
- Covardes não sobrevivem – afirmou Drumont.
- Mais cedo, mais tarde, vamos descobrir o que são – comentou Jonas
terminando de beber um gole de água.
- A água es´ta no fim – afirmou Agatha, sacudindo o cantil.
-Porque a gente não acaba com eles daqui? – perguntou Gerson
interrompendo a afirmação da moça.
- Não tem lógica Gerson! – comentou Drumont.
- É verdade. Viemos explorar um mundo, não destruir seus habitantes –
disse Jonas concluindo o pensamento de Drumont.
- É! Mas tomara que um de nós volte vivo para contar o que viu –
resmungou Gerson impaciente com a tranqüilidade dos amigos.
- Ora1 Deixe de tragédia – comentou Drumont irritado.
- Esta bem... Parem com isso... Vamos tentar subir a noite, agora o
melhor é ir procurar água.
Dito isso, puxou a faca, e cortando os poucos galhos que atrapalhavam
a passagem, embrenhou-se na mata, seguido pelos outros.
Drumont, vendo a faca que Jonas usava, lembrou do amigo morto.
- Engraçado, - comentou – a faca de Jonas estava ao lado das roupas...
Porque será que não levaram?
- Se não for ligada, não corta nada. Na certa não acharam serventia
para ela. – disse Jonas.
- E o fuzil? – perguntou Agatha.
- Eu o vi no meio do mato. Acho que quando o Joel foi laçado, a arma
escapou da mão, e caiu fora da trilha – disse Gerson.
- Porque não pegou? – perguntou Drumont.
- Não lembrei!
A lembrança do astronauta morto deprimiu todos. Pararam de falar, e
continuaram quietos, seguindo o Comandante.
O terreno por onde andavam se inclinava ligeiramente, e de onde
estavam entre as arvores avistaram num claro da floresta, um pequeno lago cercado
por uma praia de areias brancas.
Furtivamente se aproximaram da orla da mata. A esquerda deles,
agachado na beira do lago, viram um nativo jovem bebendo água com a concha das
mãos, totalmente distraído.
- É desse que nós vamos ficar sabendo das coisas! – falou Gerson.
Jonas tirou a mochila das costas, pousou no chão junto a arma, e disse:
- Fiquem aqui... Eu vou por dentro da mata para cercá-lo. Aguardem até eu chegar lá!
Virou para seguir, quando Agatha que estava ao seu lado segurou seu
braço num forte aperto, e puxou o noivo violentamente.
O Comandante virou rapidamente, sem entender, acompanhou o olhar
da moça, na direção onde estava o rapaz, e o susto paralisou seus movimentos.
Saídos da mata, a meia distância do rapaz, um ao lado do outro, duas
grotescas figuras, se aproximavam sorrateiramente do nativo.
Pele de um vermelho escuro, joelhos nodosos, pés com dois dedos
forquilhados, pernas finas cheias de farpas, embutidas lateralmente num abdômen
extremamente volumoso, cintura fina, tórax cartilaginoso, dois braços curtos, finos,
de juntas nodosas como as pernas. Cabeça comprida, encimada por duas curtas
antenas, olhos pretos amendoados. Saindo das bochechas, duas garras curvas, e entre
elas uma boca em forma de meia lua, onde apontavam dois aguçados dentes caninos.
Vestiam somente um largo cinturão, provavelmente de couro,
envolvendo a cintura, e cruzado no atarracado tórax.. Pareciam enormes formigas
andando sobre duas pernas.
O que ia pela esquerda do rapaz carregava um bordão grosso e curto,
agarrado por uma mão de três grossos dedos saindo de um nódulo no pulso,
praticamente sem nenhuma palma.
Quando o índio percebeu, os dois já estavam praticamente em cima
dele. Tentou fugir, mas um deles o agarrou pelo braço, e o outro, com uma tremenda
bordoada estourou a cabeça do infeliz, que em instantes se encharcou de sangue. O
que o tinha segurado levantou o corpo do rapaz com incrível facilidade, jogou de
atravessado nas costas, e ambos guinchado no que parecia uma conversa alegre,
desapareceram na mata antes que os astronautas se refizessem do espanto.
- Mama mia! – Onde vim amarrar meu burro! – falou baixinho o
piloto.
- O tropel, e os guinchados, quando encontramos o Joel... Lembram? –
sussurrou Agatha.
- Esses são nossos canibais – comentou Drumont.
- Não são humanos, e são carnívoros... – afirmou Jonas.
- Comeram o Joel! – exclamou Gerson.
- Vamos persegui-los? – perguntou Drumont.
Jonas raciocinou um instante, e falou: - São inteligentes... Ésta mata
deve estar cheia deles, e também de armadilhas, persegui-los sem saber o que vamos
encontrar é perigoso.
- Vamos embora – pediu Agatha em tom de súplica.
- Enquanto tivermos estas armas nas mãos não precisamos temer nada,
a não ser surpresas – disse Jonas para acalmar a moça.
- Que faremos então? – perguntou Gerson.
- Primeiro... Drumont vai encher os cantis... Nós lhe daremos
cobertura – pediu o Comandante.
Drumont engoliu em seco, lembrou da cacetada que o nativo tinha
levado, mas não disse nada. Recorreu os cantis, e olhando muitas vezes para traz
chegou até a beira do lago, e num instante voltou com os cantis cheios, sem que nada
de anormal acontecesse.
Aguardaram mais alguns minutos em silêncio, mas nada se ouvia, a
não ser o canto dos pássaros. Aqueles animais com certeza já tinham ido embora, e
ninguém tinha visto Drumont.
- Vamos retornar pelo mesmo caminho, temos que capturar um
daqueles nativos... Ele vai nos dizer que bichos são esses – disse Jonas.
Agatha não reclamou. Não era medrosa, e se eles podiam enfrentar
aquela parada, ela também.
Retornaram pelo mesmo caminho, agora uma trilha aberta, fácil de
seguir.
Já estavam próximos ao reduto dos nativos, quando começaram a
escutar guinchados, e barulho de pedras rolando na encosta.
Imaginando o que seria, os alienígenas correram rapidamente pela
trilha com as armas engatilhadas, prontos para qualquer ameaça.
Agatha no afã de seguir os companheiros, pisou em falso num galho
podre, e com um grito de dor caiu no meio da trilha.
Os astronautas pararam a corrida, e todos ao mesmo tempo procuraram
socorrer a moça.
Jonas ajudou Agatha a ficar de pé, mas a torção tinha sido violenta, e
ela não conseguia andar.
O barulho das pedras caindo, e os guinchos estridentes, agora eram
bastante próximos.
Jonas virou para Gerson, e disse: - Fique com ela, eu e Drumont vamos
ver o que está acontecendo.
- Certo – disse o amigo, mostrando um ar de resignação.
- Você fica bem Agatha. Voltaremos assim que pudermos.
- Cuidado – aconselhou a astronauta aos dois que já se distanciavam.
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CAPITULO VI
Jonas, e Drumont correram pela trilha até alcançar o motivo da
algazarra. Chegando lá depararam com um espetáculo digno de um filme de terror.
Uns trinta animais, iguais aos que tinham visto no lago, escalavam a
encosta protegidos pelas rochas, enquanto lá de cima, provavelmente toda a tribo de
nativos, na beira do patamar, jogava pedras nos invasores.
Uma pedrada atingiu um dos animais, que num guincho de dor,
despencou encosta abaixo, pelo meio das pedras. Os outros, porem, nem se abalaram,
continuaram subindo protegidos pelas rochas, numa zoeira infernal de guinchados.
Para os astronautas, aqueles lá em cima eram seus semelhantes,
mereciam apoio e proteção, apesar de terem se mostrado inimigos. Os outros eram
animais horrendos e repulsivos.
Jonas não teve dúvidas, virou para o amigo e perguntou: - Vamos dar
uma mão pra eles?
- Pra já! – exclamou Drumont, ao mesmo tempo que seguia o
Comandante que já tinha se adiantado.
Ambos venceram rapidamente a distância que os separava da meia
encosta, e começaram a subir a montanha até se emparelhar com algumas das
repugnantes criaturas.
Estes, apenas avistaram os intrusos, confundiram os astronautas com
os nativos indefesos, e com guinchos de alegria, retiraram os curtos bordões presos as
costas, e saltaram na direção dos alienígenas com as garras estalando, e os caninos a
mostra.
Jonas e Drumont aguardaram que aqueles esquisitos animais se
aproximassem bastante. Ai, raios brancos, finos, e silenciosos, partiram das armas
mortíferas, e os outros animais espantados, viram as cabeças, e os troncos dos
companheiros estourarem em mil pedaços jogando longe os restos estraçalhados dos
corpos que rolaram inertes pela encosta abaixo, manchando com uma gosma
grudenta, e transparente as rochas na sua passagem.
- Não tem sangue! – comentou o piloto.
- Acho que são insetos gigantes – gritou Jonas, e concluiu – Vamos
continuar.
Nesse instante, os nativos quando viram o que acontecia lá em baixo,
passaram a saltar, e gritar de alegria pela ajuda inesperada.
A maioria dos insetos, ainda na escalada, procuraram descobrir o
motivo da alegria dos indígenas, localizaram os astronautas, que continuavam a subir
a encosta.
Os mais próximos dos alienígenas, sacudindo os bordões acima das
cabeças, e partiram na direção dos intrusos. Raios mortíferos porem, barraram suas
pretensões.
Os mais distantes, vendo os companheiros estraçalhados, se
compenetraram que aqueles não eram nativos indefesos. Depois de alguns instantes
de indecisão, num repente, despencaram morro abaixo, numa fuga atrapalhada, cheia
de tombos espetaculares. Os que chegaram vivos em baixo, desapareceram em
desabalada carreira dentro da mata. Em cima um enorme alarido de alegria, saudou a
fuga dos invasores.
A euforia dos indígenas distraiu sua atenção, e permitiu que Jonas e seu
piloto, alcançassem o patamar.
Quando os nativos se deram conta da presença dos astronautas, ouve
uma correria desenfreada acompanhada de gritos, e tombos.
Por fim sob o olhar divertido dos alienígenas, homens, mulheres,
crianças, quase todos semi-nus desapareceram dentro da caverna, ou por trás das
rochas do patamar.
Somente um garoto loiro, de uns doze anos, com um rosto de boneca,
permaneceu no lugar que estava, olhando os estrangeiros.
Jonas virou para o amigo, e falando baixinho para não assustar o
menino disse:- Eu agüento a posição aqui, ajude o Gerson a trazer Agatha.
Certo – confirmou Drumont retornando vagarosamente, e sumindo por
entre as pedras da borda do patamar.
Jonas sentou numa pedra, e olhou em volta. Uma ou outra cara
aparecia por trás das pedras, sumindo em seguida. Mais distante, na entrada da
caverna, um amontoado de indígenas num canto, vigiava seus movimentos.
O Comandante, vagarosamente retirou da mochila uma barra das que
comiam no café da manhã, desembrulhou, deu uma pequena mordida, e mastigando
mostrou o tablete para o menino, e acenou com a mão para que ele se aproximasse.
Passaram alguns segundos, r vagarosamente o menino começou a se mover, mas não
veio diretamente para o astronauta. Fez uma longa curva, parando as vezes, mais com
vontade de fugir que de se aproximar.
Jonas deu uma nova mordida no tablete, e o estendeu para o garoto, já
bem próximo. Este se chegando mais, num movimento súbito, esticou o braço, pegou
a barra, e se afastou rapidamente.
Encostou numa pedra, examinou o tablete, e deu uma pequena
mordida. Um sorriso alegre invadiu seu rosto. Pudera, o gosto de mel e coco era
delicioso, e o menino nunca tinha sentido nada parecido emtoda a sua vida.
Sofregamente, aos pulos, e gritos, comeu rapidamente toda a barra.
A demonstração alegre do garoto, fez com que vários nativos
perdessem o medo, e saíssem dos esconderijos.
O menino, mais confiante de todos, chegou bem próximo, e apontando
a mochila do astronauta deu a entender com gestos, e num linguajar estranho,
acompanhado de grunhidos, que queria mais.
Jonas tirou várias barras da sacola, e partindo pedaços começou a
oferecer aos nativos que se aproximavam. Em pouco tempo estavam todos pegando
os pedaços de sua mão. Depois de experimentarem, alguns riam achando muito
gostoso, outros cuspiam fora fazendo caretas, tudo com enorme alarido de palavras
estranhas, e grunhidos.
Parecia que toda a tribo tinha se reunido em volta de Jonas, e se
colocando de pé continuou a distribuir as barras em pedaços, até que retirando a
mochila das costas, mostrou a todos que estava vazia, e a jogou no chão como
utensílio inútil. Como animais disputando um petisco, dezenas de homens, e
mulheres se embolaram na disputa da sacola, com tapas, puxões de cabelo, e
mordidas. Um conseguiu arrancar a mochila das mãos dos outros, e saiu correndo
para dentro da caverna, seguido por meia dúzia de outros.
Todos riam a ponto de rolar no chão, e esqueceram o astronauta que
praticamente se incorporou na tribo.
O menino segurou sua mão, e Jonas colocando o fuzil a tiracolo
começou a andar pela área. Tinha curiosidade em saber como vivia aquela gente, e
não entendia como vivendo tão primitivamente, possuíam mãos delicadas, peles
brancas, queimadas pela calor de Esperança, e sem pelos. Os homens sem barba, as
mulheres de corpo bem formado, muitas verdadeiramente bonitas. Todos loiros de
cabelos densos lisos, e compridos.
Que se constituíam numa raça branca, delicada, semelhante aos
padrões de sua própria raça, que viviam primitivamente, Jonas podia entender. O que
não entendia é como sobreviviam sem os vestígios da brutalidade que deveria marcar
seus corpos num ambiente tão primitivo, e assediados constantemente por ferozes
inimigos.
Andou pelo patamar, entrou na imensa caverna, examinou tudo,
sempre seguido por um grupo de homens adultos.
Em pouco tempo teve a solução de suas questões. Por todos os cantos
por onde andava, encontrou toscos cestos de palha, cheios de frutas e raízes de todas
as espécies. Em nenhum lugar encontrou panelas, fogueiras, nem mesmo nenhum
pedaço de carne crua ou cozida. Teve então resposta para suas duvidas. Aquele povo
vivia única e exclusivamente de frutas e raízes, se explicava então porque eram tão
saudáveis e delicados.
A floresta não tinha pragas,e era repleta de arvores frutíferas, e Jonas
tinha constatado isso durante sua travessia pela mata. Catar frutas e raízes era todo o
esforço que aquele povo fazia para sobreviver.
Porem, como uma espécie de trágica compensação pelos fáceis meios
de sobrevivência que tinham, eram caçados ferozmente por horrendos insetos
gigantes.
Com esses pensamentos Jonas saiu da caverna, e quando estava no
meio do patamar, viu Drumont chegando pela meia encosta.
Parou aguardando que Agatha e Gerson aparecessem.
Ninguém vinha atrás do piloto.
O astronauta teve um pressentimento funesto, o coração se acelerou
rapidamente, e mudo aguardou o amigo que se aproximava com o rosto
extremamente sério.
- Não há ninguém lá em baixo, Jonas!
- Como assim? – perguntou o astronauta segurando Drumont
nervosamente pelo ombro.
- Encontrei as armas... O rádio todo arrebentado, mais nada.
- Sangue?
- Não... Nada... Só o chão todo pisoteado.
- Meu Deus... Será que estão vivos?
- Não sei. Procurei nos arredores, não vi nada.
Jonas era um homem frio, pratico, de decisões imediatas. Não se
deixaria levar pelas emoções, e seu desespero passou rapidamente. Virou para um
nativo próximo a ele. O homem tinha uma fita de couro amarrada na testa, e o tinha
acompanhado o tempo todo junto com os outros indígenas. Jonas calculou que ele
poderia ser o chefe da tribo.
Apontou para o índio, a meia encosta, mostrou a arma, imitou com as
mãos o ato de atirar, indicou a cara afunilada das bestas, seu jeito de andar, o enorme
traseiro. Sua idéia era tentar saber de onde vinham aqueles animais.
Depois de várias tentativas o homem compreendeu.
- Gronco, Gronco, Gronco – repetiu o nativo entre roncos e grunhidos.
- Devem chamar os insetos de Groncos – comentou Drumont.
- Gronco! Sim, Gronco – disse Jonas, fazendo um sinal de dormir,
fechando os olhos, e deitando a cabeça, tentando saber onde os animais dormiam.
Repetiu várias vezes o nome, mostrou a floresta, tentou por todos os
meios se fazer entender.
Deve ter dado um “estalo” na cabeça do chefe porque, segurou Jonas pelo braço, e
abrindo caminho pelo meio da tribo que os cercava, levou o astronauta para a beira
do patamar, e dali apontou na direção do Norte, alem da mata, um terreno ondulado
de onde subiam tênues espirais de fumaça.
- Deve ser lá que eles vivem – Disse para Drumont que tinha se
aproximado.
- Agatha e Gerson devem ter sido levados para lá – concluiu o amigo.
Jonas tinha certeza que aqueles nativos saberiam a melhor maneira de
atravessar a mata, e chegar naqueles seres. Por isso virou para o “chefe” , e apontou
para si mesmo, para o nativo, e para outros que estavam perto, e depois para os
morros de onde saiam as espirais de fumaça.
Não precisou repetir muitas vezes os gestos para os índios entenderem
suas intenções.
Balançando as cabeças, e repetindo vária vezes, na,na,na, entre roncos
e grunhidos afastaram-se dos astronautas, extremamente assustados com a idéia de ir
até o reduto dos Groncos.
Jonas sentiu que não poderia contar com aqueles homens. O pavor que
tinham era muito grande, e nunca ele iria convencê-los a lhe acompanhar.
- Eles não vão, nem que você jogar eles lá em baixo – comentou
Drumont com algum desprezo.
- Está certo – disse Jonas batendo no peito do amigo, e concluindo –
Vamos embora, estamos perdendo tempo.
Agilmente os dois desceram pela encosta, saltando por entre as rochas,
desviando dos corpos estraçalhados dos Groncos, e em poucos minutos chegaram na
floresta, rumando para o Norte na direção dos morros que os nativos tinham indicado.
Andaram pela mata cautelosos, com o mínimo de ruído, vigiando os
lados, afastados um do outro, armas prontas para qualquer ataque. Não pretendiam
ser surpreendidos como Agatha e Gerson provavelmente tivessem sido.
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CAPITULO VII
A mata começou a rarear, um cheiro acre-doce passou a ser sentido
vindo do Norte. O vento passou a trazer ruídos distantes, e uivos parecendo de lobos.
Jonas parou, e esperou ser alcançado pelo companheiro.
Ao lado deles, bem próximo, se via através das arvores a encosta das
montanhas que vinham ladeando.
- Vamos subir um pouco, para ver o que tem ai na frente – sugeriu
Jonas apenas Drumont o alcançou.
O piloto aquiesceu com a cabeça, e ambos rumaram para a esquerda, e
em alguns minutos estavam subindo pela encosta protegidos pelas rochas.
A cadeia de montanhas que vinham ladeando virava abruptamente para
a esquerda, no ponto onde estavam. Para o Norte seguia um terreno fortemente
ondulado sobre o qual, para os deslumbrados olhos dos astronautas se espalhava a
aldeia dos Gronkos.
Cupins enormes, disformes, alguns com mais de seis metros de altura,
se espalhavam desordenadamente pelo terreno ondulado. Todos tinham grandes
buracos a sua volta, mais ou menos circulares, um sempre maior aparecendo a rés do
chão, devendo ser a entrada das “casas”.
Trilhas batidas contornavam os cupins, por onde dezenas de Gronkos
de todos os tamanhos circulavam.
Todos os machos usavam largos cinturões em volta dos quadris, e
cruzados no peito, carregando nas costas um curto bordão, e na cintura algo parecido
com um tosco machado.
As fêmeas se identificavam por terem porte menor, e nada usavam
alem de rústicas argolas no pescoço fino, e braceletes apertados nos braços. Os
pequenos brincavam como qualquer criança humana, espalhados por toda a aldeia.
Numa praça, mais ou menos no centro do burgo, um aglomerado de machos escutava
um pequeno grupo no centro da
roda, narrando alguma coisa. Vez ou outra um apontava no rumo da montanha onde
estavam os astronautas.
- Aquele grupinho ali – disse Drumont – deve ser os que escaparam do
ataque.
Ambos, a uma dezena de metros acima do solo da planície ondulada,
tinham uma visão completa da aldeia.
- Com certeza, – afirmou Jonas, e em tom triste rematou – mas não
vejo nenhum sinal de Gerson e Agatha.
Drumont não fez comentários. A voz insegura do amigo media bem a
ansiedade controlada que estava sentindo.
Na aldeia, mais ao Norte, havia uma dupla paliçada, uma cercando a
outra. Dentro da primeira, alguns humanos perambulavam, prisioneiros com certeza
dos Gronkos.
No corredor em volta, cercados pela outra paliçada, havia pequenos
vultos de animais, alguns deitados, outros correndo de um lado para outro.
Jonas, usando a mira telescópica da arma, focalizou os animais, e com
um assovio comentou: - Daqueles carcereiros ninguém escapa.!
Os animais eram uma espécie de cachorros, de pernas curtas, patas
enormes, corpo robusto, sem rabo, crânio miúdo com duas orelhas bem pequenas,
focinho largo e quadrado, maxilares com duas robustas fileira de dentes, e dois
caninos pontudos e salientes. A aparência dos animais não deixava dúvidas que
estraçalhariam qualquer coisa que caísse nas suas garras.
- Será que eles estão presos lá? – indagou Drumont, enquanto
continuava também explorando a aldeia com a luneta do fuzil.
A descoberta do cercado de prisioneiros acendeu uma chama de
esperança no peito do Comandante.
Durante minutos examinou o cercado com toda a atenção, procurando
ver pelo meio dos prisioneiros qualquer vestígio que indica-se a presença dos amigos.
Nada viu, mas abaixando lentamente o fuzil respondeu ao amigo: - É possível, mas
não da para ver todo o cercado.
Durante muitos minutos permaneceram calados. Nada podiam fazer
naquele momento a não ser continuar espiando a aldeia.
Em diversos pontos, sempre em frente dos cupins, viam-se fogueiras
crepitando, e em algumas as fêmeas se ocupavam em assar alguma coisa.
Drumont focalizou a luneta em uma delas, e abaixando violentamente a
arma, não conteve um palavrão.
- Já vi também – disse Jonas com uma careta de raiva.
A indignação dos dois era justificável. A fêmea girava sobre a
fogueira um espeto, onde estava atravessado o pequeno corpo de uma criança
humana, sem vísceras, e sem cabeça.
O piloto segurou o braço do Comandante, e com voz embargada pela
raiva falou: - Vamos descer... Vamos destruir esses animais...
Jonas sacudiu a cabeça – Não, Agatha e Gerson podem estar vivos,
temos que localizá-los primeiro.
- Mas como se a gente ficar aqui?
Drumont se conformou, e ambos os amigos continuaram a vigiar a aldeia.
Uma estrutura esquisita quase no fim d aldeia chamou a atenção do
Comandante. Fixou a construção com a lente do fuzil, e comentou: - Esses insetos
são bastante inteligentes... Até circo eles tem aqui.
A observação era válida. A construção era uma arena de chão batido,
toda cercada por uma arquibancada feita de troncos de arvores, inclusive os assentos.
- Não duvido nada que seja uma arena do tipo Romana – observou o
Piloto, que também estava focalizando a construção.
- Bem, enquanto se massacrarem entre si está tudo bem. Nós também
já fizemos isso na Terra.
- Sem comentários – disse Drumont, lembrando que o ser humano
também não era flor que se cheire.
Continuaram vigiando a aldeia, a esper5a do anoitecer. Iriam tentar
localizar os amigos, mas na realidade não sabiam nem por onde começar.
O cheiro acre-doce misturado com o odor da fumaça, e carne
queimada, embrulhava seus estômagos. No intimo tinham vontade de abandonar
tudo, voltar para a nave, e partir daquele planeta maluco.
Só a lembrança dos amigos o s segurava ali, mas tinham quase certeza
que não iriam encontrar o casal de companheiros vivos, isso se conseguissem
localizá-los.
Uma coisa porem estavam certos, se Agatha e Gerson estivessem
mortos, não deixariam viva nenhuma daquelas criaturas.
Já estava anoitecendo. O aglomerado de Gronkos no centro da aldeia já
tinha se desmanchado.
Luzes mortiças, provavelmente de tochas, começaram iluminar alguns
buracos nos enormes cupins. A maioria tinha se recolhido, e poucos transitavam nas
trilhas.
Os astronautas saíram de seu esconderijo, e vagarosamente, se
escondendo o mais que podiam, chegaram ao pé da montanha. Um capinzal alto
separava os dois dos primeiros cupins. Lentamente avançaram pelo capim que os
cobria totalmente, e quando chegaram na beira da aldeia já era totalmente escuro.
A esquerda deles, viram luzes fracas saindo de uma construção que não
era um cupim.
As paredes eram feitas de troncos verticais, encostados uns nos outros.
O telhado inclinado era também feito de troncos, coberto com uma grossa camada de
terra compacta, onde se percebia os sulcos das erosões provocadas pelas chuvas.
Atrás do barracão, um cercado baixo, de onde se escutava o rosnado, e
uivo dos animais. Dentro guinchados de vários tons indicava que pelo menos dois
Gronkos conversavam.
Ambos correram agachados, e se colaram na parede do barracão. Os
animais no cercado roncaram e uivaram mais alto, pressentindo a presença de
estranhos. Um guinchado agudo se ouviu lá dentro, e os roncos diminuíram.
Jonas se moveu lentamente, e espiou por uma das frestas da parede de
troncos, na altura de seu rosto, e o que paralisou seu corpo.
Lá dentro, a luz de duas tochas, dois Gronkos encostados num enorme
cepo, conversavam num linguajar de guinchados.
Em volta próximo as paredes, dependurados com tiras de couro, e
espalhadas pelo barracão, várias peças de carne.
Umas eram corpos inteiros de seres humanos, sem as vísceras nem as
cabeças, e com pés e mãos cortados. Outras pedaços esquartejados. Rins, fígados, e
corações, dependurados por correias, completavam a mercadoria de um açougue onde
o produto principal era carne de seres humanos.
Drumont, que tinha ido espiar por outra fresta, virou, suas pernas
falsearam, e ele lentamente escorregou encostado na parede.
Jonas que tinha afastado o olhar, também enjoado, teve sua atenção
despertada por algo que tinha visto no chão, e voltou a olhar rapidamente para dentro
do barracão.
Lá estavam, num canto, encostadas na parede, amontoadas e sujas de
sangue, um short, e uma camiseta azul.
O astronauta tremulo, agachou ao lado do amigo, e em voz sumida
falou: - Mataram Gerson!
- Como?
- As roupas dele estão lá dentro!
Drumont ficou paralisado por um instante, depois levantou
rapidamente com a arma em punho.
Jonas percebendo a intenção do amigo puxou seu braço com força,
obrigando o Piloto a agachar novamente.
- Não faça isso... Agatha pode estar viva.
- Meu Deus, até onde vai nos levar essa tragédia? – lamentou o
astronauta, sentado no chão.
Nesse instante uns guinchados altos vindos de dentro chamaram a
atenção dos dois alienígenas que voltaram a olhar pelas frestas. Outro Gronko tinha
entrado no matadouro, carregando um humano morto nas costas. Era uma mulher
jovem, nua, que a besta jogou sobre o cepo, entre os dois insetos.
Jonas levou um tremendo susto, quando percebeu que se tratava de um
corpo de mulher, mas quando viu seu rosto deu um suspiro de alívio. Era uma nativa.
O Gronko que tinha chegado teve uma conversa rápida com os outros
dois, e o que deveria ser o açougueiro pegou uma machadinha tosca, e com certeiros
golpes decepou a cabeça da moça, depois os pés, e as mãos. Juntou o que tinha
cortado, e jogou pela janela, dentro do cercado atrás do barracão.
No meio de uma algazarra infernal, entre roncos e uivos, os animais
no cercado disputaram por algum tempo as presas. Logo tudo se aquietou, e no
silêncio da noite, só se ouvia o triturar de ossos, e a respiração ofegante das bestas.
Jonas e o piloto, paralisados, continuaram espiando o trágico
espetáculo.
O açougueiro, que tinha ficado espiando seus animais pela janela,
retornou ao cepo onde jazia o corpo da infeliz nativa, pegou a machadinha, e em
golpes precisos abriu seu corpo do pescoço até a vagina. Arregaçou seu ventre com as
patas, enfiou os dedos nodosos pelo meio dos órgãos, e como se limpasse um peixe,
foi arrancando as vísceras, e amontoando no cepo.
Drumont não agüentou o espetáculo. Seu estomago sofreu um violento
espasmo, virou rapidamente, mas não conseguiu segurar o ruído da ânsia de vomito.
Jonas, como um relâmpago, segurou o amigo pelo braço, e o puxou
para dentro do capim alto.
Nem bem os dois desapareceram no mato, um dos Gronkos apareceu
numa janela. Olhou para todos os lados, não viu nada, e voltou para dentro do
barracão
O guinchado das conversas retornou lá dentro, e os dois astronautas
olhando pelos vazios do capinzal respiraram aliviados.
Jonas não tinha visto a roupa alaranjada da companheira no açougue, e
isso lhe deu esperança de ainda encontrá-la viva. Não sabia porem o que fazer. Os
óculos de visão noturna tinham sido destruídos junto com o transmissor. No escuro,
como iriam encontrar a moça?
Drumont adivinhando os pensamentos do Comandante comentou: Jonas... Só de dia... Não temos nenhuma luz... Vamos procurar como?
É, e de dia vai ser uma “parada”, nossas armas não tem carga para
segurar a aldeia inteira!
- Viu a moça lá dentro? – perguntou Drumont
- O que tem?
O piloto não teve coragem para dizer o que lhe passava pela cabeça,
mas disse: - Se não podemos fazer nada esta noite, pelo menos vamos vigiar esse
matadouro... Concorda?
Jonas entendeu o que se passava pela cabeça do amigo, mas se
recusava ter os mesmos pensamentos. Pegou o braço do piloto, e disse: - Você tem
razão, vamos achar um lugar melhor para vigiar.
Os dois astronautas se afastaram do barracão por dentro do capim alto,
a procura de um lugar mais elevado. Quando se aproximaram da trilha que levava ao
açougue, viram a esquerda um enorme cupim semi-destruido. Metade dele tinha
desmoronado, e nos buracos que ainda restavam, próximos a entrada, não se via
nenhuma claridade.
- Vamos arriscar? – perguntou Drumont.
- Feito... Vamos.
Ao dois, agachados numa rápida corrida chegaram na entrada do monte
de terra. Colaram nas paredes do túnel de entrada tentando escutar algum som vindo
de dentro. Nada ouviram.
No fundo ainda dava para perceber que a entrada tinha sido
interrompida pelo desbarrancamento do cupim. Porem, a direita da entrada, uma
tênue claridade indicava a existência de outro túnel. Vagarosamente se aproximaram,
e olharam para dentro da passagem. O túnel subia numa rampa forte. De cima vinha
uma tênue claridade do dia que começava a amanhecer.
Ambos subiram lentamente a rampa, colados nas paredes do túnel. No
alto, chegaram a um pequeno salão abobadado, com uma abertura mais ou menos
circular.
De onde estavam, bem em frente, mais ou menos a cinqüenta metros
de distância, se via perfeitamente através da abertura, o matadouro, e o cercado de
cachorros.
Depois de uma longa noite de emoções de toda a ordem, o silêncio
daquela sala malcheirosa era até bem-vindo.
Lá fora, a aldeia ainda estava adormecida.
Jonas sentou no chão ao lado do buraco da janela, olhando o açougue,
e intimamente rezando para não ver o que mais temia, e Drumont deitou no chão e
adormeceu.
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CAPITULO VIII
Clark na cabine de rádio da espaçonave, aguardava ansiosamente que
os operadores conseguissem algum contacto com o Comandante.
Depois de uma hora de tentativas frustradas, Clark se convenceu que
Jonas, estava sem condições de se comunicar com a nave mãe, e os motivos eram
impossíveis de serem previstos. Ele Clark precisava tomar uma decisão qualquer, mas
não sabia qual.
Se ele espera-se qualquer sinal dos exploradores, e estes estivessem em
perigo, a falta de socorro poderia ser fatal. Por outro lado se ele trouxesse a nave
exploradora, e descesse em seguida para ajudar os companheiros, primeiro, não
saberia onde procurá-los, depois se dependessem da nave para escapar, e ela não
estivesse no mesmo lugar, poderia significar a morte dos amigos.
Clark se desesperava por não achar uma solução, e xingava os
construtores da espaçonave por não terem previsto mais uma nave exploradora.
- Será que aqueles cornos, não conheciam aquele ditado de quem tem
um não tem nenhum!
Por fim o bom senso prevaleceu a vontade de correr em socorro dos
exploradores. Resolveu esperar mais quarenta e oito horas terrestres, antes de tomar
qualquer atitude. Afinal o transmissor poderia ter se estragado, e eles longe da nave,
não teriam como se comunicar. Afinal, tinham armas poderosas, e não seriam nunca
presos em nenhuma armadilha.
Embalado por essas idéias o Sub-comandante se convenceu que
deveria esperar.
Lá em baixo, enfiados num cupim malcheiroso, os dois astronautas
continuavam na vigia ao açougue.
O dia já tinha amanhecido, e ambos passaram a ouvir guinchados, um
tropel, e uivo de animais.
Os dois colaram nas paredes ao lado da janela, atentos aos ruídos que
vinham de fora.
Jonas olhou pelo buraco da janela, mas pouco viu lá fora alem do
matadouro. A parede da janela tinha mais de dois metros de grossura, e impedia
totalmente a visão lateral.
Deixou a arma, subiu no parapeito do buraco, e lentamente se arrastou
até a borda externa. Ali arriscou olhar para baixo. A pouca altura pequenos Gronkos
brincavam correndo pelas trilhas em volta dos cupins. Alguns adultos passavam,
alguns carregando, por correias presas ao
pescoço, animais iguais aos que tinham visto cercando a prisão dos humanos.
Em frente de um outro cupim, uma fêmea arrumava lenha numa
fogueira. Outras vinham transportando lenha de uma enorme pilha visível a distância,
por entre os cupins.
Jonas olhou para a direita, para um cupim bem maior que os outros, na
beira da aldeia, na borda do capinzal. Sua atenção foi despertada por um pequeno
Gronko que saia de dentro do cupim vestindo um cinturão verde que Jonas
reconheceu como sendo de Agatha.
Retornou rapidamente do buraco da janela, e com voz tremula contou
ao Drumont o que tinha visto.
- Que você acha? – perguntou o amigo.
- Agatha deve estar dentro daquele cupim!
- Vamos tentar?
- Vamos! Se não tiver nada lá dentro podemos fugir pelo mato – disse
Jonas.
Ambos desceram a rampa do túnel, e cautelosamente chegaram até a
entrada do cupim. Os pequenos Gronkos tinham ido embora, um macho vinha pelo
caminho, e passou na entrada sem perceber a presença dos astronautas. Apenas ele
desapareceu numa curva, ambos atravessaram a trilha correndo, e se esconderam no
capinzal. Continuaram por dentro do mato até mais ou menos a altura do cupim que
Jonas tinha visto, e se aproximaram novamente da borda. O cupim de onde Jonas
tinha visto sair a pequena besta ficava um pouco longe. Alguns Gronkos circulavam
nas trilhas. Se tentassem alcançar a entrada seriam forçosamente vistos. Isso não seria
problema, pois poderiam liquidar os Gronkos mais próximos, mas se entrassem
depois para procurar a moça, teriam na saída que enfrentar toda a aldeia.
A situação era difícil. Jonas porem teve uma idéia, e resolveu apostar
na curiosidade daqueles seres.
Dali donde estavam se avistavam nitidamente a enorme pilha de lenha
onde as fêmeas se abasteciam. O Comandante deu meia carga a potência do fuzil
apontou para a pilha de lenha e atirou. Um fino raio de luz branca, atingiu o monte
como um relâmpago, e com o impacto jogou paus de lenha para todos os lados, e
pegou fogo.
A correria foi geral. Gronkos machos, fêmeas, e filhotes apareceram de
todos os lados correndo em direção a lenha, para ver o que tinha acontecido. Em
pouco tempo as trilhas ficaram limpas, e uma multidão se formou em torno da
fogueira.
Aconteceu o que Jonas queria. Acompanhado do piloto, aproveitaram o
momento, e correndo entre aos cupins, em instantes entraram pela porta por onde
Jonas tinha visto o pequeno Gronko sair, com o cinto de Agatha.
O cupim era muito grande, e o túnel por onde tinham entrado possuía
várias ramificações iluminadas por tochas fumegantes.. Algumas ramificações
subiam, outras desciam, os astronautas ficaram desorientados. Se fossem percorrer
todos aqueles túneis iriam gastar o dia todo.
Aparentemente o cupim estava vazio, todos deviam ter ido ver a
fogueira.
Depois de alguns instantes de indecisão Jonas sugeriu: - Se ela estiver
viva aqui dentro deve responder se a gente chamar!
- Boa idéia, - respondeu Drumont – não temos nada a perder.
Imediatamente se separaram, e percorrendo o túnel principal paravam
na entrada dos outros, um de cada lado, gritando o nome da astronauta. Tinham
percorrido já várias entradas sem nada escutar, quando Drumont com um grito de
alegria chamou o Comandante.
- Aqui Jonas... Ela está aqui!
Jonas com “dois” passos alcançou o amigo.
Do túnel descendente, mal iluminado, veio o som de um choro de
mulher, e logo uma voz embargada, chamou o Comandante.
- É ela! – gritou Jonas, “despencando! Pelo túnel abaixo, seguido do
amigo.
Armas engatilhadas, prontos para qualquer eventualidade, chegaram a
uma enorme caverna iluminada por algumas tochas. \pararam estáticos, imaginando
que tivessem chegado no centro do inferno. No chão da caverna,grupos de alvéolos
feitos de barro se espalhavam por todo o salão. Mulheres nuas, amarradas pelos pés
com fortes correias de couro a estacas fincadas no chão, trabalhavam pegando com as
mãos uma pasta branca guardada em enormes tachos, colocavam na boca de larvas de
filhotes de gronkos, que dentro de alvéolos, no meio de uma gosma grudenta,
guinchavam, e se debatiam.
Quando as mulheres viram os astronautas, se assustaram, e iniciaram
um gritaria, logo seguido pelo guinchado agudo das larvas.
Jonas, percorrendo com o olhar o salão, logo reconheceu a roupa
alaranjada, toda rasgada de Agatha no meio dos alvéolos. Correu para ela enquanto
Drumont permanecia vigiando a entrada do túnel.
Agatha, com lagrimas nos olhos, abraçou o companheiro,e este por
alguns instantes retribuiu o abraço. Porem não havia tempo a perder, sacou a faca,
cortou as correias que prendiam a moça, e auxiliado pelo amigo fez o mesmo com as
outras mulheres.
No meio dos gritos de alegria das mulheres se sentindo livres, Os três
astronautas fugiram em desabalada carreira pelo túnel acima sendo seguidos pelas
escravas dos gronkos numa alucinada algazarra.
O barulho que as mulheres faziam foi escutado por alguns gronkos que
retornavam pela trilha, e eles entraram correndo no cupim para verificar o motivo da
gritaria, justamente quando Drumont que ia na frente atingiu o túnel principal. Raios
brancos e mortíferos partiram do fuzil do astronauta, atingindo as bestas, que
morreram sem saber porque.
Pulando pelos corpos Drumont seguido de Agatha alcançaram a
entrada do cupim, e correram para o mato na beira da aldeia.
Enquanto isso no túnel principal um gronko que tinha se escondido
num túnel lateral na hora que Drumont atirou, pulou em cima de Jonas que passava, e
os dois rolaram para dentro de outro túnel em frente.
Jonas perdeu o fuzil, e quando engalfinhados pararam de rolar, o
astronauta se viu por baixo da besta que com dois dedos apertava seu pescoço, e com
as garras abertas, boca escancarada, mostrando uma dentadura serrilhada, entre dois
pontiagudos caninos, tentava morde-lo.
Jonas escorando com o braço o peito cartilaginoso do inimigo procurou
desesperadamente, com a outra mão, retirar a faca da cinta. Conseguiu quando seu
braço não agüentava mais a pressão do gronko, e antes que ele conseguisse morde-lo
a faca serrilhada penetrou nas costas do animal que com um guinchado horrível,
tombou ao lado do astronauta. Este arrancou a faca do corpo da criatura que se
convulsionava, correu para o túnel principal, recolheu o fuzil, e misturou-se com as
escravas em fuga.
Enquanto isso acontecia, três gronkos, e um daqueles esquisitos
cachorros, vinham vindo pela trilha, viram Drumont e Agatha saírem correndo do
cupim. Com altos guinchos saíram correndo atrás dos intrusos. No momento que o
animal que corria na frente passou em frente da entrada do cupim, Jonas junto com as
mulheres apareceram correndo lá de dentro.
O astronauta atrapalhado pelas fêmeas tropeçou no animal, e rolou no
chão. O fuzil caiu longe, e antes mesmo que pudesse se refazer da surpresa as três
criaturas que vinham atrás pularam ao mesmo tempo em cima dele, enquanto o
animal em que tinha tropeçado desapareceu assustado numa curva da trilha.
A gritaria das mulheres fugindo para o mato, mais os guinchados
estridentes dos gronkos chamou a atenção dos que ainda estavam na fogueira, que
num barulhento tropel, vieram se juntar aos que moíam Jonas de pancada.
Alguns vendo as escravas fugindo tentaram persegui-las mas eram
muito lerdos para correr devido ao grande abdômen, e as mulheres em instantes
sumiram no meio do capim alto que cercava a aldeia. Seus perseguidores, sabendo
que não as alcançariam desistiram, e voltaram para o meio da multidão que cercava o
Comandante.
Jonas tentou resistir quanto pode, mas eram muitos. Levou uma
bordoada, e desmaiou.
Seguro por dois gronkos, foi arrastado pela trilha, seguido praticamente
por toda a aldeia num amontoado de machos, fêmeas, e filhotes pulando em volta,
tentando ver o alienígena a todo custo, tudo no meio de uma zoeira infernal de
guinchados.
Um dos gronkos achou a arma de Jonas num canto da trilha, parou
pegou o fuzil, examinou a arma de todos os lados, não encontrou utilidade para ela, e
com total indiferença lançou a arma na direção do capinzal, e correu para se reunir
aos outros.
Drumont , e Agatha, assistiram tudo de dentro do mato. Não puderam
fazer nada. Se o astronauta atirasse poderia ferir o companheiro no meio da multidão,
portanto não havia outra coisa a fazer senão aguardar outra oportunidade.
Quando a multidão se afastou bastante, Drumont saiu do capinzal, e
numa rápida corrida recolheu a arma de Jonas, e voltou para o mato sem ter sido visto
por ninguém. De lá, ambos aproveitando a ausência de gronkos na área, voltaram
para o cupim desmoronado onde Drumont e Jonas tinham passado a noite. Dali
tinham uma boa visão da aldeia, e podiam ver para onde levavam o Comandante.
Drumont tinha a convicção que não iriam matá-lo, porque se quisessem
fazer isso, já o tinham feito.
-O que será que vão fazer com ele? – perguntou Agatha, com uma
enorme aflição estampada no rosto.
- No meio da aldeia tem uma prisão de nativos humanos... Acho que
estão levando ele para lá. – disse Drumont.
Sua suposição era correta. A multidão chegou ao duplo cercado onde
prendiam os indígenas. Um portão de troncos de arvores, com duas folhas, foi aberto
com grande esforço, fechando a passagem dos animais que estavam no corredor. Um
segundo portão na paliçada interior com uma única folha foi aberto, e Jonas ainda
desacordado, foi jogado no cercado. Os portões foram novamente fechados, e a
multidão em pouco tempo se dispersou, sobrando apenas alguns pequenos gronkos
atiçando os animais no corredor com varinhas enfiadas pelos vãos dos paus da
paliçada.
Dentro do curral Jonas foi cercado por vários homens, e algumas
mulheres, todos nus, curiosos por conta da roupa azul do novo prisioneiro.
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CAPITULO IX
O astronauta recuperou vagarosamente a consciência. Deitado no chão,
viu as pernas nuas dos que o cercavam. Não atinou direito do lugar onde estava,
levantou a cabeça, viu a paliçada próxima, se arrastou até ela, e sentando encostou na
cerca, ainda tonto, olhando interrogativamente para a sua curiosa platéia.
Uma mulher do grupo avançou timidamente, puxou a camiseta do
astronauta, e se afastou rapidamente. Outro nativo, andando agachado, chegou mais
perto, e segurou com força a botina de Jonas, tentando arrancá-la. O astronauta
encolheu a perna, já aborrecido com a curiosidade daquelas infelizes criaturas.
Alguns sons sem sentido, e grunhidos mais altos se ouviram entre os
prisioneiros, e um deles de cara amarrada, com uma espécie de grito de guerra, pulou
na frente de Jonas com os braços levantados, e as pernas abertas. O astronauta
percebeu que se continuasse a permitir aqueles avanços, acabaria sendo atacado por
todos, e com certeza iria no mínimo ficar pelado.
O índio de pele branca, na frente dele, com mais um berro abaixou os
braços tentando segura-lo pelos ombros. Jonas reagiu, e com um violento pontapé
acertou o vão das pernas do coitado, que agarrando nos órgãos genitais rolou no chão
gritando de dor. Ao mesmo tempo levantou-se, e todos com o susto da reação do
estranho, se afastaram grunhindo.
O astronauta deu um passo a frente, e os nativos debandaram, abrindo
a roda, onde só sobrou um gigante com mais de sete pés de altura, e uma fita de couro
presa na testa, que impassível encarou Jonas com ar feroz.
- Esse deve ser o chefão – pensou Jonas.
O indígena abriu os braços, e as pernas, curvou o corpo, e com ferozes
grunhidos começou a rodear o astronauta. Com um pulo mais corajoso chegou mais
perto do intruso, e levou um tremendo soco na boca . O impacto desequilibrou o
gigante que caiu sentado no chão, e gemendo cuspiu uns pedaços de dentes
quebrados.
A raiva estampou-se no seu rosto, num salto se colocou de pé, e com
um grito grotesco partiu para cima de Jonas como um búfalo feroz.
O astronauta negou o corpo, e o brutamontes se estatelou de encontro a
paliçada. O barulho instigou os animais no corredor, e entre latidos, uivos, e mordidas
pulavam tentando alcançar o topo da cerca. Sem se preocupar com as feras, o índio
virou rapidamente, mas antes que pudesse tomar qualquer iniciativa, Jonas girando
sobre o próprio corpo para
tomar impulso, levantou a perna, e acertou um pontapé na cara do gigante, que como
um enorme tronco decepado, desabou no solo desmaiado.
Quando o indígena caiu, Jonas virou, e avançou alguns passos em
direção dos outros prisioneiros, que assistiam a luta. Não sobrou ninguém perto do
alienígena. Disfarçando, como quem não quer nada, foram para o outro lado do
cercado.
O astronauta todo doido da surra que tinha levado dos Gronkos, sentou
novamente no chão, encostado na paliçada.
Os animais se aquietaram, e aparentemente nenhum Gronko tinha se
interessado em ver o motivo do alvoroço. Com certeza essas zoeiras deviam ser
comuns.
Quando o gigante abatido acordou, colocou-se de quatro, meio tonto,
viu o astronauta sentado a poucos passos dele, deu um grunhido rouco, cuspiu um
pouco de sangue, e mesmo de quatro se afastou do estranho, levantou, e foi se reunir
aos outros do outro lado da paliçada.
Drumont e Agatha, depois que viram Jonas ser trancado no cercado
começaram a imaginar como poderiam fazer para livrar o companheiro.
- Ele pode estar muito ferido... Vamos tira-lo de lá... Esses bichos não
podem com a gente – pediu Agatha ao amigo.
- São muitos, e a distância é longa! Qualquer descuido nosso, e
estaremos perdidos – afirmou Drumont
- Ora! Estas armas podem destruir toda essa aldeia Nunca chegariam
perto de nós.
- Agatha, pense bem... Esses bichos estão por toda a parte, não
podemos atirar em todos ao mesmo tempo, e vamos acabar na melhor das hipóteses
dentro daquele cercado, junto com Jonas.
- Mas, e a noite?
- As chances vão ser pior que agora... Eles enxergam melhor que nós,
Conhecem o terreno, não iria dar certo... Melhor será ao amanhecer, vai haver poucos
deles na rua. Acho que poderíamos libertar o Comandante, e fugir para o mato antes
de acordar toda a aldeia.
- Oh! Meu Deus! Vai ser uma longa espera até amanhã – falou Ágatha
suspirando.
- Isso se antes não nos descobrirem aqui – disse Drumont
- Esse cupim está desmoronando, ninguém vai vir aqui!
- Esses filhotes correm por toda a parte... Sei lá!
Enquanto Agatha e Drumont decidiam esperar até o dia seguinte, os
nativos no cercado, vendo que Jonas não se mexia, foram pouco a pouco se
despreocupando, voltando a agir normalmente, tomando cuidado porém para não
chegar muito perto do estranho.
O astronauta, sentindo que não seria mais importunado pelos nativos,
relaxou sua vigilância, dormiu encostado na paliçada, e o resto do dia passou sem
incidentes.
Apenas começou a amanhecer, Drumont sacudiu levemente o ombro
de Agatha, que dormia encolhida no chão. A moça acordou assustada, segurou o fuzil
e perguntou: - O que foi?
- Nada, calma, está amanhecendo, mas esta acontecendo alguma coisa
lá no cercado!
Agatha levantou, e olhou pelo buraco da janela.
Na paliçada, um grupo de gronkos estava abrindo os portões que
davam acesso ao cercado interior.
Jonas que já tinha acordado, se colocou de pé, e começou a andar de
um lado para outro para distender as pernas, sob o olhar desconfiado dos nativos.. Do
outro lado só se ouvia o rosnar, e os uivos dos animais presos no corredor.
De repente, ao passar em frente ao portão de entrada da paliçada, um
laço preso na ponta de uma vara prendeu o pescoço do astronauta, que foi
violentamente puxado de encontro ao cercado ficando praticamente dependurado pelo
pescoço. Jonas se dependurou na vara na tentativa de se livrar do laço que o
estrangulava, quando meia dúzia de gronkos entraram na paliçada carregando curtas
lanças pontudas de madeira. Enquanto alguns vigiavam os nativos, que tinham
recuado para o outro lado da paliçada, os outros prensaram Jonas com as pontas das
lanças de encontro a cerca e, imóvel pelas lanças pontiagudas que feriam suas
costelas, em poucos instantes se viu de mãos amarradas nas costas, e seguro pelo laço
que prendia seu pescoço foi impelido para fora da paliçada.
Fora do cercado, uma pequena multidão já aguardava o prisioneiro,
que semi-enforcado, e aos cutucões, foi obrigado a seguir por uma trilha, seguido por
toda a aldeia, fazendo um barulho infernal.
Quando Jonas percebeu que estava sendo levado em direção a arena
que tinha visto da montanha teve o pressentimento que seus dias estavam chegando
ao fim.
Atropelado pelas lanças entrou naquele rústico circo acompanhado
pela multidão de gronkos que correndo numa ruidosa algazarra de guinchados em
instantes ocuparam toda a arquibancada de troncos, que circundava o picadeiro.
Tiraram o laço de seu pescoço, desamarraram suas mãos, jogaram nos
seus pés um porrete curto, e uma rede feita de tiras de couro, e se afastaram correndo,
deixando o astronauta sozinho no meio da arena.
Um silêncio quase total se fez na multidão.
Jonas lentamente se abaixou, recolheu o tacape e a rede, e ironicamente
pensou: - Agora só falta soltar o leão!
Uma guincharia infernal rompeu o silêncio da platéia. O astronauta
procurando o motivo de todo aquele barulho, virou, e descobriu, a menos de cinco
passos dele, a razão da algazarra.
Um gronko gigantesco, com mais de oito pés de altura, patas enormes
e nodosas na cintura, uma bunda enorme, ventre quase arrastando no chão, e uma
longa cinta de couro cruzada no peito reluzente, o encarava com olhar cruel,
mostrando dois pontiagudos caninos, cercados por duas garras enormes saindo das
bochechas.
Jonas pensou rápido. Se aquele gronko pusesse as patas nele, seria um
homem morto. Para usar sua faca, teria que chegar perto, e provavelmente seria
estraçalhado antes de poder ferir a criatura mortalmente. O porrete, e a rede não
serviam para nada, mesmo porque não saberia usar aquelas armas. Jogou as duas no
chão ao seu lado, e seu gesto silenciou de repente o barulho da assistência.
O gigante abriu os braços, e avançou pesadamente para ele. A multidão
“acordou” saudando seu campeão com frenéticos guinchados. Queriam vê-lo
estraçalhar com as mãos, e os dentes, aquele intruso que tinha tido a coragem de
invadir sua aldeia.
O astronauta deixou a criatura chegar bem perto, ai num movimento
rápido, acertou um chute no ventre da besta, que com um urro de dor se encolheu
segurando a barriga. Guinchos raivosos partiram da platéia. Jonas se afastou alguns
passos, e antes que o gronko se refizesse, numa corrida curta, se elevou no ar, e
acertou com os dois pés o peito do animal. Este caiu para trás atordoado, virou o
pesado corpo, e apoiou-se nas patas para levantar.
Era a oportunidade que Jonas estava esperando. Com um salto pulou
nas sua costas, segurou com as duas mãos a cara comprida da besta, e antes que o
gronko pudesse esboçar qualquer reação, com um violento tranco quebrou o seu
pescoço. O animal se abateu no chão estrebuchando sob as pernas do astronauta, e a
platéia emudeceu.
O espanto porem durou somente alguns segundos. Furiosos com a
derrota inglória de seu campeão, vários gronkos machos, com raivosos guinchados,
pularam da arquibancada, alguns brandindo curtos porretes, e correram na direção do
alienígena. Jonas recuou lentamente disposto a vender caro a vida.
Drumont e Agatha, quando viram Jonas ser levado rumo a arena,
aproveitaram que toda a aldeia estava correndo para lá, saíram furtivamente do cupim
em ruínas, entraram no mato, e foram contornando a aldeia até se posicionarem bem
atrás da arquibancada da aldeia. Escondidos viram quando Jonas e todos os gronkos
entraram no picadeiro.
Quando a luta começou, e todos estavam entretidos, Drumont
carregando sua arma, e a do amigo, deixou a moça no mato, e sorrateiramente subiu
pelos paus da arquibancada, sem que nenhum gronko percebesse sua presença..
Quando chegou em cima, Jonas estava recuando, com toda a multidão de gronkos
descendo da arquibancada para estraçalhá-lo.
O astronauta escutou gritarem seu nome, virou e viu Drumont a meia
altura da arquibancada jogando o fuzil para ele.
A arma alcançou as suas mãos. Alguns gronkos que vinham em sua
direção, sentiram intuitivamente o perigo, e tentaram escapar saindo para os lados em
carreira desengonçada. Outros porém desavisados, sem entender a atitude dos
companheiros, continuaram sua rebolante corrida. Muitos tendo avistado o outro
astronauta, mudaram de direção, e voltaram a subir os degraus da arquibancada na
direção do outro intruso.
Nessa situação, e entremeado por um barulho infernal de guinchos as
armas silenciosas e mortais “falaram” sua língua. Corpos explodiram na frente de
Jonas espalhando pedaços por todos os lados misturados com uma seiva gosmenta.
Na arquibancada, outros gronkos atingidos pelo Piloto rolavam aos
pedaços, levando outros na queda. O pânico se estabeleceu entre os furiosos algozes
dos alienígenas. Uma correria desenfreada para sair de perto daquelas mortíferas
criaturas, substituiu o desejo de vingança das bestas.
Os astronautas pararam de atirar. Jonas achou que deveriam sair dali o
mais rapidamente possível. Os gronkos eram muitos, e passado o susto, com certeza
voltariam em massa.
Atirou nos troncos que formavam os primeiros degraus da
arquibancada, que voaram em pedaços, abrindo um enorme buraco. Acenou para o
amigo, e pela passagem que tinha aberto correu para fora da arena.
Esperou pelo Piloto que em instantes o alcançou, e perguntou: - Onde
está Agatha?
- Ali, vamos – disse Drumont apontando para o capinzal em frente.
Ambos correram para o mato, já escutando o tropel das criaturas em
seu encalço.
Ágatha e Jonas se abraçaram carinhosamente, enquanto Drumont
atirando na multidão, atrasou um pouco a investida dos varões da aldeia.
Não havia tempo para comemorarem o encontro. Abrindo caminho no
mato alto, atirando de vez em quando para segurar a investida de seus perseguidores,
os três alcançaram finalmente a mata.
Ali, o terreno era mais limpo, permitia que corressem mais depressa,
mesmo assim muitos galhos atrapalhavam o caminho, e atrasavam a fuga.
Pelo barulho no mato, os fugitivos perceberam que os gronkos tinham
se espalhado na floresta em sua perseguição. O perigo era eles se adiantarem, e
cortarem a fuga dos astronautas, e isso realmente aconteceu. Muitos conheciam
trilhas limpas, e conseguiram passar a frente dos fugitivos, porém eram muito
grandes, incapazes de se esconder na folhagem rala da floresta, e por isso iam sendo
abatidos com facilidade.
Jonas se convenceu que não conseguiriam chegar na nave naquela
situação. A distância trabalhava contra eles. Um descuido, um atraso maior, e aquelas
criaturas cairiam sobre eles que nem vespas.
Só existia uma possibilidade. Alcançar a caverna dos nativos humanos.
Eles com certeza os ajudariam.
Jonas orientou a fuga para perto das montanhas, e depois de alguns
minutos de correria, viram por entre as arvores, a meia altura, o patamar onde se
refugiavam seus semelhantes.
Os nativos, alertados pelo barulho na floresta, já estavam todos
espiando por entre as pilhas de pedras no patamar.
Praticamente com os gronkos nos seus calcanhares, os três saíram da
floresta, e iniciaram a escalada pelas rochas, perseguidos por dezenas de criaturas.
Nessa altura os nativos começaram a jogar pedras com uma pontaria
precisa. Os gronkos acertados por grandes seixos, rolavam pela escarpa abaixo, as
vezes carregando outros na queda.
Drumont, escalando as rochas por traz de seus amigos, virava
constantemente vigiando a escalada dos gronkos. Um deles se aproximou
perigosamente, e o astronauta para abatê-lo segurou com uma das mãos na rocha,
girou o corpo, e apontou o fuzil para a cabeça de seu perseguidor. De repente a ponta
da rocha onde seu pé se apoiava partiu. O Piloto largou a arma, e tentou se agarrar na
rocha. A mão não encontrou apoio, o corpo escorregou, e ele com um grito rouco,
despencou pela encosta levando com sigo a criatura que o perseguia.
Agatha, logo acima dele, deu um grito ao perceber a queda do amigo.
Lá embaixo alguns gronkos saltaram em cima do corpo inerte do astronauta, soltando
guinchos raivosos, e mordendo o infeliz Piloto.
Jonas de onde estava, descontrolado pelo que via, passou a atirar a
esmo em todas as criaturas lá embaixo próximas ao amigo, até que um clique
inconfundível lhe deu noticia que a carga do fuzil tinha acabado.
Jogou a arma em cima de um dos gronkos na escarpa, e completou a
escalada acompanhando Agatha banhada em lagrimas.
Os nativos continuaram jogando pedras nos inimigos, e estes não tendo
podido alcançar os astronautas, desistiram da perseguição. Sabiam já, por dezenas de
tentativas frustradas que não seria desta vez que iriam conquistar a escarpa.
No meio da gritaria de triunfo dos nativos, os gronkos desapareceram
na floresta, mais uma vez derrotados.
Na retirada porém, para horror e desespero do Comandante, e sua
noiva, levaram junto o corpo do Piloto, não se importando com os outros gronkos
mortos e agonizantes, espalhados no sopé da montanha.
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CAPITULO X
Agatha abraçada com o Comandante chorou bastante tempo o destino
trágico do amigo. Depois ainda abraçados caminharam pela esplanada cercados por
vários nativos curiosos em ver de perto a companheira do astronauta. Sentaram em
umas pedras, e o menino loiro amigo de Jonas, foi sorrindo sentar ao lado deles.
Uma mulher apareceu pelo meio dos curiosos, e depositou aos pés dos
alienígenas um cesto cheio de frutas. Enquanto desoladamente, tentavam comer os
curiosos foram se dispersando, e algum tempo depois só o menino permaneceu ao
lado dos astronautas.
Agatha, extremamente cansada, recostou nas pedras, e em pouco
tempo dormiu.
Jonas viu o chefe da tribo conversando, agachado, com um grupo de
nativos, na entrada da caverna, levantou, e se dirigiu para lá acompanhado pelo
garoto.
O chefe e os outros se levantaram. O Comandante sorrindo, colocou a
mão no ombro do indígena, apontou para si mesmo, para Agatha que dormia nas
pedras, e depois para o Sul, tentando dizer ao chefe que precisava ir embora.
Não foi necessário muitas tentativas para que tanto o nativo como os
outros entenderem o que Jonas queria.
Segurando o astronauta pelo braço o indígena o levou a beira da
escarpa, mostrando que deveria descer a montanha, e seguir pela mata para o Sul.
Ca...Ca...Ca....Confirmaram todos os outros nativos, entre grunhidos.
Jonas apontou a floresta, e imitando um gronko, juntou os dedos dando
a entender que a floresta estaria cheia deles.
O chefe deu um sorriso de resignação, abriu os braços em sinal de que
nada poderia fazer, e se afastou totalmente desinteressado pelo problema do
alienígena.
Acostumados a descer na mata constantemente, escondendo-se dos
gronkos, e evitando as armadilhas, para colher água e frutas, não viam porque Agatha
e Jonas não poderiam fazer o mesmo.
Para os astronautas porém, as coisas não eram tão simples. Não tinham
a habilidade dos nativos de se esconder dos gronkos. No
planeta Terra de onde tinham vindo, a séculos já não existiam florestas,
a não ser pequenos parques conservados a poder de muita vigilância.
Aventurar-se sem armas a atravessar a mata para alcançar a nave seria
provavelmente suicídio. Não havia porém outra alternativa pensou Jonas. Se pudesse
recuperar a arma de Drumont, ou mesmo as de Agatha e Gerson, ai quem sabe
poderiam ter alguma chance.
Decidiu que essa era a única alternativa, e com esse pensamento voltou
para perto da companheira disposto a tentar a fuga no dia seguinte. Se recostou nas
pedras ao lado de Agatha, e pouco a pouco o cansaço prevaleceu, e ele dormiu.
Acordou no meio da noite, com o crepitar de uma fogueira na beira da
escarpa.
Vultos de homens sentados nas pedras vigiando a escuridão da mata lá
embaixo, demonstravam a preocupação dos nativos de serem surpreendidos pelos
seus inimigos.
Jonas teve pena daquele povo, humanos como ele, e condenados a uma
eterna vigilância num mundo onde, em lugar de dominar serviam para satisfazer o
apetite carnívoro de animais parecidos com insetos gigantes.
Os pensamentos o fizeram sentir-se humilde e pequeno. Tinha
descoberto que no Universo não havia supremacia de raças. O homem era senhor da
Terra mas, em quantos outros planetas ele seria somente “gado” para outras espécies
dominantes? Não respondeu a própria pergunta, e cansado dormiu outra vez.
Amanheceu, e todos dormiam, a menos dos vigias acocorados nas
pedras, com os olhos pregados na mata.
Jonas acordou com alguém lhe cutucando o ombro. Virou rapidamente,
e viu o menino loiro rindo ao seu lado. Rio também, e agradeceu o menino por tê-lo
acordado. Quanto mais cedo descessem a escarpa, seria melhor.
Acordou Agatha que sentou assustada, piscando para acostumar a vista
a claridade intensa do dia.
- Está na hora, – disse para a companheira – temos que enfrentar mais
uma etapa.
Agatha levantou sem dizer nada, e Jonas fez o mesmo. O menino
segurou a mão do astronauta, e fazendo um sinal puxou o Comandante para o outro
lado da porta da caverna.
- O que será que ele quer? – perguntou Agatha.
- Quer mostrar alguma coisa... Acho!
O menino continuou puxando a mão do astronauta, apontando para o
fim do patamar
- Vamos ver o que ele quer nos mostrar – disse Jonas, indicando ao
menino que seguisse em frente.
Passaram a entrada da caverna, seguindo o garoto. Alguns homens, e
mulheres saiam da caverna, mas não tomaram conhecimento nem dos alienígenas,
nem do menino.
No fim do patamar o menino habilmente subiu pelas pedras, e Agatha e
Jonas logo perceberam que ele seguia uma trilha por entre as rochas, rumo ao Sul,
justamente para onde queriam ir.
Jonas comentou – Se ele conhece algum caminho por entre essas
montanhas, estamos salvos.
- Deus o ouça – foi o único comentário da moça.
Acompanhando o menino, subiram e desceram montanhas baixas,
ladearam enormes precipícios, e depois de horas de caminhada avistaram novamente
a floresta embaixo, e a direita deles aparecendo sobre as arvores a ponta rombuda da
nave exploradora.
Agatha pulou de alegria quando Jonas mostrou o achado, e o garoto
sem nada entender pulou e riu também, vendo o contentamento do casal, mas quando
viu o que Jonas apontava, levou um susto, e com um grunhido se escondeu
rapidamente atrás de uma pedra. Agatha rindo pegou o menino pelo braço apontou a
nave, e ela mesmo, e ele entendeu que não precisava temer aquela coisa estranha que
aparecia sobre as arvores.
Estavam distraídos, ainda olhando a nave quando Jonas percebeu um
bater vigoroso de asas, virou, e dois pés de garras pontiagudas se cravaram no seu
peito jogando o astronauta no chão.
Sob o olhar espantado de Agatha, e do menino, uma enorme ave de
penas brancas, debatendo as asas, equilibrada sobre o astronauta, tentava bicar seu
rosto.
Jonas segurou o pescoço comprido da ave, ao mesmo tempo que
procurava sua faca na cintura.
Estava sofrendo dores alucinantes com aquelas garras cravadas no seu
peito. Com o braço que segurava o pescoço da ave já perdendo as forças, a outra mão
tremula achou o cabo da faca, e num esforço desesperado, puxou a lâmina da cintura,
e com um único golpe decepou seu pescoço.
Batendo as asas a ave decapitada tombou ao lado do astronauta, que
jogou fora a cabeça que segurava pelo pescoço, e sentado apertou o peito gemendo de
dor.
Agatha com cuidado retirou a camiseta ensangüentada do noivo,
limpou o sangue das feridas com o pano, enquanto Jonas mais ou menos refeito, se
colocou em pé.
- Meu bem – disse Agatha – precisamos chegar na nave o mais
depressa possível... Esses ferimentos vão infeccionar!
- Não se preocupe, – respondeu o astronauta em tom tranqüilo – já
estamos perto, não vamos demorar.
O menino puxou a mão de Jonas apontando para a montanha atrás
deles. No alto, no meio de algumas pedras, via-se um enorme ninho feito de grossos
gravetos, onde três cabeças penugentas com bicos pontiagudos apareciam olhando
para baixo.
- Por isso ela nos atacou! – comentou Jonas, e completou – Vamos
embora.
Os três iniciaram a descida pelo meio da rochas da escarpa, que era
igual ao patamar dos nativos.
Com cuidado para não caírem, em poucos minutos se viram no sopé da
montanha, com a mata a menos de cem metros de distância.
Precisamos de sorte agora – disse Jonas enquanto se encaminhavam
para a floresta.
Chegaram na mata sem problemas, e continuaram vagarosamente rumo
a nave vigiando tudo, e cortando os galhos que atrapalhavam a passagem com muito
cuidado para não fazer barulho.
Depois de meia hora de caminhada silenciosa, viram com alegria, por
entre os troncos das arvores, a nave brilhando, no centro da clareira.
O menino quando viu a maquina, se escondeu atrás de Agatha, e Jonas
ajoelhando ao lado dele, apontou a nave, fez o garoto se convencer que aquilo era
realmente deles. O garoto era inteligente, entendeu o recado mas continuou
acompanhando o casal agarrado na mão da astronauta.
Quando Jonas andando na frente, chegou na clareira, num impulso se
escondeu na mata arrastando com sigo Agatha e o menino.
Em frente deles, bem próximo a nave, meia dúzia de gronkos
acocorados, estavam distraídos numa acalorada conversa de guinchados.
- Descobriram a nave! – disse Jonas baixinho.
- Que será que estão esperando ali? – perguntou Agatha.
- Devem ter relacionado a gente com a nave, com certeza estão nos
esperando.
- São burros... Deviam estar escondidos.
- Ainda bem. Se fossem mais inteligentes, esses nativos, - disse Jonas
apontando o menino – já teriam virado churrasco.
- Que faremos?
- São muitos não da para enfrentá-los.
O garoto ajoelhado no mato ao lado de Jonas pareceu ter adivinhado o
problema. Puxou o braço do astronauta apontou para ele, e para a nave, como que
perguntando se ele queria ir lá.
O Comandante distraído com as próprias idéias, acenou
afirmativamente com a cabeça, e não prestou atenção quando o menino levantou ao
seu lado. Quando o pequeno nativo saiu correndo para a clareira, Jonas tomando
consciência de seus movimentos, tentou alcançá-lo com um braço, mas era tarde.
O menino irrompeu no descampado gritando para chamar a atenção
das bestas, e saiu correndo para a esquerda beirando a floresta. Os seis ao ver o
garoto levantaram ao mesmo tempo, e ao som de estridentes guinchados saíram
correndo atrás do garoto.
O menino sabia que poderia escapar deles facilmente. Corria como
uma lebre, enquanto os gronkos balançando o enorme traseiro eram lerdos e
desengonçados.
O astronauta entendeu as intenções do menino. Apertou o botão de
controle remoto da porta, no seu cinturão, e juntamente com Agatha correu
rapidamente para a nave. Precisava pegar uma arma lá dentro, e socorrer o garoto
com urgência antes que aqueles animais o cercassem.
Dois gronkos porém, que corriam atrasados dos outros, perceberam o
movimento atrás deles, viraram, e brandindo os curtos bastões partiram para cima dos
intrusos.
Jonas parou para enfrentar as feras, e gritou para Agatha – Suba, traga
uma arma!
A moça continuou correndo, e subiu “voando” pela escada telescópica
que acabara de se abrir.
Enquanto isso, Jonas desembainhou a faca, ligou sua lâmina serrilhada,
e esperou o ataque da criatura que vinha na frente.
Segurando o porrete no alto da cabeça o gronko alcançou o alienígena,
e desceu a arma com toda a força na sua cabeça. O astronauta tirou o corpo de lado,
agachou, e cravou a faca na barriga da criatura, que com um guinchado agudo,
tropeçando no próprio bordão, se amontoou no chão estrebuchando.
O outro que vinha atrás, roncando de raiva, e sem diminuir a carreira,
tentou da mesma forma rachar a cabeça do Comandante. Este aproveitando o impulso
do adversário, segurou seu braço, deitou de costas no chão, colocou o pé no seu
ventre, e num balão perfeito jogou o animal por cima do corpo, que se estatelou de
costas no chão, por trás do astronauta. Jonas levantou rapidamente, pegou o porrete
que tinha escapado das mãos da criatura, e com uma bordoada estourou a cabeça do
gronko com tanta violência que seus olhos como duas enormes ameixas, saltaram de
suas órbitas.
Nesse instante Agatha apareceu no alto da escada carregando dois
fuzis. Jogou um para o astronauta, que segurou a arma, e sem esperar pela
companheira saiu correndo em socorro do menino.
Enquanto Jonas era barrado pelos dois gronkos, o garoto entrou na
mata perseguido pelos outros, deu uma enorme volta, sempre se deixando ver pelos
seus seguidores, e retornou para a clareira justamente em frente ao amigo que vinha
em seu socorro.
Quando as quatro criaturas irromperam na clareira, em lugar de avistar
o garoto, deram de cara com o astronauta, plantado em sua frente, as pernas abertas, e
o fuzil seguro por uma das mãos, a meia altura do corpo. Não houve tempo para
reações, raios brancos e mortais partiram da arma, e dois dos animais com os órgãos
estraçalhados despencaram no chão. Os que vinham atrás desapareceram dentro do
mato, e quando Jonas chegou na borda da floresta, só ouviu o som de galhos
violentamente quebrados pela sua fuga desabalada.
Desistiu de persegui-los. Não tinham mais importância. Dependurou a
arma no ombro, e deu de costas para a mata.
O menino gritando de alegria correu para ele de braços abertos, e se
dependurou no seu pescoço. Carregando o garoto em um dos braços o astronauta
voltou para a nave onde no pé da escada Agatha o esperava sorrindo.
Colocou o menino no chão, e segurou a moça pelo ombro de encontro
ao peito, enquanto por instantes, olhando distraidamente a floresta, se perdeu na
lembrança dos companheiros mortos.
Voltou a realidade rapidamente, colocou a mão na cabeça do garoto, e
disse para a noiva: - Ele não pode ficar... Temos que levá-lo.
- Ah! É lógico, se ficar podem pegá-lo, - e concluiu – aqueles dois que
fugiram podem estar espreitando a nave.
- Tem razão, vamos embora – concluiu o astronauta, empurrando o
garoto para a escada.
O menino deslumbrado pela aventura subiu pulando os degraus como
se estivesse muito familiarizado com a nave, seguido de Agatha e Jonas, sorrindo
com o entusiasmo do garoto.
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CAPITULO XI
O Comandante assumiu o painel de controle, recolheu a escada, fechou
a porta de entrada, ligou o vídeo-transmissor, e na tela apareceu a imagem do
operador da nave mãe, que estando meio adormecido, se assustou com o
aparecimento na tela a figura do Comandante.
O menino deslumbrado, olhava tudo com espanto, se assustou mais
ainda com o aparecimento do operador, e num salto se escondeu atrás da poltrona do
astronauta
- Comandante! – exclamou o operador, e completou – Graças a Deus!
- Positivo Frank, transfira a transmissão para a cabine de comando,
quero falar com Clark.
- Pra já senhor.
A imagem do vídeo embranqueceu por instantes, e em seguida Clark,
com um largo sorriso apareceu no vídeo, e foi logo gritando: - Arre! Você nos pregou
um enorme susto... O que aconteceu?
A fisionomia séria do astronauta no vídeo matou de imediato a alegria
do Subcomandante.
- Não fomos felizes... Joel, Drumont e Gerson estão mortos..
- Como? – perguntou Clark com espanto.
- Verdade – afirmou o Comandante.
- Meu Deus! Como foi isso? E Agatha?
-Ágatha esta bem... Vocês saberão de tudo apenas eu subir, mas não vai
ser agora... Tenho um serviço ainda para fazer.
- Sozinho?
- Não se preocupem, vocês podem acompanhar tudo pela tela, e apenas
eu terminar entrarei em contacto de novo... Aguardem. Dizendo isso, Jonas que tinha
pressa, porque queria terminar sua missão antes que o dia terminasse, desligou o
transmissor, e em seguida ligou a tela panorâmica. Em instantes a imagem de cento e
oitenta graus, de toda a área externa, apareceu em três dimensões.
Agatha olhou para o garoto, para sentir sua reação, mas este não se espantou. Para
ele tinham aberto uma enorme janela, e o que ele via nada mais era do que a região
onde ele vivia.
- Prenda o garoto – pediu Jonas.
Agatha pegou o menino pela mão, fez ele sentar numa poltrona em
frente ao vídeo, e o prendeu com os cintos de segurança. O menino apesar de um
pouco assustado, aceitou ser preso na poltrona, e se tranqüilizou quando Agatha fez o
mesmo na poltrona ao lado.
O astronauta ligou os foguetes da nave, e acelerou lentamente sua
potência. Um ligeiro tremor, e o barulho surdo dos propulsores foram as únicas coisas
que indicaram sua ascensão. Os pés pneumáticos se encolheram desaparecendo na
fuselagem, e a cento e sessenta pés de altura a nave se estabilizou.
Jonas ligou os foguetes laterais, manejou os controles, e com uma
ligeira inclinação a nave avançou rumo ao Norte. A floresta, e a montanha
começaram a passar lentamente na tela panorâmica, para assombro do garoto que
olhava extasiado.
Em pouco tempo o patamar onde se refugiavam os nativos humanos
apareceu na tela, foi se aproximando, e tornou-se perfeitamente visível a esquerda do
telão, e enquanto a nave passava a meia altura a sua frente, se via os nativos
apavorados, correndo por todos os lados, agachados entre as pedras, e desaparecendo
na entrada da caverna.
O menino vendo seu povo correndo feito loucos, passou a rir
nervosamente, e sem entender porque todos estavam tão assustados, começou a agitar
os braços, e a gritar, pensando ser visto e ouvido.
Quando a imagem da tribo desapareceu na lateral da tela, o menino
parando de se agitar, olhou desanimado para o astronauta que, sorrindo de sua
ingenuidade, afagou seus cabelos.
Em poucos minutos a mata terminou, Jonas reduziu a velocidade da
nave, e parou no ar na orla da floresta.
Na tela panorâmica, bem em frente, sob o olhar apavorado do menino,
aparecia toda a aldeia dos gronkos, envolta pela fumaça das fogueiras.
Quando as criaturas que estavam nas trilhas, viram a nave pairando
sobre a mata, as reações foram as mais diversas possíveis. Alguns brandindo os
curtos porretes no rumo da nave, guinchando de raiva, davam demonstração de
coragem para os companheiros. Outros, simplesmente curiosos, se li9mitavam a
olhar. As fêmeas, mais assustadas arrastavam os filhotes para dentro dos cupins, e nos
buracos das janelas dezenas de cabeças pontudas apareceram para ver o que estava
acontecendo.
Na nave duas escotilhas se abriram projetando para fora dois canhões
estriados.
Na tela panorâmica uma cruz branca, dirigida por Jonas no painel de
controle, se fixou sobre os primeiros cupins da aldeia.
- Por mim e pelos meus companheiros – sussurrou o astronauta, ao
mesmo tempo que apertava um gatilho vermelho embutido na alavanca de
controle.Raios brancos partiram das armas, e com precisão cirúrgica atingiram o local
marcado pela cruz.
Uma violenta explosão jogou pelos ares milhares de torrões de terra,
misturados com corpos de gronkos despedaçados.
Sob os olhos espantados do garoto, Jonas foi sistematicamente
destruindo a aldeia das criaturas, que desesperadas tinham se escondido nos cupins.
Durante meia hora o astronauta permaneceu atirando contra a aldeia.
Quando parou, abaixo da nuvem de poeira que se elevava no céu, só se via montes de
terra solta coalhada de corpos gosmentos das criaturas estraçalhadas.
A nave, flutuando sobre os escombros da aldeia totalmente destruída,
parou no ar a pouca distância do cercado dos prisioneiros nativos, que não tinham
sido molestados.
Tanto os índios brancos, como os cachorros que os cercavam,
totalmente apavorados pelo barulho das explosões corriam por todos os lados,
desorientados, tentando fugir de qualquer maneira.
Raios brancos partiram dos canhões da nave, se fixaram em pontos das
duas paliçadas, e em pouco tempo a madeira se transformou em cinza, abrindo duas
grandes passagens na prisão.
Cachorros,e prisioneiros se misturaram na fuga pela passagem, e se
espalharam pelos destroços da aldeia.
Jonas virando para o menino, disse: - Seu povo agora vai ter sossego
por algum tempo.
O garoto olhou interrogativamente o astronauta sem entender, e Agatha
perguntou: - Vamos devolve-lo agora?
Jonas pensou alguns instantes, e disse: - Não. Vamos levá-lo conosco.
É jovem, pode apreender nossa língua, estudar, e quem sabe algum dia possa voltar, e
ajudar seu povo a eliminar deste planeta essa raça de criaturas nojentas.
Naquela tarde, na tribo do menino, todos ouviram os estrondos vindos
da aldeia dos gronkos, e viram espantados, sobre uma enorme nuvem de poeira,
aquele estranho objeto, que tinha passado em frente deles, subindo rapidamente, e
desaparecendo nas nuvens do céu.
FIM
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um mundo "quase" igual ao nosso