Encontro Práticas & Reflexões -CCBB Educativo SP - 31/03 Ministrada por Fausto Godoy, Consultor da Esposição Índia! Fotos: Fausto Godoy Demais imagens e mapas: emprestadas da internet Invocação a Ganesh Quem é Ganesh? - diversas versões - o Yantra de Ganesh - festival de Mumbai I. ÍNDIA (A terra) Sul do continente asiático II. OS HOMENS 1. os primeiros habitantes: a civilização do Vale do Indus (3300 – 1300 a.C.) - os drávidas – origem discutida (África do leste, Oceania, autóctones ?) - Mohenjo Daro (foto) - cultura muito desenvolvida: planejamento urbano + cerâmicas de alta qualidade - Harappa - o culto da Deusa Mãe (Mother Goddess) – símbolo da fertilidade e, portanto, da vida Cerâmicas de Amri Nal (cultura do Vale do Indus – 2,500 a.C.) 2. a chegada dos arianos (1800 a.C.) – a cultura védica - proveniência (Ásia central) - dúvidas sobre a chegada: teriam sido invasões? Chegaram pacificamente? A atribuição a invasões belicosas das hordas arianas, procedentes da Ásia Central ainda não está provada, uma vez que vários especialistas afirmam que não se tratou de uma incursão propriamente dita, mas de uma ocupação contínua ao logo do segundo milênio a.C. Os que defendem a teoria das invasões alegam que, de procedência ainda discutida, os arianos teriam atravessado o Passo Khyber, hoje no Paquistão, por volta de 1800 a.C., e com seus carros de guerra puxados por cavalos, desconhecidos das populações autóctones, destruíram os assentamentos dos drávidas, primeiros ocupantes da região. 3. os primeiros textos religiosos Os principais testemunhos da presença dos arianos são seus textos sagrados, os Vedas. O Rig Veda é o documento religioso mais antigo da literatura hindu. Compõe-se de 1.028 hinos, a maioria dos quais se refere a oferendas e sacrifícios às divindades. É nele que se estabelece pela primeira vez a idéia do Brahman, o Absoluto, ou seja, o zero. - no hino 10.129 está escrito: “Não havia então nem a não-existência e nem a existência; não havia o espaço e nem o firmamento que está acima. O que se movimentava? ... Não havia nem a morte e nem a imortalidade. Não havia divisão entre o dia e a noite. O Absoluto (“the One”, em inglês) respirava sem a atmosfera, de seu próprio impulso. Além disso, não havia nada mais...quem sabe, realmente? Quem pode proclamar o que é? Onde está a criação? Os deuses vieram depois, com a criação do universo. Quem pode saber de onde surgiu? Passagens geográficas e etnológicas no Rig Veda evidenciam que o texto teria surgido por volta de 1700-1100 a.C. Durante séculos foi preservado por tradição oral e, provavelmente, só ganhou versão escrita na baixa Idade Média indiana. - a formação dos primeiros reinos e repúblicas (os mahajanapadas) – principais centros urbanos: Magadha, Kashi, Kosala, Avanti e Gandhara - sobrepujança de Magadha: foi onde nasceram e viveram Sidharta Gautama (o Buda) e Mahavira, na mesma época, chamada Idade Axial , termo cunhado pelo filósofo alemão Karl Jaspers para explicar os grandes cismas religiosos e a emergência quase concomitantemente das grandes religiões e filosofias na Ásia: budismo e jainismo, na Índia; confucionismo e taoísmo, na China. Confúcio, Budha, Mahavir, Lao Tze são praticamente contemporâneos. - budismo: Sidarta Gautama, o Buda ( o iluminado), nasceu em Lumbini e cresceu em Kapila Vastu, no nordeste da Índia e fronteira com o Nepal. Filho de um rei da varna kshatrya, do clã dos Shakyas, viveu em opulência até os 29 anos de idade. - conta a lenda que um dia saiu do palácio e pôde então confrontar-se com a realidade da vida: viu um ancião, um doente, um morto e um saddhu. Fugiu do palácio e foi viver numa comunidade de saddhus, que pregava o ascetismo como forma de redenção. Praticou o rigor ascético e, na etapa mais radical, alimentava-se de apenas um grão de arroz por dia. Chegou à conclusão de que esse não era o caminho para a salvação. Teve a iluminação em baixo de uma figueira (bodhi tree), em Bodh Gaya. Pregou o primeiro sermão em Sarnath, e a partir de então partiu em peregrinação difundindo a sua doutrina, a da via do meio, ou seja, da temperança, e das quatro verdades e dos oito preceitos para se libertar do ciclo das reencarnações (samsara). São três as principais correntes do budismo: - budismo hinayana ou theravada (prevalece no Sri Lanka e países do sudeste asiático (Tailândia, Cambodia,. Myanmar). É a vertente mais antiga. Tem como base as quatro nobre verdades: 1) a vida é sofrimento (dukha) ; 2) o desejo é a causa do sofrimento (trishna) ; 3) a eliminação do desejo (ilusão) tem como conseqüência a eliminação do sofrimento (maya) ; e 4) para escapar do sofrimento a caminho do Nirvana, tem-se que seguir o caminho das oito vias corretas ensinado pelo Buda: visão correta (ver a realidade como ela é); intenção correta, discurso correto, ações corretas, modo de vida correto, ação correta, esforço correto, atenção correta e concentração correta). Símbolo budista theravada: - budismo mahayana – desenvolveu-se a partir do IV Concílio Budista, convocado pelo imperador Kanishka, da dinastia Kushana, por volta do ano 100 a.C. Os seguidores da corrente theravada não aceitam esse concílio, que consideram como “o dos monges heréticos”. Budha assume então um caráter deificado. São desse período as primeiras representações do Buda. - os especialistas disputam a autoria das primeiras representações. Uns afirmam que partiu de Gandhara, fruto da imaginária grega, outros que surgiu concomitantemente em Mathura, nas cercanias de Delhi e que não teria nenhuma influência grega, dos descendentes do exército que acompanhou Alexandre, o Grande, na sua incursão pelo noroeste do Continente indiano. a. Escola de Mathura Escola Gandhara de - budismo vajrayana – à medida que o budismo se espraia, ele vai assimilando as culturas e as religiões locais. O resultado é o surgimento do budismo vajrayana, ou tântrico, que é extremamente complexo e impera sobretudo no Tibete. - Jainismo - o que prega o jainismo? - o fundador foi Mahavira, que nasceu de uma família real do atual estado de Bihar, em 529 a.C. Foi contemporâneo de Sidharta Gautama. O grande pilar do jainismo reside na noção de que todos os seres vivos são sagrados, pois estão no caminho da iluminação (moksha). Assim, criou o conceito da não-violência (ahimsa), que Gandhi usou como um dos seus lemas principais. Os mais radicais não matam nenhum ser vivo, animais ou insetos, e tampouco se alimentam de tubérculos. Usam um lenço no nariz para imperdir de respirarem quaisque seres vivo e andam com uma vassourinha para limpara o caminho à frente. Usd - Símbolo jainista 4. Os primeiros impérios Pouco a pouco consolidou-se um novo sistema de governo, centrado no soberano. Das pequenas tribos que haviam ocupado as planícies do Punjab, no noroeste da Índia, surgiram entre os séculos VII e VI a.C. numerosos reinos e oligarquias em contínua luta pelo poder, ao longo do curso do rio Ganges. O mais importante deles foi o de Magadha, ao sul da planície gangética, hoje no estado de Bihar. 5. O Império dos Mauryas e dos Shungas Por volta de 320 a.C., Chandragupta Maurya solidifica a dinastia dos Mauryas,com sede em Magadha, após derrotar as tropas helenísticas que, tendo acompanhado Alexandre III da Macedônia (o Grande) na sua incursão pelo noroeste do território indiano, em 326 a.C., haviamse estabelecido na região. A mais importante característica dessa dinastia, a primeira a unificar o território indiano, foi seu sistema administrativo centralizado. Seu principal monarca foi o imperador Ashoka, que reinou entre 264 e 239 a.C. Ele ampliou significativamente as fronteiras do império e foi grande promotor do budismo. Foi nesse período que se deram as primeiras representações de Budha. Em vida Buda nunca quis ser representado, ou deificado O principal legado de Ashoka são os éditos gravados em vários monumentos que erigiu em todo o território do seu império. O topo de um desses pilares, com um capitel de leões, hoje no Museu de Sarnath, tornou-se o símbolo da Índia. Ao morrer Ashoka, em 233 a.C., o Império Maurya foi-se reduzindo até ser finalmente suplantado em 185 a.C. pela dinastia Shunga, que se manteve no poder por 112 anos, até ser substituída, por sua vez, pela dinastia dos Kanvas, em 75 a.C. 6. os Kushanas e os gregos de Alexandre, o Grande – Gandhara (século II d.C.) A partir do século II a.C. novas hordas nômades passam a pressionar as dinastias reinantes na região noroeste da Índia. A mais importante dessas tribos, os Kushanas, assume o poder no início do século I d.C. A partir de então expandiram o império até a região de Sarnath, nos arredores de Varanasi. Os Kushanas faziam parte da confederação Yuezhi, povos nômades que, oriundos das estepes do noroeste da China, haviam-se estabelecido no norte do Afeganistão. Kanishka, o maior dos seus soberanos, patrocinou a escola de arte helenística de Gandhara, hoje em território paquistanês, bem como a mais indiana, de Mathura, perto de Nova Delhi. Foi ele quem patrocinou o IV Concílio Budista, de onde surgiu a vertente Mahayana. 7. A Idade Dourada - os Guptas e o classicismo (séc. VI a VIII) A dinastia Gupta, do Norte da Índia, foi fundada no ano 320 por Chandragupta I, originalmente um chefe de clã sem aparente importância. Por casamento e conquista, estendeu seu território e assumiu o título de Rei. Adotou o nome de Chandragupta, que fora usado pelo fundador do Império Maurya, seiscentos anos antes. Todos os seus sucessores acrescentaram a terminação gupta (protegido) aos seus nomes. Ao longo da dinastia os Guptas foram expandindo o império, a ponto de no final cobrir a maior parte do norte da Índia, quando foram invadidos pelos Hunos brancos, no fim dos anos 400. (mapa do império gupta) A estética Gupta tem características muito próprias, conforme se vê na imagem abaixo de uma estátua de Budha que está no museu de Mathura. Seus melhores exemplos estão nas grutas de Ajanta e Elora, no centro-sul da índia. Sob os Guptas, a vida da população, que se viu livre de restrições burocráticas, melhorou enormemente; as multas constituíam o principal castigo para a maioria das ofensas. O período Gupta foi uma época de grande desenvolvimento das artes. Tamanho brilho ensejou que ele ficasse conhecido como a “Idade Dourada”. 8. O Esfacelamento do Império A partir do século VII, os monarcas Gupta adotaram uma política de concessões de terra como recompensa habitual à casta sacerdotal por serviços prestados ao monarca. O objetivo era contrabalançar o poder dos senhores feudatários. Entretanto, esta política deu origem à formação de inúmeros reinos regionais. Tal situação, se por um lado, causou a instabilidade política da Índia, por outro, enriqueceu-a com a criação, por cada dinastia, de parâmetros estéticos próprios, que resultaram numa série de obras primas. Após a queda da dinastia, a Índia viu-se dividida em uma série de reinos independentes, que lutavam entre si pela hegemonia regional. Entre os mais importantes podem-se citar os Rajputs, no Rajasthan; os Cholas, no sul; os Rashtrakutas, em Maharashtra; e os Palas, no nordeste da Índia. Várias peças na exposição foram feitas sob essas dinastias e pode-se ver ver as diferenças estéticas entre elas, uma vez que cada dinastia buscava encontrar sua própria estética. 9. A chegada dos muçulmanos e os primeiros impérios islâmicos Os contatos entre a Índia e o mundo árabe datam de vários milênios, em conexão com a Rota da Seda. De forma mais organizada, os muçulmanos entraram no território do Sindh, no noroeste na Índia, em 711 d.C., o mesmo ano em que invadiram a Espanha. A razão alegada para esse ataque foi liberar civis islâmicos que estavam em um barco seqüestrado por piratas indianos na região do Sindh. Conquistado pelo General Muhammed Bin Qasin, o Sindh tornou-se a província mais a leste do califado Omíada. A partir da metade do século X, Mahmoud de Ghazni anexou o Punjab ao Império Ghaznavida. A partir de então a presença muçulmana se consolidou através de várias dinastias, de curta duração, mas que deixaram marcas profundas na sociedade e cultura indianas, principalmente em termos de arquitetura. 10. O Império Mogul (séc. XVI/XVIII) Zahir ad-Din Muhammad, que a história conheceria como Babur, descendente de Gengis Khan, por parte de mãe, e de Tamerlão, por parte de pai, fundou, em 1526, a dinastia Mogul, que dominaria a Índia por mais de três séculos. Babur partira da região de Fergana, de onde era originário, no atual Uzbequistão. Os sucessores de Babur construíram um imenso império, que no seu apogeu, abrangia praticamente todo o sul do Continente. Os Moguls, como foram denominados, da derivação em persa que significa mongol, em razão da sua origem centro-asiática, trouxeram pacificação para o Continente, e permitiram, com raras exceções, que houvesse uma grande liberdade de culto para todas as religiões que existiam no território indiano. O império cairia, melancolicamente, já no final do século XVIII, quando os ingleses da Companhia das Índias Orientais dominavam economicamente – e até politicamente – o país. Nesse ambiente auspicioso floresceram as ciências e as artes, criando-se um estilo próprio de arquitetura, o chamado “indo-mogul”. O Taj Mahal, construído, entre 1630 e 1652, pelo quinto monarca da dinastia, Shah Jahan, cenotáfio de sua amada esposa Mumtaz Mahal, é um dos monumentos mais sublimes em todo o subcontinente e atesta a pujança e o requinte da estética mogul. Abaixo estão exemplos da estética indo-mogul. Túmulo do santo sufista Chisti, de quem o Imperador Akbar era devoto Sikandra, túmulo de Akhbar Vista do Taj Mahal a partir do Forte Vermelho de Agra - sikhismo Foi igualmente nesse. período, no final do séc. XV, que Prakash Divas, que a história conheceria como Guru Nanak fundou o sikhismo. Simbolo do sikhismo O sikhismo é uma religão monoteísta, porém absorveu fundamentos do hinduísmo, na medida em que acredita na metempsicose, ou na reincarnação, no processo de depuração do Karma e atingimento do sach kand (Reino da Verdade). O sikh conservador porta 5 elementos simbólicos que o identificam: 1) não cortam o cabelo; 2) usam um pente de madeira; 3) usam uma pulseira feita de 7 metais: 4) usam uma espécie de cueca ; 5) levam sempre o kirpan, que é uma adaga ritual. 11. a chegada dos portugueses (Vasco da Gama, 1498) Foi nos estertores do Sultanato de Delhi que os primeiros barcos ocidentais atingiram a costa oeste indiana. As especiarias foram, desde sempre, consideradas o ouro das Índias. A canela, o gengibre e a pimenta eram produtos difíceis de obter no Ocidente, pelos quais se aguardavam as caravanas e os mercadores vindos do Oriente, através da chamada rota da seda, interrompida desde a tomada de Constantinopla, em 1453, pelos exércitos árabes. A queda de Constantinopla estimulou a busca de uma rota marítima alternativa. Zarpando da Torre de Belém, em 07 de julho de 1497, um sábado, o navegador português Vasco da Gama, atingia, em 20 de maio do ano seguinte, as costas de Kappakadavu, próxima a Calicute, no atual estado indiano de Kerala. Sua frota se constituía de quatro embarcações, nas quais se distribuíam 170 homens, entre marinheiros, soldados e religiosos. Reinava, então, em Portugal, D. Manuel I, o Venturoso. Inaugurava-se naquele momento o almejado comércio pela via do Oceano Atlântico. Uma das mais notáveis viagens da era dos Descobrimentos, tal feito consolidou a supremacia marítima e o domínio das rotas comerciais pelos portugueses no século XVI. (mapa das rotas marítimas portuguesas, descobertas por Vasco da Gama) As negociações com o governador local, Samutiri Manavikraman Rajá, Samorim de Calecute, foram difíceis. Os esforços de Vasco da Gama para obter condições comerciais favoráveis foram dificultados pela diferença de culturas e pelo baixo valor das suas ofertas – os anfitriões esperavam ser impressionados com ricos presentes, entretanto, as mercadorias apresentadas pelos portugueses mostraram-se insuficientes para seduzir o samorim; simultaneamente, os mercadores árabes ali estabelecidos resistiam à perspectiva de uma concorrência indesejada. Vasco da Gama conseguiu, finalmente, obter uma carta ambígua de concessão de direitos para comerciar, comprobatória do encontro, que dizia: «Vasco da Gama, fidalgo da vossa casa, veio à minha terra, com o que eu folguei. Em minha terra, há muita canela, e muito cravo e gengibre e pimenta e muitas pedras preciosas. E o que quero da tua é ouro e prata e coral e escarlata». O navegador faria mais três viagens transoceânicas e morreria em Goa, na véspera do Natal de 1524, quando ocupava o posto de Governador e de segundo Vice-Rei das Índias. Em 1505, a coroa portuguesa enviou seu primeiro Vice-Rei ao Estado das Índias, Francisco de Almeida, que se estabeleceu em Cochim. Foram criadas, posteriormente, feitorias em algumas regiões da costa de Malabar, no oeste, notadamente Goa, Damão e Diu, e forjadas alianças com os reinos locais, dos quais o mais importante era o de Vijayanagar, atualmente no estado de Karnataka. Portugal manteve a posse do território até 1961, quando o governo indiano anexou, pela força, Goa, último reduto lusitano, à sua soberania. Até hoje nota-se ali a herança cultural portuguesa, muito embora a língua esteja em processo de desaparecimento. 12. a chegada dos ingleses: a "Companhia das Índias Orientais", séc. XVII Fundada em 31 de dezembro de 1600, pela Rainha Elizabeth I da Inglaterra, a Companhia Inglesa das Índias Orientais (mais tarde chamada Companhia Britânica das Índias Orientais) foi, no início, uma empresa de ações fundada para comerciar com as chamadas “Índias Orientais” (“East Indies”), ou seja, a maioria do continente asiático, mas que terminou por concentrar sua ação no subcontinente indiano e na China. Os principais produtos desse comércio eram o algodão, a seda, o pigmento do índigo, salitre, chá e ópio. O êxito de seus empreendimentos foi tal que, em determinado momento, chegou a cunhar moeda própria. A partir de 1801, passou a ter até mesmo sua bandeira. Em razão do seu poderio, desfrutava de uma série de regalias concedidas pela coroa britânica, entre elas direitos de monopólio comercial e isenções fiscais. A despeito das animosidades e antagonismos que criou, manteve suas atividades por mais de duzentos e cinqüenta anos, tendo sido dissolvida somente em 1874. 13. o período colonial (séc. XVIII a XX): o Raj Britânico A mais importante colônia do antigo Império Britânico passou a ser a Índia. Sob a denominação oficial de “Império da Índia”, englobava todo um subcontinente, que se estendia das fronteiras do Irã e Afeganistão, a oeste, até aos limites do Tibete e da China, ao norte e nordeste, e à divisa com o Sião (atual Tailândia). A Índia Britânica, ou o Raj Britânico (“British Raj”), como ficou mais conhecida – com o qual conviviam alguns enclaves coloniais portugueses, franceses, holandeses e dinamarqueses - era um extraordinário mosaico de raças, línguas e religiões. A Companhia das Índias Orientais havia tecido uma série de relações com as lideranças políticas de todo o país que lhe permitiram governá-lo, seja diretamente nas regiões em que detinha o domínio, seja através de alianças com as casas reais locais, tanto hindus quanto muçulmanas. Até 1857, quando a chamada Rebelião dos Sepaios (a chamada “Mutiny”, ou a “Grande Rebelião”) - um incidente ocorrido numa guarnição de sepaios (soldados indianos contratados pela companhia), em Mehrut, no atual estado de Uttar Pradesh – que catalisou o descontentamento da população com a atuação da companhia, ganhou proporções ameaçadoras e obrigou a coroa inglesa a intervir diretamente no conflito, a administração do território estava exclusivamente sob a direção da empresa. Nesse mosaico humano predominavam os indo-europeus, de cabelos escuros e com diversos matizes de tez; mas os habitantes das encostas do Himalaia, no norte, eram de raça mongólica, e existia no centro alguns grupos com forte ascendência negróide. No sul, principalmente, predominava uma população que guardava nítidos traços dravídicos, herdados dos primeiros habitantes do Continente. Falavam-se mais de 3 mil idiomas e dialetos, dos quais cerca de quinze eram os mais importantes. Quanto ao aspecto religioso, embora o bramanismo (atualmente mais conhecido pelo nome de hinduísmo) fosse absolutamente majoritário, vastas parcelas da população seguiam o islamismo, além das minorias adeptas do sikhismo, do janaísmo, do budismo, do cristianismo e até mesmo do animismo. Até 1857, quando a chamada Rebelião dos Sepaios (a chamada “Mutiny”, ou a “Grande Rebelião”) - um incidente ocorrido numa guarnição de sepaios (soldados indianos contratados pela companhia), em Mehrut, no atual estado de Uttar Pradesh – que catalisou o descontentamento da população com a atuação da companhia, ganhou proporções ameaçadoras e obrigou a coroa inglesa a intervir diretamente no conflito, a administração do território estava exclusivamente sob a direção da empresa. Fruto dessa intervenção, porém, a Coroa assumiu o poder soberano, estabelecendo-se o Raj Britânico, em 1858. Exemplos de arquitetura do Raj Britânico Igreja da Mutiny, Mumbai Flora Fountain, Mumbai A autoridade máxima passou a ser o vice-rei, que prestava contas ao Ministério das Colônias, em Londres. Internamente, porém, a Índia compreendia duas formas de administração: mais da metade do território era controlada diretamente por funcionários coloniais britânicos; mas havia também 562 principados dos mais diversos tamanhos, sob a autoridade de governantes hereditários, hindus ou muçulmanos. Na segunda metade do séc. XIX, as economias da Grã Bretanha e da Índia encontravam-se estreitamente interligadas, como fruto da revolução industrial que ocorria na Inglaterra e se disseminava pela Europa. A coroa havia assumido uma política de transferir tecnologia para a colônia, com o objetivo, principalmente, de facilitar a produção e o escoamento dos produtos destinados ao comércio com Londres. Por esta razão, uma das principais ênfases foi o desenvolvimento dos meios de transporte - ferrovias, rodovias, canais fluviais, etc. - pelos quais a colônia tornou-se um exemplo na época. 14. a resistência aos ingleses - Gandhi e o Partido do Congresso (1895) A administração britânica na Índia empreendeu o desmantelamento sistemático das fibras e alicerces da economia local. Sua política comercial resultou na destruição do artesanato indiano e incentivou o crescimento das grandes favelas urbanas, nas quais se aglomeravam milhões de indigentes. Tal prática impediu os primeiros impulsos de desenvolvimento industrial autóctone, favorecendo a proliferação de especuladores, pequenos comerciantes e espertalhões de toda espécie nas malhas de uma sociedade em decadência. Desde o final do século XIX, uma elite nacionalista buscava um caminho para reverter esse “status quo”. Uma das formas encontradas foi buscar o viés político, aglutinando os vários segmentos da sociedade. Fundado em 1885 com o objetivo de ampliar o espaço dos indianos letrados na administração do Raj, o Partido do Congresso Indiano (“Indian National Congress”), no início, não fazia oposição ao Raj. Na verdade, o seu primeiro encontro, em Mumbai, em dezembro daquele ano, foi convocado por um escocês, Allan Octavian Hume, com a aprovação do então Vice-Rei, Lord Dufferin. Reunia, então afiliados dos vários setores da vida econômica e cultural da Índia, além dos credos religiosos. É nesse cenário que emerge a figura monumental de Mohandas Karamchand Gandhi, o Mahatma (grande alma). Como diria, posteriormente, o Primeiro-Ministro Jawaharlal Nehru: “então chegou Gandhi”. De aspecto frágil e porte pequeno, o Mahatma nada tinha que, num primeiro olhar, pudesse revelar carisma, ou mesmo sua força interna, a não ser fé e convicção inquebrantáveis nos destinos da Índia. Aos 46 anos de idade, formado em direito em Londres e recém-chegado de uma experiência traumática na África do Sul, onde tentara seguir sua profissão e iniciara um movimento de resistência ao colonizador inglês que o havia catapultado ao patamar de líder político, Gandhi a princípio recusou-se a participar de grandes eventos, partindo, ao invés, numa longa viagem pelo país, para conhecê-lo intimamente. Depois do acontecimento trágico de Amritsar, no Punjab, em abril de 1919, quando uma guarnição colonial fuzilou barbaramente um grupo de pessoas que se reunira num parque da cidade, o Partido do Congresso lançou uma grande campanha de não-cooperação com os britânicos. Gandhi liderou essas manifestações. Esse movimento rapidamente recolheu o apoio da população, que a ele aderiu em massa. Foi então que Gandhiji começou a pregação da sua doutrina, “satyagraha”. Esse conceito deriva, na verdade, de um dos pilares da religião jainista, o “ahimsa”, que prega que toda forma de vida é sagrada e não deve ser destruída. Satyagraha, em resumo, significa não-violência e resistência pacífica, uma maneira específica por ele desenvolvida de protesto, que não deve ser confundida com passividade. É uma forma de ativismo que pode implicar até mesmo a desobediência civil. Alguns jovens radicais, como Jawaharlal Nehru e Subhash Chandra Bose, seguindo o exemplo de Gandhi, passaram a insistir em que o principal objetivo político do Partido do Congresso deveria ser a independência. Em plena II Guerra Mundial, a Inglaterra viu-se muito enfraquecida, de modo que, ao fim do conflito, esta não conseguiu mais manter o domínio sobre a Índia: em agosto de 1947 foi concedida a independência. O país, porém, enfrentava forte tensão entre os grupos religiosos hindus e muçulmanos. Gandhi, que pregava a paz e a união entre as religiões, foi assassinado logo após, em janeiro de 1948, por um radical hindu, que se opunha à sua política de respeito absoluto a todos os credos e castas. 15. a Índia independente O último vice-rei das Índias Britânicas, Lorde Mountbatten, recordou o dia da independência como um "piquenique tranqüilo e gigante". À meia-noite, em ponto, entre 14 e 15 de agosto, ele entregou o poder aos indianos em uma cerimônia no imponente Parlamento de Nova Delhi. No exterior do edifício, uma imensa multidão cantava e admirava os fogos de artifício que brilhavam, na verdade, sobre um barril de pólvora, que não tardaria a explodir. Era o dia do "encontro com o destino", segundo as palavras do primeiro chefe de governo da Índia independente, Jawaharlal Nehru, que proclamou que o país "despertava para a vida e a liberdade". Mas esse primeiro dia da independência testemunhou também a partição violenta do novo Estado: pressionados pela opinião pública, e não desejando que a ONU se tornasse responsável pelo estabelecimento das novas fronteiras, os colonizadores confiaram a tarefa a um advogado londrino que nunca havia posto os pés na região, Sir Cyril Ratcliffe. Este, em um escritório de Nova Délhi, desenhou, em 36 dias, a linha fronteiriça entre os dois países. Em conseqüência, no mesmo momento em que se tornava soberano, o ex-território britânico se via dividido em dois novos países, a Índia e o Paquistão, este subdividido, por sua vez, em Paquistão Oriental e Ocidental O Paquistão, por sua vez, iria cindir-se em 1971, em dois Estados, o Paquistão e Bangladesh. Sessenta anos mais tarde, após três guerras indo-paquistanesas e o nascimento de Bangladesh, o símbolo deste passado sangrento e mal resolvido continua sendo a Caxemira, onde a guerrilha islâmica já deixou milhares de mortos. Ainda nesse mesmo ano de 1947, a ilha do Ceilão, a sudeste do subcontinente indiano, tornou-se igualmente independente, com o nome de Sri Lanka. A partição do Raj acarretou a maior e mais sangrenta migração forçosa de que o mundo moderno tem conhecimento. Entre abril e novembro de 1947, uma massa de entre 10 e 15 milhões de pessoas atravessou a fronteira nos dois sentidos: os muçulmanos para o noroeste, em direção ao novo Paquistão, e para o leste, onde está localizado hoje o atual Bangladesh, e os hindus e sikhs para o sul, rumo à Índia. Igualmente determinante foi a pressão política dos dirigentes indianos, com Mohamed Ali Jinnah e sua Liga Muçulmana, de um lado, e Jawaharlal Nehru e seu Partido do Congresso, do outro. Jinnah seria o grande fundador do Paquistão.Foi nesse cenário que Jawaharlal Nehru assumiu o poder como o primeiro Primeiro-Ministro da Índia independente. 16. Nehru, a consolidação do Estado e o Não-Alinhamento Nehru manteve-se no poder, como Primeiro-Ministro da Índia, até sua morte, em 1964. Oriundo de uma família abastada do Estado de Uttar Pradesh e educado na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, liderou a ala esquerdista do Partido do Congresso durante o processo de independência do Raj. Foi o principal interlocutor dos ingleses no processo de independência e, posteriormente, responsável pelos primeiros caminhos que trilhou a Índia pós-independência. Era grande a sua preocupação em que o país se tornasse uma democracia parlamentar e secular, afastando a ameaça de que derivasse para a polaridade religiosa, que tantos traumas havia causado durante o processo de independência. Parecia-lhe igualmente fundamental resgatar da miséria a grande massa da população. No campo externo, o seu compromisso em evitar que o novo Estado fosse cooptado por qualquer dos dois grandes blocos de poder internacional que dominavam o período da Guerra Fria - os Estados Unidos e a União Soviética – levou-o a liderar, juntamente com os Presidentes Gamal Abdel Nasser, do Egito, e Sukarno, da Indonésia, a Conferência de Bandung, realizada neste último país, em 1955. Desse evento, que congregou 29 países, na quase totalidade ex-colônias das potências ocidentais, nasceu o Movimento dos Países Não-Alinhados; seus grandes “inimigos” eram então o colonialismo, que ainda imperava em grande parte da África e da Ásia, o neo-colonialismo e o imperialismo econômico e político. Com pulso firme, foi o arquiteto das políticas que catapultaram o país para a modernidade. 17. os herdeiros de Nehru: Indira e Rajiv Gandhi Filha de Jawaharlal Nehru, Indira Gandhi foi a primeira mulher a ocupar o cargo de chefe do governo indiano. Escolada na melhor tradição Nehru, estrategista e culta, possuía grande ambição política. Como mulher, e ocupando a mais alta posição do governo numa sociedade na época ainda bastante patriarcal, esperava-se que Indira fosse uma líder de pouca relevância, mas as suas ações provaram o contrário. Governou a Índia com “mãos de ferro” e manteve-se no poder por quinze anos, a partir de 1966, com uma interrupção de três anos, entre 1977 e 1980, quando seu partido, o Congress-I, perdeu a liderança no congresso. De volta ao governo, viu-se confrontada com o acirramento da militância da comunidade sikh na região noroeste do Punjab, que propugnava a secessão da Índia e a formação de um Estado sikh. Foi, então, compelida a ordenar, em junho de 1984, a invasão militar do Templo Dourado, de Amritsar, sede da religião e o local mais sagrado da comunidade, onde se refugiara o líder da rebelião. Na luta que se seguiu houve 83 soldados e 493 ocupantes mortos, incluindo os líderes, além de numerosos feridos. “Jurada de morte” pelos sikhs pela dessacralização do templo, Indira acabou assassinada a tiros numa manhã do final de outubro de 1984 por dois membros da sua guarda de segurança pessoal. Com a sua morte, seu filho mais velho, Rajiv, foi eleito líder do Partido do Congresso e assumiu o cargo de Primeiro-Ministro, ainda em 1984. De certa forma, fez isto contra a sua vontade: era piloto da aviação comercial, casado com uma italiana, Sonia, e, contrariamente ao seu irmão mais novo, Sanjay, que falecera num desastre de avião, não tinha até então revelado ambições políticas maiores. Entretanto, pressionado pela liderança partidária e instigado pela opinião pública, viu-se compelido a aceitar a “herança” Nehru. Tinha, porém, mentalidade diferente dos seus antecessores. Sua obsessão era romper o hiato tecnológico que separava o país do Ocidente. Jovem ainda, cercou-se de um grupo de empresários e tecnocratas que ambicionavam retirar a Índia do atraso ao qual o conservadorismo político e social, e a “herança” inglesa, a haviam relegado. Abriu a indústria automobilística à participação estrangeira, reduziu as tarifas e quotas de importação para facilitar a entrada de produtos de maior sofisticação tecnológica e procurou construir espaços em áreas de ponta, nas quais o país pudesse desenvolver “vantagens comparativas”, como telecomunicações e tecnologia da informação. Partiram de seu governo as primeiras iniciativas neste último setor, hoje grande motor da economia . À semelhança de sua mãe, Rajiv foi igualmente assassinado, desta feita por uma extremista da comunidade tâmil, do sul da Índia, durante a campanha eleitoral de 1991, no Estado de Tamil Nadu. 18: a Índia contemporânea A Índia, que conta hoje com um população estimada em 1,2 bilhão de habitantes, ocupa o quarto lugar entre as economias mundiais, em termos de Produto Interno Bruto (PIB)/paridade de poder de compra (PPP), e o décimo lugar em termos nominais, segundo o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. O país tem registrado forte crescimento após 1991, quando seu governo deu início a um processo de liberalização da economia, que envolveu o incentivo ao investimento estrangeiro, a redução de barreiras tarifárias à importação, a modernização do setor financeiro e ajustes nas políticas fiscal e monetária. Como resultados, colheu uma inflação mais baixa, crescimento econômico mais elevado (média de 5 por cento anual) e redução do déficit comercial. Nos últimos anos, a Índia tornou-se um importante centro de serviços relacionados com tecnologias de informação. É o principal beneficiário do outsourcing de serviços, em termos mundiais. Bangalore, capital e a maior cidade do estado de Karnataka, é o centro dessa indústria (tecnopolo). Nos últimos anos, porém, as empresas de tecnologia de ponta vêm buscando diversificação regional; nesse contexto, Pune (Poona), nas cercanias de Mumbai, já começa a competir com Bangalore. Não obstante, esta última ainda concentra mais de 1500 empresas e instituições de pesquisa científica e tecnológica. O desenvolvimento econômico indiano é freado, porém, por uma infra-estrutura insuficiente, uma burocracia pesada, altas taxas de juros e uma "dívida social" elevada (pobreza rural e urbana, importante analfabetismo residual, sistema de castas, corrupção, clientelismo etc.). Abater as desigualdades entre as classes sociais e solucionar o problema da fome estão entre os grandes desafios do país no seu caminho de tornar-se, dentro em breve, conforme se prevê, uma grande potência. Termino esta palestra com a foto do carro Nano, da Tata Motors, que veio para revolucionar o mercado indiano, e talvez internacional, com um preço extremamente barato - em torno de US$ 2,500.00, tamanho reduzido e grande mobilidade, para atender aos anseios de uma faixa crescente da população que passa a integrar a classe média urbana. O Nano parece-me ter a cara da índia contemporânea, com os problemas que o crescimento econômico desordenado e desigual acarreta. Será ele uma solução, ou um problema a mais, contribuindo para ainda maior congestionamento das grandes cidades, do qual Mumbai é o exemplo mais expressivo.