EXPEDIÇÃO GEOLÓGICA E CARTOGRÁFICA ANTIGA AO
ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA: UM EXEMPLO DE
COMUNICAÇÃO ENTRE CARTOGRAFIA HISTÓRICA E GEOLOGIA
Geological and Historical Cartographic Expedition to the Archipelago of Fernando
de Noronha: an example of communication between historical cartography and
geology
Antônio Gilberto Costa1
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Universidade Federal de Minas Gerais
Centro de Referência em Cartografia Histórica da UFMG
[email protected]
RESUMO
O arquipélago de Fernando de Noronha tem sido objeto de visitações e estudos, seja por conta da sua localização
estratégica nos idos das primeiras expedições de europeus ao continente sul-americano, seja por conta de seu rico
patrimônio natural, envolvendo rochas, flora e fauna, mas também por conta do seu patrimônio construído. Enquadrado
na temática Cartografia Histórica: Ensino e Difusão, o trabalho em questão traz informações sobre como bases
cartográficas históricas, bem como documentos cartográficos contemporâneos, geológicos ou não, foram articulados
para a preparação de roteiros geológicos de campo executados no âmbito da 1ª. Expedição Geológica e Cartográfica
Antiga ao Arquipélago de Fernando de Noronha. Para a preparação da expedição, documentação acerca da história
geológica do arquipélago, que cobre aproximadamente 12 milhões de anos, bem como aquela outra relacionada à sua
descoberta e ocupação, portanto desde fins do século XV, mais certamente desde o início do XVI e até os dias atuais,
foram consultadas e inúmeras informações foram levantadas e tratadas de forma a permitir que alunos de Geologia
tivessem,durante visita de instrução ao arquipélago,a mais completa visão do mesmo.Sobre os mapas antigos, para além
de conterem informações sobre localizações de edificações ou ruínas de edificações de defesa, representadas por fortins
e fortalezas, que constituem os testemunhos de um patrimônio construído ao longo desses quinhentos anos de ocupação
e apenas em parte ainda preservados no arquipélago, um dos pesquisados foi utilizado como base para a preparação dos
roteiros de pontos com interesse geológico, observados no campo durante a expedição.
Palavras chaves: Arquipélago de Fernando de Noronha, Cartografia Histórica, Geologia;Patrimônio Construído
ABSTRACT
The archipelago of Fernando de Noronha has been subject to visitations and studies, whether on account of its strategic
location on the ides of the first European expeditions to the South American continent, either because of its rich natural
heritage, involving rocks, flora and fauna, but also on account of its built heritage. Framed in thematic Historical
Cartography: Education and Dissemination, the work in question provides information on how historical cartography
and contemporary cartography, geological or not, were articulated for the preparation of geologic field scripts executed
within the1st. Geological and Historical Cartographic Expedition to the Archipelago of Fernando de Noronha. For the
preparation of the expedition, documentation about the geological history of the archipelago, which covers
approximately12million years ago, just as that is related to its discovery and occupation, so since the late fifteenth
century, most certainly since the beginning of the sixteenth and even today, were consulted and many details have been
raised and addressed in order to allow students of Geology had, during a visit of instruction to the archipelago, amore
complete view of the same. On the old maps, in addition to containing information about locations of buildings or ruins
of buildings of defense, represented by forts and fortresses, which are the testimonies of a heritage built over these five
hundred years of occupation and only in part still preserved in the archipelago, one of the surveyed was used as a basis
for the preparation of itineraries of points with geological interest, observed in the field during the expedition.
Keywords: Archipelago of Fernando de Noronha, Historical Cartography, Geology; Built Heritage
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1. INTRODUÇÃO
Do ponto de vista geológico, as ilhas que compõem o arquipélago de Fernando de Noronha, com área
aproximada de 18,4 km2 e distante 345 km da costa do nordeste brasileiro, representam as porções emersas ou também
as partes superiores de um cone vulcânico, atualmente extinto, de grandes dimensões e localizado na crosta oceânica.
Essa montanha submarina, com diâmetro estimado de 60 km, repousa no assoalho oceânico, tem essas partes emersas
situadas a 4000 metros acima desse assoalho e formou-se ao longo de um período de aproximadamente 10,8 milhões de
anos. Há cerca de 1,8 milhões de anos atrás deixou de se manifestar e passou para o grupo dos chamados vulcões
extintos.
Por outro lado, e considerando apenas os últimos quinhentos anos de sua história, portanto desde fins do século
XV, mas certamente desde o início do XVI e até os dias atuais, sabe-se que o arquipélago foi e tem sido objeto de
visitações e estudos por conta de seu rico patrimônio natural, envolvendo rochas, flora e fauna. Ao longo desse período
o arquipélago foi considerado como ponto estratégico para navegadores de diversas nacionalidades, fornecendo
suprimentos importantes para as viagens empreendidas pelos mesmos. A ilha maior, explorada, abandonada em diversas
ocasiões e ocupada em definitivo pelos portugueses a partir de meados do século XVIII, foi preparada para a defesa por
holandeses no século XVII, pelos franceses no início do XVIII e em seguida pelos portugueses. Desempenhou o papel
de ilha presídio, pertenceu a Pernambuco, passou ao Rio Grande do Norte e retornou a Pernambuco. Atualmente, seu
território é conhecido mundialmente por conta de suas riquezas naturais e constitui uma unidade de conservação federal
denominada Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).
Essas histórias envolvendo o arquipélago, relacionadas, seja à escala de tempo geológico, ou do homem,
encontram-se registradas em mapas, cartas, vistas e relatos. Algumas delas, em especial aquelas relacionados com a sua
descoberta e ocupação serão tratadas a seguir, pois serviram de base para a preparação de roteiros geológicos para a 1ª.
Expedição Geológica e Cartográfica Antiga ao arquipélago de Fernando de Noronha.
2. ASHISTÓRIAS SOBRE AS DESCOBERTAS ENVOLVENDO O ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE
NORONHA
O conjunto de ilhas do arquipélago de Fernando de Noronha, e em especial a sua ilha principal e homônima,
foi uma das partes do território português na América mais noticiada durante os primeiros anos da terra de Santa Cruz.
Isso se deveu, pode-se afirmar, à sua localização em relação aos deslocamentos portugueses e suas rotas no oceano
Atlântico.
Apesar dessa posição, sobre a sua descoberta permanecem ainda muitas dúvidas, principalmente com relação a
quando e a quem de fato o descobriu, muito embora Jaime Cortesão considere a questão elucidada pela Cartografia,
enquanto outros historiadores como Duarte Leite e Adolfo Francisco de Varnhagen, por exemplo, chegaram a outras
conclusões, às vezes a partir da análise dos mesmos documentos, relatos, mapas e cartas ou mesmo com base em meras
suposições (CORTESÃO, 2009).
Certamente, esta descoberta está relacionada com as primeiras viagens portuguesas ao chamado novo mundo,
entenda-se às terras de Santa Cruz, ocorridas entre fins do XV e o início do XVI. No entanto, como observado por
Jaime Cortesão (2009), as dificuldades para estas definições de quando e por quem resultam da escassez de referências
nas crônicas e cartas ou nos “documentos avulsos às viagens dos portugueses por aquele tempo”. Desta forma, na
ausência de documentos comprobatórios, pode-se apenas supor que a descoberta tenha ocorrido em uma das primeiras
viagens à então Terra de Santa Cruz, em seguida a de Cabral, em 1500,que relacionadas por Duarte Leite, encontram-se
assim apresentadas em Cortesão (2009):1ª - a viagem de Gaspar de Lemos, em 1500, destacado da armada de Cabral
para levar a D. Manuel informações sobre a nova do descobrimento da Terra de Santa Cruz; 2ª - a expedição de João da
Nova à Índia, em 1501, à qual se deve a designação de Cabo de S. Jorge, que como destacado por Cortesão “encontra-se
no continente e próximo a uma ilha denominada Quaresma e situada em latitude não muito superior”; 3ª - a expedição
enviada ao Brasil sob o comando de Fernão de Noronha (1501-1502), comando esse defendido por uns e contestado por
outros, bem como a própria descoberta da ilha de Fernando de Noronha, que foi relacionada à essa viagem por alguns
historiadores, que também foi a segunda de Américo Vespúcio ao território americano.
Duarte Leite considera ainda uma 4ª – a expedição comandada por Gonçalo Coelho, em 1503, da qual também
participou Américo Vespúcio, e que traz em sua documentação o registro do descobrimento de uma ilha desabitada
situada a 300 léguas no mar, por 3º de Lat. S. e fazendo referência ao naufrágio da nau Capitânia na noite de 10 de
Agosto, dia de S. Lourenço, a umas 4 léguas da dita ilha. Existe consenso de que essa ilha descrita por Vespúcio nessa
sua terceira viagem corresponde a ilha de Fernando de Noronha. Segundo Jaime Cortesão (2009), Américo Vespúcio
participou de três viagens ao continente americano. A primeira ocorreu em 1499 na expedição de Alonso de Hojeda e
em companhia de Juan de La Cosa; a segunda foi em 1501 e a terceira em 1503, sob o comando de Gonçalo Coelho.
Em sua homenagem, mas valendo-se de informações mais tarde confirmadas como falsas, Martin Waldseemüller deu o
nome de América ao continente descoberto no novo mundo.
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Com base em documentos, Jaime Cortesão menciona as expedições de 1501-1502 e 1503-1504, nas quais
viajou Américo Vespúcio, mas defende uma outra expedição, acontecida de 1502 a 1503. Para esta expedição, sem
documentos comprobatórios, defende esse autor que a condução foi de Fernão de Loronha e garante que a sua
realização deu-se e explica-se “à sombra do arrendamento feito no primeiro destes anos com Fernão de Loronha”. Isa
Adonias (1987) menciona a de 1503 a 1504, chefiada por Gonçalo Coelho, mas não faz referências àquela de 1502,
defendida por Jaime Cortesão.
Com relação à descoberta da ilha, Isa Adonias (1987) apresentou as seguintes versões: 1ª. - segundo o barão do
Rio Branco, e segundo suposições de Adolfo de Varnhagen, a ilha em questão, então denominada São João, teria sido
descoberta por Fernando de Noronha, em 24 de junho de 1503. Contra esta suposição trabalha o planisfério de Cantino,
datado de 1502, pois esse documento traz a representação de uma ilha, denominada Quaresma, considerada por muitos
como a atual Fernando de Noronha. Neste caso, se de fato Quaresma é Fernando de Noronha, a ilha já era conhecida
por viagens anteriores a 1503. Neste caso, e como ponto levantado por Adonias e favorável para a descoberta em 1503,
vem a observação de Moacir Soares Pereira, que com o seu trabalho intitulado: O descobrimento da ilha de Fernando de
Noronha pela expedição de 1503, dá conta de que a ilha identificada como Quaresma no documento de Cantino
“encontra-se em posição e distância muito diferentes da atual Fernando de Noronha” e que deveria corresponder à ilha
de Santo Aleixo, isso devido à sua posição muito próxima à costa e ao limite de Pernambuco com Alagoas, já muito a
sul da posição do arquipélago; 2ª – na linha de Moacir Pereira, o visconde de Santarém também contestou
Varnhagen,quanto a quem teria descoberto a ilha e atribuiu a mesma a Gaspar de Lemos, que fazendo parte da armada
de Cabral, voltou a Portugal para levar notícias sobre as descobertas, tendo avistado o arquipélago nesse seu retorno e
no dia de São João, 24 de junho, mas em 1500; 3ª -como também mencionado por Adonias, Capistrano de Abreu
igualmente discordou de Varnhagen, quanto ao nome do descobridor, por não acreditar que Fernão de Loronha tivesse
dirigido expedições marítimas.
Com o intuito de dar solução ao problema da descoberta, Duarte Leite trabalhou com a hipótese de a ilha ter
sido descoberta na expedição acontecida entre 1501 e 1502, sob o comando contestado de Fernão de Loronha, mas
segundo o historiador mencionado, a revelação da descoberta teria corrido no final da Quaresma de 1502, resultando daí
a sua denominação no Planisfério de Cantino. Contra essa possibilidade, Adonias cita a narrativa de Vespúcio, presente
na mesma e que não menciona nenhuma descoberta de ilha.
Segundo Jaime Cortesão (2009),“se entre 1502 e 1503 se realizou uma expedição, esta deve ser do comando de
Fernão de Loronha, que em pessoa, iniciava a exploração de arrendamento. Durante essa viagem, concluímos,
descobriu o navegador a ilha de São João, que sabemos sem dúvida ser a actual de Fernando de Noronha”. Assim, não
haveria, na opinião do citado autor, a necessidade de recorrer à hipótese da descoberta a uma expedição entre 15011502, defendida por Duarte Leite e da qual não consta o registro de descobrimento de qualquer ilha, e nem ao mapa de
Cantino, pois no mesmo, ailha tem nome e posição diferentes. Recebeu a denominação de Quaresma, ao invés de São
João.
Pesando a favor dessa hipótese, considerada elucidada pela Cartografia, Cortesão cita uma das cartas portulano
do atlas de Egerton- 2803 e datada de 1509, que, no entanto, traz a representação de uma ilha denominada s. Joane
baptista, mas em posição não adequada. Nesse portulano de origem italiana, constam as representações de duas ilhas
próximas à costa do Brasil. A primeira, entre 5º S e 8º S, aparece com a inscrição s. lês insula, enquanto a segunda,
situada mais a sul e intitulada insula de s. ioanne baptista, que apesar de não corresponder em forma e local, deve ser
uma antiga representação para Fernando de Noronha com a denominação que consta do documento de doação da ilha
para Fernão de Loronha, datado de 1504. De qualquer forma, essa representação já não correspondia à realidade, pois
em 1503 a ilha recebeu de Gonçalo Coelho a denominação de São Lourenço, como registrado no Esmeraldo de Situ
Orbis. Produzido entre 1505 e 1508, o Esmeraldo de Situ Orbis é um manuscrito que traz as coordenadas geográficas de
portos conhecidos até 1508. Produzido por Duarte Pacheco, foi dedicado a D. Manuel I, rei de Portugal.
Segundo Adonias (1987), independente de quem e quando foi descoberta, a ilha foi descrita pela primeira vez
por Vespúcio, que participou da expedição de Gonçalo Coelho, entre 1503 e 1504. Em carta enviada de Lisboa a Piero
Soderini (Quarto Viaggio da Lettera de Américo Vespúcio a Piero Soderini), datada de 4 de setembro de 1504 e
reproduzida na obra História da Colonização Portuguesa do Brasil, Vespúcio assim descreveu a chegada a Fernando de
Noronha: “Navegando dali para o Sudoeste que é um vento entre o Sul e o Sudoeste, e quando tínhamos andado bem
300 léguas através do monstruoso mar, estando já na linha equinocial para o Sul bem 3 graus, se descobriu uma terra de
que podíamos estar distantes umas 22 léguas, de que ficamos maravilhados e achamos que era uma ilha no meio do
mar, cousa de grande altura, verdadeira maravilha da natureza, pois não tinha mais de duas léguas de comprido e uma
de largo e nunca habitada por gente alguma...”.
Sobre a descoberta da ilha, Max Justo Guedes (2010) considera que, apesar da inexistência das cartas piloto,
que só apareceram no século XIX com a evolução da ciência e o aprofundamento dos estudos nas áreas da meteorologia
e oceanografia, as correntes, que já eram do conhecimento dos navegadores portugueses tiveram papel importante para
a descoberta do arquipélago. Como resultado de todo um grande esforço em busca de novos caminhos e terras, ocorreu
a descoberta e a conquista do caminho para as Índias, já em fins do século XV e, nesse contexto, tanto a direção dos
ventos, quanto as correntes marinhas, contribuíram para o descobrimento ou o encontro do arquipélago de Fernando de
Noronha, pois este encontra-se no caminho de ambas. Essa conjugação de ventos e correntes e em especial a Corrente
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do Brasil, que certamente contribuiu para a descoberta do arquipélago, foi assim descrita por Max Justo Guedes: “No
Atlântico, um pouco afastado das costas, os ventos alísios sopram de forma constante ao longo do ano e são conhecidos
como de nordeste e de sudeste. Do campo de influência dos alísios de sudeste, o arquipélago se encontra dentro dos
limites inferior e superior considerando o inverno e o verão austrais. Dentre as correntes marinhas, a Equatorial Sul, se
desloca quase paralela ao Equador desde a costa africana até as proximidades do arquipélago, onde se bifurca. Um de
seus ramos toma o rumo sudoeste (rumo paralelo à costa do Brasil - Corrente do Brasil), enquanto o outro (Corrente das
Guianas) segue em direção ao litoral e depois inflete e ruma para noroeste, mas paralela à costa do Brasil”.
Com esse entendimento acerca das histórias sobre o descobrimento do arquipélago de Fernando de Noronha,
pode-se afirmar que do ponto de vista do entendimento sobre a evolução geológica para o mesmo, a “descoberta” deuse por meio do trabalho de Fernando Flávio de Almeida. Segundo este autor, o arquipélago está situado em uma área na
qual há ocorrência de um grande número de fraturas no assoalho oceânico, formando a Zona de Fratura de Fernando de
Noronha, que seria resultante da evolução de falhas transformantes, que ligam segmentos da Dorsal Meso-Atlântica.
Deslocamentos nas zonas de fraturas resultantes da acomodação da litosfera oceânica criada na dorsal causariam fusões
de baixo grau no manto, por alívio de pressão; pelas transformantes ocorreria a passagem e não a geração do magma. A
Figura 01 traz a representação de uma seção geológica proposta por Almeida, em 1958. Atualmente, e com base na
Teoria de Tectônica de Placas, o arquipélago representaria as últimas fases de evolução de uma pluma mantélica,
denominada Fernando de Noronha. O deslocamento da placa Sul-americana sobre essa anomalia térmica seria
responsável pela formação da Cadeia Submarina de Fernando de Noronha e pelo magmatismo terciário alcalino que
ocorre no norte do Ceará, e ao magmatismo também alcalino do Rio Grande do Norte e de Pernambuco.
Fig. 01: Reprodução de seção geológica para a ilha de Fernando de Noronha, segundo Fernando Flávio de Almeida, 1958.
3. AS HISTÓRIAS SOBRE A OCUPAÇÃO DO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA
Tendo em vista a preparação dos roteiros para a realização da expedição ao arquipélago, foram levantadas
informações sobre os processos de ocupação e de construção do patrimônio edificado em Fernando de Noronha.
Essa história teve início em 3 de outubro de 1502,quando toda a Terra de Santa Cruz foi arrendada, por três
anos, a um grupo de cristãos novos, liderados por Fernão de Loronha (Noronha). Neste contexto, ocorreu a doação da
ilha em questão e a mesma constituiu a primeira capitania do território da América portuguesa. O contemplado foi
Fernão de Loronha (Fernando de Loronha), que muito provavelmente já havia passado por ela nas expedições de 15011502 e de 1502-1503.
Essa ilha, que já havia sido denominada Quaresma, foi denominada de São João no documento de doação,
datado de 16 de janeiro de 1504. Por esse documento, D. Manuel I doou a Fernão de Loronha a “... nossa ilha de San
Johan que ele ora novamente achou e descobrio cincoenta legoas allá mar de nossa terra de Sancta Cruz, que lhe
demos arrendada”.Assim, Fernão de Noronha, também chamado Fernando de Noronha, uma corruptela de Fernão de
Loronha, foi, seguido por alguns descendentes, o primeiro dono da Ilha de Fernando de Noronha. Em 1547, D. João III
garantiu a doação a Diogo de Loronha, filho de Fernão e em 1559 a doação foi confirmada ao neto Fernão Pereira
Pestana de Loronha.
Passados muitos anos desde esses arredamentos, a “ilha” arquipélago voltou a ser notícia, em 1604,quando
Melchior Estácio do Amaral chegou à ilha no galeão Santiago e assim acabou por produzir o primeiro relato conhecido
sobre a mesma: desembarcada a nossa gente a ilha de Fernando de Noronha (...) Esta ilha está a 3º. 2/3 do Polo
Antártico, dista da costa do Brasil 80 léguras e alguns querem que sejam 100; é pequena, áspera e pedregosa, com
alguns regatos de água muito salobra e ruim e algum arvoredo silvestre e nenhum de fruto e muitos de algodão; não há
nela ervas algumas de comer, tem gado vacum, cabras e porcos, tudo bravo e nenhum doméstico; tem muitos pássaros
marinhos e muitas rolas, (...) Lá estavam 13 ou 14 escravos pretos, machos e fêmeas e com eles um homem branco
português, como feitor (...).
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Abandonada nesse tempo pelos portugueses, a ilha recebeu no primeiro quartel do século XVII algumas raras
visitas de vigilância como a de Pedro de Castro, em 1619. Desprotegida, a ilha foi facilmente ocupada pelos holandeses
em 1628, que ali deram início às primeiras atividades de cultivos. Uma descrição de 1628, feita pelo piloto Windhond
sobre Fernando de Noronha informa que: (...) a ilha de Fernando de Noronha se encontra a 70 léguas da costa do
Brasil, e deve velejar-se para ela num curso a nordeste menos um quarto. Mas, uma vez que lá há uma forte corrente
vinda do sul, deve-se tratar de guardar o nordeste, e procurá-la na sua altura. (...) Aqui vivem uns 70 ou 80 negros sob
o comando de um português. (...) cabras foram consumidas e já quase não existem mais (...) na época dos ventos do sul
será possível chegar a ela desde Pernambuco, mas seria muito difícil voltar; e na época dos ventos do norte seria muito
difícil velejar até a ilha desde Pernambuco. Lá construímos um pequeno forte num monte bem situado, provido de 4
peças e 30 soldados (...).
Retomada em 1630 pelos portugueses, viu-se novamente sob o controle holandês a partir de 1635 e assim
permaneceu por dezenove anos. Nesse meio tempo mudou de nome para ilha Pavônia, em homenagem a Michiel de
Pauw, da Companhia das índias Ocidentais e arrendatária da mesma. Data desse período, mais precisamente de 1646, a
construção pelos holandeses de um fortim, que mais tarde deu lugar à fortaleza de Nossa Senhora dos Remédios. Em
1654, ocorreu a expulsão e capitulação dos holandeses.
Com o retorno ao controle português, ocorreu a reafirmação de posse, em 1674, ao bisneto de Fernão de
Loronha, João Pereira Pestana e em seguida, em 1692, ao trineto de Fernão de Loronha João Pereira Pestana.
Em fins do século XVII, a ilha encontrava-se abandonada e entre 1694 e 1696, o governo português tomou
providências e construiu algumas fortificações para a proteção da mesma. Em fins de 1700, a então Capitania de
Fernando de Noronha teve o seu status de capitania hereditária suspenso, retornando aos domínios da Coroa, e mais
precisamente à Capitania de Pernambuco.
Coincidindo com o segundo período de ocupações de partes do território da América portuguesa pelos
franceses, a ilha, despovoada e no mais completo abandono, foi ocupada pela Companhia Francesa das Índias Orientais,
em 1736, recebendo a denominação de Isle Dauphine ou Delphine. Mas em 1612, a ilha já havia sido visitada e descrita
por franceses, como é o caso do frade capuchinho Claude d’ Abbville, que fazia parte de uma expedição francesa
comandada por Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, e que alcançou a ilha a caminho do Maranhão
(GUEDES, 2010), onde iriam fundar uma colônia francesa. Em sua História da Missão dos Padres Capuchinhos na
ilha do Maranhão, o arquipélago foi descrito da seguinte forma: “... ancoramos diante da ilha que se encontra a três
graus e três quartos de altura e a oito e meio de variação da agulha. Tem essa ilha cinco a seis léguas de
circunferência; é muito bonita e agradável, com uma das melhores terras que se conheçam, naturalmente vigorosa, aí
encontramos muitos melões, batatas (...) cabras selvagens, galinhas (...) pássaros de (...). Descreve a presença de um
português, de índios, de homens e mulheres e crianças, todos exilados pelos moradores de Pernambuco (Função de
ilha para exílio, prisão etc.)
Em 1737, com a expulsão dos franceses, teve início a ocupação definitiva da mesma pelos portugueses. Desse
início datam as construções da fortaleza de Nossa Senhora dos Remédios e dos fortins de Nossa Senhora da Conceição
e de Santo Antônio. Em 1739, foram construídos os fortins de São João Batista dos Dois Irmãos e de São Joaquim do
Sueste.
A partir de então, diversos viajantes passaram pela ilha, que a partir de 1789 foi transformada em ilha presídio,
o que perdurou até 1942, quando então foi criado o Território Federal de Fernando de Noronha, sob a responsabilidade
do Ministério da Guerra. Em 1981, o arquipélago passou para Aeronáutica e em 1986 para o Estado Maior das Forças
Armadas. Em 1988, deixou de ser um território federal e desde então constitui um distrito de Pernambuco.
4. NOMES E POSIÇÕES DO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA NOS MAPAS E EM
OUTROS DOCUMENTOS PRODUZIDOS ENTRE OS SÉCULOS XVI E XX
Com as informações básicas sobre a descoberta e ocupação do arquipélago levantadas, passou-se a uma outra
fase nas pesquisas, envolvendo o levantamento de documentos cartográficos preparados para o arquipélago, tendo por
preocupação o entendimento sobre como e quando ocorreram os registros desse território, e sempre visando a
preparação dos roteiros para a realização da 1ª. Expedição Geológica e Cartográfica Antiga a Fernando de Noronha.
Mas previamente ao processo de seleção de documentos cartográficos, foi efetuado um levantamento sobre o
histórico dos procedimentos adotados pelos portugueses no levantamento ou mapeamento do seu território na América.
Com o envolvimento de inúmeras expedições, os portugueses, em seguida ao descobrimento ou encontro de
suas novas terras, deram partida a um levantamento costeiro por meio da realização de inúmeras expedições. Mestres
nesse tipo de mapeamento, os portugueses lançaram as primeiras informações levantadas em um documento, que ficou
conhecido por conta de uma cópia deste e identificada como Planisfério de Cantino. Datado de 1502, e com certeza
reproduzido a partir do original português, o planisfério traz a primeira representação cartográfica de parte da costa da
América portuguesa, que viria a ser descrita, em minúcia no Esmeraldo de Situ Orbis, de 1508. Nesse documento o
arquipélago de Fernando de Noronha pode ser associado a uma ilha identificada como Quaresma, mas localizada muito
próxima ao continente e em latitude um tanto quanto inferior àquela conhecida para o referido arquipélago.
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Sobre essa ilha que aparece no Planisfério de Cantino com a denominação de Quaresma, Duarte Leite (1921)
comenta: “calha perfeitamente à actual ilha Fernão de Loronha ou Noronha, distante do equador 3º 50’ para o sul e da
costa brasileira obra de 60 léguas náuticas da época; ela está, todavia, no planisfério em 9º S, e afastada 104 léguas da
terra firme”. Não acreditando em um erro da parte dos pilotos portugueses da época, o autor citado explica a posição
errônea, por conta de um posterior recuo da representação da costa do continente de Santa Cruz no documento
cartográfico em questão, depois que a ilha já havia sido lançada. Por outro lado, supõe o autor: “confirma-se que a
errônea situação atribuída à Quaresma não é devida ao cartógrafo, mas a um amador mal informado ou pouco perito.
Foi este que desenhou a ilha”.
De qualquer forma, em outubro de 1502, quando ficou pronto o documento, uma ilha nessa área já era do
conhecimento do cartógrafo ou de quem procedeu aos últimos ajustes no planisfério. Para o autor, a descoberta ocorreu
em 1502 e é devida a Fernão de Loronha, que teria então participado e comandado a expedição de 1501-1502.
Quanto às denominações desencontradas, Duarte Leite defende que Quaresma teria sido dada pelos marítimos,
que a lançaram nas cartas de marear, enquanto o comandante teria preferido S. João, que á denominação que consta do
documento de doação da ilha, datado de 1504. Esta explicação é considerada difícil de aceitar por Jaime Cortesão
(2009).
Em 1503, Vespúcio descreveu uma ilha maravilhosa, na posição correspondente a de Fernando de Noronha,
que recebeu a denominação de S. Lourenço, provavelmente como uma homenagem do comandante da segunda armada
Gonçalo Coelho, sem saber que Fernão de Loronha já havia dado o nome de S. João à mesma. O nome não aparece em
mapa algum e existe apenas o registro no Esmeraldo de Situ Orbis.
Outros documentos do início do século XVI trazem a representação de uma ilha identificada, diretamente ou
não, com o arquipélago de Fernando de Noronha. No caso do fragmento da Carta do Mundo de Piri Reis, general e
cartógrafo turco, o topônimo Fernando de Noronha aparece pela primeira vez, “certamente com alguma deturpação do
idioma”, como já sugerido por Max Justo Guedes (2010). Na carta, datada de 1513, a ilha recebeu a denominação de Ile
de Fernan De Lounce.
Na carta denominada Terra Brasilis, que corresponde à quarta folha de um manuscrito sobre pergaminho
conhecido como Atlas Miller, datado de 1519e pertencente à Biblioteca Nacional de Paris, é possível localizar o
arquipélago por meio da representação de uma ilha situada abaixo da linha Quinocialis e a nordeste do que no
continente aparece como Sam Roque, por volta dos 3º 30’S e que traz a inscrição: Y.:deFernã de Loronha.
Registros da ilha de Fernando de Noronha são também encontrados em outros documentos de origem
portuguesa, produzidos ao longo da segunda metade do século XVI. Merece destaque o documento de 1586, intitulado:
Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de
Santo Agostinho até ao estreito de Fernão de Magalhães, de Luís Teixeira. No manuscrito não existe referência à ilha
de Fernando de Noronha, pois a descrição teve início na altura do Cabo de Santo Agostinho (posição de 8 graos e meo
indicada no texto e na carta), mas a mesma aparece representada na carta que acompanha o documento e está
identificada como: I defernamdeloronha, próxima dos 4º S. Tanto no manuscrito, quanto na carta são feitas menções à
ylha de Santo Alexo (ilha de Santo Aleixo), localizada ao sul do Cabo de Santo Agostinho, em 8 graos e ¾e que para
vários pesquisadores teria sido confundida com a de Fernando de Noronha.
Ao longo da primeira metade do século XVII, a cartografia portuguesa que trata da representação do seu
território na América está representada pelos atlas produzidos pela família Albernaz. Em um desses, datado de 1666,
encontra-se a Carta Geral do Brasil, de Albernaz II, onde a ilha está representada com a inscrição: Fernaõ de Noronha.
Representações da ilha de Fernando de Noronha também podem ser observadas em documentos da cartografia
flamenga do século XVI, como no caso da carta AMERICAE SIVE NOVI ORBIS, NOVA DESCRIPTIO, que faz parte do atlas
Theatrum Orbis Terrarum, produzida por Abraão Ortélio, em 1570, ou do século XVII, como nos casos da carta
NOVUS BRASILIAE TYPVS, executada por Amstelodami Guiljelmus Blaeuw, em 1630 (MI) e da ACCURATISSIMA
BRASILIAE TABULA, executada por Amstelodami Joannes Janssonius em 1646 (MI). Enquanto nas duas últimas a ilha
vem identificada com a inscrição: Ilha de Fernaõ de Noronha, na primeira vem como: Fernando de Loronno. Em todas
elas, a ilha aparece afastada da costa, em uma posição situada logo abaixo dos 5º S e a nordeste do Cabo de Santo
Agostinho. Nessas cartas do século XVII, a ilha de Santo Aleixo, confundida com a de Fernando de Noronha na análise
do Planisfério de Cantino, aparece representada abaixo dos 9º S. Igualmente de origem holandesa e datada do início do
século XVII, encontra-se também aquela que é tida como sendo a primeira vista ou imagem conhecida para o
arquipélago de Fernando de Noronha. Ela faz parte da carta náutica de Harmem Jaenz, de 1604 e vem acompanhada da
seguinte legenda: Leylant Fernando de Loronha. Na posição central da vista aparece a representação do Pico e na
enseada de Santo Antônio encontram-se fundeados quatro grandes naus ou galeões holandeses.
Passado o século XVII, a cartografia relacionada com o arquipélago e produzida ao longo do XVIII, em função
dos documentos conhecidos, é mais expressiva e pode ser identificada como sendo de origem francesa até meados do
segundo quartel dos Setecentos e portuguesa daí adiante.
Por conta do abandono pelas autoridades portuguesas, a ilha, que já havia sido utilizada como ponto de apoio
pelos franceses na campanha de ocupação do Maranhão, no início do século XVII, foi visitada em 1734 e ocupada em
1736. Por conta disso foi bem cartografada por seus invasores. Essa visita a Fernando de Noronha está registrada em um
documento cartográfico datado de setembro de 1737 e composto por uma planta e uma carta (Figura 02). Na carta, ao
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lado da representação da ilha de Fernando de Noronha, aparece a inscrição: Isle de Fernand de Noronha nomée I.
Dauphine au 1734 par um Navigatr. François.
O documento em questão é composto por (1) - uma planta (PLAN DE L’ISLE DE FERNAND DE NORONHA située sur
les Cotes du Bresil à l’E.N.E de Rio Grande. Levée sur les Lieux em 1734 Par um officier de la Compagnie des Indes
...) levantada por um oficial da Companhia das Índias, em 1734; e por (2) –um corte (ET LA COUPE DE CETTE ISLE. Avec
les bancs et dangers qui l’environment suivant la ligne A,B montrant la disposition du fonds de la Mer et la figure que
former les differents Lits de Bancs, les Ecueils etc.) marcado na planta pela linha AB (com aprox. 5,8 km de extensão),
e cujo plano secciona a porção nordeste da ilha principal, e traz a representação debancos de areiae outros perigos
existentes ao longo da linhaAB, bem como a disposiçãodo fundodo mare a figura representada por essa parte da ilha
principal, que da superfície até o fundo do mar (com profunidade máxima indicada de 65m) assumi contornos que
permitem identificá-la como parte de um edifício vulcânico.
Para além disso, encontra-se no documento uma carta (CARTE DE LA PARTIE DE L’OCEAN Vers l’Equateur
entre lês Cotes D’AFRIQUE et D’AMERIQUE où la situàtion des Isles, Baues, et Vigies, montre qu’elles peuventêtre
soit La disposition Du fonds de La Mer, entre lês deux Continents. Dressée par Philippe Buache Premier Géographe de
SA MAJESTÉ et de l’Academie Rouale dês Sciences. September 1737), que traz a representação do território da
América portuguesa, parte do território africano e parte do aceano Atlântico. Junto da carta vem a representação de uma
seção ou corte (CUPE DU FONDS DE LA MER ENTRE L’AFRIQUE ET L’ AMERIQUE), entre o Cabo Tagrin, na África e
Rio Grande no Brasil, com indicações de ilhas, fundos, recifes e outros perigos que se encontravam na travessia entre os
dois continentes. O documento, produzido para auxiliar a navegação entre esses continentes, fornecia uma ideia da
disposição geral do fundo do mar entre os mesmos, informava sobre as grandes cadeias de montanhas localizadas nas
porções desses continentes separadas pelo mar, sobre as ilhas, sobre a presença de recifes, bancos de areia e outros
perigos e servia para formar uma ideia sobre a superfície do globo, mas, sobretudo, tinha a ilha de Fernando de Noronha
como uma referência na travessia entre os dois continentes.
Fig. 02: CARTE DE LA PARTIE DE L’OCEAN Vers l’Equateur entre lês Cotes D’AFRIQUE et
D’AMERIQUE(representado no canto inferior esquerdo da figura). Documento produzido por franceses, em 1737,
contem uma carta e um corte envolvendo aparte do oceano Atlântico situada entre a América portuguesa e a costa da
África, na altura do Equador (ampliado e representado na parte superior da figura), bem como uma planta das ilhas do
arquipélago de Fernando de Noronha acompanhada de um perfil AB, que corta a porção nordeste da ilha principal
(ampliado e representado no canto inferior direito da figura) [Acervo da Mapoteca da Marinha - 49,0 x 64,5 cm].
De meados dos Setecentos em diante e até fins dos Oitocentos, a Cartografia para Fernando de Noronha é
essencialmente de origem portuguesa, tem a ver com o processo de reconquista e ocupação da ilha pelos portugueses e é
representada por raros originais e muitas cópias, que em boa parte tem origem nos documentos franceses. Nesses
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documentos portugueses são frequentes as reproduções de vistas do arquipélago levantadas ou desenhadas a diferentes
distâncias e produzidas originalmente por capitães franceses ou ingleses.
Por conta dessa nova tentativa de ocupação portuguesa, foram produzidos documentos datados de meados dos
Setecentos e trazendo um volume maior de informações, envolvendo diversas questões tais como: levantamento de
áreas propícias aos desembarques com indicação de profundidades e descrição dos materiais pétreos encontrados nessas
áreas, indicações de áreas de cultivo, criação de gado, instalação de novas unidades de defesa, assim como indicação de
áreas de matas, de assentamentos etc. Desse período foram considerados e descritos os seguintes documentos: (1) Mappa da Ilha de Fernando de Noronha Situada em 3 graos 5 minutos de latitude Sul, e 351 de longetude o Sidental
demonstrada comtodos osportos desua circunferencia e depois com a sua prespectiva. Prespectivas vistas da parte do
Sudoeste nas distânciasde 1 a 10 léguas. 1749 (AHU – Mapas e vários regimentos da Capitania de Pernambuco – 22,5
x 36 cm); e (2) - Mappa da Ilha de Fernando de Noronha Situada em 3 graos 5 minutos delatitude do Sul e 351,
delongetude oSidental demostrada comtodos osportos desua circunferencia edepois com asua prespectivae, datado de
1763 (AHU - 22,5 x 36 cm). Esse segundo mapa (Figura 03) corresponde, como indicado no próprio documento, à
página 37do códice:Mapas de vários Regimentos da Capitania de Pernambuco. Vila de Santo António do Recife em o
Primeiro de Setembro de 1763, e muito certamente consiste cópia do documento: Planta Geografica da Ilha de
Fernando de Noronha cituada para aparte do Sul aos 3 graos, e 50 minutos de Latitude, e 350. graos, e 50 minutos de
Longitude. Demonstrada com todos os portos de sua circunferência, e Prespectivaz q. semostraõ nas seis figuras
emdivercaz cituaçoenz. Bahia, e de Julho 17. De 1757 annoz. Produzido por José Antonio Caldas na Bahia e não em
Pernambuco, pertence ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Isa Adonias (1987) apresenta uma terceira versão para esse mapa, que tem o mesmo título do de 1763,
acrescido da informação: etem de comprimt duas Legoas, e na mayor largura três quartes. Ela informa que a data do
documento é 1749 e que o mesmo encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e que teria sido enviado para
Lisboa junto com a Informação Geral da Capitania de Pernambuco.
Todos são muito parecidos, contem as mesmas informações e em muito se assemelham a um outro documento
intitulado PLAN DE L’ISLE DAVPHINE ET DES ISLOTS QVI SONT AVTOVR, levantado por franceses por volta de
1735. A grande diferença reside na falta de informações no documento francês para a parte ocidental da ilha. Segundo
Isa Adonias (1987), no documento consta a indicação de que no extremo ocidental da praia atualmente conhecida como
Sancho, deveria ser construído um fortim para impedir qualquer tentativa de abordagem.
Fig. 03: O Mappa da Ilha de Fernando de Noronha Situada em 3 graos 5 minutos delatitude do Sul e 351, delongetude
oSidental demostrada comtodos osportos desua circunferencia edepois com asua prespectivae, datado de 1763 e representado
à esquerda, traz as indicações das profundidades nas baias de Santo Antônio e Sueste, a localização de seis fortificações, a
indicação de antigos pontos de desembarque na ilha principal e a indicação de onde corria água quando chovia. À direita,
ampliada, encontram-se as vistas do arquipélago, levantadas de sudoeste para nordeste e em diferentes distâncias.
Da explicação desseMappade 1763, consta a seguinte legenda: A. O Dezembarque napedra em Santo Antonio; B.
Pedra que o mar cobre e descobre com amare; C. Praya emque pode aportar embarcacam; D. Omonte de burra leiteira; E.
Lugar de area em q’ sepode dar fundo de 17 braças; F. Lugar de area em q’ se pode dar fundo de 12 braças; G. O Morro da
Fortaleza dos Remédios; J. Porto da Pouaçam; KK. Lugar p’donde corre agoa coando chove; H. Afonte que corre da
Pouoaçam; Y. Porto do Sueste q’da bom dezembarque; L. Paul da cacimba da gameleira; M. Fortaleza da Conceiçam; N.
Praya dopico donde da dezembarque; O. O Pico; P. Praia dobeldro q’da dezembarque; Q. Fonte do beldro; R. Praya do
Sambaquissaba q’ da dezembarque; S. Os dois Irmaos; T. O Morro da Fortaleza dos dois Irmaos; U. Praya onde saem
Tartarugas e da dezembarque; X. Porto do Leam fundo de 5 braças; Z. Ponta do Sueste. Para a ponta sudoeste da ilha
principal, no extremo da região atualmente conhecida como planície da Viração, vem a observação: Daqui para diante
omorro das Cajazeiras e outros impraticaveis cuja circunferência nam permite dezembarque .
Documentos cartográficos envolvendo o arquipélago e datados entre meados dos Setecentos e o final desse século ou
não foram produzidos, ou se produzidos desapareceram. De fins do século XVIII até o início do XIX foram encontrados e
descritos os documentos (1) - PLANO DA ILHA DE FERNAO DE NORONHA Próxima da costa do Brasil. Levantado por
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Jozé Fernandes Portugal Piloto da Sumaca Princeza, que conduzio Tropa e viveres, no Anno de 1798 (Mapoteca da
Marinha); (2) - PLANO DA ILHA DE FERNÃO DE NORONHA levantado por Joze Fernandes Portugal (Com indicações de
vilas , estradas e hortas). Anno de 1798 e copiado no Anno de 1803 (Mapoteca da Marinha e AHEx) e (3) -PLANTA DA
ILHA DE FERNAÕ DE NORONHA Na qual se mostra a Cerca que hade separar a Terra de lavrar, da que deve servir para
criação dos Gados eos Curraes, que os particulares hão de ter ao longo da dita cerca, com Porteiras para o terreno do
Nordeste somente, e o do Sudoeste dividido em secenta partes de grandezas proporcionais ao lugar, e qualidade da Terra, o
que melhor se atenderá ao demarcado, datado de 1808 [Acervo AHEx – 33,0 x 43,0 cm].
Nos dois primeiros encontram-se informações relacionadas com o controle das marés, a qualidade do fundo do mar
para os portos da ilha (areia fina, grossa, cascalho e pedra) e a indicação da praia de Santo Antônio, no Mar de Dentro,
como sendo o melhor ponto para se alcançar a ilha pelo mar. Para a região de terminação sudoeste da ilha principal,
entre a Ponta da Sapata e a Ponta do Capim Açu, onde a faixa de terra é estreita, encontram-se indicadas nesses mapas
algumas passagens ou túneis que fazem a ligação entre as águas do Mar de Dentro com as do Mar de Fora. Estas
passagens, registradas em inúmeros documentos cartográficos como portões ou janelas, resultam da erosão diferenciada
sofrida pelas rochas ali presentes e por conta da ação das ondas. Como em outras partes do arquipélago, ocorrem ali
sequências de rochas vulcânicas, constituídas por intercalações de tufos piroclásticos com derrames de lava alcalina.
Considerando que os primeiros apresentam uma menor resistência à ação das ondas, fica entendido o processo de
formação dessas passagens, que nos documentos de 1798 foram identificadas como Janelinha, no Capim Açú e como
Portão na Sapata: Portaõ grande Aqui passa o Mar de huã a outra banda sendo a Terra per sima unida e faz hum arco
taõ alto que deixa ver além o horizonte.
Do século XIX, contendo informações sobre as fortificações e ainda vistas do arquipélago, foram considerados
os documentos: (1) [Mapa das fortalezas de Fernando de Noronha], produzido em meados do século XIX (IHGB) e (2)
PLANO E VISTA DA ILHA DE FERNANDO DE NORONHA sendo, a vista tirada de bordo da Nao Colchester em
1760, o Plano Manuscripto Francez por Monsieur Delsquellen em 1735 com algumas explicações do Plano desta Ilha
por Buacher. Late. Do Pico 3º 50’ 10’’ S Longe. De Greenwich 32º 18’ 56’’ Oeste pelo Capitão Foster em 1828 e
copiado em 1863 [Cópia acervo AHEX).
O mapa original, referido nessa cópia de 1863, e intitulado PLAN of the ISLAND OF FERNAND DE
NORONHA from A French Survey, compared with the Survey made by the COLCHESTER man of war in 1760,
impresso em 1794, e com um exemplar pertencente ao acervo da Mapoteca da Marinha, traz um dos mais completos
conjuntos de vistas do arquipélago (Figura 04) e, por conta disso, da sua escala e grau de exatidão, foi daqueles
pesquisados, o utilizado para a preparação dos roteiros de campo com vistas às observações geológicas.
Fig. 04: PLAN of the ISLAND OF FERNAND DE NORONHA from A French Survey, compared with the Survey made
by the COLCHESTER man of war in 1760. O mapa (canto superior esquerdo da figura), impresso em 1794, traz um dos
mais completos conjuntos de vistas do arquipélago de Fernando de Noronha (ampliadas e representadas na figura ao
lado e abaixo do mapa) e foi utilizado como base para a preparação dos roteiros geológicos realizados no arquipélago
[Acervo da Mapoteca da Marinha - 49,0 x 64,5 cm].
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Do ponto de vista geológico as bases para o conhecimento sobre a história geológica do arquipélago foram
fornecidas pelo trabalho de Fernando Flávio de Almeida (ALMEIDA, 1958), que entre 1952 e 1958 mapeou o
arquipélago, produzindo uma carta geológica em escala 1:15.000 (Figura 05). A partir desse mapeamento, com a
identificação de diferentes conjuntos de rochas vulcânicas apresentando composições fortemente alcalinas, foi possível
caracterizar os contextos geológico e geodinâmico em que o arquipélago foi formado, como resultado de extenso
vulcanismo, que iniciado em área continental a aproximadamente 30 milhões de anos, evoluiu de oeste para leste,
levando à formação do mesmo entre aproximadamente entre 12 e 1,5 milhões de anos. Foi também possível identificar
que as ilhas que compõem o arquipélago representam as porções emersas ou também as partes superiores de um cone
vulcânico de grandes dimensões localizado na crosta oceânica. Essa montanha submarina ou vulcão submarino, com
diâmetro estimado de 60 km, repousa no assoalho oceânico e tem essas partes emersas situadas a 4000 metros acima
desse assoalho, que com alguma distorção já havia sido demonstrado ou sugerido em um dos perfis da CARTE DE LA
PARTIE DE L’OCEAN Vers l’Equateur entre lês Cotes D’AFRIQUE et D’AMERIQUE, de 1737.
Fig. 5: Detalhe da CARTA GEOLÓGICA DO BRASIL Ministério da Agricultura – D.N.P.M. Divisão de Geologia e
Mineralogia – A.R. Lamego – Diretor ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA, produzida por Fernando Flávio.M. de
Almeida, em 1955 e que constitui documento de referência para estudos geológicos no arquipélago.
Concluindo, e tendo por base documentação manuscrita e os documentos cartográficos envolvendo o
arquipélago e aqui descritos, e considerando que a ocupação do arquipélago deu-se com certa regularidade apenas a
partir da segunda metade do século XVIII, quando então foram consolidadas as suas unidades de defesa, que constituem
os mais importantes elementos do seu patrimônio construído, apenas documentos produzidos a partir de 1749, e em
especial o: PLAN of the ISLAND OF FERNAND DE NORONHA from A French Survey, compared with the Survey
made by the COLCHESTER man of war in 1760 (Figura 06), foram considerados para a preparação dos roteiros
destinados às atividades de campo da 1ª Expedição Geológica e Cartográfica Antiga ao Arquipélago de Fernando de
Noronha, que envolveu não só visitações e descrições de afloramentos rochosos com interesse geológico, mas também a
localização e descrição de inúmeras construções históricas que compõem o patrimônio construído de Fernando de
Noronha.
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(a) Perfil Praias do Mar de Dentro – Segmento SW
[Ref. Plan of the Island of Fernand de Noronha, from A. FREBCH
SURVEY, in 1760. London (Printed for Robert Sayer & Co., Fleet
Street, Dec.r 6th 1793) – MM].
1 - Praia do Cachorro e Praia do Meio
2 - Praia da Conceição e Morro do Pico
3 – Mirante do Boldró e Pedreira
4 - Praia da Cacimba do Padre
5 - Morro Dois Irmãos
6 - Baía dos Porcos e Praia do Sancho
7 - Enseada dos Golfinhos
(b) Perfil das Fortalezas – Mar de Dentro,
segmento NE da Ilha de Fernando de
Noronha: Fortaleza dos Remédios ou de
Nossa Senhora dos Remédios; Fortaleza
de Santo Antônio; e Fortaleza de São
José do Morro
Fig. 06: Para o desenvolvimento das atividades envolvendo observações geológicas em afloramentos no arquipélago de
Fernando de Noronha, foram preparados roteiros de campo tendo por base o mapa: PLAN of the ISLAND OF FERNAND DE
NORONHA from A French Survey, compared with the Survey made by the COLCHESTER man of war in 1760. Em (a) está
representado aquele que corresponde ao roteiro da figura 01 do Roteiro de Campo preparado para a Expedição Geológica e
Cartográfica Antiga ao Arquipélago de Fernando de Noronha. No caso, o roteiro contempla um perfil ao longo das praias do
Mar de Dentro – Segmento SW. Em (b) está representado um outro roteiro que corresponde ao Perfil das Fortalezas – Mar de
Dentro, segmento NE da Ilha de Fernando de Noronha, contemplando a Fortaleza dos Remédios ou de Nossa Senhora dos
Remédios, a Fortaleza de Santo Antônio e a Fortaleza de São José do Morro.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADONIAS, I. A Ilha de Fernando de Noronha. Rio de Janeiro, Spala Editora Ltda, 1987, 212p.
ALMEIDA, F.F.M. de. Geologia e Petrologia do Arquipélago de Fernando de Noronha. Rio de Janeiro, SGIBGE,
Monografia XIII,1958, 181p.
CORTESÃO J. História do Brasil nos Velhos Mapas. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Tomo I, 2009,
469p.
DIAS, C. M.História da Colonização Portuguesa do Brasil. Porto,Litografia Nacional, Vol. II, MCMXXIII, 462p.
FARIA, M. D. de Catálogo da Coleção Cartográfica e Iconográfica Manuscrita do Arquivo Histórico
Ultramarino. Rio de Janeiro, Museu de Astronomia e Ciências afins, 2011, 376p.
GUEDES, M. J. O arquipélago na cartografia do Novo Mundo. Fernando de Noronha 3º 50’ S 32º24’ W. São Paulo,
Bei Comunicações, 2010, p. 24-43.
LEITE, D. O mais antigo mapa do Brasil. História da Colonização Portuguesa do Brasil. Porto,Editora Litografia
Nacional, v. II, 1921, p. 225-281.
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