FRANCINE MACIEL DE ALMEIDA
HARRY POTTER NO ORKUT: FORMANDO
LEITORES ADOLESCENTES
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
CURSO DE LETRAS
FRANCINE MACIEL DE ALMEIDA
HARRY POTTER NO ORKUT: FORMANDO LEITORES ADOLESCENTES
Trabalho de conclusão de curso apresentado como
requisito parcial para a obtenção do título de
Licenciado em Letras – Português/Inglês pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS.
Orientador: Profª. Drª. Simone Souza de Assumpção
São Leopoldo
2006
Para todos aqueles que passaram.
AGRADECIMENTOS
À minha família, especialmente meus pais e meu irmão, por todo o apoio,
carinho, paciência e compreensão;
À professora Simone, que teve tanta paciência, empenho e exigiu sempre
muita dedicação de minha parte;
Aos meus amigos Cínthia Dexheimer e Matthew Hallam, que durante todos
esses meses ouviram meus comentários e lamentos sobre este trabalho e me deram
forças para que eu pudesse concluí-lo;
Aos meus alunos, pois sem eles eu jamais seria a profissional que sou.
RESUMO
O trabalho consiste na análise da busca que os adolescentes fazem por sua
identidade através da série Harry Potter, de J. K. Rowling, aliado ao Orkut
(http://www.orkut.com). No primeiro capítulo, é elaborado o embasamento teórico
sobre a importância do ato de ler, enfocando a questão dos contos de fadas tradicionais,
da literatura juvenil e da identidade do leitor. No segundo, trata-se dos diversos temas
que fazem da série Harry Potter um sucesso literário. E, no terceiro, é feita a relação
entre comunidades virtuais, especialmente o Orkut, e a formação de leitores
adolescentes e são mostrados textos criados pelos jovens participantes de comunidades
sobre Harry Potter no Orkut, as fanfictions, onde são citadas e analisadas versões e
especulações sobre a continuidade da narrativa sobre as aventuras do bruxinho.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Identidade; Comunidades Virtuais; Harry
Potter; Orkut.
PERÍODO: 2006/2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................... ........7
1 A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER.....................................................11
1.1 O adolescente e a leitura na escola.........................................................13
1.2 Histórias de ontem e de hoje...................................................................17
1.3 A descoberta da identidade do adolescente através da leitura............20
2 O FENÔMENO HARRY POTTER............................................................23
2.1 Quem é Harry Potter ........................................................................ ......23
2.2 Temas que fazem de Harry Potter um sucesso.......................................29
3 COMUNIDADES VIRTUAIS E IDENTIDADE.............................. ......40
3.1 O Orkut e suas comunidades ............................................................ ......42
3.2 Harry Potter, Orkut e identidade.…………………………………........45
CONCLUSÃO ......................................................................................... ......57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................. ......61
7
INTRODUÇÃO
O que se pretende com este trabalho é mostrar o resgate do hábito da leitura
entre adolescentes através dos livros da série Harry Potter, de J. K. Rowling, e da
utilização do Orkut (http://www.orkut.com.br). Para isso, verificar-se-á como e por que
Harry Potter tornou-se um fenômeno de leitura entre adolescentes e de que maneira
comunidades virtuais, especificamente o Orkut, podem aprimorar a formação e
despertar o interesse do leitor adolescente pela literatura, ajudando a formar sua
identidade.
O tema foi escolhido devido à constatação de que a leitura de obras literárias
não é uma das atividades preferidas dos adolescentes há muito tempo. As razões para
isso são muitas: podem ser citados os avanços tecnológicos – que “facilitam” o acesso à
informação e à diversão, a exemplo da Internet e da própria televisão – e a “obrigação”
de ter de ler, a pedido dos professores, obras mais antigas de nossa literatura, com
vocabulário considerado “difícil” e arcaico. Estas histórias mostram um contexto social
totalmente diferente do conhecido pelo leitor adolescente, o que engloba hábitos e
costumes totalmente distintos dos atuais, ou seja, o “não gostar” de ler obras literárias
está muito relacionado com o fato de o adolescente não se identificar nem um pouco
com aquilo que lê.
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É dentro desse contexto de certo repúdio à literatura que surgiu, no final da
década de 1990, na Grã-Bretanha, o bruxinho Harry Potter, personagem criado por J. K.
Rowling. A partir do lançamento do primeiro livro da série – Harry Potter e a pedra
filosofal –, houve algo que pode ser considerado um “fenômeno” de vendas e também
um resgate do hábito da leitura, praticamente abandonado e marginalizado pelos
adolescentes.
Com os seis livros lançados até então – Harry Potter e a pedra filosofal,
Harry Potter e a câmara secreta, Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, Harry
Potter e o Cálice de Fogo, Harry Potter e a Ordem da Fênix e Harry Potter e o enigma
do príncipe –, Harry Potter trouxe algo que estava faltando na literatura: uma história
que fascinasse os leitores por seu universo mágico e fantástico, mas que, ao mesmo
tempo, fizesse com que os adolescentes, pobres seres humanos mortais que nada sabem
de magia, ou “trouxas”, como são chamados na obra, fossem levados a se identificar
com os personagens. A obra de J. K. Rowling nos apresenta personagens de todos os
tipos, não caricaturizados como as personagens dos contos de fadas tradicionais. Em
Harry Potter, os “mocinhos” da história também têm ataques de fúria, também pensam
em vingança, riem, choram e aprendem com seus erros. E isso atraiu um público
imenso.
Além de os adolescentes correrem às livrarias para conhecer a fabulosa
trajetória de Harry e seus companheiros, ocorreu algo que também pode ser chamado de
“fenômeno”: Harry Potter começou a ser discutido virtualmente. Apenas no Orkut –
uma comunidade virtual, um “ponto de encontro” de pessoas com os mesmos interesses
e amigos em comum – existem mais de mil comunidades que discutem Harry Potter
constantemente.
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O que move um adolescente a ficar em casa debatendo virtualmente uma
história? Por que Harry Potter virou este fenômeno que levanta tantas questões? Um
novo tipo de leitor está se formando, o leitor que passa do papel para o debate virtual, e
este leitor, até mesmo o mais tímido, agora tem a oportunidade de tentar descobrir a sua
identidade, de questionar as histórias que lê, virtualmente, mas da maneira mais real
possível.
No primeiro capítulo deste trabalho, organiza-se um embasamento teórico
sobre a importância do ato de ler. Para isso, traça-se um panorama sobre a relação
existente entre o adolescente e a escola. Aborda-se como os contos de fadas tradicionais
foram, com o passar do tempo, sendo modificados e como as histórias para jovens
leitores mostram personagens diferentes, mas que em muito se aproximam da
personalidade do leitor a quem são destinadas as histórias e mostra-se como o
adolescente contemporâneo descobre sua identidade através da leitura.
O segundo capítulo trata do fenômeno literário Harry Potter, de J. K.
Rowling. Primeiramente, analisa-se a verdadeira identidade do pré-adolescente Harry
Potter através de suas aventuras na narrativa da autora inglesa. Após, apontam-se os
diversos temas que fazem da saga do bruxinho um grande sucesso.
No
terceiro
capítulo,
explora-se
como
as
comunidades
virtuais,
especialmente o Orkut, são utilizadas para a formação de novos leitores. Para tanto,
apresentam-se histórias criadas pelos leitores adolescentes de Harry Potter, as
fanfictions, e são analisados debates nas comunidades sobre a história e como os leitores
adolescentes se identificam com aquilo que lêem, debatem e escrevem. Os adolescentes
participantes das comunidades foram selecionados devido ao tipo de fanfiction que
escreveram, pois, além de muita criatividade, usaram seus próprios anseios, dúvidas e
10
problemas comuns a todos os adolescentes nos textos. O texto original foi respeitado em
todas as transcrições.
1 A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER
Vivemos em um mundo no qual comunicar-se é de suma importância, pois
para nos alimentarmos, trabalharmos e mantermos qualquer tipo de relacionamento com
as pessoas e com o ambiente em que vivemos, é preciso que nos comuniquemos. Tudo e
todos estão aptos a se comunicar, e a informação, a cada dia mais rápida e essencial,
deve se fazer presente na educação do ser humano. Conforme Silva (1995, p. 35),
a educação do ser humano, seja ela formal ou informal (sistemática ou
assistemática), sempre envolve dois fatores fundamentais: formação e
informação. Mais especificamente, o processo educativo exige que às
novas gerações sejam transmitidos conhecimentos, sejam trabalhados
determinados valores e costumes de modo que ocorra a sobrevivência
e a convivência social e de modo que não pereça a linha evolutiva da
cultura.
A informação, a educação e a leitura estão diretamente relacionadas. É
evidente que não apenas a leitura de obras literárias forma opiniões: não se pode
esquecer que, na internet, nos jornais, nas revistas, nos cartazes etc. a leitura também se
faz presente, uma vez que há a interpretação daquilo que se lê.
A leitura de obras literárias é uma das principais responsáveis pelo
desenvolvimento do verdadeiro leitor, aquele que não apenas decifra o código, mas que
também compreende e interpreta aquilo que está lendo, relacionando as idéias ali
contidas com seus próprios pensamentos. É desde a infância, na escola, que se inicia
12
esse processo de formação e de “libertação”. Cattani e Aguiar (1993, p. 24) afirmam
que
a aprendizagem da leitura é fundamental, portanto, para a integração
do indivíduo no seu contexto socioeconômico e cultural. O ato de ler
abre novas perspectivas à criança, permitindo-lhe posicionar-se
criticamente diante da realidade.
O ato de ler é encarado de várias maneiras pelos adolescentes: alguns o
repudiam por ser “chato” ou “uma perda de tempo”. Porém, muitos realmente apreciam
as horas dedicadas à leitura, conscientes de que é um caminho para o conhecimento e
conquistas na sociedade. Como afirma Ezequiel Theodoro da Silva (1995, p. 12),
o ato de ler é, fundamentalmente, um ato de conhecimento. E
conhecer significa perceber mais contundentemente as forças e as
relações existentes no mundo da natureza e no mundo dos homens,
explicando-as. Aos dominadores, exploradores ou opressores interessa
que as classes subalternas não percebam e nem expliquem as
estruturas sociais vigentes e o regime de privilégios.
Sem conhecimento é muito difícil conseguirmos ver e “ler” o mundo à
nossa volta. Sabe-se que não é apenas lendo livros que se adquire conhecimento, mas
que neles estão grande parte dessa caminhada. Não há caminhos certos e errados na
leitura e na aprendizagem; há interpretações e visões diferentes. Jamais se deve
esquecer que, se houver qualquer tipo de privação no acesso à leitura e às fantásticas
experiências que ela pode proporcionar, dificilmente boas oportunidades surgirão em
nossas vidas.
13
1.1 O adolescente e a leitura na escola
Falar em leitura na escola, atualmente, é mencionar algo instável e
desinteressante, sobretudo quando o público-alvo são os pré-adolescentes e
adolescentes. Vivemos em um mundo globalizado, onde a tecnologia a cada dia se faz
mais presente e necessária. O surgimento do computador e da internet facilitaram tanto
a vida das pessoas devido à rapidez com que se consegue qualquer tipo de informação
que muitos dos antigos “hábitos” que costumavam ter passaram a ser considerados
obsoletos, como é o caso do hábito da leitura. O costume de passar horas e horas, dias e
até semanas sentado e lendo um bom livro apenas por deleite agora é considerado por
muitos uma perda de tempo, pois se uma pesquisa rápida em qualquer site de busca na
internet for feita, tem-se acesso a todo tipo de resumo e guia de estudos sobre a obra, os
quais já fornecem as idéias, constatações, interpretações e críticas prontas ao leitor,
privando-o de fazer sua própria leitura do texto. Isso faz com que especialmente os
adolescentes, os principais usuários da rede mundial de computadores, percam o
interesse pela leitura, além de comprometer o desenvolvimento de seu senso crítico e de
suas próprias opiniões.
Para Bamberger (1987, p. 11), a leitura favorece a remoção das barreiras
educacionais, concedendo oportunidades mais justas de educação principalmente
através da promoção do desenvolvimento da linguagem e do exercício intelectual.
Contudo, presencia-se, hoje, principalmente nas escolas públicas, uma triste e
preocupante realidade no que tange ao assunto leitura e formação de bons leitores:
vêem-se professores mal preparados para mostrarem os alunos como ler pode ser algo
prazeroso e professores que não dão valor ao texto como ferramenta essencial no
aprendizado de qualquer disciplina. Há, também, os problemas estruturais das escolas,
14
que envolvem desde a questão da má remuneração dos professores, a falta de material
escolar e de livros nas bibliotecas, o que interfere diretamente na qualidade de aula
proporcionada ao aluno.
Entre as conseqüências geradas pelo descaso para com a educação, a
falta de competência dos professores em lidar com o texto literário e
com a leitura, em geral, é uma das mais evidentes. (SARAIVA, 2001,
p. 24)
Outro grande problema que a educação e a leitura enfrentam é o livro
didático. Parece incrível colocar em dúvida a eficácia de uma das poucas ferramentas de
trabalho disponíveis para professores e alunos. No entanto, Zilberman (1993, p. 21)
afirma que
o livro didático exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor.
Propondo-se como auto-suficiente, simboliza uma autoridade em tudo
contrária à natureza da obra de ficção que, mesmo na sua autonomia,
não sobrevive sem o diálogo que mantém com seu destinatário. E,
enfim, o autoritarismo se apresenta de modo mais cabal, quando o
livro didático se faz portador de normas lingüísticas, delegadas da
ideologia do padrão culto e expressão de classes e setores que exercem
a dominação social e política. Ou quando a interpretação se mobiliza
em respostas fechadas, de escolha simples, promovidas por fichas de
leitura, sendo o resultado destas a anulação da experiência pessoal e
igualitária do texto.
Para Marisa Lajolo (1993, p. 52-53), o texto não deve ser pretexto para
nada: ele apenas existe na medida em que constitui ponto de encontro entre dois
sujeitos: o que escreve e o que lê. No entanto, a autora salienta:
Em situações escolares, o texto costuma virar pretexto, ser
intermediário de aprendizagens outras que não ele mesmo. E, no
entanto, texto nenhum nasceu para ser objeto de estudo, de dissecação,
de análise. Salvo raras e modernas exceções – por exemplo, os textos
produzidos de encomenda e sob medida para alguns livros escolares –
um texto costuma ser produto do trabalho de seu autor, e encontra sua
função na leitura igualmente individual de um leitor.
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Os professores, principalmente os de Língua Portuguesa e de Literatura,
sofrem, diariamente, com o repúdio dos alunos a algo que é maravilhoso, desde que
bem trabalhado e feito com objetivos claros e, obviamente, por prazer: o ato de ler.
Vive-se numa sociedade repleta de avanços tecnológicos, que “roubam” a
atenção dos adolescentes – tais como a internet e a televisão – afastando-os ainda mais
da Literatura, uma vez que, além disso, os jovens estudantes são “obrigados”, na escola,
a ler obras mais antigas de nossa literatura – com vocabulário considerado “difícil” e
arcaico – e que mostram um contexto social totalmente diferente do conhecido –, o que
engloba hábitos e costumes totalmente diferentes dos atuais –, ou seja, o “não gostar” de
ler obras literárias está muito relacionado ao fato de o adolescente não se identificar
nem um pouco com aquilo que é obrigado a ler.
O espaço para o estudo de literatura na escola, conforme Juracy Assmann
Saraiva (2005, p. 100), contribui para reduzir a submissão cultural de nossos estudantes
e para aprimorar seu domínio da linguagem e seu senso estético, como também para
promover sua conscientização sobre os efeitos decorrentes do uso da linguagem e do
poder que ela exerce. É necessário que ocorra o encontro entre os textos literários e seus
leitores para que se deflagre uma reflexão sobre a ética dos comportamentos humanos, o
que não vem ocorrendo há muito tempo. De acordo com a autora (2005, p. 106), por
maior que seja o esforço de professores em mobilizarem seus alunos, eles próprios
compartilham concepções equivocadas a respeito da literatura, valendo-se de estratégias
ineficientes para desenvolver o processo de leitura e enfrentando dificuldades geradas
pelas orientações do sistema de ensino.
Neste contexto, Regina Zilberman (1993, p. 16-17) traça o panorama atual
da relação entre Escola e Ensinar a ler:
16
Sendo a entidade que recebe a incumbência de ensinar a ler, a escola
tem interpretado esta tarefa de um modo mecânico e estático. Dota as
crianças do instrumento necessário e automatiza seu uso, através de
exercícios que ocupam o primeiro – mas dificilmente o segundo – ano
do primeiro grau. Ler confunde-se, pois, com a aquisição de um hábito
e tem como conseqüência o acesso a um patamar do qual não mais se
consegue regredir; porém, a ação implícita no verbo em causa não
torna nítido seu objeto direto: ler, mas ler o quê? Desta maneira, o
cerne da leitura não se esclarece para o aluno que é beneficiário dela.
Por conseguinte, sabendo ler e não mais perdendo esta condição, a
criança não se converte necessariamente num leitor, já que este se
define, em princípio, pela assiduidade a uma instituição determinada –
a literatura.
Os estudantes adolescentes estão inseridos em um mundo totalmente novo e
instável, no qual a leitura de obras literárias tem pouco espaço. Entretanto, não é
possível formar bons leitores sem que se passe por vários estágios e diferentes tipos de
texto. O que os alunos consideram maçante e arcaico nas leituras exigidas nas aulas de
Língua Portuguesa e Literatura pode e deve desenvolver sua capacidade crítica como
leitores e, conseqüentemente, como cidadãos. A escola, contudo, não vem cumprindo
seu papel como deveria, já que a cada ano mais e mais alunos saem dos bancos
escolares sem saber interpretar ou mesmo compreender um texto. Zilberman (1993, p.
17) afirma, ainda, que
não apenas se trata de enfatizar o valor da leitura enquanto
procedimento de apropriação da realidade, mas também de delimitar o
sentido do objeto através do qual ela se concretiza: a obra literária.
Pois, acreditando-se que o ato de ler, em decorrência de sua natureza,
se reveste de uma aptidão cognitiva, esta não se complementa sem o
texto que demanda seu exercício.
Compreendida de modo amplo, a ação de ler caracteriza toda a relação
racional entre o indivíduo e o mundo que o cerca.
Por fim, é importante lembrar, conforme afirma Lajolo (1993, p. 54), que o
aluno tem o direito de não gostar de um texto, assim como o professor. Esse mínimo de
liberdade é garantido a qualquer leitor, uma vez que cada um reage de maneira diferente
a um texto, mesmo que seja uma pessoa que goste muito de ler.
17
1.2 Histórias de ontem e de hoje
Os contos de fadas, conforme Luiza Vilma Pires Vale (2001, p. 46), surgem
como modelo na França, no final do século XVII, quando Charles Perrault publica Os
contos da Mãe Gansa. Segundo Nelly Novaes Coelho (1991, p. 66), Perrault pretendia
provar a identidade de valores entre a criação dos novos povos e a produção dos antigos
(gregos e romanos), tidos como modelos superiores pela cultura oficial. Após,
aparecem, em outros países, outros nomes, como os Irmãos Grimm e Hans Christian
Andersen e todo o material reunido por estes autores forma o acervo dos contos de fadas
que povoa o imaginário de crianças e adultos.
Inicialmente escritos para adultos, com o tempo foram adaptados e
estigmatizados como histórias para crianças sendo que, já de longa data, este tipo de
literatura ajuda tanto crianças como adolescentes na busca de sua identidade, de seu
lugar no mundo, proporcionando-lhes alguns questionamentos e associações com as
personagens das histórias lidas.
Os contos de fadas, à diferença de qualquer outra forma de literatura,
dirigem a criança para a descoberta de sua identidade e comunicação,
e também sugerem as experiências que são necessárias para
desenvolver ainda mais o seu caráter. Os contos de fadas declaram que
uma vida compensadora e boa está ao alcance da pessoa apesar da
adversidade – mas apenas se ela não se intimidar com as lutas do
destino, sem as quais nunca se adquire verdadeira identidade. Estas
estórias prometem à criança que, se ela ousar se engajar nesta busca
atemorizante, os poderes benevolentes virão em sua ajuda, e ela o
conseguirá. As estórias também advertem que os muito temerosos e de
mente medíocre, que não se arriscam a se encontrar, devem se
estabelecer numa existência monótona – se um destino ainda pior não
recair sobre eles. (BETTELHEIM, 2005, p. 32)
É claro que Bettelheim focaliza, em seu texto, a criança, mas não se pode
esquecer que o adolescente também vive uma eterna busca por seu lugar ao sol e dos
porquês da vida durante a puberdade.
18
Nesse sentido, os contos de fadas têm um papel importantíssimo na
formação dos jovens leitores, uma vez que, normalmente, é com esse tipo de literatura
que eles têm o primeiro contato quando são crianças, seja ela contada por seus pais ou
mesmo lida quando já foram alfabetizados. Bettelheim (2005, p. 14) assegura ainda que
“os contos de fadas transmitem importantes mensagens à mente consciente, à préconsciente e à inconsciente, em qualquer nível que esteja funcionando no momento”.
Repletas de fantasia, as histórias de fadas exercem grande influência na
busca pela identidade da criança, pois ela as usa para elaborar e tentar entender seus
problemas íntimos com sua pouca experiência sobre a realidade que a cerca.
De acordo com Nelly Novaes Coelho (1991, p. 80), com o passar dos anos e
o avançar do racionalismo cientificista e sua febre de conhecimento exato e objetivo, o
maravilhoso dos contos de fadas foi gradativamente sendo marginalizado e recusado
pelas novas diretrizes do Ensino.
Conforme Bettelheim (2005, p. 147-149), alguns pais resistem e
desencorajam os filhos a realizar este tipo de leitura, com medo de que a criança, em
pleno processo de desenvolvimento intelectual e moral, fique presa ao mundo fantástico
apresentado nos textos e fique alheia aos quadros de vida “verdadeiros”,
conseqüentemente pouco saudáveis. Para o autor, há um equívoco por parte dos adultos,
não lhes ocorrendo que existem diferentes “verdades” na vida das crianças e dos
adultos. Salienta, ainda, que elas acreditam em mágica e deixam de fazê-lo ao crescer, e
os que não passaram por este processo acabam colocando a “mágica” em prática com
um grande poder destrutivo que atinge outras pessoas e a si mesmas. Contudo, é
importante salientar que uma criança apreciadora de contos de fadas não se tornará,
necessariamente, um adolescente ou um adulto que tenha desenvolvido o gosto pela
leitura, tampouco um seguidor das lições de moral e bons costumes contidas nesses
19
textos. Cada pessoa reage de maneira diferente às idéias contidas nos contos de fadas,
sendo que a criança ainda não tem capacidade para assimilar qualquer lição intrínseca: o
que normalmente ocorre é que ela fica deslumbrada com os elementos mágicos da
história fantástica, pois a boa história prende a sua atenção, desperta sua curiosidade e a
entretém.
Diferentemente dos contos de fadas modernos, conforme Bettelheim (2005,
p. 14-16), é nos contos de fadas tradicionais que se encontram personagens
caricaturizados, os heróis e os vilões, que normalmente seguem padrões morais préestabelecidos pela sociedade com o fim de educar o leitor e passar-lhe uma lição,
geralmente pregando a obediência, a auto-estima e a coragem apesar das desventuras
pelas quais passa:
As figuras nos contos de fadas não são ambivalentes – não são boas e
más ao mesmo tempo, como somos todos na realidade. Mas dado que
a polarização domina a mente da criança, também domina os contos
de fadas. Uma pessoa é boa ou má, sem meio-termo. Um irmão é tolo,
o outro esperto. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, as outras são vis
e preguiçosas. Uma é linda, as outras são feias. Um dos pais é todo
bondade, o outro é malvado.
Os textos de hoje também têm o ideal de herói e vilão, afinal todo
protagonista tem seu antagonista. Entretanto, nos textos contemporâneos voltados para
jovens leitores os personagens fogem à antiga regra de ser apenas “bonzinho” ou apenas
“malvado”: eles são apresentados como seres dotados de todos os sentimentos, portanto
capazes de errar e de acertar; riem, choram, zangam-se, burlam as regras e cometem
atos bons e ruins. O estigma de ser apenas o “sofredor injustiçado” ou o “malvado” não
mais figura nas histórias de hoje, a exemplo dos personagens de Harry Potter, de J. K.
Rowling.
20
1.3 A descoberta da identidade do adolescente através da leitura
A criança, desde que começa a se fazer entender pelo mundo que a cerca,
começa a demonstrar diversas sensações e interesse por todo o tipo de coisas, tais como
vontade de se divertir, de dormir, de se alimentar, ou mesmo de reclamar sobre algo que
a incomoda, como a dor e qualquer tipo de desconforto. Como citado anteriormente,
aliado a isso, há os contos de fadas, que colaboram no florescimento de muitas dessas
jovens mentes.
Os jovens contemporâneos, de acordo com a educadora Maria Helena
Bonilla (2005, p. 73), não aceitam silenciosamente as imposições que recebem:
Eles querem participar, decidir, questionar, desafiar e discordar. Estão
se tornando cada vez mais críticos, gostam de desafiar idéias, pessoas,
afirmações, de argumentar e debater, aceitam pouca coisa pelo
significado óbvio.
Dentro desse contexto de rebeldia em seguir ordens é que está se
desenvolvendo a identidade dos adolescentes. Entretanto, não são apenas os
adolescentes de hoje que têm resistência a isso: o ser humano passa por diversas etapas
de amadurecimento e aprendizagem durante sua vida, e cada uma delas está repleta de
dúvidas, receios, frustrações e descobertas. Porém é na adolescência que estas
inquietações normalmente são mais intensas, já que há mais mudanças ocorrendo tanto
no âmbito físico como no psicológico e no social, como o crescimento e
desenvolvimento corporal e hormonal e a intensificação da vida social.
O problema que engloba todo este quadro surge na escola, lugar em que
atualmente o adolescente utiliza não só para obter conhecimentos, mas também para
intensificar suas relações de integração social e descobrir-se com pessoa. No mundo
predominantemente urbano em que vivemos, é na escola que as crianças e os
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adolescentes conhecem seus primeiros amigos e desenvolvem parte significativa de sua
identidade. Contudo, é justamente na escola onde há muita resistência e rebeldia quanto
às regras que são impostas e ao tipo de acesso ao conhecimento que é proporcionado.
Os adolescentes têm acesso muito rápido a todo tipo de informação diferenciada através
da internet e da televisão, tornando difícil para a escola e seus educadores chamar e
prender a atenção de seus jovens alunos. Tentar convencer um aluno a ler um livro
clássico da literatura universal, por exemplo, é tarefa árdua para o professor de
Literatura, uma vez que em poucos segundos se pode acessar um site de busca na
internet e achar uma resenha ou um simples resumo do livro. É difícil um professor
convencer seu aluno a “gostar” da idéia de ter de ler esse tipo de texto e não provocar
grande polêmica em sala de aula.
Todavia, os alunos adolescentes têm razão em afirmar que certo tipo de
leitura, como a de textos clássicos, pode ser um tanto maçante, sobretudo por não haver
uma identificação direta com o texto que está sendo lido. Para jovens que estão
acostumados a toda uma parafernália eletrônica que envolve computadores, televisores,
IPODs, telefones celulares e câmeras digitais, por exemplo, torna-se um tanto
complicado ter interesse por textos com vocabulário arcaico e com um contexto social
completamente avesso ao que estão acostumados.
Igualmente o âmbito reservado à literatura se vê assolado pela crise de
ensino, somada agora a uma crise particular – a da leitura – que
extravasa o espaço da escola, na medida em que se depara com a
concorrência dos meios de comunicação em massa. (ZILBERMAN,
1993, p. 7)
Cabe à escola e seus educadores não permitir que o processo de
aprendizagem através da leitura seja marginalizado. É preciso que a escola se adapte às
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novas tecnologias e procure conscientizar os educandos de que sua formação como
leitores e, conseqüentemente, de sua identidade, também dependem deste tipo de texto.
2 O FENÔMENO HARRY POTTER
Era uma vez, na Inglaterra, um menino órfão, de onze anos de idade, que
vivia com seus dois tios e seu primo. Maltratado no estilo Cinderela, este menino,
impassível, nada tinha a fazer a não ser obedecer e seguir sua vida. Um belo dia, este
menino recebeu uma carta da Escola de Magia de Hogwarts, e sua vida mudou para
sempre: ele descobriu que era um bruxo, e, não só ele, mas o mundo todo passou a
querer saber sobre sua vida, seu passado, presente e futuro. Este menino chamava-se
Harry Potter.
2.1 Quem é Harry Potter
No começo da narrativa, Harry era apenas um menininho de onze anos,
ingênuo, órfão, um pouco revoltado por ser maltratado pelos tios e pelo primo.
O pobre Harry, criado com desprezo por sua família, passava por situações
em que as coisas pareciam ocorrer por “mágica”: era sua essência de bruxo aflorando,
junto às mudanças da pré-adolescência, período cheio de dúvidas, rebeldia, descobertas
e desafios pelo qual todos passamos. E é assim que a autora J. K. Rowling apresenta aos
leitores a vida de Harry Potter, mostrando-lhes o processo de amadurecimento do
personagem através de seus atos, suas descobertas, dúvidas, seus medos e desafios, seus
amigos e inimigos.
24
O episódio em que Potter – em Harry Potter e a pedra filosofal (2000) –
não só se comunica, mas também ajuda a libertar uma cobra criada em cativeiro no
zoológico revela ao leitor quão preso o menino se sentia na casa dos tios. Adolescentes
normalmente querem gritar por liberdade, mostrar que tudo podem e tudo sabem, mas
são abafados pelas mãos mais fortes dos adultos. Harry sente-se assim na casa dos
Dursley, com o agravante de que ele é obrigado a ser o criado da família e “saco de
pancadas” de todos.
Harry veio se postar na frente do tanque e estudou a cobra com
atenção. Não se admiraria se a própria cobra morresse de tédio – não
tinha companhia a não ser aquela gente idiota que batucava no vidro,
tentando incomodá-la o dia inteiro. Era pior do que ter um armário por
quarto, onde a única visita era a tia Petúnia esmurrando a porta para
acordá-lo, mas ao menos ele podia visitar o resto da casa.
(ROWLING, Harry Potter e a pedra filosofal, 2000, p. 28)
Potter, pela primeira vez, tinha uma amiga e, também pela primeira vez, ele
revelou-se o garoto virtuoso, amigo e corajoso que seria durante a saga de Rowling. A
mesma liberdade que ele proporcionou à cobra lhe foi proporcionada pela carta que
viria a receber da Escola de Magia de Hogwarts e por Hagrid, que o levaria embora da
casa dos Dursley e o apresentaria ao fantástico mundo da magia.
O que se passou em seguida aconteceu tão depressa que ninguém viu
como foi: num segundo, Pedro e Duda estavam encostados no vidro,
no segundo seguinte, estavam saltando para trás soltando uivos de
terror.
Harry sentou-se e parou de respirar: o vidro da frente do tanque da
jibóia tinha sumido. A grande cobra se desenrolou depressa e
escorregou pelo chão – as pessoas no alojamento dos répteis gritaram
e começaram a correr para as saídas.
Quando a cobra passou rápido por ele, Harry poderia jurar que uma
voz baixa e sibilante tinha dito: “Brasil, aqui vou eu... Obrigada,
amigo.” (ROWLING, Harry Potter e a pedra filosofal, 2000, p. 29)
Quando Harry recebeu a carta de Hogwarts, informando-o de que ele era um
bruxo e que sua vaga para estudar na escola o aguardava, o garoto, que até então pouco
25
sabia sobre seus pais, descobriu ser filho de bruxos poderosos, bons e corajosos, os
quais foram assassinados por Lord Voldemort, o representante das trevas.
Algum tempo depois, Potter deveria ir à estação de trem, à Plataforma nove
e meia – que não existe no mundo dos “trouxas”, como são chamados os seres humanos
alheios à existência da magia – e tomar o trem para Hogwarts. Foi na plataforma que o
bruxinho encontrou mais uma parte de sua nova família: ele conheceu a família
Weasley, especialmente Rony, seu melhor amigo durante toda a trama. Imediatamente
foi acolhido por todos, como se fosse um deles, e, pela primeira vez desde que podia se
lembrar, Harry Potter tinha uma família e era amado por pessoas como ele.
E foi justamente a Sra. Weasley quem lhe ajudou a passar por mais um
obstáculo, dando-lhe uma grande lição: atrás da grossa parede de tijolos da estação,
estava a Plataforma nove e meia e o Expresso de Hogwarts, aguardando-o para levá-lo à
sua nova vida. Foi Molly Weasley quem disse a Harry que ele deveria correr de
encontro à parede se estivesse com medo: as aparências podem enganar. E Harry,
valente, acredita, confia, enfrenta seus medos e vai:
Ele começou a andar em direção a ela. As pessoas a caminho das
plataformas nove e dez o empurravam. Harry apressou o passo. Ia
bater direto no coletor de bilhetes e então ia se complicar – curvandose para o carrinho ele desatou a correr – a barreira estava cada vez
mais próxima – não poderia parar – o carrinho estava descontrolado –
ele estava a um passo de distância – fechou os olhos se preparando
para a colisão...
E ela não aconteceu... ele continuou correndo... abriu os olhos.
Uma locomotiva vermelha a vapor estava parada à plataforma
apinhada de gente. Um letreiro no alto informava Expresso de
Hogwarts, 11 horas. Harry olhou para trás e viu um arco de ferro
forjado no lugar onde estivera o coletor de bilhetes, com os dizeres
Plataforma nove e meia. Conseguira. (ROWLING, Harry Potter e a
pedra filosofal, 2000, p. 84)
26
Agora sabia que estava indo ao lugar certo; as lacunas de sua vida pareciam
começar a ser preenchidas, e o menino começou a encarar ainda mais corajosamente
seus problemas. Enfrentar uma simples parede de tijolos revelou quanta coragem e
esperança Harry tinha para mudar e procurar suas raízes. Ele não era mais o desprezado
garotinho que morava na Rua dos Alfeneiros: era Harry Potter, um bruxo corajoso, bom,
virtuoso, mas que, como qualquer pessoa, é capaz de errar e ser punido por isso. Potter
agora queria provar a todos que era capaz de aprender – não só com aulas e livros, mas
também com seus erros –, de ser ele mesmo, de explorar seu potencial, de deixar sua
marca na vida das pessoas.
Quando, aos onze anos de idade, se descobre um bruxo, Harry passa
da condição de um garoto desprezado, impotente, desconhecido, cujas
perspectivas de futuro são bastante sombrias, para a condição de
alguém que é querido, amado, mesmo famoso em sua sociedade e ao
qual são oferecidas, pela primeira vez, as ferramentas e oportunidades
adequadas para a realização de suas potencialidades. Para tanto, ele
precisa se reorganizar de modo a forjar uma nova identidade para si,
pois seu futuro depende de suas escolhas pessoais. (VARGAS, 2005,
p. 205)
No trem para Hogwarts, Harry fez uma nova e importante amizade:
Hermione Granger, bruxinha audaciosa, estudiosa, ambiciosa e defensora dos amigos,
também companheira inseparável de nosso herói e Rony. É com ela que Harry e Rony
passam a maior parte do tempo em Hogwarts, e também é ela uma importante
conselheira que conforta nosso herói nas horas difíceis. É preciso lembrar que ser
valente não quer dizer, necessariamente, ser ajuizado, ainda mais quando se é dominado
por diversos sentimentos inquietantes:
– Harry, por favor – pediu Hermione, os olhos agora brilhando de
lágrimas – por favor, tenha juízo. Black fez uma coisa horrível
demais, mas não corra riscos, é isso que Black quer... Ah, Harry, você
vai fazer o jogo do Black se for atrás. Seus pais não iam querer que
você se machucasse, iam? Jamais iam querer que você saísse
27
procurando o Black! (ROWLING, Harry Potter e o prisioneiro de
Azkaban, 2000, p. 177)
Na chegada a Hogwarts, o mundo da magia fica ainda mais incrível para os
ávidos leitores: carruagens que andam sozinhas, fantasmas que trafegam pelos
corredores, quadros que se movem e falam: a escola de magia localiza-se em um
enorme e maravilhoso castelo, com muitos segredos ocultos, algumas passagens
secretas e muita, muita magia. No Grande Salão, onde todos faziam as refeições – as
quais “magicamente” apareciam sobre os pratos –, havia quatro mesas compridas, uma
para cada casa da escola: Grifinória, Lufa-lufa, Corvinal e Sonserina. Harry, Rony e
Hermione foram escolhidos para ficarem na casa de Grifinória.
Nesta parte da história, há a primeira prova de que, apesar de ser um mundo
mágico, teoricamente diferente do mundo dos trouxas, a sociedade também se divide de
acordo com as características de cada pessoa, sendo que, em Grifinória, há os valentes e
ousados; Lufa-lufa abriga os pacientes, justos e leais; Corvinal é a casa dos sábios e
estudiosos, e Sonserina, aquela na qual homens de astúcia usam quaisquer meios para
atingir seus objetivos. É neste ponto, com a separação dos alunos do primeiro ano, que
começam a aparecer as diferentes índoles e tendências dos personagens da história:
aparece a figura de Draco Malfoy, bruxinho rico da casa de Sonserina, que gosta de se
sentir superior a todos devido ao poder, influência e dinheiro de seu pai e de seu grande
ego. Harry Potter, valente e ousado aluno de Grifinória, passa a descobrir, com o
decorrer do tempo, que seu nome é bastante conhecido no mundo dos bruxos, pois foi
ele quem provocou o desaparecimento e a provável morte de Lord Voldemort quando
ainda apenas era um bebê. O menino descobre, para sua própria crise pessoal, que foi
tentando defendê-lo que seus pais morreram nas mãos do Senhor das Trevas. Deste
episódio, sobrou apenas, na testa de Harry, uma cicatriz na forma de um raio, a qual
sempre doía quando o que restou de Voldemort representava algum perigo iminente.
28
Outra descoberta maravilhosa feita por nosso herói foi seu amor pela prática
do quadribol, esporte praticado por bruxos em suas magníficas vassouras voadoras:
quando Harry subiu na vassoura e voou pela primeira vez, vivenciou uma nova e
maravilhosa sensação de liberdade, e acabou revelando-se muito talentoso como
apanhador do time de Grifinória.
O diretor de Hogwarts, Alvo Dumbledore, um bruxo sábio, muito poderoso
e virtuoso, é um dos guardiões dos grandes segredos da vida de Harry. É através dele
que o bruxinho aprende muito sobre si mesmo, sobre a vida e sobre magia. Porém, para
frustração do menino, seu professor não lhe revela todos os porquês de sua história.
Apenas com o tempo e aparições ameaçadoras de Voldemort, Potter consegue
desvendar sua história passada.
Dumbledore é, na verdade, a única figura masculina que conhece fatos
sobre a vida de Harry que ele próprio desconhece e cujas ações
marcam o destino do menino de forma indelével. Praticamente
onipresente na vida do herói, Dumbledore sempre manteve sob
carinhosa vigilância, estando ciente das aventuras de Harry e várias
vezes interferindo favoravelmente a ele. Dumbledore é o responsável
pela colocação do herói, ainda bebê, junto a sua família adotante, pela
sua segurança na infância contra os poderes do mal, por sua entrada
em Hogwarts e, em última análise, pela sua chegada à segunda fase da
adolescência, quando finalmente lhe revela a terrível profecia que
paira sobre seu destino. (VARGAS, 2005, p. 198-199)
Como qualquer adolescente normal – que ri, chora, esbraveja, rebela-se,
briga, gazeia aulas, arranja confusão, faz amigos e inimigos – o bruxo Harry Potter
ansiava por encontrar seu lugar ao sol, conquistar sua independência e, sobretudo, ser
ouvido. Sua identidade está se formando, e a falta de informação sobre seu passado – o
meio que Dumbledore e seus defensores encontraram para protegê-lo de Voldemort – o
revolta e, à medida que lhe são revelados os fatos obscuros de seu passado tão confuso e
cheio de desventuras, sua raiva e revolta, tão típicas de um adolescente, transparecem:
29
– O SENHOR NÃO SABE COMO ESTOU ME SENTINDO! – urrou
Harry. – O SENHOR... FICA PARADO AÍ... SEU...
Mas as palavras já não eram suficientes, quebrar coisas já não adiantava;
ele queria fugir, queria fugir sem parar, sem nunca olhar para trás, queria
ir para algum lugar em que não visse aqueles olhos azul-claros
encarando-o, aquele rosto velho odiosamente calmo. Ele correu para a
porta, tornou a agarrar a maçaneta e puxou-a com força.
Mas a porta não abriu. (ROWLING J. K., Harry Potter e a Ordem da
Fênix, 2003, p. 666)
Harry Potter, até o último livro lançado – Harry Potter e o enigma do
príncipe (2005) –, tem apenas dezesseis anos. Porém, já enfrentou, de cabeça erguida,
muito mais do que muitas pessoas. Tentando desvendar os segredos ocultos sobre sua
vida, Potter atrai os leitores e os instiga a saber sobre eles mesmos. O mundo dos
trouxas é repleto de Harrys, ávidos por autoconhecimento, por saber de onde vieram e
para onde vão. A diferença é que, aqui, não temos vassouras voadoras, dementadores,
bichos-papões, fotos que se movem, jogos de quadribol, varinhas mágicas, elfos,
centauros, ao menos não da mesma forma como no mundo da magia. Temos, sim, seres
que, como nosso herói, fazem uma eterna busca por si mesmos e por algo que está cada
vez mais difícil de encontrar: a verdadeira identidade.
2.2 Temas que fazem de Harry Potter um sucesso
Fenômeno literário: assim é chamada a série Harry Potter, que conta a
história e aventuras do bruxinho homônimo criado por J. K. Rowling na Grã-Bretanha
no final da década de 1990.
Com os seis livros lançados pela autora até 2006 – Harry Potter e a pedra
filosofal, Harry Potter e a câmara secreta, Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban,
Harry Potter e o Cálice de Fogo, Harry Potter e a Ordem da Fênix, Harry Potter e o
enigma do príncipe – as aventuras e desafios de Harry e seus amigos são mostradas
30
enquanto o bruxinho tenta descobrir quem ele é e o que fazer de sua vida. O menino
quer saber sobre seu passado para poder combater o que virá no futuro. E qual
adolescente não quer saber mais sobre si e o que virá? Será apenas de Harry Potter e
seus companheiros bruxos o tormento de passar por tantas dificuldades e situações
extremamente confusas e perigosas? Obviamente não.
J. K. Rowling mostra ao leitor um mundo mágico, cheio de criaturas
fantásticas e bruxaria que tanto lembram a infância. Sob a máscara da magia, aborda
temas tão corriqueiros para os jovens leitores que eles simplesmente não conseguem se
livrar do “feitiço” que a leitura exerce sobre eles: é, realmente, um fenômeno também
poder resgatar o gosto pela leitura entre adolescentes que vêem o ato de ler como algo
tedioso.
Tomar partido do realismo para descrever um mundo totalmente
imaginário e, ao inverso, usar artifícios para descrever o mundo real
significa lembrar que a verdade do mundo ou sobre o mundo nem
sempre pode ser buscada nas abordagens “realistas” ou no estilo dos
documentários. Ela reside igualmente, e sobretudo, no nosso
imaginário, no universo de nossos desejos e de nossos fantasmas. Em
resumo, fazer falar nosso imaginário pelo recurso aos mitos, às velhas
lendas ou a bruxos é informar o homem sobre ele mesmo – sua
psicologia, seu inconsciente, seus desejos confessados ou inconfessos
– tanto quanto ou mais do que fazem as teorias jornalísticas ou os
documentários. (SMADJA, 2004, p. 19-20)
Conforme a afirmação de Isabelle Smadja, J. K. Rowling usa e abusa da
relação imaginário–real e são muitos os temas “atrativos” para o adolescente
contemporâneo abordados pela autora britânica durante a saga de Harry Potter.
A vida escolar e seus desafios são importantes temas abordados pela autora,
já que a maior parte da história de Harry Potter se passa na Escola de Magia de
Hogwarts. E é justamente por situar o mundo mágico dentro de uma escola que Corso
(2006, p. 256-257) afirma que a experiência de Rowling deu certo, pois a “escolaridade
para as crianças contemporâneas se inaugura praticamente junto com sua capacidade de
31
falar, quando não antes”. Vive-se em um mundo em que a cada dia as famílias estão
menores, e, na escola, os adolescentes aprendem a conhecer novos tipos de pessoas,
fazem amigos, até inimigos, apaixonam-se, decepcionam-se, angustiam-se, descobremse. Com o crescimento da população e das cidades, é difícil termos, durante a infância e
adolescência, aquele espaço em nossas casas ou apartamentos minúsculos para
podermos brincar e nos divertir como as gerações anteriores faziam. Aqueles “amigos
de infância” que costumavam ser os vizinhos da rua agora são os amigos que
conhecemos na escola. Um exemplo dessa afirmação é a amizade que o próprio Harry e
seus melhores amigos – Rony e Hermione – desenvolveram devido ao tempo que
passaram juntos na escola de magia.
Hogwarts é rígida quanto à obediência de normas: a cada infração, os
professores retiram pontos da casa da qual o aluno faz parte. Quando trabalha com
afinco e se destaca, ganha pontos. Como em qualquer escola, os alunos têm seus
professores preferidos e os que são detestados, levam “bomba” nas matérias quando não
estudam ou não seguem corretamente as instruções dos feitiços e poções e se não fazem
o dever de casa. Entretanto, Potter, apesar de ser tão bondoso e corajoso, revela-se um
tanto preguiçoso para os estudos: está sempre deixando os livros de lado e burlando as
regras para ajudar alguém ou mesmo para descobrir sobre seu passado. Essas
características tão importantes que formam a personalidade de Harry – a bondade e a
coragem (bem como a capacidade de criar confusão e transgredir regras, segundo todos
falam) – são citadas sempre ao longo da saga, e é muitas vezes através delas que ele
próprio passa a saber sobre seu passado e seu presente.
Em diversos momentos da história, fica claro para o leitor que uma das
lições básicas a serem aprendidas é a da amizade. Harry fez amizades boas e duradouras
em Hogwarts, além de Rony e Hermione, passou a confiar em todos os seus amigos e a
32
ter a confiança deles, e em várias ocasiões teve sua ajuda para sair de dificuldades.
Apesar de poderoso e corajoso, Harry jamais teria sobrevivido sem o suporte desses
amigos, tanto nos momentos em que se exigiu lutar usando a magia quanto nos de
tristeza pelos quais passou.
Um personagem marcante na questão amizade e que muito ensina ao leitor é
Hagrid: apesar de sua aparência um tanto amedrontadora no início – ele é descendente
de gigantes –, revela-se extremamente generoso, bondoso e preocupado com as pessoas
a quem ama. Não se pode esquecer que foi Hagrid quem ajudou Dumbledore a proteger
Harry de Voldemort após o assassinato de seus pais e foi ele quem deu os primeiros
presentes que o bruxinho recebeu na vida: seu bolo de aniversário de onze anos e sua
tão amada coruja de estimação, Edwiges – mais uma grande companheira de Potter.
Entretanto, é preciso ter cuidado e saber, também, que existem tipos
diferentes de amizades. Segundo Harald Thorsrud (2004, p. 49-58), assim como nosso
herói tinha seus fiéis companheiros, seus inimigos, Draco Malfoy e Lord Voldemort,
também os tinham. Como afirma o autor, no caso de Malfoy, por exemplo, seus
companheiros Crabble e Goyle são vistos como dois garotos que seguiram o caminho
errado, ou apóiam a pessoa errada: são os ditos amigos úteis. Mas o fato é que, para
serem amigos de alguém tão desagradável como Draco, com certeza, eles são motivados
por medo e ganância, além da incrível sensação de poder ao triunfar sobre alguém
considerado “inferior” através do imenso ego de Malfoy. E, é claro, há o fato
importantíssimo de que eles são filhos de dois Comensais da Morte, como são
conhecidos os seguidores do Senhor das Trevas, assim como Draco.
O próprio Voldemort tinha seus seguidores, alguns fiéis, outros nem tanto,
como é o caso de Lúcio Malfoy, pai de Draco, e de Rabicho. Malfoy é movido pela
conveniência: ao se ver sem seu líder, finge ter saído do lado das trevas e não ser mais
33
um Comensal da Morte. Em Harry Potter e o Cálice de Fogo, ao ressuscitar, Voldemort
o intimida devido a seu abandono:
– Lúcio, meu ardiloso amigo – murmurou ele se detendo diante do
bruxo. – Ouço dizer que você não renunciou aos seus hábitos antigos,
embora para o mundo você apresente uma imagem respeitável.
Acredito que continue pronto para assumir a liderança de uma
torturazinha de trouxas? No entanto você nunca tentou me encontrar,
Lúcio... as suas aventuras na Copa Mundial de Quadribol foram
engraçadas, devo dizer... mas será que suas energias não teriam sido
melhor empregadas em procurar ajudar seu amo? (ROWLING, Harry
Potter e o Cálice de Fogo, 2004, p. 516)
Já a “amizade” e devoção de Rabicho dão-se unicamente porque ele teme o
Senhor das Trevas: “Você voltou para mim, não por lealdade, mas por ter medo de seus
antigos amigos. Você merece sentir dor, Rabicho. Você sabe disso, não sabe?”
(ROWLING, Harry Potter e o Cálice de Fogo, 2004, p. 516).
A divisão social e a econômica também se fazem presentes na saga de
Harry Potter, e se percebe que o racismo e a discriminação econômica, temas sempre
muito polêmicos, também fazem parte do mundo mágico.
Slytherin queria ser mais seletivo com relação aos estudantes
admitidos. Ele acreditava que o aprendizado da magia devia ser
mantido no âmbito das famílias inteiramente mágicas. Desagradavalhe admitir alunos de pais trouxas, pois os achava pouco dignos de
confiança. (ROWLING, J. K. Harry Potter e a câmara secreta, 2000,
p. 131)
Harry Potter tinha mãe trouxa e pai bruxo, portanto era considerado
“mestiço” entre os bruxos. Rony e Draco eram “puro-sangue”, ou seja, tinham pais
bruxos; já Hermione, por ter ambos os pais trouxas, era considerada “sangue-ruim”.
Ora, apesar de, em Hogwarts, haver alunos de várias raças diferentes, como é o caso das
gêmeas Patil, por exemplo, elas nunca foram discriminadas pela cor de sua pele. O que
se chama de discriminação racial, no mundo mágico, é justamente ofender alguém por
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ser mestiço ou por ser sangue-ruim. Em Harry Potter e a câmara secreta (2000),
Rowling aborda esta questão quando a câmara secreta de Hogwarts é aberta pelo
“herdeiro de Sonserina” e um monstro que ali habita deverá matar todos os alunos
sangue-ruins da escola.
– É praticamente a coisa mais ofensiva que ele podia dizer (...) Sangue
ruim é o pior nome para alguém que nasceu trouxa, sabe, que não tem
pais bruxos. Existem uns bruxos, como os da família de Malfoy, que
se acham melhores do que todo mundo porque têm o que as pessoas
chamam de sangue puro. (ROWLING, Harry Potter e a câmara
secreta, 2000, p. 102)
Nesta parte da história, dá-se ênfase ao termo “herdeiro de Sonserina”, que,
depois, descobre-se ser o próprio Lord Voldemort não por acaso. O verdadeiro nome do
fundador da casa de Sonserina é Salazar Slytherin, e, segundo Smadja (2004), em Harry
Potter: as razões do sucesso, há uma evidente alusão ao famoso ditador português
Salazar. Portanto, há também uma evocação ao fascismo. Com o decorrer da saga, é
revelado que Voldemort, tão discriminador, também era mestiço, mesmo sendo ele o
último herdeiro de Sonserina. Aqui, há uma relação com Adolf Hitler, que, assim como
o Senhor das Trevas, também não mediu esforços e crueldades para atingir seu insano
objetivo: a raça pura.
A discriminação e a desigualdade econômica e social também são questões
levantadas durante a saga de Harry Potter. É preciso lembrar que o próprio Harry, no
início, era extremamente discriminado por sua família e tratado como um criado
enquanto Duda, seu primo, chegava a ganhar mais de trinta presentes dos pais no dia de
seu aniversário.
Outro exemplo marcante disso são as famílias Weasley e Malfoy. Enquanto
a primeira é pobre e numerosa, sempre batalhando com bom humor e generosidade para
vencer os obstáculos, os Malfoys são ricos, extremamente cruéis e discriminadores com
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os bruxos que não têm tanto poder e dinheiro quanto eles. Entretanto, Percy Weasley
foge ao estereótipo de “rapaz pobre, bonzinho e maltratado” e se revela um traidor
extremamente ambicioso, apesar de ter sido criado com valores diferentes.
Ainda nesta questão de discriminação social não se pode deixar de citar os
elfos domésticos Dobby e Winky, que representam toda uma raça escrava de famílias
bruxas ricas. No decorrer da história, Hermione luta para mudar a situação dos elfos,
inclusive criando o Fundo de Apoio à Liberação dos Elfos (F.A.L.E.), porém o
conformismo deles é tão grande com seu estado de servidão e escravidão que
praticamente ninguém dá ouvidos à garota. Mais uma vez a história transmite a idéia de
liberdade: primeiramente, Harry liberta Dobby da escravidão da família Malfoy. Assim
como Potter, o elfo doméstico era extremamente maltratado e usava roupas rasgadas ou
panos velhos; após, há a tentativa infrutífera de Hermione de convencer a todos os elfos
de Hogwarts a serem libertados e tratados dignamente. Segundo Patterson (2004, p.
121), o mundo da magia reconhece que a escravidão é um mal, e que existe o dever de
extingui-la, porém isso não acontece porque há questões mais urgentes a serem tratadas,
como a necessidade de combater os Comensais da Morte.
A paixão pelos esportes, também um grande atrativo para os adolescentes, é
abordada na saga de Rowling. O esporte preferido dos bruxos, como mencionado
anteriormente, o quadribol, tem seus times, ídolos, suas seleções, torcidas organizadas,
campeonatos e toda a euforia que envolve este tipo de atividade. Um dos mais
admirados ídolos do esporte é o jogador búlgaro Vitor Krum, que se destaca em Harry
Potter e o Cálice de Fogo no Campeonato Mundial de Quadribol e, depois, torna-se
adversário de Harry no Torneio Tribruxo, famosa competição com tarefas difíceis entre
escolas de magia do mundo todo.
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Porém, nem tudo é assim tão belo: aqui, tem-se outra amostra da divisão
social: os mais ricos tinham as vassouras mais velozes – Nimbus, Firebolt – e os menos
afortunados usavam as velhas vassouras disponíveis na escola.
Na saga de Rowling, a vassoura é uma das principais estrelas do
mundo mágico. O contexto da Idade Média, do tempo das bruxas
perseguidas pela Inquisição, surge atualizado pela linguagem da
sociedade de consumo de massas: a vassoura ganha inovações
tecnológicas a cada ano, como os automóveis e os aparelhos de
televisão; ganha também preços mirabolantes e vira objeto de desejo
de crianças e adultos. Para o prosaico objeto, Rowling inventa um
catálogo de inovações; existem até agora a antiga versão da Shooting
Star, o modelo utilizado pelo amigo pobre de Harry, Rony, capaz de
ser ultrapassado no vôo até por borboletas; a Cleansweep Sevens, um
pouco menos lenta, utilizada pelo time de Corvinal; o modelo Nimbus
2000, a primeira vassoura adquirida pelo herói, com que ele estréia no
jogo de quadribol aos 11 anos; a Nimbus 2001, com a qual o inimigo
Malfoy tenta ser mais rápido do que Harry, e o fantástico exemplar da
Firebolt, presente de Natal, anônimo, que se supunha enfeitiçado e
perigoso, mas que, ao final, revela-se um regalo de Sirius, o padrinho
foragido, no livro Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban.
(GUTKOSKI, 2005, p. 80)
Harry sente-se livre ao voar em sua vassoura e jogar quadribol. A sensação
de leveza e de ter o ar batendo em nossos rostos sempre foi objeto de fascínio do ser
humano. Tanto que, em Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, aparece o hipogrifo,
animal mitológico que voa e que também serve como símbolo de coragem no momento
em que Harry, Rony e Hermione salvam-no de ser sacrificado injustamente.
Não só o hipogrifo, mas também outros animais, bons ou maus, têm papel
importante na saga de Potter. Entre os chamados “bons”, destaca-se a coruja de Harry,
Edwiges. Segundo afirma Colbert (2001, p. 64 e 152), as corujas eram o símbolo da
bruxaria e também da sabedoria em Atenas, bem como, no Cristianismo, o nome da
santa padroeira dos órfãos (Harry e Voldemort são órfãos). Rony e Hermione também
têm seus animais de estimação – um rato e um gato, respectivamente –, e ainda há
animais lendários e mitológicos, como a fênix, o lobisomem e o unicórnio. Os
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animagos, bruxos que se transformam em animais, têm destaque na figura da professora
Minerva McGonagall – que se transforma em um gato –, de Sirius Black, padrinho de
Harry (black, em inglês significa “negro”, e o animago de Sirius é um cachorro negro),
e do professor Remo Lupin (Remo é o nome de um dos lendários fundadores de Roma,
alimentados por uma loba, e Lupin vem do latim Lupus, que significa “lobo”). O
próprio Patrono – um tipo de energia positiva, uma projeção de esperança, felicidade,
desejo de sobrevivência – de Harry é representado por um cervo. E em Harry Potter e a
câmara secreta (2000), há a serpente comandada por Voldemort na eliminação dos
sangue-ruins, mostrando que a maldade não está vinculada apenas às pessoas.
Outro objeto atrativo, sobretudo para as leitoras adolescentes, aparece
também em Harry Potter e a câmara secreta: Gina Weasley acha o diário mágico de
Tom Riddle – Voldemort –, e nele escreve todos os seus anseios e confidências. Há uma
alusão ao hábito que as garotas têm de escrever em diários, agendas e blogs.
A pequena Gina anda escrevendo nele há meses, me contou suas
tristes preocupações e mágoas, como os irmãos implicavam com ela,
como teve de vir para a escola com vestes e livros de segunda mão,
como – os olhos de Riddle brilharam –, como achava que o bom, o
famoso, o importante Harry Potter jamais iria gostar dela...
(ROWLING, Harry Potter e a câmara secreta, 2000, p. 260-261)
Mais uma importante questão presente na história é a da humildade, e um
exemplo marcante disso ocorre quando Hagrid e McGonagall questionam Dumbledore
sobre o porquê de ele deixar o então bebê Harry Potter aos cuidados de pessoas tão
detestáveis como os Dursley; o diretor de Hogwarts diz que o bruxinho precisa primeiro
sofrer e saber como é viver humildemente, para que, depois que lhe for revelada sua
verdadeira identidade de bruxo famoso e poderoso, ele saiba como lidar com isso e
fazer o bem.
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Isto seria o bastante para virar a cabeça de qualquer menino. Famoso
antes mesmo de saber andar e falar! Famoso por alguma coisa que ele
nem vai se lembrar! Você não vê que ele estará muito melhor se
crescer longe de tudo isso até que tenha capacidade de compreender?
(ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal, 2000, p. 17)
E, por fim, a tristeza. Em Harry Potter e o enigma do príncipe (2005), o
mundo da magia perde um de seus maiores benfeitores, Alvo Dumbledore, morto por
Severo Snape, professor de sua escola, alguém em quem confiava.
O leitor, desolado, acompanha a dor do mundo mágico: apesar de, desde o
início da saga, o tema morte estar presente, agora alguém realmente querido pelos bons
bruxos fora assassinado. O esteio de Harry Potter se foi. Todos choram. O leitor chora.
E Harry, mais uma vez provando sua coragem e valor, promete que, no ano seguinte,
não retornará a Hogwarts para terminar seus estudos: ele vingará a morte de seus pais,
de Dumbledore, de Sirius Black, enfim, de todos a quem amava e que foram levados por
Voldemort e seus seguidores.
Se Potter conseguirá cumprir sua audaciosa promessa, apenas o último livro
de Rowling, ainda não lançado, dirá com certeza.
Enquanto isso, o leitor, pensativo, pesaroso, imagina como será o desfecho
dessa trama tão envolvente e instigante. Assim, centenas de teorias sobre o final da saga
de Harry Potter são criadas e debatidas por leitores ansiosos por respostas: quem nunca
perdeu alguém, se apaixonou, foi traído, injustiçado, tirou notas baixas, teve amigos
fiéis e inimigos cruéis? Quem não se identifica com as aventuras do bruxinho?
A trama criada por J. K. Rowling faz com que o leitor se identifique com a
história e seus personagens uma vez que os sentimentos, alegrias e aflições pelos quais
os bruxos passam qualquer pessoa também enfrenta. Todos têm seus bons e maus
momentos, suas crises, suas angústias, suas dúvidas, principalmente os leitores
adolescentes que comparam e questionam suas vidas através da história de Potter.
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Um exemplo disso é a divisão em grupos e semigrupos dos adolescentes
tanto na escola como na vida. Cada grupo e sua escolha representam muito para cada
um, pois é ali que se consolidarão os traços já inclusos na índole. Cada um escolhe os
amigos que quer ter, o grupo do qual quer participar. O problema, muitas vezes, é que
os que não são “iguais” são discriminados, situação que, infelizmente, pode-se vivenciar
a todo o momento e em qualquer lugar. Também é um tanto peculiar Rowling
apresentar os elfos domésticos, seres servis no mundo mágico, sinalizando que se ignora
o que não é lucrativo nem interessante de se ver e resolver. Durante a história, pode-se
perceber que os elfos poderiam ser “libertados” e poderiam ter maiores oportunidades
de crescimento se houvesse maior mobilização da sociedade e dos mais poderosos.
Então, como no mundo mágico existem estes fatos tão comuns no dia-a-dia
do leitor – além dos vários outros elementos relacionados à magia –, fica fácil
identificar-se com a história, que faz com que haja, ao mesmo tempo, fascínio e
identificação com Harry Potter.
3 COMUNIDADES VIRTUAIS E IDENTIDADE
A internet disponibiliza, em segundos, diferentes tipos de informação e de
oportunidades que normalmente levariam horas, dias ou semanas para serem
alcançadas, como a compra de livros, eletrodomésticos, a procura de oportunidades
profissionais, consulta imediata a dicionários de todos os tipos etc. Seu número de
usuários cresce a cada dia e, como é cada vez mais presente e necessária à comunicação,
interação e aprendizagem, o uso desta “ferramenta” já é realidade em muitas escolas
brasileiras e do exterior.
Quando uma escola se conecta à Internet, um novo mundo de
possibilidades se abre diante de alunos e professores. Não mais
falamos, a partir daí, de alguns instrumentos didáticos como um livro
ou uma enciclopédia; falamos de uma infinidade de livros e de sites
que o aluno pode visitar; de uma nova realidade de conceitos,
representações e imagens com as quais o aluno passa a lidar e que vão
ajudar a desenvolver outras habilidades, capacidades, comportamentos
e até processos cognitivos que a escola tradicional não previa e que o
mundo pós-moderno já exige dele. Além disso, os conteúdos que
chegam pela Internet se tornam mais interessantes e atraentes do que
quando apresentados em livros ou apostilas, material já tão conhecido
pelos alunos; aprender pode se tornar algo divertido, realístico e mais
significativo. (RAMAL, 1996)
Com sua constante utilização, novas comunidades virtuais disponíveis
aparecem diariamente, promovendo não só a comunicação, mas também a interação e a
aprendizagem de temas culturais os quais normalmente seriam de mais difícil acesso
sem o uso deste tipo de recurso. Para Andréa Cecilia Ramal (1996), a “conexão da sala
41
de aula à Internet faz com que o universo de conhecimentos se amplie. Ao navegar no
ciberespaço, o aluno tem acesso a um sem-número de informações, com a vantagem de
elas serem provenientes de diferentes culturas, indicadoras de diferentes visões de
mundo e de significações diversas. Isso abre os horizontes do ensino.”
Uma comunidade virtual pode, por exemplo, organizar-se sobre uma
base de afinidade por intermédio de sistemas de comunicação
telemáticos. Seus membros estão reunidos pelos mesmos núcleos de
interesses, pelos mesmos problemas: a geografia, contingente, não é
mais nem um ponto de partida, nem uma coerção. Apesar de “nãopresente”, essa comunidade está repleta de paixões e de projetos, de
conflitos e de amizades. Ela vive sem lugar de referência estável: em
toda parte onde se encontrem seus membros móveis... ou em parte
alguma. A virtualização reinventa uma cultura nômade, não por uma
volta ao paleolítico nem às antigas civilizações de pastores, mas
fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se
reconfiguram com um mínimo de inércia. (LÉVY, 1996, p. 9)
Sobre o ciberespaço e as comunidades virtuais como ferramenta de
aprendizagem e de socialização Shaffer e Anundsen (1993) apud Palloff e Pratt (1999,
p. 45) afirmam que
o ciberespaço é o espaço conceitual em que palavras, relacionamentos
humanos, dados, riqueza e poder são manifestados pelas pessoas que
usam essa infra-estrutura tecnológica; as comunidades virtuais são
agregações culturais que emergem quando um número suficiente de
pessoas encontra-se no ciberespaço.
No passado, a diferenciação e a participação em um grupo social eram
fatores relevantes para o desenvolvimento da comunidade. As pessoas
que possuíam interesses comuns formavam grupos e comunidades a
fim de buscar aquilo que as distinguia de outros grupos. Além disso,
as comunidades formavam-se com base em um local determinado. A
pequena cidade ou bairro no qual se vivia era a comunidade de que se
participava. Aderir às normas dessa comunidade permitia que se
continuasse a ser um membro dela. Expressar sua singularidade como
pessoa era às vezes um problema, por causa da necessidade de que tais
normas fossem respeitadas. (SIC)
Entretanto, é fundamental deixar claro que, mesmo dentro de
comunidades virtuais – em específico o Orkut, foco deste trabalho –, há regras de
convivência preestabelecidas pelo criador, o “dono” da comunidade. Então, existem
42
limites, mas há muito mais chances de se desenvolver a capacidade de comunicação e
de se descobrir – ou redescobrir – como leitor, como crítico e como pessoa. Palloff e
Pratt (1999, p. 4) citam, em sua obra, Steven Jones (1995), falando sobre as possíveis
identidades que as pessoas assumem em ambiente virtual:
Ingressar na comunidade virtual e continuar a ser membro dela
acarreta um processo muito diferente, que pode ser algo difícil para
algumas pessoas. Steven Jones (1995, p. 156), em seu livro
Cybersociety, afirma: “O quanto as pessoas utilizam a comunicação
por computador como meio para inventar novas personas e para
recriar suas identidades – ou para fazer uma combinação de ambas –,
bem como os modos pelos quais o fazem, são questões centrais à
construção de uma sociedade em que o computador exerce um papel
tão importante.”
Jones descreve o que se chama de personalidade eletrônica: a pessoa
que nos tornamos quando estamos on-line. Nosso trabalho (PRATT,
1996, p. 119-120) demonstrou que, para essa personalidade eletrônica
existir, certos elementos devem manifestar-se, tais como:
- a capacidade de dar continuidade a um diálogo interno a fim de
formular respostas;
- a criação de uma imagem de privacidade, tanto em termos do espaço
a partir do qual a pessoa comunica-se quanto da capacidade de criar
um sentimento interno de privacidade;
- a capacidade de lidar com questões emocionais pela forma textual;
- a capacidade de criar uma imagem mental do parceiro durante o
processo comunicativo;
- a capacidade de criar uma sensação de presença on-line por meio da
personalização do que é comunicado. (SIC)
3.1 O Orkut e suas comunidades
O Orkut (http://www.orkut.com) é uma comunidade virtual, um site de
relacionamento que se transformou em “ponto de encontro” de pessoas com os mesmos
interesses e amigos em comum. Segundo o publicitário André Telles (2006, p. 21), o
Orkut foi criado em 22 de janeiro de 2004, e seu nome é uma homenagem a seu
projetista chefe, Orkut Büyükkokten, engenheiro do grupo Google. Contudo, o inventor
43
de software provavelmente não previu que sua criação alcançasse a enorme repercussão
e sucesso que tem atualmente, contando com cerca de 13.250.000 usuários cadastrados.
A “febre” Orkut invadiu a internet, chegou a muitos países e faz grande
sucesso no Brasil, sobretudo entre adolescentes. Conforme Telles (2006, p. 24), o Brasil
é o país com maior número de membros, equivalendo a 72,91% dos usuários. O autor
afirma ainda que, “na realidade, esse número não é a expressão da verdade, já que
muitos membros se inscrevem como habitantes de outros países ou criam mais de um
perfil por usuário. As estatísticas oficiais do site, portanto, não podem ser consideradas
precisas.”
André Telles (2006, p. 25) explica que “as pessoas mais jovens têm mais
interesse no Orkut. Cerca de 52,57% de seus membros são pessoas na faixa etária dos
18 aos 25 anos. Esse número também não é expressão da verdade, pois menores de 18
anos participam da rede fornecendo idades incorretas.”
No Orkut, os participantes têm total liberdade para criar seu próprio perfil e
nele escrever o que quiserem: podem colocar nomes diferentes e alterá-los ao longo do
tempo, quantas vezes isso for de seu agrado, podem ou não preencher a gama de
informações que são requisitadas, que vão desde a data de nascimento, endereço,
telefone etc. até a hábitos, filmes, programas e comidas prediletas. Os usuários criam a
seu bel-prazer algumas das mais interessantes informações do perfil: o preenchimento
do campo intitulado “quem sou eu”, onde pode ser escrito qualquer tipo de texto, de
autoria ou não do usuário. Muitos se descrevem usando poemas, músicas ou mesmo
criam seus próprios textos falando de si mesmos, de suas preferências e pontos fortes e
fracos. Entretanto, há os que não desejam registrar coisa alguma ou que simplesmente
escrevem “quem me conhece que me descreva”, por exemplo. Rena M. Pallof e Keith
44
Pratt (2002, p. 46) comentam estes tipos de comportamento existentes em comunidades
virtuais:
O indivíduo cria um ambiente virtual que permite o surgimento de sua
personalidade eletrônica. Os introvertidos são mais hábeis na criação
de um ambiente virtual, pois sabem como processar informações
internamente e são menos abertos socialmente. Para o introvertido, é
mais fácil demorar-se em pensamentos sobre determinada informação
antes de responder a ela. É mais difícil – mas não impossível – para os
extrovertidos fazer o mesmo, talvez porque tenham menor
necessidade de fazê-lo.
Outra característica que chama a atenção no Orkut é que os participantes
não necessitam revelar seus verdadeiros nomes, e podem criar nicknames ou
simplesmente nicks (apelidos, em inglês). Os nicks são mais populares entre os
adolescentes que participam da rede, entretanto os adultos também são seus adeptos.
Para Andréa Cecília Ramal (2002, p. 118),
os nicks desconstroem simbolicamente uma série de outros elementos
tradicionalmente mais valorizados – as vozes dominantes da idade, do
gênero, do poder econômico, do status social. Detrás do nick não se
conhece ao certo quem fala e, se por um lado, sua voz não pode ser
sobrevalorizada, também não pode ser excluída a priori em função de
qualquer pré-conceito ou estereótipo.
No Orkut, qualquer um dos participantes pode criar e participar de até mil
comunidades usando um perfil, conforme os assuntos com os quais se identificam.
Existem comunidades para todos os gostos e de todos os tamanhos, algumas com
milhões de participantes, algumas com pouquíssimos, inclusive há uma delas que se
intitula “Comunidade Vazia”, sem participantes. Com apenas um clique, pode-se
participar de uma dessas comunidades e reencontrar pessoas que não fazem mais parte
de nosso convívio, fazer novos amigos com interesses em comum, paquerar e até fazer
45
novos contatos profissionais. Tudo é livre no Orkut: pode-se escolher quando e como
participar de qualquer comunidade e se expressar espontaneamente.
3.2 Harry Potter, Orkut e identidade
Como já mencionado anteriormente, Harry Potter é considerado um
fenômeno literário. E este fenômeno alcançou tamanha proporção que atingiu o Orkut.
Neste site de relacionamento, existem mais de mil comunidades que fazem referência à
Harry Potter, sua trama, personagens, livros e autora em português. Com uma pesquisa
simples, encontra-se todo o tipo de comunidade sobre o assunto, e seu fórum – parte da
comunidade onde são postados tópicos com críticas e discutidas idéias – é escrito com
textos repletos de “internetês”, a linguagem utilizada pelos internautas, com palavras
como “aki” (aqui), “vc” (você), “axo” (acho), “entaum” (então) e “eh” (é), por exemplo.
Ao longo deste trabalho, foram feitas pesquisas no Orkut durante os meses
de setembro, outubro e início de novembro de 2006 em comunidades disponíveis em
língua portuguesa sobre Harry Potter, tais como Harry Potter Brasil, Harry Potter Fanfic, AD – Armada de Dumbledore, Luna Fonteles e Contra o fim de Harry Potter. Nos
meses em que o conteúdo das comunidades foi observado e analisado, consultavam-se
as comunidades escolhidas de nove a dez vezes por semana por cerca de duas horas
diárias. Constatou-se que as comunidades do Orkut em que mais há polêmica e
discussão sobre o assunto são aquelas que tratam de especulações sobre o sétimo livro
da série, ainda não publicado, e as que abrem espaço para os participantes escreverem
fanfictions. De acordo com Tânia M. K. Rösing e Maria Lucia Bandeira Vargas (2005,
p. 76),
46
o fenômeno da fanfiction surpreende pela transposição, para o meio
virtual, de várias práticas e valores caros ao sistema escolar, numa
atividade de lazer altamente absorvente para seus participantes.
Fanfictions são histórias escritas por fãs de textos originais – não
necessariamente impressos, pois que muitos deles imagéticos –
envolvendo os cenários, personagens e tramas previamente
desenvolvidos pelo autor daquele original, sem que exista nenhum
intuito de quebra de direitos autorais e de lucro envolvidos na prática.
Os autores de fanfictions dedicam-se a escrevê-las em virtude da
profundidade da experiência que vivenciam no contato com o texto
original.
No Orkut, os participantes dessas comunidades, além de criticarem a
história, discutirem e especularem sobre o desfecho da saga do bruxinho criado por J. K.
Rowling, ainda escrevem, capítulo a capítulo, sua própria versão para o sétimo livro.
Um exemplo disso pode ser encontrado na comunidade Contra o fim de Harry Potter
(Disponível em <http://www.orkut.com/CommTopics.aspx?cmm=3287426>. Acesso
em: 05 nov. 2006), no tópico intitulado “Fic pra quem leu o 6º livro”, criado pela
participante A1. Neste tópico, até o dia 05 de novembro de 2006, a participante A, de 18
anos, havia escrito nove capítulos de sua fanfiction (ou fanfic) sobre o sétimo livro da
série Harry Potter.
Ao longo deste texto, percebe-se que a história criada pela adolescente foi
escrita em uma linguagem semelhante à da narrativa de Rowling e inicia exatamente
após o último episódio do sexto livro da saga, Harry Potter e o enigma do príncipe
(2005), quando ocorre o funeral de Dumbledore e o juramento de vingança de Potter. A
participante A segue a seqüência lógica e continua a história no que seria a próxima
atitude a ser tomada após o final de um ano letivo na escola de magia: tomar o Expresso
de Hogwarts e voltar para casa.
Estavam os quatro num compartimento do Expresso de Hogwarts.
Harry olhava pela janela, o castelo se afastando aos poucos. Acabara
1
Para preservar as identidades dos participantes das comunidades do Orkut, será usado este tipo de
nomenclatura para identificá-los.
47
de ver, pela última vez, aqueles oclinhos de meia-lua apoiados no
nariz torto e a expressão serena e calma de sempre na face de
Dumbledore. Em sua cabeça pairava um turbilhão de dúvidas: onde
estariam Snape e Malfoy agora? Qual seria o próximo plano de
Voldemort? Como seria continuar sem Dumbledore...sem Sirius...não
haveria quem o proteger... E como seria Hogwarts após essas férias de
verão? Absorto em seus pensamentos, aquela voz doce e familiar o fez
despertar.
Na verdade, o que a autora adolescente questiona em seu texto reflete a
curiosidade que ela tem em sanar suas próprias dúvidas e expectativas em relação à
continuação da história de Rowling. Os leitores de Harry Potter estão ansiosos para
saber sobre o paradeiro de Malfoy e Snape, pois a trama que envolve as aventuras de
Harry instiga a curiosidade do leitor de tal maneira que ele tem necessidade de saber o
que acontecerá em seguida.
A participante A, ainda em seu primeiro capítulo, mostra as descobertas e os
anseios dos bruxinhos adolescentes sobre os relacionamentos amorosos em meio à
ameaça iminente dos ataques de Voldemort. Ao escrever sobre este assunto, pode-se
perceber a identificação da adolescente com os possíveis acontecimentos corriqueiros
dos conturbados relacionamentos amorosos dos adolescentes, o que possivelmente
também ocorre com a autora da fanfic:
Agora estavam só os dois ali. Harry não sabia o que dizer. Gina,
apesar da expressão determinada de sempre, parecia não saber como
começar a falar. Passados alguns segundos, ela quebrou o silêncio.
Harry, e agora, como vai ser? - Perguntou ela dessa vez com um olhar
de súplica.
(...)
- Bem... tenho que encontrar as horcruxes, não é? E depois liquidar
Voldemort, não tenho escolha... - Gina balançou a cabeça, abafou um
soluço e em seguida se curvou do banco onde estava, aproximando-se
muito do rosto de Harry.
– Você sabe que não estou falando disso, Harry. Estou falando de nós
dois... – Mas ele lutava contra o dragão em suas entranhas, resistindo a
manter sua decisão e continuou.
(...)
- Então é essa a sua decisão definitiva? Sinceramente Hary (SIC), eu
esperava mais de você. Prefere ignorar o que estou dizendo, me
evitar... Você que já viu a morte de perto, já enfrentou sozinho o
48
bruxo mais temido de todos os tempos, pensei que havia mais
coragem em Harry Potter... Mas vejo que...
- Enfrentar Voldemort só exige que eu reúna todo o ódio que tenho
dele para criar forças a meu favor... Com você é diferente... Não
agüentaria olhar nos seus olhos, encara-la (SIC) e dizer que não
podemos continuar juntos.
Um fato interessante e estimulante presente na comunidade virtual são os
comentários dos colegas da comunidade, que lêem os textos da adolescente, elogiam e
incentivam a jovem autora a continuar escrevendo. Alguns dos leitores chegam a
chamar a adolescente de “clone da Rowling”. É claro que também há algumas críticas
desfavoráveis, mas são poucas.
Um exemplo de busca e questionamento de identidade pode ser visto no
terceiro capítulo postado na mesma comunidade pela participante A. Nesta parte do
texto, ainda é abordado o relacionamento amoroso entre Harry Potter e Gina Weasley, e
Harry tem dúvidas sobre sua vida e sua importância no mundo mágico.
- Oi – Sussurrou baixinho no ouvido dela entregando-lhe a flor. Ela
sorriu, parecendo irradiar felicidade.
- Pensei que não viesse falar comigo. Ah, obrigada. A flor é linda, mas
hoje é o seu dia de ganhar presentes. – disse ela.
- Trouxe para compensar a demora, te deixei esperando muito?
- Bem... quando eu aceitei me tornar namorada de Harry Potter estava
ciente de que teria que dividi-lo com todo mundo.
- Por esse e outros motivos eu preferia não ser Harry Potter.
- Mas foi pelo Harry que eu me apaixonei. Não seria a mesma coisa
com outro.
- Então se eu não fosse “o menino que sobreviveu” ou “O Eleito”
como dizem, não estaria aqui comigo agora?
- Não é isso Harry. Não estou com você pelo que te rotulam e sim pelo
que você é. O que quero dizer, é que em parte as suas virtudes estão
ligadas à (SIC) tudo o que você já viveu. A coragem que tem em
enfrentar o que há de pior, a lealdade aos amigos... e por isso te
admiro tanto. Pouco me importa se você seja “O Eleito”, o que
importa pra mim é que você seja sempre “o meu Harry”. Estarei ao
seu lado, aconteça o que acontecer. – Ela lhe entregou uma pequena
caixinha vermelha em forma de coração. Ele abriu, lá estava um
cordão de prata com um pingente e nele estava gravado: “H & G”. O
pingente também se abria e dentro havia uma foto de Gina sorrindo,
linda como sempre. Ele observou o presente um tempo sem nada
dizer. Então ela falou:
49
- Espero que tenha gostado.O cordão é pra te proteger, te dar sorte e...
pra você não esquecer de mim nunca.
- De proteção e sorte eu vou precisar a partir de hoje. Mas quanto a te
esquecer... nem que apaguem minha memória vão conseguir tirar de lá
uma ruivinha que há muito tempo ocupa um lugar especial. – Ela o
abraçou, como se nunca tivesse feito isso antes.
O fato de Potter ser o responsável pela morte de Voldemort quando era um
bebê está presente neste trecho, assim como na obra de Rowling. Todavia, quanto mais
velho, mais o bruxinho parece detestar toda esta notoriedade, pois isto, aliado ao retorno
do Senhor das Trevas e dos Comensais da Morte, impede que ele tenha uma vida
tranqüila como qualquer adolescente. Esta resistência em aceitar seu papel é tão
evidente para o leitor de Harry Potter que, até mesmo quando é elaborada uma
fanfiction como esta, o assunto é abordado.
Outra fanfiction encontrada no Orkut, na comunidade Luna Fonteles,
intitula-se
“Tiago
Potter”,
o
pai
de
Harry
<http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=20648317>.
(Disponível
Acesso
em
07
em
de
novembro de 2006). Nesta fanfic, a participante B conta a história de Tiago desde que
ele era um garoto, sua amizade com Sirius Black e sua rotina na escola de magia. Este
texto é inovador, pois, durante a série Harry Potter, nunca se explorou profundamente
detalhes corriqueiros da vida do pai de Harry quando ele era apenas um adolescente em
Hogwarts: Rowling expõe apenas os acontecimentos relevantes à formação da
identidade de Harry, sendo que eram revelados esporadicamente e a muito custo durante
a sua obra.
Aos onze anos Tiago tinha os cabelos muito rebeldes. Era um menino
de cabelos negros e olhos castanhos. Também era muito curioso... Na
verdade sua casa que era muito interessante... Uma noite o sr. Potter
deixara a porta de seu escritório aberta ao sair apressadamente para
falar com a esposa. Era muito raro ela deixar a porta aberta, então
Tiago entrou sem perder tempo. Já estivera ali com a permissão do
pai, mas nunca sem ela. Seu pai deixara claro que ele não deveria
entrar ali sem permissão, mas qual seria o problema? Ele só queria dar
uma espionada. Viu em cima de uma cadeira uma capa que parecia ser
50
tecida de fios de água prateada. O que seria aquilo tão curioso? Tiago
andou em direção à capa, mas antes que pudesse tocá-la ela pulou para
trás fazendo um som horrível de madeira sendo lixada. Antes que
Tiago tivesse tempo de sair dali, sentiu uma mão em seu ombro.
- Filho, eu te avisei para não entrar sem minha permissão.
Mas o sr. Potter não castigou Tiago, apenas disse que o faria se aquilo
se repetisse. Ele admirava muito seu filho por sua criatividade e
curiosidade (até certo ponto). Lembrou de um dia que Tiago fez uma
chaleira sair voando pela janela cinco anos atrás. É claro que era
difícil esquecer tal coisa, uma vez que nunca mais acharam a chaleira.
Outra característica da fanfic da participante B é que é mostrada a juventude
dos atuais professores de Hogwarts. Neste texto, é exposta a inimizade entre Tiago
Potter e Severo Snape, que, no texto de Rowling, transfere este sentimento para Harry:
O malão tinha os dizeres S.S. Prince e dois garotos do primeiro ano
discutiam. Ambos estavam com uma expressão de puro desdém e
tinham os cabelos negros. Um tinha os cabelos mais longos e um rosto
pálido, com olhos negros e frios. A primeira impressão que Tiago teve
foi que aquele menino não tinha muitos amigos. Alem (SIC) do mais
tinha cara de quem comeu e não gostou. O outro garoto mesmo
discutindo tinha cara despreocupada e dava respostas frias. Também
tinha olhos negros, mas era charmoso.
Você vai pagar caro – disse o garoto pálido pegando a varinha – muito
caro, Black.
- Oooooo! Tá ficando corajoso, até me desafiou! – zombou Black
também pegando sua varinha.
O garoto pálido pulou em cima de Black, jogando sua varinha nos pés
de Tiago. Tiago apanhou-a e devolveu a Black. O garoto pálido olhou
Tiago com profundo desprezo.
- Obrigado, – disse Black a Tiago – mas mesmo sem varinha eu
poderia estraçalhar esse imundo!
O garoto pálido olhou para Tiago e disse:
- Sai daqui, você não tem nada que se meter!
- Cala a boca, Snape – retrucou Black – você ta (SIC) é com inveja
dele porque o seu cabelo é seboso e o dele não! Afinal, o que você faz
pra ser tão pegajoso nojento?
Snape fez um movimento brusco com a varinha, mas nada aconteceu.
Outros personagens, como Remo Lupin, Lúcio Malfoy, Pedro Pettigrew e o
pai de Goyle também se fazem presentes na história criada pela participante B. Os
feitiços proferidos pelos personagens, os nomes, os fatos, todos se encaixam
perfeitamente com a história ao longo da saga. A participante B apenas baseou-se nos
51
poucos episódios sobre a juventude desses personagens e criou sua própria versão. É o
adolescente fazendo sua leitura do texto e transformando-se em escritor.
Snape empalideceu, mas se virou para encará-lo.
- Não é da sua conta! Seu...
Mas antes de Snape terminar, o prof. Hokenwood vinha em direção à
(SIC) eles.
- Snape! Qual de vocês é o Snape? – Snape foi em sua direção – Ah,
bom. Venha cá, por favor. – e se afastou com Snape em seus
calcanhares. Sirius olhou para Tiago e perguntou:
- Será que o prof. Hokenwood também notou que o Ranhoso é um
covarde incapaz de montar numa vassoura?
Rindo, os dois acompanharam Lupim (SIC) em direção à entrada do
castelo. Pedro, o garoto gordinho que estava sempre correndo, passou
por eles, mas parou ao vê-los.
- Por favor, me ajudem! Lúcio jurou me mandar para a enfermaria em
forma de pó se eu não pagar a aposta.
- Afinal, que aposta é essa? – perguntou Lupim (SIC) – E por que
você
não
paga?
- Não tenho 10 galeões para dar a ele! – gemeu Pedro – Eu apostei que
o prof. Slughorn convidaria alunos da Grifinória para a “festinha”
dele, mas ele não convidou!
Ele se encolheu quando terminou de falar e se escondeu atrás de
Tiago. Tiago olhou para a frente e viu que um menino de cabelos
loiros e cara arrogante se aproximava.
- Sai daí, Pettigrew – disse o menino loiro – vem aqui, covarde!
Um garoto grande se aproximou.
- Deixa o Pedro em paz! – gritou Tiago.
- Ele me deve 10 galeões! Fizemos uma aposta e ele perdeu! Não saio
daqui até receber o meu ouro.
- Ah, vai sair sim. - disse Sirius começando a fechar a cara –
Expelliarmus!
O feitiço de Sirius atingiu Lúcio com tanta força que o derrubou no
chão. Ele se levantou e correu em busca da varinha e gritou para o
menino grande com cara surpresa:
- Faça alguma coisa, Goyle!
Goyle foi na direção de Sirius, mas Tiago gritou “petrificus totales” e
ele caiu no chão com os braços e as pernas juntas do corpo. Lúcio
recuperou a varinha e também gritou:
- Expelliarmus!
Um dos exemplos mais famosos de fanfiction no Orkut, entretanto, é aquela
intitulada Harry Potter e o segredo ancestral. A história, escrita pela participante C,
está
disponível
na
comunidade
Harry
Potter
Brasil
<http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=30890&tid=2432292015405326999>.
52
A comunidade contava com 248.863 participantes até o dia 05 de novembro de 2006.
Entretanto, constatou-se, no decorrer deste trabalho, que são poucos os participantes que
fazem contribuições escritas à comunidade. Todavia, aqueles que participam do fórum
fazem várias postagens diárias.
Capítulo Um – Luvas e Cartas
Harry revirou na cama, não conseguia dormir. Apertou o frasquinho
de “Inertie” na mão esquerda, abriu-o e tomou outro gole do líquido
transparente e amargo. Harry havia roubado isso no armarinho do
banheiro na casa do Dursley. Sua tia Petúnia sofria de insônia desde o
incidente com um berrador há dois anos e tio Valter comprava caixas
e mais caixas desse remédio para que ela conseguisse dormir
tranqüila. Harry gostaria de saber o porque (SIC) de tanta
preocupação, mais que isso, ele queria saber se ela conseguia
resultados com uma dose. Era o quarto frasco que Harry quase
esvaziara e ainda não tinha conseguido dormir. Contemplou o teto do
seu quarto escuro, iluminado apenas pela luz fraca da janela. Ele sabia
que o único lugar em que estava completamente protegido até
completar dezessete anos era ali na rua dos Alfeneiros Nº 4
Dumbledore
disse
isso
a
ele
no
ano
anterior...
Harry sentiu um aperto no peito, era duro pensar em Dumbledore
quando há apenas duas semanas estava velando seu corpo nos terrenos
de Hogwarts, sua ex-escola de magia. Os professores tentaram
impedir que a fechassem, mas o Ministério advertiu que isso seria um
grande perigo para todos os alunos e proibiu o começo do que seria o
último ano letivo de Harry. Ele tentou não pensar em mais nada
relacionado à antiga escola, que lhe trouxera as melhores lembranças
de sua vida. Foi lá que aprendeu magia, foi lá que conheceu seus
melhores amigos, Ron Weasley e Mione Granger, foi lá que descobriu
mais sobre seus pais, foi lá que ele salvou a pedra filosofal, que salvou
Gina...
Esta fanfic já apresenta uma versão diferente daquela escrita pela
participante A: aqui, Hogwarts foi fechada. Entretanto, a angústia provocada devido à
morte de Dumbledore é um tema mantido em ambas as histórias. Na verdade, as autoras
das fanfictions escreveram sobre a impressão que têm do que acontecerá no próximo
livro de Rowling; como não há certezas sobre o futuro da escola de magia, é possível
explorar várias possibilidades. O que é certo é apenas o fato de haver muito pesar pela
perda de Dumbledore, além de muitas dúvidas e esperanças dos leitores com relação à
53
morte do grande bruxo. Existem vários fóruns de discussão em muitas comunidades
sobre este assunto, e um deles faz parte da comunidade AD – Armada de Dumbledore
(disponível em <http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=158175>. Acesso em
07 de novembro de 2006). No tópico intitulado “Dumbledore vivo, Snape aliado,
Londres sitiada!!!” existem cerca de 28 postagens debatendo esta questão. O
participante D, por exemplo, mostra suas teorias:
Apenas 3 koisas (SIC), breves e rápidas: - Dumbledore não morreu,
foi um plano com Severo, para ele ganhar a confiança de Voldemort
novamente; - Severo é um aliado e espião de Dumbledore; - Todo o
mundo trouxa irá descobrir a existência do mundo Mágico, e haverá
uma verdadeira guerra bem no meio de Londres, com direito ao
Parlamento e o Big Bang com imagem de fundo. (SIC)
Entretanto, a teoria é contestada imediatamente por alguns integrantes da
comunidade, a exemplo dos participantes E e F, respectivamente:
Teoria sem argumentos nem rola, embora tambem eu duvide de q
algum argumento me convença dessas 3 teorias! Mas posta ai se vc
tiver, quem sabe aparece algo diferente daquelas q to cansado de
ouvir.
São improváveis, mas eu gostaria que fosse assim... principalmente a
terceira... Mas tipo, ficar especulando é legal, até porque pode se
descobrir alguma coisa. Mas não tem como saber... As suas duas
primeiras expeculações (SIC) já foram feitas várias vezes feitas e há
um racha de opniões. Na minha opnião (SIC): 1. Dumbledore morreru
(SIC) 2. Snape é do bem 3. Improvável, mas empolgante...
Outra fanfic, escrita pela participante G, que, segundo ela própria, desistiu
de esperar pelos capítulos finais da história da participante C e então resolveu escrever a
sua própria, foi intitulada Harry Potter e o salvamento improvável, disponível em
<http://www.orkut.com/CommTopics.aspx?cmm=3241507>, na comunidade Harry
54
Potter Fan-Fic, com cerca de 954 membros até 07 de novembro de 2006. Até esta data,
haviam sido postados três capítulos.
Na fanfiction, pode-se ver mais um exemplo da criatividade do leitor de
Harry Potter: a jovem autora criou Júlia, sua protagonista e filha de Harry e Gina. A
menina, então com onze anos, é apanhadora de quadribol como o pai e começa o seu
primeiro ano em Hogwarts, onde seus pais são professores. Harry, além de professor,
ocupa o cargo de vice-diretor, que antes era de Minerva McGonagall. Na história, Draco
Malfoy é casado com Pansy Parkinson, ambos ex-alunos de Hogwarts da casa de
Sonserina. Ironicamente, seu filho chama-se Adolf, provavelmente uma alusão que o
autor faz ao ditador nazista Adolf Hitler, demonstrando a visão pouco agradável que ele
tem do casal.
Com um toque shakespeariano, o autor adolescente narra uma provável
paixão entre Júlia e Adolf, filhos de famílias inimigas.
Já dentro do trem Adolf, Júlia e Felipe ocuparam um vagão, mas
Felipe foi chamado pelo Angel para ir rapidamente no vagão deles.
- Então, quer dizer que você é uma ótima apanhadora?
- Eu não me acho, mas os meus primos dizem que sim.
- Eu sou razoavelmente melhor no gol...
- Então espero que ano que vem entremos para o time de nossas
casas...
- Soube que seu pai entrou no time da Grifinória no 1° ano...
- Sim, como apanhador também.
- Então o talento vem do sangue?
- Acredito que sim
- O meu era horrível...Mas sempre se vangloriou de ter vencido o seu
pai...
- É, mas o meu pai tinha sido derrubado por dementadores...
- O meu pai nunca tinha me dito essa parte - disse Malfoy rindo
(...)
- Deixa que eu arrumo isso- E Júlia murmurou algo em que fez o fogo
cessar.
- Nossa você é boa nisso...- Disse Malfoy
- Obrigada - Disse Júlia corando até a cor de seus cabelos escarlates...
- Bom...Acho que chegamos...Temos de mudar de roupa...Hei porque
eu já estou de roupa – E olhou para Júlia que esta ela (SIC) ficou
realmente muito vermelha...
55
Já em Hogwarts eles fizeram a fila para a entrada do salão principal. E
então viu-se ao longe o Harry com o chapéu seletor na mão e a lista.
- Meu pai é o vice-diretor!
É interessante como os leitores adolescentes de Harry Potter se preocupam
em mostrar o lado sentimental do bruxinho. Todas as fanfics transcritas fazem menção,
de uma maneira ou de outra, a relacionamentos, tanto amorosos como de amizade, o que
é também uma preocupação comum aos adolescentes em plena descoberta de um
mundo completamente novo, cheio de novidades. A continuidade do último livro é
também abordada, mas não com tanta intensidade quanto os relacionamentos. É mais
comum encontrarmos tópicos com comentários sobre possíveis versões sobre a
vingança de Harry contra Voldemort do que fanfictions com capítulos inteiros como foi
transcrito anteriormente.
Na Fanfic coletiva, também disponível na comunidade Harry Potter Fan-fic
<http://www.orkut.com/CommTopics.aspx?cmm=3241507>, há mais um tópico que
comprova a preocupação em escrever sobre Harry Potter, porém, os participantes
parecem mais interessados em definir quem serão os casais no final da saga. O nome do
tópico é “Vamos escrever uma fic” (acessado em 07 de novembro de 2006), e nele há
mais debate do que narrativa propriamente dita:
É o seguinte cada um coloca um pedaço dai a gente escreve uma fic...
blz, vou começar...
***
A festa de casamento ainda rolava na Toca. Harry saiu um pouco da
festa pra dar uma volta pelos terrenos, ele estava um pouco irritado
pelo fato de Gina ter o perseguido o dia todo, ele simplesmente nao
gostava mais dela, e tambem poruqe Hermione nao falou direito com
ele, ela estava radiante como no dia do baile de inverno no quarto
ano... (Participante H) (SIC)
ele estav apenas sentindo a brisa em seu rosto e em seus cabelos,
adorava fazer isso.
-ah, esta aqui harry! - disse um voz fina e invergonhada. era gina.
-ah, ola gina! - disse harr sem ao menos virar para olha-la.
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-por que saiu da festa esta tao legal? - disse ela tentnado olha-lo mais
visivelmente harry estava evitando seu olhar.
-me desculpe gina, nao quero ser chato e nem te deixar chateada, mas
poderia me deixar sozinho, pelo menos aqui fora? - perguntou harry
olhando para ela corando ligeiramente.
-ah ta desculpe - disse gina se virando e voltando para o casamento.
harry nao sabia mais oq ai fazer de sua vida, ele estava preucupado
com sua vida, nao tinha mais a dumbledore, nem a sirius, apenas a
rony e mione, que eram seus unicos amigos e companheiros.
adorei a ideia viu amada!!! muito boa (Participante I) (SIC)
Não gostei muito de harry com mione mais tudo bem!!!!
Daí a mione Chegou...... (Participante J) (SIC)
...- Harry, está tudo bem? voce saiu da festa sem falar nada, Hermione disse,
Harry sentiu um calafrio passar por seu corpo, quando viu que
Hermione se aproximava dele com um sorriso irresistivel...
(Participante H) (SIC)
o.o harry com mione?? nao... seis qeurem fazer assim? eu nao concrdo
nao gosto desse casal nao o.o' aushaushuauashuhs (Participante I)
(SIC)
Os escritores das fanfictions sobre Harry Potter focam seus textos em
detalhes mais corriqueiros, que não são revelados por J. K. Rowling; na verdade, a
autora os deixa implícitos ao longo da obra. Entretanto, os leitores de Harry Potter estão
tão ávidos por respostas e por mais informação que parecem querer compensar esta
lacuna produzindo textos e especulando com os colegas de comunidades as muitas
possibilidades que cada teoria apresenta.
CONCLUSÃO
A informação, a educação e a leitura estão diretamente relacionadas. Não
apenas a leitura feita em obras literárias forma opiniões. A internet, os jornais e as
revistas também são instrumentos que disponibilizam a leitura, uma vez que há a
interpretação daquilo que se lê, e muitas vezes a própria internet ajuda de maneira muito
eficaz na formação do leitor adolescente, como é o caso dos exemplos de fanfictions
sobre Harry Potter presentes nas comunidades do Orkut em que foi feita esta pesquisa.
Vivemos em mundo conturbado, repleto de máquinas que “pensam” por
nós, e também por isso o ato de ler é encarado negativamente pelos adolescentes: alguns
o repudiam por ser “chato” ou “uma perda de tempo”. Porém, muitos deles realmente
apreciam as horas dedicadas à leitura, conscientes de que é um caminho para
conhecimento e conquistas na sociedade.
Durante a realização deste trabalho, foi possível o acesso a todo tipo de
informação e a todo tipo de pessoa por meio do Orkut. Existem inúmeras pessoas,
principalmente adolescentes, que têm muita curiosidade de saber detalhes corriqueiros
relacionados ao bruxinho que outrora era alguém muito maltratado por sua família, mas
que na verdade é muito poderoso e corajoso. Os leitores adolescentes de Harry Potter
vivem intensamente as aventuras de Harry, e a seriedade com que lêem os textos de J.
K. Rowling os levou ainda mais longe, estimulando seu senso crítico e sua curiosidade,
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o que fez com que eles, através de sua própria leitura da história, se tornassem bons
escritores, algo raro hoje em dia.
A leitura é um tanto repelida por muitos adolescentes, principalmente
aqueles que estão ainda na escola, pois muitas vezes os próprios professores não sabem
lidar com esta ferramenta fundamental de trabalho que é o texto. Não se ensina ninguém
a gostar de ler, mas é possível mostrar que os textos não servem apenas para se aprender
gramática, mas que, através deles, pode-se “voar” para muito longe sem sequer sair do
lugar. Basta querer. Basta imaginar. Basta ler.
Neste contexto de rejeição à leitura por parte dos adolescentes, Harry Potter
conquistou os jovens leitores porque eles começaram a se identificar com a história e
seus personagens, uma vez que os sentimentos, alegrias e aflições pelos quais os bruxos
passam qualquer pessoa também enfrenta. Todos têm bons e maus momentos, suas
crises, suas angústias, suas dúvidas, principalmente os leitores adolescentes que
comparam e questionam suas vidas através da história de Potter. E, como no mundo
criado por J. K. Rowling existem ainda a magia e os elementos fantásticos ligados a ela,
como poções, feitiços, animais mitológicos e lendários, vassouras voadoras,
dementadores, por exemplo, aumenta o fascínio dos adolescentes pela história.
Uma das principais questões que motivaram este trabalho foi o que leva os
adolescentes a passarem horas diante de um computador acessando fóruns de
comunidades no Orkut discutindo e escrevendo histórias sobre Harry Potter. A resposta
para a esta indagação é justamente o fato de eles se identificarem com aquilo que lêem
nas histórias de J. K. Rowling. Assim como Harry e seus amigos, os adolescentes têm
muita dificuldade em expressar suas carências, seus problemas, seus sentimentos, que
parecem surgir como um turbilhão de fatos e informações que antes pareciam não
existir em suas vidas. De repente, como em um passe de mágica, é preciso saber lidar
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não só com a família e a escola, mas também com outros problemas, principalmente os
de ordem amorosa, que parecem estar à flor da pele. E, por mais informação que se
tenha disponível sobre este assunto, parece nunca ser o bastante para que todas as
dúvidas e anseios sejam devidamente sanados e explicados. Então, num piscar de olhos,
estes adolescentes, tão necessitados de respostas, encontram, em uma história, algo com
que possam se identificar e pessoas com os mesmos problemas que eles têm. É
principalmente disto que vem toda a força de Harry Potter: da capacidade que a autora
tem de explorar os medos, anseios e dúvidas de seus personagens para tornar seu texto
ainda mais interessante. Foi possível reconhecer e refletir sobre todo esse interesse
principalmente durante a leitura e análise das fanfictions escritas pelos leitores
adolescentes no Orkut. Nas fanfics transcritas ao longo deste trabalho, pôde-se perceber
o quão criativos os leitores adolescentes podem ser desde que bem estimulados através
de uma história com a qual se identificam. Idéias e críticas muito boas surgiram das
jovens mentes por causa da união Harry Potter e Orkut, e isto não pode ser
desperdiçado.
A popularização da internet e o surgimento das comunidades virtuais como
o Orkut muito facilitaram não somente o desenvolvimento das relações interpessoais,
mas também a capacidade de se expressar livremente, sem timidez. Sem haver
necessidade de revelar nomes e endereços, os internautas têm acesso a uma gama de
informações variadas que em muito corroboram para seu desenvolvimento e formação.
Através das comunidades do Orkut, pode-se descobrir mais sobre si mesmo e sobre seus
amigos, além de poder expressar sentimentos, ter dúvidas sanadas e até ajudar a quem
precisa. A tecnologia é também uma nova maneira de encarar o vasto mundo cheio de
necessidades que a cada dia aumentam. Ferramentas como o Orkut, que nos proporciona
tantas coisas, podem e devem ser usadas a nosso favor. O incentivo ao ato de ler, a
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escrever a fanfictions, a debater Harry Potter e à busca da identificação com os textos é
apenas um pequeno exemplo das amplas possibilidades a que poderíamos ter acesso.
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