Revista do MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
Nº 5 - Junho 2008
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Mais
Alimentos
com Mais
Qualidade
Í
N
D
I
C
E
6
DESENVOLVIMENTO 8 Produtividade no leite
SOCIOECONÔMICO 16 Aposta na avicultura
20 Conceito agroecológico
E AMBIENTAL
24
REFORMA
AGRÁRIA E
ACESSO AOS
RECURSOS
AMBIENTAIS
26 Fruticultura em alta
32 Dessalinização da água
36 Cura pela natureza
38
QUALIDADE
DE VIDA NO
BRASIL RURAL
40 Conquista dos palcos
46 Bibliotecas rurais
50 Instrumentos reciclados
54
PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA E
ORGANIZAÇÃO
SOCIAL
56 Trabalhadoras organizadas
62 Autonomia produtiva
66
ARTIGO Resposta às crises
TERRA DA GENTE
JUNHO DE 2008
Publicação especial do Ministério do Desenvolvimento Agrário/Incra
Circulação Nacional
Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário: Guilherme Cassel
Secretário Executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário: Daniel Maia
Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra: Rolf Hackbart
Secretário de Agricultura Familiar: Adoniram Sanches Peraci
Secretário de Reordenamento Agrário: Adhemar Lopes de Almeida
Secretário de Desenvolvimento Territorial: Humberto Oliveira
Coordenador de Comunicação Social/MDA: Luiz Felipe Nelsis
Coordenador de Jornalismo/MDA: Ricardo Schmitt
Coordenadora Administrativa/ASCOM/MDA: Marcela Silva
Chefe da Assessoria de Comunicação/Incra: Chico Daniel
Editor: Géssica Trindade
Reportagens e textos: Caroline Drummond, Clarita Rickli, Cristiane Santiago, Daniel Pereira,
Débora Azevedo, Jucimeire Costa, Juliana Caldas, Lúcio Mello, Maísa Cardoso, Manoela Frade,
Marina Koçouski, Palova Brito, Sarita Coelho, Telma Peixoto e Virgínia Rodrigues
Fotos: Ubirajara Machado, Tamires Kopp, Cooperativa Grande Sertão e Arquivo CAA
Banco de Imagens: Cleiton Parente
Planejamento Gráfico: Caco Bisol
Impressão: Fórmula Gráfica
Nossos agradecimentos ao Projeto Dom Helder Câmara e à Funai/Chapecó
Mais informações: www.mda.gov.br
Ministério do
Desenvolvimento Agrário
A P R E S E N T A Ç Ã O
O Brasil rural
que já temos e
o Brasil rural
que queremos
A busca por um desenvolvimento rural sustentável,
capaz de suprir as necessidades da geração atual sem
comprometer a capacidade de atendimento às necessidades das futuras gerações, é um desafio constante do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo é que o Brasil rural seja extremamente
produtivo em alimentos e que os princípios da diversidade, igualdade, inclusão, solidariedade e sustentabilidade estejam de fato presentes no trabalho no campo.
Para ser alcançado, depende de planejamento e do reconhecimento de que os recursos naturais são finitos.
E de que desses recursos depende não só a existência
humana e a diversidade da fauna e da flora, mas também o próprio crescimento econômico do País.
O propósito do MDA ao priorizar o tema desenvolvimento rural sustentável e solidário é o incremento e
a aplicação de políticas públicas integradas para a agricultura familiar, permitindo que o meio rural seja um lugar para se viver dignamente. Para isso, é necessária a
presença mais efetiva do Estado e da sociedade civil organizada, criando-se mecanismos ágeis, desburocratizados e transparentes para garantir o pleno acesso aos
direitos definidos pela Constituição Federal.
Nessa diretriz, foi lançado em fevereiro de 2008 o
Programa Territórios da Cidadania, para que os lugares
com maior pobreza rural tivessem prioridade na distribuição de recursos e na execução de obras. Dezenove Ministérios estão empenhados nesta ação, que
incide nos locais com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e menor dinamismo econômico. Hoje, são 60 Territórios da Cidadania em pleno funcionamento no País, com espaço para debates entre os
diferentes âmbitos governamentais e a sociedade civil,
e espaço para definições do que se pretende inclusive
a curto prazo.
A P R E S E N T A Ç Ã O
É por ouvir o que a população rural precisa para
produzir mais alimentos e com qualidade, gerando renda e expandindo a prática da diversificação de culturas,
que o Governo Federal está destinando R$ 13 bilhões
para o Plano Safra da Agricultura Familiar 2008/2009 e
mais R$ 200 milhões para a assistência técnica. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) mudou justamente para atender melhor
os agricultores e agricultoras familiares, assentados da
reforma agrária, extrativistas, ribeirinhos, silvicultores,
pescadores artesanais, integrantes de comunidades
quilombolas ou indígenas. Mudou para que ninguém
deixe de retirar o seu Pronaf por desconhecer as regras nas quais se enquadra.
Mais alimentos
No contexto atual, em que a crise na produção dos
alimentos passou a centralizar discussões no mundo
inteiro no primeiro semestre de 2008, um novo desafio se interpôs ao Brasil. Somada à preocupação em
desenvolver o campo de forma cada vez mais rentável e sustentável, o Governo Federal se antecipou na
busca de soluções para o atual problema que o mundo vive: o drástico aumento de preços e a escassez na
oferta de alimentos. É uma crise que coloca em cheque o modelo de produção e abastecimento em todo
o planeta, mas à qual o nosso País tem condições de
pronta resposta.
É por isso que o MDA elaborou o Programa Mais
Alimentos, com o foco na impulsão ao segmento produtivo que pode ampliar mais rapidamente sua produção e sua produtividade: a agricultura familiar. Nele, o
Pronaf passa a contar com uma nova linha de crédito
de até R$ 100 mil para beneficiar um milhão de pro-
4 TERRA DA GENTE
dutores rurais até 2010. Essa é uma aposta a médio
prazo que visa reestruturar inteiramente a produção
nas propriedades rurais, impedindo que fiquem suscetíveis a oscilações como a dos preços e a gargalos
no fornecimento.
É uma iniciativa que prevê um redesenho da assistência técnica e extensão rural brasileira e o incentivo à mecanização no campo. A equipação com 60 mil
tratores e milhares de outros implementos agrícolas
é a meta em dois anos. Para tanto, houve um acordo
com a cadeia produtiva de maquinário que prevê a redução de preços praticados com a agricultura familiar.
O desconto será de 15% – o que representa a diminuição de R$ 10 mil, por exemplo, na compra de um trator de 75 cavalos.
A ampliação da capacidade de armazenagem nas propriedades rurais e nas cooperativas também é projetada,
além do investimento em sementes, genética animal e
melhoria da qualidade das pastagens para que o homem
e a mulher no campo obtenham melhor rendimento.
A perspectiva com o Programa Mais Alimentos é de
que a agricultura familiar produza um excedente de 18
milhões de toneladas, em especial no leite, milho, feijão, arroz, mandioca, trigo, aves, café e frutas. Os 4,1
milhões de estabelecimentos de agricultores e agricultoras familiares contribuem, atualmente, com 56% do
leite, 67% do feijão, 89% da mandioca, 70% dos frangos e 75% da cebola produzidos no País, entre muitos outros produtos. Na média, a agricultura familiar
é responsável por 70% dos alimentos que chegam à
mesa dos brasileiros.
O Brasil reúne condições para expandir a produtividade especialmente na agricultura familiar e um exemplo disso é o do leite. Enquanto nos Estados Unidos um
animal produz 9,4 toneladas de leite por ano, no Brasil produz 1,7. Apenas na cadeia leiteira, cuja produção
atual nas propriedades familiares é de 5,5 milhões de
toneladas a cada ano, a previsão de incremento com o
Programa Mais Alimentos é de 28% até 2010. Por esse
motivo, a aposta na agricultura familiar.
Anos de trabalho
São diversas as causas da crise alimentar mundial.
O Brasil, no entanto, tem os seus efeitos muito atenuados. O MDA vem desenvolvendo estratégias de fortalecimento da agricultura familiar, como a ampliação incessante do crédito do Pronaf; a criação de seguro de
clima e de preços; o alcance da assistência técnica a
dois milhões de famílias de agricultores familiares e assentados da reforma agrária; a inclusão de 100 mil famílias na cadeia do biodiesel.
Ao mesmo tempo, o Governo Federal vem desenvolvendo e estruturando uma política nacional de segurança alimentar articulada em torno do Programa
Fome Zero. Nesse período, também foram criados dispositivos legais, como a Lei da Agricultura Familiar e
a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional.
Ambas estabelecem as diretrizes para a formulação de
uma política nacional de fortalecimento do segmento produtivo.
A solução para garantir a segurança alimentar e a
estabilização dos preços internos passa por esse conjunto de medidas estruturais. A oferta suficiente de alimentos se consegue com o fortalecimento da agricultura familiar e com uma reforma agrária que garanta a
distribuição mais justa de terras para serem usadas na
produção alimentar. Este é o objetivo do MDA e do Incra: terra para quem quer trabalhar, mas com manejo
sustentável, com a redução do desmatamento ilegal e
com conscientização ecológica.
Conferência Nacional
Todos esses avanços e desafios ganharam espaço
de debates e definições em um evento preparado para
gestar novas idéias e novas políticas públicas: a I Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (I CNDRSS), em Olinda (PE), em junho
de 2008. O intuito de promover essa discussão articulada entre os movimentos sociais, representantes de órgãos governamentais e organizações não-governamentais (ONGs) foi a possibilidade de ampliar ainda mais os
horizontes da agricultura familiar.
O Brasil rural que temos ainda não é o Brasil rural
que queremos. Mas já tivemos avanços com a eliminação paulatina de favelas rurais e a aposta na qualidade
de vida, com pessoas trabalhando e produzindo mais
alimentos, garantindo a preservação do meio ambiente e inseridas no projeto de desenvolvimento socioeconômico do País – essa é a agricultura familiar que está
estampada nas páginas seguintes. Queremos mais. Por
esse motivo e para congregar tantos sotaques Brasil
afora, a I CNDRSS foi precedida por conferências territoriais e estaduais, desde o final de 2007, a fim de que
desses encontros se extraíssem diretrizes para conquistar tudo o que queremos no Brasil rural.
Não é pouco o que se quer, só que, depois dos avanços obtidos, já não é possível traçar um projeto de futuro para o País sem incluir a agricultura familiar e a reforma agrária nesse debate. Esses atores sociais do campo
abandonaram a figuração para se tornar cada vez mais
protagonistas do desenvolvimento nacional. Conheça
nas próximas páginas alguns desses protagonistas.
TERRA DA GENTE
5
DESENV0LVIMENTO
SOCIOECONÔMICO E AMBIENTAL
Agricultura familiar produz cada vez mais
D E S E N V 0 LV I M E N T O
SOCIOECONÔMICO
Produtividade no leite
Há um lugar onde a agricultura familiar brinda com leite o desenvolvimento econômico. Seu nome é
sugestivo: Jóia. Nesse município na
região Noroeste do Rio Grande do
Sul, agricultores familiares e assentados da reforma agrária decidiram
transformar o tapete verde onde reinava a soja em campos povoados por
vacas holandesas, jersey e gir leiteiras. Em vez de padecer sob intempéries climáticas, que vinham se agravando, preferiram apostar na renda
semanal e certeira com a produção
de leite. É nessas colinas que hoje
uma vaca chega a render 40 litros em
um dia de ordenha, enquanto a média nacional é de 3,27 litros.
Essa transformação de paisagem
e mentalidade é protagonizada por
gente como Roni Machado Escobar,
41 anos, sua mulher Elonara, 36, e a
filha, Priscila, 18, que, apesar da idade, também é perita no manejo com
ordenhadeiras mecânicas. Às 5h, faça
chuva, sol ou geada, a família parte
8 TERRA DA GENTE
Roni e Elonara Escobar aprenderam sobre a genética das terneiras e a lucrar mais com o manejo
para o batente. São 10 hectares com
45 cabeças de gado. As fêmeas produzem 460 litros de leite todos os
dias. A família Escobar ainda cultiva milho e pastagens de verão para
o gado em outros nove hectares. Impressiona a alta produtividade em um
espaço tão reduzido.
“Nasci e cresci neste lugar. Meu pai
sempre plantou soja, chegou a ter 500
hectares. Entre 1982 e 1985, se deu mal.
Perdeu muito”, recorda Roni, que já o
ajudava na lavoura. Vendo tanto prejuízo, o filho passou a questionar a prática da monocultura. Na época, começava a brotar em municípios com forte
alimentos
influência rural, como Jóia, o conceito
da diversificação. “Quando casei, há 19
anos, só tinha uma vaca. E não era de
leite. Eu vivia de domar cavalos e, de
cada doma, comprava mais uma vaca. E
ia tirando o leite, porque acreditei”.
Era um tempo em que Roni pilotava um Fusca. Depois de casados,
ele e Elonara jamais voltaram a morar na cidade. Encamparam juntos a
batalha pela valorização do trabalho
no campo. A evolução dos veículos
motorizados na garagem de casa, na
localidade de São João Mirim, prova
o quanto frutificou essa aposta. Há
cinco anos, já tripulavam um Gol. Há
dois anos, retiraram o Pronaf C para
investimento em uma ordenhadeira
canalizada direto para o resfriador de
leite, e em mais cinco novilhas. Agora,
andam a bordo de uma F-1000.
“Tem gente que diz: ‘Tirar leite é
uma escravidão’. Mas não é, basta
gostar de trabalhar. No nosso futuro, me vejo assim: tirando leite e ganhando bem. Ir para a cidade? Nem
pensar!”, garante Elonara. Faça vendaval ou estiagem, seus planos não
os distanciam do leite. “Se dá uma
seca, com soja precisamos três anos
para nos recuperar. Com leite, seis
meses. Se a pessoa está organiza-
RIO GRANDE DO SUL
Porto Alegre
Jóia, RS
da, com silagem, se recupera fácil,
fácil”, completa o marido, que passou a investir na genética das terTERRA DA GENTE
9
SOCIOECONÔMICO
D E S E N V 0 LV I M E N T O
Luz no caminho
Sebastião Oneide Machado Silva recebe a visita do presidente da Coopermis, Carlos Deniz Lima, com uma lista de
dúvidas na ponta da língua. Troca idéias
sobre obras no galpão de ordenha, discute a produtividade das vacas e traça
planos, muitos planos. Aos 44 anos, sequer lembra o agricultor familiar que perdeu uma vaca leiteira, animal que custa
aproximadamente R$ 2 mil naquela região, por deixá-la comer milho em demasia. “Quando eu ia imaginar isso?”,
indaga, sem nostalgia de um tempo no
qual apostava no escuro, sem conhecer
ao certo como era o manejo.
Não faz tanto tempo assim. Foi em
2003. Silva vivia literalmente às escuras. Nos 11 hectares e meio de sua propriedade, em Jóia, sequer tinha acesso
à energia elétrica. “Nesta casa, morei
três anos sem luz. Foi muito sofrido. Levava o gado todo o dia para tirar leite
na casa do meu pai, andando por meia
hora na madrugada, no gelo. Plantava
para comer, a vida era empatada. Me
desacorçoei”, desabafa.
Essa história teve uma reviravolta
na aplicação simultânea do Pronaf, do
MDA, e do Programa Luz para Todos,
do Ministério de Minas e Energia. Com
os R$ 6 mil retirados no Pronaf C, Silva
investiu em vacas e em um galpão. Com
a chegada da luz elétrica, em 2006, deu
adeus aos tempos de privações. “Enfim,
deu pra ter uma geladeira, uma ordenhadeira e um resfriador de leite”, conta, fazendo questão de apresentar uma
por uma dessas suas conquistas.
10 TERRA DA GENTE
Pedro, Vagner e Marilise são uma família-modelo em diversificação
neiras e rebatizou a propriedade de
Agropecuária Escobar. “É mais glamour”, brinca ele.
Impulso à produção
Diferenciado por propiciar renda semanal aos produtores, o leite
foi um dos principais alvos de políticas públicas do MDA nos últimos
anos. Dos R$ 12 bilhões destinados
ao Plano Safra da Agricultura Familiar 2007/2008, a estimativa é de que
R$ 1 bilhão tenha sido empregado em
custeio ou investimento para a cadeia
leiteira.
Essa preocupação reflete-se, em
Jóia, no aparelhamento da Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores
Mas de acordo com o regramento do
Mercosul, o Brasil poderia destacar 100
produtos com tarifas de importação diferenciadas (produtos mais sensíveis às importações). Onze produtos lácteos passaram, então, a ter tarifa de 27% para
importações de fora do bloco.
Com a aplicação do atual nível tarifário, as importações de lácteos de fora
do Mercosul, que representavam 60%
do total em 1995, passaram para 15%
em 2006. Isso quer dizer que a tarifa de
exceção influenciou de forma decisiva
redução das importações advindas de
países que subsidiam a produção de leite. Agora o MDA trabalha para que esse
nível tarifário seja transformado em tarifa definitiva, e não mais como uma solução provisória.
Conheça ações do Governo Federal
na cadeia produtiva do leite
A) Programa de Garantia de Preços
para a Agricultura Familiar (PGPAF)
O PGPAF é um seguro de renda
que garante o custo de produção do
agricultor(a) familiar quando os preços
de mercado estiverem abaixo do custo
de produção. O limite é de R$ 3,5 mil
por produtor ao ano.
B) Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf)
Utilizando a linha de crédito Pronaf
Agroindústria, é possível comprar equipamentos, inclusive para as agroindústrias leiteiras. Essa linha de crédito oferece recursos para investimento tanto de
forma individual quanto por meio de cooperativas e associações que visem beneficiar ou industrializar sua produção.
Entre as cooperativas que queiram
financiar equipamentos para processa-
mento e industrialização do leite, o enquadramento deve ser de 70% de cooperados com Pronaf – e esses devem
representar 55% da produção para que
se acesse a modalidade Agroindústria.
O novo limite é de R$ 28 mil por agricultor. O Pronaf Agroindústria pode ser
utilizado para custeio, com taxa de juros de 3% ao ano. Caso seja retirado
para investimento, a taxa de juros varia
de 1% a 2% ao ano.
C) Consolidação da Tarifa Externa
Comum de 11 produtos lácteos
O MDA tem trabalhado de forma decisiva na consolidação da Tarifa Externa Comum (TEC) para 11 produtos lácteos de
maior importância, considerados produtos especiais. Com o início das negociações do Mercosul, em 1995, foram estabelecidas tarifas de 14% e 16% para os
produtos importados de fora do bloco.
D) Programa de Assistência
Técnica e Extensão Rural (ATER)
O Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater) está trabalhando nos princípios da Política
Nacional de ATER (Pnater), que são:
promoção do desenvolvimento rural sustentável, estímulo à adoção dos
princípios da agroecologia, capacitação
dos agricultores e multiplicadores regionais, dentre outros, sempre com vistas
ao fortalecimento da agricultura familiar, inclusive do setor leiteiro.
E) Incentivo à Produção e ao
Consumo do Leite (PAA/Leite)
É uma modalidade do Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA), executada pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, criada para
possibilitar o consumo de leite pelas famílias que se encontram em estado de
insegurança alimentar e nutricional e,
também, para incentivar a produção familiar. O PAA/Leite é operacionalizado
por meio de convênios entre os governos federal e estaduais.
Para participar desse programa, o
produtor deve: produzir no máximo
100 litros de leite por dia (mas, atenção, a prioridade será para os que produzam até a média de 30 litros/dia);
possuir Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP); realizar a vacinação dos animais; e respeitar o limite de recebimento semestral de R$ 3,5 mil por produtor
beneficiado.
TERRA DA GENTE
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SOCIOECONÔMICO
(Coopermis). A cooperativa, que recolhe a cada mês 500 mil litros de leite de 250 agricultores familiares e assentados – eles estão espalhados por
cinco municípios da região –, estreou
em junho de 2008 mais um caminhão
com capacidade para nove mil litros,
com recursos do MDA.
Há outros dois caminhões já operando desde 2007, de nove mil e de
quatro mil litros de capacidade, também obtidos com auxílio do Ministério. Um Fiat Strada serve como
suporte à assistência técnica. Esse investimento recente do MDA nos quatro veículos e em um convênio com
a Universidade Regional do Noroeste
do Estado (Unijuí) para a capacitação
produtiva chega a R$ 400 mil.
Autonomia no campo
A organização dos agricultores familiares locais na cooperativa remonta
a 1999. No começo, eles eram apenas
24. Ao obter cada vez mais lucros, atraíram a atenção da vizinhança, como a
dos Hickembick. “Há cinco anos, comecei a produzir o meu leite. Foi a necessidade que me levou a isso. O que
sei é que, se não estivesse trabalhando com leite, com certeza seria agora um empregado na propriedade dos
outros”, diz Ricardo, 40, enquanto pastoreia suas 26 cabeças de gado pelos
32 hectares da propriedade.
Ao aderir à produção leiteira, depois de sucessivas tentativas de lucro com a plantação de soja em pequenos espaços, ele conheceu o
significado da palavra empreendedorismo. Há dois anos, retirou R$
18 mil no Pronaf, para investimento, de olho no crescimento do rebanho. Comprou um trator para facilitar a lida com a pastagem do gado
e mais nove vacas. Até essa época,
Com a conjunção do Pronaf e do Luz para Todos, Sebastião Oneide Silva melhorou a qualidade de vida
12 TERRA DA GENTE
Feijão com biodiesel
No final de maio, quando termina
o período de chuva, a colheita do feijão
tem início no Assentamento Santa Terezinha, no município de Itatira, a 173 quilômetros de Fortaleza. O alimento serve para o consumo das 46 famílias que
ali vivem, no Sertão do Ceará, e fica estocado até a safra seguinte. Mas no roçado, ao lado do grão que nutre as famílias, cresce um outro tipo de arbusto.
Com seus galhos retorcidos e frutos rodeados de espinhos, a mamona, matéria-prima para a produção do biodiesel,
hoje representa forte incremento na renda dos assentados. Eles, que também vi-
vem da venda de milho, mel e banana,
passaram a somar ganhos de cerca de
R$ 200 mensais depois de assinar contrato de fornecimento da oleaginosa com
usinas produtoras do biocombustível.
Interessante nessa paisagem é que
a mamona não exclui a produção de
alimentos. Esse é um ‘casamento’ incentivado pelo MDA. Ao assinar contrato com a Petrobras para a venda da
matéria-prima, em dezembro de 2007,
o assentado Francisco Antônio da Silva, o Louro, 37, recebeu da empresa
sementes selecionadas e reconhecidas
pelo Ministério, além de orientações
para plantar a mamona consorciada ao
feijão. “Pois não é que eles me explicaram que o milho precisa dos mesmos
nutrientes do solo que a mamona? Por
isso, é melhor plantar ela apenas com
o feijão, que não compete”.
Gente como Louro fez de Itatira o
maior produtor de mamona no Ceará
em 2007. Foram colhidas 58 mil toneladas em 500 hectares plantados. O mu-
nicípio tem 480 agricultores atualmente cadastrados no cultivo da oleaginosa
– em 2006, o número não passava de
160. A obrigatoriedade da adição de 3%
do biodiesel ao óleo diesel, a partir de julho de 2008, propicia ainda maior segurança de comercialização da mamona.
Os assentados, porém, não esquecem
sua missão primordialmente alimentar.
Louro é um dos que refuta a possibilidade de deixar de plantar alimentos: “E ficar sem meu sustento? A mamona ajuda, mas não pode ser tudo”.
Fortaleza
CEARÁ
Itatira, CE
TERRA DA GENTE
13
SOCIOECONÔMICO
D E S E N V 0 LV I M E N T O
Hickembick produzia oito mil litros
de leite por mês. Desde então, atinge a marca dos 14 mil litros.
“Sobra de 30% a 40% do que ganho todo o mês para investir”, calcula, sem conter a euforia. Com a mulher Dalva, 34, que já cursou aulas de
capacitação para agregar valor à produção, ele acalenta o sonho de organizar uma feira só com produtos da
agricultura familiar. Para tanto, queijos, geléias, biscoitos e muitas outras
guloseimas já têm a produção testada em seu fogão à lenha.
Adesão massiva ao leite
A reforma agrária ajudou a transformar o mapa produtivo de Jóia. Seiscentas famílias de trabalhadores rurais foram ali assentadas desde 1996.
“Aquilo que a gente pregava antes de
ser assentado, há 12 anos, agora põe
em prática. Fomos para os acampamentos com esse objetivo: ter a nossa terra e produzir nela para o autosustento. E o leite, naquela época, era
algo que a gente já tinha em mente”,
conta Pedro Calonego, 50, um dos
pioneiros no Assentamento Rondinha,
14 TERRA DA GENTE
ostentando uma senhora abóbora de
15 quilos entre as mãos.
A 40 quilômetros do centro de
Jóia, o assentamento parece uma
avenida de cidade movimentada, com
canteiro repleto de flores e pneus demarcando os espaços. Dos dois lados
da via, surgem casas de alvenaria, in-
clusive de dois andares, com pintura nova. São os pomares, os porcos
e galinhas, alguns dos indícios da diversificação de culturas no local, a garantia de que os visitantes continuam, sim, em plena zona rural.
Calonego já não se atém à mera
compra de vacas: montou a própria
estufa, debate com as outras 231 famílias assentadas as novidades em
genética bovina e a utilização de reprodutores de qualidade, forma consórcio entre os assentados para investirem juntos na mecanização. Só
com laranjas, peras, pêssegos, tangerinas e maçãs, contabiliza 50 pés
de árvores frutíferas. Mantém 82 cabeças da raça holandesa, com mais
três famílias, e ainda planta milho e
soja, de forma rotativa.
O assentado já obteve sete tipos
de crédito, entre os do Incra e os do
Pronaf. “Sei o que é puxar uma enxada
e plantar milho todo o dia só para ter
o sustento da família. E hoje sei também o que é produzir excedente, vender, lucrar. Quem disse que a reforma
agrária não tinha de ser muito mais do
que plantar só para comer”?
Entenda o porquê da crise mundial
O aumento dos preços internacionais dos alimentos é causado por vários fatores. Os principais são:
Aumento mundial do consumo
de alimentos. Este aumento é resultado
do crescimento dos países em desenvolvimento e de mudanças nos hábitos
alimentares. Há uma elevação no consumo de carnes, lácteos e outros produtos processados. Para cada quilo de
carne a mais que é consumido, são necessários sete quilos a mais, em média,
de grãos para ração.
A produção de etanol de milho
pelos Estados Unidos. Esse país usa
mais que 10% da produção mundial
de milho para produzir etanol. Isso corresponde a mais de 81 milhões de toneladas – é o equivalente a duas safras
brasileiras.
Aumento dos custos de produção. A alta do preço do petróleo e dos
outros insumos, como fertilizantes, impacta nos preços dos alimentos.
Aumento da especulação nas commodities agrícolas. A crise americana no
setor imobiliário fez com que muitos investidores buscassem outras formas de
investimento. Por isso, trocaram os in-
vestimentos imobiliários pela compra de
commodities agrícolas. A troca gerou um
grande aumento de demanda de produtos agrícolas num curto espaço de tempo, o que elevou ainda mais os preços.
Esse conjunto de fatores está levando a uma redução significativa dos estoques mundiais e a um novo patamar
de preços para os produtos agrícolas. Os
efeitos são sentidos em todas as regiões
do mundo. Os países que não têm políticas de segurança alimentar e de apoio
à agricultura familiar são os que mais estão sofrendo.
Alguns países, inclusive, buscaram
restringir as vendas de produtos ao exterior para garantir o abastecimento interno, aplicando impostos sobre as exportações. Como os preços internacionais
estão altos, há uma pressão por parte
dos produtores para canalizar sua produção ao mercado externo, em detrimento
do abastecimento interno. Como resultado, os preços internos também sobem.
No Brasil a situação é diferente. O
País não está completamente imune,
mas bem preparado. Isso porque nos
últimos anos houve o fortalecimento da
produção de alimentos por meio da agri-
cultura familiar. Com exceção do trigo, situação que pode ser alterada em médio
prazo, não há nenhuma outra carência
de produção.
Com o objetivo de aumentar ainda
mais a produção e fortalecer ainda mais
a agricultura familiar, além das políticas
públicas que já vinham sendo implementadas, acaba de ser criado o Programa
Mais Alimentos.
TERRA DA GENTE
15
Município degradado pelo garimpo
renasce com a reforma agrária
D E S E N V 0 LV I M E N T O
SOCIOECONÔMICO
Aposta na avicultura
Mais do que oferecer terra, casa e
garantia de produção e renda às famílias assentadas, a reforma agrária representa o aquecimento da economia
e a melhoria de serviços e de infra-estrutura para toda a população de Nova
Marilândia, a 270 quilômetros de Cuiabá, no Mato Grosso. Com o fim da atividade garimpeira na década de 80, o
município havia mergulhado num período de estagnação e seus habitantes
começaram a migrar para outras cidades em busca de trabalho.
Em 2001, a história começou a
mudar. Nesse ano, foram implan-
16 TERRA DA GENTE
tados os Projetos de Assentamento
(PAs) São Francisco de Paula e Vila
Nova, com 109 famílias assentadas.
Simultaneamente, surgia a parceria do
Incra com a prefeitura de Nova Marilândia em um projeto de avicultura de
corte pelo sistema de integração.
Em apenas quatro anos, de 2002
a 2005, o Produto Interno Bruto (PIB)
per capita do município cresceria
93,8%, passando de R$ 7.697 para R$
14.918. No cenário anterior, não havia posto ou agência bancária. Hoje,
Nova Marilândia conta com posto da
Caixa Econômica Federal, do Banco
do Brasil, do Bradesco e do Sicredi
(cooperativa de crédito).
Nova Marilândia é uma “Cidade
que Renasce” – este é inclusive o seu
slogan. Renasce no campo, substituindo as áreas degradadas com o garimpo de diamantes por aviários. E renasce na cidade, com ruas asfaltadas,
mais lojas e serviços (postos da Polícia
Militar, Correios, Exatoria Estadual).
As perspectivas são promissoras:
continuar crescendo e beneficiando
também os municípios vizinhos. Em
dezembro de 2008, é prevista a inauguração de um frigorífico em Nova
Marilândia com capacidade de abate de 140 mil aves por dia e a criação de 1,2 mil empregos diretos. Para
2009, é estimado o início da construção de 325 casas populares, além
das 154 construídas nos últimos cinco anos pelos governos federal e estadual, e a implantação de uma fábrica de ração.
Recursos do Pronaf
Falar em desenvolvimento em
Nova Marilândia significa falar também da integração de políticas públicas e das parcerias entre os governos nos seus diversos âmbitos com
a iniciativa privada. A primeira parceria dessa história pujante foi a do
Incra com a prefeitura, para a imple-
Edson Menezes: “É uma vitória, não é mesmo?”
MATO GROSSO
Cuiabá
Nova Marilândia, MT
mentação do Projeto Casulo, o que
determina, por exemplo, que o assentamento da reforma agrária seja
próximo à área urbana.
A prefeitura obteve a terra, fez as
estradas e levou energia elétrica até
os lotes. O Incra ofereceu o crédito
para a construção das casas e viabilizou, junto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, os recursos
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para a produção.
TERRA DA GENTE
17
SOCIOECONÔMICO
D E S E N V 0 LV I M E N T O
Ex-vaqueiro Durvalino Nogueira empolgado com a nova vida
Para a construção de aviários, os
assentados acessaram o Pronaf A.
Para o custeio inicial de sua produção, recorreram ao Pronaf A/C. Agora, estão modernizando os aviários
com os recursos do Pronaf D. Nesse modelo de integração de políticas
públicas, contaram ainda com apoio
do governo estadual de Mato Grosso
na aquisição de equipamentos e mudas de árvores para a recuperação de
áreas degradadas, por intermédio do
programa MT Fomento.
O sistema de integração foi firmado com uma das maiores empresas de alimentos do País, que será a
responsável pela construção e pela
mão-de-obra do frigorífico. Hoje, o
abate é feito em Nova Mutum, distante 200 quilômetros de Nova Marilândia – essa distância reduz o faturamento dos avicultores. A construção
do frigorífico, atraído pela produtividade dos assentados e agricultores
familiares locais, é, portanto, um prenúncio de mais lucros.
18 TERRA DA GENTE
4,5 mil naqueles de 100 metros. No
total, são cerca de 1,4 milhão de aves
no ciclo de 45 dias, todas elas oriundas dos assentamentos – são 109 lotes em Nova Marilândia – e da agricultura familiar.
“Eu mesmo trabalhava de vaqueiro em fazenda, uma hora aqui, outra lá. Agora já vamos para seis anos
numa colocação só. É muito, muito bom”, empolga-se Durvalino CosJoão Alecrim faz a montagem do silo
Como é a integração
Pelo sistema de integração, a empresa oferece aos assentados os pintinhos, a ração, assistência técnica, os
medicamentos e o transporte das aves.
Os avicultores entram com o trabalho e
com o custo da energia elétrica.
Ao final de 45 dias, o lucro é certo: variando de R$ de 3,2 mil a R$ 3,5
mil nos aviários com 72 metros de
comprimento; e de R$ 4,2 mil a R$
Aviários têm medição de temperatura
ta Nogueira, 45 anos, assentado no
PA São Francisco de Paula. Essa opinião é compartilhada por João Antônio Rocha Alecrim, o Didi, de 42,
do PA Vila Nova. “Melhorou muito. É
tão bom trabalhar pra gente mesmo
e com renda certa... Além do aviário,
tiro uns R$ 600 por mês com a venda de leite e de hortaliças. E hoje a
gente tem até crédito no comércio e
no banco”, orgulha-se.
O lucro ainda advém, uma vez por
ano, da venda da ‘cama de frango’. Ela
vai se formando no piso dos galpões
com as fezes das aves e é considerada excelente adubo orgânico. O rendimento da ‘cama de frango’ chega
a ser o mesmo de um ciclo de abate
– de 45 dias, em média, para crescimento das aves, e mais 15 para descanso. É considerado pelos avicultores o equivalente a um 13º salário.
Qualidade de vida
Os ex-garimpeiros, ex-peões de
fazendas, ex-vaqueiros, ex-cortadores de cana-de-açúcar e ex-desempregados do município esboçam a
satisfação com tamanha mudança de
vida. Suas casas agora estão equipadas com móveis e eletrodomésticos e
todos têm carro ou motocicleta.
A melhoria da qualidade de vida
extrapola os bens materiais, na concepção do assentado Lindemar da
Costa, 37. “Agora a minha família
está junta dentro de casa. Na hora
do almoço e à noite, tá todo mundo aqui reunido. Melhorou demais!”,
reconhece esse morador do
PA Vila Nova.
E os solteiros se sentem
até mais empolgados, com
tanta bonança, a constituir
família. “Posso pensar em casar porque tenho casa, tenho
emprego, renda e condições
de criar os filhos”, justifica
Edson Pereira de Menezes,
28, que batizou com o nome
de “Edson Vitória” o seu lote
da reforma agrária. A explicação: “Ter tudo isto é uma vitória, não é mesmo?”.
Assentados podem estruturar
seus lotes com o Pronaf
O Pronaf tem linhas especiais de
financiamento para apoio ao desenvolvimento de assentados da reforma agrária. O Pronaf A, por exemplo,
é destinado às famílias assentadas (e
também às do Crédito Fundiário) que
precisam montar toda a infra-estrutura básica para iniciar a produção. Após
acessar a linha A, os produtores assentados podem aderir à linha A/C para financiar a produção nas atividades agropecuárias e não-agropecuárias.
Para acessar os créditos do Pronaf,
os interessados devem primeiro obter a
Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP),
Pronaf A*
Público
Modalidade
Finalidade
Crédito/Teto
Juros
Bônus de Adimplência
Prazo de pagamento
Carência
Pronaf A/C*
Público
Modalidade
Finalidade
Crédito/Teto
Juros
Bônus de Adimplência
Prazo de pagamento
Carência
que pode ser solicitada nas entidades oficiais de assistência técnica ou nos escritórios do Incra. Depois, é preciso definir o
melhor projeto produtivo a ser financiado para cada família, com a participação
de todos, homens, mulheres e jovens. É
importante, ainda, procurar a assistência
técnica para trocar idéias e elaborar uma
proposta de crédito para o banco.
Com o projeto concluído e a DAP
em mãos, é só apresentá-los ao banco,
junto com os documentos pessoais. O
banco analisará o cadastro e o projeto
de cada família para aprovar ou não a
contratação do financiamento.
Assentados(as) da reforma agrária ou beneficiários(as) do
Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF)
Investimento
Estruturação dos lotes dos(as) assentados(as)
Até R$ 20 mil + R$ 1,5 mil para assistência técnica e extensão rural
0,5% ao ano
De 45% (se houver assistência técnica) ou de 40% (nos demais
casos aplicados em cada operação)
Até 10 anos
Até 5 anos, dependendo do projeto técnico
Produtores(as) egressos(as) do Grupo A
Custeio
Custeio de atividades agropecuárias
Até R$ 5 mil
1,5% ao ano
Não há
Até 2 anos
Não se aplica
* Dados já relativos à safra 2008/2009.
TERRA DA GENTE
19
SOCIOECONÔMICO
D E S E N V 0 LV I M E N T O
Orlando Correia e toda a sua comunidade praticam a Agroecologia
Conceito agroecológico
Convívio harmônico
com a fauna e a flora
Os ninhos do casaca-de-couro agora proliferam na região
20 TERRA DA GENTE
O ninho do casaca-de-couro não
permaneceu solitário por muito tempo na Fazenda Carrasco, localizada no
município de Esperança, interior da
Paraíba. Por todos os 60 hectares da
propriedade, dividida desde 2005 entre 10 famílias beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Fundiário, é possível enxergar ninhos dessa
e de muitas outras espécies de pássaros pendurados pelas árvores, além
de deparar com borboletas sobre os
canteiros de hortaliças e com tatus em
meio às lavouras de milho e feijão.
PARAÍBA
João Pessoa
Esperança, PB
Para surpresa da comunidade,
animais outrora típicos do local reaparecem, depois de anos e anos de
ausência nessa paisagem agreste. O
convívio hoje harmônico entre a fauna, a flora e a agricultura familiar é
resultado da adoção de princípios
agroecológicos no manejo e no cultivo da terra. Incentivada pela Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural do MDA, a Agroecologia
vem propiciando uma produção mais
sustentável e menos agressora.
Ao perceber o retorno dos pássaros à Fazenda Carrasco, Joanceli Maria Gonçalves Correia, 34 anos, teve
uma idéia: catalogar todos eles e usar
essas informações na monografia do
curso de graduação em História, que
planeja concluir em 2009 pela Universidade Vale do Acaraú (UVA), de Campina Grande.
Nos momentos em que ajuda o
marido, Orlando Soares Correia, 37, na
lavoura, Joanceli está sempre acompanhada de um caderno de anotações.
Nele, já registrou nomes populares de
69 espécies de pássaros. Os mais comuns têm sido os gaviões, beija-flores, tico-ticos, peiticas, canários-domato, rouxinóis, bem-te-vis, vem-vens,
papa-capins e tesourões.
No segundo semestre de 2008,
ela começa a disciplina de História
Ambiental e planeja guiar o professor numa visita à Fazenda Carrasco.
“Quero que ele veja as espécies daqui. Meu sonho é ser pesquisadora
Comercialização
garantida
Todas as famílias da Fazenda Carrasco já assinaram contrato com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
e podem agora vender produtos semanalmente ao Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA). Maria Ângela da Silva,
32, não esconde o entusiasmo em comercializar de uma só vez a produção de
150 quilos de feijão faveta, além de abóbora, macaxeira, farinha de mandioca,
laranja e limão, direto para o preparo da
merenda nas escolas de Esperança.
“É muito bom saber que as crianças
vão se alimentar do nosso trabalho”, diz
ela, com satisfação. A adesão ao PAA
proporciona uma renda certa para a família. Por ano, o Programa pagará até
R$ 3,5 mil por agricultor.
Esboçando curiosidade para o aproveitamento dos seis hectares de sua família, o marido de Maria Ângela, Edmilson Luna, 37, não pára de testar novas
culturas. Depois de produzir abacaxis
com quase dois quilos em um espaço
de cerca de cinco metros de extensão, o
primo de Francinaldo aumentou a plantação para nove mil pés do fruto que, no
mercado, alcança preço próximo a R$ 1
(a unidade). Os três filhos do casal, além
do compromisso com a escola, passaram a cumprir pequenas tarefas no pomar. “Isso é para eles se acostumarem a
valorizar a terra”, ensina o pai.
TERRA DA GENTE
21
SOCIOECONÔMICO
D E S E N V 0 LV I M E N T O
Como fazer
o biofertilizante
80 quilos de esterco fresco bovino
180 litros de água
5 litros de leite ou soro sem sal
2 quilos de melado ou 4 litros de
caldo de cana
4 quilos de esterco de aves
Preparo:
Reúna todos os ingredientes num recipiente e dissolva tudo derramando
a água aos poucos;
Agite o conteúdo do recipiente três
vezes ao dia;
Se a preparação do biofertilizante
ocorrer no inverno, é necessário que
o recipiente receba luz solar. Se for no
verão, é necessário que fique protegido do sol. O recipiente deverá estar
sempre coberto.
Fermentação:
Pode variar entre 20 e 30 dias;
Após 50 dias, o produto não é mais indicado, pois há perda de nutrientes.
Dosagem e modo de usar:
Ao usar esse biofertilizante, é indicado
que ele seja diluído em água. A proporção é de 1 litro do material para
cada 3 litros de água;
Deve-se aplicar 1 litro da mistura acima (biofertilizante e água) na cova,
por ocasião de transplante, e em cobertura (por cima), nos casos de culturas mais frágeis (tomate, pimentão
e pepino);
Se usado em cobertura, é indicado
derramar a mistura nos espaço entre as plantas, seguindo a linha da
plantação.
Fonte: Emater/PB
22 TERRA DA GENTE
nessa linha da História e da Agroecologia. Tem tudo a ver comigo!”, conta
Joanceli, cheia de planos.
Comunidade-modelo
O reaparecimento de tantas espécies de pássaros é um dos indícios de que a Agroecologia, prática
generalizada nessa comunidade-modelo do Crédito Fundiário, tornouse sinônimo de vida mais saudável
para os trabalhadores no campo e
também para os animais. Ao adotar
essa diretriz, as famílias da Fazenda
Carrasco são estimuladas a praticar a
agricultura sustentável, aproveitando
a luz solar para desenvolver as culturas, preservando a cobertura vegetal
nativa para evitar que o calor cause
perda de nutrientes ao solo, e utilizando toda a água da chuva para melhorar a produtividade.
Nada do que é produzido ali carrega agrotóxicos ou produtos químicos que possam contaminar o solo, os
mananciais ou a própria produção. “É
uma agricultura limpa, saudável para
quem planta e para quem consome”,
explica Gilvan Salviano de Araújo,
agrônomo da Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural da Paraíba
(Emater/PB) e responsável pela orientação agroecológica no local.
Para revigorar o solo são utilizados os biofertilizantes produzidos
pelos moradores da comunidade. Entre as matérias-primas, estão incluídas fezes de aves e de bovinos, água,
caldo de cana-de açúcar e soro lácteo. “Isso é muito bom porque a gente
também economiza. Não precisa comprar nada, tá tudo aqui no quintal”, observa o presidente da Associação dos
Produtores Orgânicos da Fazenda Carrasco, Francinaldo da Silva Luna.
O plantio alternado de culturas
nos canteiros de hortaliças é outra técnica ali aplicada. O objetivo é
Francinaldo Luna só usa repelentes
naturais entre os pés de hortaliças
controlar pragas e evitar o desgaste do solo pela monocultura. Após
dois canteiros de alface, por exemplo, Luna planta sempre um de cebolinha verde – repelente natural de
insetos. Outros repelentes utilizados
pelo agricultor são o coentro, o hortelã e a citronela. E, se for necessário
pulverizar as folhas, é usado o Ácido
da Castanha de Caju (ACC).
Renda diversificada
Assim como os demais agricultores
familiares da comunidade, Luna trabalha em feiras orgânicas que acontecem
em Campina Grande, Lagoa Nova, Esperança e em outros municípios do
Território da Borborema, um dos 60
incluídos em 2008 no Programa Territórios da Cidadania. Criou nas feiras
um canal de comercialização.
E o progresso é visível na sua
vida. A casa onde mora com a mulher
e quatro filhos, inicialmente com apenas dois quartos e construída com recursos da Caixa Econômica Federal,
já foi ampliada e hoje exibe entre os
cômodos uma grande área de serviço. A segurança alimentar da família
também está garantida com a produção das hortas, com a fartura de frutas, sucos e biscoitos caseiros, e com
os frangos do quintal.
O próximo passo do agricultor
será iniciar a venda de tilápias. Seis
mil alevinos já estão em crescimento numa barragem da propriedade,
de onde provém a água para regar as
hortaliças no tempo da seca. As folhas que não servem para a venda são
de imediato aproveitadas na alimentação dos peixes. Nada se perde.
A idéia que norteia o crescimento local é a do empreendedorismo familiar. Com o objetivo de que essas
famílias aprendam a ser empresárias
de tudo o que possuem na sua área,
outro projeto em estudo é a implantação da apicultura na reserva legal
de 12 hectares da Fazenda Carrasco.
O lote de cada uma das famílias foi
demarcado para ter parte dessa reserva legal e do riacho que corta a
fazenda.
Quem participa do Crédito Fundiário
Trabalhador(a) rural sem terra;
Agricultores familiares que sejam arrendatários, parceiros, meeiros,
agregados ou posseiros;
Pequenos proprietários (propriedade rural inferior ao módulo familiar);
Jovens rurais entre 18 e 28 anos (filhos de agricultores, estudantes de escolas
agrotécnicas ou do Programa Escola-Família);
Atenção: todos precisam comprovar cinco anos de experiência na
atividade rural.
Quais são as Linhas de Crédito
Combate à Pobreza Rural: destinada a trabalhadores de baixa renda.
Disponível para as regiões Nordeste e Sul, e para os estados de Minas Gerais
e Espírito Santo.
Consolidação da Agricultura Familiar: voltada a agricultores que estejam
ou não organizados em associações. Disponível para 21 estados (nas regiões
Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, além de Rondônia e Tocantins).
Nossa Primeira Terra: destinado a filhos de agricultores familiares ou
trabalhadores entre 18 e 28 anos. No caso de associações, pode haver 30%
de jovens com até 32 anos.
Terra para a Liberdade: para trabalhadores libertos de situações análogas
à escravidão.
Terra negra: para trabalhadores negros (e que não sejam quilombolas).
Pagamento: para todas essas linhas, o prazo é de até 17 anos, com taxas de
juros entre 2% e 5% ao ano, conforme o valor financiado (que pode atingir
até R$ 40 mil).
Informações pelo site www.creditofundiario.org.br ou
e-mail [email protected]
TERRA DA GENTE
23
REFORMA AGRÁRIA E ACESSO AOS RECURSOS AMBIENTAIS
Colhendo os frutos
da produção sustentável
A C E S S O
A O S
R E C U R S O S
Fruticultura em alta
Ana Cristina (à frente) é a presidente da Associação das Mulheres Produtoras do Gameleira
Banana-maçã, pacovan, comprida, prata, peroara, banana-sapo e outras variedades da fruta tropical são
hoje sinônimos de fartura e desenvolvimento sustentável para cerca de
400 famílias do Projeto de Assentamento (PA) Gameleira, no Pará. E de
lucro alto. A produção consorciada
de bananas tem gerado entre as famílias assentadas uma renda mensal
de R$ 2 mil, em média, além de muitos planos para o futuro.
Hoje o assentamento, localizado
em São Geraldo do Araguaia, produz 120 toneladas de primeira qua-
26 TERRA DA GENTE
lidade da fruta a cada mês. Além de
propiciar o sustento, ela é responsável por impulsionar a comercialização de produtos dessas famílias
nas cidades do Pará, Tocantins e
Maranhão.
São famílias como a de Guilherme
Gomes, 41 anos. Com 1,3 mil bananeiras ocupando um quarto dos seus
50 hectares, Gomes consegue sustentar uma família de sete pessoas.
“Faço dois cortes por mês e produzo
cerca de 200 caixas nesse período, a
R$ 13, cada. Não dá para ficar rico,
mas está dando para sustentar bem
Independência
feminina
minha esposa e meus quatro filhos”,
ressalta ele. O assentado reconhece
que, com a renda obtida, é possível
até planejar o futuro. “Financio uma
moto desde novembro e comprei bicicletas para os meninos irem à escola, que fica a três quilômetros de
casa. Antes, não dava”.
Cinqüenta famílias do PA Gameleira utilizaram os recursos do Pronaf E, assim como Gomes. Elas investiram os recursos na compra das
primeiras mudas de banana-maçã e
maracujá, de vacas leiteiras e, ainda, para preparar a lavoura. “O custo da plantação de bananas é só o
da mão-de-obra, porque a gente vai
podando e usando as bananeiras
velhas como adubo. A muda, que
eu mesmo preparo, serve por cinco
anos. Só precisa sempre limpar o ba-
No rastro dessa lucrativa primeira edição do festival, 45 assentadas criaram a
Associação das Mulheres Produtoras do
Gameleira. “A idéia surgiu quando a gente viu reunido o fruto do nosso trabalho e
percebeu que dava mesmo para melhorar a nossa renda”, lembra a presidente,
Ana Cristina de Oliveira Moraes, 28.
Criada formalmente em novembro
de 2007, a associação tem como objetivo a agregação de valor ao produto. “A
gente usa as bananas que não estavam
bonitas para vender, mas eram boas
para comer. Em vez de jogar fora, fazemos doces”. Atualmente, elas já produzem bolos, banana desidratada (popularizada como banana chips), licor,
brigadeiro, bananinha, mariola, doce,
geléia, vinagre e farinha de banana.
“No começo, muita gente achou
que não ia dar em nada. Quando começou a render dinheiro, as mulheres
buscaram a associação para não ter de
pedir R$ 1 aos maridos e ainda ouvir:
‘Pra que esse um real?’”, diverte-se Ana
Cristina, ao recordar um passado ainda
recente, em que sustento da casa e dinheiro no bolso eram exclusividade dos
maridos. Ela calcula que a renda mensal de cada associada, com a demanda
crescente, possa atingir R$ 700.
Ana Cristina destaca o papel da capacitação para as associadas. “Nós, mulheres, temos de conseguir mais espaço para
mostrar que conseguimos vencer os obstáculos. É muito bom saber que o nosso
trabalho já tem reconhecimento lá fora”.
nanal, tomar cuidado, senão ele pára
de produzir”, ensina.
Superando as dificuldades
Quem hoje vê famílias como a
de Gomes não imagina as dificuldades pelas quais elas passaram há 10
anos, quando chegaram ao local. O
Sudeste do Pará era na época afetado
Belém
PARÁ
São Geraldo do Araguaia, PA
TERRA DA GENTE
27
R E C U R S O S
A O S
A C E S S O
Costa (à esquerda) produz bananas em consórcio com outras culturas, como o cacau
por décadas de práticas de ocupação
predatória, com queimadas, desmatamento irregular, pecuária extensiva e
uso indevido do solo.
Assim que desembarcaram ali,
muitos assentados optaram por lavouras convencionais, com agrotóxicos, como as de soja e milho. Logo
constataram que as terras, antes cobertas por floresta, enfraqueciam a
cada colheita e suas propriedades
estavam sendo atingidas por erosão
causada pela forte chuva. Havia o risco de contaminação dos pequenos
rios. Os que optaram pela criação de
gado de corte também não tiveram
muito êxito – conviviam com doenças, dificuldades de escoamento da
produção e preços baixos, por conta
dos atravessadores.
Os assentados, então, se mobilizaram e decidiram preservar suas terras e apostar em um produto seguro e
28 TERRA DA GENTE
Gomes obtém renda certa para a família
de sete pessoas
rentável. Partiram em busca de recursos e de assistência técnica. Ao aderir às linhas de crédito do Pronaf, reescreveram seus destinos.
Manejo adequado
Desde 2002, quando 180 famílias
resolveram produzir a fruta em consórcio com outras culturas, a expressão “a preço de banana” não se limita ao significado de “coisa barata”. Ao
longo do tempo, a banana tornou-se
sinônimo de renda e produção ambientalmente sustentável.
Maranhense de Riachão, o mesmo
Gomes que hoje produz de forma consorciada, lembra que chegou a tentar
a vida no garimpo antes de se tornar
um beneficiário da reforma agrária. Ele
conta que, ao chegar em São Geraldo
do Araguaia, os assentados demoraram a descobrir como lidar com o solo
da região. “No começo, tudo aqui era
mata. Na época, nossa idéia era derrubar e fazer capim. Depois, com o tempo, o capim morreu e a gente ficou
sem renda e sem terra boa”.
A segunda fruta mais consumida
no País começou a ser plantada na região apenas para prover a mesa dos
próprios assentados. De fácil manejo,
aos poucos ela se mostrou excelente
solução para recuperar uma terra tão
judiada. A cultura é mantida em conjunto com o milho e a mandioca. As
cascas da fruta também são aproveitadas para alimentar o gado leiteiro,
pequenas aves e os tambaquis, criados em açudes.
Produção consorciada
Com o manejo sustentável, a fauna
nativa voltou ao lugar e já não assusta mais os assentados, que passaram
a conviver de perto com animais de
médio porte. Mesmo sem ser convidados, porcos-do-mato, antas, cutias
e guarás, provenientes da Reserva Indígena do Suruí, próxima a lotes da reforma agrária, se aventuram a repentinas visitas. São atraídos pelas pencas
de banana.
Adepto a essa forma não-agressiva
de produção, o assentado Márcio Gomes da Costa, 25, começou a recuperar sua terra há dois anos. Na época,
decidiu plantar a fruta em consórcio
com outras culturas que necessitam
de sombra, como o cacau. “Com a banana, dá para tirar R$ 1,2 mil por mês
e, com o leite, consigo mais R$ 100
por dia. Agora tenho segurança para
planejar outras lavouras permanentes,
de retorno a médio prazo, de três anos
em média, como a do cacau”.
Costa também se preocupa com
sua produção a longo prazo e com
uma renda constante. Desde 2006,
planta árvores da região, como o
mogno, pois projeta um futuro mais
estável. “Elas não atrapalham a banana nem o cacau. Deixando lá, crescem sozinhas. É só ter paciência que
dá renda. E, o que é melhor, dão sempre”, explica ele.
Abrindo caminhos
Em 2005, a fama da banana produzida no assentamento começou a
TERRA DA GENTE
29
R E C U R S O S
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A C E S S O
se espalhar e atrair supermercados
e distribuidores. No entanto, a falta
de estradas para transportar o produto perecível era um dos principais
problemas dos assentados. Na época das chuvas, chamada de inverno
na região, a maior parte da produção
estragava e era jogada fora.
Associado ao crédito do Pronaf,
os fruticultores buscaram em 2005,
numa etapa seguinte à implantação
do assentamento, o apoio a projetos de infra-estrutura. Naquele ano,
os recursos do Incra garantiram a
abertura e o reparo de 30 quilômetros de estradas na região. A distância entre produtores e consumidores ficou menor.
Hoje a banana-maçã, principal variedade produzida no Projeto
de Assentamento Gameleira, pode
ser encontrada em feiras e merca-
30 TERRA DA GENTE
dos de municípios de maior porte,
como Marabá, São Geraldo, Imperatriz do Maranhão, Eldorado dos Carajás, Parauapebas e Araguaína, entre outras.
Festival da banana
O caminho inverso também começou a ser percorrido. Com as estradas recuperadas, os consumidores da banana passaram a buscar a
fruta na fonte. Em julho de 2007, o
PA Gameleira promoveu o I Festival
da Banana, atraindo ainda mais visitantes. A iniciativa partiu dos próprios assentados, que começam a
se organizar em cooperativas para
divulgar sua produção. Foram recebidas 1,5 mil pessoas e distribuídas
13 mil bananas em dois dias de festas, shows, palestras e premiações
para os produtores.
Fábio Moraes de Souza, 30, avalia
que o festival teve o mérito de apresentar de forma massiva a produção do assentamento. “Sem a união
do pessoal, nada disto teria acontecido. Preparamos tudo em 30 dias,
mas valeu a pena, porque pudemos
vender diretamente ao consumidor e
melhorar nossa renda”.
Para Souza, o evento também estimulou as famílias assentadas a tomarem a iniciativa de diversificar a
produção. Há um ano, ele participou
da fundação da cooperativa dos produtores do PA Gameleira e já está
discutindo desafios como infra-estrutura, distribuição, diversificação
e agregação de valor. Souza estima
que o lucro do festival só com os
produtos extraídos da banana chegou a R$ 2,5 mil. Em 2008, prevê que
chegue a R$ 10 mil.
Conheça as ‘linhas verdes’ do Pronaf
O Pronaf conta com três linhas de
investimento para os agricultores familiares que querem produzir e sabem da
importância de preservar suas terras, o
meio ambiente da sua região e o ma-
nejo sustentável. São o Pronaf Floresta,
Pronaf Agroecologia e, o mais recente,
Pronaf ECO. Conhecidas como as ‘linhas
verdes’ do Pronaf, elas disponibilizam
entre R$ 7 mil e R$ 36 mil, com juros
entre 1% e 5%. O agricultor familiar interessado nos benefícios das ‘linhas verdes’ pode procurar os agentes financeiros do Pronaf na sua região (bancos e
cooperativas de crédito).
Pronaf Floresta*
Pronaf Agroecologia*
Pronaf ECO*
Público
Todos os agricultores(as) familiares
enquadrados no Pronaf.
Público
Agricultores(as) familiares do Pronaf que
desenvolvam sistemas de produção
agroecológicos e/ou orgânicos, exceto os
dos grupos A, A/C e B.
Público
Agricultores(as) familiares do Pronaf,
exceto os dos grupos A, A/C e B.
Modalidade
Investimento.
Modalidade
Investimento.
Modalidade
Investimento.
Finalidade
Implantação de projetos de sistemas
agroflorestais, exploração extrativista
ecologicamente sustentável, plano de
manejo e manejo florestal.
Finalidade
Implantação dos sistemas de produção
agroecológicos e/ou orgânicos.
Finalidade
Implantação, utilização ou recuperação
de tecnologias de energia renovável,
biocombustíveis, armazenamento
hídrico, pequenos aproveitamentos
hidroenergéticos e silvicultura.
Crédito/Teto e Juros
Juros de1% ao ano.
Recursos dos Fundos Nacionais do
Nordeste, Norte e Centro-Oeste:
até R$ 10 mil.
Recursos dos Fundos para outras
finalidades ou recursos das demais
fontes: até R$ 7 mil.
Crédito/Teto e Juros
Para quem retirar até R$ 7 mil, juros de
1% ao ano.
Até R$ 18 mil, juros de 2% ao ano.
Até R$ 28 mil, juros de 4% ao ano.
Até R$ 36 mil, juros de 5% ao ano.
Crédito/Teto e Juros
Para quem retirar até R$ 7 mil, juros de
1% ao ano.
Até R$ 18 mil, juros de 2% ao ano.
Até R$ 28 mil, juros de 4% ao ano.
Até R$ 36 mil, juros de 5% ao ano.
Prazo de pagamento
Até 12 anos.
Prazo de pagamento
Até 8 anos.
Prazo de pagamento
Para os Fundos Constitucionais, até
16 anos. Para as demais fontes, até
12 anos, segundo a finalidade do
financiamento.
Carência
Até 8 anos.
Carência
Até 3 anos.
Carência
Como regra geral, é de até 3 anos,
podendo chegar até 8 anos.
* Dados Já relativos à safra 2008/2009.
TERRA DA GENTE
31
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A O S
A C E S S O
Os guardiões do tesouro, José Ailton da Silva e Genival Alves
Dessalinização da água
Assentamento sertanejo vence a seca
Mesmo depois da conquista da
terra, há uma década, sobreveio uma
realidade difícil. Em uma área marcada pelo sol escaldante e longos períodos de estiagem, a água que brotava
da terra, bombeada por um poço artesiano, trazia consigo o sal. Salobra
e imprópria para o consumo humano, era um símbolo da precariedade
das condições de vida entre famílias
recém-assentadas em Poço Verde, no
interior de Sergipe.
Terra havia, água faltava. A única alternativa para matar a sede no
Projeto de Assentamento (PA) Santa
Maria da Lage vinha, então, da aliança entre a coragem típica do povo do
Sertão e a força de sofridos animais,
32 TERRA DA GENTE
que vagavam por quilômetros para
ajudar no transporte de galões, barris
e latões, sempre cheios da água retirada de uma barragem vizinha.
Nessa época, os caminhões-pipa
enviados pela Defesa Civil também
surgiam como um socorro imediato,
ajudando a matar a sede e alimentando a esperança por dias melhores.
Entretanto, não era o suficiente.
Um ano depois de criado o assentamento é que viriam as cisternas, construídas com recurso federal.
Distribuídas por todo o assentamento, amenizaram a escassez de água
e garantiram, com o acúmulo obtido
com a chuva entre os meses de maio
e agosto, uma vida mais digna para
crianças, jovens e adultos.
Só que a história de drama no
Sertão sergipano não se encerrava ali. A seca, velha companheira do
1
4
Utilização racional do equipamento
e da água é prática diária
na comunidade, como mostra a
seqüência de imagens
2
povo sertanejo, era persistente. No
período de estiagem, as dificuldades
voltavam e a água armazenada durante a temporada de chuva precisava ser racionada. Só assim se garantia a sobrevivência.
Vida renovada
Essa é hoje uma realidade que o
tempo transformou apenas em recordação. Dez anos depois de criado pelo Incra, o PA Santa Maria da
Lage tornou-se referência no Território do Sertão Ocidental quando o
assunto é organização coletiva, aproveitamento racional da água e produtividade nas lavouras.
Com recursos do Crédito Semiárido, que garantiu R$ 1,5 mil para
cada uma das 27 famílias ali residentes, a associação dos moradores
do assentamento decidiu implantar
um novo sistema de abastecimento.
Tudo para acabar de vez com a escassez de água. Com o apoio de técnicos do Incra e do governo estadual, o novo sistema foi instalado em
dezembro de 2007 por uma empresa particular.
3
Baseado no funcionamento de
um aparelho dessalinizador, o sistema transforma a água salobra bombeada pelo poço artesiano em água
potável e assegura, assim, maior qualidade de vida para as famílias assentadas. “A vida da gente melhorou muito, tem água boa para todo mundo.
A gente já pode até dispensar a ajuda
do caminhão-pipa”, comemora José
SERGIPE
Aracaju
Brás de Jesus, o Mizé, 51 anos, o primeiro presidente da associação.
Responsável pela regularização
do abastecimento local, o novo sistema, que purifica 50% da água proveniente do poço, é protegido e mantido pelos próprios assentados. Dois
deles, capacitados pela empresa que
instalou o equipamento, foram escolhidos pela comunidade como os
‘guardiões’ do dessalinizador. São os
responsáveis pela ativação, limpeza e
proteção do aparelho.
“A gente sabe que essa é uma máquina cara e muito importante para a
comunidade. Então, cuidamos de tudo
e não deixamos que ninguém chegue
perto”, conta Genival Alves, 27, um dos
‘guardiões’. As instruções são seguidas à risca: “Na hora em que a gente
sai de casa para ligar o dessalinizador,
tudo já é muito pensado. A gente sabe
que não pode cometer erros, porque o
equipamento é muito delicado”, reforça José Ailton Luiz da Silva, 32, o outro incumbido da missão.
Respeito ao ambiente
Poço Verde, SE
A implantação do novo sistema
de abastecimento ainda intensificou
TERRA DA GENTE
33
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A C E S S O
Mãos femininas
geram mais renda
Acostumadas à vida dura no campo, as mesmas mãos femininas que
cuidam das lavouras e das atividades
domésticas também contribuem para
a geração de mais renda dentro do assentamento, com a produção de artesanato. Peças de palha de milho e
tecelagem, como bonecas, tapetes,
cobertores, redes e jogos de banheiro, são confeccionadas por seis assentadas que fizeram um curso oferecido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Hoje, elas incrementam a renda familiar com as vendas em exposições e em
feiras de toda a região.
34 TERRA DA GENTE
a consciência ambiental das famílias.
Mesmo com o dessalinizador, os assentados seguem evitando o desperdício e utilizando de forma racional
a água do poço artesiano. “A gente
controla bem a retirada da água. O
dessalinizador só é ligado duas vezes na semana, na quarta-feira e no
domingo. Assim, todo mundo pode
ter água boa em casa. Se a gente não
desperdiça nada, vai ter sempre o que
beber”, ensina José de Jesus, 43, atual
presidente da associação dos moradores e homônimo ao primeiro.
Segundo ele, além de manter a
preocupação com o desperdício da
água, as famílias assentadas zelam
diariamente pela área de reserva legal existente no assentamento, a fim
de proteger os animais que ali vivem.
“Temos muitos animais e não deixamos ninguém fazer mal a eles, nem
de dentro nem de fora do assentamento. Até para roçar o mato e liberar a estrada do assentamento, todos
têm de pedir autorização”.
Conhecendo bem a influência da
vegetação sob o clima árido da região, os assentados ainda combatem o desmatamento para garantir os bons resultados na lavoura. “A
gente sabe que o mato chama chuva. Então, aqui ninguém tira um tronco que seja”, salienta o presidente da
associação.
Produtividade garantida
Inserido na região que mais produz feijão e milho no estado de Sergipe, o PA Santa Maria da Lage também
é destaque por sua produtividade.
Com a dedicação e o suor das famílias, as lavouras dessas duas culturas,
que pintam de verde os lotes do assentamento, vêm garantindo renda e
mesa farta a todos.
Com financiamentos do Pronaf C e
a boa quantidade de chuva em 2008,
os agricultores esperam uma colheita
abundante, que supere as mais de 480
toneladas de milho produzidas na última safra. E os bons resultados que
já começam a brotar nos lotes das famílias se repetem na área coletiva do
assentamento. O local, destinado ao
cultivo pelos filhos dos assentados, já
está coberto por plantações de milho
e feijão e é utilizado, ainda, para a criação de animais e uma pequena horta.
Além do Pronaf, outro trunfo para
o aumento da produtividade tem sido
a organização coletiva. Unidas, as famílias criaram e mantêm ativa a sua
associação de moradores e garantem
a atualização das orientações sobre
as diversas formas de investimento. É
assim que o assentamento conta com
o crédito nos bancos e com o sistema de dessalinização da água. Conseguiu comprar um trator e implementos agrícolas e, para os eventuais
tempos de adversidades, mantém um
caixa de reserva emergencial.
Como ocorre
a arrancada
da produção
Os recursos repassados por meio do
Crédito Instalação possibilitam o suporte inicial dos trabalhadores nos assentamentos criados ou reconhecidos pelo
Incra. Esse benefício visa a segurança
alimentar e hídrica das famílias, a construção e recuperação de moradias, e a
aplicação em bens de produção para a
geração de renda.
As modalidades do Crédito Instalação
são as seguintes: Apoio Inicial, Aquisição
de Materiais de Construção, Recuperação Materiais de Construção, Fomento,
Adicional do Semi-Árido e Reabilitação
do Crédito Produção. A concessão dos
recursos ocorre depois da criação do assentamento e da formulação de uma lista de beneficiários pelo Incra.
De olho no futuro
Os bons resultados na lavoura e a
melhoria constante da qualidade de
vida não tiram a preocupação das famílias em relação ao futuro. Pensando em garantir dias ainda melhores
para as futuras gerações, elas zelam
pela escola, mantida no local pela
prefeitura de Poço Verde. Todas as
crianças e adolescentes do assentamento estão matriculados e freqüentando as aulas. E quem já passou pelas séries iniciais, assiste às aulas em
escolas instaladas na sede do município ou em um povoado vizinho.
Mas a valorização da educação
vai mais longe. Buscando a formação
de professores dentro do próprio assentamento, dois jovens da comunidade ingressaram em um curso de nível superior, mantido com recursos
do Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (Pronera) e fruto
de uma parceria entre o Incra, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e
movimentos sociais.
O curso de Pedagogia da Terra,
iniciado em 2007, transformará já em
2010 os jovens Adriano Souza Santana e Gilene Leal de Santana nos primeiros moradores do assentamento
com formação superior. Um esforço
que visa a formação imediata de multiplicadores de conhecimentos no PA
Santa Maria da Lage.
Crédito (destinação)
Crédito Apoio Inicial: destinado à segurança alimentar das famílias
beneficiadas e ao suprimento de suas necessidades básicas.
Crédito Aquisição de Materiais de Construção: destinado à construção das
habitações rurais, podendo ter incluído o pagamento de mão-de-obra.
Crédito Fomento: suporte à geração de renda, a fim de se garantir a segurança
alimentar das famílias. Visa o fortalecimento das atividades produtivas no
entorno das habitações e as experiências de microcrédito associativo.
Crédito Adicional do Semi-árido: se destina a atender as necessidades de
segurança hídrica das famílias assentadas nas áreas do Semi-árido, reconhecidas
pelo IBGE. É focado nas famílias expostas a freqüentes períodos de estiagem
e que necessitam de soluções em captação, armazenamento e distribuição
de água (é vedada a utilização em equipamentos de transporte, como carro e
caminhão-pipa).
Crédito Recuperação Materiais de Construção: visa suprir as necessidades de
melhorias habitacionais apontadas por laudo técnico individual que indique os
valores necessários a serem investidos na reforma e/ou na conclusão da moradia.
Crédito Reabilitação do Crédito de Produção: destinado a recuperar a
capacidade de acesso a novos créditos entre as famílias que contrataram
financiamentos, exclusivamente no âmbito do Programa Especial de Crédito
para a Reforma Agrária (Procera).
TERRA DA GENTE
35
Assentados apostam nos
fitoterápicos e homeopáticos
A C E S S O
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Cura pela natureza
O manejo sustentável dos recursos naturais garante a conversão das frutas e outras plantas em óleos e xaropes
Em meio a uma paisagem de troncos
retorcidos e folhas duras brotam as plantas que garantem saúde e sustento para
as famílias do Projeto de Assentamento
(PA) Americana, no município de Grão
Mogol. Ali, um grupo de 12 famílias sobrevive da extração de frutos típicos do
Cerrado no Norte de Minas Gerais, como
pequi, cagaita, mangaba, pana e rufão.
O manejo sustentável dos recursos naturais assegura, ainda, que esses frutos sejam convertidos em óleos, xaropes e tinturas pelas mãos dos assentados.
Um dos pioneiros na produção de
fitoterápicos, Cristovino Ferreira Neto,
51 anos, exprime o orgulho de fazer seu
próprio remédio: “Dificilmente eu vou
em farmácia. Passo 10 anos sem tomar
comprimido”. Os fitoterápicos, mais usa-
36 TERRA DA GENTE
dos em seres humanos, são empregados
no combate a verminoses, gripes, infecções, micoses e em tratamentos cicatrizantes. Já os homeopáticos são mais
difundidos para a melhoria do solo e o
combate a parasitas que atacam os animais, como os carrapatos.
No PA Americana, a extração de óleos fitoterápicos ainda tem outro atribu-
to: permitir renda extra às famílias assentadas. O litro do óleo de rufão, um
potente antiinflamatório, pode ser vendido por até R$ 200. “Pouca gente sabe
extrair o óleo, porque se perdeu o costume”, observa Cristovino. Mas em sua
família o conhecimento é transmitido de
geração em geração. “Meus avós praticamente não conheciam médico. Iam no
cerrado, apanhavam o fruto e curavam”.
A sabedoria acumulada com as práticas fitoterápicas já beneficia as comunidades das imediações. Como a cidade
mais próxima fica a 40 quilômetros de
distância, quando padece de alguma gripe ou infecção, a vizinhança sabe onde
achar a cura. Em vez de depender unicamente dos médicos, recorre aos xaropes
e óleos extraídos por Cristovino.
Saiba qual
a diferença
Fitoterapia
Trata-se do uso das plantas com fins
terapêuticos. Isso significa que flores,
vegetais, ervas, folhas, sementes, raízes, cascas e até frutos são empregados
sob forma de chás, cremes, loções, xaropes, banhos, inalações, entre outros,
para combater diversos tipos de doenças, além de servirem como preventivos
eficazes a infecções e outros males.
desenvolve projetos de apicultura e de
pequenas fábricas de farinha e rapadura. Com tantas alternativas de produção,
cada família chega a faturar, em média,
R$ 600 por safra. O plano é crescer sem
destruir o ambiente e sem esgotar os recursos naturais.
Salvando a boiada
Biodiversidade do Cerrado
Além de se dedicar à produção de
fitoterápicos, as famílias do assentamento criam pequenos animais, mantêm
hortas e roças de milho, feijão e mandioca. Fazem uso da biodiversidade do
Cerrado, manejando as variedades nativas, cultivando mudas, colhendo seus
frutos e cuidando da multiplicação das
suas sementes.
Os frutos são comercializados na feira do município de Grão Mogol e na Cooperativa Grande Sertão. No ano de 2007,
as famílias do PA Americana entregaram
na cooperativa cerca de 3,5 toneladas de
araçá, pana e cagaita, e 80 litros de óleo
de pequi. Lá, a matéria-prima vira polpa
de fruta e segue para o mercado local e
também para a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), para abastecer
escolas, creches e asilos.
Preocupados em preservar variedades tradicionais de milho, feijão e fava,
os assentados ainda cultivam sementes
crioulas. A intenção é perpetuar as espécies e diminuir custos. “Com a produção
de sementes, não precisamos recorrer ao
mercado para comprá-las”, justifica Aparecido Alves de Souza, 40.
Para diversificar ainda mais as atividades, um grupo de assentados também
No município mineiro de Tumiritinga, a aproximadamente 380 quilômetros
de Belo Horizonte, na região do Vale do
Rio Doce, a homeopatia animal já salvou
de prejuízos as 25 famílias do PA Primeiro de Junho. Uma erva tóxica, ingerida
pelo gado junto com o pasto, provocou
em 2004 a perda de 10% das cabeças
de gado.
“A gente tinha tentado todo o tipo de
remédio e nada resolvia. Fizemos a homeopatia com o gado e nenhum deles
morreu mais por causa da erva”, conta o
assentado Deusdete Pereira, 42. Ele calcula que os gastos com medicamentos
chegavam, antes da adesão à homeopatia, a R$ 20 mil por ano. Os problemas de
saúde gerados pelo uso de agrotóxicos
MINAS GERAIS
Belo Horizonte
Grão Mogol, MG
Homeopatia
Obtidos a partir de produtos dos reinos
animal, vegetal e mineral, os remédios
homeopáticos buscam o equilíbrio integral do indivíduo, não apenas no campo
físico, como também no psíquico e espiritual, e devem ser prescritos e acompanhados por especialista.
e o empobrecimento do solo devido à
prática de queimadas, no passado, acabaram contribuindo para a mudança de
postura em relação ao ambiente.
Em 2006, o trabalho com homeopatia animal dos moradores do PA Primeiro de Junho foi um dos 50 premiados no
Concurso Nacional de Sistematização de
Experiências em Agroecologia, promovido pelo MDA. O prêmio, de R$ 20 mil,
acabou destinado ao desenvolvimento
de canteiros ecológicos para a produção de sementes.
Com a homeopatia, os custos de manutenção da horta coletiva de 1,5 hectare também diminuíram. E ao mesmo tempo a renda aumentou, já que os
produtos do assentamento conquistaram preferência no mercado por serem
agroecológicos. A produção mensal é de
mais de mil quilos de hortaliças e de dois
mil quilos de mandioca.
A experiência já é difundida em outros assentamentos mineiros nas oficinas realizadas pelo programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates),
do Incra. “Nós também recebemos pesquisadores e visitantes de outras partes do Brasil e do exterior”, acrescenta
a presidente da cooperativa dos assentados, Marlene Ferreira Martins, radiante com o êxito.
TERRA DA GENTE
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B R A S I L
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Conquista dos palcos
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D E
Arte e cultura despontam
Francisca e Raimundo, seu marido, entoam versos sobre a luta travada pela reforma agrária
40 TERRA DA GENTE
na reforma agrária
O que é o cordel
Peleja de cantadores, quadrão
e folheto são algumas das formas
como o nordestino se refere à literatura de cordel. Essa tradição portuguesa de pendurar em cordas,
cordéis ou barbantes os folhetos rústicos nos quais eram impressas poesias populares (rimadas e ilustradas
com xilogravuras) chegou ao Brasil
no início da colonização. Os cordelistas, assim como Dona Luísa, recitam esses versos de forma melodiosa
e também fazem declamações.
Reisado e teatro de bonecos são algumas das manifestações culturais em cena
Olhos e mãos já cansados, marcados pela vida de trabalho na roça.
Mas a nordestina de 76 anos não sossega. Tem um novo desafio pela frente: apresentar-se a um vasto público
cantando versos remanescentes de
sua infância. Dona de uma voz serena e cativante, Luísa Dimas da Rocha
Silva é prova viva de como é possível
preservar uma tradição primordialmente oral. Acompanhada por um
violão, ela já se exibiu em diversos
palcos cearenses cantando músicas
que aprendeu lendo cordéis.
“Não fico com vergonha, não. Eu
gosto. Quando canto, o público acha
muito ‘invocado’ e se aproxima para
ver”, brinca a moradora do Assentamento Lagoa do Mineiro, em Itarema,
município litorâneo a 232 quilômetros
de Fortaleza. Dona Luísa se orgulha
por já ter ficado diante de um público
de aproximadamente 300 pessoas na
capital e também por chamar a atenção dos jovens vizinhos de assentamento, que despertaram para o cordel. “Eu fico mais feliz porque agora
eles me acham importante”.
Dona Luísa faz parte de um
conjunto de trabalhadores rurais que transformaram seu
cotidiano e o convívio social
a partir de um contato mais
constante com a arte e o folclore. Ela integra um universo
de seis mil pessoas envolvidas
nas atividades do Projeto Arte
Dona Luísa: voz serena resgata os versos
e Cultura na Reforma Agrária,
aprendidos na infância
criado em 2003 pelo Incra/
CE para incentivar expressões artísticas populares presentes
Incentivo a subir aos palcos
no dia-a-dia dos assentamentos.
Primeiramente, foi realizado um
levantamento da arte popular nos
assentamentos do Ceará. Os grupos, então, passaram a receber
orientações sobre o acesso a poFortaleza
líticas públicas de cultura e a trocar experiências entre si. O Incra/CE
também passou a incentivar a partiCEARÁ
cipação desses grupos em festivais
e a publicação de materiais próprios
que aliam os temas culturais à reforma agrária.
Atualmente, nos 85 municípios
cearenses onde existem assentaItarema, CE
mentos do Incra, 75 grupos se alterTERRA DA GENTE
41
Q U A L I D A D E
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nam em atividades culturais. Mesmo nos tempos de luta pela terra,
eles mantiveram vivas as mais diversas tradições artísticas, a maioria originárias de Portugal. O reisado, também chamado de folia de
reis, a comédia de drama, os cordéis, músicas e festejos que remontam a um Brasil colonial são postos
em cena nos palcos montados em
assentamentos.
Os participantes são na maioria agricultores familiares, jovens,
mulheres e idosos do Semi-árido.
Mas há também grupos do Litoral e
da Serra cearenses. O Projeto, que
reúne 35 assentamentos em plena
atividade, destaca a cultura como
direito básico assegurado pelo Estado na área rural e auxilia na reconstrução da identidade cultural
dos assentados.
É o caso do reisado do mestre
Zé Augusto no Assentamento Cachoeira do Fogo, em Independência;
do grupo de dança-do-coco do Assentamento Sabiaguaba, em Amontada; e da dança de São Gonçalo
do Assentamento Riacho Novo, em
Santa Quitéria. Há, ainda, teatro popular, repente, banda de lata, teatro
de bonecos, poesia, música e quadrilha juninas, artesanato, ativida-
42 TERRA DA GENTE
Confecção de bijuterias agrega renda aos jovens
Apresentações
despertam
potencial turístico
des audiovisuais e de preservação
do patrimônio histórico.
Desestímulo ao êxodo
Com fantasias e adereços coloridos, músicas e animação, essas atividades levam mais alegria a uma população acostumada a ter as mãos
calejadas pela foice e a enxada manejadas sob sol escaldante. “Qualidade de vida nos assentamentos
não se limita à infra-estrutura, engloba também o desenvolvimento humano. A arte e o folclore contribuem
para esse desenvolvimento, consolidam a identidade cultural dessas
famílias e melhoram a qualidade de
vida e a auto-estima”, opina a técnica do Incra/CE Silma Magalhães, que
coordena o Projeto.
O incentivo à preservação da história e da cultura popular nos assentamentos também está ajudando a
manter os jovens no campo. Filhos
de assentados, eles são atraídos pelas possibilidades de emprego nas
grandes cidades. É o caso de Maria Rocilda de Santana, 25, que havia saído do Lagoa do Mineiro para
trabalhar como doméstica em Fortaleza. Quando inserida em um grupo de confecção de bijuterias organi-
As apresentações artísticas sempre
aconteceram no Assentamento Lagoa
do Mineiro e cada vez atraem mais visitantes. “Foi uma antiga professora que
definiu sexta-feira como o dia dedicado
ao drama na escola e ensinou várias comédias bonitas, como a do casal de namorados, a do bêbado”, relembra a assentada Maria Ivaniza Martins de Sousa
Nascimento, 37, que hoje integra o grupo de drama Lagoa das Artes.
Lagoa das Artes é o nome dado a
todos os grupos existentes no assentamento, sejam de reisado, drama, dançado-coco e teatro popular. O número de
componentes varia entre seis e 20 – participam desde crianças até os mais idosos. Suas fantasias são costuradas pelos
próprios assentados. Os tecidos e materiais são doados, patrocinados por programas de incentivo à cultura ou, então,
comprados com a renda obtida no Festival de Quadrilha e Vaquejada, que acontece no assentamento sempre em junho,
em parceria com a prefeitura de Itarema,
e atrai gente de toda a cidade.
Não é somente na época dos festejos juninos que aflora o potencial turístico em Lagoa do Mineiro. O lugar, a 80
quilômetros da praia Enseada dos Patos
e próximo a um dos destinos mais pro-
Maria Ivaniza integra o grupo de drama
Lagoa das Artes
curados do Ceará, Jericoacoara, também
encanta por suas belezas naturais. Com
uma lagoa cristalina rodeada de coqueiros, o assentamento recebe a visita de
muitos estudantes estrangeiros.
Mas são as datas importantes para
essa população que mais atraem visitantes. No dia 6 de janeiro, o público chega
de ônibus para assistir ao grande reisado, a dança profano-religiosa de origem
portuguesa que festeja os três reis magos. Já no dia 12 de agosto, data de recebimento da posse da terra, acontece a
Caminhada dos Mártires, na qual a população se reúne em procissão até a praia
carregando cruzes nas mãos. “O objetivo
é preservar a memória de todos os brasileiros que morreram na luta pela reforma agrária”, conta Ivaniza. E os visitantes
também participam da caminhada.
TERRA DA GENTE
43
V I D A
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Q U A L I D A D E
zado pelo Arte e Cultura, ela voltou
para casa. “A gente passa a ter orgulho ao ver que as pessoas de fora se
interessando pela nossa arte e, a partir do momento em que o Projeto ajuda a ganhar dinheiro, não temos mais
por que sair do assentamento”, justifica a jovem.
As atividades artísticas dos assentados já foram apresentadas para
um público de aproximadamente 30
mil expectadores. O Projeto também
resultou na publicação do livro Arte
e Cultura na Construção da Reforma
Agrária, de Oswald Barroso; na produção do documentário Terra e Cultura: Cultivando a Cidadania, exibido em Paris em 2005 como parte das
comemorações do Ano do Brasil na
França; e na exposição fotográfica
Uma Terra onde Corre Leite e Mel, de
Leonardo Melgarejo. A consagração
veio com a conquista do Selo Cultura Viva, do Ministério da Cultura, em
reconhecimento a seu caráter inovador e à sua importância para a cultura do País.
bertamos: estamos assentados, temos nossa terra, vivemos em paz”,
diz parte da letra.
Segundo Francisca, quando as 45
famílias do Assentamento Lagoa do
Mineiro obtiveram do Incra o título
de posse da terra, em 1986, chegaram a receber olhares desconfiados
da população de Itarema. Vinte e dois
anos se passaram e, hoje, não acontece festa na cidade praiana sem a presença dos artistas do assentamento.
A mudança, na opinião de Francisca, é fruto da arte e da luta desses
bravos descendentes de índios tremembé: “Tenho orgulho ao ver que
nós avançamos muito de lá para cá.
Sempre tivemos o reisado, sempre
tivemos o drama, mas a gente colocava pouco em prática porque lutava em outros sentidos. Agora, queremos expor toda a nossa cultura
para que os jovens também possam
aprender”.
Maria Rocilda retornou da capital
para trabalhar no campo
Um lugar
onde emerge
a criatividade
Nem todas as manifestações artísticas têm origem em Portugal. Algumas foram adaptadas e reinventadas para retratar um cotidiano bem
mais próximo dessa gente do campo: a luta por um pedaço de terra.
É o caso da comédia de drama criada pelos assentados do Lagoa do
Mineiro sobre a relação do lavrador com a sua foice. Eles também
montaram uma peça para contar às
crianças e ao grande público a história do assentamento.
O Teatro Dramático da História
da Luta pela Terra é composto por
18 atores e já começou a ser exibido nas escolas locais. Uma das protagonistas é Francisca Martins Sousa Nascimento, 59. Com sete filhos,
a mãe de Ivaniza chegou a ser jurada de morte. Foram tempos difíceis,
que a assentada não deixou passar
em branco. Tanto que ela resolveu
compor uma música para expressar
sua vitória pessoal. “Com fé, nos li-
44 TERRA DA GENTE
Como funciona o Projeto?
O Incra/CE tem um papel de articulador,
mapeando as políticas de incentivo à cultura em nível federal, estadual e municipal, integrando os grupos culturais dos
assentamentos a essas ações e possibilitando o intercâmbio de experiências.
Para isso, conta com a formação de parcerias, entre as quais, com o Governo do
Estado do Ceará, Secretaria de Desenvolvimento Territorial e Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do
MDA, Serviço Social do Comércio (Sesc),
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae/CE), grupo
Formosura de Teatro de Bonecos, ONG
Encine, movimentos sociais do campo,
associações dos assentamentos da reforma agrária e prefeituras.
Como aderir ao
Arte e Cultura?
Não existe uma adesão formal. Primeiramente, foi realizado um levantamento das manifestações artísticas e culturais presentes nos assentamentos do
Ceará. Essa catalogação já serviu para
a inserção dos assentamentos no Projeto. A partir disso, os grupos recebem
assessoria do Incra/CE sobre as políticas públicas na área de cultura no País
e na elaboração de projetos culturais.
Esse levantamento é permanentemente atualizado.
Só os cearenses participam?
Por enquanto, o Projeto só existe no
Ceará, onde foi criado. A intenção é
levá-lo ao Brasil inteiro, tendo como
referência a experiência cearense. Inicialmente, é previsto um mapeamento
cultural nos assentamentos dos estados. Depois, oficinas regionais e estaduais para orientar sobre as políticas e
programas de cultura. Em seguida, um
acompanhamento constante para divulgação, preservação e fortalecimento das manifestações artísticas. No primeiro semestre de 2008, começou a
ser constituído um grupo nacional de
trabalho que irá articular a difusão do
Projeto no Brasil.
Há outros incentivos à
cultura nos assentamentos?
Sim. O Programa Mais Cultura, que
também faz parte das ações do Territórios da Cidadania, irá ampliar as atividades dos Pontos de Cultura, Pontos
de Leitura, Pontos de Memória, Pontos
de Audiovisual e Projeto de Agentes
Culturais. Os critérios para a implantação dessas atividades estão sendo
definidos pelo Ministério da Cultura
(Minc) e pelo MDA. É importante para
os grupos culturais dos assentamentos se organizarem para participar das
instâncias de decisão nos Territórios da
Cidadania. No Ceará, por exemplo, começou a discussão sobre a criação dos
comitês de cultura para cada território.
Mais informações:
www.territoriosdacidadania.gov.br
Quais programas
patrocinam grupos
culturais do Ceará?
O Programa BNB de Cultura, do Banco do Nordeste do Brasil (www.bnb.
gov.br); o Petrobras Cultural (www.
petrobras.com.br/cultura); e o Programa
Cultura Viva, do Minc (www.cultura.
gov.br).
TERRA DA GENTE
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Ingrid Letícia (acima) aprofunda os conhecimentos agroecológicos na biblioteca rural, enquanto Adjane (à direita) entusiasma as crianças a ler
Bibliotecas rurais
Incentivo à leitura de mãos dadas com a
O Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS) Sepé Tiaraju, localizado na região de Ribeirão Preto,
em São Paulo, é cenário de produção
100% orgânica. Nesse ponto de afloramento e recarga do Aqüífero Guarani, o maior manancial de água doce
subterrânea já rastreado no planeta,
os assentados orgulham-se de haver
banido os agrotóxicos e destinado
35% da área do assentamento à re-
46 TERRA DA GENTE
serva legal. A legislação exige 20%.
E orgulham-se também da adesão cada vez maior à leitura diária,
propiciada pela chegada do Programa Arca das Letras, do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, em janeiro de 2007. A opção pelo cultivo saudável é fruto da conscientização dos
assentados, decisão reforçada pela
assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministé-
rio Público do Estado de São Paulo e
pela disseminação da educação ambiental por meio da leitura. Especialmente entre os jovens.
Nessa legítima ‘ilha agroecológica’ no município de Serrana, que contrasta com a monocultura da canade-açúcar em propriedades privadas
da região, cresceu Ingrid Letícia Rodrigues Franco. Aos 16 anos, Letícia,
como é mais conhecida pelos ami-
Literatura e
reflorestamento
Agroecologia
gos, freqüenta o curso de Agroecologia por intermédio do Programa
Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera), do Incra, e aprofunda seus conhecimentos na biblioteca
do Programa Arca das Letras.
Antes de a biblioteca rural ser instalada em seu assentamento, ela e
os demais jovens até dispunham de
um acervo, mas com poucos títulos.
“O Arca das Letras é uma ótima op-
ção para que jovens e crianças tenham mais cultura. Há crianças no
meio rural que nem sabem o que é
um livro”, alerta a adolescente. Na literatura, Letícia tem uma predileção
pelos romances, mas revela interesse cada vez maior por obras referentes à produção orgânica. “A Agroecologia nos mostra o futuro dos nossos
filhos, que é o consumo de produtos
orgânicos”.
Aos olhos do pai, Júlio Rodrigues Franco, 58, a adolescente evoluiu muito com o acesso à leitura. “Ela
amadureceu, está atuante nas discussões do assentamento. A arca (móvel-estante onde os livros são todos
dispostos) reúne os nossos jovens. É
mais fácil colocar o hábito de estudo
e leitura nos mais novos do que nos
adultos”, observa ele.
O lote onde vive Agnaldo Vicente de
Lima, 37 anos, foi um dia um canavial.
Atualmente é área de reserva do assentamento, onde ele cultiva mais de 100
variedades orgânicas, entre espécies lenhosas (árvores, arbustos e palmeiras) e
cultivos agrícolas. É o chamado Sistema
Agroflorestal (SAF), uma ferramenta de
reflorestamento de áreas abertas.
O interesse do assentado pelo assunto é tão grande que ele até pediu
um livro para o acervo do Programa
Arca das Letras, com o título Árvores
Brasileiras. Para Agnaldo Lima, “o cerco está se fechando” na questão agroecológica. “A gente faz a nossa parte
por consciência, mas acredito que no
futuro será por obrigação, assim como
o voto. Se a sociedade não parar para
debater o assunto, vai ficar cada vez
pior”, prevê.
Ele, que sempre trabalhou com
Agroecologia, conta que usa como adubo verde o feijão de porco e o guandu.
E sobre o acordo firmado com o Ministério Público do Estado de São Paulo é
enfático: “Pelas regras, quem usa fogo
ou agrotóxico no assentamento paga
multa de 10 salários mínimos e ainda
corre o risco de perder o lote”.
SÃO PAULO
São Paulo
Serrana, SP
TERRA DA GENTE
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Jair Ferreira difunde as práticas da agricultura saudável entre os mais jovens
Opção pela vida saudável
A troca de conhecimentos práticos e teóricos está presente nas relações entre os assentados – seja na
comunidade ou na família – e acabou
acentuada pelo acesso agora facilitado aos livros. Samuel Soares Ferreira, 18 anos, também faz o curso de
Agroecologia. O pai, Jair Soares Ferreira, 53, esbanja sabedoria por trás
de seu jeito simples, mas se diz disposto a receber ainda mais conhecimentos do filho e dos outros jovens.
“A ganância veio junto com o agrotóxico e a tradição de orgânicos que
existia acabou. Hoje estamos tentando retomar um caminho que nossos
antepassados fizeram. Estamos tentando recuperar uma época que já
se foi”, reflete o pai. E completa: “O
pessoal vai ao mercado, vê aqueles
tomates grandes, bonitos. Não sabe
que tudo aquilo é veneno”.
Seu Jair é ciente de que a produção orgânica tende a ser ainda mais
procurada. Já acessou por duas vezes
o Pronaf, para investir de forma coletiva em um trator, além de comprar
animais e equipamentos e fazer benfeitorias no lote. Tem em vista abastecer um mercado consumidor mais
atento, como ele, à necessidade de
uma alimentação saudável.
48 TERRA DA GENTE
Semente da cultura
O Programa Arca das Letras no
PDS Sepé Tiaraju já recebeu mais de
500 títulos, por meio de campanhas
de doação promovidas pela comunidade, além do acervo original. Em razão da falta de espaço para guardar
tantos livros novos, a biblioteca rural
já “passeou bastante”, como brinca a
irmã Vera Schinato dos Santos.
Ela é uma das três religiosas da
Congregação Franciscanas da Penitência que moram em uma casa na área
comunitária do assentamento. Atual-
mente, a biblioteca rural encontra-se
sob os cuidados das irmãs, mas a intenção é construir um espaço comunitário
que possa abrigá-la definitivamente.
Irmã Vera sempre quis trabalhar
no meio rural e conta que assumiu a
missão de enfrentar as mesmas dificuldades dos assentados. Ela diz perceber que a comunidade não está
“lendo por ler”, mas entendendo as
mensagens. “Não devemos plantar
apenas a semente do alimento, mas
também a da cultura, que faz tão bem
ao ser humano”, ensina.
Biblioteca itinerante
Para divulgar a leitura, não falta criatividade aos jovens e adolescentes envolvidos com o projeto – muitos deles
capacitados como agentes de leitura
para difundir o hábito de ler em toda
a comunidade. Eles costumam levar a
arca aos eventos promovidos no assentamento ou fora dele, para propiciar maior visibilidade ainda aos livros.
Adjane Dionísio Pereira, de 25
anos, conta que um dia a turma resolveu carregar a biblioteca rural em
um ônibus lotado até a praça do município de Serra Azul. “Aproveitamos
a praça, que é um espaço destinado a brincadeiras e lazer. O pessoal
da cidade ficou encantado”, recorda.
Adjane, que já abrigou a arca em
sua casa, diz que é notável a mudança no hábito de leitura, principalmente entre jovens e crianças. “Te-
nho uma filha (Vitória) de seis anos.
Ela não lia livros. Mas, quando a arca
foi para minha casa, ela pegou gosto
pela leitura. Dizia sempre: ‘Mãe, deixa
eu ler mais um livro da arca’”. Adjane
relata que Vitória está lendo cada vez
melhor e não perdeu mais o interesse
pelos livros, mesmo que a arca tenha
ido agora passar uma temporada em
outra casa do assentamento.
Como é o Sepé Tiaraju
O PDS Sepé Tiaraju foi criado em
2004, numa área de quase 798 hectares, onde vivem 79 famílias. É a primeira experiência de Projeto de Desenvolvimento Sustentável no estado de São
Paulo. Tem como proposta reverter a
situação de degradação ambiental da
antiga fazenda Santa Clara, situada na
área de afloramento e recarga do Aqüífero Guarani. Em toda a fazenda, anteriormente, se plantava cana.
A área é composta por Sistemas
Agroflorestais, Sistemas Silvopastoris
e outros cultivos agroecológicos. Para
garantir a viabilidade econômica do assentamento, existe uma parceria com
a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),
modalidade Doação Simultânea. Pelo
programa, cada assentado tem a garantia de poder comercializar até R$
3,5 mil por ano com a Conab.
Arca das Letras
O Programa Arca das Letras foi criado em 2003 pela Secretaria de Reordenamento Agrário (SRA/MDA) com o objetivo de incentivar a leitura no campo.
Desde o seu lançamento, já foram implantadas mais de cinco mil bibliotecas
em comunidades rurais de 1,7 mil municípios brasileiros, beneficiando 570 mil famílias. Em 2008, a previsão é de entrega
de mais 500 arcas nos 60 Territórios da
Cidadania criados em todo o País.
Como participar
O pedido de biblioteca rural deve
ser encaminhado para o e-mail:
[email protected]. A solicitação pode ser feita pelo município, por
um morador da comunidade a ser atendida, líder comunitário ou representante de movimento social. O solicitante receberá um formulário do Programa Arca
das Letras e deverá preenchê-lo com a
participação de toda a comunidade. O
Programa analisará as respostas e, se viável a implantação, o pedido será incluído no planejamento de bibliotecas rurais para o estado. Atenção: é mais fácil
atender comunidades que possam produzir a própria arca (móvel de madeira
que acomoda os livros).
Quem são os beneficiários
O público do Programa é formado por
assentados da reforma agrária, comunidades de agricultores familiares tradicionais, quilombolas, indígenas, extrativistas,
ribeirinhos e associações do Programa Nacional do Crédito Fundiário.
Obtenha mais informações
O telefone do Programa Arca das Letras no MDA é: (61) 3961-6451.
TERRA DA GENTE
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Sinfonia dos assentados ecoa
no Semi-árido potiguar
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D E
Instrumentos reciclados
Dezessete trabalhadores assentados compõem o Som da Terra
O que poderia ser apenas mais
uma oficina pedagógica na grade
curricular do curso de Pedagogia da
Terra na Universidade Estadual do
Rio Grande do Norte (UERN) acabou
transformando os conceitos de educação, música e destinação do lixo.
Estudantes do penúltimo ano da formação acadêmica, promovida por intermédio do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Incra, criaram o Grupo de
Percussão Som da Terra tocando os
mais improváveis instrumentos.
Tambores de bombonas plásticas e latas, ganzás de garrafas pet e
50 TERRA DA GENTE
Luiz Benício conta que a banda
surpreendeu o ambiente universitário
sementes de milho e feijão, além de
flautas de cano em PVS e pedaços
de madeira – esses são os principais
acessórios das sinfonias. Eram produtos que normalmente, depois de
utilizados, ficavam sem serventia. Seu
único destino era o descarte. Dezessete estudantes de assentamentos
no Território do Açu/Mossoró (RN)
trataram de inverter essa lógica. Formaram uma banda e estão tirando da
sucata os mais variados sons.
A história do Som da Terra teve
início no final de 2006. A turma de
Pedagogia da Terra na UERN, formada por 120 alunos, recebeu a tarefa
de realizar uma oficina pedagógica
cujo tema central era a importância
da reciclagem. Ao final, a turma deveria apresentar um seminário sobre o
meio ambiente. A destinação do lixo
nas áreas de assentamento, e principalmente a utilização de material reciclável, levou um grupo desses estudantes a ir além: construir os próprios
instrumentos musicais só com o que
seria jogado fora. E a oficina passou
a englobar o aspecto cultural.
Luiz Benício Júnior, 41 anos, do
Projeto de Assentamento (PA) Favela,
em Mossoró, explica que os instrumentos musicais, inicialmente, representavam apenas o produto final da
oficina. Para a avaliação, os alunos,
então, resolveram fazer uma apresentação aos demais colegas. A idéia era
demonstrar como alguns produtos
poderiam ser transformados em instrumentos, além de utilizados como
brinquedos pelas crianças e adolescentes dos assentamentos.
O resultado da oficina não só surpreendeu os professores, como também a coordenação do curso e os
próprios alunos. O som oriundo dos
instrumentos ganhou os corredores
da UERN e provocou vibração entre
os universitários. Todos os que assistiram àquela estréia do Som da Terra
aplaudiram de pé os colegas. O grupo
não só terminou com sucesso a oficina, como resolveu dar continuidade
ao trabalho. Assim surgiu a banda.
Despertando a musicalidade
A banda tornou-se uma referência para o Projeto de Pedagogia da
Terra e para a própria universidade.
Até maio de 2008, foram realizadas
mais de 60 apresentações em eventos da UERN e da Superintendência
Regional do Incra, lotando auditórios,
praças públicas, salas de aulas e palcos improvisados nos assentamentos em Mossoró e nas cidades vizinhas. Os instrumentistas da reforma
agrária tocam em formaturas, seminários, feiras agropecuárias, festas
folclóricas.
Numa dessas apresentações, a
trabalhadora rural Valquíria Maria dos
Santos, 40 anos, moradora do Projeto
de Assentamento Fazenda Nova, em
Mossoró, percebeu que a filha Keila,
de 21, estava na platéia em companhia
das colegas de escola. Era um fim de
tarde e o Som da Terra se apresentava
em praça pública, no Centro de Mossoró, uma das maiores cidades do interior, para mais de 300 pessoas.
No fim da apresentação, a filha,
que nunca tinha ouvido a mãe tocar,
abraçou Valquíria. Confessou que não
imaginava ter uma mãe artista. “Eu
pensei que tudo isso não passava de
uma brincadeira. Para mim, só podia
tocar quem estudava música. Nunca toquei nada na vida, nem quando
RIO GRANDE DO NORTE
Natal
Mossoró, RN
TERRA DA GENTE
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era solteira e não tinha
filhos. Mas a banda não
é uma brincadeira, tudo
isto é verdade! Vendo
minha filha e as colegas
na platéia me aplaudindo, descobri que também sei levar música e
alegria às pessoas”, entusiasma-se Valquíria.
Luiz Gonzaga e
Zé Ramalho
Valquíria, Isaac e Ana Cruz transformaram suas vidas com a música
O estudante Isaac Jeremias de Paula, 26, do Projeto de Assentamento Três Marias, em Governador Dix-Sept Rosado, concorda que a
banda mudou o conceito de música
entre todos os seus integrantes. “Nenhum de nós sabia tocar e não imaginávamos um dia tirar o som de qualquer instrumento”, conta ele.
A evolução da banda despertou
nos componentes o desejo de estudar música, em especial, a do cancioneiro nordestino. O aluno do Pronera – Programa que em 2008 completa
10 anos e já formou mais de 500 mil
estudantes no Brasil – explica que o
grupo de percussão optou por tocar
repertórios de compositores da região. Tudo porque eles expressam
nas letras a tradição e os hábitos no
campo nordestino.
Nas apresentações, sempre executam músicas como Asa Branca (de Luiz
Gonzaga) e Vida de Gado (de Zé Ramalho). “Essas duas músicas, em especial, falam da luta e do amor do trabalhador nordestino pela sua região”,
destaca Isaac. Na concepção do estudante, a banda tenta reproduzir no repertório a realidade vivida nos assentamentos. “A gente não foge do nosso
contexto. Como o nome da banda diz,
fazemos o som da nossa terra e procuramos despertar nas pessoas o interesse pela música como alimento
da alma, complemento do dia-a-dia
da luta no campo”, reflete.
Impulso à criação
Outra aluna do projeto, a trabalhadora rural Ana Maria da Cruz, 33,
52 TERRA DA GENTE
encontrou na banda espaço para divulgar as suas composições. Poetisa
que vive no Assentamento Riachão,
também em Governador Dix-Sept
Rosado, era acostumada a recitar
poemas somente entre os familiares e nas rodas de amigos. Depois
de ingressar no grupo de percussão,
Ana Cruz escreveu muitas e muitas
músicas. “Estou ficando famosa”,
brinca ela.
Sua mais recente composição
foi criada para homenagear o curso
que lhe abriu tantos caminhos. Ana
Cruz compôs o Hino de Pedagogia
da Terra, uma referência a todos os
assentados que têm a oportunidade
de cursar a graduação visando a for-
mação de educadores. Mais do que
compor e tocar ganzá no Som da Terra, ela o defende como exemplo a ser
seguido. Justifica que a experiência
de construir instrumentos musicais
com material reciclável deve ser levada a todos os espaços de formação de educadores. “O que fazemos
é educação”, frisa.
Além de se revezar entre os afazeres de aluna e trabalhadora rural,
Ana Cruz também dá aulas de alfabetização para crianças no assentamento em que mora. São meninos
e meninas que têm pouco acesso a
brinquedos. A idéia de construir tambor, ganzá e flauta, vivida na universidade, foi então reprisada na classe in-
fantil. “Ensinamos as crianças a fazer
os seus instrumentos, que, na verdade, acabam sendo seus brinquedos
favoritos”, anima-se ela.
A ‘Bandinha’, como a universitária a chama, ainda está ensaiando os
primeiros sons, mas a experiência de
utilizar material reciclável surtiu efeito imediato na turminha. A professora identificou melhoria no rendimento escolar dos alunos, já que eles
aprenderam a trabalhar em equipe na
construção dos instrumentos musicais. “Nos dias de aula com os instrumentos, sinto que eles ficam mais felizes e prestam mais atenção”.
Som da terra na formatura
Essa predileção não se restringe à
sala de aula infantil. Os estudantes de
Pedagogia da Terra que compõem a
banda são unânimes em afirmar que
a melhor hora da aula é mesmo a do
ensaio. Para não atrapalhar o ren-
Saiba mais sobre o Pronera
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) é uma política
de educação em áreas de reforma agrária executada pelo Incra e que atende
jovens e adultos. As ações vão do ensino fundamental à graduação, com
propostas pedagógicas adaptadas à realidade do campo.
A participação no Programa se dá por meio das universidades, escolas técnicas
federais, escolas família agrícola e secretarias estaduais ou municipais de Educação,
que são as instituições com as quais o Incra faz o convênio para oferecer os cursos.
Os assentados que tiverem interesse em participar devem, por meio de suas
representações – associações, cooperativas, sindicatos, movimentos sociais
– procurar uma dessas instituições para propor uma parceria. A instituição é que
apresentará o projeto ao Incra.
A documentação exigida ao assentado para participar dos cursos é a comprovação
de que é beneficiário da reforma agrária. Esse documento é fornecido pelo Incra.
Não é necessário pagar nada. O Pronera arca com todos os custos dos cursos.
No caso dos cursos de alfabetização e escolarização em nível fundamental, as
aulas são realizadas nas próprias áreas de reforma agrária. No caso de nível médio
e superior, normalmente, elas ocorrem na universidade ou na escola parceira.
dimento da universidade, os treinamentos são realizados nos intervalos e ao final das aulas.
A professora Fátima Resende, secretária-geral do Projeto e eleita madrinha da banda, já não abre mão do
Hino do Pedagogia da Terra, de Ana
Cruz, nos eventos realizados na Faculdade de Educação da UERN. E
anuncia que essa composição fará
parte da abertura e do encerramento da solenidade de colação de grau
da turma. A festa, a toque dos instrumentos reciclados, é prevista para o
segundo semestre de 2009.
As instituições interessadas em oferecer cursos devem procurar as
Superintendências Regionais do Incra nos estados. Em cada uma delas, há
uma pessoa coordenadora do Pronera. Lá, os interessados receberão todas as
orientações. No caso de se firmar parceria, haverá uma contrapartida por parte
da instituição, como funciona em todos os convênios do Governo Federal.
Todos os cursos do Pronera são formais, ou seja, têm o mesmo peso de um
curso convencional. No caso dos cursos técnicos de nível médio, são conferidos
certificados pelas escolas técnicas federais, estaduais ou municipais, conforme o
caso. Nos cursos superiores, os estudantes recebem o diploma de graduados.
Atualmente, 14 universidades no País oferecem o curso de Pedagogia da Terra.
Para ingressar no curso superior, o assentado passa por um processo seletivo
um pouco diferenciado, envolvendo conhecimentos mais adaptados ao campo.
O período de seleção e de ingresso na universidade é de acordo com o calendário
estabelecido pela instituição de ensino, juntamente com o Incra e os movimentos
sociais. Não seguem, portanto, o calendário acadêmico convencional.
O orçamento do Pronera para 2008 é de R$ 52,2 milhões, sendo R$ 15,4 milhões
para educação de jovens e adultos, R$ 7,2 milhões para concessão de bolsas e
R$ 29,6 para projetos de nível médio e superior.
TERRA DA GENTE
53
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E
ORGANIZAÇÃO SOCIAL
Quebradeiras de coco agregam valor aos
P A R T I C I P A Ç Ã O
P O L Í T I C A
Trabalhadoras organizadas
Trabalhadoras rurais de quatro estados organizaram sua produção
56 TERRA DA GENTE
derivados do babaçu
“Com a venda da amêndoa e do
azeite, hoje eu já posso comprar arroz, farinha e outros mantimentos
para ajudar em casa”. O relato de
Maria Demetriz de Mendonça Santos, a Demétria, uma quebradeira de
coco de 53 anos, casada há 27 e mãe
de seis filhos, ilustra como as mulheres de sua comunidade têm assumido junto aos maridos o encargo de
sustentar a família.
“A mulher agora compra a farda dos
meninos para a escola e traz comida
para casa com a renda do sabonete”,
empolga-se Lucilene Mota Silva, 41, ao
explicar como as mudanças no modo
de produção têm refletido na economia doméstica. Viúva há 13 anos, ela
é a principal responsável pelo sustento da casa onde mora com os quatro
filhos, um genro e duas netas.
Suas histórias se desdobram, respectivamente, nas comunidades de
Itaquaritiua, a 30 quilômetros do centro da cidade de Viana, e em Bairro
Novo, no município de Penalva. Trabalhadoras rurais da Baixada Maranhense, elas têm muito em comum: toma-
ram as rédeas de seu destino e, por
conseqüência, da produção familiar.
Aprenderam o que é agregar valor.
E não estão sozinhas nessa virada. Em cursos de capacitação realizados com recursos do Programa de
Promoção da Igualdade de Gênero,
Raça e Etnia (Ppigre/MDA), coordenados pelo Movimento Interestadual
das Mulheres Quebradeiras de Coco
Babaçu (MIQCB), 300 trabalhadoras
rurais do Tocantins, Pará, Piauí e Maranhão aprendem desde 2006 os fundamentos da organização produtiva e
da agregação de valor e renda.
O grupo do azeite
Em Itaquaritiua, uma comunidade com cerca de 120 famílias e marcante descendência indígena, o grupo de 29 mulheres participantes do
projeto conquista, com a produção
do azeite, a melhoria na qualidade de
vida. Com a experiência de sócia-fundadora do grupo do azeite, formado
em 2004, Demétria exalta a valorização de seu trabalho e o das colegas
no mercado.
As utilidades
do babaçu
Amêndoa – a semente serve para a
produção de azeite, sabão, xampu,
doce, farinha e sabonete, entre outros
subprodutos. Do seu óleo pode-se ainda produzir combustível alternativo,
como o biodiesel.
Palha – é utilizada na cobertura de habitações e na produção de artesanatos regionais.
Talo – usado na confecção de cercas.
Palmito – alimento humano e animal.
Mesocarpo – dele se produz chocolate, bolos, mingaus e outros alimentos
de alto teor protéico, usados na multimistura e na merenda escolar.
Casca do coco – é aproveitada como
alimento animal e na produção do carvão para uso industrial, especialmente
nas usinas de ferro gusa.
Fonte: Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea)
São Luís
MARANHÃO
Viana, MA
TERRA DA GENTE
57
P O L Í T I C A
P A R T I C I P A Ç Ã O
Retorno aos
bancos escolares
A capacitação em Itaquaritiua foi o estopim para que Simone Santos Silva, 32
anos, retornasse aos bancos escolares. Até
então, ela não tinha cursado o Ensino Médio. “Com a capacitação, acumulei conhecimento, conheci lugares novos, troquei experiências com outros grupos, me
desinibi. Percebi que faltava estudar mais.
Minha mãe até perguntou: ‘Por que sacrificar os finais de semana e as noites? Por
que voltar agora a estudar’? E eu respondi que decidi melhorar de vida, por mim
e pelos meus dois filhos”. Além do Ensino
Médio, que cursa todas as tardes, Simone guarda fôlego para assistir às aulas de
Magistério aos finais de semana.
58 TERRA DA GENTE
Antes da participação no projeto,
elas vendiam o coco babaçu em estado bruto, no comércio e em feiras
da vizinhança, por R$ 0,50, o quilo. A
adoção da nova estratégia possibilitou capital de giro à sua associação.
“Agora, o MIQCB compra das sócias e
de outros produtores da região o quilo da amêndoa por R$ 1,10”. É mais
que o dobro do valor obtido anteriormente só com o produto bruto.
As mulheres também aprenderam
a tirar proveito de outros derivados
do babaçu e a aprimorar a produção
Conscientização
ambiental
Demétria e as colegas obtêm mais que o dobro do valor do produto bruto
– até então, tudo era produzido manualmente nos pilões. O MIQCB hoje
compra das quebradeiras de coco o
carvão vegetal feito com a casca do
babaçu, assegurando a elas mais uma
fonte de renda (cada lata de 18 litros
sai por R$ 2). É o carvão que alimenta o forno coletivo onde é torrada a
amêndoa, em uma das etapas de preparação do azeite.
O grupo do sabonete
A opinião de Lucilene sobre o papel ativo das sócias do grupo do sabonete no sustento de suas famílias
é compartilhada pelas colegas. “Em
muitas casas dessa comunidade, as
contas agora são divididas entre homens e mulheres. É do trabalho nesse grupo que tiro minha renda”, revela
Sandra Maria Machado Aires Barbosa, 27, três filhos e atual gerente de
produção da associação de Bairro
Novo, formada em 2000. Tatiana Costa Correia, 39 e dois filhos, é enfática: “A gente ainda acaba trabalhando
mais, porque ajuda na roça, extrai o
coco e cuida da casa e dos filhos”.
Em Bairro Novo, o curso de capacitação tem ensinado às 45 integrantes da associação local de que-
bradeiras de coco que a produção de
sabonetes também pode abrir novas
perspectivas de mercado. Superada
a etapa experimental do programa,
as mulheres dessa localidade planejam elevar a média mensal de fabricação do sabonete de 240 para cinco mil unidades.
O aumento da produção é possível graças às conquistas obtidas pela
organização coletiva. Com recursos
doados em 2006 pela Aktionsge-
Para garantir a manutenção de suas
atividades, as quebradeiras de coco babaçu são defensoras permanentes da vegetação nativa nas áreas onde retiram a
matéria-prima. E a conscientização a respeito da preservação dos babaçuais começa em casa. “Meu marido cortava o
babaçu para fazer roça. Agora ele compreende que é um meio de vida. Hoje,
todos olham a palmeira como uma mãe.
Para alguns é alternativa, para outros é
renda”, conta Vitória Balbina Torres Mendonça, a Bárbara, 30.
Além da conscientização ambiental, o
MIQCB tem sido responsável pela orientação dessas mulheres no resgate da identidade de cada grupo e na reivindicação
de direitos. Zulmira de Jesus Santos, 40,
coordena as ações do movimento na defesa da aprovação e do cumprimento de
leis que protejam os babaçuais e garantam o acesso das mulheres à extração do
coco – ou seja, a “Lei do Babaçu Livre” –,
na Baixada Maranhense. “Com o tempo,
nossas mulheres se tornam mais articuladas e destemidas. Viram multiplicadoras
do conhecimento”, reconhece.
No Congresso Nacional, elas fazem vigília pela aprovação do Projeto de Lei nº.
231/2007, que dispõe sobre a proibição
da derrubada dos palmeiras de babaçu
nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e Mato Grosso. O texto
também prevê o livre acesso das quebradeiras de coco aos babaçuais para o trabalho de coleta.
TERRA DA GENTE
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P O L Í T I C A
P A R T I C I P A Ç Ã O
meinschaft Solidarische Welt (ASW),
ou Ação Mundo Solidário – organização não-governamental alemã de
cooperação técnica –, as mulheres
de Bairro Novo construíram a sede
da associação e adquiriram as máquinas de fabricação, molde e corte do sabonete, além da balança digital. Tudo está prestes a entrar em
funcionamento.
manda de mercado, além de noções
sobre os controles financeiros, como
o fluxo de caixa. As discussões envolveram a definição dos padrões de
apresentação dos produtos derivados do babaçu. Conforme estava previsto no projeto, ainda foram inves-
tidos recursos na compra de novas
embalagens.
O movimento teve um novo projeto aprovado no Apoio à Organização Produtiva de Mulheres Trabalhadoras Rurais, que prevê a liberação,
também pelo Ppigre, de R$ 162,7 mil
Como ocorre a capacitação
Por meio da chamada de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER)
Setorial voltada especificamente às
mulheres, o Ppigre/MDA liberou R$
199,8 mil em 2006 para a execução
do primeiro projeto de capacitação
proposto pelo MIQCB. Esse projeto
funcionou até dezembro de 2007.
As mulheres envolvidas na capacitação receberam orientações sobre
planejamento, controle e organização
da produção, viabilidade econômica,
produto, preço, ponto de venda e de-
60 TERRA DA GENTE
Casa típica das quebradeiras no interior do Maranhão
Saiba mais
O que é a ATER Setorial?
É uma linha de Assistência Técnica e
Extensão Rural (ATER) criada em 2004
pelo MDA e direcionada às comunidades de mulheres, indígenas e quilombolas.
Quem pode participar?
Empresas de assistência técnica, associações, sindicatos ou organizações
não-governamentais. Para receber
apoio financeiro, devem apresentar
projeto ao Ppigre/MDA. No âmbito
dos indígenas, as propostas devem ser
encaminhadas à Secretaria da Agricultura Familiar (SAF/MDA).
até o final das atividades. Elas foram
iniciadas já no ano de 2008. Os encontros desse segundo projeto prevêem orientações sobre formulação
de preços, intercâmbio, participação
em feiras e cooperativismo.
O desafio da comercialização
Entre tantos outros desafios, as
quebradeiras de coco babaçu preten-
dem, por meio da capacitação, traçar estratégias que possibilitem ampliar a comercialização dos produtos.
Até o momento, as vendas estão muito restritas às feiras e aos comércios
das cidades de Viana, Matinha e Penalva. “Nossa esperança é ter demanda para produzir sempre e cada vez
mais”, projeta Demétria.
O azeite de babaçu é vendido por
R$ 6, o litro. O sabonete de 90 gramas, por R$ 1. Alcançar a renda fixa
é, entre elas, uma das principais metas. Como avalia a consultora técnica
do MIQCB Luciene Dias Figueiredo,
a garantia de periodicidade de renda para essas trabalhadoras rurais é
um incentivo à permanência delas no
grupo de trabalho e um impulso ao
aperfeiçoamento.
Com o pensamento voltado à expansão comercial, o grupo de Itaquaritiua tem investido todo o lucro na
estruturação de suas atividades. Entre outros equipamentos, planeja adquirir a segunda forrageira, máquina
de moer amêndoas para acelerar a fabricação do azeite. Em Bairro Novo,
as quebradeiras de coco babaçu reúnem recursos para a aquisição de
uma prensa, o que deve agilizar a fabricação de ingredientes básicos dos
sabonetes.
Quais as linhas apoiadas?
Mulher: projetos que desenvolvam
obrigatoriamente ações de Gênero e Desenvolvimento Rural e Políticas Públicas de Apoio à Produção e
Comercialização. É necessário, ainda,
que o projeto contemple pelo menos
uma das ações prioritárias definidas
na Chamada Anual de Projetos para
este grupo.
Quilombolas: podem ser apoiadas
duas linhas de projetos, ATER e Apoio
ao Desenvolvimento Sustentável das
Comunidades Quilombolas, com 14
tipos de ações prioritárias relacionadas à diversidade étnica e aos saberes tradicionais.
Indígenas: podem ser apoiados projetos de gestão e controle territorial; abordagem agroecológica da
produção e valorização de técnicas
produtivas tradicionais da etnia; comercialização, agregação de valor,
agroindustrialização e certificação socioparticipativa da produção indígena; conservação, revitalização e beneficiamento de espécies tradicionais,
entre outros.
Para outras informações, acesse:
www.mda.gov.br/aegre ou
www.mda.gov.br/saf
TERRA DA GENTE
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Reserva indígena conquista a
sonhada auto-sustentabilidade
P A R T I C I P A Ç Ã O
P O L Í T I C A
Autonomia produtiva
Produção de leite prioriza a nutrição das 300 crianças do Kondá
Muitos foram os percalços até
raiar o dia da primeira colheita coletiva de milho na Reserva Indígena do
Kondá, em maio de 2008. Encravada
entre as colinas de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, essa comunidade de 105 famílias kaingangs enfrentou um vendaval no final de 2007 que
transtornou a todos em plena época
de semeadura das sementes, com a
destruição da única escola do local.
Ainda assim, liderados pelo cacique Carlos Salvador, de 39 anos, os
62 TERRA DA GENTE
indígenas perseveraram ante a inclemência do vento e organizaram um
mutirão de plantio. Afinal, tinham
em mãos as sementes crioulas doadas por intermédio do Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) – o sonhado passaporte para alcançarem a
auto-sustentabilidade nas próximas
safras.
Em dezembro de 2007, eles sofreriam outro revés. Já em flor, os 12
hectares semeados com milho ficaram à mercê da estiagem que atin-
giu Santa Catarina e o Rio Grande do
Sul. Nada vingou. “No campo, não se
pode desistir, não é? Fomos em frente, de novo, para ver se o milho ia
dar”, conta orgulhoso Nilton Loureiro, 33 anos e sete filhos.
Integração de políticas
O Kondá descobriu, então, que a
integração de políticas públicas pode
na prática salvar a lavoura. Pelo PAA,
operacionalizado pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS), a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) forneceu 280
quilos de sementes de milho crioulo.
Era a senha para o recomeço.
O estímulo à organização produtiva entre os indígenas contou com os
técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai), que já atuam há 12 anos
junto à comunidade. E o acompanhamento atento de agrônomos da
Empresa de Pesquisa Agropecuária
e Extensão Rural de Santa Catarina
(Epagri), do governo estadual, impediu novas perdas.
Ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), coube articular nos âmbitos federal e estadual
essa verdadeira força-tarefa pró-Kondá. “Nesses anos todos em que estamos aqui, a lavoura nunca rendeu
tanto!”, surpreende-se Marino Salvador, 28, piloto do trator com carroce-
SANTA CATARINA
Florianópolis
Chapecó, SC
ria que transportou 42 toneladas de
milho da lavoura direto para o galpão
de armazenagem da reserva indígena.
Foi uma festa.
Faceiro com a produtividade,
mesmo que dias antes da colheita
um vento forte ainda tenha derrubado dezenas de pés de milho, dificultando o trabalho, o irmão do cacique já acalenta planos auspiciosos.
Pretende mais que triplicar a área
plantada. Olhos fitos no horizonte,
contabiliza 43 hectares disponíveis
para os pés de milho na próxima safra. “Agora a realidade é outra. Tudo
o que vamos plantar, tudo é com semente própria”.
TERRA DA GENTE
63
P O L Í T I C A
P A R T I C I P A Ç Ã O
Perspectiva é mais que triplicar a área plantada com milho
Como funciona
O PAA
Por meio do Programa de Aquisição de Alimentos, o Governo Federal
garante a compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar para
a alimentação escolar e para populações sob o risco de segurança alimentar. Com isso, impulsiona a emancipação das famílias de agricultores. Em
2006, o MDA passou a ter orçamento
próprio para a execução de duas das
modalidades do PAA: Compra Direta
e Formação de Estoque pela Agricultura Familiar.
Somente em 2006 e 2007, foram aplicados nas operações de compra dessas duas modalidades mais de
R$ 138 milhões. Esse recurso permitiu a aquisição de 183 toneladas de
alimentos, beneficiando quase 50 mil
famílias, entre elas, as de agricultores
enquadrados no Pronaf, aqüicultores
e pescadores artesanais, silvicultores,
extrativistas, indígenas, integrantes de
comunidades quilombolas e assentados da reforma agrária.
64 TERRA DA GENTE
O cacique arremata: “Chega de
perder o tempo do plantio. Às vezes,
a terra estava ali, pronta, mas a gente não tinha as sementes. Não queremos depender de mais ninguém”.
Diversidade produtiva
O projeto desencadeado no Kondá (e em outras nove reservas catarinenses) compreende, ainda, a doação de sementes de feijão pelo PAA.
A Conab compra de volta o excedente produzido entre os indígenas, propiciando segurança de escoamento
da produção.
E essa aposta de toda a comunidade na auto-sustentabilidade não
está restrita aos grãos. Influenciados
pela cultura leiteira do Norte do Rio
Grande do Sul, com o qual fazem divisa, os habitantes do Kondá previnem a subnutrição de suas crianças
fornecendo leite das próprias vacas
para a merenda escolar e para o posto de saúde instalado na reserva.
As raças jersey e gir leiteiro, tradicionais nesse tipo de produção,
começam a povoar as manadas dos
kaingangs. Júlio da Silva, 56, é um dos
patriarcas indígenas que já multiplica
ano a ano as cabeças de gado. Em
2006, na arrancada de sua produção
leiteira, eram quatro vacas. Depois de
dois anos, há 11 bovinos no pasto. “A
gente ainda não vende para fora, mas
contribui com toda a comunidade. O
leite das minhas vacas já chega a 32
famílias do Kondá”, conta, satisfeito.
Passado e presente
Com casas erguidas às margens
do Rio Uruguai, essas famílias aos
poucos mesclam suas culturas tradicionais aos novos manejos, como o
do gado leiteiro. Nada é feito ali por
acaso. Entre os kaingangs, a força
dos ensinamentos ancestrais transparece a cada diálogo. Eles dizem ser
impensável abandonar na reserva o
cultivo das ervas medicinais ou dos
frutos nativos. A agricultura orgânica,
sem agrotóxicos, é tida como a única prática aceitável com a ‘mãe terra’.
E no sinuoso Uruguai, persiste a pesca de jundiás, traíras e carpas para o
consumo diário.
A façanha da comunidade tem
sido preservar a herança das gerações anteriores sem retroceder ante
a modernização produtiva, sempre
com vistas ao auto-sustento e, algum dia, à comercialização rotineira da produção. “Meu sonho agora é
termos uma cooperativa indígena. Às
vezes, fico olhando aquelas caixinhas
de leite que vêm de dentro de assentamentos da reforma agrária e pensando: ‘Aqui ainda vamos ter isto!’”,
projeta Antônio Vicente, 39 anos.
Preservando
as origens
Ronai Vicente, 11 anos, veste o colar com sementes de uva japonesa e juarana antes de tomar o rumo da escola. Esse é um ritual diário. O menino já
não freqüenta classes indígenas, como
os irmãos, mas nem por isso refuta sua
origem diante dos colegas, a maioria
deles descendentes de imigrantes europeus em Chapecó. Ao contrário, faz
questão de ostentar em meio às vestes
sua história kaingang.
Na varanda de casa, suas irmãs,
Marcilene, 19, Marlise, 14, Viviane, oito,
e Maristela, de sete, confeccionam colares, cocares, pulseiras e cestos de cipó,
com o auxílio do caçula, Ronae, cinco
anos. Todos embalados pelo canto do
pai, Antônio Vicente, gravado para a
posteridade em CD. Canto em kaingang e também em português, para
que todos compreendam a história de
luta desse povo.
Eles lutam dia-a-dia, até nas circunstâncias mais corriqueiras, como cozinhar o pixé de milho no almoço, para
não deixar sua cultura esmaecer. E esse
rito de renovação cultural repete-se nas
varandas de toda a vizinhança do Kondá. “O artesanato, a música, a dança
kaingang estão dentro de nós e dos
nossos filhos. As nossas crianças vão
para a escola e, mesmo estudando, refazem o artesanato que aprendem em
casa. Todo o dia, sempre e sempre. Assim ninguém esquece”, aposta a artesã Justina Sales, 27.
TERRA DA GENTE
65
A R T I G O
Sustentabilidade e
produtividade:
respostas às crises
Guilherme Cassel*
Vivemos no mundo contemporâneo duas crises de fôlego e que devem
durar por algum tempo. A primeira, e que se avizinhou nos últimos anos,
é a crise do esgotamento dos combustíveis fósseis e do padrão petróleo.
O barril de petróleo estava em US$ 30 há seis anos e hoje atinge US$ 140.
Isso impactou enormemente o preço dos alimentos. Hoje todos entendem
a necessidade de construir outro padrão de energia, uma matriz energética limpa, renovável, que preserve o meio ambiente e que não reproduza
aquilo que o padrão petróleo reproduziu – concentração de renda, desigualdades regionais e inclusive guerras. Quanto a essa crise, o Brasil está
bem posicionado. Na nossa matriz energética, os biocombustíveis equivalem a 42%. No resto do mundo, apenas 2%.
Na política de incentivo aos biocombustíveis, a agricultura familiar
ocupa um lugar central. O Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel já inclui 100 mil famílias
de agricultores familiares, que produzem a matéria-prima do biodiesel. A inclusão dessas famílias foi
garantida com a criação do Selo
Combustível Social. As usinas que
possuem o Selo assumem compromissos de responsabilidade social
com agricultores familiares e suas
organizações.
66 TERRA DA GENTE
Além disso, o Governo Federal
acaba de criar uma empresa subsidiada da Petrobras para tratar com
os biocombustíveis, que deve disseminar ainda mais o biodiesel e o etanol. Temos a possibilidade de incluir
cada vez mais agricultores familiares
nessa cadeia, produzindo com qualidade, agregando renda, trabalho,
estabilidade e prosperidade. E produzindo matérias-primas para o biodiesel sem esquecer da produção de
alimentos. Esse é um Brasil rural que
já vivenciamos.
A outra crise, que deve se prolongar por pelo menos cinco anos,
é a dos preços dos alimentos. Ela
é causada especialmente pela utilização indiscriminada do milho
nos Estados Unidos para produzir
o etanol, a migração dos especuladores dos fundos de ações para
especular alimentos e questões
climáticas. Isso impõe ao Brasil a
necessidade de produzir mais alimentos e temos clareza de que no
nosso país quem pode responder a
esta demanda é a agricultura familiar. É ela que tem uma lavoura diversificada e pode, num processo
de mecanização acelerado, ampliar
muito sua produtividade. É por isso
que decidimos lançar o Programa
Mais Alimentos, que visa conduzir
a um processo ágil de modernização e conta com uma nova linha de
crédito, de juros muito baixos. Uma
oportunidade para um salto de produção e de qualidade.
Neste momento de crise, a agricultura familiar surge como protagonista, assim como é protagonista
quando buscamos resolver um problema histórico deste país, a pobreza rural, com o Territórios da Cidadania. Estamos à frente de uma
oportunidade de reafirmar os valores de sustentabilidade e de solidariedade na agricultura familiar,
a necessidade de persistir no processo de reforma agrária neste País
e o projeto nacional de desenvolvimento sustentável. O País só conquistará segurança e soberania alimentar se continuar investindo na
eficiência da agricultura familiar e
da reforma agrária. Essa não é uma
resposta para o futuro do País, mas
para o presente.
* Ministro do Desenvolvimento Agrário
Ministério do
Desenvolvimento Agrário
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