Um fantoche com a voz da autonomia A puppet with the voice of the autonomy “Esquece tudo o que sabes ou pensas que sabes; Abandona o poder e a lei que vigora. No interior, onde correm os rios mais profundos, Descobre as correntes da eternidade...” Willow na Terra da Magia 1. Introdução Manuel Machado Psicólogo Clínico Rogério Pastor-Fernandes Psicólogo Clínico Assistente do Curso de Psicologia Clínica do Instituto Superior de Ciências da Saúde-Norte Correspondência: Manuel Machado [email protected] O Nuno (nome fictício) é um cliente do sexo masculino, com oito anos, nascido em 11 de Agosto de 1993. Quando ele entrou pela primeira vez no consultório, acompanhado pela mãe e pela irmã, o que mais ressaltou foi o seu aspecto lânguido; muito moreno, com umas grandes pestanas, e uma timidez marcada. Enquanto a mãe falava, ele contorcia-se todo em movimentos ansiosos, e nunca olhava para o psicólogo. Nas sessões seguintes foi progressivamente “soltando-se” mais, mas sempre sem olhar nos olhos do entrevistador; foi progressivamente mostrando-se uma criança menos apática, menos tímida e mostrou-se um Nuno, embora sempre sem perder a sua timidez, capaz de conseguir divertir-se, de fazer humor e de brincar. Pareceu-nos timidez; o seu comportamento mostrava uma inibição: a sua incapacidade para comunicar com o psicólogo e o seu retraimento perante a sua pessoa, levaram-nos a projectar uma dificuldade de interacção caída por terra, logo que ao Nuno foi permitido entrar em cena. O acompanhamento psicológico que apresentamos contou com onze sessões. Oito dessas foram realizadas com o Nuno e as outras três (a primeira, a terceira e a sexta) com os pais. No que respeita às entrevistas com os pais, para além da primeira, a terceira foi com o intuito de retirar dados anamnésticos para posteriormente construir uma história clínica, e a sexta na tentativa de dar aos pais (que foi só a mãe visto o pai não ter podido ir) uma devolução do caso. Foram aplicados o Teste do Pata Negra e o Teste do Desenho de uma Família como meios auxiliares de diagnóstico. O resto do tempo foi ocupado com sugestões (lúdicas) que o Nuno foi propondo. De que modo? Axline (1993) diz que “o brincar é o meio natural que a criança possui para se expressar.” (p.9). Baseando-nos nesta afirmação, deu-se liberdade para o poder fazer, quer através do desenho quer através 29 VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 do brinquedo. Arfouilloux (1980) especificamente em relação ao brinquedo, diz que este é representação e comunicação: “representação do mundo exterior que a criança se faz a si mesma, representação do mundo do seu mundo interior que ela projecta nos temas do seu brinquedo; ele é comunicação, pois, embora haja brinquedo solitários, há outros que permitem o estabelecimento de uma relação com outrem, seja um adulto ou uma criança. E quando a palavra falha, essa forma de comunicação revela-se particularmente preciosa para a entrevista.” (p.94). Desta forma, tentamos, por um lado, estabelecer uma relação com o Nuno, encontrando um meio onde ambas as partes (entrevistador e entrevistado) sentissem conforto para comunicar, e por outro, onde nos fosse permitido (ao psicólogo e cliente) perceber melhor a realidade que emergia do encontro, a problemática e o mundo interior do cliente. A dramatização, como instrumento terapêutico é o que pretendemos abordar neste caso clínico. 2. Pedido 30 Este caso ocorreu num Centro de Saúde, no serviço de psicologia. É marcada uma consulta através de um contacto telefónico com a mãe do Nuno, mediante uma carta da pediatra, onde, para além dos dados de identificação deste, a problemática era apresentada: “jovem com enurese e encoprese, embora não possua obstipação. Possui aversão às casas de banho, que considera “nojentas” assim como as necessidades de defecação e micção”. Iniciou um tratamento para a enurese, há cerca de dois meses com um medicamento cujo princípio activo é a desmopressina (acetato hidratado). A mãe comparece à consulta com o Nuno e a sua irmã mais nova. Com um comunicar ansioso, falava baixinho, para que o Nuno que “fingia” estar desatento (o seu olhar para a janela, ou para a marquesa seria uma fuga para outro dos sentidos - o “olhar ansioso” a mascarar o “ouvido ansioso”?), não conseguisse ouvir. Mostravase difícil ouvi-la, naquela situação um pouco desconfortável para os três intervenientes: o Nuno, que obviamente estaria a ficar mais ansioso, não só, provavelmente com o conteúdo, mas também com toda a proibição de que esse mesmo conteúdo se fez revestir; a mãe que estava com vontade de contar algo mais; e o psicólogo, algo “constrangido” por aquele ambiente de “informação-tabu”. Por isso pediu-se à mãe que saísse um pouco, deixando o psicólogo sozinho com o Nuno, marcando uma consulta com os pais, para dali a duas semanas (3ª consulta). Nesta primeira consulta, a mãe falava em nome do casal ao se referir ao pedido de ajuda requisitada, utilizando por isso normalmente o pronome nós (referindo-se a ela e ao marido) – procurando assim talvez mostrar uma implicação paternal na realidade que apresentava. Assim, a mãe e o pai procuravam ajuda VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 técnica para o seguinte problema: o Nuno faz “chichi” nas calças, durante o dia e durante o sono e faz também “cocó” durante o dia. Como ele já tem quase 9 anos, eles estão preocupados com o facto. Pareceu falar do problema, como algo externo (o que para João dos Santos (in Branco, 2000) se correlaciona com um pior prognóstico em termos de terapia), como uma “doença”, pedindo ajuda para a retirar. Recorreram inicialmente à pediatra e sob o cuidado dela, a criança inicia um tratamento farmacológico para a enurese. O dirigir-se a uma consulta de psicologia ocorreu com o intuito de “tratar” a encoprese, visto tratamento da enurese estar a ser já contemplada por outro técnico. Segundo a mãe, o Nuno “retém as fezes durante muito tempo e depois quando vai ao quarto de banho já é tarde” (1ª consulta). Referiu, ainda, que ele não gosta de defecar porque não gosta do cheiro que considera “nojento”. Não encontram (pai e mãe) razões para este comportamento, exceptuando o facto de ele ser uma criança que gosta muito de brincar, empenhando-se muito naquilo que faz e esquecendo-se frequentemente, com isto, de ir à casa de banho. Chamam-no várias vezes à atenção numa tentativa de o “lembrar” da sua necessidade fisiológica, mas não resulta. O pai diz, na terceira sessão (consulta que constou numa entrevista aos pais sem que o Nuno estivesse presente): “ó Nuno antes que o pai vá, não queres ir tu e tal, depois para ir eu...; ó pai - dizia o Nuno -, se eu tivesse vontade achas que não ia lá?”. Não sabem mais o que poderão fazer e principalmente a mãe desespera com este problema. Ao falarmos da procura de ajuda, teremos necessariamente de dar a visão de quem foi designado como “possuidor” do problema, ou seja, o nosso cliente. O Nuno, na primeira consulta, (como já foi dito) manteve-se calado enquanto a mãe falava. Procurou-se ficar um pouco sozinho com ele (pedindo à mãe para sair) – na tentativa de o pôr mais à vontade com o psicólogo e com a situação - e ele naturalmente manteve-se igualmente calado. Procurou-se comunicar com ele. Iniciou-se um ciclo de pergunta – resposta. Procurou-se saber a sua opinião acerca do que a sua mãe esteve a dizer, o que ele achava da consulta de psicologia e da sua pertinência para o seu caso. O Nuno respondeu com timidez, mostrando mais uma vez inibição no seu modo de actuar com o psicólogo (Marcelli, 1998): respostas curtas que, além de serem neutras de um ponto de vista emocional, (não nos permitindo sentir um envolvimento afectivo, quer na forma de expressão, quer no conteúdo expresso), nos pareceu representarem uma resposta estereotipada no que concerne à sua família: “se tiver que ser, é preciso para se resolver as coisas” – diz ele na primeira consulta. Com a angústia que o psicólogo sentia que lhe estava a causar, e mais a sua por sentir que não estava a conseguir uma aproximação - a criação de uma relação intersubjectiva -, propôs-se fazer um desenho. Fê-lo, a ansiedade pensamos tenha diminuído e mostrou-nos/se. Figura 1. O que nos tentava transmitir com este? Que simbolismo teria na sua vivência a personagem humana a levar com uma trela o cão a fazer “chichi” e “cocó”? Estaria ele a contar-nos um controlo exterior que sente em relação ao seu próprio corpo e consequentemente em relação ao controlo dos esfíncteres, sentindose “levado a passear a horas certas”? Na sessão seguinte optamos por uma postura diferente. Munido de fantoches, lápis de cor, folhas brancas e bonecos variados, abrimos a porta do consultório desarmados - sem perguntas preestabelecidas. Procuramos centrarmo-nos na criança que chegava e dar-lhe, como diz Axline (1993), “o comando da situação”, partilhando com ele a “responsabilidade” pelo que se iria passar na sessão, permitindo-lhe o direccionar da mesma. Já foi dito que numa primeira fase, pretendíamos uma aproximação ao Nuno, ao seu mundo interior. Como através da palavra, isso estava a parecer difícil de conseguir, optamos por lhe dar completa liberdade para ele escolher o meio com o qual preferiria comunicar. Estaríamos disponíveis para qualquer comportamento que ele pretendesse assumir, tendo presente que “não existe não comportamento, ou para dizer as coisas mais simplesmente: não se pode deixar de ter comportamento. Ora se admitimos que, numa interacção, todo comportamento tem o valor de uma mensagem, ou seja, é uma comunicação, segue-se que não se pode não comunicar, queira-se ou não. Actividade ou inactividade, palavra ou silêncio, tudo tem valor de mensagem.” (Watzalawick, Helmick-Beavin & Jackson, in Arfouilloux, 1980, p.65). Nesta segunda sessão, (realizada unicamente com o Nuno), após o psicólogo ter tentado pôr o jovem à vontade no respeitante “às regras” de não directividade, ele decidiu brincar com fantoches. Nesta actividade, mostrou um grande interesse, um grande envolvimento, não só no aspecto motivacional como afectivo (tema explorado mais adiante). Analisemos o dramatizado: Dramatiza uma família à volta da mesa a comer, em que a filha (com a mesma idade do Nuno), apresenta um problema onde intervêm a família, a professora, as empregadas da escola e os amigos. O problema situava-se na questão de ela ter querido ir ao quarto de banho durante as aulas e não ter podido pelo facto de a professora não ter deixado. Ela ficou muito “preocupada” mas lá conseguiu aguentar até ao recreio; aqui, as empregadas também não deixaram. Ela continuou muito preocupada e isso reflectiuse na sua relação com os colegas: por estar preocupada não pôde brincar e estes ficaram chateados. De seguida toda a família presente na mesa comenta o acontecido, num diálogo entre duas personagens. De ressaltar a conversa existente entre o tio e a filha, onde o tio lhe apresenta soluções para o problema, como ir ao quarto de banho de manhã antes de ir para a escola, ao que ela responde que isso ela já sabia. Convém também referir a conversa entre a mãe e o tio, onde a mãe refere que o pai por vezes se zanga por ela não ir ao quarto de banho antes de ir para a escola e o tio refere que ele não deverá fazer isso porque ela não tem culpa, que deverá compreendê-la. Ao procurar “dar um sentido ao que se ouve”, elevando ao plano do simbólico, do conteúdo lactente, a dramatização e não só (pois é de simbolismo que o mundo e consequentemente o que escrevemos (sendo as próprias palavras objectos simbólicos) igualmente se passam), encontramo-nos com uma exposição do caso: a preocupação manifesta com o controlo da sua vida para além dos esfíncteres; o desespero de se sentir controlado, preso e assim não poder largar o que tem dentro (excreção); a preocupação dos outros e a pressão exercida pelos outros, na mesa - um local para o Nuno de reunião familiar (dito na sétima sessão), e também de introdução de algo no corpo (comida); um local onde todos falam, demonstrando que todos estão a par do problema e que o tentam solucionar – as soluções apresentadas que não resultam e que a filha já sabia; e por fim, o querer transmitir a sua não culpa aos pais e, provavelmente, também ao psicólogo do que se passa, querendo dizer que o que se passa acontece num plano não consciente, independente do controlo voluntário, que os pais parecem querer impor à “força”, zangandose com ela(e). Parece-nos que nesta introdução, o Nuno mostrounos uma problemática, inserido na suas vivências, as suas angústias, medos e alguma dinâmica social em torno do problema. Tudo hipóteses, numa exposição que procura, mostrar um contínuo, uma evolução: do cliente, da relação e do psicólogo enquanto percepção que possui deste. 3. História desenvolvimental e familiar (1) Fruto de uma gravidez planeada e desejada, de parto natural, o Nuno nasceu e cresceu com os pais sempre muito presentes – referem estes. Nasceu prematuro (sete meses e meio), com VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 31 34 pouco peso (não sabendo ao certo qual) e na sequência permaneceu sete dias na incubadora. Esse foi o único problema apresentado pelos pais relativamente ao seu nascimento. Em relação à alimentação (e como já foi dito, para os pais ele continua a comer pouco): era um bocado “preguiçoso” (designação dada por uma enfermeira aos pais), porque desde muito cedo teve que combinar o aleitamento materno com biberão porque não se esforçava por se alimentar; “se calhar pensava que ainda estava na barriga da mãe” – diz esta, na terceira consulta. Aos três anos foi para o infantário.Até lá passava o tempo, enquanto os pais trabalhavam, com uma vizinha, e depois, quando ele tinha 14 meses, a mãe deixou de trabalhar para estar com ele. Dos dois aos quatro anos (sensivelmente), o Nuno passou, segundo a mãe, uma “fazesita (...) em que ele não era muito simpático. Que se alguém lhe fizesse assim uma festazita na cabeça, e tal, chorava mesmo. Porque dizia que ninguém gostava dele”. A mãe pergunta-se se a razão pela qual o Nuno andava triste e pouco simpático, não seria do ter começado a fazer chichi nas calças, ou então, do facto de ele “ter duas primas que iam para lá muito, e iam brincar às vezes lá para fora porque a mãe permitia, só se fosse por eu não deixar, e ele chorava. sr. dr;. eu até deixei de trabalhar nesse período, porque até ia para o jardim com ele brincar e tudo”. No infantário, começou por ser uma criança que não falava, “Punha-se ali a um canto, e não falava” - diz a mãe. Depois a educadora disse que ele com ela falava, começando aos poucos a ser mais sociável na escola, mas em casa, embora tenha melhorado, sempre manteve uns resquícios da tristeza que o caracterizavam nessa fase. O percurso escolar foi feito sempre sem problemas, sendo considerado pelos professores e pelos pais como um bom aluno. Os pais descrevem-no como uma criança demasiado sensível, um pouco triste. Alguém que prefere brincar sozinho, a ler ou a jogar à paciência. Possui como actividade extra curricular, para além do inglês que no colégio onde anda é obrigatório, aulas de informática. Alguém que embora costume brincar sozinho, é também “popular” entre o grupo de pares; mais, para os pais, ele não só é “bom” a brincar, como também “é bom naquilo que faz”. A mãe em determinada altura da 3ª entrevista: “Por exemplo, e nós não somos umas pessoas que deixamos o Nuno vir para a rua... mas se for lá em casa um miúdo e ele estiver a jogar “tazos” ele ganha. O miúdo vai zangado para casa porque não consegue ganhar ao Nuno. Portanto ele é bom naquilo que faz”. É uma criança ordenada, que gosta de estudar, (segundo eles por iniciativa própria) responsável e persistente nas tarefas que realiza; é uma criança, segundo os pais, “digna de se dizer que se porta bem”. É bom aluno e os pais orgulham-se muito disso. Orgulhamse, igualmente, do facto de uma professora lhes ter dito, há uns tempos atrás, que ele tinha uma inteligência acima da média e que VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 provavelmente ia longe nos estudos. No momento da terceira consulta, o Nuno estava em férias de passagem do terceiro para o quarto ano.Vive com os pais e a irmã. Em relação a perspectivas futuras, os pais querem que o Nuno tire um curso superior. Este, embora tenha dito numa sessão que queria tirar um curso superior e ganhar dinheiro para poder ajudar os pais, escreveu no questionário de Zelazosca que quando “fosse grande” queria ser jogador de futebol. (2) De nível socio-económico médio, o pai tem 47 anos, é técnico de vendas e classifica-se como sendo uma pessoa que trabalha muito. O próprio Nuno, nas dramatizações, escolhe para fazer do pai uma personagem que trabalha muito, que de tanto trabalhar “até se esquece que tem de ir comer”; mas alguém que também trabalha para que nada falte à família. O facto de o Nuno ter posto no questionário de Zelazosca, o pai como alguém que quando chega a casa “vai logo pôr a mala no sítio”, parece-nos ser significativo desta percepção. É alguém que tem como escolaridade a quarta classe, mas que gostaria de ter mais, porque considera que muito dos seus colegas que têm mais escolaridade, não sabem tanto quanto ele. Mas, mesmo trabalhando muito, considera-se um pai presente, que ainda arranja tempo para brincar com os filhos e para estar com a mulher. A mãe tem 41 anos e é secretária administrativa. Possui o 12º ano. Apresenta-se nas consultas com grande ansiedade - os seus movimentos eram tensos e ao comunicar gesticulava muito. Mostrou-se muito preocupada com o Nuno, com o seu problema e com o seu futuro. No final de cada sessão tida com o jovem, ela perguntava como ele estava, o que é que achavamos. Por parte do Nuno, não encontro grandes registos da sua descrição - quer no teste do desenho de uma família, quer no questionário de Zelazosca, a figura da mãe foi de certo modo ignorada. Como dizia sentir-se sozinho, com ninguém com quem brincar, pediu aos pais um irmão. Estes, que nunca haviam pensado nisso antes, concordaram em dar-lhe um irmão para que ele não se sentisse tão sozinho. Vejamos o excerto da entrevista que expõe o descrito: “Pa 17 – Prontos, ele no princípio, quando ele andou ali no primeiro ano de escolaridade, ele chateava-nos porque, oh pai todos têm manos e eu não tenho mano, vou para casa e estou ali convosco e tal, só tou a estudar, não tenho com quem me entreter, ele era assim desse género. E quê que tu queres? Ai, eu quero ter um mano, uma mana, ó pá prontos a gente começou a pensar porque nos não queríamos mais que um filho. P18 – Mas não foi por ele que tiveram outro filho? Pa18 – Foi, foi por ele. M18 – Foi mais por ele, que ele ia estar solitário, eu gostava de ter 4. Psicodiagnóstico outro e depois eu e o meu marido começamos a ver que prontos... Mas foi mais por ele.” (P – psicólogo, Pa – pai, M – mãe) A irmã tem 22 meses, os pais dizem ser uma criança sem problemas de maior, também bem comportada, mas não tão bem comportada como o irmão (faz mais birras – diz a mãe). A relação dele com a irmã, dizem os pais ser boa, acham que eles se dão muito bem e que ele é uma criança muito compreensiva em relação a ela. O Nuno diz igualmente dar-se bem com a irmã, gostar de brincar com ela, tendo pena unicamente que ela não seja maior para poderem jogar futebol juntos. (3) Nunca foi internado nem precisou de cuidados médicos prolongados. Em relação à história dos sintomas - motivo de consulta -, o Nuno começou a regular, quer em termos de fezes quer em termos de urina, por volta dos dois anos. “Ia ao pote como uma pessoa normal” – diz a mãe. Depois, a partir “mais ou menos” dos 3 anos e meio, começaram a aparecer os comportamentos de enurese diurna e nocturna e um pouco mais tarde (mais ou menos um ano) encoprese diurna. A mãe relativamente a estes comportamentos dizia: “Primeiro comecei a ter paciência, a falar com ele, e assim. Pronto só que como ele atrasava tanto, eu comecei a fazer-lhe ver que ele não poderia andar sujo na rua assim constantemente. (...) E eu e o pai dizíamos: ó filho, tu vês as outras pessoas, vês as outras crianças, elas não se sujam assim na rua, pronto tu não vais andar...” A mãe tem medo que o problema perturbe as suas relações com os amigos, mas pensa que tal facto ainda não deva ter acontecido já que acredita que ele consegue sempre esconder. Em relação à alimentação, “isso é que nos preocupa um bocado” diz o pai - porque o Nuno é uma criança que come pouco. Em termos de padrões de sono, os pais referem que ele sempre dormiu bem, claro que por vezes acordava a meio da noite molhado - e quando isso acontecia ele ia dormir para a cama dos pais (possível beneficio secundário do sintoma). Também referem, em relação ao dormir, que ele há já muito tempo que dorme na sua cama, mas que ainda adormece muitas vezes na cama dos pais - para depois o porem a fazer “chichi” o mais tarde possível, diz o pai (possível beneficio secundário). Acham também estranho, no seu comportamento, a sensibilidade do Nuno, que em certas situações é considerada demasiada, (por exemplo, a tia - “que tem um modo um pouco agressivo de lidar” dá-lhe um beijo, agarra-se a ele de uma forma mais bruta e ele começa logo a chorar). Não encontram igualmente razões para explicar este facto. Se pretendermos dividir o percurso avaliativo do terapêutico, deparamo-nos com uma dificuldade mais de ordem teórica do que prática1. Partimos com uma estruturação de uma avaliação, mas com o primeiro impacto (de dificuldades de comunicação) adiamos e reformulamos o objectivo. Assim, levantamos a hipótese de que percurso avaliativo do caso tivesse ocorrido até à nona sessão - quando foi realizada uma entrevista de devolução, dando deste modo, uma resposta à procura de ajuda. Fomos construindo algo com o Nuno – uma compreensão de si – ao seu ritmo, e isso constituiu uma avaliação para ambos. Iniciaremos por falar-vos do lado da avaliação mais formal realizada ao Nuno. Como já foi dito, esta constou de dois testes – O Teste do Desenho de uma Família e o Teste do Pata Negra. A recorrência de meios auxiliares de diagnóstico, foi adoptada por nós, como complemento auxiliar da entrevista. Assim, e como refere Cunha (1993), o psicólogo deve utilizá-los como instrumentos para testar hipóteses (que de outra forma não encontrou resposta). Desse modo, e especificando para o caso do Nuno, os instrumentos utilizados procuraram “clarificar” áreas da sua personalidade e da sua realidade interpessoal que se encontravam nublosas. Passamos a explicar: Na quarta sessão, aplicamos o teste do desenho de uma família e logo de seguida foi administrado o questionário de Zelaszoska em complementaridade deste. Este teste, segundo Cunha (1993), procura avaliar dinamicamente as relações familiares, atitudes e sentimentos do sujeito para com a sua família e autopercepção na constelação familiar. Na primeira consulta, com tão pouco à vontade dos entrevistados, pouco conseguimos percepcionar sobre a sua dinâmica relacional. Posteriormente, na entrevista com os pais, algo mais foi retirado, embora o conseguido não tivesse sido preenchido. Através dos fantoches, o Nuno mostrou-nos um pouco como percepcionava a família e o seu papel nela, mas faltava uma estruturação, uma confirmação de um conteúdo que antevíamos a sua extrema importância. Procuramos, então, através de uma técnica não maçadora do ponto de vista da sua execução, dar uma 1 A sobreposição entre avaliação e mudança terapêutica, ocorreu neste caso, de uma forma não planeada, pois ao pretendermos perceber, compreender o nuno na sua complexidade e na sua individualidade, algo nele mudou. Ou seja: acreditamos que, provavelmente, à medida que fomos descobrindo a sua forma de estar no mundo, ele progressivamente foi também descobrindo coisas, que o fizeram mudar de atitude perante o mundo. VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 35 36 estruturação ao que formulávamos em hipóteses e tentar alcançar assim mais segurança no que teorizávamos. A utilização do teste do pata negra – visto este ser um teste que procura explorar os “conflitos profundos da alma infantil” (Boekholt, 2000) – prendeu-se com uma necessidade colocada, quando da realização da análise compreensiva. Procurávamos teorizar sobre a dinâmica interna, possíveis conflitos e incongruências no seu estar. Conflitos com o exterior – familiar e possíveis conflitos internos. Através da análise das dramatizações procurámos definilos e o PN surgiu como um meio de confirmação das hipóteses levantadas. Os principais resultados foram: No Teste do Desenho de uma Família: o Nuno representou uma família onde a racionalidade e a responsabilidade são valores muito considerados e admirados. Uma família em que quem detém o poder é o pai: a personagem que prefere, a pessoa que coordena, que impõem ordem e racionalidade á mesa (um local onde se introduz alguma coisa no corpo); onde quem é mais simpático é o avô porque já não impõem ordem nem racionalidade, mas que também já não tem poder; mas quem é mais feliz é o filho, que ainda “tá a começar a vida”, ou seja, que ainda não começou, e que por isso ainda não detém a responsabilidade (de comer sempre tudo, por exemplo) dos adultos, e que o Nuno talvez considera como desprazerosa e cansativa. Assim parece-nos que o Nuno representa uma ambivalência entre duas posturas, que ele as coloca como opostas: se por um lado ele procura identificar-se com um pai responsável, racional, onde a ordem impera, por outro gostaria de estar no lado mais despreocupado, mais livre, no lado dos filhos, que se mantêm fora “desta forma de se ser” adulto, que o Nuno vê como pesada, cansativa e trazendo desprazer. Por isso ele escreve no questionário que gostaria de ser livre e ir percorrer o mundo – e talvez soltar-se desta “prisão” em que os adultos estão. No Teste do Pata Negra, o Nuno mostra uma forte repressão da agressividade. Esta censura, formada agora já internamente (visto também advir de uma intolerância do meio), acarreta um forte sentimento de culpabilidade e uma necessidade de auto-punição (auto-agressividade). Esta punição dirige-se a variadas formas de agressividade, nomeadamente, aquelas relacionadas com os desejos de carácter erótico (com o voyeurismo relacionado com a cena primitiva) que ele, por considerar agressivos para outros, reprime e pune-se. O pai, neste teste, é representado como alguém de qual o Nuno procura não ir contra e, desse modo, não magoar, visto o pai, neste teste, ser considerado alguém que estava chateado com filho (pata negra magoou o pai). Este medo transforma-se numa incapacidade de mostrar agressividade para com pai, de rivalizar com ele, e deste modo poder realizar uma gestão mais VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 sincera dos seus desejos mais perversos. Outro dos seus temas conflituosos, levantados na interpretação, foi aquele relacionado com a ambivalência entre dependência/independência (maior autonomia). A mãe porquita aparece como alguém que fomenta uma dependência: ao querer que os seus filhos possam ficar a mamar muitas horas, ou ao permitir, e ficar contente, com as atitudes regressivas dos filhos, ou mesmo quando escárnia as suas tentativas de autonomização. Por outro lado, a pata negra tenta a autonomização, ao tentar deixar de mamar e passar a comer erva. Porém, o escárnio da mãe, e a angústia de partir (baseandonos na placa partida), são imperativos mais fortes, levando a que o herói não consiga suportar a solidão nem a separação de sair e comer erva sozinho – angústia de separação. Demonstra assim uma insegurança, uma falta de apoio – pelo apoio da mãe que se dá unicamente se este se mantiver no estado de dependência e pelo apoio do pai, que se mostra muito rígido e intolerante no que respeita à liberdade de escolhas -, que lhe faz ter medo de se aventurar pelos caminhos do desconhecido e assim crescer, e desenvolver-se de uma forma salutar. Procuramos agora, após o exposto, descrever o Nuno de forma mais sistemática. Como definir aquele retraimento, aquele modo de estar, onde a timidez tomava parte de algumas relações sociais... Com o psicólogo foi-se mostrando progressivamente mais liberto, mas na “voz” dos fantoches, ou seja, através do brincar. Provavelmente perante tudo o que representaria a conversa de adultos, ele adoptava uma postura submissa, actuava de um modo obediente, sem nunca olhar nos olhos, transmitindo fragilidade. A mãe e o pai descrevem-no também como uma criança, antes de mais, “bem comportada” (obediente?), mas triste e extremamente sensível. Mas também nos apresentaram um outro Nuno, aquele que com os colegas é sociável, brincalhão; esse Nuno que se assemelhava ao outro que aos poucos foi aparecendo na consulta. Então descrevemos aqui duas posturas, em dois contextos sociais diferentes; que representarão talvez um condicionalismo de realidades - o que as realidades lhe valorizam... Recorrendo a Marcelli (1998) podemos afirmar que ele apresenta uma “inibição de certas condutas externas e socializadas” 2, que neste caso nos parecem ser em grau moderado, visto ele, em contacto com outras crianças bem como em contacto com o psicólogo, conservar a capacidade de brincar e de retirar 2 Característica de “crianças sempre calmas, facilmente submissas, agindo de modo que nunca se fale delas, qualificadas habitualmente de muito obedientes.” (Marcelli, 1998). prazer com isso. Então o retraimento parece que se mantinha com “o mundo dos adultos” e em especial com a família. Depois existem os comportamentos motivadores da consulta: a enurese e a encoprese. Comportamentos perante os quais o Nuno dramatiza uma grande angústia. A enurese no Nuno - “emissão activa completa e não controlada de urina, uma vez passada a idade de maturidade fisiológica, habitualmente adquirida entre os 3 e os 4 anos.” (Marcelli, 1998) -, levanta-nos um problema: defini-la em termos de secundária ou primária3. Se por um lado a mãe nos refere como sendo secundária (começando o controlo dos esfincteres por volta dos dois anos), por outro, o período em que ela diz ter havido esse controlo foi muito curto, com a duração aproximada de um ano e meio. O Nuno apresentava um comportamento enurético de noite e de dia – enurese diurna e nocturna (ou mista). Em relação à frequência, ela apresenta-se irregular (não todos os dias), de uma forma mais recorrente no caso da nocturna entre três a quatro dias por semana e mais intermitente (uma vez por semana) no caso da diurna. Depois existe também a encoprese: “defecação nas calças de uma criança que ultrapassou a idade habitual de aquisição de asseio corporal (entre 2 e 3 anos)” (Marcelli, 1998). Também aqui a determinação de uma encoprese primária ou secundária no Nuno é motivo de discussão, embora em menor grau que a enurese. Aqui o controle dá-se mais cedo, e também a idade aproximada apontada pela mãe como o início do comportamento encoprético foi mais tardia que na enurese, por isso acreditamos que mais do que no caso desta última, poderemos afirmar que o Nuno apresenta uma encoprese secundária. Segundo a mãe este comportamento dava-se porque o Nuno “retinha demasiado” e depois “quando não aguentava mais é que era “obrigado” a fazer nas calças”. Tal como João dos Santos (in Branco, 2000) diz, “a encoprose aparece-nos, ao contrário dos autores que anteriormente estudaram o assunto, não uma falta de controlo, mas um super-controlo com descargas inconscientes e, portanto, incontroláveis.” (p.325). Desta forma, e recorrendo ao comportamento descrito pela mãe, o facto do Nuno ver televisão incessantemente (tal como o porquinho, no teste do pata negra via incessantemente os pais a darem um beijo), querendo adiar os dejectos que continha, parece-nos representar uma vontade dirigida para se controlar, para não deitar cá para fora o que considera “nojento”, e motivo provavelmente de avaliação negativa por parte dos outros. Ao 3 “A enurese secundária caracteriza-se pela existência de um período anterior de asseio transitório. A enurese primária sucede directamente ao período de não-controle fisiológico.” (Marcelli, 1998). definir a encoprese e a enurese, e tomando como base a avaliação médica da pediatra, assocializemos como sendo de origem psicológica. Base que segundo Santos (in Branco, 2000) se verifica na maioria dos casos. Marcelli (1998) ao definir estes distúrbios esfincterianos em termos psicológicos, divide o estudo em termos de factores de personalidade da criança e factores do ambiente da criança – divisões que analisaremos separadamente. Santos (in Branco, 2000) define estes comportamentos como sintomas reactivos (embora diferenciando a encoprese e a enurese diurna da enurese nocturna, pela primeira lhe parecer mais “limitado aos processos intrapsíquicos que a criança desenvolve por si própria” (p.179)), já que segundo este autor, serão consequência do impedimento do exercício da fantasia, do silenciamento da imaginação (Santos in Branco, 2000). Mas o Nuno apresenta também um medo poderoso, uma angústia em relação ao controlo e à necessidade deste. Esta preocupação, parte de situações concretas como a escola – que é representada como um trabalho – onde mostra necessidade de ter sempre tudo sobre controlo (como se percebe, por exemplo, na sessão seis), nomeadamente em termos dos esfíncteres (sessão dois); mas também generalizando-se para um medo do futuro (sessão 6). Apresenta assim medo não só do presente como também do futuro, e esse permanente medo (de perder o controlo) talvez seja o que lhe provoca a insegurança no seu modo de enfrentar a realidade e que provavelmente o transforma num ser tímido, inibido e obediente – e que o faz assim reprimir os seus comportamentos agressivos (teste do pata negra) e ter medo de se aventurar pelos caminhos da independência. 5. Intervenção psicoterapêutica Klein (in Arfouilloux, 1980) afirma que a criança expressa as suas fantasias, desejos e experiências reais de um modo simbólico através de brincadeiras e jogos. Assim, a capacidade de brincar e a imaginação são ferramentas que sabíamos serem essenciais e específicas no trabalho com crianças. Também o particular desta abordagem é a existência do factor-família como bastante interveniente e influenciador nas problemáticas das crianças questão que o psicólogo terá que ter, obviamente, presente (Toro, 1998). Sentimos, pela forma como comunicou com o psicólogo, e pelo discurso da mãe, que ao Nuno não estava a ser “dada voz”: de alguma maneira os seus sentimentos e a sua percepção do caso não estavam a ser ouvidos (pela 1ª consulta teria ficado claro que não seria pela “conversa de adultos” que o Nuno seria ouvido, pelo menos no respeitante aos seus sentimentos). Assim, a primeira abordagem ao caso, foi no sentido de contrariar o percepcionado: VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 37 baseando-nos nos princípios da Play Therapy 4 não directiva (Axline, 1993), tentamos criar um conjunto de condições que favorecessem e não mais impedissem o seu crescimento; um ambiente onde não sentisse pressões, tentativas de encaminhamento, direcções. Uma realidade onde ele pudesse, como agente activo, direccionar “a sua forma de estar” (e assim encontrar uma forma de se expressar, por um lado, e por outro, comunicar de uma forma mais sincera e menos estereotipada connosco e consigo). 38 Com bonecos e fantoches dramatizamos situações, criadas pelo Nuno, umas vezes apenas ele, fazendo simultaneamente todas as personagens, outras vezes, pedindo a colaboração do psicólogo para contracenar consigo. Falavam assim: com a máscara de um boneco, que deste modo passava a constituir tudo o que se quisesse – tudo de dentro. Esta foi a estrutura assumida: iniciar um processo terapêutico sem que nada tivesse pré-destinado, onde fosse a criança a escolher o caminho a seguir e onde, através da criação de um método de intervenção psicoterapêutica, lhe fosse fornecido um ambiente que favorecesse a sua “self-expression” (Axline, 1993), que favorecesse a expressão dos seus sentimentos e lhe aumentasse o “insight”. Nestas pequenas encenações, o Nuno através de um fantoche que escolhia, e sempre cabisbaixo (sem nunca olhar nos olhos), falava de uma forma fluída, de uma forma muito mais espontânea, mostrando uma “riqueza interior”, no que respeita à fantasia, à imaginação e ao sonho, que nos surpreendeu, a nós, equipa técnica, e aos pais (quando confrontados com o facto) que o julgavam mais “honesto” na comunicação que dia a dia ia fazendo com eles5. Passamos a explicar, fazendo um resumo das sessões nas quais se dramatizou: 4 Axline (1993), apresenta oito princípios básicos para que a método se constitua: o terapeuta deverá desenvolver um clima amigável, caloroso com a criança para que se estabeleça o mais rápido possível a relação; o terapeuta deverá aceitar a criança tal como ela é; o terapeuta deverá estabelecer um clima de permissividade na relação de modo que a criança possa expressar os seus sentimentos completamente. O terapeuta deverá reconhecer os sentimentos na criança e reflecti-los outra vez à criança de forma a que aumente o insight nesta; o terapeuta deverá manter um profundo respeito pela forma como a criança tem de solucionar os seus problemas e dar-lhe a oportunidade para o fazer; o terapeuta não deverá direccionar as acções ou o discurso da criança; o terapeuta não deverá apressar a terapia; o terapeuta deverá unicamente estabelecer as limitações que serão sadias para a manutenção do processo terapêutico. 5 Pois, para os pais, o Nuno era uma criança que se “portava bem”, que raras vezes manifestava conteúdos que eles de alguma forma não desejavam (exceptuando o controle de esfíncteres, a relação que mantinha com a comida e a sua elevada sensibilidade). VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 As sessões nas quais se dramatizou (2ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e 10ª), foram intercaladas por outras nas quais se aplicou os meios auxiliares de diagnóstico e entrevistas realizadas aos pais. Neste capítulo cingir-nos-emos às conversas, que como já dissemos, se realizavam através de personagens atribuídas aos bonecos. Procuramos retirar o essencial destas. Na quarta sessão, posteriormente ao Teste do Desenho de uma Família, conversamos pondo a nossa voz nos bonecos. Os bonecos, à semelhança da dramatização anterior (2ª consulta exposta anteriormente), também representaram uma família, constituída pelo pai, a mãe, o filho, a filha e o tio. Nesta representação falase do emprego dos diversos membros da família, da eventualidade da filha poder vir a ajudar o pai no seu novo emprego de desenhador e no problema, que poderia surgir, de esta ter que fazer os desenhos que o chefe manda, quando prefere fazer aqueles em que ela tenha imaginação. O Nuno arranja então a solução para esta filha: fazer um desenho com imaginação e depois dirigir-se para o chefe e mostrar-lho; se ele gostar muito bem, se não gostar ela faz as mudanças necessárias. De seguida, a filha fala com o tio acerca da sua escola (fazendo neste caso particular o Nuno de filha e o psicólogo de tio). Fala-lhe de um desenho que fez na escola, um desenho um pouco mal feito (pois pôs o cabelo no meio quando o S. António não o tinha), ficando preocupada e nervosa com o facto, mesmo depois de a professora lhe ter dito que isso não tinha importância. Na quinta sessão, na dramatização entram: uma mãe (de 30 anos), um pai (de 50 anos), uma filha (de 3 anos) e um filho (de 8 anos) (a mesma idade do Nuno). Nesta sessão discute-se mais uma vez o emprego do pai. Nesta família (de fantoches) o pai ia mudar para um emprego geograficamente mais perto, porque como ia sempre levar o filho ao infantário e chegava sempre tarde ao trabalho, então, ao mudar-se para este novo local poderia, deste modo, evitar os atrasos (reafirmando a ideia de que como o pai é prejudicado pelo facto dos filhos se atrasarem). Na cena seguinte, o pai afirma não ser o único prejudicado pelos atrasos, culpando de igual modo o próprio filho, este por chegar tarde à escola, este por fazer um teste sempre a correr, este por andar sempre a correr. O pai afirma que o filho já é um bom aluno mas se não andasse sempre a correr poderia estar mais atento. A conversa agora estabelece-se entre a menina e o pai, na qual a menina conta uma história fabulosa de umas cobras que existiam no seu recreio, mas que não pareciam, pois elas assumem a morfologia de tudo que comem. Vale a pena analisarmos a forma como o Nuno constitui a família nestas duas primeiras sessões. O trabalho, a obrigação, é um tema de conversa central. O Nuno coloca nestas personagens uma grande preocupação da perfeição, uma grande ansiedade6 (como no desenho da escola da filha). É interessante analisar ainda a representação que o Nuno faz do trabalho, é interessante ver como representa os filhos enquanto um entrave, um impedimento ao bom funcionamento do mesmo e como isso se repercute provavelmente em culpabilidade, com a filha do casal representado a querer ajudar o pai e a ser prejudicada (mais uma vez no seu contexto profissional) por ter perturbado a ordem familiar (acordando tarde). Depois vemos o dilema que o Nuno colocou na filha: será que deverá fazer o que lhe mandam ou por outro lado fazer o que lhe dá mais prazer e que lhe exige imaginação? Ao ter de ir trabalhar com os adultos (pai) passaria a estar sob o comando de alguém e, dessa forma, deixaria de privilegiar o prazer. Poderá o problema ser posto: como resolver a necessidade de obter prazer, quando a necessidade de agradar aos outros (fazendo o que lhe mandam) é, talvez, um imperativo mais forte? Na sexta sessão, entram o pai, a mãe, o filho, a filha e o tio fantoches. A mãe (representado pelo Nuno) fala com o pai (psicólogo) acerca do trabalho da filha, na escola: “a filha agora disse que em vez de fazer desenhos, agora a professora vai-lhe ensinar a fazer retratos de pessoas”. A mando da professora começa a fazêlo, pois esta tinha encontrado ninguém que o conseguisse fazer. A filha estava um bocado nervosa, mas depois descobriu que não tinha muita dificuldade em fazê-lo. De seguida a mãe fala do seu emprego, descrito no extracto da sessão: apagar. Porque senão ficava zangado. Pai – Porque é que a menina não conseguiu? Mãe – Ela não tinha muita força. Mas eu ajudei-a, o chefe não viu e ela... (gaguejando) Pai – A menina devia ter ficado nervosa?! Mãe – Sim, não conseguir, as outras bem que ajudavam mas ela não queria ajuda. Então elas disseram que era melhor pedir ajuda porque senão o chefe ficaria muito zangado com ela. Então ela pediu-me a mim e eu ajudei. Pai – Ajudaste... Mãe – Pois. Pai – Conseguiste fazer o teu desenho e por isso também conseguiste ajudar a fazer o dos outros. Mãe – Até porque se eu não conseguisse fazer, não conseguisse apagar, para ela, mais ninguém, ela não queria mais ninguém que não fosse eu. Mas ela disse: o chefe está ali tem cuidado e ela veio devagarinho apagou e foi outra vez, porque o chefe não quer que venham ao dos outros porque podem copiar. Foi assim. Pai – Tem sido complicado para ela. Mãe – Sim para ela. Mas para ela é sempre... ela sabe enfrentar as coisas, o... se o chefe se zangar com ela, ela diz que tem culpa mas também nunca pode fazer tudo, tudo bem, não é muito experiente nisso. Por isso... Pai – Ela consegue superar as coisas... não pode fazer tudo, tudo bem... Mãe – Há coisas que também nos enganamos e que também não podemos fazer tudo bem. (O pai, representado pelo psicólogo, fala com a mãe, representado Pai – E as pessoas ás vezes exigem tudo das pessoas. pelo Nuno, acerca do seu novo emprego. Emprego no qual ela tem Mãe – Pois. que desenhar.) Mãe – A professora disse, faz um com jeitinho, não poderia haver nenhum engano, porque não temos borracha que apague bem. Pai – Tiveste que ter controlo. Mãe – Sim. Pai – Mas é complicado viver assim sem se poder enganar?! Mãe – Vá – lá. Só me enganei uma vez e consegui apagar, ela também disse, Que tinha que apagar com força porque senão é que não apagava mesmo. Pai – Tu conseguiste?! Mãe – Sim. A menina é que não conseguiu e eu ajudei-lhe. Porque senão o chefe ficava zangado e ela ainda bem que não me viu a 6 “Emoção gerada pela antecipação de um perigo vago (neste caso, a imperfeição) de difícil previsão e controlo” (Doron & Parot, 2001, p.67). O Nuno fala-nos desta vez de duas personagens, que retratam duas posturas em relação, mais uma vez, ao trabalho. Uma, que tem tudo sob controlo, outra mais insegura, num estado ansioso por não estar a conseguir fazer o que lhe foi mandado. Situam-se assim em duas situações possíveis: o conseguir e o não conseguir fazer o exigido. O que as une, parece-nos ser o sentimento de ansiedade e de medo, que de certa forma é igual, por ser dirigido a um chefe, aquele que as mantém em estado permanente de tensão e que não as deixa viver de uma forma mais tranquila. A conversa começa pela mãe a transmitir-nos um estado de ansiedade resultante de uma situação do seu trabalho. E o facto de o pai (representado pelo psicólogo), não a ter deixado falar mais (explorar o sentimento) e ter concluído a ideia com: “deve ser complicado viver sem se poder enganar”, talvez possa ter provocado uma forma defensiva de reagir no Nuno, reacção a uma realidade que provavelmente mostrava-se demasiado angustiante, mesmo tendo sido colocada na “voz” de um boneco – e não na sua. Deste modo, VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 39 para mascarar ainda mais a angustia, o Nuno teve talvez necessidade de inventar outra personagem – a amiga da mãe - dando assim uma identidade a toda a angustia vivida no comprimento do exigido. Mais tarde, nesta sessão, a filha (representado pelo psicólogo) e o bébé (Nuno) têm uma conversa: Filha (psicólogo) fala com o bebé (Nuno) Com a devolução do problema, por parte do psicólogo ao Nuno, este mais uma vez retraiu-se e assumiu uma postura regressiva, infantil, sem capacidade para sequer formular o problema, e por isso sem a obrigação de o pensar. Pergunta ao contracenante que já é mais velho, e procura-se esconder – depois de se ter mostrado um pouco – na sua linguagem da china. Assustado com o exposto, ele termina: “eu não sei como vocês descobriram se eu estava bem escondido”. Filha – Olá. Tu ontem andaste a fazer uma coisa e depois disseste que era eu. Bébé – O que é que eu fiz eu não fiz nada. Filha – Andaste, partiste uma coisa e depois disseste que era eu. Bébé – Hã, mas não fui eu que parti, fui eu que andava a jogar á bola e só dei um chutinho. Filha – Mas porque é que disseste que era eu? Bébé – Hã porque como sei que tu ás vezes ao brincar partes as coisas eu disse que és tu. Filha – Então querias que a mãe me ralhasse a mim? A dramatização da sessão sete começa com o nascimento o bebé fantoche. O pai (representado pelo Nuno) fala ao tio acerca das suas expectativas em relação ao recém-nascido, dizendo que ele é bonito, que era um bocadinho brincalhão agora, mas que depois vai ser um menino muito bem comportado. O pai espera que não haja problemas no seu crescimento: como ficar doente, a mulher não estar a trabalhar e desse modo não terem dinheiro e não conseguirem viver. Fala de seguida na importância da escola na aprendizagem: Bébé – Sim, ficava mais contente. 40 Filha – Mas eu ficava triste. O tio representado pelo psicólogo e o pai pelo Nuno Bébé – Pois aí é que é o problema. Tio – A questão da escola é importante e se ele por acaso não Filha – É um problema?! souber... Bébé – É, mas como sou bebezinha (com uma voz muito infantil Pai – Sim. Mas...pois se ele depois começar mal pode acabar mal que quase não se percebia), já não sei qual é o problema. e nunca mais pode levar e se ele por exemplo nunca mais sair Filha – Não entendes. daquela turma nunca mais vai para a faculdade. E a faculdade já se Bébé – Tu deves entender melhor que eu; já andas na escola. Em sabe que é muito mais pior. que ano andas? Tio – É mais difícil? Filha – Eu ando no terceiro ano. Pai – Mhum, mhum. Bébé – Bem me parecia, já tens nove anos, a mim já não me enganas. Tio – Para ti é muito importante a escola dos teus filhos não é? Filha – Mas como é que queres que eu te perceba se tu não falas, Pai – Mhum, mhum. Para eles saberem as regras, para se comportarem eu não posso entender tudo. bem. Porque senão eles não sabem as coisas da escola, não sabiam Bébé – Pois não. Também não percebes as coisas que eu digo em nada, não sabiam falar, não sabiam ler, é que eles falam..., quando chinês pois não? são bébés falam de um maneira, que não se percebe. E então ele Filha – Não. Fazes isso e depois eu fico zangado. pode ficar com esse hábito de falar dessas coisas, e pode ficar assim. Bébé – Eu não sei como vocês descobriram se eu estava bem Portanto tem que ir para a escola para aprender, mas também pode escondido. ouvir-nos e aprender, mas não sabe tão bem, se a professora lhe ensinasse, sabe melhor. A confrontação de sentimentos opostos – tristeza/ alegria – colocados em questão, e formulados enquanto problema: como conseguir estar contente – e viver com isso - sem que outros fiquem tristes. Através de uma satisfação sua, mas acarretando uma insatisfação de outrem, o Nuno, talvez se tenha encontrado num emaranhado existencial do qual não encontrava solução: como conviver com a sua liberdade (a obtenção do seu prazer), quando essa mesma afecta o “estar” dos outros? Outros que lhe são significativos enquanto objectos de amor e dependência – a sua família (pois as conversas se passam entre os seus membros). VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 (A partir deste momento pousa o boneco na mesa e começa a falar sem mexer com o boneco, mas sempre sem olhar nos olhos do psicólogo) Tio – Tem que aprender as regras, não só de falar mas de tudo, que é para começar a falar como os grandes. Pai – E para escrever porque senão, como é que ele vai saber escrever. Tio – Então é por isso que ele tem de ir para a escola. Mas ele tem ar de maroto. Pai – Tem. Isso não se nota tanto mas... pode até ser. Veremos. Depois é que se vê. bébé na cara da filha), cheirete mal que taveee... Tio – Quando ele for grande? Filha – Ouviste bem não fales outra vez isso, ouviste? Pai – Quando ele tiver a idade da irmã que tem 8. Bébé – O quê? Mas primeiro vais cheirar ah truuuuu (põe outra Tio – Ai já se consegue ver. vez o rabo do bebe na cara da filha) Pai – 8 não 9. Só que ele, depois, vai começar a brincar com as Filha – Ai que cheiro nojo anda cá (corre atrás do bebé). Apanhei- coisas e a irmã, há. E vai brincar com ela, mesmo que sejam bonecas te. Agora vais á casa de banho fazer. Então anda lá... puuuuu ele vai brincar, em bébé, só que depois já não vai achar tanta piada. Mãe – Está a obrigar o bebe a ir à casa de banho?! Mas de certeza vai gostar de um, que é de fazer..., que é um de fazer Filha – Prontos, já estás, faz! gelados. Vai gostar imenso. É um coiso que nós demos que é de Bébé – Oh que fixe estou a fazeer...só se for a brincar em vez de fazer gelados, é novo. E ele deve gostar. meter na sanita meteu a tomar banho, olha que engraçado... Filha – O quê? O Nuno apresenta-nos um medo, uma insegurança, em relação ao futuro, posta na voz de um pai, que tem como preocupação base, a educação formal – mais uma vez o trabalho. Este medo dá-se com um enquadramento de uns postulados que nos parecem ser bastante rígidos, apresentados em forma de expectativas de desenvolvimento. Vocacionando o bebé, para um rumo estável e delineado, sem que exista “uma borracha que apague bem” (sessão seis). A certa altura da sessão, o Nuno apresenta uma postura que aparentava estar com sono, diz então que o pai está com sono porque trabalha muitas horas. No final da consulta, numa conversa entre a filha (representado pelo Nuno) e a mãe (representado pelo psicólogo), conversa da qual, a certa altura, entra mais outra personagem, que é o bébé (representado pelo Nuno com a outra mão): Bébé – Tou na banheira... Filha – Anda cá (o bebe foge, a filha anda atrás dele) Bébé - Vai dormir um bocadinho que tu precisas. (a filha sai de cena) oh mãe, ela obrigou-me a fazer... mas eu já fui cinco vezes, não preciso de ir outra vez. Mãe – Pronto, se tu achas que não precisas!? Bébé – Mas tens que ir dizer que não porque senão ela vem atrás de mim. Mãe – Achas que precisas que eu lhe diga isso? Bébé – Sim Mãe – E porque é que não dizes tu? Bébé – Ah, porque ela vem atrás de mim como é que queres que eu diga? Mãe – Ela anda sempre atrás de ti, não é? Bébé – Pois... agora apanhou uma taulada... ficou quente. Mãe – E tu estás a precisar de ajuda?! “Mãe – Sabes que o pai tava a falar acerca do irmão que estava com Bébé – Sim.” um bocado de medo que lhe acontecesse qualquer coisa, que não podia estudar e tudo isso... Filha – Ah..., ele já me tinha dito isso, ele já me tinha dito. Eu acho bem. Só te digo este tempo de noite parece que tá cá um calor, vou meter um coiso para me tapar os olhetes (enquanto tapava a cara do boneco com o chapéu) Mãe – Porque assim já não vês o que se passa à tua volta. Filha – Mas vê-se bem, oh. Só que este chapéu é muito grande, é quase da minha altura. E também aprendi a dançar. É muito fácil, é assim, eu chamo o meu irmão e ele faz, queres ver (pega no bébé com a outra mão), um dois três (começam a dar passos de dança), um dois três, tã tã tã. (começam a dançar de uma forma mais agressiva) Pi pi lá lá lá... Mãe – Estás muito contente?! Filha – Sim estou, olha para isto, ele quando fez assim pushhh, (dá uma pirueta com o bébé e o rabo deste para da cara da filha) é que Adoptando uma postura muito infantil, o Nuno dramatiza alguém completamente encurralado numa realidade, onde, entre quatro paredes não pára de fugir; fugir em círculo; encontrar-se sempre no mesmo sítio – ciclo vicioso. Mostra-se um verdadeiro drama, completamente angustiante para quem o observa, pois o bebé, que por o ser não consegue fugir; e alguém mais velho, mais forte, que não desiste de correr atrás e não consegue ver o cansaço (psíquico?) de quem procura a fuga para além das paredes, olhar para o seu comportamento (físico?), e assim parar com a perseguição. Aquele ciclo é representado unicamente pelo Nuno, querendo se calhar dar a ideia de algo interno. O psicólogo, representando uma personagem exterior, é introduzido como possível mediador do conflito, e como ajudador de alguém que assim precisa. Implica o terapeuta se calhar pela primeira vez na sua problemática, e formula um pedido de ajuda. ele cheira mal, que cheira muito mal. Precisa de ir à casa de banho. Bebé – Ai não preciso nada, já fui à casa de banho 5 vezes não preciso de ir outra vez ouviste oh... pufff (põe outra vez o rabo do Na oitava consulta, ultima neste processo de dramatizações, o Nuno reafirma este pedido de ajuda e manifesta uma sensação de VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 41 desconforto. No princípio desta sessão, a mãe disse-nos que iriam de férias, de lá a duas semanas e por isso sabíamos que o caso teria de terminar. Marcou-se então, apenas mais duas consultas com o Nuno e uma com a mãe, na tentativa de lhe dar a devolução do caso e de lhe sugerir um encaminhamento. Acabamos a consulta deste modo: a filha (representado pelo Nuno) a queixar-se da perna que lhe doía, porque tinha caído no quarto e agora não se conseguia levantar, chama o irmão e pede-lhe ajuda. O irmão (representado pelo psicólogo) pergunta-lhe se lhe doía muito, ela responde que sim, que agora não se conseguia levantar. Então o irmão diz-lhe que a iria ajudar, que iria falar com a mãe e explicarlhe o seu problema. Acabou a sessão; com a inevitabilidade de uma finalização precoce marcamos uma consulta com a mãe e mais uma, em Agosto, com o Nuno. 42 Quis fazer um desenho na décima primeira consulta. Nada mais. Nada de despedidas melodramáticas, unicamente (sempre sem olhar nos olhos) que foi fixe andar lá. Faz um desenho. Este representa um rapaz a segurar um papagaio (em forma de borboleta) no terraço de sua casa. O pai que acabou de pintar um quadro está a chamar o filho para ir vê-lo. Chama-o tocando à campainha (trrim...). O filho manda-o esperar um bocado pois não pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo. O quadro que o pai pintou, representa uma “coisa esquisita”, “uma espécie de trovões e chuva a cair num caminho de terra”. Na casa existe uma varanda onde estão colocadas três flores e uma cortina. Do outro lado existe uma árvore com maçãs. Dentro dessa árvore existe uma cobra que come as maçãs e progressivamente vai ficando mais gorda. Existe também, no cimo da folha, um sol, nuvens e montanhas. O sol está com medo que a borboleta (papagaio) suba demais e que lhe atinja com os seus cornos. O rapaz também está com medo que a borboleta se perca nas montanhas. Figura 2. O pai chama-o para ver um mundo de trovões e chuva, algo incomVOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 preensível, “esquisita” que o pai pinta, representando um mundo que quer mostrar ao filho. O filho, não pode, e agora respondelhe para esperar um bocado pois as cores que ele agora manipula com o papagaio não se enquadram provavelmente com o quadro que o pai pintou – não consegue conjugar estes dois mundos, e um terá que passar para o sonho. E a borboleta voa e o pai toca a campainha fazendo barulho. Só o céu, a sua borboleta e a serpente se encontram coloridas – o mundo mais terreno encontra-se monocromático, as pessoas, a casa e a árvore vazias de cor. A manipulação da cor, tal como a manipulação do papagaio conjugamse num mundo para lá das montanhas, onde o menino por manipulálas manda esperar o pai. Mas existem medos. A borboleta ao voar pode magoar alguém, o sol, que já está com a boca vermelha da borboleta o ter atingido com os cornos. Também o voar demais pode levar a que ela se perca, e se sinta sozinha, e o desespero da solidão aparece.A liberdade trás destes paradoxos: provavelmente mostra-lhe um mundo mais colorido mas pede-lhe mais precisão na manipulação do papagaio. A responsabilidade talvez seja monocromática, com nuvens mais negras e pode eventualmente trazer trovoada. E para lá das montanhas, onde reina o desconhecido? O mundo pintado no quadro do pai pode sempre se revelar e não existe nenhum papagaio de papel que resista. Mas o tempo urge. A arvore com vida está a ser corroída pela serpente que lhe come os frutos - as sementes: o começo de novas arvores. A serpente, que se destaca pela cor, vai ficando maior, comendo todo o interior da árvore - todo o seu mundo interno. Deixando-lhe unicamente a capa, aquela que normalmente se utiliza para desenhar uma arvore: um invólucro ondulado que esconde todo um mundo de frutos e folhas. 6. Reflexões finais: evolução e análise compreensiva Brincamos. Com o desenho, com os bonecos, o Nuno experimentou. Confrontou nas suas personagens e por vezes simultaneamente, sentimentos opostos, formas de estar e de actuar diferentes: a tristeza e a alegria (sexta sessão); a insegurança versus segurança; a angústia da falta de controlo confrontada com o excesso de controlo; a autonomia e a dependência; a imaginação com a inibição. A brincar colocou a sua existência; aquilo que talvez tenha de mais sério, que especificamente lhe pertence e no entanto foi tudo a brincar, não passou de um “faz de conta”. Apresentando o que nos pareceu constituir evolução, mudança, realçamos primeiro o seu lado mais subjectivo, menos visível: como já foi dito, pareceu-nos estar a existir progressivamente uma libertação, no que nos expunha e na relação que tinha com o psicólogo; a espontaneidade foi-se tornando mais visível, a alegria também. Pareceu-nos que o Nuno, no contexto da relação psicoterapêutica, tornou-se uma criança mais alegre. Quando provavelmente percebeu que tudo o que fazíamos era a brincar, ele deixou (de uma forma progressiva, subtil) a obrigação de ter fazer o que agradaria os outros (exactamente por ser brincar), e passou a fazer o que o seu organismo lhe ia “pedindo” (experiencia organísmica7). Mas a mudança não ocorreu unicamente dentro das paredes do consultório, ela - e agora apresentando a visão dos pais, exposta espontaneamente por estes nas entrevistas - verificou-se logo após o segundo contacto que teve com o psicólogo: Excerto da terceira consulta realizada com os pais: “P – E em relação a fezes como é que é? No final do processo, o Nuno já não possuía o comportamento encoprético, dizendo a mãe que ele já não fazia nas calças, nem mesmo à noite, há já algum tempo (mais ou menos quatro semanas). Disse também que ele andava muito melhor desde de que frequentava as consultas de psicologia. Perguntou-se o que entendia por “andar melhor” e ela disse-nos que andava “mais bem disposto, mais contente”. Que repercussões terá para a família o facto do Nuno ir diminuindo os conteúdos sintomáticos? Será que o “bode expiatório” teria que continuar a existir e o resmungar passasse a ser mais outra “doença”? O sintoma, motivo de consulta, de certa forma o que “dava mais nas vistas” (encoprese) tinha desaparecido, mas os outros? Aqueles que o mantinham escondido num estado anímico? M – Em relação a isso o Nuno anda muito contente porque gosta de vir cá. Diz que tem um amigo que é o sr. dr. e que o sr. dr. o deixa brincar e que faz coisas. E disse: sabes mãe o meu organismo só já faz á noite, e eu disse olha que bom tás a ver, valeu a pena, valeu a pena então. O sr. dr. disse-te..., não ele ainda não me falou nisso, mas tu disseste-me aquilo e gosto de ir lá e também quero que ele... para a próxima vou-lhe dizer, que ele é meu amigo também quero mostrar-lhe que sou amigo dele. (...) P – A escola não será uma preocupação a questão de fazer na escola? M – Pois eu para mim ele agora anda muito contente porque ele anda despreocupado porque o organismo funciona á noite e ele agora está consolado. É o que ele diz á noite estou em casa, não é? Eu acho que ele, quer dizer o ter vindo aqui, o sr. dr. da maneira como lidou com ele acho que ele se calhar entendeu o essencial.” P –psicólogo, M – mãe Quando falamos no assumir uma postura de não directividade, no devolver à criança a responsabilidade de direccionar a sua vida, ali, naquele contexto especifico, inspirando-nos em João dos Santos (Branco, 2000) (a respeito de um caso que teve, que em relação ao sintoma é semelhante): talvez alguma coisa se tinha descontraído no Nuno, que aquela expressão de tensão que ele tinha, era como se toda a família estivesse contraída com aquele problema, e como se a criança estivesse completamente fechada, até para a expulsão das suas matérias fecais. Assim após ter estado apenas uma sessão com o Nuno, o sintoma encoprético quase desapareceu. 7 Este conceito refere-se a tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e engloba tanto os acontecimentos conscientes como os fenómenos inconscientes (Rogers e Kinget, 1975). O Nuno parece-nos encontrar-se num estado de grande tensão, proveniente de um conflito, que por sua vez provem de uma ambivalência em relação a modos de se posicionar no mundo. O que queremos dizer com isto, é que vários factores intervêm, de um modo sentido para o Nuno, como pouco tolerante, quase opondo-os, fazendo-o criar uma angústia que ao longo da sua evolução se foi tornando mais interiorizada, mais contida, desta forma originando e mantendo os sintomas. A este respeito citamos mais uma vez João dos Santos (in Branco, 2000) a respeito do comportamento encoprético quando diz: “É curioso, porque ao mesmo tempo que isto se passa (encoprese), a criança é capaz de guardar também outras coisas para si, portanto, é capaz de se conter noutros aspectos. Por exemplo a criança começa a chorar menos, a chorar no sentido de gritar, de fazer grandes birras e, a pouco e pouco, vai deixando de chorar assim, e depois, já aos seis anos, quase que já não chora, só quando há realmente motivos sérios para se chorar.” (p.189) Mas descreveremos primeiro os factores que a nós, e apoiandonos em Rogers (1994) nos parecem importantes como intervenientes nesta realidade - a família e a personalidade da criança, nomeadamente em relação ao primeiro, não só a relação de pai e mãe - individual ou em conjunto - com a criança mas de igual modo, entre si. Que padrões regem esta família, quais os valores mais exaltados? Parece-nos, não só pelas dramatizações do Nuno, como também pelas descrições dos pais, que a família tem o “peso” do trabalho bem presente não só nas vidas dos adultos, como também reflectido na educação dada aos filhos, e um pouco abordada em forma de chantagem ao Nuno. O trabalho é visto como algo difícil, onde o sofrimento terá necessariamente que estar presente para que possa “dar frutos”. E o Nuno sente-o, o que lhe gera culpabilidade (provavelmente por eles trabalharem tanto para que não lhe falte nada, por não poder ajudar nada ainda). Assim ele dramatiza este VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 45 problema (em quase todas as sessões), quer problematizando o seu próprio “trabalho” que é a escola, recriminando-se (sessão 4), quer pondo-se a ajudar o pai e a mãe com o que sabe fazer - que é desenhar – tentando, assim, aliviar esta culpabilidade inerente que sente. A nível relacional, ele procura enquadrar-se no que os pais consideram ser o “portar-se bem”, o seguir as normas. Através da dramatização e não só ele verbaliza o desejo de um dia poder vir a ajudar os pais (nessa luta que travam todos os dias contra o prazer) - como nos explica no questionário de Zelazosca – traduzido no desejo de ter muito dinheiro para poder ajudar os pais. Pensamos que o que foi descrito na sessão quatro, demonstra essa preocupação e essa culpabilidade.Também na sexta entrevista a conversa entre o psicólogo e o Nuno demonstra essa necessidade de ajudar - de agradar - naquilo em que os pais, provavelmente, consideram importante investir: “P – A escola é muito importante para ti? C – Sim, porque é lá que se aprende. P – E porquê que queres aprender? C – Para tirar um curso e ganhar dinheiro para mim e para a minha família. Porque se não se esforçar, não se ganha nada.” P – psicólogo, C – cliente 46 Nesta família tudo se discute num plano racional, onde os sentimentos estão subjugados às normas e às obrigações – quem possui a racionalidade, como já foi apresentado na análise do desenho de uma família, detém o poder. Plano também imposto ao Nuno, que o faz parecer, aos pais, como uma criança muito responsável. A ordem, a planificação, também são aqui valores muito enfatizados. Em relação ao pai especificamente, o Nuno manifesta o desejo que este passe mais tempo consigo, e visto este ter de trabalhar muito o jovem propõe, em dramatização, que ele vá trabalhar para casa enquanto ele também faz os deveres. Parece-nos então que o Nuno o sente como um pouco ausente - se calhar preocupado unicamente com a sua educação, ou então, como expôs no desenho de uma família, coordenando e ordenando, na assumpção de uma postura de líder na sua educação. Postura de chefia a tal ponto que deixa de poder ser alcançado e onde as suas ordens adquirem uma força tal que não poderão ser postas em causa. Em relação à mãe, esta aparece como muito preocupada com o filho, adoptando uma postura sempre muito protectora com este. Ao mesmo tempo que manifesta a preocupação projecta igualmente muita ansiedade, para o psicólogo, e provavelmente para o Nuno no seu dia a dia. Ou seja, é uma mãe que está muito preocupada com o seu filho, e para quem o decidir a educação é visto como algo difícil de suportar, “penoso”, “doentio” (tal como ela colocou o problema da encoprese), perdendo, assim, espontaneidade no VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 relacionamento. Adopta uma postura de hiper-protecção por falta de segurança na tendência actualizante do ser humano, visto ela, por não acreditar nas suas capacidades e pensar que todo o processo educativo é um processo difícil, se fecha - como se de um casulo se tratasse - a ela e ao Nuno numa dinâmica, que provavelmente o faz adoptar uma postura regressiva, de passividade, por medo “que o deixem sozinho” (desenho de uma família) ou seja medo de crescer, de se autonomizar – daí, provavelmente, a sua angústia. É uma mãe que talvez eduque o filho como estivesse a “amestrar papagaios” (Santos, in Branco, 2000, p.178). Portanto esta família - e recorrendo ao simbolismo apresentado pelo Nuno nas consultas - é uma família “que está na mesa”, a introduzir algo ao Nuno. É uma família que provavelmente o escuta pouco, deixando-lhe pouco espaço para as suas necessidades. Exploremos o pouco espaço: falamos de avaliações que em relações interpessoais constantemente se fazem (Roger & Kinget, 1975). Parece-nos que em relação ao Nuno, esta família possui uma avaliação do seu comportamento bastante condicional. As experiências do self 8 da criança, são avaliadas positivamente de um modo bastante selectivo, sendo provavelmente alvo de consideração negativa as experiências que contrariassem a racionalização instituída, o valor do trabalho e do controlo, a expressão da agressividade, os rituais de limpeza e de um modo mais geral da liberdade para crescer. Assim teorizando acerca da personalidade do Nuno e baseandonos na teoria rogeriana (in Rogers & Kinget, 1975) da personalidade, podemos arriscar dizer que este se encontra num estado de conflito. Como já vimos, o pai e a mãe, têm em relação a ele e ao seu comportamento, um tipo de avaliação condicional, ou seja: unicamente certos comportamentos do Nuno são valorizados como alvo de consideração positiva. Este processo de avaliação talvez seja sentido pelo Nuno de uma forma demasiado rígida, onde experiências agressivas ou de revolta não possam sequer ser consciencializadas. Assim, como o experienciar consideração positiva da parte dos outros se mostra como uma necessidade (Rogers & Kinget, 1975) por vezes mais forte que o processo de avaliação organísmica (experiencia organismica), o Nuno ao pretender satisfazer esta necessidade adopta como força directriz das suas experiências a avaliação dos outros, e o que os outros, no que experiencia, consideram de positivo ou negativo. O Nuno seleccionando na consciência as experiências causadoras de culpabilidade e desse 8 O Self designa a configuração experiencial composta de percepções relativas ao Self, as relações do Self com o outro, com o meio, e com a vida em geral, assim como os valores que o individuo atribui a estas diversas percepções. (Rogers & Kinget, 1975, p. 165). modo recalcando-as, tornou-se então no filho que eles gostariam de ter (que permitiam ter), com o seu lado de líder (demonstrando uma força de controlo sobre os outros), mas ao mesmo tempo responsável, obediente, higiénico9 e racional, como um adulto, embora com um medo da solidão como um bebé (teste do pata negra). Na altura da entrada para o infantário, o Nuno passou uma fase que só chorava, aparecendo, pouco depois, o sintoma enurese. Esta fase representou provavelmente o conflito da criança com o exterior; que não o deixava fazer o que o seu organismo lhe pedia – talvez uma espécie de manifestação do desconforto causado por duas forças que se mostravam opostas: a necessidade de consideração positiva (positive self regard) e a necessidade do organismo. Fase essa, que resultou provavelmente num compromisso: onde a avaliação do comportamento começou progressivamente a ser realizado por si. Ou seja: o Nuno passou, tomando como base critérios exteriores, a avaliar ele próprio a experiência do seu Self, passando desse modo a mostrar uma angustia quase permanente acerca do que expulsa e do que exprime (procurando desse modo adquirir um controlo do mundo e especificamente dos seus esfíncteres). O seu conflito vai, deste modo, passando de factores exteriores para factores internos, para o seio da sua personalidade formando-se desse modo uma personalidade neurótica segundo (Rogers & Kinget, 1975). Assim como foi dito na analise do teste de uma família, o Nuno encontra-se numa ambivalência que encontra dois pólos antagónicos, devido ao pouco espaço que os pais lhe dão para que ele se encontre “e seja quem é”. O seu organismo pede mais liberdade, mais autonomia, menos controle. Deseja como diz no questionário de Zelazosca “que ninguém o chateie” e se pudesse, gostaria “de ser livre e ir conhecer o mundo”. Por isso ele fecha-se num comportamento anímico para o mundo que lhe tenta invadir a privacidade. Um ambiente que reprime as necessidades do seu organismo (“que dizem respeito a toda uma serie de restrições que limitam a criança nos seus movimentos e deslocação no espaço (não o deixando ir brincar com as primas (cf. enquadramento)), na utilização de certos objectos, e na forma de manipular outros, na manifestação dos seus impulsos, e, em particular, limitação da liberdade excretar urina e matérias fecais.” (Santos in Branco, 2000, p.338)) e que lhe impede o crescimento, mantendo a evolução psicoafectiva da sua personalidade, fixado num estado mais infantil (Marcelli, 1998). Desta repressão, que progressivamente vai ficando mais internalizada, surgem os sintomas: “A criança (...) estando submetida a fortes tensões ou rigorosas normas educativas, submete-se retendo as fezes, como retém a agressividade. (...) Incapaz de suportar constantemente a contenção, (o Nuno) exprime a sua agressividade através das fezes (e urina).” (Santos in Branco 2000, p. 338). Possui assim dois modos de estar, que ele os vê como incompatíveis e que lhe trazem incongruência: um mundo de contenção e um mundo de expulsão, que por ser reprimido (quer pela família que por ele) não surge ou não é simbolizado correctamente na consciência. Mas existe também a ambivalência, proveniente da necessidade de auto-realização que o motiva para o “florescimento”, ou seja, existe também a necessidade de auto-realização que provavelmente vai perdendo força ao outro lado motivador da dependência; um lado que reclama um Nuno mais livre para experienciar e desse modo mais seguro de si, com menos medo de ficar sozinho, mas ao mesmo tempo com mais controle da sua vida e consequentemente dos seus esfíncteres, mas de uma forma despreocupada, involuntária como o próprio controlo o é; uma liberdade que encontrada lhe permitirá ser “jogador de futebol” (questionário de Zelazosca), ou não, dependendo da escolha que dia a dia for fazendo. BIBLIOGRAFIA Arfouilloux, J. C. (1980). A entrevista com a Criança. Rio de Janeiro: Zahar Editores Axline,V. M. (1993). Play Therapy. 33ª edição. New York: Balentine Books. Boekholt M. (2000). Provas Temáticas na Clinica Infantil. Lisboa: Climepsi Branco, M. E. C. (2000). Vida Pensamento e Obra de João dos Santos. Lisboa: Livros Horizonte. Cunha, J. A. (1993). Psicodiagnóstico – R. Porto Alegre: Artes Médicas Doron R. & Parot F. (2001). Dicionário de Psicologia. Lisboa: Climepsi editores Marcelli, D. (1998). Manual de Psicopatologia da Infancia de Ajuriaguerra. Porto Alegre: Artemed. 9 João dos Santos (in Branco, 2000), a educação para a limpeza é a primeira forma de educação imposta pelos pais; ao dizerem para ele ver as outras crianças e que ele não poderia andar assim sujo na rua, estariam a salientar o conteúdo agressivo que ele poderia representar para o que estaria exterior ao Nuno, principalmente os pais. Se ao contrário disso o tivessem tentado ouvir ou, como diz Rogers (1989): “O relacionamento constitui-se de uma expressão mutável de sentimentos e atitudes, com o outro empenhando-se em escutar e ouvir com aceitação, mas também com direito a seus próprios sentimentos e atitudes, que também necessitam ser ouvidos com aceitação.”, provavelmente a agressão seria ouvida e teria sido trabalhada (contida?). Rogers & Kinget (1975). Psicoterapia e Relações Humanas Vol I. Belo Horizonte: Interlivros. Rogers, C. (1989). Sobre o Poder Pessoal. São Paulo: Martins Fontes. Rogers, C. (1994). O Tratamento Clínico da Criança-Problema. 2ª edição. São Paulo: Livraria Martins Fontes Toro, J. (1998). Psiquiatría de la infancia y de la adolescencia. In J.V. Ruiloba, (ed), Introduccion a la Psicopatologia y la Psiquiatria. 4ª edición. Barcelona: Masson VOLUME V Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2003 47