CONSERVATÓRIO BRASILEIRO DE MÚSICA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MUSICOTERAPIA
A VOZ EM MUSICOTERAPIA - A EDUCAÇÃO VOCAL NA TERCEIRA IDADE
E O PROCESSO ENSINO (TERAPIA) – APRENDIZAGEM
POR: DEILA MARIA FERREIRA SCHARRA
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Musicoterapia
RIO DE JANEIRO, MAIO DE 2002
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RESUMO
Este trabalho pretende estudar as relações entre a aprendizagem de canto na terceira idade e
o processo musicoterápico que pode envolver tal aprendizagem. Focalizam-se aspectos
anatômicos e funcionais do aparelho fonador, qualidades da voz, distúrbios que aparecem com
freqüência nessa faixa etária, o uso do microfone modificando o comportamento do aluno, e
aspectos emocionais e problemas psíquicos que podem afetar a voz, bem como a importância de
eles serem trabalhados em Musicoterapia. Comparam-se técnicas vocais aplicadas ao ensino de
canto com técnicas musicoterápicas que utilizam a voz durante o tratamento, e estabelecem-se
diferenças e semelhanças entre a educação vocal e a terapia quanto à utilização da voz. A
experiência realizada com um aluno/paciente ilustra a inter-relação ensino/terapia, em que a
aprendizagem de canto surge como elemento auxiliar na reabilitação do idoso. Acreditamos
pois que através da educação vocal na terceira idade integrada à Musicoterapia poderemos
encontrar uma possível abordagem musicoterápica que abra novos caminhos para maior
eficácia do procedimento terapêutico.
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1. INTRODUÇÃO
O homem utiliza a voz como forma de expressar seus pensamentos, e desde o nascimento
quando o bebê chora, a voz vem associada à emoção. Os estados da alma são revelados pela voz
antes mesmo que a palavra o faça. A voz ocupa portanto lugar de importância desde a vida intra
uterina, quando para o feto a voz materna representa proteção contra o mundo externo. Esta
importância cresce à proporção que o homem evolui e a palavra se associa à voz que fala,
expressando os primeiros desencontros entre o conteúdo e o discurso, criando enigmas, gerando
conflitos que podem vir a exigir a ajuda do terapeuta. É quando o tom da voz nem sempre
corresponde à palavra que é falada.
A voz é portanto a primeira forma de comunicação do ser humano com o mundo e se
manifesta através do choro e do grito. À medida que o indivíduo vai se desenvolvendo, a sua
função vocal também sofre modificações que estão intimamente ligadas ao seu desenvolvimento
físico e à sua emotividade. As entonações vocais são reveladoras de estados da alma e do corpo, e
quando este corpo envelhece ocorrem alterações no processo vocal, caracterizando o
envelhecimento da voz. Atualmente alguns idosos buscam a sua reabilitação através das aulas de
canto, com o objetivo de manter o uso adequado da voz falada e cantada. Suas argumentações para
explicar tal procura são extremamente variadas, e vão desde a realização de um desejo de infância
até o preenchimento do vazio de suas vidas, processo este de ocorrência comum nesta faixa etária.
Assim sendo, a terceira idade constitui hoje um novo desafio para o educador pois a sua
proposta é a de recuperar o tempo perdido, e concomitantemente tornar prazerosa uma nova
atividade em suas vidas.
Quando o idoso traz consigo o desejo de aprender canto, ele está também trazendo suas
frustrações, seus conflitos, suas esperanças, e é nesse momento que o educador percebe que a
relação professor-aluno pode ir além de um processo de aprendizagem cujo objetivo é adquirir
conhecimentos. E quando o professor é também um terapeuta, ele passa a encarar um novo
objetivo nessa relação que é a manutenção da saúde física e mental do seu aluno. E se ele é
também um musicoterapeuta, certamente estará apto a promover melhor qualidade de vida para o
seu aluno através de técnicas musicoterápicas que utilizam a voz.
Inicia-se então uma nova etapa de trabalho em que o processo ensino (terapia) – aprendizagem
surge como um elemento terapêutico que busca a saúde do paciente e sua manutenção. Se
atentarmos para a atuação do musicoterapeuta e a resposta do paciente, nos depararemos com um
típico processo de aprendizagem em que os comportamentos são adquiridos ou modificados e
novas habilidades passam a fazer parte da vida deste paciente.
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No presente trabalho procuramos observar as alterações da voz que acompanham os diferentes
comportamentos humanos, as influências do meio na recuperação dos pacientes e a influência da
educação vocal (aprendizagem de canto), como elemento reforçador na modificação do
comportamento destes pacientes.
A importância da voz como um dos elementos mais representativos da emoção no ser humano,
nos conduziu à pesquisa de procedimentos musicoterápicos para seus distúrbios.
A terapia
preventiva a ser adotada através da educação vocal é uma prática que merece atenção especial uma
vez que na pedagogia da voz utilizar-se-ão métodos preconizados pelas práticas musicoterápicas.
Há atualmente uma tendência para compreender as relações homem/meio
e o processo
saúde/doença, substituindo-se o eixo distúrbio/tratamento para o de saúde/prevenção. Acreditamos
que o musicoterapeuta e o educador vocal devem compartilhar uma proposta de saúde vocal aberta,
com a interseção entre as áreas da educação e da saúde, que enfatizam a promoção da saúde e a
proteção específica da voz através de ações de caráter preventivo/educativo.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. DA FUNÇÃO VOCAL
A função vocal, segundo DINVILLE (1993), é uma atividade muscular constituída pela
interação entre os órgãos vocais e respiratórios. A fonação ou ato de fonar é a produção da voz ,ou
seja, a produção de som através do aparelho fonador.
VALLE (1996), nos fala que o som vocal é composto de ondas sonoras constituídas de
partículas do ar em movimento. Este ar que é responsável pela produção da voz sai dos pulmões,
passa pela traquéia e ao chegar à laringe transforma-se em voz ao sofrer a ação mecânica das pregas
vocais.
MELLO (l995), nos diz que as cordas vocais vibram provocando compressões e expansões das
moléculas de ar na expiração, formando ondas sonoras. Os sons vocais nascem na glote através de
um som fundamental, rico em harmônicos.
BEHLAU e PONTES (1999) , destacam a formação de um som básico na laringe chamado
“ buzz” laríngeo que dará origem à voz a ser produzida pelo trato vocal. A produção da voz exige a
passagem do ar pelas pregas vocais. Esta fonação ao nível da laringe é de baixa intensidade e ao
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passar pelo trato vocal, modifica-se através de um processo chamado de ressonância, e chega ao
meio ambiente amplificado.
Para FERREIRA (2000), a voz é o som produzido pelo homem que o identifica quanto a sua
idade, sexo, tipo físico, raça, procedência, nível sócio-cultural, características de personalidade e
estado emocional.
BEUTTENMÜLLER e LAPORT (1992), consideram a voz como um conjunto de sons
produzidos pelo funcionamento do aparelho de fonação. A linguagem do corpo e da voz seria
resultante de funções motoras e sensitivas comandadas pelo cérebro.
2.1.1. ASPECTOS ANATÔMICOS DO APARELHO FONADOR
O aparelho fonador compõe-se de: aparelho respiratório (pulmões, caixa torácica com seus
músculos e diafragma); órgão vocal vibrante (laringe, glote, cordas vocais e ventrículos); sistema
de ressonância (cavidades supraglóticas e subglóticas); articuladores (lábios, língua, dentes, palato
duro e palato mole); e sistema nervoso central, (BEUTTENMÜLLER e LAPORT, 1992).
Segundo VALLE (1996), elementos dos sistemas digestivo, respiratório e nervoso participam
da fonação.
Do sistema digestivo temos os órgãos fonoarticulatórios (OFA), que participam
também da ressonância vocal. São eles: lábios, arcadas dentárias, bochechas, palato, língua e
faringe. Como componentes do sistema respiratório, sistema este imprescindível na produção do
som temos : cavidades nasais, seios paranasais, faringe, laringe e pulmões. De grande importância
na respiração temos os músculos responsáveis pela inspiração e expiração, e também o diafragma
que é considerado o principal músculo da respiração. Finalmente cita o sistema nervoso que é o
grande responsável pelo controle de todas as funções orgânicas.
Ao estudar o músculo diafragma, SOUCHARD (1989), afirma que este músculo tem
funcionamento essencial à vida, com função inspiratória cujo comando é automático e voluntário.
É automático e inconsciente no ato respiratório e é voluntário na fonação. É o único músculo
verdadeiramente respiratório. É um músculo ímpar e assimétrico que separa o tórax do abdome.
De grande importância no ato da fonação citamos a laringe. Este órgão segundo GARDNER
et al.(1975), liga a parte inferior da faringe à traquéia e tem as seguintes funções: proteger as
passagens aéreas durante a deglutição, manter a permeabilidade das vias aéreas e permitir a
vocalização.
É constituída de várias cartilagens articuladas entre si através de ligamentos,
membranas e músculos. Estes últimos atuam como elevadores ou abaixadores da laringe, na
função de constrição e na adução e abdução das pregas vocais, daí seu papel predominante na
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produção da voz. É muito vascularizada e sua inervação é rica e de grande relevância na função
vocal.
O papel da laringe no canto e na palavra falada é enfatizado por DINVILLE (1993), que a
classifica como um órgão móvel que executa movimentos de elevação ou abaixamento de acordo
com as flutuações da linha melódica. Estes movimentos são realizados através da movimentação
da língua, da mandíbula, da pressão expiratória e das modificações no volume das cavidades de
ressonância. As cavidades de ressonância estão situadas anteriormente à coluna cervical. São
compostas pelo baixo ou oro-faringe, limitadas inferiormente pelas pregas vocais, anteriormente
pela epiglote e a base da língua e posteriormente pela parede anterior da coluna vertebral.
Lateralmente situam-se os pilares que se prolongam superiormente pelo véu palatino. A rinofaringe ou cavum situa-se acima e atrás das fossas nasais.
Ao mencionar a mobilidade da laringe, este autor explica que tal mobilidade garante o
mecanismo normal das pregas vocais. No caso de posições laríngeas anti-fisiológicas há alteração
na vibração de tais pregas dificultando a emissão vocal havendo a modificação no timbre da voz.
As pregas vocais , em número de duas, são pregas musculares localizadas horizontalmente e estão
inseridas nas cartilagens da laringe. Suas dimensões variam com o sexo, a idade e permitem
identificar a categoria da voz, ou seja, se é uma voz masculina ou feminina.
Executam
movimentos de aproximação (adução) ou afastamento (abdução) que correspondem à altura tonal
(sons graves ou agudos). Entram em vibração comandados pelo cérebro e são controladas pelo
centro da audição.
BEHLAU et al. (2001)¹, descrevem a estrutura anatômica das pregas vocais como duas dobras
de músculo e mucosa que se estendem horizontalmente na laringe. Para a função fonatória, a
estrutura multilaminada de tais pregas, constituída por camadas com diferentes propriedades
mecânicas é extremamente importante. De um modo geral pode-se dizer que a prega vocal é
formada por mucosa e músculo.
2.1.2. ASPECTOS FISIOLÓGICOS DO APARELHO FONADOR
Ao falar sobre a produção do som ou fonação, VALLE (1996), cita a ação de elementos do
sistema respiratório, do sistema digestivo e do sistema nervoso. No sistema digestivo assinala os
órgãos fono-articulatórios (OFA) que participam da ressonância vocal. Estes órgãos desenvolvem
funções comuns: mastigação, sucção, deglutição, e articulação dos sons falados. Tais funções têm
a participação da mandíbula (do grego gnatos ), daí a denominação de sistema estomatognático.
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Para a função de ressonância da voz, o palato e a faringe ganham destaque como ressonadores de
grande importância, acrescidos dos outros ressonadores: cavidade nasal e seios paranasais. A
ressonância vocal permite que a voz se projete no ambiente.
No tocante à função respiratória, este mesmo autor considera a respiração que ocorre por via
nasal como a mais adequada para o fornecimento do ar necessário à realização do som laríngeo e
sua ressonância.
Cita como elementos envolvidos na fonação: a cavidade nasal, os seios
paranasais, a faringe, a laringe e os pulmões. Assinala também a importância dos músculos
envolvidos na respiração (diafragma, músculos inspiratórios acessórios e músculos expiratórios
acessórios).
O controle voluntário do diafragma pode ser desenvolvido e aprimorado pelos
cantores pois é a forma de controlar o fluxo aéreo que chega à região glótica para produzir o som
vocal. Por outro lado, a utilização dos músculos inspiratórios acessórios na ausência de grandes
atividades físicas é conhecida como respiração superior ou clavicular;
e a utilização da
musculatura expiratória acessória auxilia no fluxo de ar expirado (sopro) que produz a voz. Ainda
influenciando a qualidade da voz encontramos também a musculatura do palato mole, língua e
músculos extrínsecos da laringe.
BEHLAU e PONTES (1999), nos explicam o papel das pregas vocais durante o processo da
respiração. Eles nos dizem que para permitir a entrada e saída livres do ar, as pregas vocais ficam
afastadas entre si. Desse modo há a entrada de oxigênio e a saída de gás carbônico de nossos
pulmões. Na produção da voz, contudo, as pregas vocais devem se aproximar e vibrar. Quanto
mais agudo for o som, mais rápida será a vibração. Durante a fala a respiração será buconasal, isto
é, o ar penetra pela boca na fala encadeada e nas pausas usamos a via nasal; na respiração
silenciosa o ar entra pelo nariz, sofrendo um processo de filtração, aquecimento e umidificação
antes de atingir os pulmões.
Quanto à atuação da laringe na produção vocal ou seja, na função fonatória, consultamos
BEHLAU et al. (2001)¹, que nos afirmam que a fonação é uma função neurofisiológica inata,
porém a voz vai se formando ao longo da vida segundo as características anatomo-funcionais do
indivíduo e os aspectos emocionais de sua história pessoal. A laringe produz a fonação e o trato
vocal produz a voz. A voz é o som proveniente das pregas vocais, modificado pelas cavidades de
ressonância. Para a sua produção atuam diversos órgãos do corpo humano, constituindo assim o
aparelho fonador. Tal aparelho não existe como unidade anatômica, porém deve se comportar
como unidade funcional. Estes autores nos falam das várias teorias para explicar a produção da
voz, porém a mais aceita mundialmente é a teoria mioelástica-aerodinâmica que combina a
elasticidade dos músculos da laringe e as forças físicas aerodinâmicas da respiração na produção do
som.
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Finalmente lembramos que todos os processos que se manifestam para produzir a voz, são
comandados pelo sistema nervoso, dependendo totalmente do mesmo.
VALLE (1996), nos fala que a fonação sofre influência direta do sistema nervoso autônomo,
principalmente por meio das modificações respiratórias; e indiretamente através das relações do
mesmo com o sistema somático. As fibras do sistema nervoso autônomo simpático e parasimpático
constituem os plexos viscerais entre os quais estão os troncos vagais. A laringe, por exemplo, é
inervada por ramos do nervo vago (X par craniano), respectivamente o nervo laríngeo superior
( nervo misto) e o nervo laríngeo recorrente (nervo motor). O nervo trigêmeo (V par craniano), é
importante para o timbre da voz; o nervo facial (VII par craniano) atua sobremaneira na articulação
dos sons falados; o glossofaríngeo (IX par craniano) atua na qualidade do som da voz (altura e
ressonância); e o nervo hipoglosso (XII par craniano), interfere também na voz por sua relação com
a laringe.
Podemos pois concluir quão complexos são os aspectos neurológicos da produção vocal que
englobam a conexão da musculatura laríngea com áreas cerebrais tais como o córtex cerebral que é
responsável pela fonação.
2.2. DA VOZ PROPRIAMENTE DITA
2.2.1. DA VOZ COMO SISTEMA DE COMUNICAÇÃO HUMANA
A voz faz parte do sistema de comunicação humana desde o nascimento, quando o bebê
anuncia a sua chegada e estabelece então o primeiro contato com seus semelhantes.
Segundo MELLO (1995), os sons vocais desde sempre serviram para manifestar os estados
psíquicos e o pensamento, por mais primitivo e nebuloso que fosse. A primeira manifestação vocal
é o choro que está ligado ao fenômeno respiratório. A fase do choro é a chamada fase de emissão
pura sendo seguida pela fase de expressão ou manifestação de conhecimentos emotivos, quando o
bebê apresenta um comportamento reacional a diversos estímulos. Inicialmente, ao chorar, a
criança se assusta com a própria voz. Depois passa a brincar com os ruídos que sua língua e seus
lábios produzem (fase de balbucio), passando então à fase imitativa, e é assim que ela aprende o
sentido da dor e da alegria. É quando a voz toma tonalidades e coloridos conforme o estímulo ao
qual reage.
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BEHLAU e PONTES (1999), nos dizem que a voz faz parte de toda a nossa existência, desde
o nascimento representada pelo choro, e até à morte quando damos último suspiro. Durante a
nossa vida a voz está presente em todos os momentos mais decisivos , e vai se modificando de
acordo com a idade, a saúde, a história pessoal de vida, as condições ambientais, situação e
contexto de comunicação.
ABERASTURY e TOLEDO (1955), falam que a imitação dos sons nos bebês conduz à
linguagem. A produção de um som vem associada a um desejo e a palavra surge com a função de
expressar esse desejo. Ela começa por sons separados e a música começa pela repetição dos sons;
ambos seguem juntos constituindo o canto e a linguagem.
A palavra tem dupla finalidade:
significado e som. Pode ocorrer a valorização da palavra como som, em detrimento do seu
significado, surgindo a voz como objeto.
VALLE (1996), afirma que a qualidade vocal e as entonações da voz, revelam estados da alma
e do corpo.
A voz coexiste com a linguagem, a fala e o pensamento, tornando possível a
transmissão da palavra falada. O controle da voz depende direta ou indiretamente da percepção e
atenção dadas às sensações corporais, da audição e do universo psíquico de cada indivíduo. O
acesso ao psiquismo, por meio da linguagem, pode resultar em mudanças nas atitudes do indivíduo
que são orientadas pela mudança em seu discurso interior. A fonação é importante na vida social
do homem, quando através da voz da fala, ele ocupa seu lugar no mundo humano ( social ). A voz e
o viver interdependem-se.
2.2.2. A ORIGEM DA VOZ
Ao falar sobre a origem da voz, PELLIZZARI (1993), nos diz que o espelhismo
produz uma fascinação, produto da ressonância imaginária. Cita o que ANZIEU (1989) chamou
de “ banho de sons “, estímulos sonoros que o bebê recebe nos primeiros meses e que o preparam à
posterior etapa do espelho sonoro. Forma-se uma envoltura sonora na experiência do banho de
sons concomitantemente à lactância. A voz da mãe, é o primeiro espelho sonoro para o bebê que se
exprime por meio de gritos que conduzirão à posterior articulação de fonemas. O espaço sonoro é
o primeiro espaço psíquico, e a voz é considerada como sucessora do leite materno, atuando como
elo de relação e comunicação. Além da voz materna, vozes de outras pessoas introduzem o bebê
em novas relações.
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2.2.3. DA VOZ MATERNA E A SUA IMPORTÂNCIA PARA O BEBÊ
PELLIZZARI (1994) nos diz que a voz materna dá ao bebê o sentido de todas as
suas percepções, dependendo dela o prazer ou o desprazer. A voz é a via inaugural da palavra, é a
fundação estrutural do tempo como ritmo. Do mesmo modo que o campo biológico dá sustentação
à palavra, o corpo se sustenta nela, e a diferença entre ambos é dada pela voz. A voz desaparece
para que surja a palavra, e sem voz não há palavra. Por isso, na clínica musicoterapêutica,
sobretudo nas neuroses, a voz é um conceito quase misterioso, confundindo-se com a palavra.
ABERASTURY e TOLEDO(1955) observam que com o nascimento inicia-se uma relação
que se baseia em um tipo de percepção em que há conexão do bebê com a mãe através da voz. Os
lactentes reconhecem a voz materna, e esta experiência é total, única e precoce. As canções
cantadas pela mãe são de grande influência nos primeiros meses de vida do bebê. Os autores
comparam a voz materna ao leite que traz efeito físico agradável.
CHAGAS (1990) compara o som da voz da mãe com o leite que preenche, alimenta e
aconchega. A cantiga de ninar cantada pela mãe, por sua vez, proporciona o aconchego necessário
para a entrega ao mundo dos sonhos e ao contato íntimo com os conteúdos inconscientes.
2.2.4. DA VOZ E A EVOLUÇÃO MUSICAL NOS VÁRIOS ESTÁGIOS DA VIDA DO SER
HUMANO
As últimas investigações sobre a vida intra-uterina revelam que desde o 5º mês de
gestação, o feto é sensível ao estímulo sonoro musical e que desde então seria capaz de emitir sons
( ABERASTURY e TOLEDO,1955).
BARCELLOS (1977), compara a evolução musical de cada homem ( ontogênese ) à
evolução musical do homem através dos tempos ( filogênese ).
Assim, na fase intra-uterina
teríamos a percepção de sons e ritmos rudimentares; no choro, ao nascer surgiria a organização de
sons guturais; um intervalo de terça menor surgiria no balbucio e depois a formação da melodia
simples, cantada. A música atua no homem provocando efeitos fisiológicos e psicológicos.
Segundo BRUSCIA (1991), na fase fetal os sons são percebidos como vibrações, e a mais
forte delas é a cardíaca (de seu próprio coração), aliada ao batimento cardíaco da mãe; a segunda
vibração viria através do cordão umbilical; os sons externos ao feto viriam através do líquido
amniótico, originário do corpo da mãe (voz e órgãos internos), de seus próprios movimentos e os de
seu ambiente. Os sons agudos e graves são distinguidos pelo feto como vibrações lentas ou
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rápidas. Elementos musicais já se observam nesta etapa da vida do ser vivo: pulso (ritmo) e altura.
O fraseado pode ser comparado à duração das contrações, respiração e gritos e a voz do feto, por
sua vez, soará no ato do nascimento e será a sua primeira expressão musical. Este autor descreve as
várias etapas pelas quais passa a evolução musical do ser humano. São elas:
•
durante os primeiros 6 meses de vida, os sons vocais do bebê são constituídos de gritos,
arrulhos e sons orais, visando expressar as suas necessidades básicas, sentir prazer, evitar a dor
e ter a companhia de outras pessoas;
•
de 6 a 24 meses de idade, o bebê utiliza os reflexos vocais para que soem como “ jogo vocal “.
O balbucio aparece na fala e na música e a expressão vocal é curta e repetitiva. A criança
escuta a própria voz e se sente fascinada;
•
de 2 a 7 anos de idade, a criança utiliza a palavra para expressar seus sentimentos, e já começa a
utilizar a fala cantada. Ao cantar canções já existentes, ela associa um meio de prazer e uma
forma de expressão. As habilidades tonais vão se desenvolvendo;
•
de 7 a 12 anos de idade, a criança está pronta para estudar música, e a voz será usada na
participação de programas escolares em corais;
•
de 12 a 18 anos, o adolescente deseja se ver livre de regras e princípios pré-estabelecidos,
utilizando a música como ponto de partida;
•
acima dos 18 anos ocorre a definição do papel da música na vida do indivíduo. Assim,
manifestam-se as principais necessidades musicais ( apreciação estética, recreação, prazer e
suporte psicológico ). Em relação à voz, recomendam-se lições de canto que tenham na música
a sua própria finalidade;
•
a meia-idade é a época da crise existencial,em que as atividades musicais são “algo para fazer”
tendo a função de entretenimento ou “hobby”;
Lembramos que vem aumentando ultimamente a procura de aulas de canto por pessoas
acima dos 60 anos de idade, bem como sua participação em grupos vocais e corais. A atividade
musical , exercida através da voz é fonte de prazer para estas pessoas que desse modo vencem a
solidão, o isolamento, encontrando novo significado para as suas vidas.
2.2.5. DA VOZ ( MELODIA ) E DO MOVIMENTO ( RITMO )
FRANCO (1992) assinala que ao nascer, o feto vive pela primeira vez a individuação que
representa um trauma, pois faltará a proteção do útero materno. Ao usar a voz para expressar ao
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mundo os seus sentimentos, o bebê se movimentará. É quando poderemos associar a voz à melodia
e o movimento ao ritmo.
A musicoterapia vai se utilizar desse primeiro momento de vida
expressiva, portanto de comunicação, intervindo sobre a vocalidade.
ABERASTURY e TOLEDO (1955), associam a análise da voz e do corpo, pois ambos são a
mesma coisa, isto é, a forma rítmica que contem o mais essencial do indivíduo.
Para CHAGAS (1990), o ritmo é a manifestação básica da vida, e no homem, desde a vida
fetal o ritmo está presente nos batimentos cardíacos, nos sons viscerais da mãe e no pulsar da
placenta. Após o nascimento outras atividades vão também exigir o ritmo, sendo este o primeiro
elemento musical com o qual entramos em contato. Ao lado do ritmo está o som vocal que surge
no bebê com o grito, choro, balbucio e abre novo campo de expressão , ou seja, a emissão vocal.
2.3. DAS QUALIDADES DA VOZ CANTADA
BEHLAU et al.(2001)², definem a qualidade da voz como o conjunto de características que
identificam uma voz. A qualidade vocal refere-se à impressão total criada por uma voz e pode
variar com a fala, as condições físicas e psicológicas do indivíduo. As principais dimensões a
serem avaliadas na voz são: a biológica, a psicológica e a socio-educacional.
Na dimensão
biológica, observamos as características anatômicas e fisiológicas do indivíduo tais como sexo,
idade, estado de saúde geral e estrutura dos órgãos componentes do aparelho fonador.
As
características da personalidade e o estado emocional no momento da emissão são analisados na
dimensão psicológica. Finalmente os valores culturais e sua incorporação aos membros de uma
comunidade são avaliados na dimensão socio-educacional.
São os sotaques, regionalismos,
modelos vocais profissionais etc. que identificam os grupos de indivíduos.
DINVILLE (1993), nos fala que a voz cantada é capaz de suscitar um conjunto de sensações e
emoções para os ouvintes. Ela é possuidora de qualidades que podem influenciar os estados de
ânimo coletivo graças à interpretação do cantor e à expressão e à emoção que ele transmite através
da voz. A voz e a personalidade são inseparáveis ,do mesmo modo que o corpo e a voz guardam
íntima relação entre si, traduzindo o ser humano na sua totalidade. Entre as qualidades da voz
temos: altura, intensidade, timbre, homogeneidade, afinação, vibrato e alcance da voz. É através do
controle auditivo que o cantor pode modificar a qualidade da sua voz, associada à técnica vocal
adequada. Assim temos que:
13
•
a altura pode ser mudada de acordo com a tonicidade da musculatura abdominal e a mudança
no volume das cavidades supra-laríngeas, de tal modo que o fechamento da glote e a vibração
das pregas vocais também sofrerão alterações que afetarão a altura da voz;
•
a intensidade
está diretamente ligada à pressão sub-glótica e à sustentação abdominal,
havendo aumento da intensidade de acordo com a altura;
•
o timbre depende dos fenômenos acústicos ligados às modificações que ocorrem no volume e
tonicidade das cavidades supra-laríngeas, lábios e bochechas. Quanto melhor é o uso dos
ressonadores, melhor será seu colorido, amplitude brilho e espessura, que estão em correlação
com a tonicidade das pregas vocais;
•
a homogeneidade depende da harmonização dos órgãos indispensáveis à fonação, estando
diretamente ligada à distribuição das zonas de ressonância e da fusão das diferentes sonoridades
vocais;
•
a afinação depende da coaptação adequada das pregas vocais, da acomodação das cavidades de
ressonância e da pressão e tonicidade uniformes e bem distribuídas. Está diretamente ligada ao
controle auditivo. O excesso de pressão de ar expirado ou mesmo a não sustentação do sopro
pela hipotonia muscular pode levar à desafinação;
•
o vibrato confere à voz riqueza, leveza e emoção, caracterizando-se pelas modulações de
freqüência que ocorrem acompanhadas de variações na intensidade e altura que influenciarão o
timbre. Para a realização do vibrato o cantor deve dominar a técnica vocal, fazendo a junção
faringo-laríngea e controlando o mecanismo de contração dos músculos respiratórios e
laríngeos;
•
o alcance vocal refere-se à tonicidade generalizada de todo o corpo e está ligado à energia
gasta na emissão vocal. Depende da técnica apurada e do domínio da voz, que permitirão o
controle das sensações musculares , ou seja, das sensações internas.
Muitos cantores
confundem-se pensando que o alcance será tanto maior, quanto maior for a intensidade da voz.
Assim contraem a laringe, as pregas vocais e as cavidades de ressonância passando a exercer
um esforço exagerado, prejudicando a boa emissão da voz. A busca de uma equilibrada
distribuição do trabalho muscular levará à homogeneidade da voz e à beleza acústica da mesma.
BEUTTENMÜLLER e LAPORT (1992), citam como qualidades da voz a intensidade, a força,
a potência e a resistência. A respiração correta é indicada para a realização dos movimentos
corporais e da sonoridade vocal adequados às circunstâncias. Ao falar sobre a emissão da voz, dão
especial atenção à sua amplificação e ressonância. Esta última confere o timbre à voz , sendo este
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considerado como a qualidade mais importante pois distingue as vozes belas das desagradáveis, as
vozes calmas das nervosas e é revelador do caráter do indivíduo. Quanto à amplificação, estes
autores estabelecem uma analogia entre as dimensões do corpo humano, em seu volume e altura,
com as dimensões sonoras. O corpo inteiro deve ser utilizado no processo de emissão sonora, e
com a boa técnica, a voz projeta-se como alto-falante natural sobre o ambiente. Por tal motivo,
torna-se necessário exercitar a emissão dos sons por meio da percepção em várias partes do corpo.
2.4. DA EDUCAÇÃO VOCAL: TÉCNICAS VOCAIS PARA O ENSINO
DE CANTO
Na opinião de ESCUDERO (1982), a educação vocal é indicada para pessoas que desejam
corrigir, manter, cuidar, desenvolver, ampliar e impostar a voz. Assim, recomenda exercícios de
respiração, relaxamento muscular, vocalização, entonação, ritmo e entoação de canções simples que
podem levar à realização de um trabalho de impostação da voz.
BEZZI (1983), afirma que a técnica vocal aprimorada é necessária para o bom cantor, não só
para a proteção e conservação do órgão vocal como também para dar ao aluno através de exercícios
adequados a resistência necessária e a possibilidade de cantar sem esforço, além de permitir um
maior aproveitamento das aptidões naturais de cada um. Considera a respiração, a emissão e a
articulação como elementos que atuam de modo coordenado e interligados para conduzir aos
resultados almejados. De acordo com suas pesquisas, conclui que o canto é a primeira forma de
expressão do homem e que teria dado origem à música e à linguagem. A primeira forma de controle
da respiração no homem primitivo teria sido ao soprar um chifre de animal ou uma flauta de bambu
para obter sons e ao mesmo tempo colocar a voz e usar conscientemente o fôlego. Nos fala na
Roma antiga da existência de professores que se dedicavam ao preparo da voz quanto ao volume,
extensão, maleabilidade e execução de ornamentos. O estudo da técnica vocal ganha maior atenção
no século IV com as escolas de canto litúrgico que preparavam cantores-coristas para as cerimônias
religiosas.
Devemos observar que ao longo do tempo entre os objetivos da educação vocal destacam-se o
domínio da voz e seu embelezamento, fatos estes que podem ser constatados pela grande procura
de alunos de diversas faixas etárias pelas aulas de canto. A oferta de cursos livres ligados ao
treinamento da voz e fala confirmam a tendência atual dos cuidados com a voz profissional,
destinados a atores, locutores, pastores, padres, operadores de telemarketing, professores e outros.
15
2.4.1. EXERCÍCIOS RESPIRATÓRIOS
O controle da respiração implica na inspiração do ar em quantidade suficiente para a
emissão vocal. Deve ser consciente e é indispensável para o cantor ter domínio sobre a sua
respiração, daí recorrermos aos exercícios que são feitos mediante o treinamento independente do
canto.
DINVILLE (1993), recomenda diferentes ritmos inspiratórios e expiratórios visando o
desenvolvimento da musculatura costo-abdominal e o controle da pressão do ar no trato
respiratório.
ESCUDERO (1982), recomenda a observação da posição do corpo, da forma de respirar, da
duração de cada exercício, e do número de repetições de cada exercício respiratório. Sugere
também o uso de instrumentos para o treinamento da respiração, tais como a flauta, apitos, gaita e
também a imitação de sons como o da sirene, e ainda o exercício que imita o ato de cheirar uma
flor, etc.
BEUTTENMÜLLER e LAPORT (1992), chamam a atenção para a íntima ligação entre a
postura correta e a respiração, pois a estabilidade e a posição da coluna vertebral são afetadas pela
respiração. Isso ocorre pois a maioria dos músculos do sistema respiratório está ligada às vértebras
cervicais e lombares. A qualidade da respiração bem como a sua velocidade serão determinados
pela postura da coluna vertebral.
BEUTTENMÜLLER (1995), sugere exercícios da mecânica respiratória.
Recomenda a
respiração costal-diafragmática e aconselha cuidados para evitar os erros de postura. Enumera
exercícios com respiração nasal, buco-nasal e a associação da respiração com os sentidos (olfato,
audição, tato e visão), com a emoção (o aluno deve buscar as regiões emocionais que se espalham
pelo corpo), com as vogais (expiração com sons vocálicos, cuidando para obedecer a forma de cada
uma delas).
2.4.2. EXERCÍCIOS DE RELAXAMENTO
MELLO (1995), afirma que não há boa educação respiratória sem que haja
concomitantemente a relaxação. Sabemos ,contudo, que ocorre tensão durante o ato de falar,
portanto este autor recomenda a
conscientização
para
que
possa
ocorrer o relaxamento
(relaxação ligada ) durante a dinâmica vocal. Estabelece vários exercícios de relaxação ( tal
como evitar preocupações), relaxação ligada, contração-relaxação (perceber os feixes de músculos
tensos na contração e obter alívio para a tensão na relaxação), relaxação da mandíbula, percepção
de peso (sentir o peso do corpo), relaxação em posição sentada, relaxação específica ( feita com
16
movimento dos ombros e cabeça, ou seja, cabeça-pêndulo e cabeça-rotação ), relaxação interior (
bocejar para eliminar tensões ).
BEUTTENMÜLLER e LAPORT (1992), nos falam sobre a ausência de tensões e relaxamento
mental. Esclarecem que o relaxamento é um estado dinâmico do qual participam o corpo e a mente
com a manutenção da consciência sobre si mesmo, sentindo todas as partes do corpo. Indicam os
exercícios de relaxamento para: alcançar o relaxamento físico e mental, conservar a consciência de
si mesmo e do meio ambiente, manter a postura corporal correta, avaliar as sensações corporais e
mentais, conservar-se tranqüilo e disciplinar o corpo para obedecer o cérebro
2.4.3. EXERCÍCIOS DE RESSONÂNCIA
Segundo FERREIRA (2000), ressonância é o fenômeno de propagação, de amplificação do som
que passa através de um canal de transmissão, que funciona como tubo acústico. São dois os canais
transmissores: o faringo-oral e o nasal. Os exercícios práticos deverão ser precedidos da realização
de exercícios respiratórios, da coordenação fono-respiratória, da postura adequada , do relaxamento
e de exercícios oro-faciais. Exemplos: zumbidos,
colocar o som “na máscara”, técnica
mastigatória, técnica do bocejo, sopro direcionado para o palato duro, palavras com sons nasais e
orais etc.
DINVILLE(1993), atribui à mandíbula atuação na mobilidade da articulação e no volume das
cavidades supra-laríngeas em sinergia com os movimentos da língua. Os lábios atuam como
ressonadores bucais anteriores. A cavidade faríngea é o local onde o som emitido pela laringe vai
desenvolver o timbre pessoal do cantor. Aí são realizados movimentos de articulação dos quais a
voz é o suporte e é graças à atividade muscular permanente da mandíbula acompanhada da
mobilidade dos órgãos localizados nas cavidades supra-laríngeas que o cantor cria suas zonas de
ressonância. Ele dá direção ao sopro para o “lugar de ressonância”, ou seja, o local onde o tremor
vibratório é sentido. É por um automatismo acústico-fonatório controlado pelo ouvido, que o
cantor obtém grande variedade de sonoridades.
E para alcançá-las ele adapta a postura das
cavidades de ressonância, o afastamento dos pilares correlacionados à elevação do véu palatino, e o
trabalho da parede faríngea.
BEZZI (1983) declara que para haver boa ressonância o som fundamental produzido pela
laringe deve ser suficientemente complexo para que os harmônicos reforçados pelas cavidades
supra-glóticas possam dar beleza e sonoridade à voz. A faringe, nasofaringe e fossas nasais devem
estar abertas e relaxadas, para que as vibrações se propaguem sem obstáculos e os ressonadores
17
possam achar sua própria sonoridade. Assim sendo, exercícios de relaxamento do pescoço,
abertura da ”garganta”, abertura das “asas do nariz”, preparam o alargamento da faringe para que
haja o reforço dos primeiros harmônicos e se obtenha um som mais cheio e aveludado. A faringe e
a boca são os maiores ressonadores, sendo também controladas e adaptadas com ajuste voluntários
da sua forma e tamanho.
2.4.4. IMPOSTAÇÃO DA VOZ
A impostação da voz é a maneira correta de emiti-la. Para melhorar a voz é indispensável a
prática de exercícios de relaxamento, respiração e ressonância, dentro de uma coordenação fonorespiratória-ressonadora. A emissão correta é feita sem qualquer esforço, estando os órgãos vocais
descontraídos, a língua bem posicionada, o véu do palato elevado e a mandíbula e os músculos do
pescoço descontraídos. Não devem haver
obstáculos às condições fonatórias normais
(BEUTTENMÜLLER e LAPORT, 1992).
MELLO (1995), chama de “ empostação “ a ação de adotar uma postura de emissão
adequada, realizando as coordenações necessárias e dando uma direção subjetiva ao sopro
sonorizado, em busca de melhor ressonância.
ESCUDERO (1982), afirma que para a impostação da voz é imprescindível um
relaxamento total da musculatura laríngea e posteriormente do corpo, com exercícios de respiração
profunda costo-abdominal, com a língua aplanada tocando com sua ponta os dentes inferiores, os
lábios em forma ovóide e a boca bem posicionada de modo que se tenha a abertura adequada à
cada vogal O som deverá ser fluido, amplo e sonoro, controlando-se o total relaxamento da zona
laríngea e projetando-se o ar para os dentes superiores, de forma que a garganta fique livre. A voz
impostada é o resultado da utilização parcial ou total da caixa de ressonância, sem forçar a garganta
e com respiração e pressão do ar adequadas.
O êxito da boa colocação da voz está na
homogeneidade da mesma em toda a sua extensão.
A colocação da voz segundo BEZZI (1983), se dá quando o som uma vez produzido e
apoiado na coluna de ar, gera a onda sonora que se propaga por si mesma, desde que não hajam
obstáculos à sua saída. A garganta não deve interferir na direção da voz: seu papel na fonação é
passivo e deve permanecer aberta e elástica, para que o som possa vibrar livremente. A boca deve
estar aberta internamente , isto é, com as arcadas dentárias afastadas e a língua relaxada. A nasofaringe deve estar aberta durante a fonação, assim como também o nariz. O som deve ser dirigido
para o alvéolo dos incisivos centrais superiores, onde está situado o “ ponto de MAURAN “, local
18
de concentração das vibrações que vêm da laringe, propagando-se com o ar expirado. A partir
deste ponto, também chamado de “ nó de ressonância “, as vibrações se propagam pelas cartilagens
e ossos do rosto e do crânio, e pela coluna vertebral até chegar à caixa toráxica.
2.5 DOS DISTÚRBIOS DA VOZ
Considerando a importância da voz na vida do homem desde a fase intra-uterina até quando
passa a fazer uso da palavra para revelar os seus pensamentos, podemos encontrar condições
patológicas que acompanham os distúrbios da voz e da linguagem. Os distúrbios ligados aos
problemas orgânicos são estudados pela medicina e pela reabilitação foniátrica;
aqueles que
abrangem a esfera psíquica requerem uma atenção especial da musicoterapia.
2.5.1 DAS ALTERAÇÕES DA VOZ NAS EMOÇÕES
BEHLAU e PONTES (1995), observam que os distúrbios neuro-vegetativos podem indicar
labilidade emocional do paciente e interferência excessiva das emoções na voz. Tal influência é
extremamente complexa, e a maneira como um indivíduo usa sua voz reflete a sua psico-dinâmica.
Fatores hereditários, constitucionais, de saúde geral, de natureza psicológica aqueles dependentes
do ambiente e nível sócio-econômico-cultural interferem no tipo de voz. Há uma enorme variedade
de tipos de voz, tais como: voz rouca soprosa, áspera, fluida sussurrada, gutural, bitonal,
estrangulada e outras, que são relacionadas às condições orgânicas. De qualquer modo, o terapeuta
deve estar atento ao fato de que o tipo de voz utilizado seja adequado ao conteúdo emocional do
discurso.
Segundo BOONE e McFARLAND (1994), emotividade e função vocal estão intimamente
ligadas. Já aos 3 meses de idade , o bebê parece utilizar-se de sons laríngeos para expressar suas
emoções. As mudanças no som das vocalizações são indicativas das mudanças emocionais, e se
repetirão durante a vida do homem refletindo o seu estado emocional interno. Não só a voz pode
alterar-se como também podem ser observadas mudanças nos padrões rítmicos prosódicos da
vocalização. Nosso estado emocional parece influenciar a posição da laringe, o relaxamento das
pregas vocais, a posição e relaxamento dos músculos da faringe e da língua. A emotividade da
pessoa pode ser ouvida na voz
2.5.2
DOS DISTÚRBIOS DA VOZ NOS PROBLEMAS PSÍQUICOS
Ao investigar as características vocais comuns a pacientes psicóticos, LABIGALINI (2000)
conclui que a personalidade esquizofrênica pode ser detectada e diferenciada das demais com base
19
nas configurações de sua voz, uma vez que as qualidades vocais do indivíduo têm o poder de
suscitar impressões acerca de suas atitudes, emoções e personalidade. Assim, a análise acústica e
perceptiva da qualidade vocal auxilia o diagnóstico, ajuda a definir prognósticos e avalia a
eficiência de vários tratamentos.
Ao estudar os distúrbios da
linguagem que ocorrem concomitantemente aos problemas
psíquicos, SANT’ANNA (1993) fala das alterações da voz que descrevemos a seguir:
•
na esquizofrenia há dissociação do conteúdo da palavra e o tom da voz que as pronuncia. A
voz nos esquizofrênicos tanto pode ser rouca e sem timbre, como pode apresentar-se
anormalmente aguda parecendo voz de falsete nos momentos de excitação;
•
na oligofrenia ocorre imaturidade da fala e da linguagem. Até os 2 ou 3 anos de idade nota-se
a ausência de linguagem e a criança emite sons que podem ser interpretados como
significantes. Suas emissões são ecolálicas e a voz do oligofrênico pode ser estridente ou
baixa, monótona e sem ritmo;
•
nas neuroses, podem ocorrer alterações da voz acompanhando os distúrbios da linguagem. Na
afonia histérica ou afonia psíquica, a voz torna-se apagada e seu início é repentino. Este
tipo de patologia pode ter como causa: o medo de falar ou cantar, trauma psíquico por
persistência de alteração vocal, choque afetivo e desejo inconsciente de chamar atenção. Na
disfonia obsessiva observa-se a fonastenia cuja característica marcante é a angústia e a
atenção que o paciente dedica à sua voz. O sintoma mais marcante é o cansaço crônico e a
limitação da extensão vocal principalmente nos agudos e depois de um esforço vocal. O
paciente fala em tom muito agudo e ao excitar-se perde o controle da voz. O “trac vocal” é o
desequilíbrio nervoso provocado psiquicamente pelo medo de cantar ou falar em público. É a
expressão de uma neurose de angústia. Quando se apresenta de forma positiva, a emotividade
atua como estimulante para a adaptação rápida a uma situação emocional.
Quando se
apresenta de forma negativa, surge bruscamente, a boca resseca, a voz sai sem volume e a
língua se move com dificuldade. A disfonia psicogênica representa a ansiedade ou depressão
através da voz. Assim a voz terá tom grave, debilidade e monotonia na depressão; rupturas,
chiadeira e falta de modulação, na excitação; e debilidade na ansiedade. Ocorrem perdas
momentâneas e repetidas da voz. Hipertonia e hipotonia são quadros que podem ocorrer na
disfonia psicogênica.
20
O autor refere-se ainda ao abuso vocal e à tensão emocional como fatores que podem levar ao
aparecimento de nódulos ou pólipos na corda vocal, ocorrendo em pacientes nos quais o uso da
voz é a expressão de sua excessiva hostilidade e tendências agressivas. Destaca as alterações da
voz nos diversos estados emocionais e relata que pacientes disfônicos foram diagnosticados com
problemas matrimoniais ou domésticos, conflitos de trabalho, menopausa, dependência materna,
tendências agressivas, insatisfação, fracasso, inferioridade, hostilidade, ansiedade, necessidade de
carinho, egocentrismo, masoquismo,etc.
MYSAK (1979), ao estudar os problemas de formulação e produção da fala, refere-se aos
estados depressivos e relata as seguintes alterações: na depressão lentificada clássica a voz é
pesada, inerte, de altura pouco variável, monótona e hesitante; na depressão agitada a voz é
áspera, de timbre baixo, mas a articulação é ativa , rápida e tensa.
2.5.3
PRESBIFONIA
CARVALHO (2001), informa que o Brasil figura entre os dez países com maior população
idosa, e que o envelhecimento é uma consequência incontestável da vida humana. Alerta para o
papel desempenhado pelos profissionais da saúde na prevenção de doenças ligadas ao sistema
estomatognático quando ocorre o decréscimo ou perda de suas funções, causando prejuízos entre
os quais se encontram perturbações nas funções fono-articulatórias.
Envelhecer faz parte da vida do homem e de todos os seres vivos. O envelhecimento
é um processo degenerativo e segundo RIBEIRO (1999), os mecanismos que o causam são
múltiplos, englobando causas endógenas e exógenas. Entre as causas endógenas cita as que
interferem nas funções celulares ligadas ao nível genético, produzindo seus efeitos sobre as
células perenes ou sobre aquelas capazes de proliferar sempre. Este autor nos fala que a célula
precisa de boas condições para manter suas funções vitais, tais como, ambiente protegido e
nutrientes de qualidade (ar e alimento). A diminuição da eficiência funcional leva à perda
gradativa dos mecanismos de defesa frente às variações ambientais . O envelhecimento embora
considerado intrínseco, isto é, apesar de não ser determinado por fatores ambientais, pode ser
influenciado por eles.
Os estudos sobre o processo de envelhecimento vêm se intensificando nas últimas décadas,
e a medicina já se refere modernamente à geriatria experimental (que estuda os efeitos do
envelhecimento nas células e órgãos);
à gerontologia social (que estuda os processos
psicossociais); e à gerontologia médica ou geriatria (que trata das doenças do envelhecimento). A
21
degenerescência psicofísica do homem pode ser observada através das modificações que vão
atingindo seus órgãos gradativamente.
Os primeiros sintomas funcionais mais facilmente
detectados são os que afetam os órgãos dos sentidos (audição e visão);
as funções
neurovegetativas (respiração, deglutição e mastigação), também sofrem processos de
degeneração. Há redução dos níveis de consciência da atenção seletiva, da memória (imediata,
recente e remota), do raciocínio, da linguagem, da fala e de outras funções motoras. E isso leva o
idoso ao isolamento, pois ele sente muita dificuldade para se comunicar, inviabilizando a sua
vida integrada e participativa na sociedade (GIACHETI e DUARTE, 1997).
RUSSO (1999), nos descreve estágios pelos quais o homem passa durante a sua vida.
Quando se é jovem, ocorre o nascimento psíquico buscando-se a identidade própria, numa
procura de ajustamento à realidade; após 35 a 40 anos, começa a meia idade, quando o indivíduo
volta-se para o centro organizador da pessoa, o “self “. Após 60 a 65 anos de idade, as alterações
físicas ficam muito evidentes e mudanças psíquicas acentuam-se principalmente quando as
pessoas tomam consciência de quanto lhes resta viver. É quando o idoso deixa de ser produtivo,
seu entusiasmo arrefece, os valores se alteram, a expectativa de vida diminui, seu poder
monetário geralmente cai em conseqüência da aposentadoria e os aspectos psicológicos mais
importantes são aqueles que se referem à capacidade de adaptação do idoso à velhice. Ocorre de
um modo geral uma falta de perspectiva para o futuro e um excesso de valorização do passado.
JORDÃO NETTO (1999), ao escrever sobre o envelhecimento nos fala dos objetivos dos
programas para tratamento dos idosos . São eles: melhorar suas relações sociais, a auto-estima e
auto-confiança, melhorar sua memória, capacidade de concentração e reeducá-los para que possam
reforçar suas habilidades; ajudá-los a cultivar novos interesses restabelecendo vínculos necessários
à sua vida social, possibilitando sua participação no grupo, partilhando e comunicando-se com os
outros.
A presbifonia é o envelhecimento vocal, ou senilidade vocal. BEHLAU (1999), nos diz que o
envelhecimento da voz ocorre paralelamente ao envelhecimento de outras funções do corpo.
Considera a senescência o período em que ocorrem alterações precoces na voz feminina, mais
acentuada na voz cantada com perda de agudos, diminuição da extensão vocal, decréscimo na
potência e redução no número de harmônicos. O início da presbifonia depende da saúde física e
psicológica de cada indivíduo, de sua história de vida,
de fatores constitucionais, raciais,
hereditários, alimentares, sociais e ambientais. Este autor nos revela que em estudos realizados
com indivíduos de ambos os sexos sobre a freqüência fundamental de uma vogal sustentada,
22
observaram que no sexo masculino houve distribuição estável da freqüência até os 60 anos de
idade, enquanto nas mulheres a estabilidade começou a diminuir após os 50 anos de idade.
Contudo, cita outras pesquisas onde aparecem divergências quanto ao envelhecimento precoce da
voz feminina.
Considera a presbifonia como um processo de envelhecimento e não uma
desordem vocal. Sugere que no caso de uma alteração vocal no idoso procure-se estabelecer um
limite do que é processo vocal fisiológico da idade, de uma desordem vocal estabelecida. Assim,
aconselha que se estabeleça um esquema de diagnóstico diferencial que envolva as seguintes
etiologias:
alterações fisiológicas devidas à idade, uso vocal compensatório inadequado,
psicopatologia, doenças neurológicas periféricas ou centrais, doenças orgânicas tais como câncer
de laringe, refluxo gastroesofágico e alterações iatrogênicas. Quanto às alterações nos diversos
parâmetros vocais no idoso, observa o seguinte:
•
qualidade vocal com tendência a instável e trêmula;
•
freqüência com redução;
•
voz feminina tendendo para o grave;
•
intensidade e estabilidade vocais reduzidas;
•
capacidade vital reduzida;
•
tendência à incoordenação pneumo-fono-articulatória pela falta de suporte respiratório;
•
tempo máximo de fonação reduzido;
•
ataque vocal com tendência soprosa;
•
identificação do sexo pela voz pode ser comprometida;
•
gama tonal restrita.
Entre as doenças neurológicas mais comuns no idoso cita:
voz fraca no parkinsonismo, voz
pastosa na esclerose lateral amiotrófica e a voz trêmula no tremor essencial.
BEHLAU et al. (2001)², citam como alterações mais freqüentes da voz no envelhecimento,
as relacionadas à acurácia, velocidade, resistência, estabilidade, força e coordenação, acrescidos das
alterações na capacidade respiratória, nos batimentos cardíacos e na condução nervosa.
23
Consideram o período de 25 a 45 anos como o de máxima eficiência vocal, e ressaltam que vozes
treinadas de cantores líricos e populares, resistiram à presbifonia.
2.6.
DA VOZ EM MUSICOTERAPIA
2.6.1. DA VOZ COMO AUXILIAR NO TRATAMENTO MUSICOTERÁPICO
Ao discorrer sobre a proposta musicoterápica da voz, CERQUEIRA (1996), percebe através da
mesma, toda a história do indivíduo, sua personalidade, suas necessidades afetivas, sua
possibilidade de criatividade e de expressão e acredita no trabalho musicoterápico que leva ao
crescimento interior do indivíduo.
Denomina tal proposta de afinação global que utiliza a
educação vocal como meio de dar ao paciente a possibilidade de desenvolver sua potencialidade,
comunicação e criatividade. É o pedagógico conduzindo ao terapêutico, é o objetivo levando ao
subjetivo, é a harmonia na junção corpo-voz-emoção.
BENENZON (1985), considera o corpo humano como o instrumento mais completo sendo a
origem de todos os instrumentos musicais, embora não possa ser considerado objeto intermediário
ideal pois pode despertar situações de alarme e ansiedade. A voz e o canto, são os elementos mais
regressivos e ressonantes devendo ser usados com cautela, sendo indicados para situações de
emergência terapêutica complicada.
Para BARCELLOS (1980), a utilização da voz nas atividades musicoterapêuticas deve ser
feita de forma criativa com a emissão de sons pre-vocais e vocais, recorrendo-se ao canto e à
utilização da palavra falada.
Ambos atuam na respiração, fala, linguagem, autoexpressão,
criatividade, descarga, canalização de energia agressiva e liberação de conteúdos internos.
Por outro lado, FRANCO (1992), assinala a dificuldade que alguns musicoterapeutas tem para
usar a própria voz na comunicação com seus pacientes.
BRUSCIA (1991), recomenda para a criança na faixa etária de 2 a 7 anos , o ato de cantar.
Ele será fonte de prazer e servirá como meio de expressão. A criança interage com as outras e
compreende os sentimentos expressados por elas. Ao cantar uma música, o paciente é levado a
deixar que seus sentimentos venham a refletir seu mundo interno. Dos 7 aos 12 anos, no canto,
deve ser estimulada a interpretação própria de uma determinada composição. Para os adolescentes
a letra das canções servirá para romper com as regras preestabelecidas, e na idade adulta,
recomendam-se lições de canto como atividades musicoterapêuticas. Improvisações que explorem
a intimidade musical e as composições que sintetizem os sentimentos individuais e grupais.
24
2.6.2. DA VOZ COMO EXPLORAÇÃO TERAPÊUTICA
CHAGAS (1990), nos diz que a voz é uma experiência que envolve carga energética. Tal
experiência poderá fazer surgir antigas lembranças facilitando a expressão emocional. Ação,
emoção e pensamento são unidos graças ao ato de cantar facilitando o contato direto com as
sensações físicas e com os sentimentos.
Ao ouvir o que se canta, surge a possibilidade de
desenvolver habilidades para a construção autônoma da realidade.
CHAGAS (1997), observa que em seu trabalho utiliza a vibração da voz para desbloquear
anéis de tensão corporal. Esta vibração vem do próprio som do indivíduo atuando como massagem
vibratória de dentro para fora. A autora utiliza a emissão do som com a boca fechada, ou bem
aberta e em diferentes alturas (grave, médio, agudo), atingindo desde o alto da cabeça até os pés.
Segundo ela, o som grave vibrando no peito estimula sentimentos de tristeza, desespero e medo. O
canto, dentro das funções terapêuticas da música é utilizado como:
•
função clarificadora, quando o cliente expõe mais intimamente suas feridas através de uma
composição popular ou folclórica;
•
função integradora, para uma vivência terapêutica, quando é pedido ao cliente que cante o que
desejar. É o contato com o “self”.
•
Função suporte, para entrega quando a voz do terapeuta é parte do campo organizacional para o
cliente. O terapeuta canta acalantos, cantigas suaves ou improvisos. Baseia-se no aconchego
proporcionado pela voz da mãe ao entoar a cantiga de ninar. É a entrega ao mundo dos sonhos
e ao contato íntimo com o inconsciente.
2.6.3. DA VOZ E O CONTATO COM O “SELF”
O ego, segundo AUSTIN (1999), pode ser identificado como “self”, arquétipo que
compreende emoção, imagem e som.
Pelo processo de explorar e integrar os aspectos
25
inconscientes da psiquê o cliente pode chegar ao verdadeiro e único “self”. A técnica da associação
livre cantada permite ao cliente relaxar, deixando emergir seu “self” espontâneo. O ato de cantar é
uma forma de acessar profundamente o “self”. Ao cantarmos estamos conectados com nossa
respiração, nossos corpos e emoções. O forte desejo de cantar pode ser inibido com o medo que o
indivíduo sente de ser julgado pela sua forma de cantar.
2.7 DOS RECURSOS MUSICOTERÁPICOS NA TERCEIRA IDADE
A música traz benefícios ao idoso das mais variadas formas pois seus desejos ,sensações,
percepções e sentimentos podem ser alcançados pelo fenômeno musical.
É uma forma de
linguagem não verbal que atinge sentimentos reprimidos liberando-os. A musicoterapia busca
preservar as habilidades que começam a sofrer um processo de degeneração terceira idade, e
também procura fazer com que o idoso tenha melhor qualidade de vida e possa desenvolver sua
criatividade propiciando sua auto-realização e auto-estima. Sua expressão é favorecida e ajuda nas
atividades coletivas e sua capacidade de organização é estimulada pois pela sua própria natureza a
música disciplina e reeduca. O atendimento musicoterápico em grupo favorece a socialização do
paciente idoso, tirando-o da indiferença e encorajando-o a se interessar pelas novidades. A
atividade musical pode favorecer a memorização e a concentração, graças ao aumento do
metabolismo e da irrigação sanguínea na região do hipocampo e no córtex frontal, acompanhada de
melhor oxigenação. O comportamento humano também sofre influência da prática musical, e
conseqüentemente afeta a adequação ao meio social. Assim, o idoso ao fazer música em grupo
torna-se mais cooperativo, menos agressivo e melhora inclusive vários aspectos físicos e mentais
tais como, a redução nos períodos de incontinência, a aquisição de melhores hábitos de higiene,
cuidados com a aparência e redução de doenças psicossomáticas (ALBINATI,1999).
Ao mencionar a música usada de forma terapêutica junto aos idosos, AZEVEDO (1975), cita
duas maneiras de usar a musicoterapia: de forma ativa e passiva. Na forma ativa, o paciente é
levado a fazer música só ou em conjunto, como forma de comunicação, liberação e realização; na
forma passiva ele é levado a ouvir música. Esta é escolhida segundo o ISO do paciente, buscandose sua maior motivação. Por outro lado, trabalhos com idosos revelam os excelentes resultados
alcançados pela musicoterapia ativa aplicada em instituições em que os pacientes tocam
instrumentos e participam de grupos vocais (canto coral). A música é na verdade ideal para o
paciente geriátrico, uma vez que gera prazer e propicia maior sociabilidade, sendo fator importante
na integração ao meio ambiente. As práticas musicoterápicas podem também através do ritmo,
levar o idoso a executar movimentos corporais que virão contribuir para melhorar problemas físicos
26
(ósteo-musculares) e funções motoras, permitindo-se observar ao longo do processo terapêutico
ocorrências que vão indicando mudanças que retratam a evolução do tratamento.
HEES (1996), nos reporta à possibilidade de expressar sentimentos e emoções pela música, em
pessoas de idade avançada; há também a reativação do prazer, a socialização e atividade
psicomotora ao tocar instrumentos e ao cantar. Trabalha-se com o paciente de acordo com suas
possibilidades, e segundo sua produção sonora, revelam-se suas possibilidades de comunicação.
No ato de cantar, por exemplo, as letras das músicas têm grande significado, pois descrevem
situações que retratam o que o idoso está sentindo naquele momento. Ao recordar a letra a música
que é cantada, a memória é estimulada, surgindo daí novas manifestações expressivas que
influenciarão positivamente a sua auto-estima e o levarão à mudança de comportamento. É com a
música de sua juventude e a sua voz que ele conta suas lembranças.
2.7.1. DAS ATIVIDADES DE CANTO
DINVILLE (1993), ao falar sobre técnica vocal, nos lembra que não devemos esquecer os
aspectos psicológicos e sensoriais do gesto vocal, porém o objetivo principal da educação vocal é
desenvolver a voz natural do aluno. Os centros nervosos através dos comandos motor e sensorial
vão movimentar vários músculos e órgãos que serão responsáveis pela emissão vocal. Para que
ocorra tal emissão, o aluno deverá ter concentração para o preparo físico e mental que lhe garantirá
a posição fonatória. Deverá haver o controle do gesto respiratório, a adaptação voluntária das
cavidades de ressonância e a verificação dos pontos articulatórios (língua e lábios).
ALBINATI (1999), atribui às atividades de canto a possibilidade de oferecer ao idoso expressão
individual, auto-expressão positiva e adequação social.
Este autor lembra que através do
conhecimento da capacidade vocal, do relaxamento da musculatura, o idoso aceitará a sua própria
voz e melhorará sua projeção, interpretação e extensão . A memória, a organização espaçotemporal e a fala também serão favorecidas e o musicoterapeuta deve incentivar a participação dos
idosos nessas atividades, uma vez que para alguns deles o canto poderá ser seu único recurso
expressivo. Os cuidados com a postura, respiração e aparelho fonador são benéficos para a terceira
idade.
BARCELLOS (1980) também vê através do canto a possibilidade de desenvolver a capacidade
respiratória, trazendo inclusive outros benefícios físicos e mentais, Assinala a importância do canto
para aquelas pessoas que não conseguem se expressar verbalmente, e ao escrever suas próprias
letras de música, tornam possível sua expressão e comunicação.
27
2.7.2. DAS DESORDENS VOCAIS DO IDOSO E SEU TRATAMENTO
A importância da voz como um dos elementos mais representativos da emoção no ser humano,
nos conduz à pesquisa de procedimentos musicoterápicos para seus distúrbios. Por outro lado, a
procura de aulas de canto para idosos portadores de patologia vocal, principalmente de disfonias de
origem funcional com dificuldades de ordem emocional tais como: stress, inibição, insegurança e
outras, nos leva a discutir a integração de técnicas musicoterápicas e as de educação vocal, visando
a reabilitação da voz do paciente , bem como a manutenção de sua higiene vocal. Uma vez que a
saúde da voz depende da interação corpo-mente, observamos que qualquer alteração na emissão
vocal, deverá ser analisada quanto à sua etiologia ser de origem física ou psíquica para que se
estabeleça a terapia adequada.
BEHLAU (1999), considera difícil propor um tratamento quando as alterações vocais do
idoso são inerentes à idade. Porém, se tais alterações estão prejudicando o desempenho social do
indivíduo, torna-se aconselhável lançar mão de vários recursos de tratamento tais como:
aconselhamento, reabilitação vocal, terapia medicamentosa ou fonocirúrgica.
Através do
aconselhamento, o idoso procura compreender melhor aquilo que está lhe incomodando;
a
reabilitação vocal sugere uma série de exercícios de treinamento vocal que venham a beneficiar a
sua comunicação oral; a terapia medicamentosa inclui uma série de medicamentos específicos para
determinadas patologias, e finalmente a fonocirurgia na terceira idade, inclui uma série de
procedimentos tais como a remoção de edema de Reinke na mulher, a redução de fendas glóticas, e
nos homens e o encurtamento das pregas vocais para que a voz se torne mais grave, etc. A
reabilitação vocal é o tratamento mais indicado para idosos abrangendo quatro áreas principais: a
qualidade vocal com exercícios para controlar o tremor na emissão, e aumentar a intensidade e
projeção vocais; a dinâmica articulatória, com exercícios musculares e articulatórios para melhorar
a inteligibilidade da fala; a presbiacusia e a verificação de próteses dentárias que podem interferir
na comunicação oral. O objetivo da reabilitação vocal é a redução do processo de envelhecimento
biológico e desse modo permitir a integração social do idoso, uma vez que suas condições de
comunicação estão preservadas.
Sabemos que o musicoterapeuta deve se inteirar da etiologia da desordem vocal para que
possa adotar a terapia adequada, assim como encaminhar o seu paciente para o especialista caso
seja necessário. A terapia preventiva a ser adotada através da educação vocal é uma prática que
merece atenção especial pois na pedagogia da voz utilizar-se-ão por exemplo, exercícios de
28
relaxamento, respiratórios, rítmicos, de dicção, de ressonância e outros semelhantes aos que são
usados nas práticas musicoterápicas.
Apesar do canto ser uma ação espontânea, ALBINATI (1999), afirma que o ato de cantar
requer consciência e controle físico e os idosos devem educar sua voz para que ela se torne
harmoniosa e expressiva. Ressalta a atuação do musicoterapeuta que deve deixar claro para o
paciente que a voz é uma aquisição por imitação e que cantar afinado é possível a qualquer pessoa
desde que ela não seja portadora de alguma patologia severa do aparelho fonador.
2.7.3. DA PARTICIPAÇÃO DO IDOSO EM CORAIS
Ao longo de dezessete anos lidando com um coral de terceira idade, pude perceber a
importância do grupo vocal na vida do idoso. A participação no coral proporciona maior autoestima, favorece sua vida social e facilita sua integração ao meio ambiente. O que ocorre na
verdade é um processo de reeducação que possibilita a respiração correta, a postura corporal
adequada e a emissão vocal eficaz, dando origem a uma voz rejuvenescida e mais agradável. Além
disso, o ritmo da música leva à realização de movimentos corporais que atuam de modo satisfatório
sobre as funções motoras. De um modo geral o idoso que participa de um coral torna-se mais
criativo, descobre novos interesses, e mantém vínculos necessários à
vida em sociedade,
facilitando as vias de comunicação. Desse modo, a música cantada em grupo estimula a memória,
melhora a concentração, permite a improvisação, desenvolve a auto-expressão, auto-confiança e
evita o isolamento do idoso.
Na verdade, hoje os corais tornaram-se fonte de atividade musical para grupos de terceira
idade que passaram a ter na música cantada uma função de entretenimento, de “hobby”, e também
de terapia. Entre as vantagens encontradas nessa atividade estão: não há exigência de longo tempo
de estudo de música, não implica em gastos financeiros, e rapidamente alcançam-se resultados
satisfatórios. A vida torna-se mais agradável e o idoso melhora suas relações sociais.
Para JUNKER (1999), a música coral é um fenômeno social pois põe em relevância as interrelações dos seres humanos. Quando um mesmo objetivo é procurado por um grupo de pessoas, o
fato dele ser alcançado torna-se uma experiência marcante, pois o mesmo sentimento foi
vivenciado e compartilhado com todos os elementos do grupo. É o efeito marcante da autorealização experimentada por várias pessoas que tornar-se-ão interessadas em realizações futuras.
29
Este autor cita algumas características de cunho social proporcionadas pela força do canto
coral. São elas: atividade física que envolve gasto de energia de forma construtiva; ajuda na
superação da sensação de solidão pois aproxima as pessoas; atividade de lazer, recreativa; forma
de expressar emoções, de prazer estético, de divertimento;
contribuição para continuidade e
estabilidade da cultura; integra sociedades e reduz desequilíbrio. A voz humana é um instrumento
natural e cantar revela-se uma atividade prazerosa. A participação no coral exige dos coristas uma
certa disciplina, controle físico, equilíbrio, entusiasmo e sensibilidade musical.
ALBINATI (1999), recomenda nas atividades de canto com idosos a correta utilização dos
mecanismos de respiração e fonação que refletirão na melhora de outros mecanismos físicos e
psicológicos. Quanto à atuação do musicoterapeuta junto a uma coral de terceira idade, assinala
alguns pontos que devem ser observados. São eles:
•
não deve haver seleção de vozes e o importante é aproveitar as vozes disponíveis;
•
o coral deve ser utilizado em função do desenvolvimento das pessoas;
•
aceitar os “sons feios” emitidos por alguns idosos que não dominam a própria voz e cuidar para
que eles não venham a perturbar o grupo. Verificar nessas pessoas cuidados com a postura, a
respiração e com o aparelho fonador, visando beneficiar sua produção sonora;
•
não exigir demais dos participantes, optando pelo trabalho em uníssono e ir lentamente
introduzindo peças executadas a duas vozes;
•
lembrar sempre que a prioridade é com o trabalho terapêutico e não com a estética;
•
transformar a percepção do som e a sua reprodução em atividades lúdicas. O terapeuta deve
insistir que o estudo de canto levará a uma maior afinação;
•
o musicoterapeuta deve cantar a música várias vezes para que os cantores possam aprendê-la.
Os idosos se sentem mais seguros ao ouvir a canção cantada por outra pessoa;
•
escolher o repertório levando em conta critérios terapêuticos. Dar preferência a composições
com música e letra do próprio grupo. As canções que tem significado social, que incentivam a
atividade física, que falam de coisas familiares são as mais indicadas. As canções simples que
produzem gratificação com pouco esforço, assim como as canções pequenas e mais lentas que
ajudam a manter a atenção devem ser as escolhidas para o grupo.
30
•
não fazer a distinção entre música erudita, popular religiosa ou profana;
•
o uso de instrumento harmônico para acompanhar o coral propicia maior segurança ao canto;
•
a letra das músicas deve ser escrita de maneira clara e adequada às dificuldades de visão e
confusões espaciais que ocorrem nesta fase da vida;
•
trabalhar com a improvisação a ser usada no caso do idoso esquecer as letras. Assim, o
terapeuta deve analisá-las com o grupo, fazendo brincadeiras de linguagem, recriando-as para
que os cantores se sintam seguros;
•
incentivar para que o próprio grupo cuide de sua disciplina;
•
sugerir a organização da pasta com as letras das músicas;
•
aceitar novas sugestões de canções para o grupo;
•
estimular os arranjos, paródias e composições musicais para que os idosos tenham a
oportunidade de atuar, comunicar e criar.
2.7.4. DOS MÉTODOS DE MUSICOTERAPIA
BRUSCIA (1998), apresenta quatro métodos da musicoterapia, aos quais denomina de
experiências musicais.
São eles:
improvisar, re-criar (ou executar), compor e escutar.
São
experiências que serão usadas pelo terapeuta de acordo com o grupo, suas emoções, seu
comportamento e suas habilidades perceptivas e cognitivas Ele nos fala que a improvisação pode
ser realizada com a voz, outros sons corporais ou utilizando-se instrumentos musicais. Entre os
vários objetivos desejados estão o de alcançar a comunicação verbal, desenvolver a criatividade,
espontaneidade, habilidades grupais etc. No tocante às variações destacamos a improvisação de
canções quando o paciente improvisa letras e melodias, dando lugar ao solo, dueto e improvisação
grupal. Na re-criação, há a execução de músicas vocais. Aqui incluem-se os ensaios de grupos
corais, aulas de canto, a imitação vocal de músicas gravadas, etc. Entre seus objetivos figuram o
desenvolvimento da memória, da atenção e da orientação; o trabalho em grupo visando objetivos
comuns, e ainda promover a empatia e a identificação com os outros etc. Na composição, o
paciente pode criar uma melodia ou a letra. Isto leva ao desenvolvimento da sua capacidade de
organizar, planejar, solucionar problemas, desenvolver a auto-responsabilidade etc. Na audição
musical, busca-se entre outros objetivos o relaxamento, a estimulação dos sentidos, a organização
31
rítmica e monitoração dos comportamentos motores do cliente, e as habilidades ligadas à atenção,
percepção, e discriminação auditiva. A escrita de canções pode evocar fatos passados da vida do
cliente que poderão levá-lo à re-experenciar tais fatos, conduzindo à regressão musical com
canções.
É indicada principalmente para pessoas que necessitam desenvolver habilidades de
atenção, desenvolver a memória e habilidades audio-motoras.
Ao discorrer sobre as atividades musicoterápicas com idosos, ALBINATI (1999), sugere jogos
e brincadeiras musicais principalmente usando canções de roda com as quais eles se divertem e
lembram as situações de infância. A audição, análise e apreciação de peças musicais também é
uma atividade que o terapeuta poderá utilizar com o grupo que desenvolverá o hábito de ouvir e
comentar a música. Dessa forma busca-se melhor discriminação auditiva, auto-conhecimento (pela
exposição de idéias) e auto-expressão (pela emissão de respostas). O musicoterapeuta deverá estar
atento para as mudanças físicas e emocionais de cada participante durante a audição musical. Deve
também observar qual é a música mais adequada para a audição, variando desde o fato dela ser
conhecida até o significado que pode ter para o idoso. A atenção e a concentração, a capacidade
intelectual preservada, a capacidade de análise e apreciação dos idosos são dados a serem
analisados pelo terapeuta na escolha do repertório. Outros dados a serem observados são os hábitos
musicais do grupo social e o seu preconceito musical. Este autor sugere também a paródia musical
que propicia a observação da métrica e da prosódia, quando são trabalhados o ritmo e a orientação
espaço-temporal. Lembra também o arranjo, a composição musical e ainda a construção, estudo e
execução de instrumentos musicais, a expressão corporal e a dança como atividades
musicoterápicas indicadas para idosos.
Ao estudar as terapias através da voz e do canto, CERQUEIRA (1996), refere-se à
cantoterapia e ao canto que cura.
A cantoterapia desenvolvida por Sonia Joppert, visa o
aprimoramento da voz ao desbloquear os problemas emocionais; outra função atribuida a esta
terapia seria a integração do corpo à dinâmica vocal através das técnicas de biodança,
bioenergética, antiginástica e teatro. Como exercícios terapêuticos propõe vocalises, exercícios
respiratórios, exercícios para afinação, e exercícios de ritmo. O trabalho emocional é desenvolvido
segundo técnicas de análise transacional, neurolingüística e musicoterapia. Quanto ao canto que
cura, desenvolvido por Sonia Prazeres, terapeuta corporal, propõe-se a utilização da voz de uma
forma artística e terapêutica. Usamos a voz e os sons não verbais de forma curativa e educativa, e
desse modo, as dificuldades são superadas pela expressão vocal, pelo comportamento verbal
através das sessões individuais ou em grupo, quando massagens corporais são associadas ao
controle da respiração, movimentos e expressão corporal.
32
2.7.5. DAS ETAPAS DO ATENDIMENTO MUSICOTERÁPICO
Em estudo realizado sobre atendimento musicoterapêutico para idosos, SOUZA et al. (1988),
estabelecem as seguintes etapas para o atendimento musicoterapêutico:
entrevista inicial,
testificação musical, contrato terapêutico, sessões musicoterápicas e alta.
Na entrevista inicial, coletam-se dados pessoais, preferências musicais do paciente e de sua
família. Há que se conhecer a sua história sonoro-musical. Outros dados anotados serão sobre as
patologias que o idoso padece e que irão nos informar de sua história clínica.
Na testificação musical há exploração ambiental e instrumental pelo paciente com
intervenção do musicoterapeuta caso se faça necessário.
O contrato terapêutico estabelece junto ao cliente o horário, frequência e duração das
sessões.
Nas sessões musicoterápicas situa-se a parte ativa e terapêutica do tratamento. É a partir daí
que abrem-se os canais de comunicação, quando o terapeuta utiliza sua percepção e capacidade de
improvisação a partir o material sonoro fornecido pelo paciente. Ocorre uma comunicação nãoverbal que propicia a interação entre terapeuta e paciente. As sessões podem ser individuais ou em
grupo. Em qualquer dos dois tipos de sessão, o objetivo principal é estabelecer uma relação com o
idoso, incentivando sua auto-estima e auto-confiança, valorizando suas vivências e sua produção
sonoro-musical. As sessões em grupo de 8 a 10 pessoas têm duração média de sessenta minutos,
dos quais quarenta e cinco minutos destinam-se à produção sonoro-musical; os quinze minutos
restantes são utilizados para que o grupo troque idéias, converse, melhorando assim seu
relacionamento socio-emocional.
São incentivadas também a tocar instrumentos, cantar,
improvisar, participação em jogos musicais etc.
Dá-se grande importância no processo
musicoterápico ao processo criativo que implica na improvisação e criatividade. Entre as várias
formas de expressão sonoro-musical que pedem criatividade estão:
os diálogos rítmicos,
improvisação rítmica e melódica, paródia e criação de letras e melodias. Servem como elementos
de ligação entre o idoso e o terapeuta.
3. DA EDUCAÇÃO VOCAL E A MUSICOTERAPIA QUANTO À UTILIZAÇÃO DA VOZ
Quando nos atemos à atuação do musicoterapeuta e à resposta que o paciente nos dá,
verificamos que muitas vezes nos deparamos com um processo de aprendizagem em que
33
comportamentos são adquiridos ou modificados e novas habilidades passam a fazer parte da vida
do paciente. O objetivo principal do processo terapêutico é a busca da saúde do paciente e a sua
manutenção, implicando este processo num estado de bem-estar físico e mental. E o
musicoterapeuta sabe que para alcançar a saúde, o paciente experimentou um processo de
aprendizagem em que adquiriu conhecimentos e habilidades. É quando fica evidente a íntima
relação entre o processo de aprendizagem e o procedimento terapêutico.
3.1. DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM E O PROCEDIMENTO
TERAPÊUTICO
O objetivo da educação é a aquisição de conhecimentos e habilidades; o objetivo da terapia é
a saúde (BRUSCIA, 1998). Segundo este autor a terapia é pessoal, e é específica do indivíduo; a
aprendizagem depende da experiência e da auto-reflexão do paciente e através desta, o cliente
alcança a saúde graças aos conhecimentos ou habilidades que adquiriu durante o seu processo de
tratamento. A relação paciente-terapeuta implica em questões de saúde que são trabalhadas através
da música. A música pode ser usada como reforço positivo ou negativo para intensificar ou
modificar comportamentos, podendo os clientes serem tratados em salas de aula, em terapia em
grupo ou ainda individualmente.
Este comportamento poderá interferir no processo de
aprendizagem, e o procedimento terapêutico usará a música para manejar o comportamento.
Para AGUAYO (1951), aprender é adquirir uma nova forma de conduta ou modificar uma
forma de conduta anterior. Por conduta entende-se o comportamento exterior e qualquer atividade
mental, intelectual ou afetiva que determine nova forma de ação, novo hábito, comportamento ou
resposta.
FARIA (2001), ao citar Piaget, afirma que o que caracteriza a aprendizagem é a mudança de
conduta. A aprendizagem realiza-se quando a situação conduz de tal maneira o aprendiz que o
desempenho por ele apresentado, antes de entrar em contato com aquela situação se modifica
depois de ser nela colocado. A situação que provoca a mudança é a situação estimuladora. Ao
causar o desequilíbrio ela levará à busca da homeostase (equilíbrio) modificando o comportamento.
BRUSCIA (1998), chama de práticas didáticas em musicoterapia àquelas práticas que ajudam
os pacientes na aquisição de conhecimentos, comportamentos e habilidades. O objetivo de tais
práticas é dar ao cliente a possibilidade de ter uma vida própria, independente e uma adequada
adaptação social. Tais práticas se caracterizam por algum tipo de aprendizagem, e esta aparece
com destaque no procedimento terapêutico. A aprendizagem em musicoterapia pode envolver: a
34
aquisição de conhecimentos musicais ou não; o uso do aprendizado musical como elemento de
terapia e a utilização da música como apoio para o aprendizado não musical.
3.2 A DIDÁTICA E A MUSICOTERAPIA
BRUSCIA (1998), nos diz que a psicoterapia tem conotações didáticas quando a
educação ou instrução servem de contato para o processo terapêutico, e que as práticas didáticas
podem ser usadas para facilitar o processo de aprendizagem durante a terapia. Vamos a seguir
tentar analisar o papel da didática como facilitadora da relação paciente-terapeuta, quando ambos
participam do mesmo espaço sonoro-musical.
Inicialmente lembramos que VALE (1992), define Didática como uma disciplina pedagógica
que tem por função fornecer aos professores, coordenadores pedagógicos e administradores
escolares, uma fundamentação teórica que possa subdisiá-los na sua prática pedagógica. Seu objeto
de estudo é o processo ensino-aprendizagem.
Segundo PILETTI (1997), a Didática é uma disciplina técnica que tem como objeto específico
a técnica de ensino (direção técnica da aprendizagem).
Ao referir-se à sessão musicoterápica, BARCELLOS (1992), usa o termo efeito didático para
explicar os quatro momentos diferentes com relação à movimentação musical: estimular, ouvir,
interagir com o paciente e fazer intervenções.
Quando o terapeuta estimula, incentiva o paciente a buscar o seu desenvolvimento, seja ele no
campo neurológico ou emocional, ele está na verdade utilizando o processo de motivação que é
também largamente utilizado na didática do ensino.
VALE (1992), nos diz que a motivação para aprender é resultante do conflito cognitivo. Os
“erros” cometidos pelo aluno durante a aquisição de conhecimentos são considerados construtivos,
desde que sejam transformados em situação de aprendizagem.
PILETTI (1997), considera a motivação como a apresentação a alguém de estímulos e
incentivos que lhe favoreçam determinado tipo de conduta.
A motivação favorece um mudança de comportamento e objetivos devem ser estabelecidos
durante o planejamento do processo terapêutico para que a terapia seja bem sucedida.
BARCELLOS (1999), ressalta o estabelecimento de objetivos para revelar os propósitos do
35
processo musicoterápico; para encaminhar o atendimento e levar o musicoterapeuta a um
procedimento técnico-científico.
Segundo BARCELLOS (1994), os objetivos na musicoterapia seriam direcionados no
sentido de estabelecer o vínculo terapeuta-paciente, modificar comportamentos, modificar
movimentos (psico-motor), desenvolver a criatividade e melhorar o aspecto emocional.
Para VALE (1997), os objetivos educacionais são pequenas parcelas fundamentais
na
realização das finalidades educacionais e quanto ao domínio podem ser classificados em: cognitivo
(objetivos relacionados à aquisição de conhecimentos);
afetivo (objetivos que designam
sentimentos, ideais, valores, etc.) e psico-motor (objetivos ligados ao desenvolvimento psicomotor).
Para alcançar seus objetivos, o professor utiliza os chamados recursos de ensino que são
componentes do ambiente da aprendizagem que darão origem à estimulação do aluno tais como
livros, mapas, fotografias, filmes etc. (PILETTI, 1997).
O musicoterapeuta faz uso de instrumentos musicais durante a sessão musicoterápica e
poderá utilizar músicas gravadas, em fita ou CD, para auxiliar na sua prática clínica. É um recurso
didático que facilita a interação com seu paciente. É interessante observar que a musicoterapia se
utiliza da didática para ajudar os pacientes na aquisição de conhecimentos, ou seja, em alguma
forma de aprendizagem que será determinante no processo terapêutico.
Assim sendo, a
aprendizagem leva ao desenvolvimento de habilidades musicais que serão parte da terapia.
3.3 A VOZ NA EDUCAÇÃO VOCAL E NA MUSICOTERAPIA
A voz vai sofrendo modificações à proporção que o indivíduo se desenvolve, tanto no aspecto
físico como no aspecto emocional, e quando o educador vocal prepara a voz de um aluno, ele pode
se deparar com problemas de ordem orgânica ou psíquica. Surge então a possibilidade de se
conduzir à pesquisa de procedimentos que atuem de forma preventiva na saúde vocal e mental. É a
integração das técnicas musicoterápicas com as técnicas empregadas na educação vocal , para que
se
conjuguem o domínio da voz e as funções terapêuticas da música.
educação vocal e
terapiapodem, contudo, encarar a voz com visões por vezes distintas. O quadro a seguir nos
mostra vários aspectos do papel da voz nas citadas áreas.
36
A VOZ NA EDUCAÇÃO VOCAL
A VOZ NA MUSICOTERAPIA
É pela técnica apropriada, apoiada por regras
precisas, utilizando movimentos adequados,
pela percepção de certas sensações que
determinam as coordenações musculares, que
o cantores modificam a qualidade da voz A
voz humana é um instrumento único , e
descobrir a própria voz é encontrar o equilíbrio
psicológico (DINVILLE,1993).
Os estados da alma e do corpo são reveladas
pela qualidade da voz e pelas entonações da
voz (VALLE,1996).
Os cantores e oradores apresentam problemas
próprios; são dificuldades orgânicas, técnicas e
psicológicas. A voz deve ser considerada na
sua totalidade sob o ponto de vista técnico,
artístico e patológico (DINVILLE,1993).
Distúrbios neuro-vegetativos podem levar à
interferência das emoções na voz; a maneira
como o indivíduo usa sua voz reflete sua
psico-dinâmica. O terapeuta deve estar atento
ao fato de que o tipo de voz utilizado seja
adequado ao conteúdo emocional do discurso
(BEHLAU e PONTES,1995).
O corpo humano é o mais complexo de todos
os instrumentos musicais (BENENZÓN,1985).
A voz é um conjunto de sons produzidos pelo A voz faz parte do sistema de comunicação
funcionamento
do
aparelho
fonador humana e serviu sempre para manifestar os
BEUTTENMÜLLER e LAPORT (1992).
estados
psíquicos
e
o
pensamento
(MELLO,1995).
A função vocal envolve uma interação entre os
órgãos vocais, respiratórios e a atividade A voz é a via inaugural da palavra e sem voz
muscular (DINVILLE,1993).
não há palavra; na clínica musicoterapêutica a
voz é um conceito quase misterioso
(PELLIZZARI,1994)².
O timbre depende da ressonância que é feita
com o uso do aparelho fonador. Ele dá à voz a
sua qualidade mais importante revelando o
caráter do indivíduo (BEUTTENMÜLLER e
LAPORT,1992)
A riqueza do timbre depende do uso dos
ressonadores e pode ser transformado com a
utilização de certos métodos da técnica vocal
(DINVILLE,1993).
Alguns problemas psíquicos podem alterar o
timbre da voz, tais como a esquizofrenia,
oligofrenia; nas neuroses também podem
ocorrer alterações da voz (SANT’ANNA,1993
e MYSAK,1979 ).
37
A respiração correta é indicada para a A respiração pode ser uma forma repressora ou
realização dos movimentos corporais e da liberadora dos instintos e sentimentos
sonoridade vocal (BEUTTENMÜLLER e (CERQUEIRA,1996).
LAPORT,1992)
Aprender a cantar, é inicialmente aprender a A utilização da voz nas atividades
respirar. A respiração adaptada ao canto é musicoterápicas pode ser feita recorrendo-se
treinada (DINVILLE,1993).
aos sons vocais e pre-vocais.Ambos atuam na
respiração e outras funções orgânicas
(BARCELLOS, 1980).
O esforço respiratório, de vários tipos está
relacionado às tensões psicossomáticas do
indivíduo e contribui ao quadro disfônico
geral. Liberar a respiração é educá-la para a
fonação. É a educação respiratória que leva à
eliminação do bloqueio, um dos fatores mais
importantes da disfonia ( MELLO,1995).
A utilização correta dos mecanismos de
respiração e fonação se reflete na melhoria de
outros mecanismos físicos e psicológicos
(ALBINATI,1999).
A educação vocal envolve um processo de
aprendizagem que implica na aquisição de
técnicas que visam o embelezamento da voz e
o desenvolvimento das qualidades vocais
(DINVILLE,1993).
O musicoterapeuta deve lançar mão de
atividades que propiciem o canto de diversas
formas e desenvolvam a memorização ,
organização
espaço-temporal
e
fala,
produzindo um trabalho gratificante do ponto
de
vista
emocional
e
musical
(
ALBINATI,1999).
38
4. O “CASO PAULO ” – EDUCAÇÃO VOCAL OU MUSICOTERAPIA?
Durante muitos anos trabalhando com coral de terceira idade, constatei que o idoso procura
aulas de canto não apenas pela necessidade de desenvolver a qualidade da sua voz e embelezá-la,
mas também pela busca da realização de um desejo e a necessidade de ocupar o tempo com uma
atividade que lhe dê prazer. Na maioria das vezes, há um verdadeiro entrelaçamento entre a
educação vocal e a musicoterapia, quando o desejo não realizado , a ansiedade e as frustrações da
vida tornam difícil a delimitação entre o que é educação, e o que é terapia. É neste momento que o
processo ensino-aprendizagem surge como elemento terapêutico e a educação vocal cede o espaço
para a musicoterapia.
Passaremos a relatar a seguir um tratamento que chamaremos de “Caso
Paulo”, onde podemos perceber nitidamente a ação terapêutica da aprendizagem de canto como
elemento reforçador e a eficácia do procedimento musicoterápico.
Na tentativa de estabelecer uma fundamentação teórica no nosso trabalho em musicoterapia,
procuramos observar a modificação do comportamento humano e o desenvolvimento do indivíduo
durante o processo terapêutico, as influências do meio na recuperação do paciente e a influência da
música como elemento reforçador na modificação do comportamento deste paciente.
No caso que relatamos a seguir, buscamos justificativas nos fundamentos teóricos do
behaviorismo, que neste momento nos parecem ser os mais adequados às situações que foram
constatadas durante o tratamento musicoterápico.
4.1. O QUE É BEHAVIORISMO
O behaviorismo é um sistema de psicologia que desempenhou papel preponderante não só na
psicologia mas também na cultura em geral, sendo considerado um antagonista da psicanálise. O
seu principal ponto metodológico é o comportamento, daí o seu nome (behavior=comportamento).
É orientado no sentido do comportamento objetivo e da utilidade prática, importando o estudo não
do que as pessoas pensam e sentem, mas sim do que fazem. Apoia-se no pensamento voltado para
a objetividade e o ambientalismo (HILL,1981).
MARX e HILLIX (1963), nos falam que o behaviorista vê a psicologia como um ramo objetivo
e experimental da ciência natural. A sua finalidade é a previsão e o controle do pensamento. Não
há necessidade de se mencionar a vida psíquica ou a consciência. A verbalização é considerada
como um tipo de comportamento: “Dizer é fazer – isto é, comportar-se.
Eles citam John B.
Watson como um agente do behaviorismo e para ele tal sistema psicológico tem dois objetivos
39
específicos: conhecer o estímulo e prever a resposta; e prever o estímulo, conhecendo a resposta.
Watson é também citado por HILL (1977) ao dizer que nascemos com determinadas conexões
estímulo-resposta denominados reflexos.
Quanto à aprendizagem, Watson a considera como
condicionamento clássico. Os reflexos são todo o acervo comportamental que herdamos.
RUUD (1990), cita a introdução de teorias da aprendizagem no campo da musicoterapia ,
em que a música atuaria no comportamento do paciente, comportamento este que seria avaliado
quanto ao fato de ser ou não adaptado, quanto às influências ambientais que estariam atuando sobre
ele e as possibilidades de alterá-lo. As mudanças ambientais seriam manipuladas por estímulos
reforçadores com a finalidade de provocar mudanças comportamentais. A música tem função
reforçadora eficaz na opinião deste autor, e é capaz de motivar as pessoas por período longo,
modificando seu comportamento.
FADIMAN e FRAGER (1986), ao discorrerem sobre o behaviorismo radical de Skinner,
lembram que este autor define a personalidade como “coleção de padrões de comportamento”.
Falam ainda do condicionamento respondente que é a resposta automática do organismo a um
estímulo; e condicionamento operante que é controlado por suas consequências, dependendo dos
eventos que seguem a resposta. O reforço é o estímulo que aumenta a probabilidade da resposta,
podendo ser positivo ou negativo quando ocorre o comportamento desejado ou não. De qualquer
modo, o reforço positivo ou negativo regula ou controla o comportamento.
Para Skinner, o
controle do comportamento ocorrerá se pudermos provocar mudanças ambientais.
4.2. QUEM É PAULO
Paulo é o nome que darei ao meu paciente. Ele veio para ter aulas de música por sugestão
do filho, buscando possível ajuda na musicoterapia, uma vez que o tratamento dito convencional,
com médico clínico geral, não estava apresentando resultados satisfatórios.
É interessante assinalar o fato de que Paulo não aceitara até então, fazer qualquer tipo de
terapia. Segundo informações fornecidas por familiares, ele não sentia mais interesse por nada,
estava totalmente apático.
Paulo tem 70 anos, é aposentado, economista, pai de dois filhos e avô de 3 adolescentes.
Casado há 45 anos, tem o que aparentemente chamamos de uma família feliz. Vive no mesmo
bairro desde que casou e não tem amigos fora dos familiares. Da sua própria família, Paulo
40
mantém ligações maiores com uma irmã que mora no Rio de Janeiro. Os demais irmãos, sete ao
todo, continuam morando no interior de São Paulo.
A procura pela musicoterapia veio da relutância do paciente em aceitar qualquer tipo de
terapia. Os filhos convenceram-no a ter aulas de música como um “hobby”, pois Paulo sempre
falou que gostaria de ter estudado música quando jovem, porém a precária situação financeira do
pai não permitira a realização desse desejo.
4.3. MEU PRIMEIRO ENCONTRO COM PAULO
Paulo chegou no horário combinado, sozinho. Caminhava lentamente com passos curtos,
lembrando o “petit-pas” da síndrome de Parkinson. Apresentava discreta antero-flexão do tronco;
audição e fala aparentemente normais.
Enquanto me aguardava na sala de espera, recostou-se na poltrona e fechou os olhos. Foi
assim que o encontrei.
Entreguei-lhe uma ficha com dados pessoais que meus alunos preenchem (devo observar
que ele sempre se disse “aluno de música”). Percebi a grafia correta, com letra firme e sem tremor.
Quando perguntei a Paulo porque escolhera ter “aulas de música”, ele respondeu-me que andava
saturado, entediado e que precisava se distrair; e os filhos tinham sugerido e ele achou que seria
melhor do que ficar o dia inteiro dentro de casa. Estava também na hidroginástica, mas não gostava
muito.
Quanto à sua preferência musical, lembrou-se da música popular brasileira (bossa-nova e
samba-canção), lembrando Tom Jobim, Cartola, Nelson Cavaquinho e outros. Não se interessava
pela música erudita, excetuando alguns comentários
elogiosos e passageiros sobre óperas.
Apreciava também as músicas americanas, pois dominava bem a língua inglesa. Revelou-se fã de
Frank Sinatra.
Inicialmente, Paulo mostrou interesse em tocar teclado, pois se conseguisse aprendê-lo
ganharia um de presente dos filhos.
4.4. DAS SESSÕES MUSICOTERÁPICAS
Começamos então “nossas aulas de teclado”, mas como percebi que ele não tinha realmente
interesse em se exercitar no instrumento, estabelecemos que sempre antes de iniciarmos nossos
41
trabalhos, conversaríamos sobre alguns assuntos que seriam escolhidos por ele. Paulo começou a
trazer CDs de música que lhe agradavam e ouvíamos juntos.
Mostrei a Paulo alguns instrumentos tais como bongô, pandeiro, triângulo, maraca, caxixi e
sugeri que acompanhássemos as músicas com a percussão, porém seu interesse durou pouco.
Percebi um dia, que Paulo cantava junto com a música. Era, inclusive, bastante afinado.
Convidei para que cantássemos juntos. Eu tocaria no piano e ele cantaria. Foi aceita a minha
sugestão. Mandei então que escolhesse uma música qualquer e ele começou a cantar “As rosas não
falam”, de Cartola. Lembrou-se do início da letra, que diz “ Bate outra vez com esperança o meu
coração...” A partir daí iniciamos exercícios de relaxamento, e exercícios respiratórios para que sua
voz “ soltasse”.
Ficou estabelecido que só cantaríamos após o relaxamento, respiração e
vocalização. Entre os exercícios de relaxamento demos preferência à contração-relaxação para
que ele tomasse consciência dos músculos tensos na contração e assim obter alívio na relaxação .
Trabalhamos também com a relaxação da mandíbula e principalmente com movimentos dos
ombros e cabeça, efetuando movimentos do tipo cabeça-pêndulo e cabeça rotação. Quanto aos
exercícios respiratórios, ressaltamos a importância da postura corporal e treinamos a respiração
costo-abdominal-diafragmática, com diferentes ritmos inspiratórios e expiratórios visando o
controle da pressão do ar no trato respiratório. No tocante aos vocalises, trabalhamos com
exercícios para melhorar a articulação, para fortalecer as cordas vocais, para dar mais volume,
extensão e agilidade à voz etc. Algumas vezes Paulo tentou burlar os exercícios, porém impus que
fossem praticados, mostrando a ele a importância da realização prévia de tais exercícios no preparo
da voz para o canto. Notei também a atração que o microfone exercia sobre Paulo. Ficou
estabelecido que o uso do microfone seria possível desde que ele cumprisse as etapas dos exercícios
preparatórios para o canto.
Sempre procurei ouvir as novidades que Paulo trazia. Aos poucos tornou-se falante e tecia
comentários sobre desentendimentos com a esposa e os filhos. Lentamente veio trazendo os
problemas que lhe afligiam para as aulas de canto , deixando transparecer mais claramente seus
sentimentos mais íntimos. Aos poucos Paulo passou a cantar com mais vigor e segurança e um dia
falou-me que gostaria de participar de um coral. Expliquei-lhe que o coral do qual sou regente era
religioso e ele sendo ateu (assim se dizia), talvez não se sentisse à vontade no meio do grupo. Deilhe o tempo que quisesse para pensar e tomar uma decisão. Dias depois, Paulo comprometeu-se em
freqüentar os ensaios, cantar nas missas de domingo, participar das viagens e apresentações do
coral , fazer as orações acompanhando o grupo e jamais criticar a religiosidade dos demais
42
cantores. Sua primeira participação na missa foi acompanhada de emoção intensa em que chorou
muito durante a cerimônia religiosa. E assim ele foi se integrando ao grupo, fazendo novas
amizades e colaborando em outras atividades da paróquia.
Após um ano de terapia, observei Paulo caminhando na rua, durante um encontro casual.
Estava mais ereto, os passos já mostravam movimentos quase normais e voltou inclusive a dirigir o
novo carro que comprara. Numa das apresentações do coral, trouxe a família para assisti-lo,
mostrando-se muito à vontade. Parecia bastante satisfeito consigo mesmo.
Paulo também foi estimulado a compor músicas. Os salmos dominicais que são lidos durante a
missa, são entregues aos fiéis na forma de versos, porém não se conhecem as suas melodias.
Surpreendentemente Paulo me trouxe uma fita gravada com uma música que ele fizera, para que os
salmos pudessem ser cantados. Estava assim se manifestando sua forma de criação, num processo
de desenvolvimento pessoal através da aquisição de uma habilidade musical, a composição. Paulo
apresentava, portanto, mudanças físicas que já mencionamos anteriormente,
e mudanças
emocionais que podiam ser sentidas na sua música, onde seus sentimentos tornaram-se acessíveis
aos demais componentes do coral. Através da atividade de compor ele estava marcando presença
no seu grupo social, graças a uma atuação rica em termos de comunicação, e por que não dizer de
doação também. Sua auto-estima cresceu e Paulo ganhou a admiração dos novos companheiros.
Noutra oportunidade, participou de um festival de música religiosa ficando entre os finalistas, fato
que o deixou muito confiante em si próprio.
Há algum tempo atrás, Paulo avisou-me que iria parar com “as aulas“ pois tinha sido
convidado a trabalhar numa firma. Na última sessão musicoterápica, quis cantar uma música que,
ele dizia, tinha a ver com ele e o momento que estava vivendo. Era “Até quem sabe”, e começava
assim: “... até um dia, até talvez, até quem sabe...”
Antes de despedir-se quis ler um trecho de um livro que apreciava, onde estava escrito:
“...pensem no que estão cantando. Usem a imaginação... isto deve ser caloroso, alegre, impetuoso.”
Acreditamos que estas palavras refletem como Paulo se sentia nas nossas sessões musicoterápicas,
que, contudo, para ele nunca deixaram de ser “aulas de música “. O olhar para dentro de si, o ouvir
o que se canta, a aceitação do mundo que então se descortina através daquela canção, são relatos
musicados dos seus sentimentos e pensamentos que o deixavam satisfeito.
43
4.5. DAS TÉCNICAS USADAS NA TERAPIA ( segundo BRUSCIA, 1998)
Podemos considerar Paulo como um paciente que tinha problemas emocionais, apresentava
dificuldades no seu relacionamento e estava estressado, uma vez que os exames médicos realizados
não revelavam problemas orgânicos relevantes.
Embora ele não admitisse a sua situação de
paciente, conseguimos cumprir durante as sessões musicoterápicas as seguintes técnicas: audição
musical, recriação musical e composição.
A audição musical foi usada para ajudar no relaxamento, no combate ao estresse, e na
recordação de fatos passados da sua vida; na recriação musical, conseguimos fazer com que o
paciente aprendesse a respirar de forma correta, a desenvolver sua voz que até então era hipo
timbrada, e com intensidade fraca. Esse trabalho com a voz levou Paulo a se interessar em cantar
em grupo, adquirindo um comportamento onde aprendeu a respeitar os outros participantes, no
tocante principalmente aos aspectos religiosos ( no que era radicalmente contra); na composição,
ele encontrou grande realização pessoal. A participação de sua música no festival foi acompanhada
por um sentimento de vitória. Ele se sentiu prestigiado, ficou em evidência, apesar de não ter sido
vencedor. Suas músicas foram feitas em parceria com outra pessoa do grupo. É interessante
observar que Paulo não simpatizava muito com este companheiro, porém conseguiu vencer as
diferenças e superar as dificuldades.
4.6. DA TEORIA DE TRATAMENTO UTILIZADA
No trabalho que hora descrevemos, tivemos a teoria de tratamento tirada da educação vocal do
paciente, pois essa foi a forma de se fazer a interação terapeuta-cliente, uma vez que ele não
aceitava a possibilidade de fazer qualquer tipo de terapia. Procuramos atuar dentro da ótica
behaviorista , que no caso em questão nos pareceu ser a mais indicada, e estabelecemos condições
que deveriam ser cumpridas pelo paciente, tais como os exercícios de relaxamento, respiratórios e
de vocalização, que foram feitos tanto em casa como no consultório, através de tarefas diárias, com
horários pré-determinados, em troca daquilo que ele mais desejava: usar o microfone. Procuramos
trabalhar com Paulo , modificando seu comportamento. A participação no coral implicou na
mudança de várias atitudes que sempre marcaram a sua vida. A presença em atividades litúrgicas,
a aceitação da religiosidade de outras pessoas, o respeito aos companheiros, o auto-controle do seu
temperamento crítico e pedante, foram por exemplo, mudanças na sua forma de agir A música
foi o elemento reforçador ,capaz de motivá-lo nestas mudanças.
44
Paulo jamais foi corrigido por suas atitudes negativas. Durante a terapia foi levado à
aquisição de um comportamento que facilitou sua adaptação social ao ambiente em que vivia
Houve a manipulação comportamental através da recompensa ( usar o microfone e ter sua música
classificada no festival ), e a musicoterapia mostrou-se eficaz neste aspecto pois o paciente voltou
a se interessar pela vida, tendo inclusive voltado às suas atividades empresariais.
Estamos que certos que a terapia behaviorista adotada cumpriu a sua função, ou seja: Paulo
voltou a ter interesse na vida.
4.7. DO USO DO MICROFONE
Devemos ressaltar o fato de que o microfone foi marcante como objeto intermediário,
como elemento reforçador na terapia de Paulo, e seu uso só era autorizado após o cumprimento das
atividades planejadas. É interessante abrir aqui um parêntese para tecer alguns comentários sobre
o microfone e as variadas reações que ele provoca no aluno de canto. Nos dias atuais, quando um
aluno decide freqüentar aulas de educação vocal, ele entra em contato com o microfone e recebe
orientações quanto à forma de usá-lo. Podemos então observar os seguintes comportamentos:
•
o aluno imediatamente aceita o desafio, e usa o microfone com naturalidade, obedecendo as
instruções quanto à sua utilização;
•
o aluno nega-se a falar ao microfone alegando que ainda não está preparado pois sua voz ainda
não está pronta;
•
o aluno usa o microfone transformando-o em fonte de satisfação, de prazer. De um modo geral
quer fazer uso do mesmo ininterruptamente, e não se preocupa com as regras para alcançar um
resultado satisfatório na sonoridade;
•
o aluno mostra insegurança, timidez em fazer uso do microfone, porém aceita usá-lo embora
pouco à vontade. Nesta caso, quando o resultado lhe agrada deixa transparecer sua alegria com
um sorriso; outras vezes se preocupa em enumerar seus próprios erros e defeitos, justificando-se
quanto à sua inexperiência etc.
Ao longo de alguns anos lidando com aulas de educação vocal para alunos das mais variadas
faixas etárias nas quais utilizo o microfone, pude constatar que pessoas autoritárias que gostam de
dominar e de ter o poder de mando, sentem-se fascinadas em usar o microfone.
monopolizam e gostam de prolongar ao máximo o seu uso pessoal.
Elas o
45
Os alunos inseguros, tímidos quase sempre mostram-se muito críticos, perfeccionistas, têm
medo de se expor ao ridículo. Não admitem erros e preocupam-se com o fato do microfone tornálos muito em evidência. Geralmente são pessoas que tem um passado de cobranças na família
quanto ao seu desempenho na infância nas mais diferentes atividades, e eles são seus próprios e
mais rigorosos juizes.
Um outro tipo de aluno sente medo do microfone, mas na verdade esconde o desejo de ser
notado, de ser ouvido. É um aluno que busca a técnica vocal com o objetivo de ganhar maior
volume de voz pois tem a tendência de falar com pouca intensidade e com pouca clareza. Ao ouvir
sua voz amplificada, assusta-se com a descoberta do instrumento que tem dentro de si. Talvez seja
a busca do seu “eu” escondido, do resgate das coisas passadas esquecidas, da procura do seu
desenvolvimento pessoal através da voz no canto.
Também competindo para falar ao microfone estão as pessoas que foram criadas “cheias de
vontade”, muito mimadas quando eram crianças tendo todos os seus desejos satisfeitos.
Geralmente revelam traços de imaturidade e buscam uma posição de destaque tal como tiveram ao
longo da sua vida.
Através dos pequenos exemplos citados podemos concluir quão rica pode ser o estudo da
contribuição do uso do microfone para o terapeuta, revelando as mais diferentes personalidades
dos seus pacientes, mostrando os seus mais íntimos estados d’alma, ajudando a contar fatos
passados que precisam vir à tona. Acreditamos que o microfone possa vir a ser excelente objeto
intermediário na sessão musicoterápica.
4.8. OUTROS CASOS
Relatamos a seguir experiências com alunos de faixa etária variando de 60 a 75 anos, onde a
educação vocal foi usada não apenas como elemento auxiliar na reabilitação da voz, mas na
verdade atuou principalmente nos aspectos psicológicos dos indivíduos. Nestes casos houve a
integração entre os processos de ensino e terapia, onde a aprendizagem de canto resultou em
procedimento terapêutico válido. Tivemos o cuidado de dar nomes fictícios aos pacientes para
respeitar sua privacidade.
Caso 1 – Ivan, 63 anos, médico e professor, casado; tempo de estudo : 1 ano.
Ivan procurou as aulas de canto para corrigir um problema que apresentava desde criança, isto
é, ele falava sempre em voz “muito baixa”. Portanto, seu objetivo era ganhar maior volume de voz
46
pois na sua função de professor incomodava-se com a reclamação dos alunos de que era difícil de
ouvi-lo. No decorrer das aulas fomos encontrando motivos que justificassem a ocorrência da voz
com pouca intensidade.
Criado no interior, de família pobre, pai lavrador, humilde, sempre
recomendava aos filhos que jamais elevassem o tom do voz, principalmente na presença do patrão.
Apesar de ter estudado medicina, e de ter alcançado uma boa situação financeira com posição
destacada no meio médico, Ivan não vencera o obstáculo relacionado à voz. As aulas de canto
atuaram como elemento integrador entre o professor-terapeuta e o aluno-paciente, e graças aos
exercícios de vocalização, Ivan está mais confiante em si, e vem alcançando grandes progressos.
Tem se apresentado em público em reuniões de amigos e já está apreciando sua própria voz. Usa o
microfone com naturalidade e segurança.
Caso 2 – Clarice, 74 anos, dona de casa, viúva; tempo de estudo: 3 anos.
Clarice veio para as aulas de canto por dois motivos principais: realizar um velho sonho de
criança, e também poder “ servir a Deus”. Ela considera a sua voz muito bonita, uma benção de
Deus, e ela pensa que a melhor forma de agradecer ao Senhor por este dom que lhe foi dado , é
embelezar a voz para cantar nas missas de sua paróquia. Na verdade, o que Clarice não revelou de
imediato é que sofria de períodos de rouquidão de causa não diagnosticada pelos médicos, e que as
aulas de canto foram sugeridas por amigos para prevenir a disfonia. Essas crises surgiram após a
viuvez, e segundo ela informou iam e vinham sem motivo aparente.
Através dos vocalises percebemos que Clarice apresentava afonia entre ré 3 e dó 4, em
determinadas épocas.
O problema durava
2 a 3 semanas
e sua recuperação ocorria
espontaneamente sem medicação alguma. Aos poucos percebemos por suas revelações que tinha
sérios aborrecimentos com os filhos por causa de problemas financeiros. Qualquer discussão mais
séria em família coincidia com a manifestação da rouquidão. Os exercícios de respiração e de
relaxamento provocaram melhoras na recuperação da voz. Ela ainda não admite a relação entre a
afonia e os problemas com os filhos, porém ela já aceita o fato de se sentir culpada por não poder
continuar a dar ajuda financeira aos filhos tal como o falecido marido fazia. Observamos também
que a rouquidão de Clarice surge quando ela sofre pequenas contrariedades, e a afonia ocorre ligada
aos grandes aborrecimentos. Ela gosta de usar o microfone e sente em prazer em ouvir sua própria
voz. Seu repertório é de música erudita, e através dele recorda seus tempos de menina no colégio
de freiras em sua cidade natal. Ela já nessa época participava do coral e tinha aulas de piano. Era
de classe média alta, bastante mimada, e manteve após o casamento com um homem bem mais
47
velho que ela, o mesmo padrão de vida que tinha em jovem. Seu marido procurava realizar todos
os seus desejos. Uma das características marcantes de Clarice é o desejo de se apresentar em
público, e de ser elogiada , contudo, ela sempre procura justificar seu comportamento como uma
forma de “servir ao Senhor”.
Caso 3 – Leni, 69 anos, funcionária pública aposentada, casada; tempo de estudo: 2 anos.
Leni queria preencher o tempo ocioso, e escolheu as aulas de teclado como atividade adequada
pois já tivera aulas de piano em criança. A mudança para aulas de canto foram conseqüentes à sua
vontade de não ter compromissos, pois segundo ela mesma dizia, não queria mais ter obrigação de
estudar diariamente. O canto não exige treinamento diário tal como acontece com o instrumento.
Leni apresenta voz soprosa e faz grande esforço para falar e cantar. Solicitamos o laudo do
otorrinolaringologista sobre o estado da sua saúde vocal porém ela está sempre adiando a visita ao
médico. Já há na sua família casos de nódulos nas pregas vocais e por tal motivo associado aos
sintomas de esforço vocal, rouquidão freqüente, ato de pigarrear e pequena extensão vocal,
achamos conveniente que só prossiga seus estudos de canto após uma apreciação do especialista.
Ela teve há alguns anos atrás um AVE que não deixou seqüelas. Alterna períodos de depressão
quando os problemas familiares se intensificam, tais como, o desemprego do filho e a sua separação
da esposa, negócios mal sucedidos da filha etc. Nestes períodos observamos que a sua hipotonia
vocal se intensifica
e os sintomas vocais se agravam. Leni não aceita cantar sem o microfone,
pois segundo ela mesma diz, a sua voz não aparece. Sua escolha do repertório se baseia em músicas
que não exigem grande extensão vocal, e são de ritmo lento, com predominância de tonalidades
mais graves. Não tem feito grandes progressos nas aulas, mas também não se esforça para que isso
aconteça. Ela admite que quer apenas se distrair, sem compromisso. As aulas de canto, na sua
opinião, servem como possibilidade para aquisição de boa técnica vocal, para corrigir erros de
emissão vocal e para conversar sobre assuntos que lhe afligem. Ela as considera como “ verdadeira
terapia”.
Caso 4 - Eliete, 60 anos, funcionária pública, solteira; tempo de estudo: 4 anos .
Eliete veio aprender canto, segundo ela, para vencer um bloqueio que a acompanhava
desde a infância no colégio primário, quando foi dispensada do coro nas aulas de Canto Orfeônico.
No momento da prova de canto, sentiu-se nervosa e não conseguiu emitir qualquer som.
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No decorrer das aulas tomamos conhecimento de que Eliete fora sempre uma aluna
destacada estando entre os primeiros lugares da turma. A reprovação fora um choque para ela,
acostumada que estava com excelente desempenho em suas tarefas.
Aos poucos sua voz veio surgindo bela, firme e de intensidade muito forte. Eliete é uma
pessoa de temperamento difícil, gosta de comandar a aula e preocupa-se em ter destaque pela boa
qualidade da sua voz. No coral do qual participa procura cantar com maior volume de voz que os
demais componentes, assumindo atitudes autoritárias indesejáveis. É extremamente crítica com os
colegas que não “soltam a voz”, já tendo este tipo de comportamento gerado hostilidade por parte
do grupo em relação a ela.
Eliete tem medo do microfone. Ela imagina que todos poderão perceber seus erros pela
amplificação do som. De seu repertório só fazem parte músicas que exijam grande extensão vocal
onde há riqueza de notas agudas, ou seja, músicas nas quais ela pode mostrar todo o poder da sua
voz.
Caso 5 – Laura,73 anos, dona de casa, viúva; tempo de estudo : 3 anos.
Antes de conhecer Laura recebi um telefonema de uma de suas filhas, solicitando uma vaga
para a mãe por recomendação médica pois Laura sofria de depressão e o canto era um das poucas
atividades que lhe interessavam.
Um fato que chamou a minha atenção ao conhecê-la foi a sua bela voz. Uma voz firme,
forte, e de grande volume e extensão. Laura com o tempo revelou-se uma pessoa dominadora,
autoritária, que gosta de controlar a vida dos seus familiares e dos amigos também. Não consegue
guardar segredos , sentindo imenso prazer em revelá-los. É realmente uma pessoa difícil de se
lidar, e como aluna jamais se interessou em aprender corretamente qualquer exercício de técnica
vocal, não sendo capaz de impostar a voz. Em suas aulas alterna fases de excitabilidade intensa,
falando com alto volume de voz e em flagrante exibicionismo, com fases de tristeza extrema em
que chora muito enquanto recorda fatos da sua vida que ela diz, gostaria de esquecer. Laura tem
dificuldade de se concentrar e de memorizar as letras das músicas. Gosta muito de se apresentar
em público e quando começa a cantar não quer mais parar. Usa o microfone quase como uma arma
para competir com seus colegas e impor a sua presença no palco. Ela sente imensa necessidade de
ser aplaudida.
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Caso 6 – Iná, 74 anos, funcionária pública aposentada, solteira; tempo de estudo:2anos.
Iná já estudara canto durante oito anos aproximadamente, tendo inclusive gravado dos CDs
(produção independente) com repertório de música popular. A sua procura por aulas de canto se
justifica pois ela quer mudar para música erudita uma vez que participa de dois corais cujos
repertórios pedem formação neste tipo de música.
Recentemente graças ao trabalho de técnica vocal conseguimos um bom progresso que foi
anulado quando Iná tomou conhecimento que por ser fiadora do irmão teria que saldar uma dívida
feita por ele. A musculatura tensa, a voz constritiva, a dificuldade para alcançar notas mais agudas,
o tremor acentuado na emissão vocal e a respiração inadequada, são exemplos de distúrbios que se
manifestaram após o problema financeiro. Um fato interessante no caso de Iná é que ela tem
consciência de que sua voz apresenta distúrbios ligados aos seus problemas emocionais.
Iná é extrovertida, gosta de se apresentar em público e já está acostumada a usar o microfone.
Caso 7 – Ivone, 64 anos, pedagoga, divorciada; tempo de estudo : 1 ano
A separação do marido e a realização de um sonho de criança foram razões suficientes para
que Ivone procurasse aulas de canto. Ela gosta de cantar como seresteira e não aceita a voz
impostada pois segundo ela diz, essa não é sua voz ”real”.
Temos tentado trabalhar com Ivone a boa colocação da sua voz, pois após cantar duas a três
músicas ela fica completamente disfônica. Este fato não se repete durante os vocalises, quando ela
aceita impostar a voz. Tenho tido dificuldades no trato com esta aluna pela sua resistência em
cumprir as regras da boa técnica vocal. Aliás, eu soube através de informações fornecidas por suas
colegas do curso de ginástica que Ivone é pessoa de trato difícil tanto com a professora como com
as próprias colegas.
Realiza-se quando sobe num palco para cantar e admite que se pudesse usaria o microfone
em todas as aulas.
Caso 8 – Rosemary, 60 anos, funcionária pública aposentada; tempo de estudo : 1 ano.
Rosemary ia bem nas aulas de canto quando apresentou os primeiros sintomas de um
problema vocal ao descobrir que tinha câncer de mama ainda em estágio inicial. Foi nessa época
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diagnosticado a presença de um nódulo em uma das suas pregas vocais. Com o tratamento
adequado recuperou-se rapidamente e voltou ao estudo de canto.
Novo problema surgiu aproximadamente dois anos depois, quando ela soube que o marido
também sofria de câncer.
Rosemary mais uma vez apresentou distúrbios vocais que se
prolongaram até a morte do companheiro. Abandonou as aulas naquela época e no momento está
em tratamento fonoaudiológico por recomendação médica. Aguarda ansiosamente a volta às aulas
de canto pois segundo ela diz , lhe trazem grande alegria.
Podemos concluir nestes oito casos apresentados o quanto a voz pode ser afetada por
problemas emocionais dos mais variados, e que a educação vocal por si só não cumpre a finalidade
de reabilitar o aluno.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Citamos no início deste trabalho de pesquisa o propósito de alcançar três objetivos principais.
Foram eles: observar as alterações da voz que acompanham os diferentes comportamentos
humanos; verificar as influências do meio na recuperação dos pacientes e a influência da
educação vocal como elemento reforçador na modificação do comportamento destes pacientes.
Quanto às alterações da voz tendo como base trabalhos realizados por outros pesquisadores
encontramos diversas citações, tais como, as alterações da voz nas emoções, e os distúrbios vocais
tanto de origem psíquica como de origem orgânica ligados a diferentes comportamentos humanos.
Entre estes distúrbios , demos maior importância àqueles que ocorrem na terceira idade, uma vez
que esta faixa etária foi escolhida como assunto principal de nossa pesquisa. Assim sendo, os casos
clínicos apresentados vieram a confirmar o
que a literatura especializada registra, quanto às
variações dos diversos parâmetros vocais dos idosos de acordo com seu estado de saúde física e
mental.
Ao falarmos dos recursos musicoterápicos na terceira idade, ressaltamos a participação do
idoso em corais, abordando a importância do papel social do grupo vocal nesta faixa de idade E
finalmente, analisamos o papel desempenhado pela aprendizagem de canto ao atuar como elemento
reforçador , promovendo resultados satisfatórios no tratamento musicoterápico com ênfase no uso
do microfone nas aulas de canto.
Ao buscarmos a comparação entre a educação vocal e a musicoterapia, procuramos elucidar as
possibilidades da análise do papel da voz sob
óticas diferentes nestas duas especialidades.
51
Comparamos também os processos de terapia e educação, levando em conta o fato de ambos
envolverem um processo de aprendizagem que se baseia em métodos preconizados pela didática. O
quadro seguinte nos mostra diferenças e semelhanças encontradas entre ambas:
EDUCAÇÃO
TERAPIA
Propicia a aquisição de conhecimentos
e habilidades.
Propicia a aquisição de
conhecimentos e habilidades.
Nem toda educação é terapia.
Nem toda terapia é educação.
Objetivo primário: adquirir
conhecimento.
A própria educação se beneficia com a
aprendizagem.
Objetivo primário: meio de alcançar a
saúde.
Cuida dos problemas do aprendizado
que afetam a saúde.
O que se aprende não é específico do
indivíduo.
A terapia é própria do indivíduo e da
sua relação com o meio.
Permite que graças às habilidades
adquiridas o indivíduo se adapte ao
meio.
Aprendizagem depende da
experiência.
Relação professor X aluno( não inclui
problemas pessoais ou de saúde).
O professor motiva o aluno para que
ocorra a aprendizagem.
Cuida dos problemas que possam
ocorrer no processo de adaptação do
indivíduo ao meio.
Aprendizagem depende da experiência
mas também é auto-reflexiva.
Relação terapeuta X paciente (inclui
problemas pessoais e de saúde que são
investigados pelo terapeuta.)
O terapeuta ajuda o paciente a
alcançar a saúde.
A aprendizagem musical é o que se
deseja alcançar (na educação musical).
A aprendizagem musical é usada
como meio para se alcançar a saúde.
Predominância dos objetivos estéticos
e musicais.
Predomina a música universal.
Predominância dos objetivos
funcionais.
Predomina o mundo musical particular
do paciente.
Cuida das questões de saúde que
podem ser trabalhadas pela música.
O terapeuta deve se preocupar com a
dinâmica da personalidade em geral.
Cuida da música propriamente dita.
Professor deve se preocupar com o
ensino e pensamento; o ensino não é
uma forma de psicoterapia
(MORRIS,1972).
52
Ao longo do nosso trabalho com educação vocal, concordamos que o ensino
e
aprendizagem guardam relações intrínsecas entre si, e PILETTI (1997), nos diz que o ensino existe
para motivar a aprendizagem, orientá-la e dirigi-la.
Por tal motivo, podemos deduzir que a terapia dependente que é do processo de aprendizagem
também poderá utilizar técnicas didáticas semelhantes àquelas usadas no ensino.
Na página
seguinte, apresentamos um quadro comparativo entre a didática cujo objetivo é o ensino, e a
didática cujo objetivo é a terapia.
Concluímos ao observar o quadro anteriormente indicado, que existem grandes semelhanças
entre o papel do professor na produção do conhecimento dos seus alunos, e a atuação do terapeuta
levando o paciente à aquisição de conhecimentos em busca da saúde. Em ambos os processos
ensino / terapia com o objetivo final da aprendizagem, os procedimentos didáticos são muito
semelhantes.
Para finalizar reafirmamos o papel da voz como reveladora dos
estados da alma e do
pensamento, do lugar que ocupa na comunicação humana, do seu valor no mundo social do
homem, da sua junção com a palavra e com ela se confundindo, e principalmente da sua
importância para o musicoterapeuta, quando aparece na canção revelando o caminho para o
inconsciente.
E a aprendizagem de canto na terceira idade surge como elemento auxiliar na reabilitação da
voz do idoso, servindo também como elemento pedagógico-terapêutico num processo em que
ensino-terapia-aprendizagem se integram como uma possível, e por que não, nova abordagem
musicoterápica.
53
DIDÁTICA – OBJETIVO: ENSINO
Diz respeito ao indivíduo que aprende e
como aprende visando a educação
propriamente dita
É multidisciplinar; o conhecimento de
outras disciplinas e ciências a
complementam.
O professor deve ser capaz de planejar,
incentivar o aluno, dominar o conteúdo,
ter boa relação pedagógica com seus
alunos etc.
O professor poderá ter relação afetiva,
compreensão empática, respeito mútuo,
porém ocorre uma desigualdade nessa
relação. Em termos de autoridade,
professor e aluno são diferentes.
O professor deve ser um estimulador e
mediador do processo de aprendizagem.
O professor é agente externo e colabora
na aprendizagem; a aprendizagem
depende do aluno.
O conhecimento é obtido através de um
conflito cognitivo; há a busca do
equilíbrio no processo de aprendizagem.
Predomínio do desenvolvimento cognitivo
em detrimento da afetividade.
Planejamento participativo com interrelacionamento das disciplinas.
É estabelecido um
contrato(=planejamento educacional, de
currículo e de ensino)onde são
estabelecidas todas as etapas do ensino a
ser ministrado pelo professor.
Avaliação visa interpretar os
conhecimentos, habilidades e atividades
dos alunos tendo em vista mudanças no
seu comportamento propostas nos
objetivos.
O objeto de estudo a Didática é o ensinoaprendizagem.
Utiliza o ensino em grupos como fator de
progresso pedagógico.
A teoria pedagógica ajuda o professor a
ter melhor percepção da prática docente.
DIDÁTICA - OBJETIVO: - TERAPIA
Ajuda o paciente na aquisição de
conhecimentos (aprendizagem) visando o
processo terapêutico).
É multidisciplinar; o conhecimento de
técnicas usadas em fisioterapia,
fonoaudiologia, psicologia e outras
auxiliam a didática da musicoterapia.
O terapeuta deve planejar o tratamento,
estimular o paciente, conhecer bem sua
área de especialização, ter qualificação
necessária para escrever sua atividade, ter
boa interação com seu paciente.
A relação do cliente com o terapeuta pode
se dar tanto pessoalmente como
musicalmente; a música gera mudança
terapêutica. O terapeuta deve manter uma
distância profissional adequada. Poderá
atuar também como professor.
O terapeuta estimula a aquisição de
conhecimentos que promovem o alcance
da saúde.
O terapeuta é um agente externo; a
reabilitação depende da natureza do
paciente.
A reabilitação é obtida através da
aprendizagem que é da ordem a
experiência e auto-reflexiva.
Predomínio da afetividade.
Há planejamento da terapia associado a
outros profissionais de áreas
afins(interdisciplinaridade)
É estabelecido um contrato onde estão
descritos os serviços que serão usados na
terapia pelo musicoterapeuta.
A avaliação da terapia é feita para
reconhecer e registrar as mudanças que
vão determinar os progressos do cliente.
O objeto do estudo da Didática é a
terapia-aprendizagem.
Utiliza na psicoterapia o trabalho com
grupo, visando o desenvolvimento do
cliente.
A teoria pedagógica ajuda o terapeuta a
ter melhor percepção das práticas
didáticas que utiliza no processo
terapêutico.
54
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