Gás no aparelho digestivo
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As moléstias relacionadas com a presença de gás no aparelho digestivo – meteorismo, flatulência – não são problemas médicos graves,1-3 mas podem ser desconfortáveis e embaraçosos.1-4
Os sintomas provocados pelo gás podem apresentar-se como eructação frequente (arrotos), borborigmos, distensão e desconforto abdominal e/ou flatulência excessiva (ventosidades).1,5
A eructação (arroto) é a regurgitação involuntária e às vezes barulhenta de ar do estômago pela boca.6 Pode ocorrer de forma ocasional durante ou após uma refeição,4,6 quando o estômago fica cheio com excesso de ar engolido.7
Os que arrotam frequentemente podem engolir muito ar e libertá-lo antes de alcançar o estômago.3,4,6 Alguns
doentes pensam que engolir ar e expulsá-lo depois aliviará o seu desconforto e desenvolvem intencionalmente, ou
inconscientemente, o hábito de arrotar.3,4
Muitas pessoas pensam que a causa da distensão abdominal é o excesso de gás, mas muitas vezes têm quantidades normais.4 Na realidade, eles podem ter uma excessiva sensibilidade a quantidades normais de gás no tracto
digestivo.3,4,6,8
Os borborigmos, ruídos causados por gases, ocorrem quando o estômago se contrai rapidamente, empurrando o
conteúdo para a frente e para trás. Acontecem frequentemente com a fome, mas também podem ser desenca­deados
por ansiedade e nervosismo.7
Os gases podem ser expulsos pelo recto.4,6 Os gases intestinais não têm cheiro; pensa-se que o cheiro desagradável seja devido a compostos com enxofre presentes nas fezes, só em quantidades mínimas.6
Em jejum, existe pouca quantidade de gás no intestino (100-200 ml) que se mantém pela existência de equilíbrio entre a produção e a eliminação.5 O volume é variável e influenciado por muitos factores, especialmente pela dieta.6
O gás do tracto digestivo procede fundamentalmente de três fontes: o ar engolido, a produção intestinal e a difusão a partir do sangue.1,9
Normalmente, o ar é engolido em pequenas quantidades (aerofagia) ao comer e beber1,6,9 mas algumas pessoas
engolem-no repetidamente de forma inconsciente enquanto comem e em outras ocasiões, especialmente em estados de ansiedade.1,8,9 A maioria do ar deglutido é posteriormente eliminado por eructação e só uma pequena
quantidade chega ao intestino.1,3,6,9 A quantidade de ar que passa é influenciada pela posição: em posição erguida o ar ascende por cima do conteúdo líquido do estômago, eliminando-se facilmente, no entanto em decúbito
supino, o ar apanhado por baixo do líquido do estômago tende a ser impulsionado para o duodeno.9
A maior parte do gás intestinal procede da fermentação de alguns alimentos não digeridos por bactérias presentes
no cólon.1,4,5
O gás difunde-se entre o intestino e o sangue em direcção dependente da diferença de pressão parcial.9
O gás gastrointestinal é constituído por nitrogénio, oxigénio, hidrogénio, dióxido de carbono e por vezes metano.3,4,6
O nitrogénio e o oxigénio são obtidos por aerofagia.6,7 O nitrogénio geralmente está presente em maior quantidade,5,9
sendo a maioria expelido como gás intestinal. O oxigénio difunde-se livremente entre a corrente sanguínea e o lúmen
gastrointestinal e a sua concentração depende da quantidade engolida e dos processos metabólicos do intestino.6
O hidrogénio e o metano são produzidos por fermentação bacteriana de resíduos de hidratos de carbono no cólon.6,7
A maioria do hidrogénio produzido é consumida nos processos metabólicos do cólon ou eliminada.6,9 Algumas pessoas produzem grandes quantidades de metano, outras, pouco ou nenhum.9 As fezes dos indivíduos que produzem
muito metano podem flutuar na água porque este gás contido nas fezes reduz a sua densidade.4,6
O dióxido de carbono pode ser produzido por metabolismo bacteriano, mas a fonte mais importante é a reacção
dos iões bicarbonato e hidrogénio. Estes últimos podem proceder do ácido gástrico ou exogenamente dos ácidos
gordos libertados durante a digestão das gorduras.9 O dióxido de carbono é maioritariamente absorvido, com pouca eliminação rectal.6 Há alimentos que produzem gás numas pessoas e não noutras. Algumas bactérias do intestino podem destruir o hidrogénio que outras produzem;3,4 o balanço entre os dois tipos de bactérias pode explicar
que algumas pessoas tenham mais gás do que outras.3 A maioria dos alimentos que contêm hidratos de carbono
pode causar gás, gorduras e proteínas causam pouco.4
Existem muitas circunstâncias associadas ao aumento da produção de gás, como engolir demasiado ar, ingestão
de alimentos ricos em hidratos de carbono não absorvíveis e alteração brusca na alimentação, entre outras.1 A salivação excessiva pode aumentar a aerofagia, e pode também estar associada com vários problemas gastrointestinais, como a utilização de dentaduras mal ajustadas ou alguns medicamentos.9
Entre os que padecem de síndrome do intestino irritável são significativas a distensão abdominal e flatulência.4,8,10
As queixas de eructação excessiva são comuns em doentes com refluxo gastroesofágico,3,4,6 que engolem múltiplas
vezes para expelir ácido do esófago ou para neutralizar o esófago com a saliva, mais alcalina.8
Alterações no pH do cólon e alguns antibióticos podem contribuir para alterar o equilíbrio de bactérias responsáveis
pela produção de gás. Também o fazem outras medicações como narcóticos, anticolinérgicos, bloqueadores de canais do cálcio, acarbose e miglitol.5
A motilidade alterada pode contribuir para os sintomas.5,9 Um esvaziamento gástrico insuficiente pode apresentarse com plenitude abdominal.8
Menos frequentemente, o meteorismo é um sintoma de quadros digestivos como suboclusão intestinal, intolerância
à lactose e outros.1 A intolerância à lactose ocorre por deficiência da enzima lactase. Causa diarreia e produção de
gás devido à fermentação da lactose pelas bactérias gastrointestinais.4,5
Quando há gás no intestino algumas pessoas têm dor. Na parte esquerda do cólon pode ser confundido com uma
doença cardíaca; no lado direito, podem imitar a dor associada a cálculos ou apendicite.3,4
Doença celíaca, insuficiência pancreática e outras causas de malabsorção de hidratos de carbono também devem
ser consideradas em casos de gás excessivo no cólon.9
ficha técnica n.º 73
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TRATAMENTO
Deve-se tratar de identificar a causa das queixas, conhecer a duração do problema, rever os hábitos dietéticos,
os problemas médicos e o uso de medicamentos.5
A base do tratamento é regular a ingestão de alimentos flatulentos e assumir determinados comportamentos 1,5
que podem ajudar a diminuir os sintomas:
Alguns doentes beneficiam da redução do consumo de alimentos associados à produção de gás:4,8 leguminosas
secas (fava, feijão, grão, …);1-8 vegetais (couve, brócolo, cebola...);2-5,7 frutos (maçã, pêra, pêssego,...);1,4 amido
(de batata, alguns cereais como trigo, massa);1,3 alimentos ricos em gordura;5 produtos com extracto de malte.7
Frequentemente é necessária uma dieta de restrição para identificar os principais alimentos responsáveis,8 recomendando a interrupção destes durante algum tempo.5 O leite pode ser eliminado durante um par de semanas
para identificar uma possível intolerância à lactose.1 Neste caso deve-se evitar o leite e produtos lácteos ou usar
suplemento da enzima lactase.1,5,8,9 Pode-se consumir iogurte, queijo semicurado ou curado e manteiga.1
– Comer lentamente, mastigando e salivando bem os alimentos.1,2,7 Não se deve falar excessivamente durante a
refeição.1
– Evitar o consumo de rebuçados e pastilha elástica, que podem aumentar os sintomas pela produção excessiva
de saliva e aumento da deglutição de ar ao mastigar.1,5,6
– Evitar as bebidas carbonatadas,1-3,5,6,8, beber poucos líquidos durante as refeições e evitar dispositivos para a
sua ingestão (palhinhas).2 Não se deve beber em posição deitada nem deitar-se imediatamente depois de comer.1
– Evitar a obstipação crónica, já que pode facilitar a acumulação de gases intestinais.1,5
– Evitar o tabaco, por ser um irritante gástrico e gerador de aerofagia.1,2,5,6,9
– Deve-se manter uma higiene bucal adequada.1,5
Os fármacos podem ajudar a diminuir as moléstias, mas o seu papel benéfico sobre os sintomas a longo prazo é
limitado.1,5 São utilizados:
– Antiespasmódicos para diminuir as moléstias ou a dor;1 alguns doentes com distensão abdominal beneficiam
com fármacos como mebeverina, diciclomina, hioscina ou óleo de hortelã-pimenta, mas a evidência de eficácia
não é clara.6
– Procinéticos como cisapride,6,8,9 metoclopramida ou eritromicina6 favorecem o trânsito intestinal.1 Podem ser
úteis em alguns doentes com problemas de motilidade como por exemplo atraso no esvaziamento gástrico.8
– Antidepressores em baixas doses diminuem o aumento de sensibilidade à distensão abdominal.1,8
– Antiflatulentos como a simeticone que desagrega pequenas bolhas de gás,1,5,9 podendo desta forma ser eliminadas mais facilmente.5 Pode proporcionar alívio sintomático.5
– O carvão activado (micronizado) pode por vezes ajudar a reduzir o gás e o cheiro desagradável. No entanto,
a tendência para tingir a roupa e a mucosa bucal torna desagradável o seu emprego.9 Não mostrou ser eficaz,
não está aprovado para esta situação e apresenta pouca palatabilidade.5
– Ansiolíticos para diminuição da ansiedade em doentes que engolem muito ar.1 A psicoterapia pode ajudar
estes doentes.6,8 Os arrotos frequentemente podem ser eliminados educando o doente para que possa reconhecer e parar a aerofagia.8
– A alfa galactosidase pode prevenir a produção de gás com certos alimentos.5 Administrada mesmo antes de
comer, degrada os açúcares produtores de gás.4 Produz galactose e deve ser evitada nos doentes com galactosemia e diabetes.5
– O fructoligossacárido é sugerido para a flatulência. É metabolizado selectivamente por bifidobactérias, lactobacillus e acidofilus. Estas bactérias podem proliferar evitando o crescimento de flora desaconselhável no cólon,
impedindo assim a produção de gás. Não há ensaios controlados.6
Em geral, a acumulação de gases, a distensão e a flatulência apresentam cursos intermitentes. A presença de gás
intestinal é uma queixa comum, ouvida pelos farmacêuticos. É importante assegurar ao doente que habitualmente estes problemas não são prejudiciais para a saúde,9 mas podem indicar o início de doenças ou problemas
funcionais intestinais.6 Pode ser necessário tratamento se se agravar o problema ou for acompanhado de dor abdominal, vómitos ou diarreia,3,7 perda de peso, alteração dos hábitos intestinais ou febre.3 Nestes casos é necessária atenção médica10 e também nos idosos, especialmente com início recente de sintomas.9
Aurora Simón
Bibliografia
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