Licenciamento ambiental de projetos com a presença de cavidades naturais subterrâneas: a evolução com a nova legislação 14º Congresso Brasileiro de Mineração Belo Horizonte, 26-29 setembro de 2011 Maria Jose Gazzi Salum Departamento de Engenharia de Minas da UFMG Cavidades Naturais Subterrâneas - Evolução da Legislação Brasileira • Constituição Federal de 1988 – Art. 20. São bens da União: .... X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; ... • Decreto 99.556/1990 – Considera as cavidades naturais subterrâneas como patrimônio cultural brasileiro – Define cavidade natural subterrânea como todo e qualquer espaço subterrâneo, penetrável pelo homem, independentemente de suas dimensões ou do tipo de rocha encaixante – Admite a utilização das cavidades apenas para atividades que assegurem suas integridades físicas e equilíbrio ecológico Resolução Nº 347/2004 CONAMA • Institui o conceito de relevância da cavidade e define parâmetros/atributos que devem ser avaliados • Estabelece que o órgão ambiental definirá a área de proteção e que poderá exigir estudos específicos para definí-la; – Enquanto o órgão ambiental não define: perímetro de 250 m em forma de poligonal convexa a partir de suas projeções horizontais. • Admite a possibilidade, mediante processo de licenciamento ambiental e anuência do IBAMA, de implantação de empreendimentos e atividades poluidoras ou degradadoras do patrimônio espeleológico A Resolução 347/04 contraria o Decreto 99.556/90, que não permite a alteração da estrutura física ou conteúdo biótico das cavidades. Cavidades Naturais Subterrâneas - Evolução da Legislação Brasileira (Cont.) • 2005 – CECAV/IBAMA: decide paralisar os licenciamentos para resolver as pendências jurídicas entre o Decreto 99.556/90 e a própria Resolução CONAMA 347/04 • 2008 – Decreto 6.640 • 2009 – IN 02 do MMA Análise do Decreto 6.640/08 • O Decreto traz um novo contexto para as cavidades naturais subterrâneas: – Retira o enquadramento das cavidades como patrimônio histórico-cultural; – Classifica as cavidades, de acordo com seus graus de relevância, em máxima, alta, média e baixa; – Admite a supressão de cavidades, exceto as de máxima relevância; – Condiciona o impacto em cavidades de alta e média relevância, da seguinte forma: • Alta relevância: preservação de 2 cavidades testemunho ou, em casos específicos, compensação ambiental, definida pelo ICMBIO em comum acordo com o empreendedor; • Média relevância: compensação ambiental, definida pelo órgão ambiental competente para o licenciamento. Problemas Práticos Para a Preservação de Cavidades Testemunho • • • Imobilização de territórios para outros usos Conflitos jurídicos (mineral, direito à propriedade, etc.) Problema Conceitual A preservação de cavidades de alta relevância tem concepção numérica e não de representatividade para memória e uso científico de um recursos natural (para a atual e futuras gerações) O Decreto foi sábio ao possibilitar a substituição das cavidades testemunho por compensação ambiental (§ 3º, art. 4º) Análise do Decreto 6.640/08 • Especifica os 12 atributos que classificam uma cavidade como de relevância máxima e remete à uma IN do MMA estabelecer a metodologia de classificação das demais relevâncias. • Alguns dos atributos das cavidades de máxima relevância são muito subjetivos. Exemplos: – Dimensões notáveis em extensão, área e/ou volume; – Gênese única ou rara. • O Decreto mantém a lógica do Decreto 99.556/90 de descontextualizar as cavidades dos demais recursos ambientais e condições socioeconômicas dos locais em que se inserem. Legislação em Outros Países Estados Unidos • As cavidades pertencem ao proprietário da terra • Lei Federal (Federal Cave Resources Protection Act, 1988) aplicável apenas às terras federais • 26 outros Estados possuem suas próprias leis • Todas elas respeitam o “direito de propriedade”. • A Lei federal é similar à brasileira, mas limita-se a estabelecer regras para as cavidades significativas (= máxima relevância no Brasil) Canadá • A proteção de cavidades está associada a uma avaliação da sua importância no contexto ecossistêmico da área em se insere e não na importância da cavidade em si. • Estão estrategicamente localizadas em 12 dos 41 parques existentes no país. • Um grupo de 6 parques no oeste canadense está elaborando normas para a classificação e acesso às cavidades (2005): – Classe 1: elevados recursos naturais, proibido o uso para recreação; – Classe 2: visitação e uso recreativo sob autorização; – Classe 3: visitação e uso para recreação irrestritos. Europa • Como no Canadá, existe uma política orientada para a conservação da biodiversidade de forma integrada (European Commission Environment) • Essa política consiste na formulação de diretrizes que estuda e propõe quais habitats e espécies são importantes para a conservação, no âmbito da Europa. • Objetivo: criar uma rede ecológica européia de zonas especiais de preservação denominada «Natura 2000». • Na versão de 2007 dessas diretrizes, na listagem de Tipos de Habitats Naturais de Interesse da Comunidade, cuja Conservação Requer a Designação de Áreas Especiais de Conservação, estão incluídas as cavidades que se encontram em estado natural de conservação. • Vinte e sete países europeus são, atualmente, membros do Natura 2000 Visão Sistêmica de Cavidades no Canadá e Europa X Visão Pontual no Brasil • A visão pontual sobre as cavidades naturais subterrâneas contida no Decreto foi aplicada para as cavidades de máxima relevância e por suas importâncias é possível justificá-la. • Mas, não há nada no Decreto que impeça a integração das cavidades classificadas nos demais graus de relevância ao ecossistema e às condições socioeconômicas locais. • Contudo, a IN 02/09 manteve o mesmo contexto de cavidade como recurso natural individualizado. A IN 02/2009 do MMA • A análise da IN 02/2009 mostra que, em alguns momentos, ela extrapolou suas funções, estabelecendo regras contraditórias às do próprio Decreto, modificando alguns dos seus princípios básicos. • De uma forma geral, a análise que será apresentada identifica na IN 02/2009 um posicionamento de preservação de cavidades naturais subterrâneas mais rígido e acentuado que o do próprio Decreto que a originou. Das definições dos atributos das cavidades de máxima relevância • Não foi atribuído à IN interferir, definir ou modificar os atributos que classificam uma cavidades como de relevância máxima, como ela o fez. Decreto 6.640/2008 Definição no Anexo I da IN 02/2009 Observações Gênese Única ou Rara Cavidade que, no universo de seu entorno (escala local ou regional) e litologia apresente algum diferencial, com relação ao seu processo de formação e dinâmica evolutiva. “Algum diferencial” não é o que define único ou raro. De acordo com o Dicionário Aurélio, único significa “que só existe um no seu gênero ou espécie” e raro o que é uma exceção à regra Abrigo essencial para a preservação de populações geneticamente viáveis de espécies animais em risco de extinção, constantes de listas oficiais. Cavidade que compreenda um abrigo, ou parte importante Exclusão da palavra essencial. do habitat de espécies constantes de lista oficial, “Ser parte importante do habitat” não é ser essencial. nacional ou do estado de localização da cavidade, de espécies ameaçadas de extinção. Da metodologia de classificação dos graus de relevância alto, médio e baixo Incoerências e extrapolação de competência em relação ao Decreto 6.640/2008 – Questionamentos Um único atributo classificando uma cavidade • A IN 02/2009 reproduziu para as cavidades de alto médio e baixo grau de relevância, a metodologia utilizada pelo Decreto para as cavidades de máxima relevância: 1 atributo é suficiente para enquadrar a cavidade. • Essa metodologia do Decreto é uma exceção à regra geral, por esta razão está excepcionalizado em um parágrafo do artigo que rege a regra geral • Regra Geral do Decreto: Artigo 2º : “A cavidade natural subterrânea será classificada de acordo com seu grau de relevância em máximo, alto, médio ou baixo, determinado pela análise de atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob enfoque regional e local.” Impossibilidade de reproduzir um atributo de cavidade de alta relevância em cavidade testemunho • Atributo Localidade Tipo, definido no Anexo I como “Caverna citada como local geográfico de onde foram coletados os exemplares tipo utilizados na descrição de determinada espécie ou táxon superior”. • Há outros atributos listados na IN que embora sejam passíveis de reprodução em outras cavidades perdem seu sentido diante da possibilidade de impacto na cavidade (Ex. Presença de registros paleontológicos). • Questões como resgate, salvamento, deveriam ser, nesses casos, prioritárias em relação à preservação de duas cavidades testemunho. Dificuldades Operacionais da IN 02/2009 • Tempo de execução da análise de atributos das cavidades (59 atributos), considerando: – Falta de profissionais especializadas e com experiência em espeleologia; – Tempo para amostragem do material biológico (ciclo anual, com duas amostragens: estação seca e chuvosa); – Pouco conhecimento sobre bioespeleologia • Problema é acentuado para empreendimentos já licenciados e com produção compromissada de minério. Dificuldades Operacionais da IN 02/2009 • Uso de cálculos estatísticos considerando o pequeno universo de cavidades que têm os atributos da IN avaliados. Exemplo: – Projeção horizontal: média em relação às cavidades que se distribuem na mesma unidade espeleológica. – cavidades que se distribuem na mesma unidade espeleológica: todas ou uma amostragem delas? • Há ressalvas para o uso de amostragem, embora se utilize cálculos estatísticos. Conclusões • A edição do Decreto 6.640/2008 foi um marco importante para o setor mineral porque passou a viabilizar impactos em cavidades naturais subterrâneas. • A despeito de problemas pontuais, é na IN 02/2009 que são registrados as reais dificuldades com a legislação vigente. • A IN 02/2009 está calcada em uma visão segmentada e descontextualizada das cavidades naturais subterrâneas. Conclusões (cont.) • A IN 02/09 apresenta incoerências em relação ao Decreto 6.640/2008 que a fragilizam juridicamente. • Apresenta incoerências internas, conceituais, que fragilizam sua operacionalidade. • Hoje, com o acumulo do conhecimento sobre as dificuldades de operacionalização da IN 02/2009, urge que ela seja revista, tal como previsto no seu próprio texto legal. É Possível Compatibilizar! Obrigada! [email protected] [email protected]