revisão Cardiomiopatia periparto Peripartum cardiomyopathy Almir Antônio Urbanetz1 Elaine Aparecida Carraro2 Luciana França Kalache2 Patricia França Kalache3 Paulo Henrique Farias Lobo2 Helio Germiniani4 Denis José Nascimento5 Palavras-chave Complicações na gravidez Cardiomiopatia dilatada Gravidez de alto risco Keywords Pregnancy complications Cardiomyopathy, dilated Pregnancy,high-risk Resumo A cardiomiopatia periparto (CMPP) é uma forma de cardiomiopatia dilatada, caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca sistólica no período entre o último mês da gravidez e os cinco meses pós-parto. A incidência estimada varia entre 1/1.300 a 1/15.000 gestações. Admitem-se como fatores de risco para CMPP a idade materna avançada, multiparidade, raça negra, gestação gemelar, obesidade, pré-eclâmpsia e doença hipertensiva gestacional. A etiologia da CMPP permanece incerta, mas possíveis causas têm sido propostas, incluindo miocardite, resposta imune anormal a gravidez, má resposta adaptativa hemodinâmica à gestação, citocinas ativadas pelo stress, infecção viral, uso prolongado de tocolíticos, hereditariedade, déficits nutricionais e distúrbios hormonais. Os sinais e sintomas presentes na CMPP são semelhantes aos que aparecem em pacientes com insuficiência cardíaca de outras causas. O diagnóstico é confirmado pelo ecocardiograma, que mostra objetivamente a presença de disfunção ventricular esquerda. O tratamento é semelhante ao da insuficiência cardíaca de outras etiologias, sendo os inibidores da enzima de conversão da angiotensina e os bloqueadores dos receptores da angiotensina II evitados durante a gravidez (devido aos efeitos tóxicos para o feto), porém indicados no período puerperal, não interferindo na lactação. O papel dos imunossupressores no tratamento da CMPP ainda é controverso. Estudos bem desenhados são fundamentais para que se descubra a etiologia, que poderá orientar um tratamento específico, levando a uma melhor evolução dos pacientes com essa doença. Abstract Peripartum cardiomyopathy (PPCM) is a disorder of dilated cardiomyopathy and left ventricular dysfunction occurring in the last month of pregnancy or within five months postpartum. Incidence of PPCM ranges from 1/1,300 to 1/15,000 pregnancies. Risk factors for PPCM include advanced maternal age, multiparity, African race, twin pregnancies, obesity, preeclampsia and gestacional hypertension. The etiology of PPCM is unknown, but many hypotheses have been proposed including myocarditis, abnormal immune response to pregnancy, maladaptative response to the hemodynamic stresses of pregnancy, stress activated cytokines, viral infection, prolonged tocolysis, heredity, nutritional and hormonal disorders. Symptons and signs of PPCM are similar to the one of those patients with heart failure of other causes. The diagnosis is confirmed with the echocardiographic identification of left ventricular systolic dysfunction. The treatment of PPCM is similar to medical therapy for other forms of cardiac failure. In spite of that, the use of angiotensinconverting enzyme inhibitor and angiotensin receptor blocker is contraindicated because of the potencial toxic effects on the fetus; they can be used in puerperal period and during lactation. Further researches are needed to discover the peripartum cardiomyopathy’s etiology; they will be able to guide a specific treatment and a better prognostic for the patients with this disease. Professor Titular do Departamento de Tocoginecologia do Setor de Ciências da Saúde da UFPR – Curitiba (PR), Brasil Médicos formados pela UFPR – Curitiba (PR), Brasil Doutoranda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) – Curitiba (PR), Brasil 4 Cardiologista; Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica do Setor de Ciências da Saúde da UFPR – Curitiba (PR), Brasil 5 Professor Adjunto do Departamento de Tocoginecologia do Setor de Ciências da Saúde da UFPR – Curitiba (PR), Brasil 1 2 3 Urbanetz AA, Carraro EA, Kalache LF ,Kalache PF, Lobo PH, Germiniani H, Nascimento DJ Introdução Epidemiologia A cardiomiopatia periparto (CMPP) é uma forma rara de cardiomiopatia dilatada, que acomete mulheres no período compreendido entre o último mês de gestação e os cinco meses que sucedem o parto. Apesar das várias etiologias propostas, nenhuma ainda é unânime, sendo necessário esclarecer a patogênese dessa doença. Estudos demonstram que a mortalidade atualmente é menor que aquela historicamente relatada. Tal fato pode decorrer dos avanços no tratamento preconizado atualmente, os quais se baseiam nos medicamentos similares aos usados em insuficiência cardíaca de outras etiologias. Esta revisão tem por objetivo, além de traçar o histórico, epidemiologia e quadro clínico da CMPP, descrever o progresso obtido no tratamento destas pacientes. Sendo uma síndrome rara, os valores de incidência da CMPP encontrados na literatura apresentam alguma variabilidade, estimando-se entre 1/1.300 a 1/15.000 nascidos vivos. Estão relatadas diferenças regionais importantes, com nichos de maior incidência em certos países africanos (1/1.000) e no Haiti (1/300).4 Mielniczuk et al. analisaram dados do National Hospital Discharge Survey do período de 1990 a 2002, com o intuito de estimar a incidência desta patologia nos Estados Unidos.5 A partir desses dados, obteve-se uma incidência de um caso para cada 3.189 nascidos vivos. Verificou-se também tendência a aumento da incidência da doença, já que entre 2000 e 2002 a taxa foi de 1/2.289. Tal fato pode estar relacionado ao aumento da idade materna e da multiparidade. A literatura admite como fatores de risco para a CMPP: idade materna avançada, multiparidade, raça negra, gestação gemelar, obesidade, pré-eclâmpsia e hipertensão arterial sistêmica.6 No entanto, alguns estudos não encontraram significância estatística para alguns desses fatores. Os maiores estudos prospectivos já realizados, no Haiti e África do Sul, não mostraram uma relevância de idade avançada, multiparidade e uso de tocolíticos por um longo período como fatores de risco.7,8 Contesta-se o papel da raça negra como fator de risco isolado da CMPP, já que a hipertensão é mais prevalente nessa população e poderia justificar o fato de a CMPP ser mais frequente nessa raça.9 Histórico e definição A CMPP é uma forma específica de cardiomiopatia dilatada, caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca sistólica no período entre o ultimo mês da gravidez e os cinco meses pós-parto.1 O primeiro relato de insuficiência cardíaca congestiva em gestantes, data do século 19. Em 1937, detectou-se que a causa da insuficiência cardíaca era uma cardiomiopatia dilatada que provavelmente estava associada à gestação. Demakis et al. definiram critérios diagnósticos de cardiomiopatia periparto2 (Quadro 1). Em 1997, os participantes do National Heart, Lung and Blood Institute (NHLBI) em conjunto com o Office of Rare Disease of the National Institutes of Health reafirmaram os critérios de Demakis e instituíram os critérios ecocardiográficos necessários ao diagnóstico de disfunção sistólica3 (Quadro 2). Quadro 1 - Critérios diagnósticos de CMPP 1. Insuficiência cardíaca no último mês de gestação ou nos primeiros cinco meses pós-parto 2. Ausência de cardiopatia prévia 3. Etiologia desconhecida 4. Disfunção sistólica documentada Fonte: Demakis et al.2 Quadro 2 - Critérios ecocardiográficos para o diagnóstico de CMPP Fração de ejeção menor que 45% Encurtamento percentual menor que 30% Diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo maior que 2,7 cm/m2 Fonte: Fennira et al.3 14 FEMINA | Janeiro 2009 | vol 37 | nº 1 Etiologia A etiologia da CMPP permanece incerta, mas diversas causas têm sido propostas, incluindo miocardite; resposta imune anormal a gravidez; má resposta adaptativa hemodinâmica à gestação; citocinas ativadas pelo stress; infecção viral; uso prolongado de tocolíticos; hereditariedade; déficits nutricionais e distúrbios hormonais. Há maior evidência para sustentar miocardites e processos autoimunes como causas mais prováveis dessa doença.10 Rizeq et al. em um estudo retrospectivo encontraram uma baixa incidência de miocardite (8,8%).11 Por sua vez, Felker et al. relataram uma prevalência de 62% de miocardite em achados histológicos de biópsia endomiocárdica, realizada em 42 pacientes.12 A razão dessa discrepância de valores entre os estudos é incerta. Sugere-se que o tempo de biópsia em relação ao início dos sintomas pode ser um fator significante. Outras variáveis incluem dificuldades inerentes ao estabelecimento do diagnóstico de miocardite pela biópsia (considerando-se a natureza focal do processo inflamatório), Cardiomiopatia periparto a inclusão de pacientes com miocardite borderline em algumas estatísticas e a potencial variabilidade geográfica da população de pacientes afetados. A presença de inflamação à biópsia não tem sido útil para predizer a evolução da CMPP.12 Evidências sugerem uma associação de CMPP e pneumonia por Chlamydia sp. Um estudo identificou a relação entre anticorpos anticlamídia e CMPP em Niamey na África.13 Um gatilho viral para o desenvolvimento de CMPP foi postulado e investigado em alguns estudos. Bültmann et al. identificaram genoma viral em biópsias endomiocárdicas de pacientes com CMPP; entretanto, a mesma incidência e tipo de positividade viral foi notada nos pacientes controle.14 Achados de estudos provenientes da África do Sul e Haiti suportam a hipótese de que uma ativação imune anormal contribua para a patogênese da CMPP. Sliwa et al. identificaram concentrações aumentadas de fator de necrose tumoral alfa (TNFα), interleucina-6 (IL-6), um marcador de apoptose (Fas/ APO-1) e proteína C reativa no sangue de mulheres com CMPP.15 Entretanto, não foram encontradas diferenças na imunidade humoral entre 39 mulheres nigerianas com CMPP quando comparadas com controles.16 Lamparter et al. identificaram a presença de autoanticorpos contra o tecido cardíaco em todos os pacientes pesquisados.17 Alguns autores postularam que, após o parto, anticorpos são formados devido à rápida degeneração do útero, levando a fragmentação do tropocolágeno por enzimas colagenolíticas, levando à liberação de actina, miosina e seus metabólitos. Anticorpos são formados contra a actina e podem fazer reação cruzada com o miocárdio, resultando numa cardiomiopatia. Alguns autores acreditam que, durante a gravidez células fetais de origem hematopoiética atravessam a placenta e atingem a circulação materna e o tecido cardíaco. Como resultado da natural imunossupressão materna durante a gravidez, essas células não são rejeitadas. No período periparto ocorre uma recuperação imunológica e as células fetais no tecido cardíaco servem como gatilho de uma resposta autoimune. A desnutrição e os déficits nutricionais, especialmente deficiência de selênio e tiamina, foram inicialmente vinculadas com a CMPP. Estudos posteriores contradizem tais hipóteses. Alguns estudos têm associado à CMPP com uso prolongado de terbutalina; entretanto não está claro se esse agente induz a cardiomiopatia ou torna evidente uma cardiopatia subclínica. É provável que a etiologia da CMPP seja multifatorial e que a busca por uma causa seja dificultada pela raridade da doença em países desenvolvidos, onde há mais recursos para pesquisa; pela inobservância aos critérios diagnósticos e pela heterogeneidade da população estudada.4 Manifestações clínicas e o diagnóstico Os sinais e sintomas presentes na CMPP são semelhantes aos que aparecem em pacientes com insuficiência cardíaca de outras causas. Contudo, é importante salientar que muitas mulheres no final de uma gestação normal podem apresentar sintomas como dispneia, fadiga, edema de membros inferiores, que são semelhantes aos que aparecem na insuficiência cardíaca congestiva; porém, a dispneia paroxística noturna deve levantar a suspeita de descompensação cardíaca. Não há critérios clínicos específicos para diferenciação entre tais sintomas de uma gravidez em estágio final e insuficiência cardíaca. Assim, o diagnóstico de CMPP baseia-se em um alto índice de suspeição, em associação com o período de desenvolvimento dos sintomas (persistência ou piora do quadro no último mês de gravidez ou no puerpério inicial) e identificação ecocardiográfica de disfunção sistólica ventricular esquerda.9 Sintomas comumente presentes na CMPP incluem: dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna, fadiga, tosse noturna, dor abdominal, dor precordial, palpitações, hemoptise, anorexia e astenia. O exame físico pode revelar pressão arterial normal ou elevada, ingurgitamento jugular, taquicardia, cardiomegalia, presença de terceira bulha, hiperfonese da segunda bulha pulmonar, regurgitação mitral e/ou tricúspide, estertores pulmonares, edema periférico, ascite e hepatomegalia. A apresentação clínica com arritmia e eventos embólicos não é incomum; casos de taquicardia ventricular, tromboembolismo, trombose ventricular, embolismo pulmonar e infarto embólico miocárdico têm sido relatados. Alterações tromboembólicas são mais comumente encontradas em pacientes com CMPP do que naqueles com insuficiência cardíaca de outras etiologias.3 O diagnóstico diferencial de CMPP deve ser feito com infarto miocárdico, sépsis, pré-eclâmpsia severa, embolia de líquido amniótico e tromboembolismo pulmonar.18 Os exames complementares úteis para fazer a diferenciação incluem: eletrocardiograma, raio X de tórax e ecocardiograma. O papel diagnóstico da biópsia endomiocárdica no diagnóstico da CMPP é atualmente controverso e, portanto, esse método não é usado rotineiramente. O eletrocardiograma geralmente demonstra uma taquicardia sinusal. Porém, arritmias podem estar presentes. Hipertrofia ventricular esquerda, onda T invertida, onda Q e alterações do segmento ST também podem ser encontradas. Os achados radiográficos são inespecíficos, podendo ser encontrados congestão pulmonar, cardiomegalia, derrame pleural bilateral e infiltrado basilar pulmonar.19 O diagnóstico é confirmado pelo ecocardiograma que mostra objetivamente a presença de disfunção ventricular esquerda (Quadro 2). FEMINA | Janeiro 2009 | vol 37 | nº 1 15 Urbanetz AA, Carraro EA, Kalache LF ,Kalache PF, Lobo PH, Germiniani H, Nascimento DJ Tratamento O tratamento da CMPP inclui restrições na dieta e mudanças no estilo de vida, os quais são importantes e complementam apropriadamente a terapia farmacológica. Restrição de sódio (menos de 4 g por dia) e diminuição da ingesta hídrica (menos de 2 L em 24 horas) são importantes, particularmente em pacientes com classe funcional NYHA 3 e 4. A parada do tabagismo e etilismo deve ser amplamente enfatizada. É preconizada a redução do peso, se necessário e, exercícios regulares. A deambulação precoce deve ser estimulada, em virtude do risco de desenvolvimento de eventos tromboembólicos. O tratamento de condições associadas, tais como anemia, tireoidopatias, diabetes mellitus e deficiências nutricionais é fundamental.6 O tratamento farmacológico da CMPP segue os princípios gerais da terapêutica da insuficiência cardíaca sistólica. Porém, aspectos particulares relacionados com a segurança dos fármacos têm que ser equacionados em virtude da vulnerabilidade fetal, dos riscos maternos e do período de amamentação. Têm-se como objetivos reduzir a pré-carga e a pós-carga, além de aumentar a contratilidade cardíaca. Com o intuito de diminuir a pós-carga, os inibidores da enzima conversora de angiotensina e os bloqueadores do receptor de angiotensina II seriam o tratamento via oral ideal, porém, infelizmente, são contraindicados durante a gestação, em virtude do potencial risco de teratogenicidade, efeitos renais neonatais e óbito neonatal. Dessa forma, deve-se utilizar amlodipina ou a associação de nitratos e hidralazina. A amlodipina tem um efeito adicional de diminuir a contratilidade uterina, sem causar efeitos inotrópicos negativos, comuns aos demais agentes bloqueadores de canais de cálcio. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina são a principal escolha no período pós-parto, mesmo em mulheres que estão amamentando. A diminuição da pré-carga é obtida por meio do uso de nitratos ou diuréticos. Entretanto, deve-se usar com cautela os diuréticos na gestação, no intuito de evitar desidratação materna, o que pode causar hipoperfusão uterina e sofrimento fetal. Há relatos de diátese hemorrágica e hiponatremia em recém-nascidos, relacionados com a administração de diuréticos tiazídicos.1 A digoxina tem um efeito inotrópico positivo, sendo útil, sobretudo em casos de arritmias supraventriculares.20 No tratamento da doença grave ou de pacientes gravemente, sintomáticos agentes intravenosos redutores da pré e pós-carga (nitroprussiato e nitroglicerina) ou agentes inotrópicos (dopamina, dobutamina e milrinona) devem ser considerados. Os efeitos da atividade excessiva do sistema nervoso simpático podem ser inibidos através da utilização de baixas doses de 16 FEMINA | Janeiro 2009 | vol 37 | nº 1 beta-bloqueadores. Contudo, sua utilização no pré-parto deve ser cautelosa, pois o uso prolongado propicia aumento dos índices de crescimento intrauterino restrito e baixo peso ao nascer. Os agentes seletivos β1 são preferíveis, pela menor interferência com o relaxamento uterino e vasodilatação mediadas por receptores β2. Tanto o carvedilol (beta-bloqueador não-seletivo com atividade anti-α1 ) como o metoprolol (β1 seletivo) são aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA) para uso crônico na insuficiência cardíaca. Caso haja arritmias, deve-se tratá-las agressivamente, particularmente em pacientes sintomáticos (com palpitação, síncope ou tontura). Beta-bloqueadores são adequados para o tratamento de arritmias supraventriculares. Bloqueadores do canal de cálcio (diltiazem) e antiarrítmicos classe III (sotalol e amiodarona) podem ser necessários para tal fim. Sotalol e amiodarona têm vários efeitos colaterais sistêmicos (hipotireoidismo fetal, parto prematuro, bradicardia fetal, bloqueio cardíaco e hipotensão) quando utilizados cronicamente: hiperpigmentação cutânea, hepatotoxicidade, toxicidade pulmonar, neuropatia periférica e disfunções tireoideanas, efeitos proarrítmicos, de forma que seu uso deve ser cuidadosamente avaliado. Os bloqueadores de canal de cálcio, por serem inotrópicos negativos, podem descompensar pacientes estáveis, quando usados por longo período.6 Pacientes sintomáticos com arritmia ventricular são candidatos ao uso de desfibrilador implantável. O papel dos imunossupressores no tratamento da CMPP é baseado em evidências de que a doença seja resultado de miocardite. A terapia imunossupressora pode ser considerada, se uma biópsia endomiocárdica indicar a presença de miocardite e se não houver melhora da função ventricular esquerda a despeito do tratamento padrão. Estudos adicionais são necessários para definir o exato papel desses agentes no tratamento da CMPP. Os inibidores de citocinas inflamatórias podem ter um papel no tratamento dos pacientes com CMPP, já que os níveis de TNFα são maiores nessas pacientes. A pentoxifilina, um inibidor do TNFα, foi avaliada em um estudo prospectivo com 59 pacientes com CMPP. O grupo que recebeu pentoxifilina (400 mg, três vezes ao dia), associada ao tratamento padrão para insuficiência cardíaca, teve uma significante melhora clínica, se comparado ao grupo que não utilizou essa medicação.21 O transplante cardíaco é a última alternativa naquelas pacientes que apresentam piora da insuficiência cardíaca com o tratamento clínico.3 Geralmente, é associado a bom prognóstico (88% de sobrevida em dois anos, 78% em cinco anos), similar ao que ocorre em pacientes com cardiomiopatia idiopática. Devido ao estado de hipercoagulabilidade próprio da gestação, à diminuição da fração de ejeção em pacientes com Cardiomiopatia periparto CMPP, à estase e ao fluxo turbulento num coração dilatado, a CMPP é uma condição de risco para a ocorrência de fenômenos tromboembólicos. Portanto, o uso de anticoagulantes deve ser considerado nessas pacientes. Os anticoagulantes orais devem ser evitados durante a gestação devido ao risco de hemorragia fetal e/ou neonatal. No início da gestação, deve-se levar em conta também o risco de teratogenicidade (classe D do FDA). No entanto, podem ser utilizados com segurança no pós-parto, pois não interferem na amamentação. Heparina subcutânea ou heparina de baixo peso molecular (enoxaparina ou nadroparina) são indicadas na anticoagulação profilática na gravidez. As heparinas de baixo peso molecular podem ser administradas em dose única diária, além da vantagem de reduzir o risco de trombocitopenia e osteopenia. A heparina, em uso prolongado, pode determinar o aparecimento de alguns efeitos colaterais como depleção da antitrombina III, trombocitopenia e osteoporose materna.19 Geralmente não é necessária a antecipação do parto em pacientes com CMPP, desde que a paciente esteja compensada clinicamente. Nessas pacientes, o parto vaginal é preferido. A vantagem do parto vaginal em relação à cesariana está na redução das complicações. O parto vaginal produz menos sangramento (500 mL no parto vaginal versus 1.000 mL na cesária), infecção, edema pulmonar e tromboflebite. A recuperação pós-parto é mais satisfatória. Deve-se dar especial atenção no sentido de reduzir o segundo estágio do parto. O encurtamento do período expulsivo do parto é feito para evitar os puxos maternos e a manobra de Valsalva, que levam a uma grande alteração hemodinâmica materna. A associação do controle da dor com contrações uterinas efetivas possibilita a descida do feto até um nível suficiente, para que possam ser usados métodos como fórceps ou vácuo extrator, no intuito de facilitar o parto. Em pacientes que não respondem ao tratamento convencional da CMPP, a indução do trabalho de parto por via vaginal pode ser considerada. A via de parto deve ser decidida com a participação do obstetra, cardiologista e anestesiologista.9 No período pós-parto, a terapia medicamentosa deve ser continuada. Aquelas pacientes que vinham sendo tratadas com hidralazina e nitratos podem passar a usar inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor de angiotensina II. em cerca de 50% dos pacientes.2 Felker et al. demonstraram que o prognóstico dos pacientes com CMPP é relativamente bom e tem uma baixa incidência de morte (7%) ou necessidade de transplante (7%). Essa melhora da sobrevida pode refletir avanços no manejo dos pacientes.12 Estudos relatam que em aproximadamente metade das pacientes a função ventricular normaliza habitualmente nos primeiros seis meses após o diagnóstico.1 Amos et al., em um estudo envolvendo 56 pacientes com CMPP, demonstraram que 75% destas recuperaram a função ventricular DOIS meses após o diagnóstico.24 O prognóstico é ruim em pacientes com cardiomiopatia persistente. A persistência da disfunção após seis meses do diagnóstico indica cardiomiopatia irreversível e menor sobrevida.10 O prognóstico parece ser pior nas mulheres de raça negra, com idade maior que 30 anos e multíparas. Um estudo comparando sobreviventes e não-sobreviventes mostrou que estas mulheres tinham uma maior fração de ejeção ventricular esquerda (22,8 versus 10,6%) e menor diâmetro diastólico final de ventrículo esquerdo (5,8 versus 6,9 cm), ao diagnóstico. Tal fato evidencia que esses dois parâmetros ecocardiográficos podem ser usados como fatores preditores da evolução da paciente.4 Vários estudos demonstraram que a taxa de recidiva de CMPP em futuras gestações é de 50 a 100%. Elkayam et al. avaliaram 60 gestações subsequentes em 44 mulheres com CMPP.22 Vinte e oito delas tiveram normalização da função ventricular depois da primeira gestação, enquanto 16 persistiram com algum grau de disfunção. Essas apresentaram maior porcentagem de sintomas associados à insuficiência cardíaca (44 versus 21%), maior mortalidade (19 versus 0%), maior taxa de partos prematuros (35 versus 11%) e de abortos terapêuticos (25 versus 4%) em gestações subsequentes. Portanto, naquelas pacientes que permanecem com disfunção ventricular após uma gestação com CMPP, prenhez futura deve ser desaconselhada. Lampert et al. evidenciaram que mulheres com parâmetros de função ventricular restabelecida, apresentavam redução da reserva contrátil durante o teste de estresse hemodinâmico com dobutamina.25 Portanto, mesmo nessas pacientes, deve-se ter cautela ao indicar gestações futuras. Prognóstico A CMPP é uma forma específica de cardiopatia dilatada, caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca sistólica que ocorre no período entre o último mês de gestação e os cinco meses pós-parto. A etiologia permanece desconhecida, provavelmente por ser multifatorial. O quadro clínico Os dados atuais revelam que a sobrevida a longo prazo da CMPP é melhor que a historicamente relatada.22,23 Os estudos de Demakis et al. mostravam uma taxa de evolução desfavorável Considerações finais FEMINA | Janeiro 2009 | vol 37 | nº 1 17 Urbanetz AA, Carraro EA, Kalache LF ,Kalache PF, Lobo PH, Germiniani H, Nascimento DJ é semelhante ao apresentado por pacientes com insuficiência cardíaca de outras etiologias. A propedêutica complementar inclui: raio X de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma. O manejo deve ser feito com mudanças no estilo de vida e orientações dietéticas. O tratamento farmacológico é semelhante à conduta adotada em pacientes com insuficiência cardíaca sistólica. A via de parto de escolha é a vaginal. Futuras gestações são desaconselhadas em pacientes que permanecerem com disfunção ventricular após a gravidez. O prognóstico é pior em multíparas, com idade maior que 30 anos e raça negra. Portanto, o obstetra deve estar atento a essa condição clínica, tanto no final da gravidez quanto no puerpério. Leituras suplementares 1. Sotto Maior T, Pinto F, Garcia R, Teixeira M, Martins L. Cardiomiopatia periparto? A propósito de um caso clínico. Rev Port Cardiol. 2006;25(7-8):717-22. 2. Demakis JG, Rahimtoola SH, Sutton GC, Meadows WR, Szanto PB, Tobin JR, et al. Natural course of peripartum cardiomyopathy. Circulation. 1971;44(6):105361. 3. Fennira S, Demiraj A, Khouaja A, Boujnah MR. La cardiomyopathie du péripartum. Annales de cardiologie et d’angéiologie. 2006;55(5):271-5. 4. Sliwa K, Fett J, Elkayam U. Peripartum cardiomyopathy. Lancet. 2006;368(9536):68793. 5. Mielniczuk LM, Williams K, Davis DR, Tang AS, Lemery R, Green MS, et al. Frequency of peripartum cardiomyopathy. Am J Cardiol. 2006;97(12):1765-8. 6. Murali S, Baldisseri MR. Peripartum cardiomyopathy. Crit Care Med. 2005;33(10 Suppl):340-6. 7. Fett JD, Christie LG, Carraway RD, Murphy JG. 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