revisão
Cardiomiopatia periparto
Peripartum cardiomyopathy
Almir Antônio Urbanetz1
Elaine Aparecida Carraro2
Luciana França Kalache2
Patricia França Kalache3
Paulo Henrique Farias Lobo2
Helio Germiniani4
Denis José Nascimento5
Palavras-chave
Complicações na gravidez Cardiomiopatia dilatada
Gravidez de alto risco Keywords
Pregnancy complications Cardiomyopathy, dilated
Pregnancy,high-risk
Resumo
A cardiomiopatia periparto (CMPP) é uma forma de cardiomiopatia dilatada,
caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca sistólica no período entre o último mês da gravidez
e os cinco meses pós-parto. A incidência estimada varia entre 1/1.300 a 1/15.000 gestações. Admitem-se como
fatores de risco para CMPP a idade materna avançada, multiparidade, raça negra, gestação gemelar, obesidade,
pré-eclâmpsia e doença hipertensiva gestacional. A etiologia da CMPP permanece incerta, mas possíveis causas têm
sido propostas, incluindo miocardite, resposta imune anormal a gravidez, má resposta adaptativa hemodinâmica
à gestação, citocinas ativadas pelo stress, infecção viral, uso prolongado de tocolíticos, hereditariedade, déficits
nutricionais e distúrbios hormonais. Os sinais e sintomas presentes na CMPP são semelhantes aos que aparecem
em pacientes com insuficiência cardíaca de outras causas. O diagnóstico é confirmado pelo ecocardiograma,
que mostra objetivamente a presença de disfunção ventricular esquerda. O tratamento é semelhante ao da
insuficiência cardíaca de outras etiologias, sendo os inibidores da enzima de conversão da angiotensina e os
bloqueadores dos receptores da angiotensina II evitados durante a gravidez (devido aos efeitos tóxicos para o
feto), porém indicados no período puerperal, não interferindo na lactação. O papel dos imunossupressores no
tratamento da CMPP ainda é controverso. Estudos bem desenhados são fundamentais para que se descubra a
etiologia, que poderá orientar um tratamento específico, levando a uma melhor evolução dos pacientes com
essa doença.
Abstract
Peripartum cardiomyopathy (PPCM) is a disorder of dilated cardiomyopathy
and left ventricular dysfunction occurring in the last month of pregnancy or within five months postpartum.
Incidence of PPCM ranges from 1/1,300 to 1/15,000 pregnancies. Risk factors for PPCM include advanced
maternal age, multiparity, African race, twin pregnancies, obesity, preeclampsia and gestacional hypertension.
The etiology of PPCM is unknown, but many hypotheses have been proposed including myocarditis, abnormal
immune response to pregnancy, maladaptative response to the hemodynamic stresses of pregnancy, stress
activated cytokines, viral infection, prolonged tocolysis, heredity, nutritional and hormonal disorders. Symptons
and signs of PPCM are similar to the one of those patients with heart failure of other causes. The diagnosis is
confirmed with the echocardiographic identification of left ventricular systolic dysfunction. The treatment of
PPCM is similar to medical therapy for other forms of cardiac failure. In spite of that, the use of angiotensinconverting enzyme inhibitor and angiotensin receptor blocker is contraindicated because of the potencial toxic
effects on the fetus; they can be used in puerperal period and during lactation. Further researches are needed to
discover the peripartum cardiomyopathy’s etiology; they will be able to guide a specific treatment and a better
prognostic for the patients with this disease.
Professor Titular do Departamento de Tocoginecologia do Setor de Ciências da Saúde da UFPR – Curitiba (PR), Brasil
Médicos formados pela UFPR – Curitiba (PR), Brasil
Doutoranda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) – Curitiba (PR), Brasil
4
Cardiologista; Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica do Setor de Ciências da Saúde da UFPR – Curitiba (PR), Brasil
5
Professor Adjunto do Departamento de Tocoginecologia do Setor de Ciências da Saúde da UFPR – Curitiba (PR), Brasil
1
2
3
Urbanetz AA, Carraro EA, Kalache LF ,Kalache PF, Lobo PH, Germiniani H, Nascimento DJ
Introdução
Epidemiologia
A cardiomiopatia periparto (CMPP) é uma forma rara de
cardiomiopatia dilatada, que acomete mulheres no período
compreendido entre o último mês de gestação e os cinco meses
que sucedem o parto. Apesar das várias etiologias propostas,
nenhuma ainda é unânime, sendo necessário esclarecer a patogênese dessa doença. Estudos demonstram que a mortalidade
atualmente é menor que aquela historicamente relatada. Tal fato
pode decorrer dos avanços no tratamento preconizado atualmente,
os quais se baseiam nos medicamentos similares aos usados em
insuficiência cardíaca de outras etiologias. Esta revisão tem por
objetivo, além de traçar o histórico, epidemiologia e quadro
clínico da CMPP, descrever o progresso obtido no tratamento
destas pacientes.
Sendo uma síndrome rara, os valores de incidência da
CMPP encontrados na literatura apresentam alguma variabilidade, estimando-se entre 1/1.300 a 1/15.000 nascidos vivos.
Estão relatadas diferenças regionais importantes, com nichos
de maior incidência em certos países africanos (1/1.000) e no
Haiti (1/300).4
Mielniczuk et al. analisaram dados do National Hospital
Discharge Survey do período de 1990 a 2002, com o intuito de
estimar a incidência desta patologia nos Estados Unidos.5 A
partir desses dados, obteve-se uma incidência de um caso para
cada 3.189 nascidos vivos. Verificou-se também tendência a
aumento da incidência da doença, já que entre 2000 e 2002 a
taxa foi de 1/2.289. Tal fato pode estar relacionado ao aumento
da idade materna e da multiparidade.
A literatura admite como fatores de risco para a CMPP: idade
materna avançada, multiparidade, raça negra, gestação gemelar,
obesidade, pré-eclâmpsia e hipertensão arterial sistêmica.6 No
entanto, alguns estudos não encontraram significância estatística
para alguns desses fatores. Os maiores estudos prospectivos já
realizados, no Haiti e África do Sul, não mostraram uma relevância de idade avançada, multiparidade e uso de tocolíticos por
um longo período como fatores de risco.7,8 Contesta-se o papel
da raça negra como fator de risco isolado da CMPP, já que a
hipertensão é mais prevalente nessa população e poderia justificar
o fato de a CMPP ser mais frequente nessa raça.9
Histórico e definição
A CMPP é uma forma específica de cardiomiopatia dilatada,
caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca
sistólica no período entre o ultimo mês da gravidez e os cinco
meses pós-parto.1
O primeiro relato de insuficiência cardíaca congestiva em
gestantes, data do século 19. Em 1937, detectou-se que a causa
da insuficiência cardíaca era uma cardiomiopatia dilatada que
provavelmente estava associada à gestação.
Demakis et al. definiram critérios diagnósticos de cardiomiopatia periparto2 (Quadro 1). Em 1997, os participantes do
National Heart, Lung and Blood Institute (NHLBI) em conjunto
com o Office of Rare Disease of the National Institutes of Health
reafirmaram os critérios de Demakis e instituíram os critérios
ecocardiográficos necessários ao diagnóstico de disfunção sistólica3 (Quadro 2).
Quadro 1 - Critérios diagnósticos de CMPP
1. Insuficiência cardíaca no último mês de gestação ou nos primeiros cinco meses
pós-parto
2. Ausência de cardiopatia prévia
3. Etiologia desconhecida
4. Disfunção sistólica documentada
Fonte: Demakis et al.2
Quadro 2 - Critérios ecocardiográficos para o diagnóstico de
CMPP
Fração de ejeção menor que 45%
Encurtamento percentual menor que 30%
Diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo maior que 2,7 cm/m2
Fonte: Fennira et al.3
14
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Etiologia
A etiologia da CMPP permanece incerta, mas diversas causas têm sido propostas, incluindo miocardite; resposta imune
anormal a gravidez; má resposta adaptativa hemodinâmica à
gestação; citocinas ativadas pelo stress; infecção viral; uso prolongado de tocolíticos; hereditariedade; déficits nutricionais
e distúrbios hormonais. Há maior evidência para sustentar
miocardites e processos autoimunes como causas mais prováveis
dessa doença.10
Rizeq et al. em um estudo retrospectivo encontraram uma baixa
incidência de miocardite (8,8%).11 Por sua vez, Felker et al. relataram
uma prevalência de 62% de miocardite em achados histológicos
de biópsia endomiocárdica, realizada em 42 pacientes.12 A razão
dessa discrepância de valores entre os estudos é incerta. Sugere-se
que o tempo de biópsia em relação ao início dos sintomas pode
ser um fator significante. Outras variáveis incluem dificuldades
inerentes ao estabelecimento do diagnóstico de miocardite pela
biópsia (considerando-se a natureza focal do processo inflamatório),
Cardiomiopatia periparto
a inclusão de pacientes com miocardite borderline em algumas
estatísticas e a potencial variabilidade geográfica da população de
pacientes afetados. A presença de inflamação à biópsia não tem
sido útil para predizer a evolução da CMPP.12
Evidências sugerem uma associação de CMPP e pneumonia
por Chlamydia sp. Um estudo identificou a relação entre anticorpos
anticlamídia e CMPP em Niamey na África.13
Um gatilho viral para o desenvolvimento de CMPP foi
postulado e investigado em alguns estudos. Bültmann et al.
identificaram genoma viral em biópsias endomiocárdicas de
pacientes com CMPP; entretanto, a mesma incidência e tipo de
positividade viral foi notada nos pacientes controle.14
Achados de estudos provenientes da África do Sul e Haiti
suportam a hipótese de que uma ativação imune anormal contribua para a patogênese da CMPP. Sliwa et al. identificaram
concentrações aumentadas de fator de necrose tumoral alfa
(TNFα), interleucina-6 (IL-6), um marcador de apoptose (Fas/
APO-1) e proteína C reativa no sangue de mulheres com CMPP.15 Entretanto, não foram encontradas diferenças na imunidade
humoral entre 39 mulheres nigerianas com CMPP quando
comparadas com controles.16
Lamparter et al. identificaram a presença de autoanticorpos
contra o tecido cardíaco em todos os pacientes pesquisados.17
Alguns autores postularam que, após o parto, anticorpos são
formados devido à rápida degeneração do útero, levando a fragmentação do tropocolágeno por enzimas colagenolíticas, levando
à liberação de actina, miosina e seus metabólitos. Anticorpos
são formados contra a actina e podem fazer reação cruzada com
o miocárdio, resultando numa cardiomiopatia.
Alguns autores acreditam que, durante a gravidez células
fetais de origem hematopoiética atravessam a placenta e atingem a circulação materna e o tecido cardíaco. Como resultado
da natural imunossupressão materna durante a gravidez, essas
células não são rejeitadas. No período periparto ocorre uma
recuperação imunológica e as células fetais no tecido cardíaco
servem como gatilho de uma resposta autoimune.
A desnutrição e os déficits nutricionais, especialmente deficiência de selênio e tiamina, foram inicialmente vinculadas com
a CMPP. Estudos posteriores contradizem tais hipóteses.
Alguns estudos têm associado à CMPP com uso prolongado
de terbutalina; entretanto não está claro se esse agente induz a
cardiomiopatia ou torna evidente uma cardiopatia subclínica.
É provável que a etiologia da CMPP seja multifatorial e que a
busca por uma causa seja dificultada pela raridade da doença em
países desenvolvidos, onde há mais recursos para pesquisa; pela
inobservância aos critérios diagnósticos e pela heterogeneidade
da população estudada.4
Manifestações clínicas e o diagnóstico
Os sinais e sintomas presentes na CMPP são semelhantes aos
que aparecem em pacientes com insuficiência cardíaca de outras
causas. Contudo, é importante salientar que muitas mulheres no
final de uma gestação normal podem apresentar sintomas como
dispneia, fadiga, edema de membros inferiores, que são semelhantes aos que aparecem na insuficiência cardíaca congestiva;
porém, a dispneia paroxística noturna deve levantar a suspeita de
descompensação cardíaca. Não há critérios clínicos específicos para
diferenciação entre tais sintomas de uma gravidez em estágio final
e insuficiência cardíaca. Assim, o diagnóstico de CMPP baseia-se
em um alto índice de suspeição, em associação com o período de
desenvolvimento dos sintomas (persistência ou piora do quadro
no último mês de gravidez ou no puerpério inicial) e identificação
ecocardiográfica de disfunção sistólica ventricular esquerda.9
Sintomas comumente presentes na CMPP incluem: dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna, fadiga, tosse
noturna, dor abdominal, dor precordial, palpitações, hemoptise, anorexia e astenia. O exame físico pode revelar pressão
arterial normal ou elevada, ingurgitamento jugular, taquicardia, cardiomegalia, presença de terceira bulha, hiperfonese da
segunda bulha pulmonar, regurgitação mitral e/ou tricúspide,
estertores pulmonares, edema periférico, ascite e hepatomegalia.
A apresentação clínica com arritmia e eventos embólicos não é
incomum; casos de taquicardia ventricular, tromboembolismo,
trombose ventricular, embolismo pulmonar e infarto embólico
miocárdico têm sido relatados. Alterações tromboembólicas
são mais comumente encontradas em pacientes com CMPP do
que naqueles com insuficiência cardíaca de outras etiologias.3
O diagnóstico diferencial de CMPP deve ser feito com infarto
miocárdico, sépsis, pré-eclâmpsia severa, embolia de líquido
amniótico e tromboembolismo pulmonar.18
Os exames complementares úteis para fazer a diferenciação
incluem: eletrocardiograma, raio X de tórax e ecocardiograma.
O papel diagnóstico da biópsia endomiocárdica no diagnóstico
da CMPP é atualmente controverso e, portanto, esse método
não é usado rotineiramente.
O eletrocardiograma geralmente demonstra uma taquicardia
sinusal. Porém, arritmias podem estar presentes. Hipertrofia
ventricular esquerda, onda T invertida, onda Q e alterações do
segmento ST também podem ser encontradas.
Os achados radiográficos são inespecíficos, podendo ser
encontrados congestão pulmonar, cardiomegalia, derrame
pleural bilateral e infiltrado basilar pulmonar.19 O diagnóstico
é confirmado pelo ecocardiograma que mostra objetivamente a
presença de disfunção ventricular esquerda (Quadro 2).
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Urbanetz AA, Carraro EA, Kalache LF ,Kalache PF, Lobo PH, Germiniani H, Nascimento DJ
Tratamento
O tratamento da CMPP inclui restrições na dieta e mudanças
no estilo de vida, os quais são importantes e complementam
apropriadamente a terapia farmacológica. Restrição de sódio
(menos de 4 g por dia) e diminuição da ingesta hídrica (menos de
2 L em 24 horas) são importantes, particularmente em pacientes
com classe funcional NYHA 3 e 4. A parada do tabagismo e
etilismo deve ser amplamente enfatizada. É preconizada a redução
do peso, se necessário e, exercícios regulares. A deambulação
precoce deve ser estimulada, em virtude do risco de desenvolvimento de eventos tromboembólicos. O tratamento de condições
associadas, tais como anemia, tireoidopatias, diabetes mellitus e
deficiências nutricionais é fundamental.6
O tratamento farmacológico da CMPP segue os princípios
gerais da terapêutica da insuficiência cardíaca sistólica. Porém,
aspectos particulares relacionados com a segurança dos fármacos
têm que ser equacionados em virtude da vulnerabilidade fetal,
dos riscos maternos e do período de amamentação. Têm-se como
objetivos reduzir a pré-carga e a pós-carga, além de aumentar
a contratilidade cardíaca.
Com o intuito de diminuir a pós-carga, os inibidores da
enzima conversora de angiotensina e os bloqueadores do receptor
de angiotensina II seriam o tratamento via oral ideal, porém,
infelizmente, são contraindicados durante a gestação, em virtude
do potencial risco de teratogenicidade, efeitos renais neonatais
e óbito neonatal. Dessa forma, deve-se utilizar amlodipina ou
a associação de nitratos e hidralazina. A amlodipina tem um
efeito adicional de diminuir a contratilidade uterina, sem causar
efeitos inotrópicos negativos, comuns aos demais agentes bloqueadores de canais de cálcio. Os inibidores da enzima conversora
de angiotensina são a principal escolha no período pós-parto,
mesmo em mulheres que estão amamentando.
A diminuição da pré-carga é obtida por meio do uso de
nitratos ou diuréticos. Entretanto, deve-se usar com cautela os
diuréticos na gestação, no intuito de evitar desidratação materna,
o que pode causar hipoperfusão uterina e sofrimento fetal. Há
relatos de diátese hemorrágica e hiponatremia em recém-nascidos,
relacionados com a administração de diuréticos tiazídicos.1
A digoxina tem um efeito inotrópico positivo, sendo útil,
sobretudo em casos de arritmias supraventriculares.20 No tratamento da doença grave ou de pacientes gravemente, sintomáticos
agentes intravenosos redutores da pré e pós-carga (nitroprussiato
e nitroglicerina) ou agentes inotrópicos (dopamina, dobutamina
e milrinona) devem ser considerados.
Os efeitos da atividade excessiva do sistema nervoso simpático podem ser inibidos através da utilização de baixas doses de
16
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beta-bloqueadores. Contudo, sua utilização no pré-parto deve ser
cautelosa, pois o uso prolongado propicia aumento dos índices
de crescimento intrauterino restrito e baixo peso ao nascer. Os
agentes seletivos β1 são preferíveis, pela menor interferência com
o relaxamento uterino e vasodilatação mediadas por receptores
β2. Tanto o carvedilol (beta-bloqueador não-seletivo com atividade anti-α1 ) como o metoprolol (β1 seletivo) são aprovados
pelo Food and Drug Administration (FDA) para uso crônico na
insuficiência cardíaca.
Caso haja arritmias, deve-se tratá-las agressivamente, particularmente em pacientes sintomáticos (com palpitação, síncope
ou tontura). Beta-bloqueadores são adequados para o tratamento
de arritmias supraventriculares. Bloqueadores do canal de cálcio
(diltiazem) e antiarrítmicos classe III (sotalol e amiodarona)
podem ser necessários para tal fim. Sotalol e amiodarona têm
vários efeitos colaterais sistêmicos (hipotireoidismo fetal, parto
prematuro, bradicardia fetal, bloqueio cardíaco e hipotensão)
quando utilizados cronicamente: hiperpigmentação cutânea,
hepatotoxicidade, toxicidade pulmonar, neuropatia periférica e
disfunções tireoideanas, efeitos proarrítmicos, de forma que seu
uso deve ser cuidadosamente avaliado. Os bloqueadores de canal
de cálcio, por serem inotrópicos negativos, podem descompensar
pacientes estáveis, quando usados por longo período.6 Pacientes
sintomáticos com arritmia ventricular são candidatos ao uso de
desfibrilador implantável.
O papel dos imunossupressores no tratamento da CMPP é
baseado em evidências de que a doença seja resultado de miocardite. A terapia imunossupressora pode ser considerada, se uma
biópsia endomiocárdica indicar a presença de miocardite e se
não houver melhora da função ventricular esquerda a despeito
do tratamento padrão. Estudos adicionais são necessários para
definir o exato papel desses agentes no tratamento da CMPP.
Os inibidores de citocinas inflamatórias podem ter um papel no
tratamento dos pacientes com CMPP, já que os níveis de TNFα
são maiores nessas pacientes. A pentoxifilina, um inibidor do
TNFα, foi avaliada em um estudo prospectivo com 59 pacientes
com CMPP. O grupo que recebeu pentoxifilina (400 mg, três
vezes ao dia), associada ao tratamento padrão para insuficiência
cardíaca, teve uma significante melhora clínica, se comparado
ao grupo que não utilizou essa medicação.21
O transplante cardíaco é a última alternativa naquelas pacientes que apresentam piora da insuficiência cardíaca com o
tratamento clínico.3 Geralmente, é associado a bom prognóstico
(88% de sobrevida em dois anos, 78% em cinco anos), similar
ao que ocorre em pacientes com cardiomiopatia idiopática.
Devido ao estado de hipercoagulabilidade próprio da
gestação, à diminuição da fração de ejeção em pacientes com
Cardiomiopatia periparto
CMPP, à estase e ao fluxo turbulento num coração dilatado, a
CMPP é uma condição de risco para a ocorrência de fenômenos
tromboembólicos. Portanto, o uso de anticoagulantes deve ser
considerado nessas pacientes. Os anticoagulantes orais devem
ser evitados durante a gestação devido ao risco de hemorragia
fetal e/ou neonatal. No início da gestação, deve-se levar em
conta também o risco de teratogenicidade (classe D do FDA).
No entanto, podem ser utilizados com segurança no pós-parto,
pois não interferem na amamentação. Heparina subcutânea ou
heparina de baixo peso molecular (enoxaparina ou nadroparina)
são indicadas na anticoagulação profilática na gravidez. As
heparinas de baixo peso molecular podem ser administradas
em dose única diária, além da vantagem de reduzir o risco de
trombocitopenia e osteopenia. A heparina, em uso prolongado,
pode determinar o aparecimento de alguns efeitos colaterais
como depleção da antitrombina III, trombocitopenia e osteoporose materna.19
Geralmente não é necessária a antecipação do parto em
pacientes com CMPP, desde que a paciente esteja compensada
clinicamente. Nessas pacientes, o parto vaginal é preferido. A
vantagem do parto vaginal em relação à cesariana está na redução
das complicações. O parto vaginal produz menos sangramento
(500 mL no parto vaginal versus 1.000 mL na cesária), infecção,
edema pulmonar e tromboflebite. A recuperação pós-parto é mais
satisfatória. Deve-se dar especial atenção no sentido de reduzir o
segundo estágio do parto. O encurtamento do período expulsivo
do parto é feito para evitar os puxos maternos e a manobra de
Valsalva, que levam a uma grande alteração hemodinâmica materna. A associação do controle da dor com contrações uterinas
efetivas possibilita a descida do feto até um nível suficiente, para
que possam ser usados métodos como fórceps ou vácuo extrator,
no intuito de facilitar o parto. Em pacientes que não respondem
ao tratamento convencional da CMPP, a indução do trabalho
de parto por via vaginal pode ser considerada. A via de parto
deve ser decidida com a participação do obstetra, cardiologista
e anestesiologista.9
No período pós-parto, a terapia medicamentosa deve ser
continuada. Aquelas pacientes que vinham sendo tratadas com
hidralazina e nitratos podem passar a usar inibidores da enzima
conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor de
angiotensina II.
em cerca de 50% dos pacientes.2 Felker et al. demonstraram que
o prognóstico dos pacientes com CMPP é relativamente bom
e tem uma baixa incidência de morte (7%) ou necessidade de
transplante (7%). Essa melhora da sobrevida pode refletir avanços
no manejo dos pacientes.12
Estudos relatam que em aproximadamente metade das
pacientes a função ventricular normaliza habitualmente nos
primeiros seis meses após o diagnóstico.1 Amos et al., em um
estudo envolvendo 56 pacientes com CMPP, demonstraram
que 75% destas recuperaram a função ventricular DOIS meses
após o diagnóstico.24 O prognóstico é ruim em pacientes com
cardiomiopatia persistente. A persistência da disfunção após
seis meses do diagnóstico indica cardiomiopatia irreversível e
menor sobrevida.10
O prognóstico parece ser pior nas mulheres de raça negra, com
idade maior que 30 anos e multíparas. Um estudo comparando
sobreviventes e não-sobreviventes mostrou que estas mulheres
tinham uma maior fração de ejeção ventricular esquerda (22,8
versus 10,6%) e menor diâmetro diastólico final de ventrículo
esquerdo (5,8 versus 6,9 cm), ao diagnóstico. Tal fato evidencia
que esses dois parâmetros ecocardiográficos podem ser usados
como fatores preditores da evolução da paciente.4
Vários estudos demonstraram que a taxa de recidiva de CMPP
em futuras gestações é de 50 a 100%. Elkayam et al. avaliaram
60 gestações subsequentes em 44 mulheres com CMPP.22 Vinte
e oito delas tiveram normalização da função ventricular depois
da primeira gestação, enquanto 16 persistiram com algum
grau de disfunção. Essas apresentaram maior porcentagem de
sintomas associados à insuficiência cardíaca (44 versus 21%),
maior mortalidade (19 versus 0%), maior taxa de partos prematuros (35 versus 11%) e de abortos terapêuticos (25 versus 4%)
em gestações subsequentes. Portanto, naquelas pacientes que
permanecem com disfunção ventricular após uma gestação com
CMPP, prenhez futura deve ser desaconselhada. Lampert et al.
evidenciaram que mulheres com parâmetros de função ventricular restabelecida, apresentavam redução da reserva contrátil
durante o teste de estresse hemodinâmico com dobutamina.25
Portanto, mesmo nessas pacientes, deve-se ter cautela ao indicar
gestações futuras.
Prognóstico
A CMPP é uma forma específica de cardiopatia dilatada,
caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca
sistólica que ocorre no período entre o último mês de gestação
e os cinco meses pós-parto. A etiologia permanece desconhecida, provavelmente por ser multifatorial. O quadro clínico
Os dados atuais revelam que a sobrevida a longo prazo da
CMPP é melhor que a historicamente relatada.22,23 Os estudos
de Demakis et al. mostravam uma taxa de evolução desfavorável
Considerações finais
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Urbanetz AA, Carraro EA, Kalache LF ,Kalache PF, Lobo PH, Germiniani H, Nascimento DJ
é semelhante ao apresentado por pacientes com insuficiência
cardíaca de outras etiologias. A propedêutica complementar
inclui: raio X de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma. O
manejo deve ser feito com mudanças no estilo de vida e orientações dietéticas. O tratamento farmacológico é semelhante
à conduta adotada em pacientes com insuficiência cardíaca
sistólica. A via de parto de escolha é a vaginal. Futuras gestações são desaconselhadas em pacientes que permanecerem
com disfunção ventricular após a gravidez. O prognóstico é
pior em multíparas, com idade maior que 30 anos e raça negra.
Portanto, o obstetra deve estar atento a essa condição clínica,
tanto no final da gravidez quanto no puerpério.
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