XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção
Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.
APLICAÇÃO DO COEFICIENTE DE
GINI LOCACIONAL E DO QUOCIENTE
LOCACIONAL COMO APOIO À
DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DE
SISTEMAS LOCAIS DE PRODUÇÃO: O
SETOR COUREIRO CALÇADISTA DO
RS
Rosimeire Sedrez Bitencourt (UFRGS)
[email protected]
Lia Buarque de Macedo Guimaraes (UFRGS)
[email protected]
Este artigo descreve a aplicação de indicadores de concentração
geográfica e indicadores de especialização para identificar e delimitar
geograficamente Sistemas Locais de Produção (SLP), os quais foram
aplicados à indústria coureiro-calçadiista do Rio Grande do Sul (Vale
do Paranhana e Vale dos Sinos). Utilizou-se o Coeficiente de Gini
Locacional para identificar a concentração espacial da atividade
econômica, indicando apenas se determinada classe de indústria é
geograficamente concentrada. Para verificar a existência de sistemas
locais de produção foi necessário um segundo passo, utilizando-se o
Quociente Locacional (QL), que mostra a especialização produtiva da
região em cada uma das classes de indústrias. Com este estudo foi
possível avaliar a possibilidade de aplicação desses indicadores de
especialização como apoio à delimitação geográfica de sistemas locais
de produção para o setor coureiro-calçadista sul-rio-grandense. Os
resultados apontam para a existência de SLPs no setor coureiro
calçadista, permitindo-se caracterizar a estrutura produtiva local.
Essa metodologia apresentou-se como uma contribuição para apoiar à
delimitação geográfica dos SLPs, porém, suas vantagens devem ser
contrabalançadas por algumas deficiências que podem gerar
distorções no resultado final.
Palavras-chaves: Sistemas Locais de Produção, Coeficiente de Gini
Locacional, Quociente Locacional.
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Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção
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1. Introdução
Países em desenvolvimento em geral enfrentam problemas sociais crônicos como desemprego
e má distribuição de renda. No Brasil, uma das alternativas que vêem sendo apontada para o
país buscar a superação destes problemas é o desenvolvimento regional (MARINI E SILVA,
2010; SEBRAE, 2004), ou Sistema Econômico Local, ou Sistema Local de Produção e
Inovação (SLP). Casarotto e Pires (2001) definem este sistema regional como uma: “região
fortemente estruturada, contendo um ou mais clusters, com um planejamento territorial com
alta interação público-privada, com respeito à cultura e com o objetivo de assegurar a
qualidade de vida dos habitantes”. Um SLP incorpora estruturas de governança, o que o
difere de um Arranjo Produtivo Local (APL). No entanto, a literatura nem sempre explicita a
diferença entre SLP e APL e, portanto, neste estudo, os dois serão referenciados como
SLP/APL.
As razões para se considerar os SLPs/APLs como estratégia de desenvolvimento recaem,
entre outras, no fato deles envolverem grande número de atores públicos e privados e por
reunirem características necessárias para a geração das sinergias essenciais ao sucesso de uma
iniciativa de desenvolvimento econômico e social (SEBRAE, 2004). O que fundamenta a
formação de SLPs/APLs é a existência, no local ou na região, de conhecimentos
especializados que geram capacitações produtivas, técnicas e tecnológicas específicas a
determinado produto ou atividade econômica. Empresas e instituições são atraídas devido à
importância da proximidade geográfica para a transmissão desses conhecimentos tácitos e
específicos (SUZIGAN et al., 2004). Algumas iniciativas de apoio a SLPs/APLs são: o Fundo
de Garantia para Promoção da Competitividade - FGPC, pertencente ao Tesouro Nacional e
gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES; o Fundo de
Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe) do Sebrae; e o Fundo de Aval para Geração de
Emprego e Renda (Funproger), criado no âmbito do Programa Brasil Empreendedor e
administrado pelo Banco do Brasil. Já em 2002, foi celebrado o acordo de cooperação entre o
BNDES e o Sebrae, que prevê a utilização do FGPC e do Fampe no apoio a arranjos
produtivos locais (PUGA, 2003).
Segundo Macedo (2011), há críticas feitas a algumas das políticas de apoio a SLPs/APLs no
Brasil, sendo que as mais persistentes relacionam-se a uma dita visão “administrativa” e/ou
“localista” dessas políticas. Todavia, o autor contrapõe a essas críticas algumas questões
estratégicas que a política de apoio aos SLPs/APLs poderia levar em consideração, visando
fortalecer uma dimensão territorial, transformando o padrão atual e induzindo à configuração
de arranjos produtivos de nova geração.
Um sistema econômico local competitivo é fruto de um planejamento regional buscando-se
consolidar aglomerações econômicas (clusters) competitivas, com o adicional da componente
social/comunitária (CASAROTTO e PIRES, 2001). Dadas às características específicas de
cada cluster, o apoio a tais aglomerações de empresas deve necessariamente ser orientado por
estudos de casos. No entanto, um passo essencial para nortear tais estudos de casos é aplicar
um método que permita identificar e delimitar (geograficamente e estruturalmente) as
aglomerações relevantes. Com isso é possível selecionar, com critérios adequados, os casos
que devem ser objeto de estudo e também, para cada caso, avaliar a extensão da cadeia
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produtiva do cluster. Segundo IEDI (2002), tal método, ao orientar as ações de órgãos
públicos e instituições privadas, evitaria as duplicações de esforços de “mapeamento” dos
clusters e o desperdício de recursos públicos e privados.
Suzigan et al. (2002) propuseram um método de identificação de SLPs/APLs com base em
dois indicadores utilizando as bases de dados da RAIS/MTE e da PIA/IBGE: um indicador de
localização de atividades industriais por microrregiões, o índice de Gini Locacional (GL), e
um indicador de especialização, o Quociente Locacional (QL). Estes indicadores são bastante
conhecidos e utilizados em estudos e análises de economia regional (Suzigan et al., 2003) e
têm a vantagem de apresentar dados com desagregação setorial e geográfica o que possibilita
obter e processar diretamente os dados desagregados, em termos espaciais, até o nível de
municípios e, em termos setoriais, até o nível de classes de indústrias a 4 dígitos da CNAE –
Classificação Nacional da Atividade Econômica.
O GL, aplicado a dados de emprego ou estabelecimentos industriais a quatro dígitos, permite
identificar as classes de indústrias que são geograficamente mais concentradas, no país ou em
alguma região. O QL, aplicado aos mesmos dados distribuídos por microrregiões, e em
conjugação com algumas variáveis de controle (número absoluto de empregos e de
estabelecimentos, participação no emprego total da classe no país ou região), permite
identificar e delimitar geograficamente aglomerações de empresas e, além disso, apontar
algumas das características principais da estrutura industrial local (IEDI, 2002). A utilização
desses indicadores é um passo inicial para identificação de SLPs/APLs, e não substitui, antes
orienta, a realização de estudos de casos, já que diversas das especificidades da organização
produtiva local, bem como suas características históricas, institucionais, sociais e culturais
somente poderão ser identificadas com a realização de pesquisa de campo (IEDI, 2002;
SUZIGAN et al., 2002; SUZIGAN et al., 2003).
Estudos recentes apresentam a aplicação destes indicadores em estudos realizados pela
Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo para
caracterização socioeconômica das regiões do estado (SPDR-SP, 2012). Carvalho (2011)
utilizou os indicadores para identificação e caracterização do arranjo produtivo local potencial
de ferro-gusa de marabá. O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE (2011) realizou
um estudo para buscar oportunidades de negócios para o município, identificando as cadeias
produtivas. No Paraná, Marini e Silva (2010) identificaram os arranjos produtivos locais de
confecção do sudoeste do estado. Bastos e Almeida (2008) buscaram identificar as
aglomerações industriais no estado de Minas Gerais.
Guerreiro e Conceição (2011), visando identificar e classificar as aglomerações produtivas no
Rio Grande do Sul utilizaram apenas o QL. Outro estudo realizado no estado buscou fazer
uma análise teórica das vantagens dos inter-relacionamentos entre firmas a partir de
aglomerados locais e identificar as potencialidades geográficas em relação à presença ou não
de “agricluster potencial” para os Coredes da Metade Sul gaúcha. Há ainda estudos como o
de Batisti (2009) que visou uma análise do arranjo produtivo local de gemas e jóias no Estado
e o de Scherer, Leivas e Feijó (2008) que buscaram realizar uma análise por meio do GL para
identificar a concentração do emprego formal no Corede-Sul.
No presente estudo, os dois indicadores foram utilizados para identificar e delimitar
geograficamente o sistema produtivo local do setor coureiro calçadista do estado do Rio
Grande do Sul, considerado o maior cluster calçadista do mundo (ABICALCADOS, 2012).
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2. Método
O método proposto por Suzigan et al. (2002) foi aplicado utilizando informações de emprego
da RAIS/MTE relacionado ao ano de 2003.
O primeiro passo foi calcular o indice Gini Locacional (GL) que indica a concentração
espacial da atividade econômica. Quanto maior o GL, mais espacialmente concentrada é a
classe industrial. Nesse sentido, nas classes em que se verifica elevado GL, existe maior
concentração geográfica, indicando maiores possibilidades para que se encontrem SLPs/APLs
(SUZIGAN et al., 2003). Ele foi calculado com base nas 614 categorias da CNAE/95, 4
dígitos, da atividade industrial do Rio Grande do Sul.
Como o GL indica apenas que determinada classe de indústria é geograficamente
concentrada, e não permite verificar a existência de SLPs/APLs, o segundo passo foi utilizar o
Quociente Locacional (QL) que mostra a especialização produtiva da região em cada uma das
classes de indústrias. O QL é a razão entre a participação de uma determinada classe
industrial na estrutura produtiva de uma certa região e a participação dessa mesma classe em
todo Rio Grande do Sul. Nesse sentido, quanto maior o QL, maior é a especialização da
região. Esse indicador foi aplicado para as classes da indústria de transformação e nas 35
microrregiões geográficas do estado do RS (conforme classificação do IBGE, 2005)
Na seqüência, o QL foi computado a partir da variável-base emprego. Essa medida é dada
pela expressão:
QLij = [(Eij/Ei)/ (E)]
onde QLij corresponde ao QL do setor i na indústria j e Eij é o emprego no setor i na j-ésima
região; E·j = Si Eij e Ei· = Sj Eij representam, respectivamente, o total do emprego em todos
os setores da região j e o emprego no setor i de todas as regiões; E = Si Sj Eij é o emprego
total.
Segundo Suzigan et al. (2003), embora esse coeficiente seja amplamente utilizado, ele deve
ser usado com cautela tendo em vista suas limitações. Em particular, ele não é adequado para
identificar especializações em regiões em que a estrutura produtiva é mais diversificada, como
é o caso dos municípios que compõem as regiões metropolitanas. Além disso, regiões mais
pobres podem apresentar graus excessivamente elevados de especialização devido à presença
de uma unidade produtiva, mesmo que de dimensões modestas. Para corrigir essas distorções,
utiliza-se o QL com o indice GL, definindo, assim, uma nova medida de concentração
geográfica de uma determinada atividade. Essa medida, conhecida como coeficiente de Gini
Locacional (coeficiente GL), é dada por:
coeficiente GL = /0,5 = 2
onde corresponde à área de concentração, entre a linha de igualdade perfeita e a Curva de
Localização (Curva de Lorenz). Como  está compreendido entre 0 e 0,5, então o
coeficiente GL encontra-se entre 0 e 1. Quanto mais elevado for o coeficiente GL (quanto
mais próximo de 1), maior será a concentração espacial do setor e, portanto, maior a chance
de existir nessa atividade um sistema local de produção. Ao contrário, quanto menor esse
indicador (mais próximo de zero), menor a possibilidade de a atividade fazer parte de algum
tipo de cluster (IEDI, 2002).
Para o cálculo do coeficiente GL, primeiro, as regiões foram ordenadas de forma decrescente
de índice de especialização (QL), a partir da definição da variável-base emprego. A partir daí
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é possível construir a curva de localização (ou curva de Lorenz) para cada um dos setores da
indústria de transformação, definindo cada um dos eixos da seguinte forma (figura 1):
- No eixo vertical, as porcentagens acumuladas da variável-base emprego em uma
determinada classe de indústria por regiões;
- No eixo horizontal, as porcentagens acumuladas da mesma variável para o total das
classes de indústria por regiões.
Figura 1 - Curva de Localização e Área de Concentração Utilizada para o Cálculo do Gini
Locacional Fonte: IEDI (2002).
As inclinações dos segmentos de linha reta das curvas de localização equivalem aos índices
de especialização das diversas regiões (ou municípios) nos respectivos setores. Quanto mais
próximo de 1 (um), mais concentrado territorialmente (neste caso, em termos de
microrregiões ou municípios) é o setor, e vice-versa.
3. Resultados
A tabela 1 mostra o coeficiente GL para cada uma das classes envolvidas na produção de
calçados no Rio Grande do Sul.
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CLAS CNAE 95 — Classe de Atividade Econômica segundo a classificação CNAE/95 (614 categorias)
GL
CLASSE 19330 - Fabricação de calçados de plástico
CLASSE 19216 - Fabricação de malas, bolsas, valises e outros artefatos para viagem de qualquer material
CLASSE 19399 - Fabricação de calçados de outros materiais
CLASSE 19291 - Fabricação de outros artefatos de couro
CLASSE 19321 - Fabricação de tenis de qualquer material
CLASSE 19100 - Curtimento e outras preparações de couro
CLASSE 19313 - Fabricação de calçados de couro
0,0333
0,1084
0,2288
0,3946
0,5626
0,7349
1,0000
Tabela 1 - Coeficientes de Gini Locacionais (coeficiente GL) para a Indústria
Coureiro/Calçadista no RS, base nos dados de emprego da RAIS 2003
É possível perceber que algumas classes que compõem a indústria de couro/calçados, como a
fabricação de calçados de plástico, malas e de outros artefatos de couro, calçados de outros
materiais e outros artefatos de couro, apresentam coeficientes GL relativamente baixos, o que
indica que essas atividades são geograficamente dispersas no RS. Portanto, é pouco provável
que existam aglomerações relevantes de empresas nessas quatro classes da indústria.
A classe de fabricação de tênis apresenta um coeficiente GL acima da média e as outras duas
classes da indústria de curtimento e fabricação de calçados, no entanto, apresentam
coeficientes GL bastante elevados. Isso significa que há uma forte concentração espacial
dessas atividades produtivas no RS e indica que há grandes possibilidades de que sejam
encontradas aglomerações de empresas nessas classes da indústria de couro/calçados.
Para identificar a existência de aglomerações de empresas em classes de indústrias
geograficamente concentradas é preciso utilizar complementarmente o índice de
especialização ou Quociente Locacional (QL), como mostra a tabela 2.
CLAS CNAE 95 — Classe de Atividade Econômica segundo a clas
sificação CNAE/95 (614 categorias)
Micro Região Geográfica (IBGE)
MICRO 43.016 - Caxias do Sul
CLASSE 19100 - Curtimento e outras preparações de couro
MICRO 43.003 - Frederico Westphalen
MICRO 43.031 - Campanha Meridional
MICRO 43.010 - Passo Fundo
CLASSE 19321 - Fabricação de tenis de qualquer material
MICRO 43.009 - Carazinho
MICRO 43.014 - Guapore
MICRO 43.001 - Santa Rosa
CLASSE 19291 - Fabricação de outros artefatos de couro
MICRO 43.024 - Gramado Canela
MICRO 43.015 - Vacaria
MICRO 43.010 - Passo Fundo
CLASSE 19399 - Fabricação de calcados de outros materiais
MICRO 43.015 - Vacaria
MICRO 43.024 - Gramado Canela
MICRO 43.024 - Gramado Canela
CLASSE 19313 - Fabricação de calçados de couro
MICRO 43.009 - Carazinho
MICRO 43.015 - Vacaria
MICRO 43.007 - Santo Angelo
CLASSE 19216 - Fabricação de malas, bolsas, valises e outros
MICRO 43.031 - Campanha Meridional
artefatos para viagem, de qualquer material
MICRO 43.034 - Jaguarao
MICRO 43.014 - Guapore
CLASSE 19330 - Fabricação de calçados de plástico
MICRO 43.026 - Porto Alegre
MICRO 43.028 - Camaqua
QL
1,0250
0,9435
0,3139
0,1340
0,1239
0,0031
0,8553
0,1088
0,0704
0,1091
0,1010
0,3401
2,0452
1,6836
1,2986
0,0059
0,0054
0,0044
0,0554
0,0240
0,0080
Tabela 2. Quocientes Locacionais - QL (Índices de Especialização) mais elevados em
atividades da Indústria Coureiro Calçadista no RS - 2003
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Como se pode notar, cinco microrregiões se destacam com elevados QL: Caxias do Sul,
Frederico Westphalen, Gramado Canela, Carazinho e Vacaria. Quanto maior o QL, maior o
peso do setor na estrutura produtiva local comparativamente ao peso do mesmo setor no RS
indicando a especialização produtiva, que é uma das características dos clusters ou sistemas
locais de produção.
Portanto, a partir da análise do QL é possível identificar a existência de especialização
produtiva nas microrregioes. É isso o que ocorre nos casos das cinco microrregiões citadas,
em que o elevado coeficiente GL é acompanhado por igualmente elevados índices de
especialização nas atividades de fabricação de calçados de couro nas microrregiões:
Gramado/Canela, Carazinho e Vacaria; desse modo, são bastante fortes os indícios da
existência de aglomerações de produtores de calçados nessas regiões. O mesmo ocorre para as
microrregiões de Caxias do Sul e Frederico Westphalen em relação às aglomerações de
curtumes.
Por fim, para confirmar se a especialização local permite configurar a microrregião como um
cluster ou sistema local de produção é preciso lançar mão de algumas variáveis de controle
tais como, para as respectivas microrregiões e classes de indústrias, participação no total do
emprego no estado, volume de empregos e número de estabelecimentos. A utilização dessas
variáveis de controle justifica-se por dois motivos principais. Primeiro porque, em alguns
casos, o elevado índice de especialização é uma decorrência da baixa densidade da estrutura
industrial local, o que pode levar a uma superestimação da importância do sistema local.
Segundo, essas variáveis de controle permitem verificar se o elevado QL de uma determinada
região não é mera decorrência da presença local de uma grande empresa, o que não
caracterizaria um SLP/APL.
Na seqüência é apresentado o detalhamento da estrutura da microrregião apenas para
Gramado/Canela que a partir da análise do QL apresentou a maior possibilidade de
representar aglomerações locais de indústrias de calçados. Este enfoque para Gramado/Canela
é devido ao Vale do Paranhana encontrar-se nessa microrregião.
Para o caso de Gramado/Canela, essas variáveis podem ser vistas na tabela 3, que dá uma
idéia da densidade do tecido industrial voltado à produção de calçados naquela microrregião.
CLAS CNAE 95 — Classe de Atividade Econômica segundo a clas
sificação CNAE/95 (614 categorias)
CLASSE 19100 - Curtimento e outras preparações de couro
CLASSE 19321 - Fabricação de tenis de qualquer material
CLASSE 19291 - Fabricação de outros artefatos de couro
CLASSE 19399 - Fabricação de calcados de outros materiais
CLASSE 19313 - Fabricação de calçados de couro
CLASSE 19216 - Fabricação de malas, bolsas, valises e outros
artefatos para viagem, de qualquer material
CLASSE 19330 - Fabricação de calçados de plástico
QL
Participação no
Estado (Indústria
Coureiro
Calçadista) %
Volume de
Emprego
0,1630
0,0142
0,1088
0,3401
2,0452
1,350
0,118
0,901
2,818
16,945
2075
181
1385
4331
26041
0,0095
0,0003
0,079
0,003
121
4
Número de
Estabelecim
entos
164
1792
Tabela 3. QL e Outros Indicadores da Indústria Coureiro Calçadista da Microregião de
Gramado/Canela (MICRO 43.024) - RAIS 2003
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Os elevados coeficientes GL (que indicam forte concentração regional das atividades de
fabricação de calçados), complementados por elevados QLs, (que indicam a especialização
produtiva local e por dados que mostram, na tabela 3, um expressivo volume de emprego, um
grande número de estabelecimentos e uma considerável participação no total da indústria de
calçados do RS), é possível afirmar que Gramado/Canela caracteriza-se como um sistema
local de produção de calçados. É possível, também, caracterizar a estrutura produtiva local
como uma cadeia produtiva praticamente completa. Além da própria fabricação de calçados,
estão presentes no local várias outras atividades relacionadas com a produção de calçados,
como curtimento e preparação de couro, fabricação de máquinas e equipamentos para a
indústria de couro/calçados, e produção de adesivos e selantes, artefatos de borracha e
acessórios do vestuário.
O Vale dos Sinos fica na microrregião de Porto Alegre e tem sido apontada pela literatura
como um dos principais pólos da indústria coureiro calçadista do RS, em conjunto com o Vale
do Paranhana (Abicalcados 2012). Todavia, é possível perceber, na tabela 2, que a
microrregião de Porto Alegre não teve essa tendência apontada já que apresentou um baixo
QL. A tabela 4 mostra as mesmas informações que a tabela 3, só que para a microrregião de
Porto Alegre.
CLAS CNAE 95 — Classe de Atividade Econômica segundo a clas
sificação CNAE/95 (614 categorias)
CLASSE 19100 - Curtimento e outras preparações de couro
CLASSE 19321 - Fabricação de tenis de qualquer material
CLASSE 19291 - Fabricação de outros artefatos de couro
CLASSE 19399 - Fabricação de calcados de outros materiais
CLASSE 19313 - Fabricação de calçados de couro
CLASSE 19216 - Fabricação de malas, bolsas, valises e outros
artefatos para viagem, de qualquer material
CLASSE 19330 - Fabricação de calçados de plástico
QL
Participação no
Estado (Indústria
Coureiro
Calçadista) %
Volume de
Emprego
0,0819
0,0277
0,0678
0,0438
0,9026
2,893
0,978
2,393
1,547
31,883
4446
1503
3678
2377
48997
0,0186
0,0080
0,657
0,284
1010
436
Número de
Estabelecim
entos
1906
2972
Tabela 4. QL e Outros Indicadores da Indústria Coureiro Calçadista da Microregião de Porto
Alegre (MICRO 43.026) - RAIS 2003
A microrregião de Porto Alegre, que sequer ficou entre as dez primeiras posições em relação
ao QL calculado pode ser vista na tabela 4 como representando uma parcela significativa do
setor calçadista. O número de estabelecimentos relacionados ao setor coureiro de
Gramado/Canela representa apenas 3,7% contra 43,2% da microregião de Porto Alegre em
relação ao número de estabelecimentos no mesmo setor no RS. Em relação ao número de
estabelecimentos do setor calçadista, a microrregião de Porto Alegre também se destaca em
relação ao estado, representando 44,2% contra 26,7% de Gramado Canela. A microrregião de
Porto Alegre gera o dobro de empregos no setor coureiro calçadista em comparação com o
volume de empregos gerados em Gramado/Canela.
4. Discussão
A utilização do método, que incorpora o índice de Gini Locacional (GL) o Quociente
Locacional (QL) e geram o Coeficiente de Gini Locacional (Coeficiente GL), permitiu
identificar e delimitar, geográfica e estruturalmente, clusters ou sistemas locais de produção
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(SLPs/APLs) e caracterizar a estrutura produtiva local do vale do Paranhana, e de Porto
Alegre (que engloba o vale dos Sinos), no Rio Grande do Sul, especialmente no que se refere
à densidade do tecido industrial local e à presença de atividades correlatas.
Porém, suas vantagens são contrabalançadas por algumas deficiências, já apontadas por outros
autores. Dentre os principais problemas da RAIS deve-se destacar sua cobertura, que inclui
apenas relações contratuais formalizadas, a auto-classificação das empresas na coleta das
informações primárias, e a dificuldade de classificação de empresas multiplantas, que podem
declarar todo o emprego em uma mesma unidade, e multiprodutos, que podem inserir todas as
informações na atividade principal (SUZIGAN et al., 2003).
A base de dados da RAIS/MTE não considera o número de sub-contratações e sua
rotatividade pode conduzir a uma análise equivocada no sentido de investir em políticas não
adequadas ao real contexto do sistema local de produção. É certo que as variáveis são
inúmeras e que um modelo serve apenas como uma ferramenta guia. Todavia, também cabe
identificar variáveis e informações imprescindíveis ao contexto do SLP/APL e a partir delas,
então, fazer as devidas abstrações. Um exemplo é o Vale do Paranhana que possui cerca de
60% dos empregos alocados com mão de obra sub-contratada, e esta variação certamente irá
gerar um desvio nos resultados. Com um desvio como este, é possível que uma microrregião
menos adequada às especificações de determinados programas de apoio seja privilegiada em
detrimento de outra que poderia gerar mais resultados para sua região como um todo.
Outro ponto negativo é em relação a discrepância entre o resultado dos índices de
especialização e a aparente localização dos arranjos produtivos locais no caso da micro região
de Porto Alegre. Nesse caso, a discrepância ocorre não apenas devido a microrregião de Porto
Alegre possuir uma estrutura produtiva diversificada, mas também, porque a microrregião
definida pelo IBGE, e utilizada pelo método aplicado, não foi criada com a finalidade de
obtenção de SLPs/APLs, o que torna questionável a utilização deste agrupamento para
quaisquer análises, sem uma validação mais efetiva das informações. No caso do Vale do
Paranhana e do Vale dos Sinos vale realizar as investigações por municípios, sem os
agrupamentos por micro-regiões o que, apesar de dispender mais trabalho pode gerar
resultados mais adequados.
É necessário que o sistema local de produção seja analisado como um empreendimento
integrado, observando-se a relação existente entre as atividades executadas pelos atores do
sistema (empresas, comunidade, governo, entidades não governamentais, etc.) e a identidade
da estrutura local de produção com suas demandas, atributos e propriedades.
A combinação entre os atores e a identidade do SLP/APL deve ser percebida como uma
instância já que estes elementos são dinâmicos em suas características. Portanto, as análises
precisam ser aprofundadas e acompanhadas, refeitas e re-analisadas periodicamente
viabilizando a percepção de novas tendências.
5. Conclusão
Este artigo apresentou a utilização de um método para identificar e delimitar, geográfica e
estruturalmente, clusters ou sistemas locais de produção (SLPs/APLs) coureiro calçadista no
Rio Grande do Sul. Este método incorpora o indice de Gini locacional, o Quociente
Locacional (QL) gerando o coeficiente de Gini Locacional (coeficiente GL) calculados com
base nos dados da RAIS/MTE e da PIA/IBGE. As microrregiões de Gramado/Canela (que
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abrange o vale do Paranhana) e de Porto Alegre (que abrange o vale dos Sinos) foram
identificadas como sistemas locais de produção importantes. O coeficiente GL em conjunto
com o QL apresentaram-se adequados para a identificação e delimitação dos sistemas locais
de produção focados neste estudo.
Todavia, suas vantagens devem ser contrabalançadas pelas deficiências, dentre as quais se
podem citar: imprecisão dos dados para o cálculo dos coeficientes, como é o caso do Vale do
Paranhana, com a maior parte dos empregos com mão de obra sub-contratada; pela
possibilidade de grande diversificação da estrutura produtiva; e porque as microrregiões
definidas pelo IBGE, e utilizadas no método, não foram criadas com a finalidade de obtenção
de SLPs/APLs. Todos estes fatores devem ser observados, pois podem gerar distorções no
resultado final. Propõe-se o uso desse método não como uma análise definitiva, mas como um
passo inicial para nortear estudos de casos, possibilitado, assim, uma seleção dos que devem
ser objeto de estudos mais aprofundados.
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