QUESTÕES ACERCA DO TEATRO INFANTIL HISTÓRIA E PRÁTICA1 Por Simone Ribeiro Barros André INTRODUÇÃO RESUMO CAPÍTULO I A PERSONAGEM CENTRAL: A CRIANÇA · 1.1. Ilhamento · 1.2. O "Vir-a-ser" · 1.3. Superinformação · 1.4. Outras Infâncias CAPÍTULO II ESPAÇO E TEMPO: TEATRO E LITERATURA NO BRASIL · 2.1. Formação da literatura Infantil · 2.2. Os filhos de Lobato: temas e questões · 2.3. O Teatro infantil · 2.4. A nova geração · 2.5. Movimentos, CBTIJ e Problemas de Mercado CAPÍTULO III A NARRATIVA CÊNICA: CONFLITOS DA CENA CARIOCA · 3.1. A Cena atual · 3.2. Pontos de vista CAPÍTULO IV AÇÃO: RECEPÇÃO E COGNIÇÃO INFANTIL · 4.1. Cognição · 4.2. Piaget: estágios de desenvolvimento · 4.3. O jogo · 4.4. O contrato do Teatro CONCLUSÃO REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA 1 Monografia apresentada à diretoria do curso de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense. Como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista Strictu Senso em Literatura Infantojuvenil, sob a orientação do Prof.ª Drª. Sônia Monnerat. INTRODUÇÃO A partir dos estudos da estética da recepção, não podemos mais desconsiderar o leitor como peça primeira do processo de leitura. Devemos considerar a realidade da obra, os níveis de leitura que transformam o sentido do texto. Para um espectador de teatro também ocorre a leitura do espetáculo, por meio da encenação, os símbolos, os gestos e as ações são lidas e interpretadas. E se toda a leitura depende de fatores como formação cultural, social, além de semântica, das estruturas frasais etc., podemos entender que a criança também o fará a partir de seu desenvolvimento cognitivo. Para isso, devemos considerar o espectador como um ser ativo que intervém na leitura do espetáculo, ele é o produtor de sentidos de qualquer fato ou texto, e sua leitura se fará a partir da articulação do que é visto com toda sua já conhecida visão de mundo. Portanto, o espetáculo deve ser visto como uma obra aberta, que dependerá, em última instância do valor atribuído ao mesmo pelo espectador. Pensando nesta importância, buscamos nos estudos sobre a infância o caminho para a descoberta deste espectador específico; analisamos os graus de cognição, o caminho percorrido pelas artes literária e teatral, e a cena carioca nos últimos anos, a fim de apresentar mais chaves a favor da criação do espetáculo, capazes de buscar maior interação com o público infantil. A especificidade teatral articula múltiplas leituras na geração de um só produto ou enunciado: o espetáculo. Nele dialogam as visões como a do figurino, dada pelo figurinista; a do cenário, pelo cenógrafo; a do texto, pelo dramaturgo; a da encenação, pelo diretor e a da atuação pelos atores. Todas elas formam "um caleidoscópio de sentidos e significados" E este "só alcança seu sentido completo a partir do modo de compreensão destas mensagens, realizado pelo espectador". (01) Segundo Márcia Abreu nós "lemos com os olhos que o mundo nos deu" e esses olhos refletem-nos, por meio dos sentidos que emprestamos aos textos que lemos. Quando entendemos que o público, o espectador, toma uma atitude responsiva perante a obra teatral, a questão do teatro infantil como qualquer obra de expressão artística, necessitará de cuidados. Esta visão exclui todo o tipo de classificação ou significação pejorativa para o teatro voltado para crianças. Ao contrário se faz mais necessária tendo em vista que são os adultos quem realizam tal obra. A pesquisa busca, na analogia entre os estudos literários e os estudos da encenação, confrontar questionamentos pertinentes à prática artística do teatro com outros muitas vezes já discutidos na literatura para crianças. E com isto ampliar os debates pertinentes à qualidade do teatro infantil. O foco deste estudo se fará em dois pontos: a criança e a leitura do espetáculo, ou seja, a criança e a cognição, buscando no distanciamento do estudo histórico, reflexões que iluminem a prática atual. Por isso a busca pelos caminhos que levam ao teatro infantil, tanto do ponto de vista da criança, quanto do ponto de vista mercadológico, do que se produz e têm-se produzido, atualmente, no Rio de Janeiro; a partir do conceito das diferentes percepções de mundo. Na última parte apresentaremos um breve estudo acerca da percepção cognitiva da criança, com o intuito primeiro, não de restringir, mas sim de ampliar as possibilidades de interpretação do espetáculo, levando em conta os diversos níveis de leitura que a criança e o adulto realizam, ampliar as possibilidades de trabalho na linguagem do teatro infantil, tendo como objetivo o deleite e fruição das crianças, partindo do seu grau de cognição e das relações que estabelecem no mundo. Apresentaremos também uma breve análise dos temas recorrentes na cena carioca. Tal análise visa levantar questões pertinentes ao fazer teatral para crianças, tanto do ponto de vista de quem as produz, quanto do ponto de vista de quem as escolhe para assistir. Na segunda parte do trabalho refletiremos a respeito das obras destinadas à criança no Brasil. Da literatura ao teatro e por meio desta, encontrar o caminho do teatro infantil no Rio de Janeiro. Com intuito enxergar a linha de pensamento que percorre o fazer artístico literário e teatral para crianças, apresentamos um breve panorama, paralelo, sobre a história do pensamento na produção literária e teatral destinada a este público no Brasil. Iniciamos nosso trabalho discutindo o conceito e visão do que é ser criança, de como a sociedade os vê. Pois, para se pensar em teatro para crianças, além de organizar um conceito e definição do que é o teatro, devemos pensar em para quem é o teatro. Faz-se necessário salientar que, embora o teatro seja dirigido à criança, é o adulto quem o elabora, a partir de seu interesse, tanto na hora da escolha, quanto na produção artística. Portanto, para se pensar na criança como espectador, precisamos pensar, também, sobre que adulto fala à esta criança? E sob qual ponto de vista ele fala? No caso da literatura, temos na história da narrativa para criança no Brasil, momentos em que a fala destinada à criança se fazia de forma autoritária e dogmática. Cabe então um novo questionamento: de que forma a cena teatral se apresenta hoje, sob quais pontos de vista, ou sob quais interesses? Outro questionamento pertinente: O que ou de que forma o adulto vê a responsabilidade de apresentar o mundo à criança? Apresentamos a todo o momento o mundo para estes que começam a vivenciá-lo. E nesta questão, não entra o didatismo, como costumamos ver. O teatro como produto cultural comunica a seu público. Para isso teríamos que chegar a um estudo profundo a respeito de quem são os produtores atores, os envolvidos no processo de criação e realização de teatro para crianças. Mas, este não é o intuito deste trabalho. Apresentamos apenas um breve perfil temático da cena teatral carioca a fim de fertilizar o solo de tantas outras pesquisas que cabem neste campo. RESUMO O presente estudo pretende abordar questões pertinentes á prática do teatro infantil. Para tal, tomamos como base o destinatário primeiro da obra, a criança, com a sociedade a vê, e o processo histórico ao qual a infância foi submetida. Estudamos a história da produção literária e teatral para crianças no Brasil, e apresentamos um breve panorama dos de alguns dos agentes, produtores, grupos e entidades relativas à prática teatral carioca contemporânea. Analisamos as críticas teatrais sob o ponto de vista temático, assim como as questões envolvidas neta realização. Em seguida partimos para o estudo da recepção da obra realizado pela criança, com base nos estudos do desenvolvimento cognitivo. O objetivo cumpre em refletir a respeito da produção de teatro para crianças, visando a qualidade da obra, assim como a sua comunicação com o destinatário primeiro desta. Nota de Rodapé (01) RYNGAERT, Jean- Pierre. Introdução à análise do espetáculo. São Paulo: Martins Fontes, 1996. CAPÍTULO I A PERSONAGEM CENTRAL: A CRIANÇA A personagem central da trama intitulada "Teatro Infantil" é a criança. E quem é esta criança para a qual o adulto fala? Ou quem é a criança que irá assistir ao espetáculo? Partimos, portanto, para o estudo do objeto primeiro deste processo: a criança. Em busca de uma definição sobre o personagem central, chegamos a questões de como nos relacionamos com a criança e de que forma ela é representada no mundo social. Tomamos como base, entre as leituras citadas, as obras de Regina Zilberman e "A literatura Infantil na escola" e obra "Antropologia da criança" de Clarice Cohn. A segunda autora nos apresenta o ponto de vista antropológico, em busca por um modelo o menos arbitrário possível na forma de retratar a criança hoje. E alerta para o fato de não existir uma única infância, mas várias, e destas estarem essencialmente ligadas: ao meio em que vivem, à cultura em que estão inseridas e à visão do adulto sobre ela. Para se iniciar o conceito de criança, pensemos na questão de que: quem formula esta prospecção são os próprios adultos. Portanto, a dificuldade de se produzir ou falar em criança está no ponto de vista. Para o adulto, a criança ainda é objeto, está fora da produção, só se faz presente como sujeito no ambiente escolar. E se a escola reproduz o meio e o modelo de objeto apresentado na vida social, precisamos estar atentos para não ilustrar simplesmente o que vemos hoje como infância. A autora assinala o fato de que a criança se vê como sujeito de suas ações, e diz: "A criança não sabe menos, ela sabe outra coisa". Partindo de uma visão antropológica encontramos na obra de Zilberman, os estudos históricos capazes de trazer luz às contradições vivenciadas pela infância atual. 1.1. IIhamento Regina Zilberman traça um breve histórico das relações sociais e da infância, incluindo o espaço escolar, o que nos aproxima dos conflitos relativos à criança atual. No século XIX o conceito e a visão da criança se formava com base na teoria de Rousseau. Na teoria "do bom selvagem" a criança nasce como um ser puro, inocente, e que deve ser afastada dos males sociais para que possa se desenvolver sem os vícios absorvidos pela sociedade. A criança é vista como um ser incompleto que deve ser preservada desta "contaminação social" por um bom tempo. Na idade média começa a se formar a noção da infância, porém, ainda não existia um espaço destinado a ela como tal. Somente no século XVIII, quando o feudalismo cedeu lugar aos ideais burgueses, "nasce" a Infância. A burguesia, representada pelo surgimento da família, opôs-se ao que regia o sistema feudal. Os elos estabelecidos pelo núcleo familiar deixaram de lado os compromissos com o grupo social. "A vida sai da esfera pública e entra na esfera privada." (02) E, tendo como base: a vida doméstica, a preservação dos bens, a educação dos herdeiros, a importância do afeto e da solidariedade entre os membros, a privacidade e o intimismo; a noção da infância começa a interferir diretamente na criança. A superioridade do adulto passa a impor a educação para o "bom selvagem". Esta mudança de estrutura social desencadeou um afastamento da criança dos meios de produção e dos meios sociais. Zilberman chama este processo de "Ilhamento". Ao aluno - criança cabe o desenvolvimento pleno do "Eu" natural e coube à escola representar este espaço de isolamento para a construção do conhecimento. A criança pode ser, na escala social, comparada ao povo, mas como ela não produz, encontra-se ainda em nível mais baixo. "A infância corporifica, então, dois sonhos do adulto. Primeiramente, encarna o ideal da permanência do primitivo, pois a criança é o bom selvagem, cuja natureza é preciso conservar enquanto o ser humano atravessa o período infantil. A conseqüência é a sua marginalização em relação ao setor de produção, porque exerce uma atividade inútil do ponto de vista econômico (não traz dinheiro pra dentro de casa) e, até mesmo, contraproducente (apenas consome). Em segundo lugar, possibilita a expansão do desejo de superioridade por parte do adulto, que mantém sobre os pequenos um jugo inquestionável, que cresce à medida que esses são isolados do processo de produção." (03) Se antes a criança convivia em um mesmo espaço com o adulto, também antes a esta não cabiam grandes laços afetivos. À nova geração da infância acrescentaram-se o afeto, os estudos para o seu desenvolvimento intelectual e, conseqüentemente, os mecanismos de controle de suas emoções. Com esta nova prática social a instituição escolar começou a sofrer reformas, o que contribuiu para o nascimento da literatura voltada para os pequenos. Daí um motivo para a literatura, assim como o teatro para crianças, começarem sua incursão dentro e para o ambiente escolar. Daí também o motivo de toda a produção artística, destinada a criança, ser relacionada à didática, ou ao ensino. Por todo o caminho percorrido pela infância no ambiente social, fica difícil pensar em como se pode fazer arte para os pequenos desconectada do aprendizado ou do ensino. Por isso, em um primeiro momento, seja na escritura da literatura para as crianças, seja no teatro, a educação era a finalidade única. Alguns conflitos são apresentados pela autora para a arte literária, mas podem ser repassados para a arte teatral. A produção artística em geral para a criança é desvalorizada se fora do ambiente escolar. Vimos que esse pensamento acarreta em uma arte que não é aceita como tal e gera uma necessidade didática que acaba por prender a manifestação artística ao compromisso com a dominação da criança. Como resultado, a relação entre as artes e o ensino se mantém em um espaço inapropriado. Se a escola é o espaço da criança, é natural que à esta caibam as linguagens a elas destinadas. Porém o desprestígio, por enxergar nelas apenas o viés pedagógico muitas vezes afasta o destinatário, por desinteresse. 1.2. O "Vir-a-ser" O "ilhamento", acima citado, também se refere ao processo pelo qual a criança passou ao ser retirada do ambiente social, com isto ela perde o contato com os processos naturais da vida como nascimento e morte, assim como os da política, mas, ainda mantém o seu espaço nas manifestações culturais. Deste processo podemos retirar a atual dificuldade em relação ao tratamento de alguns temas para as crianças tais como a morte e ainda refletir sobre o abrandamento das características dos contos de fadas ao longo dos tempos. O isolamento dos processos naturais e de produção tornaram a criança distante do que deveria ser "natural" do ser humano. A valorização da escola e da literatura infantil decorre, de certo modo, do ideal capitalista e da industrialização. A ascensão da ideologia burguesa e a oposição entre o público e privado cria, entre outros, a dicotomia da separação entre a infância e a idade adulta. À primeira, a infância, cumpre seguir em preparação para chegar-se à segunda, a fase adulta. A infância, então, surge como instituição e com ela a prática pedagógica. Na trajetória do pensamento pedagógico ao longo dos séculos, a criança passou a ser projetada, vista como "o ser" a ser formado, o "Vira-a-ser" do século XX. 1.3. A Superinformação Ao processo de "ilhamento" apresentado por Zilberman, e à visão da criança como um ser e que deve ainda ser formado, soma-se a "superinformação". O efeito da quantidade de informação recebida hoje em nossa cultura e consequentemente pelas crianças nela inserida. O século XIX, a era da industrialização, levou a cultura de roldão. Com o desenvolvimento da indústria e dos processos mecânicos e o aumento da população urbana, as obras de arte passaram a ser multiplicadas. Neste momento, a cultura de massa surge, voltada ao grande público, mas como arte deixa de lado busca por questões existenciais. O consumo fácil passa a levar ao gosto do público valores transitórios. Neste espaço atual, em que a criança se encontra ainda isolada dos processos de produção, ela se depara com um espelho estilhaçado. Fora da escola, os meios de comunicação de massa bombardeiam informações de tipos e gêneros diferentes, a violência, o amor adulto, o consumo entre outros servem de espelho para esta que deveria ser preservada do ambiente em prol de sua formação. E o conflito passar a ser entre a primeira proposta da escola como espaço para a formação do "eu" e os inúmeros "eus" comumente encontrados fora dela. Tal fato inclui o problema da ilha–escola, criada e mantida até hoje, e isolada dos movimentos, das ações políticas e da vida social. Por deixar de ser o espaço do "Eu", o modelo de infância encontra dificuldade para a manutenção da paradoxal proposta. Nely responde à questão atual na qual se encontram os produtores da linguagem artística para crianças, como uma saída ou uma possibilidade: "Paradoxo atual: tanto a literatura, ou as artes em geral quanto a educação estão sendo forçadas a ser sementes e sínteses do Novo. Tem de servir de alicerce para uma nova maneira de pensar, ver e agir, simultaneamente ser a cúpula ou a síntese provisória do novo sistema em gestão." (04) 1.4. Outras infâncias O público consumidor da arte para crianças é basicamente o burguês, ele retém o mínimo necessário para a aquisição de tais bens. A ida a o teatro, ou a compra de um livro, ou até mesmo a valoração destas artes como espaço de encontro e de descoberta de si mesmo, muitas vezes não fazem parte do público infantil das classes sociais mais baixas. A noção de infância que permeia até os nossos dias é a da visão burguesa, de uma cultura centralizada na família. Pensando nesta infância apresentada, como sendo a dos espectadores do teatro infantil, vemos que ainda outras infâncias e crianças são desconsideradas. Se mudarmos o espaço de enfoque, para crianças de uma classe social baixa, que não a burguesa, vemos que o processo de "ilhamento" apontado acima se modifica. Pois, parafraseando Zilberman, enquanto a criança burguesa prepara-se para ser um dirigente, a criança pobre necessita de amparos para que possa exercer a função de mão-de-obra. No primeiro caso, prima-se pela unidade interior e saúde mental. No segundo, se faz necessária a confiança e a subserviência à classe dominante além da saúde física. Neste caso temos o exemplo das ONGs que atuam ensinando jovens as técnicas teatrais, com o sonho de profissionalização. Bernardes, ex-presidente e membro atuante do CBTIJ (Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude) critica, e diz: Estas produções "entram no mercado da apropriação de projetos sociais, transformando isso em teatro profissional. Eu acho que o teatro é o melhor instrumento para você fazer uma transformação social. É o melhor instrumento de sociabilização cultural. O teatro é o melhor instrumento para tudo. (...) que dizem: ‘estamos ensinando a ser iluminador, estamos ensinando a ser contra-regra’ -.Mas não são poucos, são 50,60. Não tem mercado para aproveitá-los, a não ser que eles tenham algum cartucho ou alguém de lá mesmo que queira investir nessas pessoas e fazê-las parte de seu grupo pessoal." (05) Na tentativa de apresentar números de formação profissional esquecem das políticas públicas de acesso e produção artísticas. Como salienta o entrevistado, a importância na formação não é suficiente para a real profissionalização destes estudantes. Caberia a luta por novas políticas de acesso e prática desta arte como um todo. Pois a realidade da arte teatral exclui ainda o mesmo grupo ao acesso como espectador e como produtor, e o mercado, em constante dificuldade, também não possui meios para absorvê-los. Como seria se o teatro fosse palco também para os dramas desta classe? Em nossa sociedade existem crianças que vivem como na idade média, convivem em um espaço sem separações entre crianças e adultos. A escola continua representando um espaço de isolamento, porém impossibilitando o contato e a descoberta de si e de sua classe. As responsabilidades de uma criança de baixa renda nem sempre são menores que a dos adultos com os quais convivem, ambos vivenciam a morte, e se encontram no limiar da marginalidade em seu dia-a-dia. O que significa que, quanto mais baixa a classe social, menos separada se torna a criança do adulto. E quanto maior a classe social, maior será a separação entre o mundo infantil e o mundo adulto. "Se a imagem da criança é contraditória, é precisamente porque o adulto e a sociedade nela projetam, ao mesmo tempo, suas aspirações e repulsas. A imagem da criança, é, assim, o reflexo do que o adulto e a sociedade pensam de si mesmos. Mas este reflexo não é ilusão; tende, ao contrário, a tornar-se realidade. Com efeito, a representação da criança assim elaborada transforma-se, pouco a pouco, em realidade da criança. Esta dirige certas exigências ao adulto e à sociedade, em função de suas necessidades essenciais. O adulto e a sociedade respondem de certa maneira a estas exigências: valorizam-nas, aceitam-nas, recusam-nas e as condenam. Assim, reenviam á criança uma imagem de si mesma , do que ela é ou do que deve ser. A criança definese assim, ela própria, com referência ao que o adulto e a sociedade esperam dela (...) A criança é, assim, o reflexo do que o adulto e a sociedade querem que ela seja e temem que ela se torne, isto é, do que o adulto e a sociedade querem e temem eles próprios tornarem-se." (06) Com o trecho apresentado vemos que pensar em como lidamos com a infância, ou com a criança , é, na verdade, pensar em como nós, adultos, nos vemos. Voltando ao trabalho proposto por Cohn, o que pensamos ou como lidamos com a infância está em ligação direta com o que somos e representamos como adultos. Os medos e coragens incentivados por adultos em sua relação com a criança também espelham a sociedade. Portanto, na arte que o homem escolhe fazer para crianças, o adulto também se vê. Também a visão da produção de arte para crianças apresenta de forma equivalente este espelho social. O entrevistado Bernardes aponta para mais uma questão do teatro infantil como sendo uma porta de entrada para o teatro adulto. A proposição do "Vir-a-ser" apresentada aqui se faz refletida nas relações com a produção da arte: "Mas uma cultura de quem não faz: vê e acha que aprende a fazer. Porque, na realidade, o teatro infantil é considerado um trampolim: enquanto eu não tenho a minha vaga para fazer teatro adulto, faço teatro infantil que é mais fácil. (...) Porque acha que teatro adulto é uma coisa e teatro infantil é outra." (07) As questões a cerca da infância merecem mais estudo e não se esgotam nesta pesquisa. No que diz respeito à criança a qual se destina a obra teatral, vale questionar que tipo de obra se faz necessária apresentar para a formação deste público? Tendo como espectador de teatro infantil, hoje no Rio de Janeiro, o público burguês. Outra questão reflexiva a respeito do estudo: que tipo de adultos queremos encontrar no futuro? E as outras infâncias? Que teatro elas têm direito? Ou como será a recepção de determinados espetáculos a criança, de classe menos privilegiada, terá a mesma de um espetáculo voltado para as altas classes? Ou que tipo de ideologia se faz necessária apresentar para esta infância de hoje? Logo, pensar em teatro para crianças não é apenas encarar a infância como tal, mas sim recriá-la. Citando Márcia Abreu "Diferentes leitores, espectadores, ouvintes, produzem apropriações inventivas - e diferenciadas - dos textos que recebem". Notas de Rodapé 02) ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003. p.18. (03) ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003. p.19. (04) COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil:teoria Análise, didática. São Paulo: Ed. Moderna, 2000. (05) Entrevista em anexo2, A. C. BERNARDES (06) Op.Cit. CHARLOT,Bernard . A mistificação pedagógica. Rio de Janeiro: Zahar,1979. In: ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003. (07) Entrevista em anexo2, A. C. BERNARDES CAPÍTULO II ESPAÇO E TEMPO: LITERATURA E TEATRO PARA CRIANÇAS 2.1. A Formação da Literatura Infantil A literatura infantil no Brasil teve seu surgimento no momento de transição da Monarquia para a República. A escola também começava a ser valorizada neste momento histórico, ambas garantiam o interesse do Estado, que era a valorização da pátria e suas instituições. Temos no Segundo Reinado o estímulo à sociedade burguesa. Era o inicio da identificação da sociedade brasileira com o modelo capitalista, onde a valorização do prestígio cede lugar ao acúmulo de capital. A literatura infantil brasileira passou por grandes transformações. Desde a necessidade da criação de uma literatura nacional, iniciamos o processo de nacionalização e formação das crianças. Até os fins do século XIX a literatura era acessível apenas à elite brasileira, e era representada por obras européias, traduzidas para o português de Portugal. Como não havia aqui editoras, as poucas obras para adultos escritas por brasileiros eram editadas na Europa. No início do século XX a literatura escolar veio como primeira manifestação desta arte para crianças. No projeto inicial Olavo Bilac, Coelho Neto e Tales de Andrade investiam na formação de uma literatura brasileira com a publicação de "Através do Brasil", "Contos Pátrios" e "Saudade" respectivamente. O fizeram com o objetivo de formar os "filhos do Brasil". Até o momento, inicio do romantismo, as crianças só tinham acesso a uma literatura estrangeira, logo a literatura oral era a forma de veiculação do pensamento literário e de acesso livre. Mas, o projeto de literatura idealizado, voltado para o público infantil, apresentava uma visão da criança, então vigente na época, que fez com que o nascimento desta arte estivesse voltado unicamente para a educação. Na produção literária idealizada e traçada para receber e fundar a mente dos primeiros brasileiros, o mérito era a grande moeda. Além da valorização do letramento, da ciência como fonte única de saber possível. Estes valores deixavam de lado a criação, a imaginação e o mágico, sempre tão presentes no universo infantil. "O caminho para a redescoberta da literatura infantil, no século XX, foi aberto pela psicologia experimenta, que, revelando a inteligência como o elemento estruturador do universo que cada indivíduo constrói dentro de si, chama a atenção para os diferentes estágios de seu desenvolvimento (da infância à adolescência) e sua importância fundamental para a evolução e formação da personalidade do futuro adulto". (08) A continuação de uma literatura feita para crianças teve, a partir da descoberta apresentada por Nely, ponto de transformação fundamental com Monteiro Lobato. A ele devemos grande parte das mudanças ocorridas no processo de produção literária para as crianças. A crença na modificação do mundo a partir dos pequenos, o fez interlocutor da infância, por instaurar uma nova linguagem, menos rebuscada, coloquial e próxima à fala brasileira. A criatividade, a abordagem de problemas concretos do país e a temática folclórica, aliados a desmistificação da moral tradicional levou aos pequenos brasileiros a consciência crítica e o contato com a literatura direcionada para eles. O sitio do Pica-pau Amarelo serviu de palco para uma representação genuína dos senhores de terras e maiores representantes do poder econômico aqui estabelecido. A nacionalização do petróleo, as narrativas populares, também presentes na vida e no dia-a-dia dos brasileiros, fizeram parte de sua escrita tanto quanto a presença do racismo e a vida dos brasileiros latifundiários, esta última representada também pela figura do capial, Jeca Tatu, personagem estigmatizado. A nacionalização da literatura infantil de Lobato inclui também a preocupação com formação de leitores. Lobato também agiu como "produtor cultural" levando os livros às cidades mais remotas. Ele abriu, assim, os caminhos para a geração chamada "Os filhos de Lobato" da década de 70. Autores que souberam manter a originalidade e produtividade até hoje, que foram leitores daquele autor. Nomes como Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Érico Veríssimo, José Lins do Rego entre tantos. 2.2. Os Filhos de Lobato: Temas e Questões A partir da segunda metade do século XX o mundo questionou o modelo autoritário. A educação começou a articular o pensamento da criança de forma a atentar para o discurso ao qual ela estava submetida. Surgiram novos modelos de ensino, e as artes representavam na linguagem esta nova relação com o público. Naquele momento, a reforma do ensino obrigava a adoção de livros de autores brasileiros nas escolas, o que propiciou o surgimento dessa geração de escritores e o aumento do público leitor. Até a década de 80 alguns temas eram recorrentes e percorrem até hoje a produção literária para crianças tais como: a realidade e fantasia, presente na a obra "A fada que tinha idéias" de Fernanda Lopes de Almeida, inúmeras vezes adaptada para o teatro; os abusos do poder totalitário, recorrente nas obras de Ruth Rocha; a re-escritura de contos de fadas, invertendo as relações de poder como fez Ana Maria Machado em "Uma história meio ao Contrário"; os problemas ecológicos, sociais, como o personagem pivete e o menor abandonado e os psicológicos, o último bastante explorado por Lygia Bojunga; a valorização da cultura popular; a questão da identidade; a metalinguagem; a ênfase na necessidade de amor e carinho e as brincadeiras com as palavras signos e símbolos. Todas obras que vêem na criança seu interlocutor e buscam na expressão artística, novos caminhos para a formação do imaginário infantil. Monteiro Lobato foi o precursor e incentivador da expressão literária brasileira a se tornar esta, e se encontrar baseada na criatividade, no questionamento tal como propõem os temas acima apresentados. Regina Zilberman enfatiza o cuidado que devemos ter na escolha do tema para arte na infância, para que esta não seja mera reprodução do mundo adulto. "Seja pela atuação de um narrador que bloqueia ou censura a ação de usas personagens infantis; seja pela veiculação de conceitos e padrões comportamentais que estejam em consonância com os valores sociais prediletos; seja pela utilização de uma norma lingüística ainda não atingida pelo seu leitor, devido à falta de experiência mais complexa (da criança) na manipulação com a linguagem. Assim, os fatores estruturais de um texto de ficção - narrador, visão de mundo, linguagem - podem-se converter no meio por intermédio do qual o adulto intervém na realidade imaginária usando-a para incutir a sua ideologia." (09) A arte para crianças deve, portanto, ser o espaço para reflexão sobre a sua condição pessoal e sua função cumpre levar o conhecimento do mundo e do homem. E este propósito se faz longe do objetivo único em ser didática ou educativa. A qualidade da literatura brasileira fez, e até hoje faz, com que muitas das obras literárias citadas sejam adaptadas e sigam para a cena, tanto pela criatividade, quanto pelos assuntos em voga abordados. 2.3. O Teatro Infantil: o Surgimento O nascimento do teatro para crianças não teve um inicio diferente da história literária infantil, ambos surgiram a partir do processo de nacionalização das artes, tendo como base o ideal romântico, mas realizado por representantes do parnasianismo. Em ambos os casos, é questionado o caráter artístico das obras referentes, por seu extremado caráter educativo. O surgimento do Teatro Escolar constituía-se em monólogos escritos, por grandes nomes, para a representação em datas comemorativas em casas e escolas. Dudu Sandroni, em Maturando, descreve este momento como desconsiderável do ponto de vista artístico. O Theatro infantil, de Coelho Neto e Olavo Bilac foi publicado em 1905, contendo peças curtas identificadas como "comédias e monólogos em prosa e verso", porém nestas vê-se a expressão didática e doutrinária. Dentre os nomes que abriam caminho para o teatro infantil, mas com objetivos ainda didáticos está Felix Carvalho, em 1933, com o livro "A Teatrologia Infantil". Felix Camargo, Joracy Camargo Henrique Pongetti e Pascoal C. Magno, em 1944, iniciaram o processo de levar o teatro infantil para além das escolas. E como no campo das artes literárias, o teatro para crianças teve seu momento de mudança de cena. A montagem de O Casaco Encantado de Lucia Benedetti, em 1948 representa um marco significativo, conforme nos conta Dudu Sandroni em Maturando. Não apenas pelo estrondoso sucesso da montagem, mas também por ser este um dos primeiros e significativos espetáculos voltados para o público infantil a fugir à regra, até então presente nas cenas para crianças, de apresentações de cunho educacional. A partir deste espetáculo a mudança de cena se faz presente e a voz da criança passa a encontrar espaço também no teatro. Também em 1948, o TESP (Teatro Escola de São Paulo) estreava Peter Pan, de equivalente importância, sob a batuta de Tatiana Belinky e Júlio Gouveia. Em 1953, surge a referência da dramaturgia para crianças. Maria Clara Machado montou a sua primeira peça direcionada ao público infantil: O Boi e o Burro a Caminho de Belém e com ela deu inicio à carreira de dramaturga a frente do Teatro O Tablado, elevando o teatro infantil amador lá encenado, à categoria de profissional. A autora, que sempre escrevera textos para o teatro de bonecos, começou a adaptar alguns destes para atores, como no caso de O Boi e o Burro a Caminho de Belém. A resposta do público foi imediata e o espaço para o teatro infantil foi garantido, gerando ainda muitos outros sucessos de mesma autoria. Entre eles, Pluft, o Fantasminha foi, sem dúvida, o maior sucesso, montado em vários outros países. Como este, outros títulos, ainda vigoram nas montagens atuais O Rapto das Cebolinhas e Maroquinhas Fru-Fru. Maria Clara Machado antecipou a critica ao poder totalitário encontrada na literatura na década de 70, com a montagem de A Bruxinha que era Boa, em 1960. O Cavalinho Azul foi outro marco na história do Tablado que apresentou a dicotomia entre o real e o imaginário, constantes no pensamento infantil. A própria Maria Clara Machado aborda a questão da dramaturgia para crianças: "Eu acho que a gente não deve ensinar a criança numa peça. A gente deve montar uma peça como se monta uma de adulto: é um conflito, tem que haver um conflito na peça, é essencial na dramaturgia. (...) uma história tem que acontecer, trabalhar com a imaginação e a fantasia de uma maneira que depende do talento de cada um (...) tem que passar para o espectador um momento de poesia, uma sensação, (...) Quando escrevemos para crianças somos apenas aqueles que estão abrindo o caminho que vai do sonho à realidade. Estamos criando, através da arte e a partir do maravilhoso, a oportunidade do menino sentir que a vida pode ser bonita, feia, misteriosa, clara, escura, feita de sonhos e realidades". (10) 2.4. Nova Geração Se a década de 70, na literatura, foi marcada pelo surgimento de muitos e grandes autores do legado lobatiano. O teatro realizado por Maria Clara abriu as portas e influenciou também muitas gerações futuras. A geração de 70, marcada pela expressão do teatro de grupos, e voltada para a linguagem teatral destinada às crianças teve como expoente o trabalho de grupos como o Vento forte, de Ilo Krugli e o Hombu de Sílvia Aderne e Beto Coimbra que se destacam pela qualidade e envolvimento do trabalho, e se mantêm até hoje em atuação. O presente estudo mostra que o teatro de bonecos, assim como a literatura oral, faz parte da história de manifestação popular para crianças no Brasil. Sandroni descreve, em Maturando, a cena comumente vista nas ruas na época da república, a do bonequeiro ambulante que utilizava bonecos, com fantoches ou marionetes. Este artifício seja pela facilidade de realização, seja pela resposta positiva das crianças à narrativa de animação, também serviu como caminho e linguagem para os palcos. Muitos dos grupos formados na década de 70 utilizaram bonecos como expressão e como ponte o trabalho do ator na cena para crianças. O grupo Vento forte, que teve como fundadores educadores, em 1974 surpreendeu o público com a montagem de Histórias de Lenços e Ventos. A utilização de adereços e objetos em cena de forma a animá-los foi um dos surpreendentes recursos apresentados. Ana Maria Machado, crítica infantil, descreve a montagem: "com recursos eminentemente teatrais, que vão do teatro de sombras e ecos de procissões chinesas, chamando a si a riqueza viva do teatro. E tido sem a menor pieguice, sem tatibitabe, sem apelos à participação gratuita, sem menosprezo pela integridade psíquica da criança". (11) Em 1977, alguns participantes do grupo acima citado como Silvia Aderne e Beto Coimbra, criaram o Hombu. Dentre tantas montagens, utilizou a poesia de Cecília Meireles Ou Isto ou Aquilo em espetáculo de mesmo nome. Estreado em 1981, marcou o início de uma temporada de adaptações literárias para o teatro. Em 1990 Sílvia Aderne e Beto Coimbra retomaram as atividades do grupo. Outro grupo expoente da década de 70 foi o Navegando. Dirigido por Lúcia Coelho, por trazer nomes significativos e atuantes no teatro e no trabalho para crianças especificamente. Iniciado no colégio Bennett como teatro amador, o TAB por volta de 1967, teve como ponto culminante a fundação do Navegando após nove anos de experiência. Segundo Lúcia Coelho em entrevista à Dudu Sandroni (12) os nomes: Andréa Dantas, Cica Modesta, Daniel Dantas, Celinéia Paradela, Celina Lira, Fábio Pillar, Fernanda Coelho, Karen Accioly, Vera Lúcia Ribeiro, Bia Lessa, Fábio Junqueira, Maria Cristina Gatti e Caíque Botkay contribuíram com o grupo em momentos variados. A fundadora também conta a importância do uso de bonecos no trabalho e a passagem de manipuladores para atores como parte da história da cena do grupo. A partir da década de 90, o Teatro Infantil começava a lutar por espaços na crítica, nos teatros e por verbas do governo. Dudu Sandroni apresenta as questões em voga na produção de teatro e teatro infantil: "falência do teatro comercial, do produtor (aquele que banca, que contrata, que investe) e mesmo o teatro de estrelas (atores que têm prestígio junto ao público por estarem em alguma novela de TV) já não atrai o público (com suas exceções, é claro). Desta forma, herdando uma crise de credibilidade dos palcos e a desconfiança das platéias, só nos resta estarmos juntos com nossos semelhantes, em companhia daqueles que desfrutam dos mesmos ideais, para seguir adiante". (13) Dentre as grandes dificuldades, ainda atualmente não suplantadas, estava a manutenção e apresentação dos espetáculos. Via de regra, o teatro não conseguia mais se sustentar apenas com a verba das bilheterias, e os mecanismos de subvenção do governo estavam longe de resolver o problema das produções teatrais em geral. Um dos viés de trabalho de grupos e companhias estava no esforço para formação de platéia. Este fora um dos motores propiciadores da migração de grande parte dos fazedores de teatro adulto para a cena infantil na década de 90. Com o insuflar da cultura de massas e o minguar das platéias dos grandes teatros, os órfãos desta categoria passaram a encontrar nas crianças a manutenção desta arte. Ainda naquela década, um grande patrocinador a Coca-cola propiciou, por meio de seminários, patrocínios e premiações o encontro desta classe, a realização de espetáculos e contribuiu, consequentemente, para a formação ou estabelecimento de algumas companhias do Rio de Janeiro voltadas a este público. 2.5.Movimentos, CBTIJ e Problemas de Mercado Na década de 90 surgiam os embriões dos movimentos em prol do teatro para a infância e começavam a se firmar. Segundo Sandroni, o primeiro movimento neste sentido, foi o MOTIM, em 1988. A importância deste é dada pelo primeiro contato dos representantes cariocas com a APTIJ (Associação Paulista de Teatro para a Infância e Juventude), presidida por Lizette Negreiros. Clóvis Garcia, integrante desta entidade era o representante brasileiro da ASSITEJ (Associação Internacional de Teatro para Infância e Juventude), representação que posteriormente foi assumida pelo CBTIJ (Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude). Em entrevista a Antonio Carlos Bernardes ex-presidente e atual integrante do Conselho de Administração do CBTIJ, soube-se mais a respeito do inicio de deste movimento que originou a entidade. "No primeiro seminário realizado pelo Projeto Coca-cola, os profissionais envolvidos com teatro infantil, sentiram a necessidade de se organizarem através de uma entidade. Foi um importante passo no embrião do que viria a ser o CBTIJ." (14) Após o Seminário, os encontros destes profissionais conseguiram manter a força do movimento, de forma que em 1998 foi registrada a entidade. Muitos grupos iniciaram sua trajetória, ou tiveram reconhecimento, na década de 90. Presentes nos encontros e seminários e premiações acima citadas, grupos que vêm contribuindo para a arte teatral para crianças de qualidade no Rio de Janeiro tais como: Cia. Dramática de Comédia, As Marias da Graça, Cia. Ana Barroso & Mônica Biel, Cia. Atores de Laura, Cia. de Teatro Artesanal, Cia. de Teatro Medieval, Teatro de Anônimo, entre outros. Além da manutenção e o prosseguimento com o Teatro Tablado por Cacá Murthé. Mercado e cultura têm trazido questões polêmicas na atualidade, vividas pelos grupos e produtores ligados à arte para crianças. Ao ampliarmos o foco de atuação cultural, verificamos com mais clareza a dificuldade de se manter a autenticidade de movimentos e ações culturais que àquelas voltadas para as grandes massas populares. Neste ponto encontramos em todas as representações artísticas a dicotomia entre o lucro e a arte. Chegamos ao embate entre indústria cultural e manifestação artística. No primeiro, temos o espaço destinado aos grandes eventos caracterizados por muito público e pouca diversidade. No segundo, representativo da arte teatral, o pouco público e muita diversidade. Após o termino do patrocínio incentivador à formação e /ou manutenção de tais grupos, as companhias teatrais têm encontrado forças para a realização desta arte nas entidades, buscado recursos para a manutenção e qualidade desta forma de expressão. "Sim, todos os estados brasileiros poderiam ter essa dinâmica. Mas a gente não consegue juntar pessoas em todos os lugares – gente, juntem-se, organizem-se que unidos as possibilidades são maiores! - Esse movimento vem crescendo. É só descobrir os caminhos através de entidades, da sociedade civil organizada. Porque uma entidade vai como um grupo. O CBTIJ tem praticamente 400 associados". (15) Em, entrevista a dois membros atuantes do CBTIJ, entidade formada há 11 anos, Antonio Carlos Bernardes e Ludoval Campos, sabemos mais a respeito da importância e das dificuldades da organização para a modificação e para a mudança da cena no teatro infantil. "A sede foi uma grande conquista. É como uma segunda casa. Muita luta pra ver o seu sonho se desenvolver. Penso que após o golpe militar, a geração que veio depois, sempre teve dificuldade de se organizar, de discutir pontos de vista, de exigir dos órgãos competentes políticas públicas para a área cultural. Observamos isso em todos os grupos artísticos, companhias e associações, é natural. É uma grande dificuldade essa organização. Mas eu acho que foi muito importante a sede, porque aí reuniu, juntou." (16) A persistência dos membros iniciais na continuação do movimento e a insistência na luta por espaços, apoio do governo e parcerias com empresas privadas, faz do CBTIJ uma entidade de referência em teatro para crianças e jovens. A luta descrita por Bernardes, foi mantida por dois anos com reuniões. À frente do processo estavam ele e Alice Koenow. Após quatro anos de trabalho árduo, conseguiram a sede. A partir de então, o grupo eleito, junto aos associados, vêm construindo, na prática, as possibilidades para o teatro infantil no Rio de Janeiro. Dentre as conquistas realizadas pela entidade estão a parceria com o SESC, que provê a Mostra SESC CBTIJ de Teatro para Crianças, iniciada em 2001, época em que atingia 17.000 espectadores. Hoje com 14 espetáculos participantes da mostra, atinge em média 50.000 espectadores em unidades do SESC espalhadas pelo Estado do Rio. Outra luta do grupo é pela oficialização do Dia Nacional do Teatro para a Infância e Juventude, dia 20 de Março. "Essa data é uma iniciativa da ASSITEJ junto com a UNESCO. Já conseguimos dos governos estadual e municipal oficialização do dia 20 de março como Dia Estadual do Teatro da Infância e da Juventude e Dia Municipal do Teatro da Infância e da Juventude e já está em última instância no Congresso o Dia Nacional. Essas ações podem ser pequenas num primeiro momento, mas vão fazendo o poder executivo se dar conta da importância dessa data e da atividade. Do direito da criança. (...) O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA que muito pouca gente tem conhecimento, que é lei, já existe á 15 anos. O estatuto prioriza verbas e ações para a área da infância e da juventude e é por aí que a gente caminha. Legalizar, legitimar nossa atividade. Anualmente também nós temos o seminário que funciona da mesma forma." (17) Porém a dificuldade ainda se mantém. Conforme Márcia Abreu em citação à Michel Certau "o consumo cultural é ele mesmo mais uma produção - silenciosa, disseminada, anônima, mas uma produção". E a busca por parceiros se torna uma possibilidade real na manutenção, criação de espetáculos e abertura do mercado. "Antes tínhamos um grande patrocinador que era a Coca-Cola. Hoje temos um grande parceiro que é o SESC. Mas hoje a coisa já tomou outro rumo: temos a Telemar que também está dando muito força para o teatro. Acabei de sair de uma temporada com O Neurônio Apaixonado. O Álvaro está em cartaz com um espetáculo infantil lá do grupo Etc e Tal. De modo geral eu acho que a ação do CBTIJ de trazer pessoas de fora para participar de nossos seminários e do entendimento do teatro da infância e da juventude como extremamente importante na formação do cidadão é que faz com que as pessoas percebam isso.O que a gente quer é estruturar esse movimento. Pois ele é ainda muito pequeno." (18) Outra questão que as entidades ligadas ao fazer teatral buscam trabalhar, diz respeito à qualidade dos espetáculos. A questão do consumo cultural leva os fazedores deste teatro à luta por espaços e subvenção em prol da manutenção desta forma de expressão. Enquanto isso, algumas produções optam por produções já conhecidas do grande público, incorrendo na imitação de filmes ou desenhos que em nada acrescentam ao fazer teatral e à especificidade da linguagem. No caso do teatro infantil, existe um mediador entre o produto artístico e seu público alvo que não deve ser desconsiderado: os pais. Afinal, eles são os responsáveis pela ida ao teatro, pela escolha dos espetáculos, e consequentemente pela efetivação deste quadro. Portanto, outro ponto de extrema importância quando tratamos de teatro para a criança. A escolha, a definição de "o que assistir". Quais são os meios para se chegar a tal escolha? O que leva um pai a escolher um espetáculo para seu filho? A falta de material disponível na mídia, torna o desconhecimento do público um dos problemas na escolha do espetáculo. A falta de projetos do governo de incentivo nesta área também se faz objetivo das entidades representativas do teatro. Estas são questões sistemáticas pertinente à classe teatral e não apenas aos produtores de espetáculos infantis. Neste caso, vale o esforço de tantas produções autônomas, independentes do grande processo de massificação cultural ao qual nossa geração é refém, em buscar subsídios para a veiculação de informação da produção em jornais e revistas e inclusive na criação espaços especializados no assunto, para que sirvam de guia aos que têm interesse. Outras instituições de produção e fomento vêm buscando parcerias em prol da manutenção de um solo propício para esta arte tais como e merecem destaque e aprofundamentos nesta pesquisa: CEPETIN (Centro de Pesquisa e Estudo do teatro Infantil) e o CRTI (Centro de Referência de Teatro Infantil) no Rio de Janeiro. Notas de Rodapé (08) COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria Análise, Didática. São Paulo: Ed. Moderna, 2000.p.30 (09) ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 2003. p.23 (10) Apud Sandroni, p. 85. (11) Ana Maria Machado - JB, 25 de maio de 1974 (12) 6 º Seminário Permanente de Teatro para Infância e Juventude Teatro Ziembinski 28 de Outubro de 1997, Convidada: Lúcia Coelho. In: www.cbtij.org (13) Dudu Sandroni do Seminário Permanente de Teatro para a Infância e Juventude, realizado durante o ano de 1997, que resultou no quinto volume dos Cadernos de Teatro, de onde este texto foi retirado.In: www.cbtij.org.br (14) Entrevista em anexo 1 A. C. Bernardes (15) Entrevista em anexo 2 Ludoval Campos (16) Entrevista em anexo 2 Ludoval Campos (17) Entrevista em anexo 1 A. C. Bernardes (18) Entrevista em anexo 2 Ludoval Campos CAPÍTULO III A NARRATIVA CÊNICA: CONFLITOS DA CENA ATUAL 3.1. A Cena Atual Analisamos a cena carioca a partir das críticas de teatro publicadas no site do CBTIJ, dos críticos Carlos Augusto Nazareth e Marília Sampaio dos jornais: Jornal do Brasil, O Globo e Jornal do Comércio. Sabemos que este escopo representa apenas uma pequena parte da produção teatral carioca, visto que a publicação da crítica já representa uma seleção. Não procuramos outras fontes para a nossa pesquisa, tendo em vista o curto espaço de tempo para a realização da mesma. A facilidade de acesso encontrada no site do CBTIJ nos permitiu analisar a respeito dos temas encenados no Rio de Janeiro de 1997 e de 2003 à 2006. A forma com que analisamos as obras encenadas neste período faz-se também em recorte. Por ser o texto teatral uma obra aberta, não podemos deixar de lado todas as interferências as quais o texto ou a idéia sofrem ao ir para a cena. Para uma verdadeira análise qualitativa deste período, precisaríamos considerar a obra completa em sua encenação. O espetáculo, como um todo, requer a afinação dos vários instrumentos tais como: texto, encenação, figurino, cenário e atores. Mas, nesta análise, nos atemos somente à questão da temática mais presente no texto e no espetáculo. Por meio das temáticas mais amplas, conseguimos pensar um pouco a respeito da recepção de tais obras, tanto sob o ponto de vista do produtor, que escolhe encená-las quanto do ponto de vista do público que as assiste. Em 139 críticas consideradas, tivemos um total de 53% de espetáculos baseados em adaptações, seja de clássicos, de narrativas populares ou literárias autorais. Este resultado vem ao encontro desta pesquisa, mostrando a presença da literatura na cena e o quanto as duas formas de expressão artísticas sofrem de questões equivalentes. Dentre as adaptações 25% são de contos clássicos mundiais. Nestas constam histórias dos grandes compiladores como Grimm, Andersen e Perrault. E ainda as adaptações dos contos populares e tradicionais brasileiros, que têm como um dos seus maiores compiladores Câmara Cascudo. Ainda vigoram, entre as adaptações, os clássicos da dramaturgia e da literatura adulta produzidos para crianças. Neste cenário consta apenas uma pequena produção de dramaturgia inédita e original, das montagens de textos genuinamente dramáticos, sendo estas ainda de qualidade questionável para os críticos. Os textos dramáticos e qualificados pela critica, mais montados, foram obras de Maria Clara Machado. Vemos, com este resultado, que a questão do teatro para crianças não envolve apenas a consideração desta como leitora principal do espetáculo, mas também a questão do conhecimento e a aplicação da estrutura dramática para a criação de novos conflitos cênicos que despontem em dramaturgias de qualidade e consequentemente em boas montagens. Há, nas novas produções, linguagens que não se espelham, necessariamente, na narrativa clássica dramática. Muitas vezes o jogo é estabelecido apenas pela apresentação de personagens, baseados na visão do novo, do desconhecido para as crianças, no conhecimento, identificação e fruição. Como exemplo, temos o espetáculo da Cia. Paulista Pia Fraus, atuante há 23 anos na montagem de espetáculos para o público infantil com Bichos do Brasil. Nesta linha temos o que podemos chamar de novas linguagens vale destacar o CRTI com a realização do Intercâmbio de Linguagens que provê ao espectador carioca o contato com espetáculos do Brasil e do exterior que apresentam em cena recursos múltiplos de linguagens. As muitas adaptações dos contos de fadas clássicos e dos contos populares, que utilizam a narrativa em cena, trazem para o palco o resgate da figura do contador de histórias. O crítico denomina como narrativa oral cênica toda proposta que inclui a narração e a encenação, seja por meio de personagens que contam suas histórias, seja por meio de narradores que, de alguma forma, assumem características de personagens. Porém, algumas dificuldades são encontradas neste tipo de linguagem. No que tange as dificuldades de soluções cênicas para o trabalho narrativo, destaca-se a perda do que identifica a cena teatral: o drama, a ação ocorrida no palco. Carlos Augusto Nazareth apresenta em uma das críticas a dificuldade de tal proposta: "No entanto, ao se juntar narrativa oral cênica e narrativa dramática, muitas vezes ocorrem problemas de indefinição de proposta. Um contar que trabalha insuficientemente a palavra se alia a um teatro insuficiente quanto ao seu desenvolvimento dramático. Se a opção estética é valorizar a palavra, esta tem que ser o foco primeiro. Os atores, enquanto contadores, têm que buscar a interlocução com o espectador." (19) Para solucionar os problemas da narrativa cênica, não deixando de lado a característica da ação que deve ocorrer no drama, a manipulação de adereços e bonecos surge como um recurso à narração da palavra. No caminho das mudanças e novas linguagens e mais próximo à utilização de uma "narrativa cênica", destaca-se o trabalho do grupo Etc. e Tal. Com um trabalho classificado como "pantomima literária", traz à cena carioca a possibilidade de apresentar a narrativa, sem se perder o caráter dramático da cena, apresentando a narração e a mímica de forma simultânea. Para Carlos Augusto Nazareth o enfoque narrativo no teatro vai além das excessivas montagens de adaptações literárias, o que o estudioso julga pouco incentivado é a escrita dramática, como dramaturgia para crianças. Esta falta, sendo muito poucas as possibilidades de textos voltados para o público infantil, faz com que "um surto de adaptações" tome conta da cena. Algumas delas feitas a partir de clássicos do teatro adulto, outras advindas da nossa rica literatura infantil, ou ainda as inúmeras adaptações dos contos clássicos da literatura mundial, (Grimm e Andersen). Porém, em nenhum dos casos assusta tanto os artistas ligados a esta produção, quanto as inúmeras adaptações dos filmes da Disney, feitos como garantia de público, que quase sempre comprometem a qualidade, como obra de arte e como comunicação. O entrevistado Bernardes que vêm trabalhando em prol da qualidade no teatro para crianças define: "Existem crianças. Criança que está dentro do adulto. Quando você vai ver um espetáculo que é bom, é teatro, é bom e ponto final. Você entra na história como a criança que está do lado." (20) 3.2. Pontos de Vista Após constatada a presença da narrativa na cena carioca, seguimos para apresentar algumas visões sobre a narrativa encontradas nos estudos literários que podem, não resolver as questões da cena, mas acrescentar dados ao discurso a ser produzido no palco. A análise do discurso apresenta a idéia de que não existe discurso sem ideologia, e todo discurso pretende uma relação com o receptor. Portanto, ao propor montagens de narrativas clássicas, não se pode deixar de levar em conta tantos estudos acerca das simbologias e significações. A "teia" de sabedoria popular encontrada nestes contos, construída há tempos e que ultrapassaram milênios, ainda se mantém viva no imaginário mundial. Entre os estudos temos os enfoques que trazem aos contos o aprofundamento por meio das abordagens: sociológicas, históricas, psicológicas ou simbólicas. Betleheim baseia seus estudos no campo da simbologia freudiana e aponta o conto de fadas folclórico como instrumentalizador, essencial para elaboração dos problemas existenciais. Um local para o encontro da criança com sua agressividade, com seus medos e com sua raiva, que permite, por meio das narrativas, a vivência e a reorganização mental dos conteúdos negados pela sociedade. No campo sociológico, a importância dos contos tradicionais se dá na formação social. Não com pretensões doutrinárias, como vemos em muitas obras literárias voltadas para o público infantil, que imprimem a forma ideal de comportamento; mas sim como exemplar, modelar, para as agruras as quais passamos em todo o processo de transmissão e produção cultural. No estudo do campo dos símbolos, os heróis dos contos tradicionais, as representações arquetípicas são como heranças do inconsciente coletivo, como representantes das estruturas psíquicas da humanidade. A noção do arquetípico é construída e presente no imaginário social ou popular. Portanto, tudo o que diz respeito à capacidade de expressão individual e pessoal, está ligada ao imaginário. Tais considerações servem de arcabouço para o fazer artístico. Mas as adaptações dos contos clássicos não são prerrogativas das montagens teatrais. O reconto e a re-escritura de tais narrativas foram e são largamente trabalhadas pelos escritores de literatura infantil (como já vimos nos capitulo anterior) muitos deles mexem na estrutura fundamental do conto, mas com o propósito de apresentar novas leituras e novas propostas significativas. Estas são, muitas vezes, originárias para o interesse da classe teatral na encenação de tais adaptações. Nely Novaes propõe um levantamento dos principais conceitos e padrões de pensamento ou de comportamento os chamados "Valores Tradicionais" (consolidados pela sociedade romântica no séc. XIX) e os "Valores Novos" (gerados em reação ao antigo, mas ainda não equacionados pelo sistema). Apresentamos o quadro da autora com o objetivo de abrir o campo das possibilidades de pesquisa para esta área. Neste, o quadro de análise estrutural dos contos de fadas e dos contos maravilhosos, podemos traçar os caminhos que dão origem à formação de uma nova mentalidade ideológica, assim como uma nova forma de visão de mundo. Como, para a autora, à literatura infantil cabe semear os valores que integrarão uma nova mentalidade futura. O Tradicional O Novo 1. Espírito de individualista 2. Obediência absoluta à Autoridade 3. Sistema social fundado na valorização do TER e do PARECER, acima do SER 4. Moral dogmática 5. Sociedade sexófoba 6. Reverência pelo passado 7. Concepção de vida fundada na visão transcendental da condição humana 8. Racionalismo 9. Racismo 10. A criança: "adulto em miniatura" 1. Espírito solidário 2. Questionamento da Autoridade 3. Sistema social fundado na valorização do fazer como manifestação autêntica do ser 4. Moral da responsabilidade ética 5. Sociedade sexófoba 6. Redescoberta e reinvenção do passado 7. Concepção de vida fundada na visão cósmica / existencial/mutante da condição humana 8. Intuicionismo fenomenológico 9. Anti-racismo 10. A criança: Ser - em - formação (mutantes do novo milênio) (21) Tal quadro sintetiza a relação e o local da criança no seio da sociedade. A arte assim vista como expressão primeira das transformações sociais serve de motor e motivador seja como espelho dos valores vigentes, e estes não devem ser desconsiderados no momento de escolha da montagem de um espetáculo para crianças. Tais considerações servem para iluminar e preencher de amplas significações o que se realiza em cena. Tais considerações não se esgotam no que tange o estudo das propostas cênicas e das escolhas em montagem teatral para criança. Procuramos aqui apresentar novos olhares para as adaptações, que questionem as escolhas e não as julguem, e que sirvam ampliação de caminhos de pensamento e práticas cênicas atuais, a partir de maior cuidado e conhecimento por parte das realizações desta arte. Sob este ponto de vista cabe entendermos a retomada das narrativas em cena, tanto do modelo clássico de estrutura dramática, quanto do contato e da presença dos contadores de histórias que, atualmente, também refletem o homem de hoje, com seus medos e os caminhos que ele procura na atualidade. Pensando no reflexo que este tipo de cena traz ao público infantil, vemos duas possibilidades de valorização. Primeiro sob o ponto de vista de formação, o desenvolvimento do raciocínio encadeado, em segundo plano encontra-se o resgate de uma característica de formação do povo brasileiro. Notas de Rodapé (19) Crítica publicada no Jornal do Brasil por Carlos Augusto Nazareth - 11.06.2005 (20) Entrevista em anexo1 com A. C. Bernardes (21) COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil :Teoria Análise, Didática. São Paulo: Ed. Moderna, 2000. p.19. CAPÍTULO IV A AÇÃO DO ESPECTADOR NA OBRA Apresentadas as questões relativas à infância e à produção teatral e literária, assim como as temáticas recorrentes nas montagens atuais, podemos começar a pensar em outro fator intrínseco, ligado à produção artística em geral e ao teatro em particular para crianças: a recepção Esta diz respeito à forma pela qual a criança interage com as informações recebidas, de que modo ela as recebe e as processa, ou que tipo de leitura ela faz ou fará do espetáculo em questão. Utilizamos os estudos de Piaget e Vygotsky, com intuito de iluminar as questões referentes ao entendimento da obra artística realizado pela criança quanto ao seu desenvolvimento cognitivo. Sem, necessariamente, aprofundar na questão das diferenciações etárias, apenas para o entendimento do percurso cognitivo que a criança faz até o inicio da adolescência. A criança é receptiva a obra e não passiva a esta, a todo momento ela recebe e processa as informações transmitidas em cena. Tratamos, neste estudo, a ação como o diálogo que a criança tem com a obra. Como ela recepciona esta em seu interior. Para tal, cumpre observar que não levamos em conta a obra de arte, o teatro, com meio e fim educativo ou didáticos, mas sim como espaço de expressão e manifestação do ser. Como nos diz Gerd Bornheim, "O importante está em compreender que o teatro não é nunca apenas o teatro, e sim um visor através do qual o homem acede ao sentido de sua inserção no mundo." (22) Assim sendo, o desenvolvimento infantil, como habilidade de construção de um modelo interno do mesmo, pode ser levado em consideração na criação dos espetáculos. Ao pensar em faixa etária o produtor pode utilizar da noção de público alvo para melhor estabelecer o jogo com a platéia. O entrevistado Ludoval apresenta, com base em sua experiência na área questões pertinentes à faixa etária no teatro para crianças: "Esse trabalho é muito importante. Hoje na Europa, algumas produções, tendem a não fazer teatro para o grande público. A preocupação deles é fazer teatro pra 50. Faixa etária de 02 anos a 05 anos e meio. (Aqui) Os pais e avós, de modo um em geral, levam para qualquer coisa. (...) Na verdade o teatro fica apropriado para uma determinada faixa e você às vezes assume uma outra. Então é montar o espetáculo infantil falando de determinado assunto. Mas, no desenrolar dos ensaios, a questão da faixa etária fica meio livre..." (23) 4.1. Cognição Para Piaget a criança passa por estágios de desenvolvimento. Em sua pesquisa ele busca definir quais são os fatores universais necessários para evolução humana, procurando entender os mecanismos e processamentos internos. Já Vigostsky entende que o essencial para o desenvolvimento cognitivo está na interação social. Logo, os fatores externos do ambiente social são, para ele, os grandes agentes no processo da aquisição do conhecimento. Neste caso se, para Vygotsky, a imitação torna-se essencial no desenvolvimento da criança, para Piaget o jogo e a imitação se completam neste processo. No livro "A representação do mundo real na criança", Piaget explora a relação da criança com a descoberta do funcionamento do universo. Antes de pensar racionalmente, com a lógica dos adultos, a criança busca explicações por meio da criação de mitos. Desta forma, o desenvolvimento cognitivo está relacionado diretamente à capacidade de criar símbolos. Consequentemente o jogo, a imitação, o sonho e a representação se fazem artifícios utilizados. Por isto a narrativa fantástica, o mágico, o lúdico encontram espaço no mundo infantil, a imaginação e se torna elemento de identificação para as crianças. Nos contos de fadas o elemento mágico aparece como fonte capaz de transformar os plebeus em reis. Tais narrativas transmitem informações à criança em consonância com o seu estagio de desenvolvimento cognitivo e emocional, por narrar figurativamente. E como estrutura, a narrativa tem a capacidade de sintetizar os fatos e acontecimentos em uma imagem única. No processo de desenvolvimento, a criança faz a passagem do concreto, ou seja, da utilização dos símbolos; para o abstrato, à utilização do signo, como as letras, no caso da leitura. Piaget exemplifica esta operação com a passagem de uma criança que assimila a palavra "elefante" como devendo ser escrita em letras grandes, de forma a corresponder ao tamanho do animal. Nestes momentos, o pensamento da criança se faz por superposição e não necessariamente por causa e efeito.Temos na parte de uma entrevista publicada no site do CBTIJ um bom exemplo acerca da leitura do espetáculo que a criança faz, dependendo de seu estágio de desenvolvimento cognitivo. O ator Eduardo, da Cia Dramática de Comédia, retrata uma cena de pós-espetáculo com a peça Epaminondas: "um garoto de uns 6 ou 7 anos veio falar comigo, e disse: ‘Poxa, o seu pai falou tanto para você não mentir, e ele é o maior mentiroso’ . Eu brinquei: ‘Está vendo só o que os pais fazem com a gente, às vezes? Falam uma coisa e fazem outra.’ Aí, uma menininha que ouviu a conversa, emendou: ‘Meu pai nunca mentiu, mas minha mãe mente sempre: ela diz que vai fazer batata frita e faz macarrão.’ Eram crianças da mesma faixa etária, mas que compreendiam as coisas de forma diferente. O garoto viu a coisa pelo lado moral, do juízo moral, do "não mentiras", e ela associou a história aos fatos do cotidiano, sem se referir à regra moral." A importância do conhecimento deste processo de desenvolvimento da criança permite, na criação do espetáculo, uma ampliação dos níveis de leitura aos quais o público infantil terá acesso. Como no exemplo acima citado, vemos que não se faz necessária a definição de faixa etária para o espectador, mas o conhecimento das opções de leitura que o mesmo apresenta a seu público, podem contribuir para o fazer teatral. 4.2. Piaget: Estágios de Desenvolvimento Os estágios de desenvolvimento apresentados por Piaget correspondem a habilidade do indivíduo em construir um modelo interno do mundo que o cerca, gerar, produzir e manipular este modelo, até tirar as conclusões a respeito do passado e do futuro. Na evolução destes estágios tem-se no inicio o egocentrismo infantil. Vendo o mundo a partir de seu ponto de vista e aprendendo por repetições, a criança começa a desenvolver a sua percepção. Em seguida, ela enceta distinguir o que é interno, ou seja, o que é ela; do que é externo, o que são outros ou os objetos. A partir de então, o pensamento da criança começa a ligar a ação à percepção. Utilizando o processo da fala como modelo de linha de desenvolvimento, teremos os primeiros momentos começando com a fala egocêntrica, para então seguir para a fala silenciosa, para si mesma, e só então dar cabo à fala socializada, com a noção do receptor da mensagem. A criança pensa em voz alta dizendo a si mesma o que fazer, pois para ela a fala e a ação estão ligadas. Segundo Piaget o limite para este tipo de ação, pautada no egocentrismo, tem o seu auge entre 3 a 5 anos de idade. Alguns espetáculos trabalham com esta noção. Na peça A Aranha Arranha a Jarra, a Jarra Arranha o Trava-Língua, sob direção de Demétrio Nicolau, vemos a ação direcionada a crianças menores. Por ter o enfoque na brincadeira com as palavras e a ação que não necessariamente gera uma relação direta com a fala, a obra trabalha com o estágio cognitivo da criança acima descrito. "um divertido espetáculo voltado para as crianças bem pequenas, o que é raro em nossos palcos.(...) o espetáculo parte da sonoridade e do ritmo das palavras para criar cenas isoladas a partir de cada um dos trava-línguas escolhidos. As situações, as coreografias e o gestual criados não têm necessariamente uma relação direta com o significado de cada um dos trava-línguas." (24) Outro espetáculo que também explorou as possibilidades de leitura realizadas na infância foi a montagem Bagunçaaa!!! - Ópera Baby, sob a direção de Karen Acioly. A idéia de apresentar às crianças momentos do desenvolvimento perceptivo de meses até os 7 anos de idade, inovou a cena. Tal novidade realizada com qualidade artística não apresentou didatismo ou caráter educativo à obra. O uso da criatividade e dos recursos artísticos disponíveis abriu portas para que se possa considerar as crianças como espectadoras ativas, ao qual se faz o objetivo do espetáculo. 4.3. O Jogo A partir dos sete anos a noção de espaço e tempo se desenvolve. E aos oito anos a criança será capaz de trabalhar com hipóteses, sendo estas confirmadas ou negadas. O jogo de regras começa a ser utilizado e se sobrepõe ao jogo simbólico. Para Piaget o jogo trata da assimilação da nova experiência, tem um fim em si mesmo e a imitação realizada reproduz os modelos familiares pelo desejo de superação. Nas temáticas de espetáculos ou nas obras dramáticas para o público infantil pouco se utiliza das estruturas de mistérios ou detetivescas. Tais estruturas lógicas servem de espelho e identificação para a criança que desenvolve seu raciocínio hipotético. A inclusão de estruturas dramáticas que trabalham com as hipóteses, podem trazer um interesse maior do espectador entre 10 e 14 anos, que comumente sofre desinteresse nos espetáculos voltados para crianças. O teatro na infância estabelece o jogo que a criança conhece e bem: o da imitação. Para Piaget, com o crescimento e refinamento da capacidade de imitar, a criança está adquirindo mecanismos para tornar vivíveis as imitações internas, como faz com as externas. Este é o processo de amadurecimento que faz com que ela possa posteriormente conseguir separar o pensamento, da ação propriamente dita. É o início da abstração. A capacidade de abstração é considerada um dos pontos de culminância na evolução cognitiva. E esta tem início, como já abordamos nas explicações, por meio de mitos para os acontecimentos aos quatro anos com o pensamento animista. Os objetos animados são vistos como seres viventes e uma criança dirá: "Os barcos estão dormindo". Aos cinco anos estes objetos animados se desenvolvem para a intuição, como inicio do pensamento simbólico. A criança explicará: "A lua fica no céu como? Como os balões?" Segue-se então para o estágio em que todo o real reduz-se a fenômenos mágicos. "Se eu bater os pés a sopa será boa, se não o fizer, não será". Neste momento a criança atinge o grau de objetividade. É um momento de transição entre os esquemas pré-conceituais de imagem e os verdadeiros conceitos operacionais. Um exemplo deste avanço está na capacidade adquirida de fazer perguntas pelo prazer de perguntar, sem necessitar das respostas. Alice Koënow possui uma posição a este respeito. Em seu artigo "O alcance do teatro para crianças e adolescentes" (25), a diretora acredita que estas relações de causalidade e efeito são mais pertencentes ao universo adulto. A criança, possuidora basicamente de uma inteligência concreta, vivencia suas experiências no tempo presente, no aqui e agora. Logo, na opinião desta diretora, esta estrutura fragmentar não seria empecilho na apreensão teatral pela criança. E destaca que não é pelo fato de a criança possuir um universo de experiências concretas e sensoriais, que não podemos estimular o seu raciocínio abstrato, por exemplo. Ou seja: partimos de seu ponto de vista concreto, mas podemos estimular a abstração, a lógica. No processo de associação que a criança faz, ela deduz que, se uma coisa é próxima a outra, então ela funciona como se fosse a outra. Portanto o símbolo traz a representação de um objeto ausente, desde que exista uma comparação entre um elemento dado e um imaginado. Nele está o espaço do faz-de-conta. Uma criança que finge estar dormindo, ao reproduzir as suas ações ela apresenta e mostra aos outros também pela necessidade de acomodar-se a elas. "Os membros da platéia se identificam em seu inconsciente com alguns aspectos ou pessoa da obra dramática exatamente como nas representações primitivas o homem fazia identificações experimentais com seu deus; nesse sentido o teatro é religioso, mágico; mesmo em suas formas mais simples (bonecos ou circo) pode promover identificações de natureza infantil." (26) Para Vygotsky, o contato com o meio social é o primeiro impulso para o desenvolvimento da criança e esta o fará, inicialmente, por meio da imitação do que vê a sua volta. Assim os jogos e brincadeiras têm um importante papel no desenvolvimento infantil. Pois é no jogo e na brincadeira com objetos concretos que ela atribuirá papéis diferenciados relacionando-se com a significação e formando conceitos. O jogo da narração realizado por personagens, presentes nas muitas adaptações de contos populares e literários (a apresentação dos personagens, que contam e interpretam outros personagens) provê uma identificação da criança perante o seu próprio processo de construção e percepção do mundo. Pois é no brinquedo e na brincadeira que a criança aprende a separar o objeto do significado. Neste ponto o teatro torna-se um importante instrumento na formação de significados para a criança. Pois que o jogo é o princípio desta forma de expressão artística. "Uma cultura desenvolvida fundamenta-se no jogo: o teatro e o ritual são as versões civilizadas dos mecanismos inerentes ao jogo; tanto o jogo da criança quanto o teatro do adulto são versões das tentativas dos seres humanos de encontrar a segurança." (27) 4.4. O Contrato do Teatro O jogo teatral, portanto, é estabelecido como um contrato entre os espectadores e os atores, ou a cena. Estabelece-se um contrato mútuo de aceitação daquela realidade. E o jogo aceito pode ser o de atores e personagens, pode ser o de utilização de bonecos ou adereços de forma animada, e ainda algum outro tipo de suporte. A regra deste jogo implica na aceitação da cena como "verdade", e para a criança este jogo se faz naturalmente. "A arena, a mesa de jogo, o círculo sagrado, o templo, o palco, a tela de cinema, o tribunal são, segundo sua forma e sua função, lugares de jogo, isto é, solo sagrado, domínio separado, cercado, consagrado, para os quais valem regras específicas. São mundos temporários dentro do mundo usual, que servem para a realização de uma ação completa em si mesma." (28) Uma das questões apresentadas por nossos entrevistados e presente nas poucas produções escritas sobre o Teatro infantil, capaz de comprometer a qualidade do espetáculo é o contato direto dos personagens com a platéia. Sabemos que este artifício em alguns espetáculos cabe e complementa-os, mas em muitos casos é usado de forma arbitrária, com o objetivo de "interagir com a criança", "chamar atenção", ou se fazer certo do entendimento da mesma. Perguntas do tipo: "Alguém viu o lobo?" (quando o mesmo está, no jogo cênico, atrás do personagem), também ilustra momentos em que perguntas são usadas sem que necessariamente façam parte da lógica ou linguagem do espetáculo como um todo. A importância do estabelecimento do jogo no espetáculo, e no processo de criação do mesmo, deve ser levada em conta, para que as ações gratuitas não sejam usadas como tentativas de comunicação, visto que a cena em si já representa o jogo assim como tudo o que nela aparece, sem a necessidade de reforçar o entendimento. Para Barthes a produção de sentidos de um texto, neste caso de um espetáculo, depende do leitor e das estratégias discursivas que o autor utiliza. Ao criar a sua mensagem, um autor prevê um leitor modelo e com ele faz a sua construção. Todo leitor age também sobre um código, regras que dominam a escrita de determinada época. Há, portanto, um direito do leitor na interpretação de um texto, como também há uma subjetividade na leitura. Para se pensar em uma encenação rica, deve-se juntar estas faces buscando as interpretações das redes de sentido e desenvolver hipóteses destas para o trabalho cênico. A falsa idéia da construção e percepção infantil talvez seja um dos motivadores da repetida fórmula de interação do personagem dos espetáculos com seu público alvo entre outras questões que colocam em cheque a qualidade do espetáculo. Por isso buscamos na concepção dos dois teóricos, o processo de construção da percepção da criança com o objetivo de aprofundar e encontrar maiores subsídios para uma nova visão a respeito desta prática cênica. Notas de Rodapé (23) Entrevista anexo2 com Ludoval Campos (24) Crítica publicada no Jornal do Brasil por Carlos Augusto Nazareth - 10.04.2005 (25) Texto publicado em 1998(em inglês) no Anuário da Assitej - Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude. In: www.cbtij.org.br (26) Coutney, Richard. Jogo, teatro e pensamento. Ed.Perspectiva. estudos 76. pág. 284 (27) COURTNEY, Richard. Jogo, teatro e pensamento. Ed.Perspectiva. estudos 76. pág. 284 (28) BORNHEIM, Gerd. Brecht, a Estética do Teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992. p.39, p.81 Op cit huizinga, johan, op cit.p.17 Bornheim V. CONCLUSÃO Iniciamos o estudo em busca do personagem principal dos espetáculos teatrais: a criança, e partimos para o histórico das produções voltadas a este público no Brasil. Percebemos que a forte presença da narrativa e adaptações na cena carioca atual pode representar tanto uma necessidade dos espectadores, quanto a falta estrutura central do drama: a ação. Encontramos na ação do espectador perante a obra teatral, caminhos que podem incrementar novos enredos e novas temáticas para os conflitos vivenciados no mundo infantil. Ainda outros temas surgem ao utilizarmos os estudos da formação cognitiva da criança, como base para a criação da ação cênica.Visto que os estágios de desenvolvimento vêem no jogo e na imitação recursos facilmente identificáveis pelo público infantil. A cena teatral carioca vem representando a falta de uma dramaturgia para crianças que não seja apenas voltada para os clássicos. Porém este problema não se apresenta sozinho para ser solucionado. A visão da criança que a sociedade hoje tem. Aliados à informação, conhecimento do teatro infantil e dos espetáculos teatrais em cartaz por parte do público; a falta de propostas que garantam o consumo de cultura para a grande parte alijada deste processo; as condições financeiras para a manutenção dos estudos, iniciativas, e montagens de qualidade, seja por produtores ou por grupos, que mantêm esta arte viva. Criam um conjunto de fatores que são refletidos na cena teatral como um todo e na cena destinada à crianças em particular. Neste amplo campo de estudos, direcionamos para pequenos pontos de atuação a fim de contribuir como modelos representativos das ações do meio. Dentre as muitas possibilidades apresentadas, muitos aprofundamentos se fariam necessários. E muito mais se tem a questionar sobre os aspectos aqui levantados. Mas deixamos uma pequena contribuição em vista de instigar novos pontos de conflito para a prática da arte teatral para crianças. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, Vera Teixeira Era uma vez... na escola: formando educadores para formar leitores BH: Formato,2001. BENEDETTI, Lúcia. Aspectos do teatro infantil. Rio de Janeiro: SNT, 1969. BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, 2002. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. BORNHEIN, Gerd. Brecht, a Estética do Teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992. BROOK, Peter. A porta aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil:teoria Análise, didática. São Paulo: Ed. Moderna,2000. Kühner, Maria Helena (org). O Teatro dito infantil. Blumenau: Cultura em Movimento, 2003. NETO, Dib Carneiro. Pecinha é a vovozinha!. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2003. PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. RYNGAERT, Jean- Pierre. Introdução à análise do espetáculo. São Paulo: Martins Fontes, 1996. ------.Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. SANDRONI, Dudu. Maturando - Aspectos do desenvolvimento do teatro infantil no Brasil. Rio de Janeiro: J. Di Giorgio, 1995. COURTNEY, Richard. Jogo, Teatro & Pensamento: as bases intelectuais do Teatro na Educação,São Paulo Ed. Perspectiva, 1976.