Desenvolvimento sustentável: do ecodesenvolvimento ao capitalismo verde
Guilherme Vieira Dias
Geógrafo e Sociólogo
Mestre em Ciência Ambiental (PGCA/ UFF)
( [email protected] )
José Glauco Ribeiro Tostes
Químico
Doutor em Química (Unicamp)
( [email protected] )
Resumo
O desenvolvimento sustentável tem por objetivo conciliar o desenvolvimento econômico com
a preservação do ambiente, de modo a satisfazer as necessidades humanas atuais e futuras.
Entretanto, observam-se contradições na proposta de desenvolvimento sustentável do
“Relatório Brundtland” (ONU) que permitem duvidar do alcance daqueles objetivos por parte
dos apologistas do novo modelo de desenvolvimento. Este artigo tem por finalidade explorar
tais contradições e demonstrar, sobretudo através da Geografia e da Sociologia, que os
problemas socioambientais gerados pelo processo produtivo capitalista dificilmente serão
resolvidos através da proposta de desenvolvimento sustentável, pois esse modelo de
desenvolvimento não questiona as relações sociais capitalistas, no máximo propõe mudanças
em suas relações técnicas.
Palavras-chave:
Capitalismo.
Desenvolvimento sustentável.
Problemas
socioambientais.
Ecodesenvolvimento.
Abstract
Sustainable development has emerged as the main objective of the global ecology movement
at the end of the 20th century. That’s a proposal that aims uniting economical development
and environmental preservation, satisfying present and future human needs. However, the
analysis of the “Brundtland Report” (UN) presents contradictions concerning its sustainable
development proposal, which raise doubts about the possibilities of those goals held by the
apologists of this new model of development. This work aims at exploring those
contradictions and demonstrating that social and environmental problems generated by
capitalism will not be solved by the sustainable development proposal, because this
development model does not question capitalist social relations, only proposes changes in its
technical relations.
Key-words: Capitalism. Social and environmental problems. Ecodevelopment. Sustainable
development.
Introdução
A “ECO 72” marca a discussão em âmbito mundial sobre a relação entre
desenvolvimento
e
meio
ambiente,
resultando
na
formulação
do
conceito
de
ecodesenvolvimento, cujo principal formulador é o economista Ignacy Sachs. Posteriormente,
em fins da década 1980 e início dos anos 1990, o conceito de desenvolvimento sustentável
(DS) surge como sucessor do ecodesenvolvimento, encontrando grande aceitação no
movimento ecológico e em outros setores no decorrer dos anos 1990, inclusive entre os
empresários, que anos antes combatiam a proposta de ecodesenvolvimento. Após apresentar o
conceito de desenvolvimento sustentável em 1.1, discutiremos em 1.2 o porquê do
ecodesenvolvimento – uma proposta que, apesar de não ser revolucionária, era bastante
questionadora do livre mercado – ter sido substituído pelo DS – uma proposta que, apesar de
parecer,
não
é uma
crítica ao
capitalismo.
Existem
algumas
diferenças
entre
ecodesenvolvimento e DS que reforçam a idéia de que a crítica ecológica tem sido apropriada
pelas forças de mercado.
A partir das características da proposta de DS identificadas através da análise do
documento Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland, no item 2
fazemos uma crítica ao DS. Para tanto utilizamos basicamente três autores: o antropólogo
Guillermo Foladori (2.1), o geógrafo Milton Santos (2.2) e o sociólogo Immanuel Wallerstein
(2.3).
Foladori, em Limites do desenvolvimento sustentável, defende a tese de que a crise
ambiental, para ser melhor compreendida, deve ter o processo produtivo como elementochave de entendimento. Os inúmeros problemas ambientais, que enchem as listas de
problemas divulgadas pelos organismos internacionais, podem ser organizados de acordo com
a produção da vida material, de modo a contribuir para um melhor entendimento das causas
dos problemas. A produção envolve relações técnicas (humano-natureza) e relações sociais
(entre seres humanos), sendo que estas “determinam” aquelas, ou seja, as técnicas são
produzidas, utilizadas e apropriadas de acordo com a forma de organização social. Este
argumento põe em cheque a aposta em tecnologia da proposta de DS, uma vez que a
sociedade capitalista praticamente não é questionada, somente criticam-se as tecnologias
“sujas” que devem ser substituídas por tecnologias “limpas”.
Santos, em Por uma outra globalização, traça um verdadeiro raio-x do fenômeno da
globalização. Esta existe enquanto fábula, enquanto realidade perversa e enquanto
possibilidade de dias melhores para os excluídos do sistema capitalista. Em sua perversidade,
ou seja, em sua forma atual, a globalização gerou a morte da política e a ascensão do poder
das empresas globais, o que dificulta em grande medida uma real cooperação entre os povos,
sobretudo entre os países centrais e os periféricos. Uma das bases da proposta de DS é a
necessária cooperação entre os povos, mas a crítica de Santos sugere que essa cooperação não
é possível dentro dos termos da globalização capitalista, denominada neste trabalho “versão
neoliberal da globalização”.
Wallerstein, em O fim do mundo como o concebemos, tem um artigo no qual faz uma
crítica ao capitalismo a partir da crise ambiental. Segundo o autor, as características essenciais
do capitalismo – a necessidade de expansão e a produção de externalidades – são as culpadas
do que ele chama de “aumento do nível de perigo” ou, em outras palavras, o capitalismo é o
culpado pelos problemas socioambientais contemporâneos. A expansão do mercado, apontada
por Wallerstein como causa de vários dos problemas sociais e ambientais do mundo hoje, é
vista como necessária por vários apologistas do DS, sob o argumento de que é preciso suprir
as necessidades humanas de todos os povos.
Por fim, importante ressaltar que este trabalho foi elaborado a partir de três
pressupostos: 1) o sistema do capital é o “motor civilizador/anticivilizador” do mundo; 2) os
custos sociais e ambientais do sistema do capital são intrínsecos a este, pois derivam de duas
contradições fundamentais do sistema: a) capital-trabalho; b) capital-natureza; 3) o
movimento ambientalista e a idéia-força do DS não são neutros politicamente, ou seja, não
estão acima da “esquerda” e da “direita”.1
1) A proposta de desenvolvimento sustentável e suas diferenças em relação à proposta de
ecodesenvolvimento
1.1) O que é desenvolvimento sustentável?
O conceito de desenvolvimento sustentável, ou simplesmente DS, apareceu pela
primeira vez em 1986 durante a Conferência Mundial sobre a Conservação e o
1
Sobre o primeiro pressuposto ver TOSTES, 2006. Em relação ao segundo pressuposto, encontra-se a
contradição capital-trabalho em O capital de Marx; sobre a “segunda contradição do capital” – capital-natureza –
ver MONTIBELLER Fº., 2004. O terceiro pressuposto é baseado, sobretudo, em LAYRARGUES, 1998 e
LOUREIRO, 2006.
Desenvolvimento promovida pela IUCN,2 em Ottawa, Canadá. Praticamente utilizado como
sinônimo de ecodesenvolvimento, o desenvolvimento sustentável e eqüitativo deveria ter por
princípio integrar conservação da natureza e desenvolvimento, de modo a satisfazer as
necessidades humanas fundamentais mantendo a integridade ecológica e respeitando a
diversidade cultural e a autodeterminação social (MONTIBELLER Fº., 2004, pp. 49-50).
Em 1987, a CMMAD3 retoma o conceito de DS no relatório Nosso Futuro Comum,
fazendo a seguinte definição:
O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem
a suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: o conceito de
“necessidades”, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo,
que devem receber a máxima prioridade; a noção das limitações que o
estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente,
impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras (CMMAD, 1991,
p. 46).
Essa proposta foi consolidada em âmbito mundial durante a CNUMAD em 1992,
também conhecida como ECO 92, sendo amplamente divulgada desde então através do
movimento ambientalista, de documentos de Estado, de relatórios de organismos
internacionais, etc.
A partir da análise de Nosso Futuro Comum, pode-se observar que a CMMAD aposta
em três elementos capazes de promover um desenvolvimento que atenda às necessidades
atuais e futuras da humanidade: 1) o avanço tecnológico; 2) a cooperação entre os povos e 3)
a expansão do mercado.
A aposta em Ciência e Tecnologia (C&T) é uma das bases do Relatório. Dentre as
vantagens possíveis pelo avanço em C&T, destacam-se a produção de mais alimentos e bens
com menos recursos, a possibilidade de informações e bens circularem por todo planeta com
grande rapidez, o maior conhecimento dos sistemas naturais, etc. Na perspectiva da CMMAD,
os países desenvolvidos têm condições financeiras de criar novas tecnologias que agridam
menos o ambiente e traga vantagens à humanidade, cabendo aos governos desses países terem
o DS como meta ao elaborar políticas de C&T. As empresas e organizações civis também
devem ter a mesma meta. Por outro lado, os países mais pobres dependem de ajuda financeira
para avançar em C&T. A Comissão diz que o Banco Mundial e o Fundo Monetário
2
IUCN é a sigla em inglês da União Internacional para a Conservação da Natureza, uma organização nãogovernamental criada em 1948 com o objetivo de elaborar estratégias para a conservação da natureza.
3
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU.
Internacional (FMI) devem ter um papel central no financiamento dessas novas tecnologias.
Outra forma de mitigar a situação é a transferência de tecnologias limpas do “Norte” para o
“Sul”.
Ajuda financeira e transferência de tecnologias somente são possíveis se houver mais
cooperação entre os povos e aqui temos o segundo elemento básico do DS. Essa cooperação é
fundamental para “assegurar o progresso humano continuado e a sobrevivência da
humanidade” (ibidem, p. 2). Há uma crença de que governos realmente representam os povos
e, assim sendo, governos devem cooperar uns com os outros e ter consciência de que
desenvolvimento humano (econômico) não está separado das questões relativas ao meio
ambiente. Deve haver cooperação entre todos os países devido à interdependência econômica
e ecológica.
O terceiro elemento básico da proposta de DS é a expansão do mercado. Há autores
que defendem a tese da pobreza como culpada dos problemas ambientais. A CMMAD, por
exemplo, afirma que:
muitas formas de desenvolvimento desgastam os recursos ambientais nos
quais se deviam fundamentar, e a deterioração do meio ambiente pode
prejudicar o desenvolvimento econômico. A pobreza é uma das principais
causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais no mundo
(ibidem, p. 4).
Em
outras
palavras,
os
países
em
desenvolvimento
buscam
formas
de
desenvolvimento inadequadas aos tempos atuais, quando se busca a sustentabilidade. Esse
desenvolvimento inadequado desgasta ainda mais os recursos ambientais – já escassos – o que
leva a um problema de escassez ambiental, alimentando o ciclo entre pobreza e problemas
ambientais. Como a CMMAD compartilha desse raciocínio, uma das principais ações para
acabar com a pobreza e, conseqüentemente, com os problemas ambientais, é a expansão do
mercado.
Mas não qualquer expansão. Os outros dois elementos básicos da proposta de DS
entram em cena para justificar a expansão do mercado, visto que a própria CMMAD
reconhece que o enorme crescimento da produção industrial na segunda metade do século XX
constitui-se numa das causas da crise ambiental contemporânea. O mercado deve ter
condições de ser expandido a todos os cantos do mundo, para que todo ser humano da atual
geração tenha suas necessidades atendidas. Porém, essa expansão deve apoiar-se em
inovações tecnológicas capazes de produzir mais bens com menos recursos e poluir menos, de
forma a preservar o ambiente para que as futuras gerações tenham plenas condições de
satisfazer suas necessidades. Essas inovações tecnológicas, como se sabe, dependem de
investimentos pesados por parte das empresas e Estados, o que só é possível mediante a
cooperação entre os povos.
De fato, a proposta de DS é muito sedutora. Pretende alcançar a solução para a
pobreza e para os problemas ambientais, os dois maiores problemas mundiais, através da
expansão do mercado. O debate que se arrastava desde os anos 1970, envolvendo as
contradições entre preservação ambiental e desenvolvimento, parece ter sido resolvido com o
DS. Loureiro, sobre o desenvolvimento sustentável, afirma que:
Seu caráter genérico e conciliador, norteado por uma perspectiva
humanitária baseada na cooperação mútua de boa-fé e na gestão racional e
ética dos recursos naturais como saída para a salvação planetária, permite
que ambientalistas o entendam como uma solução para as desigualdades
sociais, preservação de recursos e da diversidade cultural e da integridade
ecológica. (...) O que há de errado em se sonhar com um mundo harmônico e
agradável? Um mundo sem contradições e ideologias? (LOUREIRO, 2006,
pp. 36-37).
As indagações de Loureiro sugerem ainda uma outra pergunta: por que o DS
encontrou aceitação tanto entre os ambientalistas quanto entre empresários? E por que isso
não aconteceu com o ecodesenvolvimento? Apesar de Ignacy Sachs e parte do ambientalismo
tratar os dois termos como sinônimos há diferenças que merecem ser destacadas.
1.2) Diferenças entre ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável
Existem várias semelhanças entre as propostas de ecodesenvolvimento4 e de DS.
Segundo Layrargues (1998, p. 148):
Em linhas gerais, ambos consideram os direitos das gerações futuras como
um princípio ético básico, ambos afirmam que o componente ambiental deve
entrar concomitantemente com o critério econômico no planejamento e
processo decisório, ambos relatam a necessidade de as comunidades locais
participarem dos processos de decisão, articulados com o interesse comum.
Contudo, existem também diferenças relevantes. Layrargues indica três divergências
entre as duas propostas: 1) a noção de justiça social; 2) a questão do papel da tecnologia; 3)
diferenças estratégicas de política-econômica.
4
A proposta de ecodesenvolvimento surgiu das discussões da ECO 72 em Estocolmo, na Suécia. O conceito foi
originalmente concebido por Maurice Strong e posteriormente desenvolvido principalmente por Ignacy Sachs.
A noção de justiça social presente na proposta de ecodesenvolvimento busca um “teto
de consumo material”, com um nivelamento médio dos padrões de consumo em que o
“Norte” deve diminuir e o “Sul” aumentar o consumo. Por outro lado, na proposta de DS a
justiça social será alcançada através de um “piso de consumo material”, com o crescimento
econômico tanto do “Sul” quanto do “Norte”, desde que sejam criadas tecnologias mais
eficientes que produzam mais bens com menos recursos e poluam menos (ibidem, pp. 148151).
No que tange à questão da tecnologia, o ecodesenvolvimento almeja a produção de
tecnologias que melhor se adaptem às condições naturais e culturais de cada ecorregião do
mundo, de modo a satisfazer as necessidades culturais humanas e, ao mesmo tempo, respeitar
os limites naturais de cada ambiente. Por sua vez, a proposta de DS aponta a necessidade da
transferência de tecnologias do “Norte” para o “Sul” (ibidem, pp. 151-152).
Com relação às estratégias de política-econômica, a proposta do ecodesenvolvimento
critica o livre mercado e defende uma maior participação do Estado e dos movimentos
sociais, enquanto o DS defende uma política-econômica bem mais liberal, tendo inclusive a
expansão do mercado como um dos eixos da proposta (ibidem, pp. 152-153).
Após fazer essas considerações acerca das diferenças entre as duas propostas de
desenvolvimento, Layrargues chega a seguinte conclusão:
Pergunta-se, nesse momento, o que diferencia o desenvolvimento sustentável
do desenvolvimento convencional. A conclusão mais plausível é que este
último – leia-se as forças de mercado –, sob pressão da nova realidade
ecológica e na necessidade de assumir uma nova postura, desponta sob uma
nova roupagem, sem que tenha sido necessário modificar sua estrutura
interna de funcionamento. O que, de fato, ocorreu. O mecanismo, cujo
funcionamento é dependente da lógica do mercado, sequer foi abalado, ou
melhor, saiu até mais fortalecido... (ibidem, pp. 152-153).
Ao que tudo indica, o discurso ambiental vem sendo apropriado pelas forças de
mercado. Um indício disso pode ser apreendido dessas diferenças entre as propostas de
desenvolvimento. O ecodesenvolvimento, com sua crítica ao livre mercado, com a defesa de
um “teto de consumo material” que limitaria o mercado e diminuiria o consumo de supérfluos
e com sua defesa à autodeterminação dos povos na criação de tecnologias mais apropriadas a
cada região, não conseguiu ser a idéia-força que pretendia, visto que sofria bastante
resistência do capital. Durante os anos 1970 e 1980, a discussão entre preservação da natureza
e desenvolvimento não conseguiu encontrar no ecodesenvolvimento uma solução. Entretanto,
no final dos anos 1980 surge o desenvolvimento sustentável, um conceito vago e contraditório
que, como num passe de mágica, “permitiu a reunião de ‘desenvolvimentistas’ e
‘ambientalistas’, conseguindo pôr sob seu guarda-chuva posições de início politicamente
inconciliáveis” (AMAZONAS & NOBRE, 2002).
A proposta de DS apresentada em Nosso Futuro Comum reforça o capital. Logo, o DS
tornou-se um instrumento geopolítico interessantíssimo na cooptação do movimento
ambientalista. Enrique Leff observou isso ao afirmar que:
A retórica do desenvolvimento sustentável reconverteu o sentido crítico do
conceito de ambiente em um discurso voluntarista, proclamando que as
políticas neoliberais haverão de conduzir-nos aos objetivos do equilíbrio
ecológico e justiça social pela via mais eficaz: o crescimento econômico
guiado pelo mercado (LEFF apud MONTIBELLER Fº., 2004, p. 55).
O meio ambiente tornou-se uma variável de mercado; a poluição transformou-se em
um bem com valor de troca. Isso levou a CMMAD e a Carta do Rio a defenderem o mercado
aberto entre Estados, diferentemente do ecodesenvolvimento em que não há saída pelo livre
mercado.
2) Críticas ao desenvolvimento sustentável
2.1) Relações técnicas e relações sociais
Há muitas dificuldades na definição da crise ambiental ou dos problemas ambientais,
pois a questão ambiental é muito ampla e seus elementos estão muito interconectados. Sendo
assim, praticamente não há teorização sobre o que considerar um problema ambiental e a
discussão teórica existente permanece na indefinição das listas dos problemas. Um exemplo
dessas listas pode ser observado no quadro abaixo:
PRINCIPAIS INDICADORES DA CRISE AMBIENTAL DO PLANETA
Devastação das matas
Contaminação da água
Contaminação de costas e mares
Sobreexploração de mantos aqüíferos
Erosão de solos
Desertificação
Perda da diversidade agrícola
Destruição da camada de ozônio
Aquecimento global do planeta
Fonte: P. Moguel e V. M. Toledo, Ecologia política, 1990. In: Foladori, 2001, pp. 102-103.
Alguns autores somam a esses problemas a superpopulação e a pobreza. Foladori
reconhece dois problemas metodológicos nessas listas, tão utilizadas por organismos
internacionais dedicados ao meio ambiente: 1) elas podem não ter fim, pois cada uma dessas
variáveis apresentadas podem ser desdobradas em outras mais detalhadas, multiplicando os
problemas; 2) “não existe um elemento aglutinador ou hierarquizador a partir do qual derivar
o restante. Dessa maneira, as ações políticas que delas derivam tendem a se diluir”
(FOLADORI, 2001, p. 103).
Foladori propõe, a partir dessas listas, organizar os problemas ambientais
considerando um elemento em comum: o processo produtivo, pois todos aqueles problemas
“se referem a impactos humanos externos ao processo de produção no sentido estrito”
(ibidem, p. 103). Para permitir uma melhor visualização dessa proposta, o autor criou o
seguinte diagrama:
Recursos
↓
Depredação
Produção
(economia)
Excedente de
população
Detritos
↓
Poluição
Problemas ambientais
Fonte: Foladori, 2001, p. 103.
O processo produtivo está na raiz da crise ambiental. É esse processo que determina o
uso mais ou menos intenso de certo recurso natural (problema da depredação e extinção), a
quantidade maior ou menor de detritos após o processo produtivo (problema da poluição) e
quem vai participar e de que forma no processo produtivo (problema do excedente de
população, da pobreza). O processo produtivo, dessa forma, é um fator-chave para o
entendimento da crise ambiental.
A partir do início da produção da vida material, novas relações entre o ser humano e o
meio ambiente foram forjadas, como: a) desenvolvimento de um conceito de tempo: distingue
a ação (presente) dos objetos (passado) com os quais se realiza e do propósito (futuro); b)
produção de instrumentos sem a pressão do “imediato”, possibilitando a produção de objetos
não-imediatos e com isso a criação de necessidades espirituais; c) possibilidade de
objetivação da natureza e do desenho mental, permitindo o desenvolvimento tecnológico e a
reflexão sobre os limites de seu controle. Sendo assim, “o eixo ou atrativo em torno do qual
se organizou toda a vida humana foi a produção da vida material, que teve raiz na fabricação
de instrumentos. A fabricação de instrumentos permitiu um relacionamento novo com o meio
ambiente” (ibidem, p. 79).
Sem dúvida alguma, pode-se afirmar que todas as sociedades existentes até hoje
sempre destruíram o meio ambiente, porém de maneiras diferentes e com intensidades
diferentes. O conteúdo, que é a relação homem-ambiente ou sociedade-natureza, permanece o
mesmo no sentido de uma relação técnica necessária (o trabalho humano); no entanto a
forma, esta sim, muda de acordo com a organização social, pois está ligada às relações sociais
de produção, que faz com que as relações técnicas sejam mais ou menos intensas quanto à
destruição e poluição do meio ambiente. Com isso, questionar o conteúdo sem questionar a
forma não faz sentido algum. No entanto, “curiosamente as relações no interior do processo
produtivo não são discutidas, mas apenas seus efeitos” (ibidem, p. 104).
Foladori apresenta uma tese na qual o que “determina” as relações técnicas são as
relações sociais de produção. Nas palavras do autor:
As relações sociais de produção estabelecem, em cada momento histórico,
combinações de propriedade/acesso/uso desses meios [de produção] e, ao
fazê-lo, condicionam as próprias relações técnicas, ou seja, a forma de
relacionamento com a natureza (ibidem, p.80, colchete meu).
A institucionalização do conceito de DS se deu, sobretudo, com base em uma
interpretação feita pela teoria econômica neoclássica, que praticamente exclui qualquer
correlação entre as relações sociais de produção e as origens da crise ambiental. Muitas
políticas envolvendo DS limitam-se à inclusão do termo “sustentável” em projetos que
francamente não propõem qualquer alteração substancial em modelos de desenvolvimento.
Nos termos do antropólogo Foladori, esses projetos de DS baseiam-se, no máximo, em
proposições de mudanças nas relações técnicas (homem-ambiente), mas não em mudanças
nas relações sociais de produção.
A CMMAD, ao apostar no avanço tecnológico como um dos elementos capazes de
promover o DS, acredita que o maior problema está na relação sociedade-natureza e não na
relação do ser humano com seus congêneres. A Comissão entende a humanidade como um
bloco – a espécie humana – que tem interesses econômicos que precisam ser satisfeitos. Essa
geração e as próximas terão seus interesses. De outro lado, há uma base de recursos naturais
limitada, que tende a diminuir cada vez mais devido ao crescimento populacional e à falta de
tecnologias capazes de “produzir mais com menos”. A Comissão acredita que, através do
avanço tecnológico, “temos o poder de reconciliar as atividades humanas com as leis naturais,
e de nos enriquecermos com isso. E nesse sentido nossa herança cultural e espiritual pode
fortalecer nossos interesses econômicos e imperativos de sobrevivência” (CMMAD, 1991, p.
1).
Em verdade, não há uma humanidade que se defronta em bloco com uma base finita
de materiais. Antes, há um confronto no interior da humanidade, entre classes sociais. Por isso
Foladori pauta a crítica dele em torno da confusão entre conteúdo e forma no processo
produtivo, ou seja, na confusão entre relações técnicas e relações sociais. De acordo com
Foladori (2001, p. 106):
(...) a maior parte da discussão sobre os problemas ambientais, em lugar de
partir dessa forma social, parte de seu conteúdo material, pior ainda, do
resultado desse conteúdo material – a poluição, a depredação, o excedente de
população. A produção mesma, basicamente em relação à sua forma social,
não é discutida. Considera-se a produção algo exclusivamente técnico (ser
humano – natureza), aistórico. O que se questiona é o resultado técnico do
processo, nunca a ligação entre a forma social e o processo técnico.
Dessa forma, o processo produtivo capitalista é pouco questionado pelos apologistas
do DS. Quando muito, questiona-se a industrialização, ou seja, a técnica. Foladori argumenta:
Como resultado, busca-se corrigir os efeitos da produção capitalista pela via
técnica, isto é, pondo filtros aqui e ali, estabelecendo cotas ou impostos em
outros casos etc. Sem discutir neste momento a eficiência de tais medidas
técnicas, é evidente que nenhuma delas afeta a forma social capitalista de
produção. Nesse sentido, trata-se de posições classistas de defesa,
obviamente, da classe capitalista, proprietária dos meios de produção e,
portanto, dos instrumentos com os quais transforma a natureza em objetos e
espaços úteis (ibidem, p. 106).
Conclui-se, assim, que a classe capitalista encontrou no DS um instrumento de defesa
do seu status quo, na medida em que essa proposta de desenvolvimento praticamente não
questiona as relações sociais de produção, limitando-se à crítica das relações técnicas, o que é
menos problemático para o capital.
2.2) A versão neoliberal da globalização
O século XVIII foi extremamente importante por dois fenômenos: 1) a produção das
técnicas das máquinas; 2) o surgimento de idéias filosóficas (que também eram morais) que se
tornaram forças políticas. De acordo com o geógrafo Milton Santos (2003, p. 64):
Se ao lado desses progressos da técnica a serviço da produção e do
capitalismo não houvesse a progressão das idéias, teríamos tido uma eclosão
muito maior do utilitarismo, com uma prática mais avassaladora do lucro e
da concorrência. Ao contrário, foi estabelecida a possibilidade de enriquecer
moralmente o indivíduo. (...) Indivíduo e coletividade eram chamados a criar
juntos um enriquecimento recíproco que iria apontar para a busca da
democracia, por intermédio do Estado Nacional, do Estado de Direito e do
Estado Social, e para a produção da cidadania plena, reivindicação que se foi
afirmando ao longo desses séculos.
Durante os “trinta anos gloriosos” ou “era de ouro”, a democracia e a cidadania plena
quase foram alcançadas em alguns países. A política era feita, mormente, através do Estado.
Ao mesmo tempo, consolidou-se nesse período o casamento entre ciência e técnica – a
tecnociência –, uma das principais características do último quartel do século XX e início do
XXI. A tecnociência, sobretudo no que diz respeito às tecnologias de comunicação e
transportes, possibilitou em grande medida o surgimento do fenômeno da globalização. Sendo
assim, a “era de ouro” parecia perfeita, pois conseguia reunir avanços tecnológicos e avanços
filosóficos/políticos. Mas só parecia, porque justamente “a globalização marca um momento
de ruptura nesse processo de evolução social e moral que se vinha fazendo nos séculos
precedentes” (ibidem, p. 64). Essa ruptura se deve ao fato da tecnociência, freqüentemente,
produzir aquilo que interessa ao mercado e não à humanidade em geral, o que faz com que o
progresso técnico e científico não seja sempre um progresso moral.
Segundo Milton Santos, a globalização é a dinâmica de dois processos paralelos: de
um lado, há a produção das condições materiais que são a base da produção econômica; de
outro, há a produção de novas relações sociais. Esses dois processos se alicerçam sobre duas
colunas centrais, uma com base no dinheiro e outra na informação.
O mundo se torna fluido, graças à informação, mas também ao dinheiro.
Todos os contextos se intrometem e superpõem, corporificando um contexto
global, no qual as fronteiras se tornam porosas para o dinheiro e para a
informação. Além disso, o território deixa de ter fronteiras rígidas, o que
leva ao enfraquecimento e à mudança de natureza dos Estados nacionais
(ibidem, p. 66).
O processo de internacionalização do capital ganhou contornos específicos em meados
da década de 1980, com o “Consenso de Washington” ou “consenso neoliberal”. Apesar da
origem da globalização ainda ser motivo de discussão teórica, concorda-se com o sociólogo
Boaventura de Sousa Santos quando este afirma que “é esse consenso que não só confere à
globalização as suas características dominantes, como também legitima estas últimas como as
únicas possíveis ou as únicas adequadas” (SANTOS, 2002, p. 27).
Sendo assim, uma das características da versão neoliberal da globalização é a
necessidade de Estados nacionais mais “fracos” para permitir o livre fluxo do capital
internacional. As empresas multinacionais têm cada vez mais poder com a internacionalização
do capital, o que acaba levando a uma internacionalização do Estado. O modelo hegemônico
de globalização, ou seja, a “versão neoliberal” da globalização, em sua tentativa de eliminar
quaisquer fronteiras e barreiras que atrapalhem o livre trânsito do capital, termina por fazer os
Estados nacionais reféns do processo de internacionalização do capital.
De acordo com Boaventura de Sousa Santos, há três tendências gerais na
transformação do poder do Estado no processo de globalização: a) a desnacionalização do
Estado, que é um esvaziamento do aparelho do Estado nacional decorrente da reorganização
territorial e funcional das capacidades do Estado aos níveis subnacional e supranacional; b)
des-estatização dos regimes políticos, que consiste em abandonar a idéia de governo baseado
no Estado e adotar a idéia de governação baseada em outras formas de associação entre
organizações governamentais, para-governamentais e não-governamentais, em que o aparelho
estatal teria a função de coordenação do jogo político; e c) internacionalização do Estado
nacional, com as forças extra-nacionais (como as grandes empresas multinacionais e
organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional - FMI) aumentando cada
vez mais seu poder de impacto estratégico sobre a atuação do Estado nacional (ibidem, pp.
37-38).
Nos países periféricos e semiperiféricos, a opção político-ideológica pelo
neoliberalismo e a crença na inevitabilidade da globalização em sua “versão neoliberal” veio
tornando-se hegemônica durante os anos 1990. A idéia de que a Nova Ordem Mundial
representa a vitória do capitalismo e o fim da história tornou-se muito forte desde o início da
década 1990 e reforçou o “Consenso de Washington”.
Ocorre que essa opção feita pelas elites política, econômica e mesmo intelectual –
apesar de resistências importantes – tem promovido conseqüências perversas, uma vez que
praticamente elimina a possibilidade de atendimento por parte do Estado nacional às
demandas da nação. Mecanismos políticos como os “ajustes estruturais” e os planos de
“estabilização macroeconômica” – apresentados por organismos como FMI e Banco Mundial
como condição para a renegociação da dívida externa e para realizar empréstimos – têm
grande impacto negativo na economia desses países, piorando ainda mais a oferta de serviços
públicos de qualidade, tais como educação e saúde.
O objetivo do “Estado mínimo” e do livre mercado – agora globalizado – é bastante
questionável. De acordo com Milton Santos, na realidade os Estados não estão mais fracos
como se supõe e se quer fazer acreditar:
(...) não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite
quanto ao interesse das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais
presente, ao serviço da economia dominante. (...) A política agora é feita
pelo mercado. Só que esse mercado global não existe como ator, mas como
uma ideologia, um símbolo. Os atores são as empresas globais, que não têm
preocupações éticas, nem finalísticas (SANTOS, 2003, pp. 66-67).
O que aparentemente é fraqueza ou ausência do Estado, na realidade é uma
transformação do caráter do mesmo, que para se ajustar às determinações impostas pelos
atores hegemônicos – empresas multinacionais, Estados dominantes e organismos
internacionais controlados por essas empresas e Estados – canaliza menos recursos para tudo
que é social; tudo aquilo que é necessário para um bom funcionamento das estruturas, dos
serviços e da vida pública.
Com isso, o risco da ingovernabilidade ronda os quatro cantos do mundo. A mudança
da política dos Estados para a política das empresas é preocupante. Apesar de todas as críticas
ideológicas e históricas que possam ser feitas ao Estado, trata-se de uma instância onde a
política pode acontecer. Por outro lado, o que esperar do mercado? De acordo com Milton
Santos, a “política” feita pelas empresas é uma não-política, é o mesmo que a morte da
política. Nas palavras do autor:
Essa “política” das empresas equivale à decretação de morte da Política. A
política, por definição, é sempre ampla e supõe uma visão de conjunto. Ela
apenas se realiza quando existe a consideração de todos e de tudo. (...) Nas
condições atuais, e de um modo geral, estamos assistindo à não-política, isto
é, à política feita pelas empresas, sobretudo as maiores (ibidem, pp. 67-68).
Há uma idéia muito forte de que a globalização atual é irreversível. O argumento é o
da inter-relação e interdependência entre os países. Essa idéia está presente em Nosso Futuro
Comum:
Mais recentemente tivemos de assistir ao aumento acentuado da
interdependência econômica das nações. Agora temos de nos acostumar à
sua crescente interdependência ecológica. A ecologia e a economia estão
cada vez mais entrelaçadas – em âmbito local, regional, nacional e mundial –
numa rede inteiriça de causas e efeitos (CMMAD, 1991, p. 5).
Como há essa interdependência entre todas as nações, tanto economicamente quanto
ecologicamente, a CMMAD aposta na cooperação entre os povos como um dos elementos
capazes de promover o DS. Contudo, considerando-se a versão neoliberal da globalização,
hoje hegemônica, cabe perguntar: como é possível haver cooperação entre os povos como
quer a proposta de DS da CMMAD, diante da morte da política e do poder das empresas
multinacionais?
Em verdade, a globalização é um processo de cima para baixo: em cima, a hegemonia
dos EUA, da Europa ocidental e do Japão; em baixo os demais países, ainda que a relação de
cada país com os hegemônicos seja diferenciada. Existe uma disputa entre EUA, Europa
ocidental e Japão pela hegemonia econômica, política e militar, cada qual buscando ampliar
sua área de influência. “Então, qualquer fração de mercado, não importa onde esteja, se torna
fundamental à competitividade exitosa das empresas. Estas põem em ação suas forças e
incitam os governos respectivos a apoiá-las” (SANTOS, 2003, p. 150). O limite de
cooperação dentro da tríade (EUA, Europa ocidental e Japão) é essa competição.
Em relação à cooperação entre a Tríade e os países menos desenvolvidos, a situação
também é desanimadora. A competição por hegemonia faz com que os países da Tríade
tentem aproveitar-se da fragilidade dos países mais fracos. Qualquer tentativa de cooperação
entre a Tríade e os países periféricos termina por fazer estes últimos mais dependentes. A
chamada interdependência, longe de ser uma mútua-dependência de iguais, é antes uma
relação de dependência dos países periféricos em relação aos centrais. Como observa Milton
Santos:
(...) a experiência dos mercados comuns regionais já mostra aos países
chamados “emergentes” que a cooperação da tríade, em conjunto ou
separadamente, é mais representativa do interesse próprio das grandes
potências que de uma vontade de efetiva colaboração. (...) Os países
subdesenvolvidos, parceiros cada vez mais fragilizados nesse jogo tão
desigual, mais cedo ou mais tarde compreenderão que nessa situação a
cooperação lhes aumenta a dependência. Daí a inutilidade dos esforços de
associação dependente face aos países centrais, no quadro da globalização
atual (ibidem, pp. 150-151).
Os países do Sul devem buscar a cooperação entre eles próprios, uma associação que
se dê de forma não-dependente, pois somente assim terão força para romper com a obediência
à tríade. Esse é o desafio do Sul. Somente esse tipo de cooperação entre os povos pode
diminuir as desigualdades entre as nações e alterar os rumos da globalização. Mas nada disso
é fácil, pois depende de um novo avanço de idéias filosóficas e morais que possibilitem o
surgimento de novas forças políticas capazes de diminuir ou mesmo eliminar o poder das
empresas multinacionais e resgatar a Política em seu sentido mais pleno.
2.3) Capitalismo e ambiente: sem saída
Existem processos e fenômenos que são naturais, alterando o ambiente e a vida como
um todo. Contudo, Wallerstein acredita que há pouco mais de 30 anos está acontecendo algo
especial: um aumento do “nível de perigo”, ou seja, problemas graves como aquecimento
global, acidentes nucleares e buracos na camada de ozônio.
Esses problemas resultam da própria dinâmica da economia capitalista. O autor aponta
dois traços fundamentais do capitalismo como os principais culpados pelo atual aumento do
“nível de perigo”: 1) é um sistema que tem necessidade de se expandir, tanto geograficamente
quanto em termos de produção total; 2) um elemento essencial da acumulação de capital é
“não pagar as contas”. Trata-se do “segredo sujo” do capitalismo.
Um dos traços elementares do capitalismo, a necessidade de expansão, encontra
legitimação na idéia de que o ser humano tem o direito (senão o dever) de conquistar a
natureza e obter o máximo proveito dela. Wallerstein adverte que expansão e conquista da
natureza já existiam em outros sistemas históricos, porém não tinham prioridade existencial
como no capitalismo. O autor entende que:
o que o capitalismo histórico fez foi empurrar esses dois temas – a expansão
real e sua justificativa ideológica – para o primeiro plano, e assim conseguir
suprimir as objeções sociais ao terrível duo. (...) A expansão teve um efeito
cumulativo. Toma tempo derrubar árvores. (...) Toma tempo despejar toxinas
nos rios ou na atmosfera (WALLERSTEIN, 2002, p. 113).
Outro fator que contribuiu para a expansão da economia capitalista foi a
“democratização do mundo”. Segundo o autor:
mais pessoas exigem seus direitos, os quais incluem, de maneira muito
central, o direito ao seu pedaço do bolo. Porém, para grande parte da
população mundial, um pedaço do bolo significa necessariamente mais
produção, isto sem mencionar o fato de que o tamanho real da população
mundial continua a se expandir. Assim, não são apenas os capitalistas que
desejam a expansão, mas também a gente comum (ibidem, pp. 113-114).
A contradição é que, ao mesmo tempo, essa “democratização do mundo” faz com que
muitas pessoas desejem diminuir a degradação do ambiente e reivindiquem um ar mais limpo,
uma água potável, mais árvores, etc. Wallerstein observa essa contradição quando afirma que
“muitas pessoas querem desfrutar tanto de mais árvores como de mais bens materiais, e
grande parte delas simplesmente separa as duas reivindicações em suas mentes” (ibidem, p.
114).
O outro traço fundamental do capitalismo é que os capitalistas não pagam todas as
suas contas, ou seja, durante a expansão da economia as empresas geram o que os
economistas chamam de externalidades. De acordo com a economia neoclássica, trata-se de
uma “falha de mercado”, em que o preço não dá conta dos custos e benefícios sociais,
podendo a externalidade ser positiva ou negativa. Historicamente, os capitalistas geraram
várias externalidades negativas no que diz respeito ao meio ambiente e à justiça social. Uma
empresa, por exemplo, polui determinado rio com sua produção e posteriormente a população
da cidade abastecida por esse rio tem que pagar a uma outra empresa para despoluir a água
para consumo humano. A empresa poluidora deveria responsabilizar-se pela despoluição, mas
não o fez, porque isso exigiria um grande gasto de recursos financeiros da empresa, o que
diminuiria seus lucros.
O objetivo de aumentar a produção, por parte dos capitalistas, é obter lucro. Este é a
diferença entre o preço de venda e o custo total de produção, multiplicado pelo montante total
de vendas. Para lucrar mais, deve-se diminuir o custo total ou elevar-se os preços de venda. O
problema identificado por Wallerstein é o da restrição dos preços de venda pelo “mercado”, o
que leva a uma solução capitalista: reduzir ao máximo o custo total da produção. Mas como?
Wallerstein argumenta que “o preço da mão-de-obra tem aí um papel muito importante, e isto
inclui, é claro, o preço da mão-de-obra que entrou em todos os insumos” (ibidem, p. 114). O
valor da mão-de-obra resulta de dois elementos: 1) relação entre oferta e demanda de mão-deobra e 2) o poder de barganha da força de trabalho. Os capitalistas tentam impor de toda
forma um nível baixo de salários, diminuindo assim os custos de produção. Com um número
cada vez maior de pessoas indo para as cidades, o argumento marxista mais aceito é que o
aumento da população nas cidades forma um “exército industrial de reserva” necessário ao
capital, pois o poder de barganha da força de trabalho por melhores salários diminui.
No entanto, Wallerstein defende um argumento segundo o qual a desruralização do
mundo provoca o aumento dos salários e não a sua diminuição. O autor explica que o poder
de barganha é diferente de acordo com a mão-de-obra e que “o grupo mais fraco sempre foi o
dos moradores nas áreas rurais que vão para áreas urbanas pela primeira vez em busca de um
emprego assalariado” (ibidem, p. 114). Sendo assim, por mais baixo que seja o salário urbano
(em padrões mundiais ou mesmo locais), ele representa uma vantagem econômica em relação
à área rural. Wallerstein acredita que isso muda com o tempo, com os trabalhadores exigindo
uma remuneração cada vez maior, pois eles vão descobrindo formas alternativas de obter
renda no centro urbano, que é uma renda maior que aquela oferecida aos trabalhadores rurais
recém-chegados à cidade.
Segundo Wallerstein, há com isso uma tendência da taxa média de lucros cair com o
tempo. Os capitalistas tentam então reduzir todos os outros custos de produção além da mãode-obra (vale lembrar que os insumos que entram na produção também sofrem o
“fortalecimento da mão-de-obra urbana”). Algumas inovações técnicas permitem reduzir
alguns custos, além da ajuda de governos para manter monopólios. Mas os capitalistas
precisam dividir seus gastos com alguém: o Estado, ou seja, os contribuintes. O Estado ajuda
as empresas basicamente de duas formas: 1) através de subsídios legais, ou seja, o governo
aceita pagar a conta formalmente. Além disso, governos podem prover infra-estrutura para
empresas; 2) omissão com relação aos deveres das empresas, ou seja, não fazer nada para que
as empresas internalizem alguns dos seus custos, como o custo de restauração do ambiente
visando sua preservação. Ocorre que os subsídios legais são medidas ruins politicamente, com
protestos de empresas competidoras e dos contribuintes. A omissão do Estado em relação aos
deveres das empresas encontra menos resistência, o que permite as empresas continuarem
com as externalidades.
Os movimentos ecológicos avançaram uma série de propostas capazes de um
enfrentamento sobre essas questões. As empresas temem os argumentos ecológicos e alegam
que medidas de preservação são muito caras. Há dois tipos básicos de operação de
preservação do ambiente: 1) limpeza dos efeitos de produção (como remover resíduos nãobiodegradáveis); 2) investir na renovação dos recursos naturais que foram usados
(replantando árvores, por exemplo). De acordo com Wallerstein, “a implementação de
medidas ecológicas significativas, seriamente levadas a cabo, pode muito bem representar um
golpe de misericórdia na viabilidade da economia-mundo capitalista” (ibidem, p. 116).
Os capitalistas, em geral, não vão assumir os custos ambientais por ser caro demais, o
que inviabiliza a manutenção da taxa média de lucro mundial atual. Diante disso, há três
alternativas apontadas por Wallerstein (2002, p. 116):
1)
os governos podem obrigar as empresas a internalizarem todos os seus custos, o
que levaria a um achatamento imediato e severo dos lucros;
2)
“os governos podem pagar a conta das medidas ecológicas (limpeza, restauração e
preservação), usando os impostos para fazê-lo”. No entanto, isso acarretaria o
aumento de impostos das empresas – o que também achataria os lucros – ou ainda o
aumento dos impostos para todos – o que causaria a revolta dos contribuintes;
3)
podemos não fazer nada, o que levará às várias catástrofes ecológicas anunciadas e
previstas por cientistas e pelo movimento ecológico. Esta alternativa prevalece
hoje, de acordo com Wallerstein: “estamos ‘sem saída’, significando por aí que não
há saída no interior da estrutura do sistema histórico existente”.
Infelizmente tem prevalecido a terceira alternativa. Os governos politicamente mais
fortes (do “Norte”) tentam ganhar tempo – já que se recusam a exigir internalizações de todos
os custos por parte das empresas – deslocando os problemas para os governos politicamente
mais fracos (do “Sul”). Wallerstein aponta duas formas de fazê-lo: 1) despejando os resíduos
tóxicos no Sul; 2) tentando impor aos países do Sul o adiamento do seu “desenvolvimento”,
através de restrições à produção industrial ou exigindo o uso de formas de produção
ecologicamente mais sadias, porém mais caras (ibidem, pp. 116-117).
Diante dos argumentos de Wallerstein, pode-se afirmar que: 1) a expansão capitalista
foi a causadora dos problemas ambientais em nível global; 2) essa expansão é uma tendência
do sistema; 3) sendo assim, é inviável a reversão do “nível de perigo” dentro do capitalismo.
Em verdade, ao invés de solucionar os problemas ambientais e sociais, a expansão do
mercado – um dos elementos centrais da proposta de DS da CMMAD – amplia esses
problemas de modo dramático, na medida em que a manutenção da taxa de lucros é mais
importante que a diminuição do “nível de perigo”.
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