MAIO DE 2013
3
PERIFERIA ATIVA
capa
PERIFERIA ATIVA:
chega de enrolação!
N
ós, moradores e representantes de dezenas de comunidades espalhadas pela
periferia metropolitana de São Paulo,
tomamos a iniciativa de fortalecer os laços que
unificam nossas dificuldades e nossos sonhos.
Vivemos todos a dura realidade da periferia e
temos em comum o desejo de transformá-la, de
construir uma vida melhor.
Estamos cansados do descaso do poder que
se diz público, mas atende apenas os interesses
privados de uma elite. Nossos ouvidos não suportam mais as promessas daqueles que, nas
eleições, aparecem com o pé no barro e oferecendo agrados, mas que depois somem na comodidade de seus gabinetes. Nada de respostas.
Nada de soluções.
Compreendemos que só é possível contar
com nossas próprias forças. Só a união e a luta
das comunidades trarão alternativas para os problemas que enfrentamos. Não é com favor, mas
com organização. Não é com voto, mas com mobilização.
Por isso e para isso resolvemos construir a
Periferia Ativa, uma iniciativa ainda muito nova,
mas que já surge com o firme compromisso com
os seguintes PRINCÍPIOS:
1) DIREITO À VIDA
Somos, como trabalhadores e moradores da
periferia, os maiores prejudicados por um sistema
que coloca o dinheiro acima da vida. No capitalismo, o ganho de uma elite é a razão da miséria
que afeta as periferias de todo o mundo. O direito
deles de lucrar atropela nosso direito de viver. Assim é, quando em favor do interesse de empresas
de saúde, somos obrigados a viver cenas de terror
nos hospitais públicos, com filas sem fim, falta de
médicos, de remédios e de respeito. Quando, pela
falta de investimento em educação, não há vaga
nas creches para nossos filhos, falta até merenda
nas escolas e os professores são desvalorizados
com um salário de fome. Quando, pelo lucro milionário das empreiteiras e donos de terra, somos
forçados a viver em buracos, sem nenhuma estrutura, passar pelas humilhações de quem mora
de favor ou pagar o que não temos num aluguel
abusivo. Enfim, nossos direitos são tratados como
uma mercadoria: Só tem quem pode pagar por
eles. O sistema nos mata um pouco por dia. Isso
quando não mata nossos filhos de uma só vez,
nos momentos em que a polícia e seus grupos de
extermínio entram em ação e tratam os jovens da
periferia como gado a ser abatido.
2) CONTRA OS MUROS DA VERGONHA
Nossas cidades estão cheias de muros invisíveis, que fazem com que, dentro de uma
mesma cidade, existam duas realidades diferentes. A aparência, os serviços, o asfalto, até
mesmo as leis – tudo é diferente entre os dois
lados do muro. De um lado, está a cidade rica,
com seus edifícios, seus engravatados, onde
tudo parece funcionar. Do outro, estamos nós,
a periferia, com os puxadinhos, o esgoto a céu
aberto, a falta de transporte público, os despejos, o descaso e a polícia que mata antes de
perguntar.
Quando atravessamos o muro, somos alvo
do preconceito e da desconfiança. Nosso lugar
ali é no elevador de serviço. Lá a presença do
governo é com melhorias, aqui com polícia.
Será que a polícia chama o jovem do Morumbi de vagabundo? Será que as ruas de
Higienópolis ficam anos e anos esburacadas?
Será que o esgoto corre entre as casa por lá?
Sabemos que não.
Por isso temos que derrubar estes muros da
vergonha.
4
PERIFERIA ATIVA
3) AUTONOMIA POLÍTICA
Sabemos qual foi o destino de muitos que tinham
boas idéias como nós, mas deixaram-se levar para
um vínculo político com gente do governo. Perderam a independência e muitos perderam também o
caráter e a vergonha na cara. Deixaram-se corromper,
traíram a comunidade por um salário de assessor ou
outra migalha qualquer. Este risco está colocado para
todos nós. Sempre que alguém se levanta para fazer
um trabalho de organização e luta nas comunidades,
aparece algum abutre querendo puxar para si. E alguns dos nossos, pela necessidade ou pela fraqueza,
se deixam levar e passam a viver se humilhando, de
gabinete em gabinete. Deixam de fazer luta porque
o prefeito é de tal partido, ou com medo da migalha
ser cortada. Não queremos este destino para nós. O
que não impede que companheiros ligados a partidos façam parte da Periferia Ativa, desde que respeitem a autonomia de nossos espaços de decisão. Por
isso, a Periferia Ativa tem como princípio a completa
independência em relação aos governos e mandatos
parlamentares. Isto passa também pela construção
de nossa autosustentação financeira: a dependência financeira é o cordão que amarra boa parte das
lideranças ao oportunismo. Sabemos de nosso valor
e não abrimos mão dele.
4) UNIDADE
É necessário unificar as lutas e iniciativas das comunidades. Os problemas que afetam as periferias
são quase sempre os mesmos, mas nossa ação anda
muito dividida. E a divisão só nos enfraquece: É muito
mais fácil alcançar uma conquista com a mobilização
de dez comunidades do que com uma só. Queremos
fortalecer o laço entre as comunidades e para isso
é importante também fortalecer a organização em
cada comunidade. Viemos para somar com as associações e lutadores de cada local; onde não exista organização atuante na comunidade, pretendemos estimular sua formação. E é claro que isso só é possível
com o respeito ao trabalho comunitário de cada um.
5) MOBILIZAÇÃO
Há uma frase muito antiga que diz “Direito não se
ganha, se conquista; não se mendiga, se arranca”. Entendemos que esta idéia tem muito valor. Até mesmo para a vida de cada um de nós: nunca conseguimos nada sem batalhar e ralar por isso. Também na
história, os mais pobres nunca ganharam algo sem
luta, sem sacrifício. Por isso, se temos problemas que
afetam nossas comunidades precisamos nos mobilizar para que sejam resolvidos. Fazer marchas, passeatas, ocupações, manifestações em órgãos públicos
– estes são os principais caminhos para as conquistas. Uma comunidade parada e sem luta pode até
receber alguma melhoria, que é entendida como um
favor. Mas somente uma comunidade mobilizada
direito à vida
contra os muros
autonomia política
unidade
mobilização
poder popular
coordenação coletiva
comunicação popular
pode conquistar direitos de verdade. Assim, a mobilização é a principal forma que temos para garantir
nossos direitos.
6) PODER POPULAR
Nossa mobilização nos leva a negociar com os
governos o atendimento das demandas da comunidade. Esta negociação é uma parte necessária para
alcançarmos conquistas. O problema é que muitos
de nós acabamos dando tanta importância para isso,
para a relação com o poder do Estado, que esquecemos a necessidade de fortalecer o poder da comunidade. Dedicamos nosso tempo a negociar com gente
do governo e deixamos de dedica-lo ao trabalho de
organização da comunidade. Alguns mais fracos até
se tornam arrogantes com isso, se achando mais importantes por terem tido uma reunião com tal vereador ou com o prefeito ou até mesmo com o sub do
sub. Desta maneira, acabamos por valorizar o espaço
de poder do Estado e negligenciamos a construção
do poder popular. O caminho que queremos construir é outro: criar e fortalecer espaços de discussão e
decisão nas comunidades. Sempre que possível, realizar reuniões e assembleias, debatendo em conjunto
as dificuldades e alternativas. Para nós, isso é um passo no desafio de construir poder popular.
7) COORDENAÇÃO COLETIVA
Normalmente, a primeira pergunta que aparece
quando surge uma organização popular é: Quem
manda? Não à toa. Na maior parte das experiências
de organização dos trabalhadores costuma haver
uma figura que define tudo sozinha, sem a participação dos militantes envolvidos. É o “cabeça”. Neste
caso, as decisões vêm de cima pra baixo, sem discussão. Mas o fato é que, numa organização como essa,
as pessoas podem até entrar com o corpo, mas não
com a alma. E com razão: Ninguém quer entrar num
projeto para receber ordens, ninguém quer só fazer,
sem ajudar a decidir. Por isso, a proposta é construirmos a Periferia Ativa pelo princípio da Coordenação
Coletiva. Todos os militantes comprometidos com a
ação devem ter o direito e o dever de participar da
MAIO DE 2013
decisão dos rumos que iremos tomar.
8) COMUNICAÇÃO POPULAR
Comunicar é um direito humano básico. Logo,
todo cidadão deve poder transmitir informações e
opiniões nos meios de comunicação. A tarefa de organizar e unificar numa só voz as necessidades e lutas
da periferia é muito, muito grande. Se não tivermos
como princípio a construção de uma comunicação
popular, que permita que nosso grito de liberdade
ecoe e seja ouvido por nossos irmãos, nosso desafio
se torna impossível. Nossos adversários, os donos do
poder, souberam fazer isso de forma incrível. Hoje,
70% dos meios de comunicação no Brasil estão nas
mãos de apenas 6 famílias, ricas e poderosas. Com
isso, conseguem fazer com que o povo das periferias
seja convencido a defender as idéias dominantes
contra seus próprios interesses. Por isso, precisamos
ter a capacidade de apresentar a nossa visão sobre
os nossos problemas. É princípio da Periferia Ativa
ter o esforço permanente de desenvolver meios de
comunicação próprios, como jornal, rádio comunitária, página na internet e todos os outros que sejam
possíveis. Além dos meios próprios, devemos buscar
quais são os aliados, solidários às nossas causas, entre
os trabalhadores de comunicação das empresas privadas, para que nossas bandeiras, propostas e ações
também sejam divulgadas nos meios privados, com
menor margem de distorções e manipulações, tão
comuns na forma como essas empresas divulgam os
movimentos populares.Quem não se comunica, não
avança na luta.
Esses são os nossos princípios e estamos dispostos a fazê-los valer na prática. Hoje ainda não somos
tantos, mas temos os olhos voltados para o futuro.
Todo grande projeto tem seu começo. Acreditamos
ser de grande importância a incorporação de novos
militantes e associações a esta iniciativa. Todos aqueles que, como nós, considerem importantes estes 8
princípios estão convidados a seguirem com a gente
nesta batalha.
Assinam esta carta:
Zona Sul: Representantes das comunidades do
Jd. Rosana, Jd. Macedônia, Pq. do Engenho, Vila
Calu, Piraporinha, Jd. Angela, Jd. Capela, Jd. dos
Reis, Jd. Vera Cruz, Comunidade do Bombeiro,
Jd. Mitsutani, Jd. Valquíria, Jd. Guarujá, Capão
Redondo, Jd. Colombo e Paraisópolis.
Taboão da Serra / Embu: Representantes das comunidades do Pq. Pirajuçara, Jd. São Judas, Jd.
Teresa, Baviera e Jacarandá.
Santo André: Representantes das comunidades
do Jd. do Estádio, Jd. Santa Cristina e Favela do
Amor.
Download

6) poder popular - Periferia Ativa