ILDA BASSO (Org.) JOSÉ CARLOS RODRIGUES ROCHA (Org.) MARILEIDE DIAS ESQUEDA (Org.) II SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO LINGUAGENS EDUCATIVAS: PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES NA ATUALIDADE BAURU 2008 S6126 Simpósio Internacional de Educação (2. : 2008 : Bauru, SP) Anais [recurso eletrônico] / 2. Simpósio Internacional de Educação / Ilda Basso, José Carlos Rodrigues Rocha, Marileide Dias Esqueda (organizadores). – Bauru, SP : USC, 2008. Simpósio realizado na USC, no mês de junho de 2008, tendo como tema : Linguagens educativas – perspectivas interdisciplinares na atualidade. ISBN 978-85-99532-02-7. 1. Educação – simpósios. 2. Linguagens educativas. I. Basso, Ilda. II. Rocha, José Carlos Rodrigues. III. Esqueda, Marileide Dias. VI. Título. CDD 370 SÍNDROME DE DOWN E EXPERIÊNCIA MATERNA: UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DAS MÃES Érica COMELLI Rinaldo CORRER Orientador Universidade do Sagrado Coração RESUMO O presente estudo visou compreender a vivência das mães sobre a evolução nas relações maternofiliais estabelecidas com filhos portadores da Síndrome de Down (SD). Foram entrevistadas seis mulheres com idades entre 33 e 53 anos, que tinham filhos com SD. Os dados foram coletados e analisados por meio de uma entrevista semi-estruturada utilizando o método de análise de conteúdo. Os resultados indicaram que, em cada faixa etária investigada, as mães se depararam com aspectos negativos e positivos relacionados à SD. Notaramse, nos relatos das participantes, que a intervenção dos profissionais e a estimulação da criança estiveram presentes em todas as idades. Entretanto, o preconceito e a falta de apoio dos profissionais foram também mencionados em todas as idades. Ser mãe de crianças com SD foi descrito como uma busca pelo igual tratamento a seus filhos e pela valorização do seu crescimento junto à sociedade. A preocupação com o futuro é um dado que parece ganhar elevada importância em todas as faixas pesquisadas. Considerase que as reflexões das participantes são importantes para contribuir para orientação de outras mães que tem filhos com SD. Concluindo, esperase que este trabalho sirva de referência para novas reflexões nessa área. Enfatizase a importância da experiência materna ilustrada através de depoimentos das mães que vivenciaram o processo de evolução no desenvolvimento de seus filhos com SD. Palavras – chaves: Síndrome de Down; Experiência materna; Análise de conteúdo, Evolução. ABSTRACT This study aimed at comprehending the life experience of mothers about the evolution in maternalfilial relationship established with children with Down Syndrome (DS). Six women between 33 and 53 years old were interviewed, who had a child with DS. The data were collected and analyzed through a semistructured interview using the content analysis method. The results show that, for each age group studied, the mothers come across negative and positive aspects related to the DS. It was noticed on the participants’ reports, that the professional intervention and a stimulation of the child were present in all ages. However, the prejudice and the lack of professional backup were mentioned in all ages too. Being a mother 1 Graduanda de psicologia na Universidade do Sagrado Coração. of children with DS was described as a search for equal treatment of the children and the valorization of their growth in society. The preoccupation with the future is a data that seems to earn high importance in all groups researched. It is considered that the reflections of the participants are important to contribute with an orientation of the other mothers with children with DS. In conclusion, it is expected that this research serves as a reference for new reflections in this area. It is emphasized the importance of the maternal experience illustrated in the mothers’ declarations who experienced this evolution process in daily development with their children with DS. Keywords: Down Syndrome, Maternal experience; Content Analysis, Evolution. INTRODUÇÃO A retrospectiva histórica ajuda a compreender as raízes históricas da relação dos homens com a deficiência. Antigamente, os bebês com algum tipo de comprometimento eram abandonados e até mesmo considerados criaturas nãohumanas ARANHA, (2003); CORRER, (2003); AMARAL, (1995); PESSOTTI, (1984). Com a evolução da humanidade, começaram a ser estudados os fatores que acarretavam as deficiências. Assim, descobriuse que muitas doenças podem ser desenvolvidas por fatores ambientais sendo as causas os agentes químicos, por fatores físicos, por fatores genéticos como as doenças maternas, entre outras. Durante o século XX a genética evoluiu, ampliando assim, a compreensão das deficiências humanas. As deficiências congênitas podem ser originadas a partir da herança autossômica dominante ou recessiva, ou por causas cromossômicas, nas quais ocorrem uma alteração nos cromossomos, acarretando várias síndromes. A Síndrome de Down2 é uma ocorrência genética natural, que sempre fez parte da humanidade. Ela está presente em todas as raças e classes sociais. No Brasil acontece 1 a cada 700 nascimentos3. Por motivos ainda desconhecidos, durante a gestação as células do embrião são formadas com 47 cromossomos no lugar dos 46 que as constituem normalmente. O material genético em excesso (localizado no par de número 21) altera o desenvolvimento regular da criança. Sabe-se hoje que a SD acompanha a presença adicional de um autossomo 21 no par de cromossomos. O cariótipo 47, XX,+21 ou o cariótipo 47,XY,+21 está presente em cerca de 95% dos indivíduos afetados por trissomia simples. Essa ocorrência cresce à medida que aumenta a idade da mãe. As chances de sobrevivência na SD dependem de 2 3 A Partir deste ponto iremos utilizar a sigla SD para designar Síndrome de Down. Conforme dados da Fundação Síndrome de Down em Campinas www.fsdown.org.br. fatores, como a presença ou ausência de malformações importantes. Atualmente, devido aos tratamentos propostos e a uma maior participação social, o percentual de longevidade dos indivíduos tornouse maior na população (SCWARTZMAN, 1999). Silva e Dessen (2003) relatam, no estudo realizado, que as interações com a família são mais significativas para o desenvolvimento da criança do que as interações com outros ambientes sociais. Indicam também que as interações entre crianças préescolares com SD e sua família são de grande importância para o seu desenvolvimento. Dessa maneira, o estudo delineado buscou descrever as interações criança-mãe e as interações criança-pai, tendo por finalidade identificar alguns comportamentos tanto dos pais como da cirança. Conforme os dados observados nos relatos verbais, os resultados demonstraram a dificuldade enfrentada pelos genitores para aceitar a SD e para desempenhar ações para integrar a criança ao contexto familiar. Em geral, os genitores esperam que seus filhos terminem o 1º grau e façam um curso profissionalizante. De cada dez mães, quatro esperavam que suas crianças tivessem relacionamentos interpessoais, como namorar e casar. As pesquisadoras perceberam a necessidade de um trabalho envolvendo vários profissionais, para dar apoio a essas famílias, o que facilitaria ainda mais o processo de integração das pessoas com a SD. Maldonado (1985) aponta que no terceiro trimestre de gravidez, o nível de ansiedade da mãe tende a aumentar com a proximidade do parto e da mudança de rotina da vida após a chegada do bebê. As fantasias conscientes em relação ao bebê, freqüentemente, expressam o temor de que a própria hostilidade, componente da ambivalência, destrua o feto. O temor da mãe de ter um filho não perfeito tem suas raízes na infância, na qual, formase pouco a pouco uma imagem singular, ou seja, uma identidade própria. Esta projeção está revestida de expectativas sociais, sendo vinculada a uma imagem ideal de pessoas boas, as quais merecem ser amadas e valorizadas, e de pessoas más, sendo castigadas pelo mal que cometeram. O desejo de ter filhos sadios representa, emocionalmente, uma premiação, e ter filhos com alguma deficiência ou doentes, uma punição. A partir desta perspectiva, é possível entender muitas manifestações emocionais da maternidade, como a grávida que teme ter um filho com deficiência, embora tenha uma gravidez saudável. Brazelton e Cramer (1992) escrevem que a gravidez para a mulher é um reflexo de toda sua vida anterior a concepção. A mulher levará em conta as experiências com seus próprios pais. Durante os nove meses de gestação, os futuros pais terão a oportunidade para realizar a preparação psicológica e também corporal. Essas estariam comumente vinculadas aos estágios da gravidez da mulher. Quando ela se lembra de tudo que já ouviu falar sobre deficiência, recorda-se dos perigos a que está exposta como drogas, alimentos e poluição. Para superar esses medos e lidar com a ansiedade, as mulheres mobilizam defesas psíquicas. Uma defesa comum entre as mulheres grávidas é idealizar o bebê que está em seu ventre, como ser perfeito e amado. Nota-se esses sentimentos nos padrões de respostas psicológicas observados, quando as mães se deparam com o nascimento de um bebê com deficiência, tendem a negação dos fatos evidentes, desencadeando dessa maneira, o ato de rejeitar a criança ou de sustentar um comportamento de superproteção. Há mais de uma década, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou o conceito de sociedade inclusiva para conclamar um esforço coletivo dos países participantes, no sentido de empreender esforços para a inclusão na sociedade de grupos historicamente segregados. Atualmente, observa-se o esforço das escolas e o das famílias, para que essa idéia de uma sociedade mais acolhedora e justa possa encontrar seu espaço nas mais diversas ações cotidianas. O aporte teórico oferecido pela Psicologia direciona para as questões que estão na base de todo o relacionamento de pessoas deficientes com a sociedade, na qual ela está inserida, através dos questionamentos: qual é a importância das primeiras relações para o desenvolvimento da criança com deficiência? A resposta que motiva e orienta este estudo, parece inconteste: antes de ser inserida na escola ou na comunidade, é necessário que a criança seja aceita e compreendida em sua própria família. É no núcleo familiar que se encontra a gênese do desenvolvimento, isto é, a base da formação de sentimentos positivos como autonomia e autoconfiança. No contexto da família, como os pais vivenciam esses momentos? Conforme nos aponta Miller (1995) quando uma criança nasce com algum tipo de deficiência, ou a adquire precocemente, os pais e os familiares passam por um processo que poderia ser descrito em quatro fases: sobrevivência, busca, ajustamento e separação. A sobrevivência é descrita pela autora como um “continuar caminhando”, como uma única ação possível quando o desamparo se apodera da mãe. Diante de uma situação, fora do controle da mãe, que retira do filho a chance de uma vida plena, todas as forças são canalizadas para “fazer aquilo que é preciso”. A busca está relacionada a um período de ação, de movimentação para além da fase reativa da sobrevivência. Esta nova fase desencadeia o despertar de uma nova fonte de energia e o início de um senso de controle. Já o ajustamento implica em avançar além das emoções intensas da sobrevivência, sentindo menos a sensação de urgência da etapa da busca. À medida que se obtém um sentido de controle e equilíbrio, abrese o espaço para uma vivência mais previsível e assentada. Finalmente, o processo levaria à separação, que é apresentado pela autora, como um processo natural, vivenciado em todas as relações mãe/filho e que, no caso de mães de crianças com deficiências, precisa ser respeitado no tempo necessário e no cuidadoso acompanhamento dos passos que devem ser dados, na direção da independência de ambos: mãe/filho. Uma vez definido um campo vasto de investigação, o da deficiência e das implicações desta no seio das relações familiares, decidiuse neste estudo, fechar o foco de análise na articulação entre SD e o conjunto das relações familiares, com ênfase nas relações entre mãe e filho. Assim, o seguinte problema norteia a discussão: quais são as mudanças, após alguns anos, no comportamento, nas atitudes, nos sentimentos, nas emoções e nas recordações das mães que tem filhos com SD, em relação ao nascimento e a primeira notícia sobre o diagnóstico de seu filho? O presente estudo buscou compreender a relação entre mãe e filho com SD. Teve como foco de investigação a passagem do tempo, como uma variável importante para a análise das experiências maternas. Dessa forma, buscouse descrever e analisar como as mães de crianças com SD, em diferentes momentos, no que se refere à idade delas, relatam suas experiências maternas ao longo do processo do seu desenvolvimento. Nessa análise, delineouse que as metas estariam especificamente relacionadas com identificar e analisar os sentimentos, as emoções e as recordações que essas mães possuem em relação ao nascimento de seus filhos. METODOLOGIA Para o desenvolvimento deste estudo, optou-se por priorizar a dimensão qualitativa. Nesta avaliação, a estratégia utilizada foi a de análise aprofundada dos conteúdos averiguados com um número restrito de sujeitos. Bogdan e Biklen, citados por LUDKE E ANDRÉ, (1986) apresentam a pesquisa qualitativa como sendo um contato direto do pesquisador com o ambiente, com a ocasião e com a pessoa que está sendo investigada. Por esta via de investigação, o que se buscou foi uma análise aprofundada dos conteúdos averiguados. Utilizou-se a Análise de Conteúdo para o trabalho de análise dos dados. Este método envolveu um trabalho intensivo na exploração do material, que visou a uma categorização dos dados coletados. Subseqüente a este passo, seguiu-se uma compreensão e interpretação dos conteúdos. (BARDIN, 1979). Esse método permitiu considerar as mães como produtoras de sentido de sua própria condição materna, a partir do resgate de experiências diversas de suas biografias pessoais. O projeto deste estudo foi submetido à Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da “Pró-Reitoria de Pesquisa e Pósgraduação da Universidade do Sagrado Coração/USC” e obteve o parecer de aprovação, sob o protocolo No. 063/06. Participaram deste estudo seis mães, cujos filhos são portadores da SD. Das seis participantes, cinco eram casadas e uma solteira. Todas trabalham e, no momento da coleta de dados, apenas uma possuía o ensino superior. Quanto a religião declarada, duas são católicas, três evangélicas e uma espírita. A classificação sócio-econômica indicou que as mães se enquadravam nas classes média e baixa. A idade das mães entrevistadas variou de 33 a 53 anos. Três mães tinham dois filhos, uma mãe tinha quatro e a outra três filhos. Contudo, só duas mães tiveram, na primeira gestação, um filho com SD; as outras quatro a ocorrência foi na última gestação. Na época do nascimento dos filhos com SD, as ma~es tinham, respectivamente, as idade de 32, 33, 44, 28, 25 e 41 anos. Procedimentos As entrevistas foram marcadas atendendo a disponibilidade de cada mãe. Os locais foram, respectivamente, as Clínicas da Universidade do Sagrado Coração de Bauru, a própria casa e o local de trabalho. Os encontros aconteceram no mês de novembro de 2006. Procurouse garantir, nas entrevistas, um ambiente adequado e confortável ao entrevistado e o sigilo das informações. Foi solicitado o consentimento esclarecido por escrito e a autorização para a gravação da entrevista em fita cassete. A duração das entrevistas foi de aproximadamente 30 minutos. As entrevistas foram gravadas e transcritas de forma literal. As informações contidas nas transcrições foram convertidas nos dados essenciais, que serviram para a composição dos resultados, e que foram analisadas segundo o referencial teórico anteriormente apresentado. O foco de análise foi a comparação acerca das diferenças entre as idades dos filhos, ou seja, se a experiência modificaria, com o passar dos anos, os sentidos que apóiam a condição de mãe de filho com SD. Definiu-se três grupos de experiências de acordo com as idades dos filhos com SD: o primeiro é formado de crianças de até 1 ano de idade (A); o segundo, formado por crianças de 3 a 6 anos (B) e; o terceiro, formado de jovens com idades entre 12 a 18 anos(C). Com um roteiro semiestruturado, os dados foram agrupados nos seguintes temas: caracterização das mães, experiência de ter um filho com SD, evolução na relação mãe/bebê e visão das mães. RESULTADOS E DISCUSSÃO A experiência materna é, em si, um acontecimento revestido de especial importância. A escuta apurada da singularidade das trajetórias expressa, em cada uma das entrevistas, entrelaçamento no mesmo ponto: todas as participantes têm filhos com SD. Nesse mesmo ponto, buscaram-se, nos conteúdos que emergem de suas vidas, as possíveis reflexões para compreender um pouco mais os conflitos e os aprendizados que a temporalidade psíquica foi construindo no seio das relações maternofiliais. Caracterização das entrevistadas O ponto de partida para a análise dos conteúdos presentes nas entrevistas é a caracterização das participantes. No quadro 1 é possível identificar quem são as informantes e como vivem no seu cotidiano. Quadro 01 – Caracterização das participantes do estudo Participantes Idade Filhos Estado Civil Profissão 1 33 2 Casada Fisioterapeuta 34 2 Casada Diarista 49 4 Não-casada Comerciaria 33 2 Casada Comerciante 41 2 Casada Auxiliar de produção 53 3 Casada Autônoma 2 A 3 4 B 5 6 C A amostra de mães está representada por um grupo de mulheres, cujas idades variam de 33 a 53 anos, sendo a maioria constituída de senhoras casadas (apenas uma se declarou nãocasada) e com mais de um filho. Todas as mães dividem a tarefa materna com atividades remuneradas, ou seja, trabalham fora. Todas as mães professam uma crença e uma religião. Das religiões mencionadas, a que predomina é a Evangélica, seguida, da Católica e, apenas uma das mães declarou-se adepta da doutrina espírita. Para a compreensão detalhada do contexto em que as mães construíram as representações captadas nas entrevistas, descreveuse alguns detalhes da dinâmica familiar de cada uma delas. Experiência materna De um modo gera,l para estas mães, a gravidez foi tida como normal, visto que durante a gestação, nenhuma mãe soube que o filho tinha SD. As mães perceberam a gravidez como nas gestações anteriores. Na elaboração psíquica da experiência como um todo, a mãe privilegia o aspecto positivo da ambivalência, portanto neste aspecto, pode-se relacionar as entrevistas com dados encontrados na literatura, ou seja, os conceitos observados na abordagem psicanalítica, relacionados ao mecanismo de defesa “formação reativa: ao atribuir um sentido às lembranças do nascimento, as mães tendem a realçar os aspectos sombrios, neutralizando, dessa maneira, a experiência dolorosa posterior, o nascimento do filho com deficiência”. Percebe-se que, nos três grupos, a gravidez foi tida como um período normal, tranqüilo e bom. É possível notar uma semelhança entre os três grupos; todas as mães não sabiam da deficiência na gestação. Isto é um fator que colaborou para a tranqüilidade e normalidade, pois essas mães estavam preparadas para o que era comum entre elas: a chegada de um filho saudável. Diagnóstico Nos grupos A, B e C, as mães obtiveram a confirmação da SD com o exame de cariótipo. Entretanto, todos os médicos que as atenderam, identificaram a SD pelas características físicas e solicitaram que fossem feitos exames específicos. Contudo no grupo C, uma mãe salientou que o médico não teve ética para comunicar-lhe sobre a SD, mesmo não tendo a confirmação desta. Relato da participante 6: Fiquei...no quarto coletivo e ele chegou assim, falando meu nome, muito alto assim... Chegou e já falou: sua filha tem SD. Sabe o que é isto?”....pegou e falou assim: é vai ter filho aos quarenta... e saiu do quarto e me deixou lá assim e não explicou nada. Buscaglia (1993) ressalta que, comumente, o diagnóstico é dado pelos profissionais, focando apenas o problema da criança. Isso faz com que os pais tenham uma visão negativa, pessimista e limitada da deficiência do filho. Um diagnóstico adequado, segundo esse autor, deve ser realizado de forma que os profissionais apontem as características de maneira clara e descritiva e enfatizem as capacidades e potencialidades, ou seja, quais seriam os potenciais para o desenvolvimento, que a criança apresenta. Sentimento Os sentimentos das mães foram identificados pelas expressões culpa, choro e choque. Miller (1995) ressalta que os sentimentos (de culpa, de incerteza, de medo, entre outros) são comuns nas mães que lhes serviram de base para escrever seu livro. Cada família tem um período de adaptação diante de novas mudanças. No entanto, existem famílias que carregam fortes sentimentos de tristeza durante muitos anos. Pode-se inferir que a culpa que os pais sentem, frente à deficiência do filho, é uma forma de sentiremse responsáveis por algo que deu errado ou que eles não esperavam. Afinal, a literatura apresentada pela Psicologia coloca o nascimento de um filho como um marco nos laços que interligam as gerações. Os filhos representam para os pais, a possibilidade de se verem projetados, realizando coisas que eles próprios não puderam fazer; e também carregam em si um imaginário de imortalidade, de continuidade. Quando os sonhos dos pais entram em conflito com os ideais de perfeição social, é comum eles incorporarem uma percepção de fracasso de suas próprias existências. Os primeiros pensamentos das mães estavam relacionados com a vivência de cada uma. A maneira de elaborar o que estava acontecendo, estava diretamente ligada ao volume de informações que tinham sobre SD. Porém, percebeu-se que, mesmo as mães não tendo muitas informações sobre a SD, dando margem a possibilidades de aceitar o nascimento do filho com deficiência como um fato, que é comum a tantas outras, existinto uma tendência psíquica para uma hegemonia do emocional sobre o racional (AMARAL, 1995) e os relatos apresentam uma interpretação mental voltada sempre para as limitações impostas pela SD. Buscaglia (1993) aponta a importância de orientar as mães e dar oportunidade para que elas organizem os sentimentos ambivalentes de aceitação ou rejeição da mãe frente ao filho com deficiência. A atitude ajustada e segura é um dos elementos essenciais para que a família desenvolva também segurança para conseguir aceitar o diferente, que passará a fazer parte da dinâmica familiar. Evolução O foco deste estudo é a análise do processo de evolução das mães, as quais foram agrupadas de acordo com a faixa etária dos filhos com SD. Desta forma, pretendese compreender como se dá o processo que as mães estavam vivenciando. As mães dos três grupos dessa pesquisa estão buscando e descobrindo formas para enfrentarem e lidarem com cada adversidade que as crianças e os adolescentes com SD estão experimentando. Para cada grupo retratado, percebe-se semelhanças e diferenças. No grupo A, as mães tiveram um curto período de convívio com seus filhos, sendo necessária a orientação médica e o acompanhamento de vários profissionais. As participantes, nesse grupo, relataram que o envolvimento, com profissionais da saúde, contribuiu para que o desenvolvimento global dos seus filhos pudesse chegar o mais perto da “normalidade”. A percepção das relações maternofiliais foram permeadas pela necessidade de busca incessante de cuidados e intervenção dos vários serviços, os quais garantiriam uma superação da condição de mães de crianças com SD. O preconceito sentido como estereótipo negativo (mães estigmatizadas) estaria diminuído ou compensado pela busca incansável de estimulação psicomotora e diagnósticos favoráveis. Miller (1995) apontou que os pais devem estar atentos aos serviços dos profissionais que atendem seus filhos, acompanhando e avaliando os tratamentos para verificar se está tendo eficácia para o desenvolvimento do seu filho. Observa-se esta atitude no primeiro relato em que a mãe atribuiu de positivo o bom desempenho médico. A segunda mãe relatou que o filho apresenta um desenvolvimento semelhante ao de uma criança sem SD e, para ela, isso representa que seu filho está desenvolvendo-se bem. Nos relatos das mães do grupo A, verificou-se que a falta de uma orientação médica clara e objetiva pode atrapalhar o desenvolvimento da criança. Segundo a percepção das participantes desse grupo, as crianças com SD precisavam de um acompanhamento a partir dos primeiros meses de vida. O discurso denota uma falta de habilidade dos médicos para informar sobre o diagnóstico. Essa falta de orientação médica poderá contribuir para que a criança demore a atingir um desenvolvimento mais eficiente. A participante com curso superior (Fisioterapia) demonstrou a importância das informações pois, sabendo das conseqüências que a síndrome pode acarretar, ela procurou a ajuda de outros profissionais. Outra mãe nesse grupo não expressa, no seu relato, o aspecto negativo das experiências. No momento das entrevistas, todos os exames que foram realizados indicavam normalidade. Com dados na literatura, notase que as crianças com SD apresentam várias alterações orgânicas como: oftalmológicas, imunológicas, cardiológicas entre outras. Sendo que estas alterações decorrem da síndrome, entretanto nem todas as crianças com SD apresentam tais alterações. (SCHWARTZ,1999). Essa mãe, sustentava sua relação com o filho com SD, pautandose no contraste entre um quadro de afecções graves, condicionados à síndrome, e o estado apresentado pelo filho. Desta maneira, é possível inferir um deslocamento da concepção de normalidade. A função psíquica reorganiza o imaginário social de deficiência, traduzindo o quadro nefasto, posto pelo significado social, possibilitando, assim, uma relação entre mãe e filho reconstruída numa normalidade de sentido pessoal. Isso representa um passo importante para a formação de vínculos e aceitação das diferenças. No grupo B, as categorias indicaram que o fundamental foi o apoio familiar. Uma mãe relatou que matricular a filha em escola particular foi um fator importante para que houvesse a sua aceitação. Nesse processo, o desenvolvimento da criança começa a desencadear a necessidade de espaços extrafamiliares acolhedores. As necessidades impostas pelo curso normal do desenvolvimento levam as mães a identificarem-se com as experiências de inclusão ou exclusão sentidas pelos filhos. A busca por espaços acolhedores coloca em questão as diferenças observadas nos espaços públicos ou privados. Começa a aparecer um indicador que relaciona deficiência com custos elevados, o que tornaria o processo inclusivo inviável nos setores públicos da educação. A passagem do tempo coloca as mães diante dos desafios de engajarse politicamente na conquista de ambientes mais inclusivos para os filhos, já que os percebem em franco processo de desenvolvimento, exigindo em escala progressiva, novas demandas e novas aprendizagens para as experiências extrafamiliares. No grupo C, foi possível verificar nas concepções de uma entrevistada, a influência das relações escolares, como fator positivo para o convívio social de sua filha atualmente. Notase que a interação social é um fator importante para o desenvolvimento, especialmente na adolescência, devido às características sobrepostas na condição de SD. Nesse momento, as mães se deparam com as demandas afetivas e cognitivas dos seus filhos. O relacionamento interpessoal é buscado com intensidade, especialmente com sexo oposto. Namorar, trabalhar, divertir-se, ser independente, tudo isso desperta nas mães antigos sentimentos de insegurança sobre o futuro do filho e sobre suas reais possibilidades de constituir família e de tornar-se independente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscaglia (1993) aponta que, se a família já mantinha uma relação saudável entre seus membros, com a chegada de uma criança deficiente haverá mudanças na rotina familiar, mas essa conseguirá ter uma boa aceitação do novo membro. Conforme as entrevistas a reação da família foi positiva e apenas uma mãe relatou que não teve uma boa aceitação por parte do pai. Comparando com a literatura, percebe-se que a estrutura familiar das entrevistadas era saudável visto que as famílias reagiram bem a entrada de uma pessoa diferente no contexto familiar. É importante destacar que, no momento de evolução, no qual a mãe começa a tomar consciência dos acontecimentos diários, nota-se a distinção entre os grupos apresentados e fica claro que cada mãe vive um período diferente com seu filho. Cada idade necessita de cuidados distintos e isso fez com que essas mães amadurecessem emocionalmente para enfrentar as situações com mais naturalidade. Ao dividir as entrevistadas em grupos, foi possível destacar que o grupo A apresentou aspectos positivos como: atendimento médico bom e um bom desenvolvimento da gestação. Em um dos relatos percebe-se negatividade quando se refere à orientação médica, nota-se que os médicos não estavam preparados para orientar esses pais de uma maneira correta. Esses aspectos retratados pelas mães do primeiro grupo podem ser justificados pelo fato das mesmas possuírem filhos mais novos e estarem iniciando o contato com os recursos médicos e com os outros aspectos relacionados a SD. O grupo B aponta como aspectos positivos, a estimulação dada pela família, a inclusão escolar e o bom desempenho da escola. Pelo lado negativo, são apontados a super proteção dos avós, o trabalho inadequado de certos profissionais e a discriminação. Pode-se justificar o apontamento da questão escolar, devido ao fato das mães desse grupo terem seus filhos inseridos nos níveis iniciais de escolaridade. Nesse ambiente em que ocorre a interação social, pode aparecer manifestações preconceituosas de comportamentos como a discriminação. No grupo C, percebe- como fatores positivos: a escola e também o desempenho e progresso diário que estas crianças apresentam. É, de cunho negativo, a escola e o professor que não consegue trabalhar. As mães desse grupo, pelo tempo maior que passa com seus filhos, possuem subsídios para apontar aspectos relacionados tanto ao segundo grupo como ao primeiro grupo. É valido ressaltar que essas mães possuem uma visão ampla do desenvolvimento infantil e são capazes de identificar e valorizar os avanços de cada faixa etária de cada fase de desenvolvimento de seus filhos. Ao reconhecer a importância do diagnóstico da SD, este estudo aponta que a busca de esclarecimento das causas da deficiência dos filhos é uma necessidade que tem que ser considerada para que se desenvolva uma relação saudável entre mãe e filho. Ao depararem-se com o desconhecido, buscam as explicações para que sobrevivam psicologicamente, numa fase inicial, para depois compreenderem seus próprios sentimentos frente às experiências, via de regra, contraditórios. Esse convívio, se amparado por uma intervenção especializada e por espaços inclusivos (escola, lazer, trabalho) pode representar uma oportunidade especial para que se construa um novo olhar social, não só da deficiência, mas de todas a formas de exclusão social. O contato com as dificuldades impostas pela SD podem trazer um pouco de esperança de que se alcance um sonho antigo de uma sociedade justa e acolhedora. Para isso, o papel do profissional, neste âmbito, é o de propiciar esclarecimentos à família, para que esta busque tratamentos que visem o bom desenvolvimento de seu filho. REFERÊNCIAS AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). PROBEL EDITORIAL, 1995. ARANHA, Maria Salete Fábio. A deficiência através da história: concepções e paradigmas. In: Trabalho e emprego – instrumento de construção da identidade pessoal e social. São Paulo: SORRIBrasil; Brasília: CORDE, 200. (série Coleção Estudos e Pesquisas na Área da Deficiência). 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Aspectos negativos e positivos ( o que deu certo e o que não deu certo diante dos familiares, dos profissionais, dos professores, na escola, nas atividades de lazer. A partir de sua experiência o que é hoje ser mãe de filho com SD? IV – Visão das Mães 15 16 Que conselhos você daria a uma pessoa que está tendo um filho com SD? Você gostaria de dizer mais alguma coisa?