O cortiço
Aluísio Azevedo
1 - (FUVEST 2013) Leia o seguinte texto.
O autor pensava estar romanceando o processo
brasileiro de guerra e acomodação entre as raças, em
conformidade com as teorias racistas da época, mas,
na verdade, conduzido pela lógica da ficção, mostrava
um processo primitivo de exploração econômica e
formação de classes, que se encaminhava de um modo
passavelmente bárbaro e desmentia as ilusões do
romancista. (Roberto Schwarz. Adaptado.)
Esse texto crítico refere-se ao livro:
a) Memórias de um sargento de milícias.
b) Til.
c) O cortiço
d) Vidas secas.
e) Capitães da areia.
(FUVEST 2012) Leia o texto e responda às questões a
seguir:
Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas
as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda
da Ritinha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar
a friagem”. Uma transformação, lenta e profunda,
operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerandolhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho
misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava
lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A
vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o
comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de
ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e
violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco,
mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos,
tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso,
resignando-se, vencido, às imposições do sol e do
calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente
revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria
contra os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os
seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo
abrasileirou-se. (...)
E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos
e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se
apuravam, posto que em detrimento das suas forças
físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a
música, compreendia até as intenções poéticas dos
sertanejos, quando cantam à viola os seus amores
infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a
esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de
um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de
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céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz,
selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente
defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados
e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço,
surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e
ricas pedrarias refulgentes e as nuvens toucam de alvos
turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos
príncipes voluptuosos.
(Aluísio Azevedo, O cortiço)
2 - Considere as seguintes afirmações, relacionadas ao
excerto de O cortiço:
I. O sol, que, no texto, se associa fortemente ao
Brasil e à “pátria”, é um símbolo que percorre o livro
como manifestação da natureza tropical e, em certas
passagens, representa o princípio masculino da
fertilidade.
II. A visão do Brasil expressa no texto manifesta a
ambiguidade do intelectual brasileiro da época em que
a obra foi escrita, o qual acatava e rejeitava a sua terra,
dela se orgulhava e envergonhava, nela confiava e dela
desesperava.
III. O narrador aceita a visão exótico-romântica de
uma natureza (brasileira) poderosa e transformadora,
reinterpretando- a em chave naturalista.
Aplica-se ao texto o que se afirma em:
a) I, somente.
b) II, somente.
c) II e III, somente.
d) I e III, somente.
e) I, II e III.
3 - O papel desempenhado pela personagem Ritinha
(Rita Baiana), no processo sintetizado no excerto,
assemelha- se ao da personagem:
a) Iracema, do romance homônimo, na medida em que
ambas simbolizam o poder de sedução da terra brasileira
sobre o português que aqui chegava.
b) Vidinha, de Memórias de um sargento de milícias,
tendo em vista que uma e outra constituem fatores
decisivos para o desencaminhamento de personagens
masculinas anteriormente bem orientadas.
c) Capitu, de Dom Casmurro, a qual, como a baiana,
também lança mão de seus encantos femininos para
obter ascensão social.
d) Joaninha, de A cidade e as serras, pois ambas
representam a simplicidade natural das mulheres do
campo, em oposição à beleza artifi ciosa das mulheres
das cidades.
e) Dora, de Capitães da areia, na medida em que ambas
O cortiço
Aluísio Azevedo
são responsáveis diretas pela regeneração física e moral
de seus respectivos pares amorosos.
4 - (UNIFESP 2010) Considere o trecho de O Cortiço,
de Aluísio Azevedo:
Uma aluvião de cenas, que ela [Pombinha] jamais
tentara explicar e que até ali jaziam esquecidas nos
meandros do seu passado, Apresentavam-se agora
nítidas e transparentes. Compreendeu como era que
certos velhos respeitáveis, cuja fotografia Léonie lhe
mostrou no dia que passaram juntas, deixavam-se
vilmente cavalgar pela loureira, cativos e submissos,
pagando a escravidão com a honra, os bens, e até
com a própria vida, se a prostituta, depois de os ter
esgotado, fechava-lhes o corpo. E continuou a sorrir,
desvanecida na sua superioridade sobre esse outro
sexo, vaidoso e fanfarrão, que se julgava senhor e que,
no entanto, fora posto no mundo simplesmente para
servir ao feminino; escravo ridículo que, para gozar um
pouco, precisava tirar da sua mesma ilusão a substância
do seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona
dele, ia tranquilamente desfrutando o seu império,
endeusada e querida, prodigalizando martírios, que
os miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés
que os deprimiam e as implacáveis mãos que os
estrangulavam.
— Ah! homens! homens! ... sussurrou ela de envolta com
um suspiro.
forma de se obterem vantagens.
5 - (FUVEST 2011) Considere o seguinte excerto de
O cortiço, de Aluísio Azevedo, e responda ao que se
pede.
(...) desde que Jerônimo propendeu para ela,
fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal
bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus
direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o
macho de raça superior. O cavouqueiro, pelo seu lado,
cedendo às imposições mesológicas, enfarava a esposa,
sua congênere, e queria a mulata, porque a mulata era
o prazer, a volúpia, era o fruto dourado e acre destes
sertões americanos, onde a alma de Jerônimo aprendeu
lascívias de macaco e onde seu corpo porejou o cheiro
sensual dos bodes.
Tendo em vista as orientações doutrinárias que
predominam na composição de O cortiço, identifique
e explique aquela que se manifesta no trecho a e a que
se manifesta no trecho b, a seguir:
a) “o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de
apuração”.
b) “cedendo às imposições mesológicas”.
6 - (UNICAMP 2011) Leia os seguintes trechos de O
cortiço e Vidas secas:
No texto, os pensamentos da personagem:
a) recuperam o princípio da prosa naturalista, que
condena os assuntos repulsivos e bestiais, sem amparo
nas teorias científicas, ligados ao homem que põe em
primeiro plano seus instintos animalescos.
b) elucidam o princípio do determinismo presente na
prosa naturalista, revelando os homens e as mulheres
conscientes dos seus instintos em função do meio em
que vivem e, sobretudo, capazes de controlá-los.
c) trazem uma crítica aos aspectos animalescos próprios
do homem, mas, por outro lado, revelam uma forma
de Pombinha submeter a muitos deles para obter
vantagens: eis aí um princípio do Realismo rechaçado no
Naturalismo.
d) constroem uma visão de mundo e do homem
idealizada, o que, em certa medida, afronta o referencial
em que se baseia a prosa naturalista, que define o
homem como fruto do meio, marcado pelo apelo dos
seus sentidos.
e) consubstanciam a concepção naturalista de que o
homem é um animal, preso aos instintos e, no que dizem
respeito à sexualidade, vê-se que Pombinha considera a
mulher superior ao homem, e esse conhecimento é uma
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O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos
os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes
dispersas, mas um só ruído compacto que enchia
todo o cortiço. (...). Sentia-se naquela fermentação
sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras
que mergulhavam os pés vigorosos na lama preta
e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a
triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
(Aluísio Azevedo, O cortiço. Ficção completa. Rio de
Janeiro: Nova Aguillar, 2005, p. 462.)
Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara
naquele estado, com a família morrendo de fome,
comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um
juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a
mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha
escura, pareciam ratos — e a lembrança dos sofrimentos
passados esmorecera. (...)
— Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com
certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando
bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado
em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado,
O cortiço
Aluísio Azevedo
tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas
como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios,
descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e
julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos,
alguém tivesse percebido a frase imprudente.
Corrigiu-a, murmurando:
— Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um
bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela
situação medonha — e ali estava, forte, até gordo,
fumando seu cigarro de palha.
— Um bicho, Fabiano. (...)
Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali.
Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho,
mas criara raízes, estava plantado.
(Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Editora
Record, 2007, p. 18-19.)
a) Ambos os trechos são narrados em terceira pessoa.
Apesar disso, há uma diferença de pontos de vista na
aproximação das personagens com o mundo animal e
vegetal. Que diferença é essa?
b) Explique como essa diferença se associa à visão de
mundo expressa em cada romance.
Respostas
1. Alternativa c
O texto crítico faz menção ao fato de o autor abordar
o “processo brasileiro de guerra e acomodação entre
raças”, elemento fundamental no romance O Cortiço,
já que o enredo dessa obra gira em torno das relações
multirraciais em uma habitação coletiva, no fi nal do
século XIX. Além disso, o excerto de Roberto Schwarz
cita o “processo primitivo de exploração econômica
e formação de classes”, o que pode ser claramente
relacionado à ação da personagem João Romão,
proprietário do cortiço, cujas relações sociais eram todas
marcadas pela busca selvagem de vantagens financeiras,
a partir da exploração de pessoas de seu círculo social.
2. Alternativa e
I. Correta - A influência do ambiente sobre o indivíduo
é um dos pressupostos do Determinismo, vertente
ideológica que orienta o livro de Aluísio Azevedo. Cabe
lembrar, por exemplo, que a preguiça do português
Jerônimo se deve em grande parte ao seu contato com a
natureza tropical. Além disso, na cena em que Pombinha
conhece a primeira menstruação, o sol, mais que
espectador, é participante personificado e virilizado.
II. Correta - No segundo parágrafo, o narrador
(manifestação da visão intelectualizada) tece
comentários desabonadores ao Brasil, considerando a
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má influência dos trópicos sobre o indivíduo (“tornavase liberal, imprevidente e franco, [...] adquiria desejos,
tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso“).
No quarto parágrafo, ao contrário, expõe uma visão
mais simpática da cultura brasileira, capaz de educar os
sentido do estrangeiro, fazendo-o adaptar-se à natureza
“selvagem e alegre”, superior na grandiosidade dos seus
“maravilhosos despenhadeiros ilimitados”.
III. Correta - A perspectiva adotada pelo narrador
destaca o exotismo dos “usos e costumes brasileiros”,
resgatando algo da visão romântica, como as “intenções
poéticas dos sertanejos” no canto de seus “amores
infelizes”. Contudo, a marca naturalista é inequívoca,
no registro dos efeitos da natureza sobre Jerônimo,
“reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos”.
3. Alternativa a
Ao ser acometido por uma gripe, Jerônimo troca os
cuidados oferecidos por sua esposa, Piedade, pelos
de Rita Baiana, que lhe apresenta café e cachaça. Tais
remédios proporcionam-lhe uma embriaguez que dará
início a seu processo de abrasileiramento, patente
no gosto que desenvolveu pelos prazeres e desejos
tropicais, no comportamento imprevidente e preguiçoso,
bem como na apuração dos seus sentidos. Por sua vez,
Martim, personagem do romance de Alencar, aproximase do território americano por semelhante
processo de inebriamento, uma vez que a ingestão do
licor da jurema incitará sua relação com a índia Iracema.
4. Alternativa e
Os pensamentos da personagem Pombinha nesse trecho
de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, corroboram a visão
naturalista de que o homem é movido por seus instintos
mais primários no que se refere à sexualidade. Ao
comparar o comportamento masculino com o feminino,
a prostituta iniciante sente-se superior aos homens por
ser mulher e acreditar possuir completo domínio sobre
os desejos daqueles que se julgavam numa condição
privilegiada.
5. Resolução
a) O trecho transcrito revela duas teorias científicas
desenvolvidas no século XIX: o determinismo e a
eugenia. O primeiro afirma que o comportamento
humano é dirigido, entre outros fatores, pela natureza,
que semanifesta, aqui, na força que o componente racial
exerce sobre o indivíduo. Aliado a esse princípio está
o impulso da mulata Rita Baiana em aprimorar a raça
relacionando-se com um homem branco, postura que
pode ser entendida como eugenista.
b) Manifesta-se, no trecho em foco, a visão naturalista,
que dava destaque à influência exercida pelo ambiente
(mesologia), entendida como uma das forças
O cortiço
Aluísio Azevedo
irreprimíveis sobre as quais os indivíduos não tinham
controle. Jerônimo representa o imigrante português
cujas atitudes são condicionadas pela relação com o
meio: seu desejo por Rita Baiana, concebida como uma
espécie de síntese dos trópicos, faz com que ele se
enfastie da esposa Piedade, “sua congênere”, e seja
impulsionado a consumar a traição.
6. Resolução
a) Embora O cortiço e Vidas secas sejam romances
em terceira pessoa, seus narradores associam de
maneira diferente os ambientes e as personagens que
os habitam. Na primeira obra, a voz narrativa aproxima
os elementos básicos da natureza às reações dos seres
vivos mais complexos: na “fermentação sanguínea” e na
“gula viçosa” das plantas, sentiam-se “o prazer animal de
existir” e “a triunfante satisfação de respirar”.
Dessa forma, explica-se, de forma objetiva e absoluta, a
total interpenetração entre o meio físico e a constituição
biológica e moral dos homens, que são tratados como
massa compacta, sem individualidade. Em Vidas secas,
o narrador adota outro parâmetro para associar as
personagens ao ambiente. Fundindo-se com o ponto
de vista das personagens por meio do discurso indireto
livre, a voz narrativa compara
Fabiano com um “bicho” reforça a incongruência entre
ele o meio natural e, sobretudo, o social, que o oprimem.
Embora Fabiano fosse ruivo e branco, sua posição social
inferior faz com que ele mesmo se associe a um bicho
e a um cabra, isto é, indivíduo mestiço e pobre. No
lugar da interpenetração, há disjunção entre ambiente e
personagens percebida ao mesmo tempo pelo narrador
e pela personagem.
b) Em O cortiço, a congruência entre meio físico e
constituição do homem decorre de sua visão de mundo
determinista, segundo a qual é possível definir os fatores
que geram o comportamento humano. Desse modo, os
elementos sociais e naturais da habitação popular terão
impacto decisivo no desenvolvimento físico e moral dos
moradores. Nesse determinismo, não há espaço para
o exercício do livre-arbítrio. Em Vidas secas, a tensão
entre meio e homem ajusta-se a uma visão de mundo
sociológica, segundo a qual pobreza e miséria resultam
da assimetria nas relações de poder social, político e
econômico. Assim, a narrativa desloca o problema da
natureza para a sociedade, da ausência de liberdade
para a luta pela emancipação.
As resoluções e comentários são do curso Anglo:
http://angloresolve.cursoanglo.com.br/oAngloResolve.asp
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