Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 1 Capítulo 7 – Água superficial, Hidrógrafa e o Processo de Runoff Introdução a Hidrologia de Florestas A. Águas superficiais. Pequena fração da água total que constitui boa parte da água utilizável pelo homem. Vários campos do conhecimento tratam da água na superfície em função de seu uso como Engenharia Hidráulica, Engenharia Sanitária, Limnologia, Engenharia Agrícola, etc. Medição da água superficial consiste basicamente de: (1) medição da profundidade e área de escoamento de rios, canais e reservatórios, e (2) medição de vazão em rios, reservatórios e pequenos canais. 1. Nível de água. A forma mais simples de se medir vazão num canal é medir a altura (nível) acima de uma determinada referência. Normalmente as palavras cheias (dentro do curso d’água) e inundação (transbordamento) estão relacionadas ao nível d’água atingido. Estacas pintadas ou escalas verticais (vistas a partir de pontes ou bancos de areia) podem ser usadas para medir o nível. As vezes, o nível máximo deixa marcas que permitem sua identificação. Estimativas de altura de inundações recentes podem muitas vezes serem obtidas de marcas em pontes e árvores (sobretudo nas partes contra corrente). Galhos finos e arbustos não são confiáveis porque sua altura poder variar sob efeito das correntes. Instrumentos baseados em mecanismo de relojoaria são usados para registrar o nível d’água ao longo do tempo. Os mais recentes usam mecanismos de conversão analógico-digital de forma que o nível é gravado em gráficos e posteriormente transferidos para fitas magnéticas. O nível d’água, ou carga hidráulica (h) é parte da informação necessária para calcular a vazão (Q) de um curso d’água em volume por unidades de tempo (L3T-1). 2. Hidrógrafa , (ou Hidrograma), é a representação gráfica da variação da vazão (Q) ou da carga (h) ao longo do tempo (minutos, horas, dias). Da análise das Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 2 hidrógrafas computa-se volume total, distribuição sazonal de vazão, fluxo diário, fluxo de pico, fluxo mínimo e a freqüência de vários fluxos críticos. A figura 7.1 abaixo mostra uma hidrógrafa de uma pequena bacia produzida por uma chuva de 4 horas. Entretanto, poucas hidrógrafas são de forma tão regular. 3. Os componentes de fluxo variam com a intensidade e duração dos eventos de chuva e com a umidade antecedente. A separação entre fluxo de base (escoamento básico) e escoamento superficial direto depende do julgamento do hidrólogo (que é arbitrário porque a fonte de água não é revelada na hidrógrafa). A resposta hidrológica refere-re a forma como o escoamento superficial responde à chuva que o produziu. Uma maneira de expressá-la quantitativamente e dividir a vazão pela chuva: Centro de massa da chuva Chuva (cm/hr) Tempo de retardamento da bacia Vazão de pico Tempo de subida subi d a ida Vazão (m3/min) desc nte ntecede Fluxo a Fluxo superficial hidróg ação da r a p e s e ria) Li n h a d (arbitrá Fluxo de base rafa Recessão de água subterrânea Tempo (horas) Figura 7.1. Diagrama definindo os termos de uma hidrógrafa associada a um evento de chuva de 4 horas. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 3 Re sposta Hidrológica = Qs Pg _______ Re sposta média R = Qs Pg Chuvas menores que 25,4 mm produzem poucos danos de forma que em geral a resposta hidrológica média é computado apenas para chuvas superiores a 25,2 mm. A figura 7.2 mostra que, dentro de uma bacia, a resposta média varia dentro de limites fisiográficos. Na média, no leste dos USA, a resposta média é 0,20, isto é, em torno de 20% de uma chuva típica transforma-se em escoamento superficial. A resposta varia com a declividade, textura e profundidade do solo, e a ocorrência de camadas de impedimento. A resposta hidrológica é controlada mais pela geologia que pelo uso da terra. Podem ocorrer flutuações diurnas na vazão de rios (sobretudo os pequenos) em função da evapotranspiração pela vegetação riparia. 4. Medida de vazão. Bernoulli demonstrou que o fluxo volumétrico em canais é dado por: Q = AV unidades: L3T-1 [7.1] Não é simples de se medir velocidade média num curso d’água. A velocidade é máxima na superfície no meio do canal e no fundo do rio a velocidade é nula devido a fricção. O raio Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 4 ________ Resposta hidrológica Qs Pg = R ( Pg ≥ 25mm) Limite fisiográfico Figura 7.2. Exemplo de como a resposta hidrológica varia com os limites fisiográficos de uma bacia hidráulico de um rio é definido como a razão entre a secção transversal (A) e o perímetro de contato com a água no fundo do rio (perímetro molhado, Wp). r= A Wp [7.2] Raio hidráulico e declividade definem a capacidade de um canal aberto de conduzir água em diferentes estágios. Canais de fundo muito irregular (maior perímetro molhado) freqüentemente requerem maior área transversal A que canais lisos em forma de U, para a mesma vazão Q. As velocidades maiores (em torno de 6 m/s) são medidas em grandes rios próximo de sua foz. A velocidade média de cursos de montanha é menor que 0,5 m/s. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 5 João Vianei Soares Métodos de medida. Para um fluxo constante (steady state), escolhe-se uma parte reta do rio de 20 a 30 m na qual o fluxo pode ser considerado uniforme, isto é, a secção de fluxo a montante e a jusante é igual àquela que queremos medir. A figura 7.3 mostra como Q e h ____ são relacionados num canal estável. O produto AV aumenta à medida que o nível se eleva e decresce à medida que o nível diminui, de forma que há um único valor de Q para cada h. A Figura 7.4 mostra um medidor de velocidade (medidor de corrente) adaptado para pequenos cursos d’água em que um molinete dá a velocidade local da água através da medida do número de rotações da hélice. A secção é normalmente dividida em 10 subsecções e a velocidade é medida de acordo com a regra 0,2 + 0,8 da profundidade (para secções mais profundas que 0,3 m) ou 0,6 da profundidade para secções menos profundas que 0,3 m (ver Figura 7.3). Profundidade V na superfície __ ( L1 )(d1 )(V1 ) = Q1 __ ( L2 )(d 2 )(V2 ) = Q2 __ ( Ln )(d n )(Vn ) = Qn V a 0.2 profundidade V a 0.6 profundidade V a 0.8 profundidade __ V≈ V0.2 + V0.8 ≈ V0.6 2 Boa aproximação regular soma = Q Figura 7.3. Diagrama mostrando o fluxo em um canal e como e a aproximação usada na sua medida. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 6 João Vianei Soares Figura 7.4. Medição da velocidade da corrente usando molinete. Exemplo: Determinar a vazão Q do curso d’água usando os dados abaixo: Vazão (m3/s) Distância Profundidade Medida a (da Velocidade Secção (m) (m) profundidade) (m/s) transversal 2,0 0 - - - - 2,4 0,5 0,6 0,3 0,6 0,18 4,0 1,0 0,2 & 0,8 (1,0+0,2)/2 1,8 1,17 6,0 1,4 0,2 & 0,8 (1,3+0,4)/2 2,1 1,78 7,0 0,4 0,6 0,2 0,5 0,10 7,7 0 - - - - Q = 3,23 m3/s Considera-se uma boa medida por este método se o erro estiver entre 5 e 10 %, e excelente se menor que 5%. Num riacho, um método prático (de precisão pobre com erros entre 20 e 25%) é medir a velocidade de deslocamento de um “galhinho” no meio do riacho e multiplicar por 0,75 (regra) para se obter a velocidade média e medir a seção com uma trena. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 7 Integração de descarga. Se o nível é medido de forma contínua (registro contínuo) tem-se a representação gráfica da variação de h com o tempo, como na figura 7.5. Q é medido para vários valores de h produzindo uma curva de calibração Q x h a partir da qual pode se gerar a hidrógrafa de vazão. Deposição e atrito no fundo faz com que a curva de calibração precise ser atualizada freqüentemente. Vazão Q Nível h Registro de nível tempo Nível h Hidrógrafa de vazão Vazão Q t =n Q(t )dt = m3 de vazão por período t =0 tempo Figura 7.5. Computação da vazão por períodos de chuva ou por períodos de tempo a partir dos registros do nível de água e da curva de calibração Q x h. 5. Estimativa de vazão por Manning-Chezy. Um método amplamente usado para estimar vazão de rios, em particular pico de vazão a partir das marcas de cheia, é a fórmula de Manning-Chezy: Q= 1 2 3 12 Ar s n [7.3] Q é a vazão em m3/s, A é a secção transversal em m2, r é o raio hidráulico em m, s é o gradiente de declividade (adimensional ou m/m) e n é o fator de rugosidade de Manning em unidades TL-1/3. Este fator varia de 0,02 em canais lisos a 0,15 para canais bastante rugosos com fundo cheio de raízes e vegetação. Em geral estes valores são em encontrados em Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 8 tabelas de manuais de Hidráulica. A fórmula de Manning-Chezy não é exata, mas produz resultados muito melhores que uma simples inspeção visual no local. Exemplo: Seja a declividade de um trecho do rio de 0,1 m em 10 m onde se deseja medir a vazão para um projeto contenção de enchentes. A secção é de 1,5 m2 e o perímetro molhado de 2 m. O fator n é de 0,05 pelas características do canal (curvas acima e abaixo do trecho, fundo de pedras, alguns poços, pouca vegetação...). Para quantos m3/s o sistema de contenção deve ser projetado? Raio hidráulico r = A/Wp = 1,5 m2/ 2m = 0,75 m Vazão Q = 2 1 1 (1,5m 2 )(0,75m) 3 (0,1m / 10m) 2 = 2,48m 3 / s 0,05 6. Estações de medição. Em experimentos hidrológicos em que se necessita alta precisão na medida de vazão são construídas seções controladas para a medida de vazão, denominadas vertedouro, em que erros na relação Q x h são minimizados. A figura 7.6 mostra um vertedouro triangular de 90o. A partir de geometria simples vê-se que: A = h 2 tan(90 o / 2) [7.4] ou seja: A=h2 [7.5] A partir de princípios de hidráulica, mostra-se que a velocidade média no vertedouro é o produto de uma constante C pela raiz quadrada de h: _ V = Ch1 2 de forma que Q é dada por: [7.6] Introdução a Hidrologia de Florestas Q = h 2Ch1 2 = Ch 5 2 Setembro 2004 Unidades: L3T-1 9 João Vianei Soares [7.7] A constante C inclui todos os efeitos de variação da velocidade ao passar pelo vertedouro. Para um vertedouro em 90o cuja cresta é reta, a relação medida experimentalmente é (Q em m3/s e h em m): Q = 1,34h 2, 48 [7.8] Abrigo de medição Sistema de dissipação Bacia de estabilização o Vertedouro 90 a roch Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 10 João Vianei Soares Registrador do nível d’água vertedouro bóia h Poço de estabilização dutos comunicantes Figura 7.6. Vista de um vertedouro triangular típico para medição precisa de vazão de pequenos cursos d’água. Para o vertedouro da microbacia experimental da Aracruz Celulose S.A., a equação é dada por: Q = 0,0366h 2,52 em que Q é em l/s e h é em cm. 7. Registros de vazão. São sumários editados de descarga de uma estação de medição em períodos de tempo de horas, dias, meses, estações do ano. Ano água (water-year) é um calendário diferente do ano juliano. Normalmente começa no inicio da estão chuvosa do ano. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 11 B. Terminologia de Runoff. Runoff refere-se a todos os processos que culminam com fluxo no canal perene de 1a ordem de uma dada bacia. A palavra runoff não discrimina os vários processos ou timing da água coletada numa bacia, de forma que uma terminologia mais precisa deve ser usada para descrever os componentes do fluxo de água no canal de drenagem. 1. Classificação dos componentes de fluxo. É óbvio que nem toda a precipitação escoa imediatamente para fora de uma dada bacia. Parte da água escoa muito rapidamente, parte é armazenada temporariamente e outra fração nunca escoa para fora sendo reevaporada para a atmosfera ou percolada para aqüíferos subterrâneos profundos. Os seguintes termos são usados para classificar e descrever o processo complexo de runoff. Precipitação no canal (Cp) é a fração da chuva que cai diretamente no canal de drenagem da bacia. Normalmente a área recebendo Cp é da ordem de 1 % da área total da bacia, mas, em caso de períodos prolongados de chuva, a área que recebe a chuva diretamente pode chegar a ser considerável devido a expansão do canal principal para dentro de canais intermitentes e efêmeros da bacia. Escoamento lateral no solo (Rs) é a fração da vazão derivada da precipitação que não infiltra na superfície mineral do solo (correndo sobre a superfície para o canal mais próximo sem infiltração alguma). Escoamento superficial (Cp+Rs). A distinção importante é que escoamento superficial não infiltra. Escoamento subsuperficial (Ri). Refere-se a parte da vazão do canal que vem de fontes subsuperficiais, mas que atinge o canal tão rapidamente que compõe a hidrógrafa causada por dado evento de chuva. Existe uma incerteza na separação entre fluxo de base e fluxo subsuperficial, mas o maior componente da vazão derivada de chuva em áreas de florestas começa com fluxo subsuperficial. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 12 Deflúvio (Qs = Cp + Rs + Ri) é o termo usado com maior freqüência em Hidrologia para descrever as características de produção de inundação de bacias hidrográficas. Escoamento básico (Rg) é o efluxo de água dos aqüíferos subterrâneos (regularmente alimentados pela percolação de água no regolito) para o canal. Em áreas de floresta de terra firme e bem drenadas, aproximadamente 85% do volume de água recebido pela drenagem é escoamento básico. No leste dos EUA, em torno de 70% é escoamento básico e 30% é deflúvio. Vazão do canal (Q) é a taxa de descarga de um dado canal natural obtida numa estação de medição. É a soma de todos os termos acima: Q = Cp + Rs + Ri + Rg [7.9] Vazamento profundo de uma bacia (L) refere-se a perda de água em falhas profundas (ou cavernas, rios subterrâneos) não computadas em uma estação de medição da vazão de saída de água da bacia. Fluxo abaixo do leito do canal (U) é também fluxo não medido que ocorre em sedimentos de vales e material carreado e depositado no fundo. Coleta de Água (WY) de uma bacia é a água total coletada num dado período de tempo. É igual a diferença entre a precipitação total e a soma da evapotranspiração e da variação de armazenamento: WY = Pg − Et − ∆S [7.10] Em termos de componentes de fluxo, temos: WY = Q + U ± L [7.11] Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 13 Em bacias experimentais, o hidrólogo procura garantir que U e L sejam desprezíveis (caso da microbacia experimental da ARACRUZ CELULOSE S.A.). Existem apenas 11 termos essenciais e consistentes na definição de hidrógrafas de pequenas bacias (ver Figura 7.1) Definidos a partir da hidrógrafa: Vazão, vazão de pico, fluxo antecedente, tempo de subida. Classificados a partir da hidrógrafa (classificação arbitrária): deflúvio, duração do deflúvio. Definidos por descrição do processo: escoamento superficial, escoamento lateral no solo, precipitação no canal (o 1o é a soma dos 2 últimos e são separáveis apenas mediante regras arbitrárias). Classificados por subtração: Escoamento básico = vazão – deflúvio; escoamento subsuperficial = deflúvio – escoamento superficial. Não há operação gráfica ou matemática sobre a hidrógrafa que revele a fonte ou o caminho do deflúvio. A mudança na vazão de um canal é o resultado da integração ou depleção dos vários componentes de estocagem de água na bacia. A figura 7.8 sugere a relação entre os vários componentes de fluxo e os seus tempos de residência (base em registros do leste dos EUA). Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 14 João Vianei Soares Precipitação média anual =100% 9% Água não infiltrada 1% 91% Evapotranspiração 7% 60% Água infiltrada 1% Precipitação no canal 1% Escoamento lateral no solo 21% 8% 1% Escoamento superficial Escoamento básico Escoamento subsuperficial minutos horas dias semanas meses anos Tempo de residência Figura 7.8. Partição (em %) da precipitação anual de áreas úmidas do leste dos EUA e sua relação com o tempo de residência das componentes de vazão de saída. Escoamento superficial pode deixar microbacias em minutos enquanto escoamento básico pode ser originado de água armazenada no regolito durante anos. 2. Classificação dos componentes de armazenamento. Todos os componentes de vazão são pelo menos temporariamente armazenados na bacia Armazenamento por interceptação. É a água retida na parte aérea da vegetação (chega a 1,5 mm em florestas de coníferas). Seu efeito no deflúvio é pequeno (ou desprezível), exceto em situações de chuva fraca quando a vegetação que cobre cursos d’água intercepta até 50% da precipitação de canal. Armazenamento por retenção na superfície é o filme fino de água que molha a superfície do solo antes de começar a ocorrer fluxo superficial (em geral menor Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 15 que 0,5 mm). Apenas em situações em que a velocidade da infiltração é muito baixa, é que este termo significa uma subtração significativa do deflúvio. Quando a infiltração é maior que a precipitação, este termo não precisa ser levado em conta. Armazenamento por detenção na superfície é a água retida pela resistência da superfície (rugosidade) ao fluxo lateral (em declive), permitindo que a maior parte da água se infiltre. Armazenamento por retenção na superfície do solo de florestas é a precipitação retida na liteira, húmus e matéria orgânica em fermentação, que representa, em geral, uma perda por interceptação. Armazenamento por detenção na superfície do solo de florestas representa uma redução substancial no deflúvio porque retém a maior parte de pancadas de chuva para infiltração posterior. Este é um dos maiores benefícios hidrológicos da floresta (do ponto de vista da prevenção de enchentes). Armazenamento em depressões é a água que fica empossada em depressões, terraços de contenção (curvas de nível). Umidade do Solo pode ser separada em água detida (pequenos períodos) e água retida na manta de solo. Quando a zona de aeração é profunda, o estoque de água na manta de solo desempenha papel muito importante na quantificação e “timing” tanto de deflúvio quanto de escoamento básico. Água subterrânea pode permanecer na bacia durante anos, mas em zonas saturadas ao longo dos cursos d’água, pode descarregar rapidamente como vazão. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 16 Estoque do canal é a água contida no canal num dado instante, variando bastante durante e após as chuvas, e seu efeito sobre a hidrógrafa de pontos a jusante é dominante. Em resumo, dois conjuntos de fatores controlam a hidrógrafa de uma bacia: fatores físicos (morfologia e propriedades físicas dos solos) e meteorológicos (total de chuva por evento, intensidade de chuva (cm/hr), duração da chuva (horas, dias, semanas), distribuição da chuva na bacia e temperatura (regiões de alta latitude)). A figura abaixo mostra as hidrógrafas anuais de 2 rios de Michigam, EUA, submetidos a regimes similares de precipitação. O rio Manistee mostra hidrógrafa que varia pouco ao longo do ano, indicando que sua bacia tem grande capacidade de armazenamento em solos profundos e permeáveis (com boa capacidade de infiltração). O rio Salt apresenta hidrógrafa de respostas rápidas a precipitação, revelando baixa capacidade de retenção em Vazão (m3/min/km2) solos rasos e impermeáveis. Rio Salt Rio Manistee Tempo (meses) C. Hidrógrafa unitária. As relações entre chuva e runoff direto para chuvas de distribuição uniforme e de intensidade constante sobre toda a bacia de drenagem são regidas por três princípios fundamentais: 1) Para chuvas de iguais durações, as durações Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 17 dos runoffs diretos são iguais; 2) Duas chuvas de mesma duração, mas com volumes escoados diferentes, resultam em hidrógrafas cujas ordenadas são proporcionais ao volume escoado, e 3) Considera-se que as precipitações anteriores não influenciam a distribuição no tempo do runoff direto. Com base nisto L.K. Shermam publicou em 1932 um método chamado “Hidrógrafa unitária” que é uma ferramenta útil na transformação de dados de chuva em dados de vazão. A hidrógrafa unitária de cada bacia representa a capacidade média da bacia de drenar a água da chuva. Na definição de Sherman : “Se uma chuva de um dia produz um runoff direto de 1 polegada, a hidrógrafa produzida por este evento é a hidrógrafa unitária da bacia”. A tabela abaixo e a figura 7.9 exemplificam como gerar um hidrógrafa unitária de 1 cm (chuva excedente, isto é, não infiltrada), para uma bacia de 100 ha, em que um runoff direto de 1,5 cm foi gerado a partir de uma chuva de 6 cm durante 4 horas. Vê-se que a chuva excedente (não infiltrada) ocorreu entre 8h00 e 9h00. Subtrai-se escoamento básico da vazão para gerar a hidrógrafa de runoff direto de 1,5 cm. A razão (1cm/1,5 cm) 0,667 é usada como multiplicador para gerar a hidrógrafa unitária a cada hora (última coluna da tabela). O método da hidrógrafa unitária é útil (como ferramenta de transformação de dados de chuva em vazão) por sua simplicidade de conceito e é usado universalmente em projetos de engenharia (pontes, barragens, diques, canais), previsão de cheias e mapeamento de várzeas. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 Tempo (a Vazão real Escoamento 2 partir de t0) 18 João Vianei Soares (m3/h x 10 ) Runoff direto Ordenada da básico hidrógrafa unitária Área da bacia = 100 ha 7-8 1,0 1,0 0 0 Volume unitário = 100 8-9 3,3 1,1 2,2 1,5 13,2 1,2 12,0 8,0 29,7 1,3 28,4 18,9 11-12 35,6 1,4 34,2 22,8 Multiplicador = 100/150 12-13 26,8 1,5 23,3 16,9 = 0,667 13-14 20,2 1,6 18,6 12,4 14-15 14,9 1,7 13,2 8,8 15-16 10,5 1,8 8,7 5,8 16-17 7,0 1,9 5,1 3,4 17-18 4,3 2,0 2,3 1,5 18-19 2,0 - 0 0 3 m x 10 2 9-10 3 Runoff direto = 150 m x 10-11 Chuva total = 6 cm Chuva (cm/h) infiltração Chuva excedente = runoff direto =1.5 cm 4 horas 40 Vazão atual 35 vazão (m3/hr x 102) 10 2 30 Hidrógrafa unitária 25 20 15 10 5 0 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 tempo (horas) a partir de t0 Figura 7.9. Exemplo de geração da hidrógrafa unitária 18 Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 19 João Vianei Soares 1. Usando a hidrógrafa unitária. Previsão de hidrógrafas complexas a partir da hidrógrafa unitária. Para prever a hidrógrafa de uma chuva (excedente de 2 cm), superpõe-se a hidrógrafa unitária sobre ela mesma, e soma-se as vazões a cada hora. Para prever uma hidrógrafa de 1cm seguida por uma segunda com um atraso de 1h, superpõ-se as duas com defasagem de 1 h e soma-se como no caso anterior. Se 0,5 cm de chuva efetiva ocorre na terceira hora, a ordenada desta hidrógrafa é construída dividindo-se as da unitária por 2 e superpondo novamente com defasagem de 3 horas (e somando...). Ver figura abaixo. 1 cm + 1cm na 2 h +0.5 cm na 3h vazão (runoff direto) 2 cm em 1h 1 cm + 1 cm defasado de 1h Hidrógrafa unitária 1 cm em 1 h 0 3 6 9 horas do inicio da chuva 2. Propagação de enchentes. É uma técnica usada para determinar o efeito do canal ou reservatório na forma e movimento de uma hidrógrafa de enchente (ou deflúvio). Na medida que o deflúvio desloca-se rio abaixo, seu período de duração aumenta e a vazão de pico diminui. Consideremos o reservatório de 1 ha da figura 7.10 , considerando que o mesmo está no seu nível máximo, mas não perdendo água pela secção de controle (nem ganhando). Queremos ver como o lago propaga um deflúvio de 1 cm proveniente de uma bacia de 100 ha acima. A hidrógrafa de entrada é portanto a hidrógrafa unitária da figura 7.9. A equação de propagação é baseada na conservação da matéria: Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 20 João Vianei Soares Entrada = saída + mudança de estoque A entrada (I) é o influxo médio na entrada do lago, e a saída (O) é a taxa média de fluxo pela secção de controle e a mudança de estoque é o ganho ou perda de água pelo lago. Neste exemplo o intervalo de propagação é de 1 h, e os subscritos 1 e 2 referem-se ao início e fim do intervalo. Assim: I1 + I 2 O1 + O2 = + ( S 2 − S1 ) 2 2 [7.12] No momento em que a enchente chega no lago, sabe-se que: I1 = O1 = S1 = 0 e também que I2 será o fluxo dado pela hidrógrafa unitária ao final da 1a hora (4 m3/h, às 9h00, figura 7.9). Re-arranjando 7.12 de forma que as variáveis conhecidas fiquem à esquerda e as desconhecidas à direita, segue: I1 I 2 O O + + S1 − 1 = S 2 + 2 2 2 2 2 I [7.13] S Estoque inicial Secção de controle O Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 21 João Vianei Soares Estoque (m3/h x 102) 20 30 e qu o st da vs . (S a íd Sa 8 .e vs 50 Sa í Saída do lago (m3/h x 102) 10 40 ) 12 10 +O /2 0 6 4 2 0 0 10 20 30 40 3 2 (S+O/2) em m /h x 10 50 Figura 7.10. Diagrama da curva saída versus estoque desenvolvido para um lago de 1 ha com determinada capacidade hidráulica do canal de saída (secção de controle). A equação 7.13 aparece novamente na tabela de computação da figura 7.11. Entretanto, uma equação com duas incógnitas(S2 e O2) não tem solução, a menos que uma outra equação relacione O e S no lago (equação única para cada lago e hidráulica do sistema de (secção de) controle). Desta forma, cada linha da figura 7.11 é computada para calcular a saída do lago ao final de cada hora. A solução as 8h00 dá 2 m3/h x 102 para o valor (S+O/2). Entre no gráfico da figura 7.10 (abcissa inferior) e obtenha a saída do lago a partir da curva (S+O/2). A saída é 1,4 m3/h x 102 que é colocada na última coluna às 9h00. O valor 1,4 é também O1 para a próxima iteração, de forma que 1,4/2 é colocado na coluna O1/2 as 9h00. Conhecendo a saída as 9h00, o estoque é atualizado (ler na escala superior, usando a curva saída-estoque). Encontramos o valor 1,0 m3 x Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 22 102. Entre este valor em S1 as 9h00, que será o estoque inicial no início da segunda iteração. Compute o novo (S+O/2) e continue até que toda enchente seja escoada. O pico cai pela metade e a duração do escoamento extende-se por aproximadamente 6 horas (neste exemplo). Hora Entrada (m3/hrx102) I1/2 I2/2 S1 O1/2 (S2+O2/2) 8 0 0,0 2,0 0 0 2,0 0 9 4 2,0 6,8 1 0,7 9,1 1,4 10 13,5 6,8 11,2 6,9 2,2 22,6 4,3 11 22,3 11,2 10,2 18,9 3,8 36,4 7,4 12 20,3 10,2 7,0 31,6 4,9 43,9 9,8 13 14 7,0 5,2 38,5 5,4 45,3 10,8 14 10,4 5,2 3,7 39,8 5,6 43,1 11,6 15 7,3 3,7 2,3 37,5 5,4 38,0 10,7 16 4,5 2,3 1,2 32,9 5,1 31,2 10,0 17 2,3 1,2 0,7 26,9 4,5 24,3 9,0 18 1,4 0,7 0,0 20,4 3,9 17,2 7,7 19 0 0,0 0,0 14 3,2 10,8 6,4 20 0 0,0 0,0 8,5 2,4 6,1 4,9 21 0 0,0 0,0 4,4 1,6 2,8 3,3 22 0 0,0 0,0 1,8 0,9 0,9 1,8 23 0 0,0 0,0 0,6 0,3 0,3 0,7 24 0 0,0 0,0 0,1 0 0,1 0,1 1 0 0,0 0,0 0 0 0 Saída (m3/hrx102) 0,0 Figura 7.11a. Planilha de solução da equação 7.13 de propagação da hidrógrafa unitária da figura 7.9 através do lago da figura 7.10. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 23 João Vianei Soares Entrada (m3/hrx102) Saída (m3/hrx102) vazão (m3/h x 102) 25 20 15 10 5 0 5 10 15 20 25 hora Figura 7.11b. Representação gráfica das vazões de entrada e saída da figura 7.11a. Vêse como o pico da enchente é achatado e atrasado no tempo pelo estoque. 3. Curvas de runoff. Estimativas de chuva excedente (que não infiltra) são baseadas nas curvas de capacidade de infiltração. A maioria dos tipos de solo é classificada em quatro grupos do ponto de vista de capacidade de infiltração: Grupo Hidrológico do solo Capacidade de infiltração A Rápida B Moderada C Lenta D Muito lenta O grupo hidrológico é modificado pelo uso da terra (agricultura, pastagem, floresta); práticas de conservação e condição hidrológica (classificada no campo como boa, regular ou pobre). Cada combinação de grupo de solo, uso da terra, condição hidrológica e prática de conservação, estará associada com uma curva de runoff (Q) em função da chuva (P). As curvas de runoff são aproximações baseadas na premissa de que o runoff direto é apenas superficial. Nas curvas apresentadas abaixo Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 24 João Vianei Soares S é o potencial de infiltração, de forma que se S=0 o runoff direto é igual a P. Com base numa aproximação de que em geral 20% da infiltração potencial é sempre retida antes de qualquer escoamento superficial, desenvolveu-se a relação genérica abaixo: Q= ( P − 0,2S ) 2 P + 0,8S [7.15] 50 60 80 0 3 70 1000 10 + S 90 No. da curva = 4 10 2 40 1 20 30 Runoff direto (pol) 5 0 1 2 3 4 5 6 7 Precipitação (pol) 8 9 10 11 12 4. Outros métodos de estimativa de runoff direto. A equação 7.15 usa apenas precipitação e capacidade de infiltração como preditores de runoff. Na verdade existem pelo menos três: entrada, estoque atual e capacidade de armazenamento, como mostra o modelo de vaso abaixo. Chuva é a entrada, retenção e detenção representam o estoque atual e a profundidade e propriedades físicas do regolito são indicadores da capacidade de armazenamento (refletida na resposta hidrológica R da figura 7.2). Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 25 João Vianei Soares chuva Capacidade de armazenamento Estoque atual 5. Fórmula índice R. Hewlett at al. (1977) desenvolveram fórmulas para estimativas (com a finalidade de planejamento) de runoff direto e vazão de pico para florestas do leste dos EUA, usando a resposta hidrológica média da figura 7.2. Qs = 0,35RPg Q p = 3,4 RPg 1, 5 [7.16] 1, 6 [7.17] Qs é em cm, Qp é em m3/min/km2, R é uma fração adimensional e Pg é a precipitação total em cm. É necessário usar um fator sazonal de ajuste (multiplicador): AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL 1,0 1,1 1,2 1,4 1,5 1,5 1,3 1,2 1,1 1,0 1,3 1,4 Uma condição de aplicação da fórmula 7.16 é que Qs não pode ser maior que Pg. Diferenciando 7.16, verifica-se que quando Pg atinge 3,6/R2, qualquer chuva suplementar torna-se runoff, o que não é problema a menos que Pg seja maior que 30 cm e R maior que 0,35, como mostra a tabela abaixo: Quando R = 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 0,50 Limite de Pg 360 160 90 58 40 30 23 18 14 (cm) = Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 26 Por exemplo, se R=0,45, qualquer chuva acima de 18 cm vai diretamente para runoff pois a capacidade de armazenamento foi atingida (o vaso do modelo está “cheio”). Exemplo: Quantos m3 de água são adicionados num lago de 1 ha na saída de uma bacia de 100 ha de Piedmeont, USA (R=0,16), se uma chuva de 25 cm ocorre em março? Qs = 0,35(0,16)251,5 = 7 cm Aplicando o ajuste: 1,5 x 7 cm = 10,5 cm de runoff direto 10 cm x 0,01 m/cm x 100 ha x 10000m2/ha = 10500 m3 (adicionados ao lago). Qual é a vazão de pico em m3/min/km2? Qp =3,4(0,16)261,.6 = 93,8 m3/min/km2 Como 100 ha = 1 km2, a descarga de pico é 93,8 m3/min. D. Processo de runoff. É necessário entender os processos relacionados a superfície fonte (source area). 1. O conceito de superfície fonte. Este conceito (Hewlett and Dilbert, 1967) tem como o princípio o fato de que nem runoff direto ou escoamento básico são produzidos uniformemente na superfície (ou subsuperfície) de toda a bacia. Na verdade, o fluxo de água num canal de drenagem é resultado dos processos dinâmicos que ocorrem numa área fonte que encolhe e expande. Um exemplo é o padrão de uma rede dendrítica da figura 7.12 abaixo. Introdução a Hidrologia de Florestas ra Solo Setembro 2004 27 João Vianei Soares so t0 t1 t2 t3 Figura 7.12. Este exemplo mostra como a vazão aumenta enquanto a área de contribuição se estende para dentro de brejos, solos rasos e canais efêmeros. O processo se reverte quando a vazão diminui. Neste exemplo, a superfície contribuindo para o fluxo de drenagem varia de 1% do total em eventos de chuva reduzida até 50% em condições de tempestade pesada. 2. Fontes de fluxo de água. Se o regolito de uma bacia de drenagem é profundo para suportar cobertura vegetal por períodos de seca prolongados, praticamente toda a chuva infiltra a superfície do solo antes de atingir um curso d’água (perene, intermitente ou efêmero). A capacidade (dinâmica) de armazenamento da manta de solo (porosidade e profundidade) é que vai determinar se a água vai alimentar o escoamento básico, sai via evapotranspiração ou emerge rapidamente para tornar-se runoff direto. A capacidade de armazenamento é limitada quando o solo se aproxima da saturação ou quando existem camadas de baixa condutividade próximo a superfície). A exceção de solos rasos, apenas chuvas de grande intensidade excedem a capacidade de armazenamento de bacias de florestas. Escoamento subsuperficial. A precipitação no canal (Cp) é a primeira fonte de escoamento (subida na hidrógrafa de saída). Se a chuva continua, em poucos minutos a hidrógrafa sobe em função da expansão de áreas que contribuem para o escoamento Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 28 subsuperficial por 1) deslocamento da água armazenada nos bancos dos canais e filtradas em áreas permeáveis, e 2) fluxo direto de chuva “nova” pelos poros grandes dos bancos em expansão. Escoamento sobre a superfície que se desenvolve a partir de rochas relativamente impermeáveis, estradas e superfícies adjacentes à drenagem podem ser classificados como expansão do canal. Na figura 7.13 (adiante) é mostrado o efeito relativo de uma chuva pesada a medida que aumenta a distância (em rampa) do curso d’água. A chuva no topo da elevação contribui muito pouco ou quase nada na hidrógrafa, ainda que a água percolada começa a deslocar água estocada encosta abaixo, que vai alimentar o escoamento básico e evapotranspiração nas semanas e meses seguintes. Como para o escoamento básico, a parte baixa da encosta recebe água das áreas acima continuamente; o solo próximo ao curso d’água sempre estará mais úmido que o solo acima no começo de um evento de chuva. Chuva provocando runoff Chuva nova última chuva saturado Chuva nova última chuva Figura 7.13. Uma secção transversal idealizada de fluxo numa bacia, mostrando a superfície fonte variável de contribuição para a vazão (runoff direto) e a fonte de escoamento básico defasado. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 29 Expansão do canal. Se a chuva continua, a capacidade do solo de transferir água para a drenagem é ultrapassada e a água emerge na superfície (mais rio acima e encosta acima), de forma que canais efêmeros e intermitentes acrescentam no comprimento do canal de forma que o comprimento total pode chegar a 10 ou 20 vezes o tamanho original. A expansão pode abranger rapidamente áreas de solo raso e superfícies de solo nu (ou superfícies compactadas). A expansão excepcionalmente rápida do sistema de canais dá a impressão de que enchentes são principalmente escoamento superficial (sem infiltração) o que raramente é o caso fora de cidades e de campos cultivados. Declives menores apenas mudam a contribuição relativa das várias fontes, mas não a sua natureza. 3. Fontes de escoamento básico. Em climas úmidos, qualquer parte do regolito capaz de armazenar água contribui para o escoamento básico ao longo do tempo. A água infiltrada é normalmente maior que a evapotranspiração; assim durante períodos úmidos as fontes dinâmicas de escoamento básico se expandem e se encolhem durante períodos secos. Em climas secos, a precipitação é temporariamente armazenada até ser evaporada, contribuindo muito pouco para escoamento básico. Em áreas semi-áridas, o escoamento básico decresce rapidamente, porque as áreas fontes são quase sempre limitadas aos canais intermitentes e seus bancos. Em terreno acidentado, aqüíferos estreitos ao longo do canal servem ao mesmo tempo como um canal de capacidade de estoque limitada e como um condutor que alimenta o escoamento básico. A maior parte da água que passa por esta estreita zona saturada vem do armazenamento na zona de aeração, onde a água encontra-se retida em potenciais entre –5 e – 200 cm. Embora a drenagem em solos não saturados seja muito lenta, volumes grandes de solo (abaixo da zona de influência de raízes, i.e. evapotranspiração) fornecem água para a drenagem durante meses ou anos, sem que haja nova recarga. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 30 Em terrenos planos com lençóis freáticos extensos e próximos à superfície do solo, a maior parte do escoamento básico vem das camadas mais superficiais do aqüífero, que emerge na superfície em toda a bacia em resposta à precipitação. Em ambos os terrenos, uma porcentagem maior da chuva que cai na proximidade dos canais será escoada como escoamento básico, em comparação à chuva que cai nas proximidades dos divisores de água (que será infiltrada e evaporada ao longo de seu maior tempo de residência a caminho do canal). Do ponto de vista qualidade da água, serão determinantes o tempo de residência no regolito e o efeito concentrador da evaporação. Como um exemplo hipotético, a resposta em termos de exportação de nutrientes pelo escoamento básico a doses pesadas de fertilizantes em dois pontos A e B da encosta de uma bacia pode ser representada pela figura abaixo. O fertilizante colocado no ponto B será em grande parte retido pela bacia. A mineralização da água do solo nas proximidades dos divisores e a evapotranspiração tendem a concentrar minerais e nutrientes para baixo nas vertentes. Vazão, minerais, nutrientes, sedimentos e outros poluentes são derivados de áreas fontes variáveis. 4. Modelos computacionais de runoff. Modelos computacionais de produção de runoff são utilizados na simulação de runoff anual e na estimativa de freqüência e magnitude de picos e mínimas de vazão em rios, com muito poucos dados (ou dado algum) hidrológicos. Os modelos de interesse em florestas são de dois tipos: 1) base em infiltração, e 2) base no conceito de área fonte variável. Os modelos tradicionais de uso em engenharia são do tipo 1. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 31 João Vianei Soares B Concentração no escoamento básico A ha m Roc ãe Tempo em semanas ou meses Modelos computacionais tradicionais usam chuva e um determinado número de variáveis para simular escoamento superficial e propagá-lo até certo ponto do curso d’água de interesse. A maioria usa um esquema de operação como a da figura 7.14. Uma pequena fração de escoamento subsuperficial é parametrizada, mas as restrições de expansão do canal do modelo forçam uma participação muito mais importante do escoamento superficial (sem infiltração). O regolito é dividido arbitrariamente em duas camadas (uma camada superficial e outra profunda), para propiciar um armazenamento dinâmico parcial na subsuperfície. A aplicação principal deste tipo é em engenharia. O escoamento superficial é superestimado, mas as hidrógrafas são simuladas rapidamente e convenientemente para projetos de estrutura, previsão de enchentes e mínimas, e para operar reservatórios complexos. Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 João Vianei Soares 32 Modelos computacionais tradicionais evapotranspiração precipitação interceptação Áreas impermeáveis Rotina de infiltração Escoamento superficial Armazenamento camada superior Armazenamento camada inferior Escoamento subsuperficial Escoamento básico Armazenamento lençol freático Escoamento no canal Figura 7.14. Modelos computacionais tradicionais usados na simulação de vazão de canais de drenagem. Modelos de área fonte variável. Estes modelos procuram representar o caminho real, tempo de residência e as fontes de água, na sua rota para o canal de drenagem da bacia (Figura 7.15). Estes modelos são focados no movimento da água subsuperficial (em detrimento de taxas de infiltração), e no armazenamento corrente (umidade do solo) por profundidade e posição topográfica. A maior parte do escoamento do canal vem da expansão e encolhimento da zona de saturação na base das encostas. A chuva vai para o compartimento de infiltração, a menos que a camada superficial atinja a saturação, eliminando assim a tarefa quase impossível de se estimar chuva excedente por modelos de infiltração teóricos. Uma boa estimativa de umidade do solo e sua distribuição topográfica passam a ser críticos neste Introdução a Hidrologia de Florestas Setembro 2004 33 João Vianei Soares tipo de modelo. Informações detalhadas sobre o regolito e suas propriedades físicas são necessárias. O detalhe requerido neste tipo de modelo pode limitar sua aplicação em engenharia. evapotranspiração precipitação interceptação Áreas impermeáveis in f iltr açã o Rotina defluxo subsuperficial Escoamento superficial Precipitação de canal Zo n Fluxo subsuperficial de a va sat riáv ura ção el Escoamento básico Escoamento no canal Figura 7.15. Modelos computacionais baseados no conceito de área fonte usados na simulação de vazão de canais de drenagem.