Apresentação
Imagine se o universo fosse regido por seres preocupados
com a saúde ecológica e que uma missão fosse enviada
à Terra para verificar se os terráqueos estão cumprindo
bem os preceitos básicos de preservação do ambiente.
Será que nós passaríamos pelo teste?
E se a punição, caso fôssemos reprovados, consistisse na
destruição pura e simples do planeta? Será que então nós daríamos alguma importância ao assunto que temos preferido
ignorar, apesar dos gritantes avisos das cidades poluídas, das
florestas devastadas, do degelo das calotas polares, das dramáticas alterações climáticas, da diminuição da biodiversidade?
Nada disso foi suficiente até agora para que governos e
empresas, líderes e cidadãos comuns, com raríssimas exceções, resolvessem seriamente se empenhar para solucionar
os problemas do ambiente.
Mas, num belo dia, dois tralfamadorianos, a tenente Velva e o cabo Kubno, embarcaram na nave estelar Vork com
destino à nossa Terra com essa missão: se este planeta não
preenchesse os requisitos exigidos para ingressar na Auface
(Aliança Universal de Fortalecimento e Apoio à Causa Ecológica), eles deveriam simplesmente eliminá-lo.
Para azar deles, e nosso, a cidade onde começaram a missão, escolhida randomicamente, foi apenas São Paulo. Cucalapopoca! Você já deve ter percebido que a coisa não vai ser
nada fácil para a Terra.
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São Paulo pode ser barra pesada, mas não é a única com
esse jeitão que horrorizou Kubno e Velva: uma infi nidade de
veículos poluentes, gastadores de energia fóssil e que, por serem tantos, se tornam lentíssimos; poucas pessoas endinheiradas cercadas de pobres por todos os lados; montanhas de
lixo não reaproveitadas etc. etc. etc., como você sabe...
Perplexo, revoltado, mas bonzinho, poeticamente o cabo
Kubno disse:
Povo desta bela Terra,
de mares, deserto e serra,
como podeis ser tão gentis,
e, ao mesmo tempo, tão imbecis?
O que você acha? A pesquisa de Velva e Kubno vai levar
à destruição da Terra? Se você fosse entrevistado por eles, o
que recomendaria? Há alguma coisa na Terra que justifique
o comportamento recente dos humanos? Há algum modo de os
terráqueos salvarem o planeta?
Carlos Eduardo Lins da Silva
Em sua longa carreira de professor, pesquisador e jornalista,
foi correspondente internacional dos Diários Associados e da Folha
de S. Paulo nos Estados Unidos, além de secretário de redação da
Folha de S. Paulo e diretor da sucursal de Brasília deste mesmo jornal. Ganhou bolsa de mestrado da Capes/Fullbright, que resultou
em dissertação sobre jornalismo ambiental, e lecionou em diversas universidades brasileiras. Engajou-se na luta por um jornalismo comprometido em divulgar questões relacionadas à ecologia
quando esse tema ainda engatinhava nos meios de comunicação.
Em 1977, criou o Raízes, um dos primeiros jornais ecológicos do
país. Desde então, publicou inúmeros livros, ensaios e artigos, tornando-se uma referência nessa área.
Estamos chegando
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O espaço, a fronteira final. Esta é a viagem da nave estelar
Vork em sua missão ao planeta Terra para exploração de
novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde
nenhum tralfamadoriano jamais esteve.
Sempre quis começar um diário estelar assim.
Ah, antes que me esqueça, meu nome é Kubno, cabo Kubno.
Sou piloto de naves estelares. É claro que eu preferia estar
pilotando uma Tuf-300, com aqueles sensores coloridos, ou
uma Wakl, que percorre mil anos-luz em um segundo. Mas
minhas notas na autoescola espacial não foram muito boas e
acabei dirigindo esta Vork mesmo.
Não estou viajando sozinho. Minha comandante é a tenente
Velva. Ela é linda. De suas orelhas saem lindos tentáculos e
seus narizes são arrebitados. Sei que não é ético paquerar
uma fêmea de patente superior, mas não aguentei. Quando
estávamos passando por Ganímedes, a última lua de Júpiter,
comentei:
— Adoro seus olhos azuis.
Ela respondeu:
— Só os azuis? Você não diz nada sobre os verdes, os amarelos, os cor-de-rosa, os roxos e os listrados?
Ah, não é fácil agradar as fêmeas...
Desde então ela não tem mais falado comigo. Mas Velva
não tem saída. O tralfamadoriano mais próximo está a centenas de anos-luz daqui. Isso me dá muito tempo para conquistá-la. Se não for desintegrado antes, é claro.
O objetivo de nossa missão é fazer um relatório sobre a
Terra. É o terceiro planeta se iniciarmos a contagem a partir
de uma estrela de tamanho desprezível da Via Láctea chamada Sol. Mais informações no Google Space.
As autoridades intergalácticas querem saber se a Terra
está em condições de ser admitida na Aliança Universal de
Fortalecimento e Apoio à Causa Ecológica, a Auface. Ou se
deve ser destruída.
Agora estamos entrando na atmosfera do planeta. Nunca
tinha passado por um lugar tão poluído por dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e perfluorcarbonetos. Deve estar
quente lá embaixo.
— Que tal se ficarmos no fundo do oceano? — Sugeri a Velva.
— Humpf — ela respondeu com desprezo.
Resolvi insistir:
— Lá é mais tranquilo. Aí pesquisamos pelo computador
mesmo. Sabe aquele recorta e cola da internet que fazíamos
no segundo grau?
— Eu nunca recorria a esses golpes baixos — disse Velva
com ar de CDF indignada. — Vou realizar meu trabalho com
total seriedade, cabo Kubno. Espero ser promovida depois
dessa missão.
— Como você quiser, meu doce.
— Não me chame de meu doce.
— Desculpe.
Acionei o sistema randômico de escolhas e o aparelho indicou uma cidade de nome engraçado: São Paulo.
Já era tarde da noite, mas mesmo assim coloquei a Vork no
modo invisível. Então avistei uma bela clareira e pousei.
Saindo da nave, tossi por dez mil íhns, o que, em tempo
terráqueo, dá mais ou menos uns vinte minutos.
Assim que me recuperei, disse:
— Parece que teremos um bom campo de estudos aqui,
boneca.
— Posso esclarecer uma coisa, cabo Kubno?
— Claro, minha flor.
— Se você me chamar mais uma vez de qualquer coisa
que não seja “tenente Velva”, vou fuzilá-lo com a pistola de
raios flamejantes. Entendido?
— Hã... Claro que sim, tenente Velva.
Amanhã começaremos nossas investigações. Devo admitir que não estou muito otimista. Nem com o planeta, nem com
Velvinha.
Estamos chegando
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