Blog corporativo, para que? Fabio Betti Uma grande multinacional instalada no Brasil nos encomendou um projeto de blog para seu presidente. Problema 1: o presidente fala muito mal português. Problema 2: ele não quer escrever seus próprios textos. Problema 3: ele não tem tempo para se dedicar a um blog. Problema 4: os comentários dos funcionários (o blog seria restringido apenas ao público interno) teriam que ser censurados antes de publicados. Com um briefing desses, esqueço momentaneamente minha "alma de vendedor" e me pergunto: por que, afinal, uma empresa iria querer um blog que não pudesse funcionar como um blog? Vamos individualizar cada um dos problemas apresentados no enunciado, para tentar entender a situação da Empresa Z - já que todo mundo usaria "Empresa X", resolvi atacar de "Empresa Z", só para ser coerente com meus princípios, ou seja, ser do contra! Possivelmente, trata-se de uma situação pela qual outras empresas também devem estar passando. Afinal, existe uma cultura corporativa média, que não difere em grande grau de uma empresa pequena a uma empresa grande, de uma empresa do segmento X - ok, me rendi ao óbvio! - ao segmento Y. Portanto, imagino que muitos de meus colegas executivos consigam identificarse no contexto da Empresa Z. Problema 1: a língua Lamento informar aos amigos da Empresa Z e de todas as outras companhias que possuem operações no Brasil e são comandadas por um presidente ou gerente geral que demonstre dificuldades com a língua portuguesa, que esse não é um problema real - pelo menos, em se tratando de um blog corporativo. Sei que o exemplo é meio forçado, mas o presidente do Brasil também tem enormes dificuldades com a língua portuguesa e é considerado, mesmo por seus mais cruéis críticos e opositores, um comunicador de mão cheia. No caso do presidente da Empresa Z, o fato de ele não ser muito íntimo da língua portuguesa não deveria ser considerado um fator impeditivo para que ele mesmo escrevesse seus artigos. Em terras brasileiras, temos todo tipo de tradutor. E se ele aceitar um conselho, também temos excelentes professores, que adorariam salvá-lo das armadilhas de uma língua latina tão complexa quanto a língua portuguesa. Problema 2: Ele quer um ghost-writer Bem, aí temos um problema real. Isso porque um dos grandes fundamentos de um blog é, justamente, seu caráter pessoal. Se ghost-writers têm sido historicamente utilizados, diria até, com relativo sucesso, pelos grandes executivos das organizações na elaboração de seus discursos e editoriais, isso não significa que eles terão a mesma eficácia em um blog. Por mais que os amigos ghost-writers conheçam o estilo e os traços de personalidade do presidente, nunca, mas nunca mesmo serão capazes de pensar e agir como ele. E, no fundo, as pessoas já esperam um texto mais "institucional" de um editorial ou mais "espirituoso" - independentemente de o presidente ser ou não espirituoso - de um discurso. No entanto, elas esperam que um blog seja. pessoal! A não ser, claro, as pessoas que não fazem a menor idéia do que seja um blog - este, aliás, parece ser o caso do pessoal da área de comunicação da Empresa Z que me procurou. Problema 3: Falta de tempo Ultimamente, a falta de tempo tem sido tão incrivelmente cruel comigo, que até o simples e necessário ato de escovar os dentes precisa ser formalizado em minha agenda. Claro que não comparo o meu tempo com tempo do presidente de uma grande organização, ainda mais da Empresa Z. Só usei um exemplo pessoal para ilustrar que, não importa onde você trabalhe ou que posto você ocupe, a falta de tempo será um problema que você terá que lidar, queira ou não. E por que não deixo de escovar os dentes? Não, não é apenas porque cumpro os compromissos de minha agenda. É porque escovar os dentes é importante, muito importante para mim. Então, se o presidente não tem tempo para cuidar de seu blog, sinto muito, mas dentre tudo aquilo que ele coloca em sua agenda, o blog não merece os 15 minutos diários que seriam necessários para que ele pudesse cuidar dele minimamente. Claro que para toda regra, há sempre uma exceção. O presidente e filho do fundador da rede Marriott de hotéis confessou, em palestra proferida em Conferência Internacional da IABC, realizada no ano passado, que, além da falta de tempo, tem uma preguiça enorme de escrever. Por isso, ele registra os artigos de seu blog diretamente em um mini-gravador que o acompanha em suas frequentes viagens pelo mundo. Simples assim! Problema 4: Cultura da censura Se você já frequentou algum blog por aí e resolveu postar um comentário sobre algo que viu ou leu, qual foi sua expectativa? Que seu comentário aparecesse publicado imediatamente após clicar o botão "enviar", correto? Pois é, por que então seria diferente no caso de um blog corporativo? Seriam os funcionários (N. P) Segundo o iDicionário Aulete, ghost-writer é “aquele que escreve, anonimamente e por encomenda, obra ou texto cuja autoria será assumida por outra pessoa”. seres de outro planeta? Ou pessoas comuns, assim como nós, com vida própria além das fronteiras físicas da Empresa Z? Mas e se algum engraçadinho postar um comentário danoso à imagem da empresa ou do presidente??? Bem, além da auto-regulação do blog, com outros funcionários se encarregando de defender os princípios éticos do processo de comunicação, aqui vai uma resposta que ouvi do diretor de marketing da BestBuy, ao apresentar o case da Intranet na mesma conferência da IABC: abra a página de pesquisa do Google e coloque o nome de sua empresa seguida da palavra "sucks". Em seguida, dê um enter. Juro que cheguei a fazer isso com a Empresa Z e o resultado da busca revelou 315 mil ocorrências para a expressão "A Empresa Z sucks"! Moral da história: se alguém pensa que é possível controlar o que falam sobre si mesmo no mundo da Internet, sinto muito, mas a resposta é: não, não há qualquer possibilidade de se controlar o que se fala de nós em um mundo naturalmente livre como a Internet. Portanto, adotar o sistema de moderação prévia de comentários em um blog corporativo é uma medida estúpida, inócua e, o que é pior, funciona como uma verdadeira sabotagem para uma ferramenta baseada no conceito colaborativo do diálogo aberto, de mão dupla. Conclusão: Para que, então, um blog corporativo? Se a Empresa Z não conseguir superar os quatro problemas apresentados no enunciado e, claro, eu controlar meu impulso vendedor, diria que a Empresa Z não tem nenhum motivo concreto para implementar uma ferramenta como um blog. Definitivamente, ela não precisa de um blog. Precisa, isto sim, abrir os olhos e dar uma espiadinha no mundo que está acontecendo além de suas fronteiras, antes que esse mundo invada de vez o seu espaço e, como um furacão, destrua o que ela construiu acreditando que iria durar para sempre. Apesar do clichê pronto, o fato é que, nesse mundo de mudanças tão absurdamente velozes, quem fica parado é poste e, pelo menos no Brasil, além de postes servirem para transportar fios de eletricidade e telefone, também são comumente utilizados como banheiro de cachorro. _______________________________________________________________ Fonte: Aberje (http://www.aberje.com.br/novo/acoes_artigos_mais.asp?id=681)