“Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Aulas de rádio do projeto Mais Educação na escola São Judas Tadeu em Ananindeua1 Eduarda Eline Coelho da Silva2 Universidade Federal do Pará – UFPA, Belém, PA Resumo Este trabalho relata a experiência de dar aulas de rádio, por meio do programa Mais Educação, para crianças do ensino fundamental, em uma escola pública de um bairro periférico de Ananindeua-Pará. Reflete também sobre o processo que envolve não apenas a transmissão de técnicas, mas a construção conjunta de conhecimento e o exercício da cidadania comunicativa. Palavras-chave: Rádio; Crianças; Endocomunicação; Cidadania; Atividade Complementar. Introdução O programa Mais Educação foi criado pela Portaria Interministerial nº 17 em 2007, ampliando o tempo educativo em algumas escolas da rede pública, ao oferecer atividades socioeducativas no contraturno escolar, tendo em vista a implantação do sistema de educação integral. O projeto foi implantado na escola São Judas Tadeu em março de 2010 e oferta, entre outras atividades, aulas de rádio, que devem ser ministradas por voluntários graduandos de qualquer habilitação do curso de comunicação social. As aulas de rádio exploram a relação entre comunicação e educação, as crianças são estimuladas a produção criativa de conteúdos que posteriormente serão divulgados para toda a escola, o que os faz refletir sobre que temas abordar e como abordar. O trabalho do voluntário é facilitar o fluxo de idéias e a aplicação correta das técnicas de redação e locução. Como fazer com que crianças do ensino fundamental, mais especificamente de primeira a quarta série, se identifiquem com um processo midiático como o rádio? Esta pergunta serviu de base para construção das aulas, pois a cada semana é preciso mantê-las atentas ao universo do rádio, fazendo-as perceber que apesar deste meio de comunicação não 1 Trabalho apresentado na II Conferência Sul-Americana e VII Conferência Brasileira de Mídia Cidadã. Estudante de Graduação 4º semestre do Curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda, da Faculdade de Comunicação da UFPA. E-mail: [email protected] 2 1 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA ser tão recente, ele não é obsoleto, mas pelo contrário, se reinventa com a chegada das novas tecnologias. Estimular o pensamento crítico e aprofundado de certos temas entre alunos que ainda estão aprendendo as regras básicas de construção de texto não é tarefa fácil. As crianças têm acesso a diversos conteúdos o tempo todo, e apesar de a escola estar situada em um bairro periférico, a maioria tem acesso à internet ao menos via celular, e alguns até em casa pelo computador, o que os faz acreditar que conhecem tudo sobre tudo. Fazê-los refletir sobre o real conhecimento que possuem sobre determinado tema é o primeiro passo para a construção do conhecimento, visto que os estimula a buscar sempre mais informações. Comunicação e cidadania Transpor em pensamento estruturado os inúmeros fatos, aparentemente corriqueiros, do cotidiano do aluno através da apresentação e discussão de certos temas é fazê-lo refletir sobre as instâncias de sua vida, é torná-los capazes de associar o conhecimento à discussão. Ao discutir sobre bullying, por exemplo, tornamos a vida social do aluno ponto de reflexão, criam-se condições para que o saber seja elaborado naturalmente e é aberto espaço para o pensamento crítico, base para o exercício da cidadania. A inserção de atividades relacionadas à comunicação, enquanto estudo e produção de conteúdo midiático, na escola, abre espaço para o conhecimento criativo na infância. A criatividade presente nesta fase da vida é peça chave para o desenvolvimento da noção de cidadania, pois que esta lhes é apresentada indiretamente como exercício de colaborar na construção criativa do seu ambiente escolar, do seu bairro e, consequentemente, da sociedade. Durante as aulas, os alunos são estimulados a interagir com os colegas, tanto os da sua classe como os de outras séries, já que as aulas se dão em turmas hibridas, onde os alunos não estão divididos por séries. Isso ajuda as crianças a aprimorarem seu relacionamento interpessoal e a comunicação em grupo. Ao elaborar conteúdos para o rádio, os alunos são constantemente questionados sobre a relevância do assunto escolhido, a certificação da veracidade das informações e a maneira de transmitir a informação escolhida. Esses questionamentos tem a intenção de, ao ajudá-los a construir um texto melhor, incentivá-los também a substituir o pensamento comum sobre a 2 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA mídia, ajuda-los a procurar um sentido, uma justificativa nas informações, jornalísticas ou não, que lhes são transmitidas todos os dias. Ou seja, fazer com que, a partir de sua própria experiência, elaborem naturalmente uma espécie de filtro pessoal de informações. O ambiente escolar é um dos grandes contribuintes para a formação do indivíduo, estruturando-o culturalmente. Sendo assim, faço o uso desta ponte que é a escola para preparar os alunos ao exercício da cidadania. Assim, tem-se que as Instituições culturais, desde a aquisição dos códigos de linguagem até os valores morais e éticos, são responsáveis por modificar os comportamentos. Num primeiro instante perene e, com o tempo, de forma permanente se fortalecendo como parte da estrutura interna do indivíduo. Dentre as instituições culturais existentes na sociedade, uma possui a certificação para que essa transmissão cultural seja passada: a escola. Ela é a ponte entre a cultura e o indivíduo, municiandoo de estruturas para convivência. (ESTRÁDULAS, 2011, p. 3 e 4) O processo de construção das aulas "Vou dar aula de rádio. E agora?" Eis o pensamento que me veio à cabeça no instante em que me dei conta de que seria responsável pela construção da base da formação de um grupo de crianças. É claro que o fato de se tratarem de crianças que estão entre a primeira e a quarta série do ensino fundamental ajuda a aumentar esse desespero. Como fazer crianças que ainda estão aprendendo as bases da produção e interpretação textual entenderem o processo midiático? A resposta a esta pergunta foi descoberta após algum período de crise, simplesmente: construindo conhecimento, degrau por degrau, junto com eles. O primeiro passo foi ensiná-los a fazer bom uso da linguagem, ajudando-os a elaborar melhor os seus textos. A solução encontrada foi passar os primeiros dois meses de aula apenas fazendo discussões de temas propostos – geralmente temas que tem a ver com o universo escolar ou com a cultura local- e produção de pequenos textos opinativos simples em duplas ou grupos. Essas primeiras tarefas tiveram a intenção de aprimorar o fluxo do pensamento critico através do debate entre eles para decisão de quais partes do tema do dia seriam abordadas, levando em consideração que os textos deveriam ter um número limitado de linhas; além de auxiliá-los com exercícios para melhorar sua capacidade de expressão e dicção, fazendo exposição de alguns dos textos para a turma. Depois de dados os primeiros passos e construídos os primeiros textos, é hora de subir 3 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA o segundo degrau. A produção e gravação de spots e pequenos programas sobre temas propostos pelos alunos, os alunos deixam de ser passivos e se tornam produtores de informação. O interessante aqui é fazê-los entender que o professor é apenas um facilitador, que o aluno pode construir de acordo com o que ele julgar importante e que a sua opinião conta, mas que o professor sempre vai questioná-lo o porquê de tudo. Assim que damos ao aluno a oportunidade de escolher o tema a ser abordado, eles demoram um tempo considerável para escolhê-lo. Observando a situação, percebe-se o motivo: os alunos ligam a vastidão de assuntos aos quais tem acesso, à quantidade de temas que se consideram capazes de desenvolver. Acham que só porque já ouviram falar alguma coisa rapidamente na internet ou na televisão, já dispõem de toda a informação necessária. Daí a necessidade de discutir o grau de relevância dos temas escolhidos, e em quantas fontes diferentes possíveis pode-se obter as mais variadas informações sobre eles. Assim, a partir desse momento, eles começam a buscar compreender os pormenores de cada assunto escolhido. Além do mais, esse processo ajuda-os a desenvolver, sem que eles se dêem conta, sua capacidade crítica sobre a mídia. Seria, assim, o simples perceber algo o lado mais efêmero do conhecimento, ligando uma informação com a capacidade de lembrá-la. Enquanto a avaliação utiliza bases estruturais mais complexas levando o indivíduo a perceber uma informação, lembrar, compreender, aplicar sobre um fato, separar esse fato em menores partes compreensíveis a ele, sintetizar de volta à realidade e avaliar essa informação conforme suas bases cognitivas. (ESTRÁZULAS, 2011, p.7) Além das duas turmas de rádio que reúnem os alunos de primeira à quarta série, a Escola São Judas Tadeu ainda conta com turmas que contemplam os alunos de quinta à oitava série, que são ministradas por outra professora voluntária, Michele Fernandes, também graduanda do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará (UFPA), porém com habilitação em Jornalismo. Surgiu então a idéia de fazer uma atividade em que todas as turmas se unissem para a produção de um único projeto. Pensamos em trabalhar a parte teórica nesses momentos, que foi o ponto menos trabalhado em todas as turmas, já que, devido à hiperatividade das crianças, era difícil mantê-las concentradas por muito tempo nas explicações tradicionais. 4 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Foi proposto então, aos alunos que estivessem dispostos, participar de uma peça de teatro que tem como tema a história do rádio no Brasil. A peça foi elaborada com vista a fazer com que os alunos aprendam dados históricos da rádio, e aprendam também os conceitos de rádio AM e FM, além de curiosidades. Tudo de maneira simples e divertida, tendo como objetivo um maior engajamento das crianças nas aulas. Os alunos também foram convidados a interferir no roteiro da peça, colaborando com dicas muito úteis. A peça tem apresentação prevista para novembro de 2011, e será apresentada para toda a escola, além dos responsáveis pelos alunos. Os resultados obtidos até o fechamento deste relato, com a peça ainda em estagio inicial de ensaio, estão sendo considerados satisfatórios. As crianças ficaram mais interessadas e alguns alunos, que haviam abandonado as aulas de rádio, voltaram a aparecer. Nem todos os alunos envolvidos na peça estarão atuando, alguns ajudam nos bastidores, reunindo objetos para o cenário, roupas e até mesmo trabalhando na elaboração de uma maquiagem para os que irão atuar, pois alguns irão representar idosos e precisam de maquiagem específica. Além dos cuidados que já devem ser assumidos ao lidar com crianças, cuidados especiais tiveram que ser tomados por conta de um aluno com Síndrome de Down. O plano inicial de aula não contemplava alunos especiais, o que foi uma enorme falha, porém, com a ajuda de uma aluna, a própria irmã do aluno em questão, cuidados e conteúdos diferenciados puderam ser elaborados especialmente para ele. As grandes dificuldades em lidar com este aluno são coisas como o fato de ele não saber escrever – apenas consegue escrever seu nome e alguns números – devido a dificuldades que ele possui no sistema motor, além da dificuldade de encontrar materiais voltados para crianças com esta doença. A solução encontrada foi trabalhar com seu ponto forte, a ilustração, reforçando o conteúdo com material de apoio visual; além da conversa em si, a idéia é fazê-lo compreender ao menos o básico sobre o tema do dia ou do seu grupo. Principais dificuldades Uma grande alavanca para chamar atenção das crianças seria a exposição dos trabalhos feitos nas aulas em uma rádio escolar, mas neste ponto encontramos grande 5 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA dificuldade, devido à falta dos materiais técnicos que ainda não foram repassados à escola e, segundo a coordenadora do programa Mais Educação na escola, Raphaela Gós, os materiais não tem previsão de chegada. Isso acabou afastando alguns alunos das aulas, pois não se sentiam motivados a fazer trabalhos sem a garantia de que seriam expostos, já que entre os materiais que jamais chegaram está a caixa de som, que serviria para expor os trabalhos nos intervalos das aulas. Outro problema enfrentado devido à falta de recursos técnicos é a dificuldade para gravar e editar o material produzido na sala de aula. A solução encontrada foi utilizar o gravador de celular para gravar os trabalhos – o que acaba comprometendo a qualidade do áudio – e editá-los em computadores particulares. O espaço físico também influencia nas aulas, pois a escola utiliza as salas de aula comuns para o desenvolvimento das atividades do programa Mais Educação, por isso elas só podem ser desenvolvidas em horário alternativo, quando as salas não estão sendo usadas para aulas comuns. Isso acaba desmotivando alguns alunos a comparecerem às atividades, pois nem todos estão dispostos a permanecerem nas salas de aula em horários como de onze da manhã a uma da tarde, ou, no caso das aulas de rádio, nem todos estão dispostos a voltar para a escola aos sábados pela manhã. A relação aluno professor O ingresso de graduandos no ambiente escolar é interessante tanto para as crianças quanto para os próprios graduandos, estes trazem novidades e tendências aos alunos, novos tipos de conhecimento, por geralmente serem de gerações menos distantes da dos alunos que um professor comum normalmente seria. O envolvimento com as novas tecnologias, por exemplo, é um fator que aproxima o monitor do programa Mais Educação das crianças, acabamos trazendo a interatividade com que estamos acostumados para dentro da sala de aula. A geração Y, a qual me incluo, é composta pelos nascidos entre o inicio da década de oitenta até o final da década de noventa, e tem um envolvimento natural com as tecnologias, pois cresceu nesse universo; por serem monitores e alunos desta mesma geração, é como se falassem a mesma linguagem. Ao contrário dos Baby Boomers, geração dos nascidos entre 1946 e 1964, a geração Y 6 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA tem menos afinidade com as relações hierárquicas, entendem a relação de igualdade como algo comum em quaisquer situações sociais, o que reflete na relação entre os alunos e monitores. Entendendo as atitudes predominantes da geração conhecida como Y,..., tem mais facilidade em se impor,..., tratam seus superiores como colegas. (Iannini, 2010, p. 22) Por perceber os alunos como colaboradores, e não como simples receptores de informação, monitores da geração Y tem mais chances de tornar as aulas mais dinâmicas. Aos meus alunos, por exemplo, tento não impor sempre a minha vontade. Deixar que as crianças pensem por si mesmas é ajudá-las a desenvolver sua capacidade crítica, e ao dar voz às crianças elas nos dão ouvidos, aí vem conhecida questão de respeitar para ser respeitado. Construímos então, na sala de aula, um espaço para o exercício da cidadania. Abrir um espaço a mais na escola ajuda a afastar as crianças de situações de risco, pois alguns pais passam o dia fora trabalhando, e não teriam como cuidar integralmente da educação dos filhos, então percebem essas horas a mais na escola como um auxílio importantíssimo, evitando a exposição dos filhos às drogas e à violência, entre outras situações. O tempo dedicado aos ensaios da peça teatral acabou aproximando alunos e professoras, as crianças acabaram mostrando mais ainda seu lado afetivo. É conhecimento comum o fato de as crianças não gostarem de permanecer paradas, essa hiperatividade que no inicio parecia ser um obstáculo, acabou se tornando uma aliada. Os pequenos estudantes estão sempre dispostos, e a agressividade que alguns alunos tinham no inicio foi convertida em próatividade, ao entrar em contato com certos conteúdos abordados nas aulas e ao deixá-los extravasar sua energia em atividades como locução e principalmente a peça teatral. Considerações finais Atividades complementares desenvolvidas na escola são, como pudemos perceber, de grande relevância para as crianças, ajudando-as a desenvolver diversas habilidades, além de ajudar a afastá-las de alguns problemas que o bairro pode oferecer, já que as aulas são a única alternativa que algumas crianças têm além de passar boa parte do seu dia sozinhas enquanto seus pais trabalham. 7 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Segundo a coordenadora do mais educação na escola, Raphaela Gós, alguns resultados das aulas já podem ser percebidos: as crianças tiveram melhorias significativas em disciplinas como Língua Portuguesa, houve um maior envolvimento e comprometimento dos alunos com relação aos demais projetos desenvolvidos pela escola e estão mais solidários. Melhorias na sociabilidade dos alunos também estão entre os resultados que, particularmente, pude perceber. As crianças que no inicio eram tímidos demais agora estão mais desinibidos, mais expressivos e expansivos; todos trabalham melhor em grupo e ajudam os companheiros. Nesse processo de mútua aprendizagem, todos saem ganhando: os alunos veem nas aulas a oportunidade de se expressar e eu, como monitora, utilizo a prática não só como laboratório, mas deixo a minha contribuição para uma sociedade melhor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERY, Maria A. P. A.; MICHELETO, Nilza; SÉRIO, Tereza M.A.P. O pensamento exige método, o conhecimento depende dele. In: ANDERY, Maria A. P. A ET AL. Para compreender a Ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Espaço e tempo; São Paulo: EDUC, 1988. P. 36-37. BRASIL, Ministério da Educação. Programa Mais Educação, passo a passo. Brasília, Esplanada dos Ministérios/MEC, disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/passoapasso_maiseducacao.pdf, acesso em 01 de outubro de 2011. ESTRÁZULAS, Jimi. Da alienação à organização do mundo mosaico: como a educomunicação pode ser fundamental no processo de letramento do indivíduo. Universidade Federal do Amazonas IANNINI, Ornelas . Pesquisa do Perfil dos Profissionais de Tecnologia da Informação. Março de 2010, Disponível em: http://www.seprorj.org.br/media/pesquisa_perfil_sintese.pdf, acesso em 01 de outubro de 2011. 8 “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA OLIVEIRA, Jhussyenna; MIRANDA, José. A Produção Jornalística na Escola: uma Análise da Educomunicação no Programa Mais Educação em Teresina1. Apresentado no XXXIV Intercom Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação; Recife, 2011. 9