O uso de blocos de concreto pré-moldados para a face da
contenção em solo grampeado
Ferreira Jr, J. A., Mendonça, M. B. e Saramago, R. P.
Terrae Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO: A participação da técnica de solo grampeado no mercado de obras de contenção de encostas vem
aumentando consideravelmente. Nesse tipo de contenção, as tensões que chegam à face são relativamente
baixas, permitindo utilizar paramentos esbeltos. Surgiram então diferentes alternativas de materiais e de
métodos construtivos para a execução da face do solo grampeado. O trabalho apresenta a utilização de blocos
pré-moldados de concreto especiais na face do solo grampeado. São apresentados detalhes executivos e
justificativas para a sua utilização, indicando uma melhora do controle de qualidade da obra e do
desempenho quanto à drenagem.
PALAVRAS-CHAVE: Solo Grampeado, Blocos Pré-moldados.
1
INTRODUÇÃO
A técnica de estabilização em solo grampeado
vem aumentando consideravelmente sua
participação no mercado de obras de contenção
de encostas. Lima (2002) cita casos de obras de
solo grampeado executadas no Brasil e no
exterior desde a década de 70. É uma solução
atrativa em função da facilidade e rapidez de
execução e pelo custo competitivo em relação a
outras formas de estabilização, principalmente
quando se trata de solos residuais.
A técnica consiste na inclusão de elementos
de reforço semi-rígidos sub-horizontais
(grampos) na massa de solo de taludes naturais
ou resultantes de escavação. Os grampos podem
ser cravados (“grampos cravados”) ou
introduzidos em furos preenchidos com calda
de cimento (“grampos injetados”). Numa
configuração de ruptura, os grampos são
mobilizados e introduzem esforços resistentes
de tração, cisalhamento e flexão na massa de
solo. A massa de solo grampeado pode ser
entendida como um muro de gravidade que
garante a estabilidade da massa de solo não
reforçada.
Portanto,
diferentemente
da
cortina
atirantada, os grampos tem a função de
“reforçar” a massa de solo, aumentado sua
resistência e minimizando as deformações. Para
alcançar esse objetivo os grampos são mais
curtos e sua distribuição é mais densa que na
cortina atirantada.
Nas cortinas atirantadas os tirantes são
protendidos e a face onde são apoiados recebe
toda a carga da zona potencialmente instável,
exigindo na face uma estrutura robusta em
concreto armado.
No caso do solo grampeado, a tensão
máxima mobilizada ao longo do grampo ocorre
próximo à interseção do grampo com a
superfície potencial de ruptura. Na região
próxima ao paramento frontal essas tensões são
relativamente baixas, pois estão distantes da
superfície de ruptura.
Portanto, a função da face no processo de
estabilização em solo grampeado tem uma
importância
secundária.
Sua
atuação,
normalmente, se restringe, basicamente, a
impedir rupturas localizadas entre os grampos e
garantir um controle do processo erosivo da
superfície. Exceção pode ocorrer na região do
pé de taludes verticais de grande altura, onde a
superfície de ruptura fica muito próxima à face
(Ehrlich 2003). Atenção especial também deve
ser dada para a região próximo ao topo do
talude onde ocorrem as maiores deformações
horizontais.
Em
função
desse
mecanismo
de
funcionamento do solo grampeado, surgiram
alternativas para o material da face em
substituição à espessa parede de concreto
armado, variando o tipo de material e sua
rigidez. Concreto projetado com tela de aço,
peças pré-moldadas de concreto, perfis de aço
com pranchas ou cobertura vegetal são as
técnicas comumente empregadas para a
execução da face.
Normalmente, os critérios para a escolha do
material de face são: resistência contra
deslizamentos entre os grampos, resistência
contra processos erosivos, aspecto visual,
facilidade executiva, rapidez de execução e
economia.
O trabalho discorre sobre o uso de blocos de
concreto como face de solo grampeado. Esses
blocos, de formatos e dimensões especialmente
projetadas para paramentos de obras de
contenção, vêm se mostrando como uma
alternativa de paramento semi-rígido.
2
ASPECTOS
CONSTRUTIVO
2.1
DO
MÉTODO
Geometria da Face
A face é constituída de blocos pré-moldados de
concreto, com dimensões de 20cm (altura),
40cm (largura frontal) e 40 cm (largura
transversal). Existem dois tipos de blocos que,
de acordo com o seu formato, obtêm-se
paramentos com declividades máximas de
H:V=1:10 (≈ 84º) ou de 1:4 (≈ 76º) – Figura 1.
A face de blocos é sempre construída de baixo
para cima. Entretanto, os grampos podem ser
instalados de cima para baixo ou de baixo para
cima. A decisão quanto ao sentido de execução
dos grampos, deve ser determinada pelo
projetista de acordo com os resultados da uma
análise de estabilidade do referido talude.
Normalmente quando se faz necessária a
execução dos grampos de cima para baixo, esse
serviço é executado à medida que se avança o
processo de escavação.
Os blocos pré-moldados são instalados por
simples justaposição sem utilização de
argamassa para rejunte, ou seja, encaixe a seco.
Esse processo construtivo do paramento permite
uma racionalização do método executivo,
dispensando a utilização de concreto, armadura,
água e energia elétrica.
Não é objetivo deste artigo discutir métodos
de dimensionamento e aspectos construtivos
dos grampos. Esse assunto é amplamente
abordado em Clouterre (1993) e Pitta et al
(2003).
Figura 1. Exemplo de seção típica de muro de solo
grampeado com face em blocos pré-moldados.
2.2
Preparação da Base do Muro
Deve ser feita uma cava para a execução da
base do muro imediatamente antes do início da
obra, dentro da qual são instaladas as primeiras
linhas de blocos. O solo da base deve possuir
boa capacidade de carga (tensão admissível
tipicamente maior que 150 kN/m2), devendo ser
evitados aterros mal compactados, areias fofas e
argilas moles em geral. Esta cava, executada na
direção longitudinal ao muro, deve apresentar
dimensões de 50 cm de largura por uma
profundidade de 25 cm (caso de uma linha de
bloco enterrada) ou de 45 cm (caso de duas
linhas enterradas). O nível da cava para o
assentamento da primeira camada de blocos
deve acompanhar a declividade do terreno
(Figura 2).
terreno natural
fundo da cava
Figura 2. Vista frontal do muro – detalhe do
acompanhamento da base com a declividade do terreno.
O fundo da cava deve ser preenchido com
uma camada de aproximadamente 10 cm de
concreto magro para o assentamento da
primeira linha de blocos. O assentamento deve
ser feito diretamente sobre o concreto recémlançado.
2.3
Colocação da Primeira Linha de Blocos
A instalação da primeira linha de blocos tem
que iniciar pelo ponto mais baixo do muro. É
importante salientar que a correta elevação de
todo o paramento depende de um perfeito
alinhamento e nivelamento da primeira linha de
blocos. Para tanto estes devem ser posicionados
com o auxílio de linhas perfeitamente niveladas
(Figura 3). Para muros construídos em curva os
alinhamentos devem ser feitos em pequenos
segmentos de trechos retilíneos, sempre
nivelados.
importantes da face: a pré-fabricação e a
elevada capacidade drenante. Em função da préfabricação dos seus elementos constituintes, a
face em blocos de concreto evita problemas de
controle de qualidade tanto dos materiais
empregados e da espessura mínima do
paramento. A pré-fabricação do paramento
possibilita também a racionalização do emprego
dos materiais, minimizando a perda de materiais
durante
a
execução
da
obra
e,
conseqüentemente, eliminando os resíduos
finais da obra. Quanto à drenagem, a não
utilização de argamassas para a instalação dos
blocos, a conexão entre os vazios dos blocos e a
presença de um colchão drenante, permite que a
saída de água seja facilitada ao chegar na
superfície do talude, evitando a elevação da
poropressão na massa de solo. Esse tipo de
saída de água dispensa o serviço de manutenção
periódica para a desobstrução de tubos drenos.
2.5
Figura 3. Posicionamento dos blocos e detalhes de
alinhamento e nivelamento.
2.4 Colocação das Demais Linhas de Blocos e
Execução do Colchão Drenante
Sobre a primeira linha de blocos deve ser
instalada a segunda linha de blocos e assim em
diante. Os blocos possuem uma saliência na
parte traseira, que servem como guia para a sua
perfeita colocação sobre o bloco de baixo. Os
blocos são assentados a seco, sem a utilização
de argamassa entre eles.
Este tipo de face permite a execução de um
colchão drenante distribuído em todo o
paramento da obra (Figura 4). Após a instalação
de uma camada de blocos, os vazios da parte de
trás dos blocos (junto ao talude) e um espaço de
10 cm entre o bloco e a superfície do talude
devem ser preenchidos com brita e areia,
respectivamente. O projetista deve avaliar se o
critério de filtragem está sendo obedecido.
O processo executivo do paramento em
blocos pré-moldados instalados sem a utilização
de argamassa dispensa a necessidade de
colocação de dispositivos de drenagem para a
saída de água que incide no tardoz do muro.
Ressaltam-se aqui duas características
Execução dos Grampos
Cada grampo injetado é conectado ao
paramento através da inserção de uma dobra da
extremidade da barra (comprimento de 20 cm
aproximadamente) dentro do bloco. Barras com
diâmetro igual ou inferior a 20 mm têm sido
dobradas no próprio local da obra. Os vazios na
parte de trás dos blocos, onde estão localizadas
as extremidades dobradas das barras, são
preenchidos com concreto com fck ≥ 20 MPa.
O espaço entre o fundo dos referidos blocos e a
face do talude é também preenchido de
concreto, solidarizando o grampo ao bloco.
A figura 4 apresenta um detalhe da dobra nas
extremidades dos grampos e inserção das
referidas barras nos blocos.
As barras de aço devem ser dotadas de
proteção com pintura anticorrosiva.
Foto 2. Detalhe da perfuração com trado manual.
Figura 4. Detalhe executivo do engaste grampo/bloco.
A figura 5 apresenta a vista superior de um
projeto com a utilização de blocos prémoldados como face.
Foto 3. Concretagem junto ao corte. Embú - SP
Figura 5. Vista superior – Detalhe de projeto.
As fotos 1 e 2 apresentam a perfuração feita
mecanicamente e manualmente. Nas fotos 3, 4 e
5 pode ser vista a execução da proteção da
cabeça de um grampo. As fotos 6, 7 e 8 são
vistas gerais de três obras.
Foto 1. Solo grampeado em Paracambi, RJ - detalhe da
perfuratriz e do paramento.
Foto 4. Concretagem no bloco
Foto 5. Colocação dos blocos acima do grampo e
concretagem final.
Foto 6. Solo grampeado em Niterói, RJ. Altura de 6,0 m,
comprimento do grampo 4,0m, espaçamento horizontal
1,60 m e espaçamento vertical 1,60 m.
Foto 7. Solo grampeado em Itaipu, Niterói, RJ. Altura de
6,5 m, comprimento do grampo 3,5 m, espaçamento
horizontal 1,60 m e espaçamento vertical 1,0 m.
3
DETALHES DE PROJETO DA FACE
Estudos numéricos (Ehrlich et al 1996 e
Gerscovich et al 2005) têm analisado a
influência da rigidez da face ou do tipo de
fixação do grampo na face nos deslocamentos
horizontais.
Foto 8. Vista da obra em Embu, São Paulo. Altura de
6,0m, comprimento do grampo 6,0 m, espaçamento
horizontal 1,80 m e espaçamento vertical 1,20 m.
Os resultados de Ehrlich et al (1996) e
Gerscovich et al (2005) indicam que os
deslocamentos são maiores quando é
desconsiderado a existência de face ou o
grampo é considerado solto. Entretanto a partir
da existência de uma face, a sua rigidez pouco
influencia as movimentações da face e as forças
axiais mobilizadas no grampo (Ehrlich et al
1996).
A posição da tensão máxima mobilizada no
grampo se aproxima mais da face quanto mais
rígida for a conexão da extremidade do grampo
proxima à face (Gerscovich et al 2005).
No caso da face em blocos abordada neste
trabalho, existe uma relativa flexibilidade da
extremidade do grampo junto à face. Essa
flexibilidade deverá reduzir o carregamento do
grampo junto a face e fazer com que o ponto de
máxima tensão de tração do grampo seja
deslocado para o interior da massa de solo
reforçado.
Sabe-se que no trecho inferior do muro (pé
do muro) em taludes mais verticais, o
comprimento de transferência de tensões sologrampo ao longo da cunha ativa é menor,
acarretando um possível acréscimo de tensões
junto à face (Ehrlich 2003).
Inspeções visuais nas estruturas de
contenção de solo grampeado realizadas com
face em blocos pré-moldados não constataram
deformações excessivas, indicando que a
mesma está de acordo com a hipótese de que as
tensões junto a face são relativamente baixas.
4
COMENTÁRIOS FINAIS
Além das características que vem tornando a
estabilização de taludes em solo grampeado
uma solução bastante atraente, outros pontos
positivos são agregados pela alternativa de face
em blocos de concreto como a racionalização
do método construtivo, a melhor drenagem na
face e o aspecto estético. A forma dos blocos
pré-moldados permite desenhos arquitetônicos
mais atraentes e com a possibilidade de
formação
de
jardineiras
suspensas,
enriquecendo o aspecto visual da obra.
REFERÊNCIAS
Clouterre (1993). Recomendations Projet National
Clouterre, Ecole Nationale des Ponts et Chaussées,
Presses de l’ENPC, Paris, English Version.
Ehrlich, M.E. (2003). Solos Grampeados –
Comportamentos e Procedimentos de Análise,
Workshop Solo Grampeado – Projeto, Execução,
Instrumentação e comportamento, Abms/SindusconSP, São Paulo, p. 127-137.
Ehrlich, M., Almeida, M.S.S. e Lima, A.M.L. (1996).
Parametric numerical analysis of soil nailing systems.
2nd International Conference on Soil Reinforcement,
Fusuoka, Japão, novembro, p. 747-752.
Gerscovich, D.M.S., Sieira, A.C.C.F., Lima, A.P. e
Sayão, A.S.F.J. (2005). Técnicas de modelagem
numérica de escavações de taludes em solo
grampeado, IV Conferência Brasileira Sobre
Estabilidade de Encostas, Vol. II, p. 643-655.
Lima, A.P. (2002). Deformabilidade e estabilidade de
taludes em solo grampeado, Dissertação de Mestrado,
Departamento de Engenharia Civil, PUC-Rio, 176 p.
Pitta, C.A., Souza, G.J.T. e Zirlis, A.C. (2003). Solo
Grampeado, Alguns Detalhes Executivos – Ensaios –
Casos de Obras, Workshop Solo Grampeado –
Projeto, Execução, Instrumentação e comportamento,
Abms/Sinduscon-SP, São Paulo, p. 1-20.
Download

O uso de blocos de concreto pré-moldados para a face da