UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo LAILA MACKENZIE MENDONÇA A CIDADE INFORMAL EM BRASÍLIA: 50 Anos de Expansão da Irregularidade Urbanística na Capital Moderna UPM-SP 2011 1 LAILA MACKENZIE MENDONÇA A CIDADE INFORMAL EM BRASÍLIA: 50 Anos de Expansão da Irregularidade Urbanística na Capital Moderna Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na Área de Urbanismo – Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência para a obtenção do Título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. ORIENTADOR: Prof. Dr. José Geraldo Simões Júnior UPM – SP 2011 2 M539c Mendonça, Laila Mackenzie A cidade informal em Brasília: 50 anos de expansão da irregularidade urbanística na capital moderna. / Laila Mackenzie Mendonça – 2012. 199 f. : il. ; 30cm Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) LAILA MACKENZIE MENDONÇA - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 194-199. Ficha Catalográfica elaborada por Maria Luiza Carpi Semeghini 3 A CIDADE INFORMAL EM BRASÍLIA: 50 Anos de Expansão da Irregularidade Urbanística na Capital Moderna Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na Área de Urbanismo – Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência para a obtenção do Título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Aprovada em BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. José Geraldo Simões Júnior – Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie Profa. Dra. Nadia Somekh Universidade Presbiteriana Mackenzie Profa. Dra. Marta Dora Grostein Universidade de São Paulo 4 À minha mãe. À minha filha. 5 AGRADECIMENTOS No processo de construção pessoal e intelectual que foi a elaboração deste trabalho, destaco a importância da orientação do Professor José Geraldo, que foi capaz de guiar, com sabedoria e parcimônia, meus esforços acadêmicos nos momentos difíceis pelos quais a pesquisa atravessou. Agradeço também a valiosa contribuição dos Professores Carlos Guilherme Motta, Nadia Somekh, Marta Dora Grostein, Rafael Perrone, Gilda Collet Bruna, Roberto Righi, Candido Malta Campos Neto e Ana Gabriela Godinho Lima, que, em variados momentos desta pesquisa, souberam fazer as contribuições mais adequadas. Agradeço à simpática e eficiente equipe do Mackenzie, em especial à secretária da PósGraduação Fernanda Morais, cujo bom humor trouxe leveza aos ansiosos momentos de entregas finais. Agradeço aos meus caros colegas de curso em São Paulo, amigos de quem fiquei apenas fisicamente distante depois da volta a Brasília. Não vou esquecer o apoio, a amizade e o companheirismo, em especial das amigas Aline Alcântara, Michelle Schneider, Turna Beck e do amigo Luiz Gustavo Nunes. Agradeço o importante apoio da AGEFIS e do Governo do Distrito Federal, que financiou parcialmente os custos de elaboração desta pesquisa. Agradeço aos meus pais, e principalmente à minha mãe, que tornou possível essa difícil conquista. 6 RESUMO MENDONÇA, Laila Mackenzie. A Cidade Informal em Brasília: 50 Anos de Expansão da Irregularidade Urbanística na Capital Moderna. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011. Na análise dos 50 anos de expansão da “irregularidade urbanística” em Brasília, verifica-se que, apesar de o Estado ter a posse de grande parte do solo urbano – 51%, fato único em metrópoles brasileiras –, e de ter o controle do processo de planejamento, Brasília apresenta periferias precárias com ocupações irregulares de baixa renda e loteamentos irregulares. O planejamento moderno, implantado a partir do PEOT de 1977, e o intenso controle do Estado sobre a ocupação do território não evitaram que vários assentamentos pioneiros, como o Núcleo Bandeirante e a Vila Planalto, prosperassem e chegassem à década de 1980 consolidados. O Estado, mesmo tendo a “faca e o queijo” na mão, no sentido de dar condições de moradia na cidade formal, não conseguiu impedir que Brasília também chegasse ao ano de 2006 com 24% de sua população morando em assentamentos informais. Verifica-se, nesta pesquisa, que esse fenômeno foi resultado de um processo dialético entre ações governamentais e sociedade, não apenas o produto de fatores isolados, além de fazer parte de uma complexa dinâmica de capitais, onde está envolvida a valorização do solo e sua consequente utilização como importante moeda, numa economia regional de poucas opções de geração de riqueza. Termos de Indexação: Brasília, Cidade Informal, Irregularidade Urbana, Cidade Moderna. 7 ABSTRACT In the analysis of 50 years of expand the "urban irregularity" in Brasilia, it appears that although the state has possession of a substantial part of the urban land - 51%, a fact unique in Brazilian cities - and also has the control of the planning process, Brasília has poor neighborhoods with slums and low-income population subdivisions. The modern planning, deployed from the PEOT of 1977, and the intense state control over the occupation of the territory did not prevent many pioneer settlements, like the Núcleo Bandeirante and Vila Planalto; they prospered and reached the 1980s consolidated. The State, even though the having the "meat and potatoes" in hand, to make living conditions in the formal city, could not prevent Brasilia arrive the year of 2006 with 24% of its population living in informal settlements. We notice, in this study, that this phenomenon was the result of a dialectical process between government actions and society, not just the product of isolated factors, besides being part of a complex dynamic of capital, which is involved in the recovery of the land and its subsequent use as an important currency in the regional economy of few options for wealth generating. Index Terms: Brasilia, Informal City, Urban Irregularity, Modern City. 8 LISTA DE FIGURAS PARTE I FIG. I.1. Distrito Federal – Inserção Nacional, Regional e definição das Regiões Administrativas.......................................................................................................................33 FIG. I.2. Brasília – Localização do Centro Urbano e delimitação da Estrada Parque Contorno – EPCT...................................................................................................................................35 FIG. I.3. Brasília – Centro Urbano e Macrozoneamento........................................................36 FIG. I.4. Brasília – Limites das Bacias Hidrográficas – Bacia do Lago Paranoá em Destaque................................................................................................................................37 FIG. I.5. RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal e Entorno...................................................................................................................................40 FIG. I.6. Brasília – Zona Urbana, Zona Rural e Macrozona de Proteção Integral....................................................................................................................................43 FIG. I.7. Brasília – Estradas Parque e Rodovias Intraurbanas...............................................45 FIG. I.8. Brasília – Regiões Administrativas...........................................................................47 FIG. I.9. Brasília – Centro Urbano e Núcleos Periféricos.......................................................47 FIG. I.10. Brasília – Centro Urbano, Núcleos Periféricos, Principais Unidades de Conservação...........................................................................................................................49 FIG. I.11. Brasília – Densidade Populacional.........................................................................54 FIG. 1.12. Brasília – Tecido Urbano: Continuidades e dispersões.........................................55 FIG. 1.13. Brasília – Classes de Renda (em Salários Mínimos)............................................58 FIG. I.14. Tipologia sócio-espacial do Aglomerado Urbano de Brasília.................................63 PARTE II FIG. II.1. Parcelamento Irregular: Condomínio Minichácaras do Lago Sul – RA do Paranoá, Brasília....................................................................................................................................89 FIG. II.2. Parcelamento Irregular: Condomínio Minichácaras do Lago Sul – RA do Paranoá, Brasília....................................................................................................................................89 FIG. II.3. Edícula de elementos de concreto pré-moldado, de construção rápida: Condomínio Minichácaras do Lago Sul – RA do Paranoá, Brasília............................................................89 FIG. II.4. Parcelamento Irregular: Condomínios na RA de Sobradinho, Brasília....................89 FIG. II.5. Ocupação do Sol Nascente – RA da Ceilândia, Brasília.........................................89 9 FIG. II.6. Paranoá, RA do Paranoá, Brasília...........................................................................89 PARTE III FIG III.1 a FIG III.6 – Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 1960........................................................................................................................................94 FIG III.8 a FIG III.13 – Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 1960........................................................................................................................................96 FIG III.14 - Núcleo Bandeirante – “Cidade Livre”..................................................................98 FIG III.15 - Núcleo Bandeirante – Avenida Central................................................................98 FIG. III.16. BRASÍLIA - Mancha Urbana em 1960................................................................100 FIG. III.17 a FIG III.22 - Acampamentos pioneiros em Brasília............................................104 FIG. III.23 e FIG III.24 - Acampamentos pioneiros em Brasília............................................106 FIG. III.25 - BRASÍLIA - Mancha Urbana em 1964...............................................................109 FIG. III.26. Acampamentos pioneiros em Brasília – Década de 1950..................................112 FIG. III.27. Acampamentos pioneiros em Brasília................................................................112 FIG. III.28. e FIG III.29 - Vila Amaury – Antes de 1960.......................................................114 FIG. III.30 - Brasília - Mancha Urbana 1964 e Indicação da Cidade Informal no Período...121 FIG. III.31 Brasília - Mancha Urbana 1975 e indicação da Cidade Informal no Período....125 FIG. III.32. a III.37 Ceilândia - Implantação – Por Volta de 1970.........................................126 FIG. III.38 - Brasília - Mancha Urbana 1990 e indicação da Cidade Informal no Período...141 FIG.III.39 a III.41. Ocupação do Paranoá – Antes da Regularização em 1988....................143 FIG. III.42 – Novos Núcleos Urbanos Criados no Período...................................................147 FIG. III.43. Parcelamentos Irregulares Brasília, em 1995.....................................................149 FIG. III.44 – Parcelamentos Clandestinos em 1985 em Brasília..........................................152 FIG. III.45 – Brasília - Parcelamentos de Baixa Renda em Áreas Ambientalmente Frágeis..................................................................................................................................155 FIG. III.46 - Brasília - Mancha Urbana 2000 e indicação da Cidade Informal no Período....158 FIG. III.47 e III.48 – Candangolândia....................................................................................159 FIG. III.49 e FIG. III.50 – Varjão...........................................................................................159 FIG. III.51 e III.52 – São Sebastião......................................................................................159 10 FIG. III.53 e III.54 – Paranoá................................................................................................160 FIG. III.55 e III.56 – Itapoã....................................................................................................160 FIG. III.57 e III.58 – Estrutural..............................................................................................160 FIG. III.59. Localização dos Setores Habitacionais..............................................................170 FIG. III.60. Setor Habitacional Boa Vista..............................................................................170 FIG. III.61. Parcelamentos Irregulares - Setores Habitacionais Taquari, Alto da Boa Vista, Região dos Lagos, Boa Vista, Fercal, Contagem, Região dos Lagos, Mansões Sobradinho, Nova Colina, Aprodarmas, Arapoanga, Mestre D´armas e Vale do Amanhecer..................171 FIG. III.62. Parcelamentos Irregulares - Setor Habitacional Tororó......................................172 FIG. III.63. Brasília - Mancha Urbana 2007 e indicação da Cidade Informal no Período.....173 FIG. III.64. Parcelamentos Irregulares - Setores Habitacionais Don Bosco, Jardim Botânico e São Bartolomeu....................................................................................................................174 FIG. III.65. Setor Habitacional Vicente Pires.........................................................................175 CONCLUSÃO FIG C1 E C2. Gráfico Imagem com a linha de acontecimentos estudados no período.......191 11 LISTA DE TABELAS PARTE I TABELA I.1 – Municípios da RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento Econômico de Brasília....................................................................................................................................38 TABELA I.2 – Classes de Renda Domiciliar – Municípios do Entorno – Em 2003................39 TABELA I.3 – População Urbana do Distrito Federal segundo as Regiões Administrativas – 2004........................................................................................................................................51 TABELA I.4 – Evolução da população do Distrito Federal, TMGCA e Densidade demográfica – 1957 a 2010.........................................................................................................................52 PARTE II TABELA II.1 – Parcelamentos em Brasília Rurais e Urbanos – Ano de 2006.......................81 TABELA II.2 – População Residente em Parcelamentos Urbanos e Rurais.........................82 PARTE III TABELA III.1 – Favelas em Brasília – Ano de 1982............................................................131 TABELA III.2 – Vila Planalto – Área e População................................................................137 TABELA III.3 – População nas Regiões Administrativas e Municípios do Entorno Imediato do Distrito Federal................................................................................................................139 TABELA III.4 – Assentamentos Informais Regularizados entre 1995 e 1998. ....................163 TABELA III.5 – Assentamentos/Parcelamentos em Processo de Regularização Fundiária no Ano de 1999.........................................................................................................................165 TABELA III.6 – Operações de Controle de Ocupação Promovidas pela SUDESA. .................168 TABELA III.7 – Situação dos parcelamentos urbanos formais e informais – quanto à sua regularidade..........................................................................................................................176 TABELA III.8 – Distribuição dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados por Região Administrativa.......................................................................................................................177 TABELA III.9 – Distribuição da População Residente nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – por Região Administrativa.............................................................................177 TABELA III.10 – População dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados por Setor Habitacional..........................................................................................................................178 TABELA III.12 – Distribuição da População Residente nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – por Faixa de Renda......................................................................178 12 TABELA III.14 – Distribuição da População de Baixa Renda nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária.........................................................179 TABELA III.16 – Distribuição da População de Média Renda nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária.........................................................181 TABELA III.18 – Distribuição da População de Alta Renda nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária.........................................................182 TABELA III.19 – Distribuição dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária e Faixa de Renda..................................................................................182 TABELA III.20 – Distribuição da População dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária e Faixa de Renda. TABELA III.21 – Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados com Relação às Zonas Urbanas e Rurais definidas pelo PDOT/97...........................................................183 TABELA III.22 – Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, Situados nas Áreas Rurais Remanescentes – ARR, Definidas pelo PDOT/97..........................................183 TABELA III.23 – Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, Situados nas Áreas de Proteção de Mananciais – APM, Definidas pelo PDOT/97...................................184 TABELA III.24 – Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, Situados nas Áreas de Risco Físico-Ambiental – ARFR, Definidas pelo PDOT/97...................................184 13 LISTA DE SIGLAS APA - Área de Proteção Ambiental APM - Área de Proteção de Mananciais ARIE - Área de Relevante Interesse Ecológico BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNH - Banco Nacional de Habitação CAUMA - Conselho de Arquitetura e Urbanismo e Meio Ambiente CEI - Campanha de Erradicação de Invasões CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna COB - Código de Obras de Brasília CODEPLAN - Companhia de Desenvolvimento do Distrito Federal CODHAB - Companhia de Desenvolvimento Habitacional COTELB - Companhia de Telefones de Brasília CUB - Conjunto Urbanístico de Brasília DePHA - Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico EPAC - Estrada Parque Acampamento EPCT - Estrada Parque Contorno EPDB - Estrada Parque Dom Bosco EPIA - Estrada Parque Indústria e Abastecimento EPIP - Estrada Parque Ipê EPNB - Estrada Parque Núcleo Bandeirantes EPPN - Estrada Parque Península EPPR - Estrada Parque Paranoá EPTG - Estrada Parque Taguatinga EPTT - Estrada Parque Torto ETE - Estação de Tratamento de Esgoto FCP - Fundo da Casa Popular 14 IAPI - Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBPC - Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural IBRAM - Instituto Brasília Ambiental IPDF - Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional NOVACAP - Companhia Urbanizadora da Nova Capital PADES - Programa de Desenvolvimento Econômico e Social PAPE - Programa de Assentamento Populacional de Emergência PDOT - Plano Diretor de Ordenamento do Território PEOT - Plano Estrutural de Organização Territorial PERGEB - Programa da Região Geoeconômica de Brasília PLANASA - Plano Nacional de Saneamento PLANIDRO - Plano Diretor de Água, Esgoto e Controle de Poluição PPB - Plano Piloto de Brasília PQNB - Parque Nacional de Brasília RA - Região Administrativa RIDE - Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal SEDHAB - Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação SEDUH - Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação SEDUMA - Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente SEMATEC - Secretaria de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia SHIS - Sociedade de Habitação de Interesse Social SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SQS - Superquadras Sul TERRACAP - Companhia Imobiliária de Brasília 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................17 PARTE I BRASÍLIA – CONCEPÇÃO E ESTRUTURAÇÃO: AS VÁRIAS ESCALAS DO TERRITÓRIO..........................................................................................................................29 I.1 O Sítio Físico de Implantação da Cidade................................................................. 33 I.2 Brasília para Além dos Limites do Distrito Federal: a RIDE..................................... 37 I.3 Estruturação do Espaço Intraurbano da Capital........................................................41 I.3.1 O Centro Urbano...................................................................................................... 47 I.3.2 Núcleos Periféricos de Brasília: As Cidades Satélites.............................................. 50 I.4 Brasília: Concepção Urbana e Planejamento Moderno.............................................60 PARTE II A CIDADE INFORMAL: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO........................................65 II.1 O Padrão Periférico de Expansão Urbana no Brasil..................................................67 II.2 A Cidade Informal – Nomenclatura e Definições.......................................................69 II.3 Loteamentos Clandestinos/Irregulares em Brasília...................................................71 II.4 A Cidade Informal no Brasil – Breve Retrospectiva...................................................75 II.5 A Cidade Informal e o Problema da Mensuração......................................................80 II.6 A Cidade Informal e a Sustentabilidade do Meio Urbano..........................................83 II.7 A Cidade Informal e a Gestão do Território...............................................................85 II.7.1 A Regularização Fundiária e seus efeitos sobre a Cidade Informal..........................90 PARTE III A CIDADE INFORMAL EM BRASÍLIA: PROCESSO HISTÓRICO DE EXPANSÃO...........91 III.1 De 1956 a 1974 – A Aurora da Capital: Período Voluntarista..................................91 III.1.1 De 1956 a 1960 – Nos Bastidores da Construção, uma Cidade de Lona e Tábuas..95 III.1.1.1 Núcleo Bandeirante.................................................................................................105 III.1.1.2 Candangolândia (Velhacap) e Metropolitana ...................................................107 III.1.1.3 Vila Planalto.............................................................................................................105 III.1.1.4 A ocupação do Paranoá.........................................................................................108 III.1.2 Urbanização Dirigida: Os Primeiros Núcleos Urbanos Periféricos – Taguatinga, Sobradinho e Gama..............................................................................................................109 III.1.3 De 1960 até 1964 – Período de Breve Arrefecimento das Remoções................. 115 16 III.1.4 De 1964 até 1975 – A Cidade Informal sob Aparente Controle.............................122 III.1.4.1 O Zoneamento Sanitário.....................................................................................124 III.2 De 1976 a 1986 – Período de Expansão Urbana Fortemente Controlada pelo Estado. ..............................................................................................................................................128 III.2.1 Urbanização Dirigida..............................................................................................128 III.2.3 O Gepafi e o Início da Gestão Social da Irregularidade........................................132 III.2.4. O Acampamento de Obras Tombado como Bairro Pioneiro – A Vila Planalto.......134 III.2.5 A Cidade Informal se Espraia para além dos Limites do Distrito Federal..............139 III.3 De 1987 a 1995 – Período de Intensa Expansão da Cidade Informal de Média Renda e da Cidade Formal de Baixa Renda...................................................................143 III.3.1 Urbanização Dirigida: Os Novos Núcleos Urbanos...............................................145 III.3.1.1 A Cidade Informal “Oficial”.......................................................................................146 III.3.2 Expansão da Cidade Informal entre 1988 e 1996: Parcelamentos Irregulares de Classe Média em Brasília ....................................................................................................148 III.3.2.1 Breve Retrospectiva dos Parcelamentos Irregulares de Classe Média no Período.................................................................................................................................151 III.3.2.2 Parcelamentos Irregulares de Classe média em Brasília – Localização.................156 III.3.3 Ocupações Irregulares de Baixa Renda no Período..................................................157 III.4 De 1995 a 2006 – Período de Consolidação de Brasília como Aglomerado Urbano Metropolitano Composto pela Cidade Informal Difusa no Território............................162 III.4.1 Urbanização Dirigida...............................................................................................163 III.4.2 Parcelamentos Irregulares em Brasília – Medidas Adotadas pela Administração Pública após o Estatuto da Cidade (Até 2006).....................................................................169 CONCLUSÃO.......................................................................................................................188 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................194 17 INTRODUÇÃO A implantação de Brasília no centro do país foi a síntese de processos socioeconômicos, políticos e culturais que vinham se configurando, no Brasil, há pelo menos 100 anos1. Esse gesto de mudança, com finalidade prioritariamente política e econômica – de povoamento e ampliação de mercados, adquiriu contornos simbólicos significativos nas mãos de Lucio Costa, cujo projeto de linhas modernas também foi capaz de fazer a síntese revisada das últimas cinco décadas da disciplina do urbanismo. A mudança da Capital para o interior do país desencadeou um intenso processo de urbanização da região, a ponto de, atualmente, Brasília formar, juntamente com os municípios de Goiás e Minas Gerais que a ela se ligam funcionalmente, a terceira maior metrópole brasileira. A despeito do conceito de metrópole variar de acordo com alguns autores, é um fato notável a rápida expansão populacional da região ligada à nova Capital. Esse crescimento, por outro lado, como veremos neste trabalho, se deu de forma extremamente influenciada por ações governamentais, mesmo que essas ações se dessem por meio de atos de omissão. Dessa forma, há uma parcela da cidade que se configura à revelia das intenções do Estado, porém, graças aos seus “desmandos”. É justamente a porção do crescimento da cidade que se deu apesar dos esforços oficiais em contrário de que trata este estudo – a cidade informal. E em Brasília houve períodos em que o controle do Estado sobre o solo urbano, exercido através de remoções, transferências e derrubadas de moradias, foi muito intenso. Mesmo assim, vários assentamentos informais resistiram e chegaram à década de 1980, período em que se iniciou o processo de regularização de assentamentos como a Vila Planalto, a Candangolândia e o Paranoá. A década de 1990 foi marcada pela expansão intensa dos parcelamentos irregulares e ilegais, tendo havido um aumento de pelo menos 100% em seu número, entre os anos de 1990 e 19952, segundo levantamento do GET/PI3. Esse aumento sem precedentes da ocupação irregular do território de Brasília, principalmente de terras públicas de propriedade da Terracap, fez com que o Estado reagisse com a criação de grupos de combate às 1 Desde a promulgação da constituição de 1891, já havia um artigo que determinava a interiorização da Capital. 2 No ano de 1995 foram contabilizados 529 loteamentos irregulares em Brasília – Grupo Executivo de Trabalho – Parcelamentos Irregulares. 3 GET/PI – IPDF, 1995. 18 invasões e a formação de equipes especializadas na demolição de barracos e edificações de “invasores”. Contudo, a capacidade do governo de fiscalizar suas extensas terras é limitada, com escasso pessoal e meios para manter o controle. Na virada do milênio, Brasília já não apresentava a modelagem polinucleada dos primeiros anos, graças ao adensamento dos interstícios promovido pela urbanização dirigida, somada à ocupação urbana “espontânea”4, ou seja, aquela que não era conduzida voluntariamente pelo Poder Público. Contudo, o Estado buscava estabelecer o controle das áreas urbanas, aumentando a fiscalização e fazendo estudos e levantamentos visando solucionar a questão da informalidade. Chegou-se ao ano de 2006 com diversos Grupos e comissões de Trabalho criados, quando foi elaborado o relatório preliminar dos parcelamentos irregulares de Brasília, o qual se utilizou para a elaboração dos estudos para a revisão do PDOT de 1997, que seria publicado em 2009, e a partir do qual foi iniciado o processo de regularização de vários parcelamentos. Isso foi possível graças a instrumentos legislativos e jurídicos como o rezoneamentos da APA da Bacia do São Bartolomeu e a Lei da Venda Direta de lotes ocupados irregularmente nesta APA, considerada constitucional em Abril de 2007. O processo de expansão da cidade informal em Brasília tem várias nuances. Antes de buscar a compreensão histórica desse processo, contudo, iniciaremos o estudo estabelecendo uma delimitação para o objeto de estudo: Brasília, já que é comum a confusão em relação às nomenclaturas dessa cidade singular, cujo urbanismo moderno do seu centro – o Plano Piloto – já foi aclamado e demonizado por diversos críticos da teoria urbanística. Faremos essa delimitação da área de estudo na primeira parte do trabalho, o que, a princípio, nos pareceu desnecessário, porém, ao final, se transformou num rico processo de redescobrimento. Esta pesquisa visa prioritariamente focalizar uma instância da cidade de Brasília costumeiramente pouco abordada fora dos meios acadêmicos – a ocorrência da “irregularidade urbanística” nessa cidade, que ocorre, mormente, acompanhada da irregularidade fundiária e jurídica. Para compreender esse processo, buscamos o embasamento teórico proposto por autores que pesquisam o tema já há alguns anos em outras capitais e em outros países, como Edésio Fernandes, Pedro Abramo e Adauto Lúcio Cardoso. A abordagem desses autores, cujo viés econômico, relacionado ao potencial de 4 Usamos neste trabalho o termo ocupações “espontâneas” no sentido de ocupações não coordenadas ou dirigidas pelos esforços do Estado. 19 renda que o solo urbano é capaz de gerar, aliado às questões jurídicas implicadas no processo de ocupação e sua comercialização, norteia este trabalho e encontra-se aprofundado na Parte II. Normalmente, ao se abordar assentamentos informais, o ponto de partida adotado é a abordagem espacial, o que não está ausente neste trabalho; porém, ela foi feita em paralelo com a compreensão institucional da “irregularidade”. Fizemos isso porque, em nossa sociedade, os fenômenos são materialidades inseridas em um intricado contexto de forças políticas e econômicas, de forma que não é possível ignorar essas instâncias se queremos abordar com maturidade a questão da cidade informal. A “solução” para a cidade informal pressupõe a sua integração à cidade formal, na medida em que o Estado se responsabiliza pela gestão do espaço público e pela provisão de serviços e infraestrutura. Contudo, em nosso país, o alto custo econômico da cidade formal faz com que esta não seja a sua “solução” de moradia. Muitas vezes uma área que passa pelo processo de regularização fundiária sofre o processo de “gentrificação”, que é a troca da população residente por outra de maior poder aquisitivo. A população original volta a ocupar áreas de assentamentos informais em outras localidades, o que faz com que o problema permaneça sem solução. Isso mostra que a Cidade Informal é um fenômeno complexo que se insere dentro de uma realidade socioeconômica arraigada em nosso país, onde a busca de saídas passa pela melhoria das condições socioeconômicas da população moradora. É preciso refletir sobre essas questões, além de outras como a degradação dos recursos naturais ou a utilização de motivações ambientais para a criação de reservas especulativas de mercado, indagações que são trazidas à tona por pesquisas como esta. Essas e outras realidades do processo de implantação de Brasília como nova Capital do país compõem um quadro de condicionantes que estruturaram o tipo de cidade que viria a ser permitida pelo Estado, e também de uma outra cidade, não permitida – porém, tolerada –, sob certas condições, a Cidade Informal de Brasília. Neste trabalho, abordamos o processo de expansão da Cidade Informal5 em Brasília, do ponto de vista intraurbano6, desde o início de sua construção, 19567, ano de criação da 5 A definição de Cidade Informal será aprofundada no item “Conceituação”. Villaça (2001). 7 Companhia Urbanizadora da Nova Capital – Novacap – foi a empresa pública responsável pelo processo de implantação de Brasília nos primeiros anos. Posteriormente, foi desmembrada e suas 6 20 Novacap, até o ano de 2006, quando foi elaborado o “Diagnóstico Preliminar dos Parcelamentos Informais do Distrito Federal”, pela Seduh, com o objetivo de se elaborar as políticas urbanas de regularização dos assentamentos levantados, como parte dos estudos para a elaboração da Lei Complementar nº 803/2009 – referente à revisão do PDOT de 1997. Uma vez que a expansão da Cidade Informal é um fenômeno multidisciplinar, foram pincelados aspectos dos antecedentes sociais, econômicos, as políticas públicas vigentes no período, situação fundiária em Brasília e seus efeitos no processo de espacialização dos assentamentos informais. O Conceito de Brasília adotado neste trabalho é o que é definido pelo IBGE e inclui toda a área do quadrilátero do Distrito Federal, e não apenas a área da Região Administrativa de Brasília, correspondente à poligonal do Plano Piloto desta Cidade. Do ponto de vista de estruturação do território, porém, há uma continuidade que ultrapassa as fronteiras do Distrito Federal, e transborda para os municípios vizinhos dos estados de Minas Gerais e Goiás, fato que, a rigor, torna esses municípios parte do conjunto metropolitano de Brasília. Com este trabalho buscamos, principalmente, responder a quatro perguntas: 1. Quais as Principais Causas da Cidade Informal em Brasília? 2. Por que Brasília, mesmo tendo mais de 50% de suas terras em posse do Estado, e ainda o monopólio do parcelamento urbano até o ano de 1992, sofreu a ação tão intensa de ocupações urbanas espontâneas8, ou seja, fruto de iniciativas não coordenadas pelo poder público? 3. Em que a Cidade Informal em Brasília difere das demais cidades? 4. De que forma se deu a expansão da Cidade Informal em Brasília ao longo dos últimos 50 anos – desde 1956 até 2006? Para responder a essas perguntas, foi necessário fazer um estudo dos últimos 56 anos de expansão urbana de Brasília, desde a lei que criou a Novacap em 1956 e deu a largada para as primeiras ocupações “espontâneas” e dirigidas na cidade até o ano de 2011, ano de atribuições absorvidas por outras autarquias. A Lei n° 2.874, de 19/9/1956, além de criar a Novacap, define a mudança da Capital e estabelece que a terra é monopólio estatal e federal. Proíbe a alienação das terras do Distrito Federal a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, torna indivisíveis os lotes de terras urbanas do Distrito Federal, desde que alienados pela Novacap. (Ipea, 2001) 8 Usamos neste trabalho o termo ocupações “espontâneas” no sentido de ocupações não coordenadas ou dirigidas pelos esforços do Estado. 21 término dos estudos que originaram esta pesquisa. Também foi necessário expandir o estudo para outras capitais do Brasil, a fim de compreender o fenômeno da informalidade urbanística e os fatores que participam da sua ocorrência, independentemente da cidade. Para isso, recorremos a pesquisas importantes conduzidas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Um questionamento que surgiu ao longo do trabalho foi o porquê de Brasília ter tido uma expansão tão expressiva da cidade informal se as terras da cidade, na zona urbana principalmente, eram de maioria do Estado? Além disso, o Estado, em Brasília teve sempre uma ação muito presente por parte da Novacap, e depois pela Terracap, paralelamente aos órgãos de planejamento. Ainda assim, a cidade atravessou as décadas de 1990 e 20009 com cerca de um quarto de sua população vivendo em áreas irregulares. Compreender os motivos por que o Estado em Brasília não foi capaz de promover uma expansão urbana “ordenada” e racionalmente conduzida, e principalmente, para todas as camadas da população, foi outro objetivo deste trabalho. Tendo esses questionamentos em mente, fizemos uma investigação da expansão da Cidade Informal em Brasília, desde 1956, e estabelecemos o ano de 2006 como o de término deste estudo. Fizemos isso porque naquele momento foi feito um levantamento de parcelamentos irregulares na cidade, feito pela Seduma/DF, estudo que seria usado mais tarde como base para a formulação de políticas urbanas do Estado, como a revisão do PDOT, em 2009. Num período de estudo tão longo como esse – 50 anos –, vimos que foram sacrificados aspectos como a análise detalhada de casos específicos. Porém, esta opção foi feita em prol de uma visão global do fenômeno da Cidade Informal em Brasília, nos seus 50 anos de história. O solo urbano adquire determinado valor de acordo com as condições de localização que apresenta: mais acessível aos meios de transporte ou não, conveniência, qualidades estéticas, proximidade ao centro, entre outros. E essa valorização de determinadas áreas da cidade em detrimento de outras constitui um fator de localização dos diferentes usos e níveis de renda. Esse processo também ocorreu em Brasília, e, desde o início de sua implantação, áreas mais nobres foram reservadas para a população de maior poder aquisitivo, criando-se grande homogeneidade e segregação socioespacial. 9 Um quarto da população do Distrito Federal mora em áreas irregulares, segundo levantamento da Seduh/DF, 2006. 22 Desde a implantação de Brasília, as populações de baixa e média renda buscaram sua solução de moradia na cidade informal, e, nos últimos vinte anos, populações de média renda também tiveram que recorrer a essas estratégias de moradia. Veremos como se deu esse processo, do ponto de vista intraurbano, tendo em vista o processo de evolução e transição política da cidade. O Objetivo Buscamos contribuir para o campo da pesquisa acadêmica no sentido de lançar luz a um aspecto da expansão urbana de Brasília, de modo a explicitar seus problemas e processos. Ao longo dos seus mais de 50 anos de história, Brasília passou por um processo muito acelerado de urbanização, e de crescente aumento da irregularidade urbana. Independentemente da conjuntura sociopolítica vigente, a cidade expandiu-se pelo território e transbordou seus limites, avançando sobre os estados de Minas Gerais e Goiás. Após o processo de redemocratização do país, que se iniciou na década de 1980, houve a mudança do paradigma em relação ao tratamento da cidade informal, sem que as políticas urbanas advindas dessa mudança de abordagem fossem capazes de solucionar a problemática inerente à cidade informal, principalmente no que tange à precariedade de infraestruturas e ao impacto ambiental lesivo ao meio-ambiente. Como, onde e por que surgiu a cidade informal em Brasília? Em que áreas ela perseverou e por quê? Como e de que forma ela se expandiu? A cidade informal seguiu a mesma lógica da urbanização dirigida ou ela seguiu padrões específicos? Que padrões foram esses? Em que a cidade informal em Brasília difere de outras cidades do Brasil? O fato de tratar-se de uma cidade planejada e gerida territorialmente pelo estado interferiu nessa ocorrência? Como a cidade informal se apresenta hoje em Brasília? Essas são algumas questões que buscamos esclarecer por meio deste estudo. Sobre a Metodologia Esta pesquisa buscou contar o outro lado da história do urbanismo de Brasília, diferente daquele retratado habitualmente, ligado aos cânones do movimento moderno. Para isso, fez-se o cruzamento de diversas informações extraídas de estudos feitos em diversas épocas, por vários pesquisadores da informalidade urbana e por órgãos governamentais. Uma vez que as metodologias e os objetivos desses estudos foram variados, buscamos neles as informações que pudessem preencher o mosaico de experiências urbanas do passado da cidade, no sentido de criar um quadro o mais fiel possível do fenômeno 23 estudado. Também buscamos uma abordagem de alcance temporal mais amplo – 50 anos – sabendo que, numa pesquisa com a finalidade para o mestrado, não poderíamos nos deter em demasia no estudo de casos particulares, com um período de tempo tão longo a ser estudado. Contudo, como já comentamos, a escolha desse intervalo temporal foi significativa, por explicitar a realidade da cidade a partir de sua gênese física até o momento de sua franca metropolização e expansão da cidade informal. Essa imagem fica bem clara quando se analisa os mapas de expansão urbana da cidade, que, década após década, demonstram o crescimento de Brasília seguindo determinadas tendências. Além da pesquisa de dados na bibliografia de referência dos autores que investigam o tema da Cidade Informal, sob vários enfoques, também foi feito levantamento de campo a fim de averiguar as condições físicas e socioeconômicas dos locais estudados. Num trabalho científico, tem-se como objetivo a compilação e a organização do conhecimento sobre determinado assunto, de forma a contribuir com o esclarecimento da questão em termos teóricos. Com esse objetivo, a pesquisa se deu através de pesquisa bibliográfica sobre o assunto em publicações de órgãos de planejamento urbano e pesquisa – IBGE, IPDF, Seduma, Sedhab, Codeplan, Seduh, entre outros –, e a partir de pesquisas já realizadas por outros acadêmicos sobre o assunto, principalmente os trabalhos de Pedro Abramo (2003), Neio Campos (2003), Neio Campos e Ricardo Farret (2010), Jusselma Duarte de Brito (2009) e Edésio Fernandes (2008), entre outros. Deve-se ressaltar, também, a problemática ambiental envolvida no processo de expansão da cidade informal, que se mostra, em Brasília e nas demais cidades brasileiras, juntamente com a problemática social, como um dos maiores problemas criados por esse fenômeno. A cidade informal, segundo Grostein (2001), não é sustentável, nem socialmente e nem ambientalmente, o que a torna um problema da sociedade como um todo e, principalmente, da administração pública, na condição de representante dos interesses da coletividade. Por outro lado, num país com profundas desigualdades sociais como o nosso, há a necessidade de políticas urbanas eficientes para a solução dos graves problemas de qualidade de vida das populações mais pobres nas cidades. Esse fator se agrava quando à problemática social das áreas insalubres de favelas e invasões, que sofrem sob riscos de deslizamentos e inundações, acrescenta-se o peso da poluição e da degradação ambiental causada pela ocupação desordenada dessas áreas. 24 Em Brasília, não apenas a população de baixa renda se vê impelida a ocupar áreas de proteção ambiental. Em função dos altos preços que a terra atinge no mercado informal, a classe média também se arrisca a comprar e vender lotes e construir em áreas invadidas. Uma parte do problema é gerada pelos altos preços que a terra urbanizada atinge. Isso se deve a um processo antigo criado pela própria imobiliária estatal – a Terracap, detentora da maior parte das terras no Distrito Federal, que apenas comercializa lotes por meio de licitação pública, um tipo de leilão feito por meio de depósito de caução prévio e lances únicos. A cada mês, a imobiliária disponibiliza apenas alguns lotes para venda, sempre no valor do último e mais alto lance anterior referente ao lote equivalente. Isso faz com que o valor da terra em Brasília atinja valores altíssimos e gere grandes lucros imobiliários. O alto valor do imóvel regularizado em Brasília faz com que o imóvel irregular atinja alto valor no mercado informal. Dessa forma, o mercado informal de habitações em Brasília é extremamente aquecido. Em função disso, o governo tem tomado, nos últimos 5 anos, medidas paliativas no sentido de trazer a cidade informal em Brasília para a formalidade, a fim de poder cobrar impostos, como o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, e conseguir a cobrança do valor do terreno invadido, ainda que abaixo do valor de “mercado”. Esse é o caso da regularização dos parcelamentos irregulares da região do altiplano leste – Jardim Botânico Etapas I, II e III, onde já foram feitos estudos ambientais, urbanísticos, consultas a órgãos de proteção ambiental, aprovação de projetos de parcelamento urbano, NGB e URB. Um lote de 800 m2, regularizado, nessa região pode chegar a 900 mil reais10. Já um lote com as mesmas dimensões, não regularizado, em terras particulares, pode variar entre 400 a 500 mil reais11. Desde o início da urbanização no Brasil, as leis que estabelecem o regime de propriedade tem como linha condutora a ideia da exclusão da população com menores recursos. Com as capitanias hereditárias e o regime de sesmarias, a população indígena e a quilombola eram excluídas do direito à posse de terras. Durante o período colonial, todo o território brasileiro era da coroa portuguesa, consignado à Igreja Católica e cedida a donatários mediante a garantia de aproveitamento da terra e de pagamento do dízimo (Saule Jr., 2006: 16). Em 1850, com a Lei de Terras – que dispunha sobre as terras devolutas e os títulos de sesmarias –, o direito à terra deixou de ser baseado em seu efetivo aproveitamento, e sim a 10 11 Condomínio Jardins do Lago – Etapa II – levantamento da autora em dezembro de 2011. Condomínio Estância Jardim Botânico – levantamento da autora em dezembro de 2011. 25 partir de transações de compra e venda. As terras que não possuíam comprovação de propriedade, ou por título ou por posse, foram consideradas de patrimônio público. Com a aproximação da abolição da escravatura, temia-se que a terra se tornasse um bem ao alcance da enorme população de ex-escravos. Também se garantia que a terra se manteria dentro das esferas de poder do Estamento e pudesse ser usada como fonte de geração de renda (Saule Jr., 2006: 16). Foi a partir de um longo processo social e de criação e aplicação de novas leis que progressivamente legitimou-se a importância do direito à terra e a uma cidade mais justa do ponto de vista territorial e se chegou, com a Constituição de 1988, ao conceito da função social da propriedade. Em 2001, esse conceito foi juridicamente refinado no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01), no qual se consolidou juridicamente a ideia de que a terra, seja pública ou privada, deve cumprir um papel socioambiental (Saule Jr., 2006: 17). “A partir da intensificação das lutas rurais e urbanas pela inclusão social e territorial, teve inicio a construção de um novo paradigma, segundo o qual a terra, pública ou privada, deve cumprir uma função social, que prevalecera sobre o direito individual a propriedade” (Saule Jr., 2006: 17). O tipo de urbanismo feito historicamente no Brasil privilegia as camadas de alta e média renda dos estratos sociais, de forma a expulsar a população de baixa renda das áreas da cidade onde o solo urbano é mais valorizado. As áreas de periferia ou outras localidades de baixo valor da terra urbana, carentes de infraestruturas e condições salutares de vida, são as que “sobram” e acabam por ser ocupadas pelos mais pobres. A segregação social no espaço urbano se manifesta com a densificação das favelas em áreas centrais, somada à periferização da pobreza nos arredores das grandes áreas urbanas brasileiras. Esse processo de segregação espacial da pobreza na cidade se entende, hoje, como fruto de uma situação mais ampla de exclusão social, e levaria não somente à exclusão da moradia de qualidade na cidade, mas também à exclusão de direitos à cidadania e ao conforto urbano (Gordilho-Souza, 2008: 66). Em Brasília o processo de expansão urbana se consolidou de modo a revelar esses mesmos processos que ocorrem há séculos em nossas cidades. A Cidade Informal, em áreas de periferia ou não, ocorreram desde o início de sua implantação, e o Estado, sempre foi mais eficiente em ocultar sua existência do que solucioná-la propriamente. Veremos que as ações públicas tem um papel nesse processo. Para isso recorremos a autores que 26 pesquisam sobre o assunto. Também serão abordadas, nesta pesquisa, as seguintes questões: Os Conceitos de Cidade Informal e o tipo de abordagem escolhida para o estudo: Grostein (1987, 2001), Pasternak (2000), Saule Jr. (2008) e Fernandes (2009), Abramo (2003). A dinâmica imobiliária na cidade e sua interferência no processo de fixação da população de baixa renda em áreas formais, e a interferência no processo de segregação socioespacial. Autores estudados: Villaça (1998), Campos (1991, 2003) e Paviani (1985, 1989, 1991, 1996, 2003). O compromisso inevitável existente entre o Estado e o grande capital, sua interferência no processo de implantação e gestão da cidade: Lojkyne (1981), Harvey (1980), Farret (1985) e Bicca (1985). Os vetores de expansão urbana em Brasília: Anjos (2004) e Brito (2008). Os movimentos sociais para fixação de acampamentos pioneiros em Brasília: Penna e Gonzales (1985); Iwakami (1991), Gouvêa (1991) e Gonzalez (1991). Segundo Gouvêa, in Paviani (1991), Brasília significou a maior realização do urbanismo do século XX, em função das inovações urbanísticas e arquitetônicas implantadas, feito possibilitado apenas pela posse de mais de 50% do território pelo Estado, principal agente planejador e realizador, numa cidade criada para ser a Capital Federal. Mas, segundo esse autor, apesar de sermos levados a acreditar que o Estado estaria empenhado na democratização das boas condições na cidade, o que ocorre é que o Estado capitalista participou de um processo econômico complexo, em que seu papel seria o de favorecer interesses alheios à maioria da sociedade em Brasília. O trabalho está estruturado em três partes principais, antecedidas por uma Introdução ao assunto e seguidas das Considerações Finais. Na Primeira Parte do Trabalho, é feita uma análise do território de Brasília do ponto de vista dos elementos estruturadores do seu espaço intraurbano. Nessa primeira parte, também são apresentadas as conceituações do urbanismo que estruturou a Capital Moderna e que interagiu com as forças estruturadoras do espaço intraurbano da cidade. Outro fator importante, analisado nessa parte, é a gestão pública do território, além da complexa situação fundiária das terras em Brasília, que causa de litígios e situações indefinidas até os dias atuais. 27 Na Segunda Parte é feita a contextualização da Cidade Informal como fenômeno e na sua ocorrência no Brasil. Essa parte está subdividida em sete Itens, ao longo dos quais é feita uma análise da cidade informal nas cidades brasileiras, além de uma introdução ao problema e estabelecida a conceituação da cidade informal no presente trabalho; é também discutida a questão dos limites de mensuração do fenômeno, com base nos autores adotados para o referencial teórico. Na Terceira Parte é apresentado o processo de expansão urbana da Cidade Informal em Brasília ao longo do período estudado, que abrange a cidade desde 1956 até o ano de 2006. O Período de cinquenta anos foi dividido em períodos menores de cerca de dez anos, onde houve a predominância de certas características políticas e conjunturas econômicas. Essa divisão tem função metodológica e também é utilizada por outros autores com poucas variações: 1º Período: 1956 a 1975; 2º Período: 1976 a 1986; 3º Período: 1987 a 1995; 4º Período: 1995 a 2006. Na Terceira Parte, também é mostrado o processo de implantação e expansão de alguns exemplos de cidade informal de diferentes tipologias em Brasília: o acampamento pioneiro, a “invasão12” e o loteamento clandestino – a exemplo do Núcleo Bandeirante, implantado na época da construção da cidade; do Paranoá, cuja história do surgimento e remoção expõe a dinâmica política na gestão pública da cidade no período anterior à democratização do país; e os parcelamento clandestinos localizados na bacia do Rio São Bartolomeu, ocupados por moradores de classe média. Através da breve análise dos referidos casos, buscaremos expor a realidade teórica exposta nos itens anteriores. 12 O termo “invasão” é utilizado aqui em destaque porque, a rigor, todas as irregularidades urbanas são um tipo de invasão do espaço e não apenas aquelas que são classificadas dessa forma, as de baixa renda, às quais preferimos chamar de ocupação. Também, considerando o direito fundamental de moradia na cidade, amparado pela Constituição Federal de 1988, seria direito fundamental do cidadão dispor de uma parcela da cidade para sua moradia, uma vez que o Estado não proporciona meios viáveis para que ele possa assim fazêlo. 28 PARTE I 29 I. BRASÍLIA – CONCEPÇÃO E ESTRUTURAÇÃO: AS VÁRIAS ESCALAS DO TERRITÓRIO O território, como campo de estudos, tem várias vertentes de interpretação, sendo que cada uma enfatiza determinado aspecto, seja político, cultural, econômico ou naturalista13. Dentro dessas várias dimensões, e buscando uma definição abrangente, podemos dizer que o território é o espaço de vivência de um povo, e que é por ele delimitado e controlado, de onde tira seu sustento e se dão as interações capitalistas de capital e trabalho (Haesbaert da Costa, 2004: 40). Interessa-nos, neste estudo, como o sítio onde se escolheu implantar Brasília foi modificado pelo processo de urbanização, do ponto de vista físico-espacial, de forma a produzir formas específicas de ocupações, e que fatores concorreram para estruturar o território de forma a originar os assentamentos urbanos formais por um lado e informais de outro. O território, para os urbanistas, é o espaço de vivência do homem em sociedade, e desde que a cidade industrial teria reinstalado o caos no meio urbano14 os arquitetos buscam ordenar e transformar esse espaço numa experiência mais adequada para o conjunto da sociedade. Em busca desse ideal de cidade, foram formuladas várias teorias de como deveria ser desenhada e gerida a cidade ideal. Brasília é o corolário da experiência capitalista de gestão do espaço urbano, aliada à realização do ideal dos arquitetos modernos de controle da gestão do solo urbano. Porém, a despeito do monopólio das terras de Brasília pelo Estado, através de legislações específicas, Normatizações e a fiscalização e até remoções de ocupações não permitidas, a cidade informal sempre esteve presente na Capital, variando em forma e intensidade, de acordo com a conjuntura político-econômica vigente, de forma a estruturar um espaço intraurbano determinado15. Apesar de o centro de Brasília, o Plano Piloto, não ter passado por um processo de formação histórico tradicional como os centros em São Paulo ou Salvador, cidades onde a ocupação se deu de forma gradual, a partir do momento da implantação do seu plano e da definição de seus limites, a aglomeração urbana como um todo passou a interagir com o centro e a apresentar características próprias. Os elementos constitutivos desse processo serão abordados a seguir, e o processo de estruturação espacial da cidade de Brasília, com ênfase na cidade informal, será visto na terceira parte deste trabalho. 13 Haesbaert da COSTA, Rogério, 2004: 40. Antes disso, o meio natural seria o antigo lugar “caótico”. 15 Na terceira parte deste trabalho será feita a análise do espaço intraurbano de Brasília, com ênfase no estudo da cidade informal e suas manifestações. 14 30 O olhar que se pretende voltar para o objeto deve ter algumas definições de alcance, e são essas “regulagens” do olhar que chamamos de escalas. Esse alcance predefinido auxilia o estudo, criando panoramas com categorias de análise distintas. Segundo Castro (2007), a abordagem do real enfrenta o problema fundamental do “tamanho”, que pode variar do espaço local ao planetário, ou seja, a escala seria uma “estratégia de apreensão da realidade”, que define o campo empírico da pesquisa, ou os fenômenos que dão sentido ao recorte espacial objetivado. Por exemplo, numa escala regional, seria difícil estudar quais grupos sociais participam da vida cotidiana de uma rua específica, já que os aspectos estudados estariam em diferentes níveis de abordagem. “A noção de escala inclui tanto a relação como a inseparabilidade entre tamanho e fenômeno. Os experimentos científicos, obrigados a lidar com objetos, fenômenos e efeitos em escalas cada vez mais micro e cada vez mais macro, conduzem a reflexões sobre as possibilidades e limites de leis que regem fenômenos observados numa mesma escala para fenômenos em uma outra escala.” (Castro, 2007: 130) Lucio Costa propôs para o Plano Piloto escalas ou determinadas “ordens” para caracterizar as várias áreas da cidade. Esses princípios ordenadores foram utilizados como base, posteriormente, quando da escolha dos critérios de proteção do patrimônio do centro urbano tombado pela Unesco. Brasília foi uma cidade que existiu primeiramente em planos e projetos e depois é que veio a se concretizar no território: o centro-oeste brasileiro. A mudança efetiva da Capital Federal para o Planalto Central – no sítio Castanho16 – foi feita em 1956, pela Lei nº 2.874, e que também proibia a “alienação das terras do Distrito Federal a pessoas físicas ou jurídicas do direito privado” (Ipea, 2001: 67). A primeira organização administrativa da cidade só foi feita em 1964, e subdividiu o território em oito Regiões Administrativas. A divisão do Distrito Federal atual (2011) compreende trinta Regiões Administrativas, e a Região Administrativa onde está inserido o Plano Piloto chama-se R. A. de Brasília.17 16 Nome da área escolhida dentre as várias indicadas pelo relatório Belcher. As demais Regiões Administrativas de Brasília São: Gama – RA II, Taguatinga – RA III, Sobradinho – RA V, Planaltina – RA VI, Paranoá – RA VII, Núcleo Bandeirante – RA VIII, Ceilândia – RA IX, Guará – RA X, Cruzeiro – RA XI, Samambaia – RA XII, Santa Maria – RA XIII, São Sebastião – RA XIV, Recanto das Emas – RA XV, Lago Sul – RA XVI, Riacho Fundo I – RA XVII, Lago Norte – RA XVIII, Candangolândia – RA XIX, Águas Claras – RA XX, Riacho Fundo II – RA XXI, Sudoeste/Octogonal – RA XXII, Varjão – RA XXIII, Park Way – RA XXIV, SCIA – RA XXV, Sobradinho II – RA XXVI, Jardim Botânico – RA XXVII, Itapoã – RAXXVIII, SIA – XXIX, Vicente Pires – RA XXX. 17 31 Brasília compreende a área delimitada pelos contornos do Distrito Federal, e trata-se de um único município, dividido em Regiões Administrativas. Segundo Silva (1994: 19), apesar de o conceito de cidade abranger variadas definições, no Brasil o termo se aplica especificamente ao centro urbano cujo território adquiriu a categoria de município. Dessa forma, as cidades satélites, não podem ser consideradas cidades dentro dessa categoria de classificação, apesar de cada qual, em maior e menor medida, constituir um núcleo relativamente independente, com atividades centrais administrativas, vida social e comercial. Serão, dessa forma, denominadas, neste trabalho, núcleos urbanos, por constituírem aglomerações urbanas nucleadas, o que Villaça (2001: 53) distingue do que ele chama de áreas urbanas ou aglomerados urbanos não nucleados. “Do ponto de vista urbanístico, um centro populacional assume característica de cidade quando possui dois elementos essenciais: a) unidades edilícias, ou seja, o conjunto de edificações em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas, comerciais, industriais ou intelectuais; b) os equipamentos públicos, ou seja, os bens públicos e sociais criados para servir às unidades edilícias e destinados à satisfação das necessidades de que os habitantes não podem prover-se diretamente e por sua própria conta (estradas, ruas, praças, parques, jardins, canalização subterrânea, escolas, igrejas, hospitais, mercados, praças de esportes etc.).” (Silva, 1994: 20) A definição de Villaça para núcleo urbano abrange aglomerados que apresentam um mínimo de atividades centrais, sejam religiosas, administrativas, políticas, sociais ou econômicas, que tenham vida própria, por mínima que seja, organizada ao redor de um centro polarizador (Villaça, 2001:52). Segundo Paviani18, Brasília é, hoje, uma metrópole terciária/quaternária, distribuída de forma esparsa no território, graças ao seu processo de formação. Esse “polinucleamento”, segundo esse autor, se deu para além das fronteiras do distrito/estado/município, em direção aos municípios de Goiás e Minas Gerais, com centralização das funções 18 Segundo Paviani, o IBGE estipula a atividade industrial como uma das características das áreas metropolitanas. Segundo definições elaboradas por esse Instituto na década de 1970, seriam designadas como metrópoles as cidades que possuíssem as seguintes características, sintetizadas por Paviani: 1) “Apresentassem características demográficas pelas quais a cidade central atingisse pelo menos 400 mil habitantes e densidade demográfica igual ou superior a 500 habitantes por km2 (...); 2) Possuíssem estrutura complexa, com ao menos 10% da população economicamente ativa (PEA) ocupada em atividades industriais (...); 3)Tivessem características de integração, como 10% de sua população fazendo viagens intermunicipais (para a cidade central ou outras da área) e frequência de ligações telefônicas para a cidade central (oitenta por aparelho, por ano)” (Paviani, 2010: 232). 32 econômicas, das oportunidades de trabalho e desconcentração da atividade residencial, o que redundou em desemprego estrutural nos núcleos periféricos. FIG. I.1. Distrito Federal– Inserção Nacional, Regional e definição das Regiões Administrativas. Fonte: www.zee-df.com.br, acesso em 10/2011. Esse padrão de expansão esparso teve exceção apenas na conurbação formada no eixo de crescimento a partir do centro urbano – Plano Piloto de Brasília (PPB) – em direção Sudoeste, conectando os bairros do Cruzeiro, Sudoeste e Setor de Indústrias; continuando nessa direção, os núcleos dos Guarás conectam-se a Águas Claras, Taguatinga, Ceilândia e Samambaia; Gama se conecta a Santa Maria, Recanto das Emas e Riacho Fundo (Paviani, 2010: 228). Os núcleos de Planaltina, Brazlândia e Sobradinho, segundo Paviani, não formariam conurbação, contudo há na região de sobradinho a tendência de conexão com as ocupações dos parcelamentos feitos na área do “Grande Colorado”– vide Fig. 01. O fato de o Estado não ter permitido, desde o princípio, a implantação de indústrias poluentes em Brasília, fez com que a cidade voltasse suas atividades produtivas geradoras de postos de trabalho para o comércio e a prestação de serviços, públicos e privados. Essa foi uma escolha compreensível, no sentido de que se tratava de uma cidade com funções prioritariamente administrativas. Contudo, é surpreendente que mesmo após tantos anos de intensa atração populacional, fato perfeitamente esperado e justificado, em face do significado da cidade como polarizadora de atividades, tal premissa inicial mantenha-se vigente. No contexto dos municípios lindeiros, Brasília exerce influência direta, tanto em relação à criação de empregos quanto ao atendimento de serviços de saúde e educação, além de ter 33 tido fundamental importância no desenvolvimento da agricultura e infraestruturas no contexto regional de ligação com os demais estados do Centro-Oeste e regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Para este estudo, consideraremos apenas a área interna do quadrilátero do Distrito Federal, apesar de que, hoje, Brasília e sua área de influência – a RIDE – ultrapassam as fronteiras do quadrilátero do Distrito Federal e formam a terceira maior metrópole brasileira, incorporando ao seu funcionamento outros 21 municípios dos estados de Goiás e Minas Gerais. A RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito federal e Entorno –, criada em 1988, juntamente com Brasília, contava com a população de cerca de 3,5 milhões de pessoas, no ano de 2007 (Brito, 2008: 197). “Conhecida como RIDE, a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno compreende o Distrito Federal mais os municípios goianos de Novo Gama, Valparaíso, Cidade Ocidental, Luziânia, Cristalina, Santo Antônio do Descoberto, Águas Lindas, Alexânia, Abadiânia, Pirenópolis, Corumbá, Cocalzinho, Padre Bernardo, Água Fria, Planaltina de Goiás, Vila Boa, Formosa e Cabeceiras, e os municípios mineiros de Unaí e Buritis. Conta com 3.506.967 habitantes.” (IBGE, 2007, apud Brito, 2008: 197) I.1 O Sítio Físico de Implantação de Brasília O Planalto Central do Brasil, local definido para a implantação da capital desde o primeiro momento, define-se como uma extensa região geográfica, com características distintas de todas as demais19. “É uma vasta região, no centro do maciço brasileiro, com aproximadamente dois milhões de km2, que se estende do Rio Grande20 às primeiras quedas d’água dos rios amazônicos, limitada a Leste pelo Rio São Francisco e a Oeste pelo Pantanal. A forma de relevo predominante é a chapada, grande plateao, quase horizontal, cortados pelos rios com vales encaixados” (Ferreira, in Paviani, 2010: 39). Essa grande região foi esquadrinhada pelas várias comissões de levantamentos para a mudança da nova capital, todas tendo em vista os seguintes aspectos em relação à escolha do sítio: localizar-se na região Planaltina; estar provida de clima ameno, ou seja, entre os locais e as latitudes a serem escolhidas seria feita a opção por altitudes mais elevadas; ter condições favoráveis de atendimento em relação aos recursos hídricos; ter relevo pouco acidentado; ter condições sociais locais e regionais favoráveis à implantação de um centro urbano importante. Já foi comentado que não apenas fatores físicos, econômicos e sociais 19 20 Segundo Guimarães (1946), apud Ferreira, in Paviani (2010: 39). Rio que separa os estados de Minas Gerais e São Paulo. 34 foram considerados, como também interesses políticos vigentes na época participaram da escolha do local para a implantação de Brasília. O fato é que o projeto ganhador do concurso para o Plano Piloto foi locado no sítio Castanho, uma das áreas sugeridas pelo relatório Belcher21 para sediar a nova Capital. Segundo Ferreira, in Paviani (2010: 43), dentre as diversas áreas analisadas por Belcher e sua equipe, em 1953, essa se diferenciava por apresentar um domo, com extensa planície e suave declividade, facilidade de drenagem pluvial, profundidade de solos adequada à edificação de construções, potencial de suprimento de água e energia. Esta era uma área relativamente plana junto a um grande vale formado pelas várzeas de vários rios da Bacia do Rio Paranoá. PARQUE NACIONALDE BRASÍLIA CENTRO URBANO DE BRASÍLIA – O PLANO PILOTO ESTRADA PARQUE CONTORNO (EPCT) FIG. I.2. Brasília – Localização do Centro Urbano e delimitação da Estrada Parque Contorno – EPCT. Fonte: Base cartográfica Google, 2011. 21 A partir da promulgação da Constituição de 1946, que determina, em seu Artigo 4º, a transferência da Capital Federal para a região central do país, e prevê a formação de uma comissão para o estudo e da localização da nova Capital, é criada a Comissão que ficou conhecida como a “Missão Polli Coelho”, graças ao seu diretor. Em 1952 fica pronto o relatório final; porém, Vargas, em 1953, sanciona uma Lei que manda realizar novos estudos, a serem concluídos em três anos. É criada a comissão que ficaria a cargo de Donald Belcher, que, em 1955, indica cinco sítios dentro de uma região demarcada maior. Dentre esses sítios, o de cor marrom, ou castanho, foi o escolhido pelo Marechal José Pessoa e pelo presidente Café Filho (Ferreira, 2010: 41-13). 35 FIG. I.3. Brasília – Centro Urbano e Macrozoneamento. Fonte: Seduma/2009; ZEE-DF22. Um fato importante a ser destacado a respeito da localização escolhida para o centro urbano de Brasília, o Plano Piloto de Lucio Costa, é que, apesar do potencial estético, possibilitado pelas belas visuais, “por se tratar de uma região de cabeceiras, aí não se encontravam cursos d´água bastante volumosos para o abastecimento de uma grande cidade”23, ou seja, poderia haver problemas de abastecimento de água para grandes populações no futuro. Outro fator é a questão de que o lago artificial, sendo a princípio 22 O Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE - é um instrumento de caráter técnico e político que foi previsto na Política Nacional do Meio Ambiente e na Lei Orgânica do Distrito Federal e teve como finalidade subsidiar as ações de planejamento, de modo a otimizar o uso do espaço e promover o desenvolvimento sustentável do território a partir do conhecimento das potencialidades e vulnerabilidades socioambientais existentes. Fez parte dos compromissos dos compromissos institucionais firmados pelo Governo do Distrito Federal - GDF e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios no Termo de Ajustamento de Conduta – TAC no 002/2007, firmado em julho de 2007, e que trata da questão do processo de regularização dos parcelamentos irregulares do solo. A execução técnica do ZEE/DF ficou a cargo da Greentec Consultoria e Planejamento Ltda, que foi a empresa vencedora do processo licitatório. (Seduma/2010 – Zoneamento Ecológico e Econômico do Distrito Federal). 23 Segundo Ruellan (1948), apud Guimarães (1949), apud Ferreira, in Paviani (2010: 41). 36 receptor de efluentes, por estar em cota mais baixa, corria o risco de ser poluído em poucos anos com o adensamento populacional. Por esse e por outros motivos, a proteção da área da bacia do Lago Paranoá se tornaria uma importante diretriz de planejamento para a cidade. A falta de uma política habitacional adequada, apesar do intenso controle da ocupação irregular do solo urbano, principalmente nas áreas centrais da cidade, fez com que áreas ambientalmente sensíveis das bacias dos Rios Descoberto, São Bartolomeu e Mestre D´Armas fossem ocupadas com parcelamentos clandestinos, ameaçando inclusive a qualidade do abastecimento de água de Brasília. FIG. I.4. Brasília – Limites das Bacias Hidrográficas – Bacia do Lago Paranoá em Destaque. Fonte: Freitas, 2009. “É grave a expansão irregular e progressiva de áreas residenciais e sobre áreas de proteção de mananciais hídricos, de significativa sensibilidade à erosão ou de altos graus de declividade topográfica. Ao mesmo tempo, o adensamento das áreas urbanas consolidadas vem gerando congestionamentos de tráfego e a qualidade ambiental já apresenta comprometimentos irreversíveis. A tudo isso se acrescentam as pressões do déficit habitacional, os numerosos 37 assentamentos irregulares, a grandes manchas de habitação subnormal e a contradição de um significativo estoque de imóveis construídos, lotes e projeções residenciais, comerciais e industriais que permanecem desocupados.” (Gonzáles, 2010: 165) Outro aspecto determinante em relação ao sítio físico de Brasília é a importância das áreas de preservação que fazem parte do Distrito Federal desde os primeiros anos da formação da cidade. O Parque Nacional de Brasília, por exemplo, foi criado em 1961, e visa preservar o ecossistema cerrado, além de proteger a área circundante ao manancial de Santa Maria, responsável pelo abastecimento de grande parte do Plano Piloto. Atualmente, cerca de 60% da área do Distrito Federal corresponde a áreas protegidas ambientalmente. Isso se justifica, em parte, em função de a região ser rica em nascentes e mananciais hídricos. Contudo há uma grande dificuldade do Estado em relação à gestão e controle e fiscalização dessas áreas, fazendo com que uma boa parte tenha sofrido algum tipo de parcelamento irregular desde 1975. O processo de desapropriação inacabado das terras de Brasília contribuiu para o agravamento desse problema. I.2 Brasília para Além dos Limites do Distrito Federal: A RIDE Existem duas definições para área metropolitana de Brasília: uma instituída oficialmente pela Lei nº 94, de 19/02/1998 – a RIDE, formada pelo Distrito Federal mais 21 municípios goianos e mineiros. A outra é formada pelo Distrito Federal e pelos municípios que preenchem os critérios selecionados para enquadramento em aglomeração metropolitana, e que são dez: Luziânia, Valparaíso de Goiás, Cidade Ocidental, Novo gama, Formosa, Planaltina de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Águas Lindas de Goiás, Alexânia e Padre Bernardo. Essa última delimitação já foi adotada em vários estudos sobre Brasília e, em 2008, no estudo “Estratégia para o Desenvolvimento Sustentável de Brasília e seu Entorno”, realizado pelo IBRASE para o SEBRAE/DF. Note-se que Brasília é o Distrito Federal, e não apenas a denominação da Região Administrativa I, que engloba o Plano Piloto. Ou seja, as cidades satélites estão inseridas no aglomerado urbano de Brasília, que possui características próprias – um tecido urbano esgarçado em algumas áreas, e por vezes desconectado dos núcleos mais periféricos, herança do início da ocupação da cidade. Brasília se apresenta como um aglomerado urbano com um centro fortemente polarizado, onde se localiza o Plano Piloto, e um subcentro popular formado a partir da década de 1970, localizada na cidade de Taguatinga. 38 “Utilizando como parâmetros a renda domiciliar e o grau de instrução da população, dois indicadores que refletem o grau de desenvolvimento de uma região, observa-se que o Distrito Federal possui um renda domiciliar três vezes maior que a média do Entorno. No tocante à escolaridade, o percentual de analfabetos entre a população do Entorno, incluindo os que apenas sabem ler e escrever pequenos bilhetes, é o dobro do quantificado para o Distrito Federal. Os que possuem nível superior no Distrito Federal representam cerca de quatro vezes a participação deste segmento no Entorno.” (Miragaya, in Paviani, 2010: 89) Entre 1980 e 1990, as áreas urbanas dos municípios circundantes ao Distrito Federal expandiram-se de forma expressiva. Luziânia, por exemplo, teve sua área quadruplicada entre 1977 e 1990 (Anjos, in Ipea, 2001). Segundo Ipea (2001: 51), a população desse município cresceu 162% de 1980 a 1991, com um aumento bruto de mais de 170 mil pessoas, um aumento equivalente a 40% do crescimento do Distrito Federal no mesmo período. Como veremos na Parte III do trabalho, isso se deu em função da atração dos empregos gerados por Brasília, porém, com a restrição dos autos custos de moradia nas áreas mais próximas do centro. “Diariamente, cerca de 56.000 viagens24 de pessoas têm como origem o Entorno e como destino o Distrito Federal. Os motivos dessas viagens são, principalmente, o trabalho (52%), negócios pessoais (20%), tratamento de saúde (7%), procura por lazer (9%) e os demais (12%) têm outros propósitos. Das 56.000 viagens diárias, 55% delas provêm dos núcleos urbanos localizados no eixo da BR040, no município de Luziânia, 13% de Planaltina de Goiás, 11% de Santo Antônio do Descoberto e os 21% dos demais municípios do Entorno.” (PDOT/DF – Documento Técnico) Diferentemente de outras áreas metropolitanas cujas áreas periféricas foram formadas por subúrbios industriais e seu entorno, Brasília expandiu suas fronteiras para os demais municípios de Goiás e Minas Gerais, em função exclusivamente da criação de novos espaços residenciais como subúrbios-dormitório. Esse fato gera uma dependência funcional em relação aos empregos gerados no centro do aglomerado urbano, o Plano Piloto, o que, entre outros problemas, sobrecarrega a infraestrutura viária num movimento pendular diário no percurso casa-trabalho e trabalho-casa. 24 Pesquisa Domiciliar de Transporte realizada pela Codeplan no mês de outubro de 1990. 39 FIG. I.5. RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal e Entorno. Fonte: Observatório das Metrópoles – IPUR/UFRJ. Municípios 01 - Abadiânia 02 - Água Fria de Goiás 03 - Águas Lindas 04 - Alexânia 05 - Buritis 06 - Cabeceira Grande 07 - Cabeceiras 08 - Cidade Ocidental 09 - Cocalzinho de Goiás 10 - Corumbá de Goiás 11 - Cristalina 12 - Formosa 13 - Luziânia 14 - Mimoso de Goiás 15 - Novo Gama População Urbana Domicílios Urbanos Distância de Brasília (em Km) 7.206 1.603 105.583 15.935 13.868 4.579 4.904 34.465 6.000 5.597 27.569 69.285 130.165 1.186 73.026 2.271 531 34.589 5.382 4.087 1.830 1.542 10.160 1.859 1.792 8.207 20.624 39.225 375 21.978 118 118 47 87 207 139 235 42 110 128 119 79 58 126 46 40 16 - Padre Bernardo 13.272 4.123 106 17 - Pirenópolis 12.475 4.161 139 18 - Planaltina 70.127 20.624 56 19 - Santo Antônio do Descoberto 48.398 14.804 44 20 - Unaí 55.549 16.825 80 21 - Valparaíso de Goiás 94.856 30.671 35 22 - Vila Boa 2.702 796 156 Total 798.350 246.456 Fonte: IBGE/Cidades – Mapa Rodoviário – 2002. *Distância entre as cidades é medida da saída principal à Estação Rodoviária de Brasília, considerando a menor distância entre elas. TABELA I.1. Municípios da RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento Econômico de Brasília. Fonte: I.3 A Estruturação do Espaço Intraurbano da Capital Para Villaça, referenciado em Bastide (1971: 1), estrutura é um todo constituído de elementos que se relacionam entre si e de tal forma que a alteração de um elemento ou de uma relação altera todos os demais elementos e todas as demais relações. Sanzio (2010) e Villaça destacam que as estruturas são dotadas de movimento, e desvendar como e por que se dá esse movimento trata-se de um grande desafio para o pesquisador. Por exemplo, em função da localização das principais vias de penetração inter-regional da cidade nas faces Oeste e Sul, desencadeou uma série de consequências indissociáveis à lógica urbana da cidade. A expressão metropolitana da Brasília, segundo Sanzio, in Paviani (2010: 380), é fruto de um ritmo acelerado de modificação territorial – rural em urbano – que causou uma ampliação significativa dos problemas ambientais na capital. O total de 90.000 ha de ocupação urbana dentro do Distrito Federal se expandiu, desde o início da implantação da cidade, em ritmo muito acelerado. Sanzio destaca a importância que o sistema viário teve nesse processo e observa que os principais vetores de expansão urbana de Brasília coincidiram com aqueles norteados pelas rodovias e estradas-parque. Para Villaça, isso ocorre não apenas pela simples existência das vias, mas pelo papel que elas têm no transporte das pessoas dentro da cidade. “Cabe destacar – e nisso parece haver consenso – que os transportes desempenham um papel fundamental na estruturação do território. Entretanto, o papel por eles desempenhado na estruturação intraurbana é totalmente distinto daquele que desempenha na estruturação regional.” (Villaça, 2010: 331) 41 Segundo Brito (2008: 24), o rodoviarismo está presente do cotidiano de Brasília, não apenas guiando os eixos de expansão da cidade, mas desde o momento da localização da Capital no centro do país. Segundo essa autora, a era rodoviarista, vigente a partir da década de 1950, quando as rodovias seriam eleitas as novas integradoras do extenso território nacional. Não é à toa que o Plano Piloto de Brasília, escolhido por concurso de ideias em 1957, seja a síntese dessa urbanística. No “urbanismo rodoviarista”, explicado por Ficher (1999: 230-239),25 a cidade é estruturada por vias de tráfego hierarquizadas e especializadas, numa justaposição entre técnica rodoviária e urbanismo. “O sistema rodoviário urbano da capital foi projetado em sintonia com o plano da cidade. Baseado em estradas-parque, inspiradas nas parkways americanas, o planejamento da trama local, e sua implantação de fato, em muito antecedeu a oficialização do Plano Rodoviário do Distrito Federal, que ocorreu somente em 1964.” (Brito, 2008: 25) Dessa forma, um dos aspectos estruturadores do território de Brasília, desde o início, foi o planejamento da circulação de veículos da cidade, com estradas abertas com o intuito de guiar a urbanização e criar limites claros aos bairros. Os trajetos iniciais coincidiam com os trajetos preexistentes à urbe e que atravessavam o território, no sentido Norte-Sul, vindo de Luziânia, e outro proveniente de Corumbá, a Oeste. Essas estradas se uniam à altura do centro da bacia do Paranoá, para depois seguirem em direção à Planaltina. Viriam a fazer parte das BR 020, 030 e 040 (Brito, 2008: 222). Vide Fig. 5. Segundo Villaça, nas cidades de ocupação continental, em oposição àquelas de ocupação litorânea, que esse autor caracteriza como metrópoles interiores, a expansão da periferia se dá com o centro urbano, planejado para a burguesia, ainda fracamente ocupado (Villaça, 2001: 124). Outra delas é o desenvolvimento de um subcentro popular, mais adaptado à demanda das classes populares. Segundo esse autor, isso ocorreu em Belo Horizonte, com a polarização da zona comercial. 25 Apud Brito (2008: 25). 42 FIG. I.6. BRASÍLIA – Zona Urbana, Zona Rural e Macrozona de Proteção Integral – Fonte: PDOT/2009 – Seduma/DF. Brasília também nasceu dentro da lógica de cidade pouco densa e pulverizada onde, logo na implantação, houve a determinação de um centro urbano de baixa densidade, de desenho inspirado na Carta de Atenas26, ligado a outros núcleos periféricos por meio de “estradas-parque”. Uma delas, a EPCT – Estrada Parque Contorno, além de estabelecer os limites para o centro urbano – o PPB27 e áreas adjacentes como o Parque Nacional de Brasília, o Jardim Botânico e setores habitacionais de baixa densidade como os Lagos Sul e 26 27 Carta de Atenas. Plano Piloto de Brasília. 43 Norte e o Park Way entre outros, articula o sistema de rodovias urbanas, integrando-as às estradas interestaduais e de penetração28 (Brito 2008: 26). O chamado “anel sanitário”, criado com o Planindro, viria a se utilizar dos limites da EPCT como barreira para a expansão do centro urbano, obrigando que a expansão da cidade se desse através de núcleos esparsos e distantes do centro urbano. Outra importante via estruturadora da cidade, a EPIA – Estrada Parque Indústria e Abastecimento, foi implantada a partir de uma antiga estrada que ligava a cidade de Brazlândia a Planaltina, cortando o sítio longitudinalmente. A EPCT e a EPIA estruturavam tanto a circulação como a disposição dos bairros e setores dos núcleos urbanos, e tinham uma lógica completamente diversa do trânsito de pedestres. Essa ainda é uma das principais características das vias do centro urbano de Brasília (vide Fig. 5). Os elementos estruturadores do território são entendidos como os elementos que o constituem, o conjunto das interações que esses elementos mantém entre si, entre suas classes e os conjuntos dos pontos do território. Sanzio adota esse conceito por abarcar definições semelhantes de outros autores que ele considera adequadas para as abordagens dos objetos contemporâneos29. Desse modo, como elementos estruturadores do território de Brasília numa escala regional, já que se destinavam, prioritariamente, ao transporte de bens e mercadorias através da região, destacam-se as rodovias de penetração da década de 1950, ligando os povoados de Brazlândia e Planaltina, situados dentro do quadrilátero do Distrito Federal, às cidades de Corumbá de Goiás, Anápolis e Goiânia, Luziânia, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, Unaí, Januária, Cavalcante, Posse, Formosa, Barreiras e Chapada dos Veadeiros. A estrutura do conjunto urbano de Brasília se modificou ao longo dos anos, e, principalmente, sofreu uma expansão vertiginosa. Contudo, manteve algumas tendências delineadas na sua gênese. Uma delas – e talvez a que a cidade tem em comum com outra capital planejada, Belo Horizonte – é a baixa densidade do centro urbano. Outra tendência mantida foi a homogeneidade de ocupação socioeconômica dessa área caracterizando intensa segregação socioespacial em relação às demais localidades do aglomerado. 28 Vide Figura I.6. 29 Segundo Sanzio, in Paviani (2010: 376), citando Serra (1987: 36). 44 Outro elemento de estruturação do território de Brasília30, além da criação das distantes cidades satélites iniciais e estabelecimento dos limites de ocupação da zona central definida pelos limites da bacia do Lago Paranoá e a Estrada Parque Contorno, foi a criação das Unidades de Conservação Permanente: o Parque Nacional de Brasília, a Noroeste do Centro, e o Jardim Botânico de Brasília, a Sudeste, o que, segundo esse autor Sanzio 31, impediu que a ocupação urbana não planejada se desse em forma de anel fechado sobre os limites do Plano Piloto (vide Figura I.8). FIG. I.7. BRASÍLIA – Estradas Parque e Rodovias Intraurbanas. Fonte: Base cartográfica Google, 2011; Seduma/DF. 30 Segundo Sanzio, in Paviani (2003). Idem. 31 45 A administração de um território tão vasto e com núcleos urbanos tão dispersos não teria sido possível sem a criação das Regiões Administrativas, uma vez que que o Distrito Federal não pode ser fracionado em municípios. Dessa forma, ao longo dos anos, com a expansão urbana da cidade, foram sendo criadas novas Regiões Administrativas, até chegar-se ao número de trinta, no ano de 2011. Em relação ao conceito de Região Administrativa, Paviani esclarece: “Essas unidades administrativas foram estabelecidas dentro de um território mais amplo que o do núcleo urbano e se destinam à alocação de recursos, delimitação de espaço para a gestão e não se confundem com sede municipal nem conferem qualquer hierarquia urbana. (...) A denominação de uma RA equivale à do núcleo onde esta se encontra. Por exemplo, a RA do Gama é RA II – Gama; a RA do Paranoá é RA VII – Paranoá. A do Plano Piloto de Brasília, RA I, leva a denominação de RA I – Brasília, quando deveria ser RA I – Plano Piloto (...)” (Paviani, 2005: 2). I.3.1 O Centro Urbano de Brasília: O Plano Piloto “A concepção urbana de Brasília se traduz em quatro escalas distintas: a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica”. (...) A presença da escala monumental – “não no sentido da ostentação, mas no sentido da expressão palpável, por assim dizer, consciente daquilo que vale e significa” – conferiu à cidade nascente, desde seus primórdios, a marca inelutável de efetiva capital do país. (...) A escala residencial, com a proposta inovadora da superquadra, a serenidade urbana assegurada pelo gabarito uniforme de seis pavimentos, o chão livre e acessível a todos através do uso generalizado dos pilotis e o franco predomínio do verde, trouxe consigo o embrião de uma nova maneira de viver, própria de Brasília e inteiramente diversa das demais cidades brasileiras. (...) A escala gregária surge, logicamente, em torno da interseção dos dois eixos, a plataforma rodoviária, elemento de vital importância na concepção da cidade e que se tornou, além do mais, o ponto de ligação de Brasília com as cidades satélites. No centro urbano, a densidade de ocupação se previu maior e os gabaritos mais altos, à exceção dos dois Setores de Diversões. (...) E a intervenção da escala bucólica no ritmo e na harmonia dos espaços urbanos se faz sentir na passagem, sem transição, do ocupado para o não ocupado – em lugar de muralhas, a cidade se propôs delimitada por áreas livres arborizadas.”32 (Costa, in Leitão, 2009: 277) Ao contrário de cidades como o Rio de Janeiro ou São Paulo, cidades com centenas de anos, e cujos centros urbanos apresentam complexidade histórica e polarização difusa, Brasília apresenta um centro urbano fortemente polarizado – o Plano Piloto. O Plano Piloto de Brasília – PPB é definido pelos limites da via EPIA e a linha d’água do lado Oeste do 32 Trecho do documento Brasília Revisitada, 1985-1987: adensamento e expansão urbana. Lucio Costa, 1987. complementação, preservação, 46 Lago Paranoá, e possui projeto singular, de autoria de Lucio Costa, é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. FIG. I.8. BRASÍLIA – Regiões Administrativas. Fonte: Seduma/DF, 2004. Brazlândia Parque Nacional de Brasília Planaltina Sobradinho CENTRO URBANO Taguatinga Ceilândia Samambaia Riacho Recanto dasFundo São Sebastião Emas Gama Santa Maria FIG. I.9. BRASÍLIA – Centro Urbano e Núcleos Periféricos. Fonte: Sanzio, 2010. 47 O PPB é tombado pelo IPHAN Nacional através da Portaria nº 314, de 8/10/1992, devido à relevância do seu conjunto urbano e arquitetônico. Porém, uma vez que o enfoque deste trabalho não é voltado para as questões que situam Brasília como importante marco do urbanismo moderno, não nos alongaremos na análise do desenho urbano do centro. Apesar disso, alguns aspectos do urbanismo moderno proposto em Brasília favoreceram a condição de segregação dos núcleos periféricos que se instalou na cidade nas primeiras décadas, afetando, portanto, a estrutura intraurbana da cidade informal no aglomerado. Em linhas gerais, no centro urbano, enquanto os edifícios do Estado encontram-se dispostos ao longo do Eixo Monumental, as habitações estão dispostas ao longo do Eixo Rodoviário, em sua maioria, edifícios de habitação coletiva de até seis pavimentos, formando superquadras, de densidade populacional média, estas, densamente arborizadas. Esse é o padrão residencial que caracteriza a maior parte do PPB. A área encontra-se estruturada por quatro princípios “ordenadores” propostos por Lucio Costa, aos quais ele deu o nome de “escalas”, descritos no documento Brasília Revisitada. Cada um desses princípios se relaciona com um importante aspecto representativo da nova Capital, de características muito singulares: a escala monumental, relacionada às atividades do Estado; a escala gregária é relacionada às atividades diárias de trabalho, lazer, encontro, e circulação das pessoas; a escala residencial é marcada principalmente pela solução da superquadra, com edifícios de habitação coletiva de, no máximo, seis pavimentos, onde o pilotis é parte integrante do espaço da quadra; e a escala bucólica é aquela que, segundo Costa, envolve o conjunto, dando a ele a ideia de grande cidade-parque, com amplos espaços verdes arborizados33. Segundo Oliveira (Oliveira, 2008: 50), a cidade modernista, sintetizada na Carta de Atenas e elaborada no IV congresso CIAM, deveria ordenar a vida humana em quatro funções-chave autônomas: habitar, circular, trabalhar, recrear-se (nas horas livres). A habitação, para os urbanistas modernos, é a primeira das funções que mereceria atenção, já que seria a unidade primordial do urbanismo, da qual o homem seria a sua medida. A cidade era, para os modernistas, um grande invólucro que deveria funcionar tal qual um relógio, e os homens dentro dela, cada qual deveria cumprir sua função. 33 Costa, in Leitão, 2009: 277. 48 FIG. I.10. BRASÍLIA – Centro Urbano, Núcleos Periféricos, Principais Unidades de Conservação. Fonte: Sedhab/DF e Sanzio, 2010. Um dos aspectos distintivos da urbanística moderna difundida pelos CIAM foi quanto ao tratamento do sistema viário, que propunha a separação da circulação do pedestre em relação à dos veículos automotores. Essa “setorização” da circulação foi amplamente aplicada em Brasília, e tinha como objetivo “proteger” o pedestre do contato próximo com os veículos. Sabemos, contudo, apenas depois da experiência implantada, que a consequência dessa decisão de projeto aumenta a velocidade das vias de circulação de veículos e diminui a vitalidade das vias de circulação de pedestres. O tecido urbano tende a se transformar em 49 grandes espaços de passagem de veículos que vem de uma origem e se encaminham para um destino específico. A cidade se apresenta como um obstáculo no caminho. Contudo, apesar da filiação do projeto de Lucio Costa para o PPB de Brasília ter inspiração no ideário modernista de Le Corbusier e dos CIAM, o projeto apresentou características próprias, ligadas principalmente à especificidade da vivência do próprio autor e do momento sociopolítico vivido pelo Brasil naquele momento (Oliveira, 2008: 165). Em Brasília foi realizado também o ideal modernista de controle do Estado sobre o planejamento territorial, tornando-se a autoridade local o agente regulador e controlador do urbano. Isso ocorreu na aquisição de terras com intuito do monopólio da propriedade fundiária, com vistas, inclusive, de estabelecer controle sobre o mercado imobiliário34. I.3.2 Núcleos Periféricos de Brasília: As Cidades Satélites35 “No início, a Novacap admitira três possibilidades com relação ao destino da população obreira que afluía para a construção da nova capital: ‘parte dela retornaria às regiões de origem; outra seria absorvida na lavoura, em pequenas fazendas modelo, conforme convênio estabelecido com o Ministério da Agricultura, e a terceira, finalmente, se destinaria a atividades terciárias na própria cidade’. Tal porém não ocorreu; ninguém voltou – se estavam mal ali, estavam muito melhor de que antes, e o programa hortigranjeiro fracassou: as pequenas fazendas modelo deram lugar a casas de campo para autoridades. Daí a necessidade em que se viu a Novacap, depois da inauguração, de transferir as favelas surgidas em torno dos vários canteiros de obras para núcleos improvisados na periferia urbana, núcleos que cresceram e se transformaram nas atuais cidades satélites.” (Costa, in Leitão, 2010, 277) A maioria das chamadas “cidades satélites” ou núcleos periféricos de Brasília foi criada com o objetivo de absorver o contingente populacional removido de ocupações informais no centro urbano, numa lógica de gestão urbana que buscou, nos anos iniciais da cidade, livrar o centro da população que não pertencesse ao funcionalismo estatal, exemplo de Taguatinga, Guará e Ceilândia. Outros núcleos periféricos36 foram criados a partir da regularização de ocupações informais do território, exemplo de São Sebastião, Itapuã e Estrutural. 34 Oliveira, 2008: 165. O termo “cidade satélite” foi empregado até 1998, de forma oficial, para denominar os núcleos urbanos que fazem parte do conjunto urbano de Brasília e que mantém variados níveis de dependência com o centro. Contudo, administrativamente, os núcleos urbanos anexos ao centro e que constituem regiões administrativas, não constituem municípios independentes do município sede – Brasília. 36 Nome mais adequado, já que não constituem cidades com municípios independentes, uma vez que Brasília é um Distrito, Estado e município indivisível. 35 50 O primeiro desses núcleos a ser criado – Taguatinga – foi locado em um terreno próximo à sede do INIC – Instituto Nacional de Imigração e Colonização e tinha o objetivo de favorecer o controle do acesso dos migrantes ao sítio das obras, já que o posto de seleção para o ingresso no mercado de trabalho de Brasília situava-se às margens da EPIA37 e a aproximadamente 30 km do centro urbano (Brito, 2009: 224). Os núcleos urbanos periféricos do Gama e Sobradinho tiveram localização que seguiu a mesma lógica, às margens de uma rodovia de acesso ao sítio da construção da cidade, porém, distante do centro urbano. O Gama foi implantado às margens da rodovia BR 040, a 30 km do centro e Sobradinho, às margens da rodovia BR 020, a 15 km. Detalharemos o processo de expansão urbana da cidade na Parte III deste trabalho, na qual será abordada também a expansão da cidade informal. Segundo Ficher (2003), apud Brito (2008: 27), o surgimento das cidades satélite como a melhor “solução” para o provável caos das cidades, e que não se queria para a nova capital, remonta a origens diversas, “intransigentemente defendidas por Hilberseimer em GroszstadtArchitektur (1927), idealizadas como bairros residenciais fechados em si mesmos e de população limitada, esses núcleos deveriam ser dispostos circularmente e a relativa distância do centro urbano, sendo esta última a cidade central e sede do trabalho”. Desse modo, sob os auspícios desse ideário, não se pretendeu que Brasília se expandisse de início, em tecido urbano contínuo38. Regiões Administrativas Distrito Federal RA I - Brasília RA II - Gama RA III - Taguatinga RA IV - Brazlândia RA V - Sobradinho RA VI - Planaltina RA VII - Paranoá RA VIII - Núcleo Bandeirante RA IX - Ceilândia RA X - Guará RA XI - Cruzeiro Total de Habitantes Percentual 2.096.534 198.906 112.019 223.452 48.958 61.290 141.097 39.630 22.688 332.455 112.989 40.934 100 9,5 5,3 10,7 2,3 2,9 6,7 1,9 1,1 15,9 5,4 2 37 Estrada Parque Indústria e Abastecimento. Essa diretriz foi revista mais tarde, mas somente a partir do final da década de 1970, com o PEOT, quando já eram claras as perdas materiais e humanas ocasionadas por essa decisão de 38 planejamento. 51 RA XII - Samambaia 147.907 7,1 RA XIII - Santa Maria 89.721 4,3 RA XIV - São Sebastião 69.469 3,3 RA XV - Recanto das Emas 102.271 4,9 RA XVI - Lago Sul 24.406 1,2 RA XVII - Riacho Fundo 26.093 1,2 RA XVIII - Lago Norte 23.000 1,1 RA XIX - Candangolândia 13.660 0,7 RA XX - Águas Claras 43.623 2,1 RA XXI - Riacho Fundo II 17.386 0,8 RA XXII - Sudoeste/Octogonal 46.829 2,2 RA XXIII - Varjão 5.945 0,3 RA XXIV - Park Way 19.252 0,9 RA XXV - SCIA Estrutural 14.497 0,7 RA XXVI - Sobradinho II 71.805 3,4 RA XXVIII - Itapoá 46.252 2,2 Fonte: Seplan/Codeplan – Pesquisa Distrital por amostra de domicílios – PDAD – 2004. Notas: (1) Para a Região Administrativa XXVII Jardim Botânico não existem informações, por ter sido criada após o término da pesquisa. (2) A Região Administrativa XXIX SIA foi criada em 2005 e não possui unidades residenciais. TABELA I.3. População Urbana do Distrito Federal Administrativas – 2004. Fonte: Codeplan/Seduma, 2010. segundo as Regiões Os núcleos periféricos de Brasília surgiram, em sua maioria, de duas formas: sob planejamento do Estado ou por iniciativa privada, organizada ou não. Iniciaram-se de modo marcadamente segregado, como no caso de Taguatinga, Gama e Sobradinho, ainda antes da inauguração de Brasília, para depois passarem a ser implantados à menor distância do centro do conjunto urbano, o Plano Piloto. As cidades de Brazlândia e Planaltina eram preexistentes ao Distrito Federal e sua localização ficou excêntrica aos eixos de expansão urbana da cidade que se concentraram a Sul e Sudoeste do centro. (Vide Figura 7.) Planaltina, sede do município goiano de mesmo nome desde 1891, hospedou, em 1892, os membros da comissão Cruls e, em 1946, os membros da Comissão de estudos para a Localização da Nova Capital. Em 1922, recebeu a pedra fundamental da Nova Capital da República. Brazlândia surgiu nas primeiras décadas do século XX, da atividade agropecuária realizada em suas terras. O nome da cidade vem da maior família proprietária de terras da região. Taguatinga foi a primeira cidade satélite criada oficialmente, em 1958, e o foi com o propósito de alojar os ocupantes do assentamento popular Sarah Kubitscheck, localizado junto à Cidade Livre (atual Núcleo Bandeirante) e de outras ocupações espontâneas que se avolumavam na cidade em construção. Foi implantada a 25 km do Plano Piloto, na margem externa da recém-criada Estrada Parque Contorno – EPCT. Nos anos seguintes, sofreu 52 inúmeras expansões de seu desenho original, a fim de abrigar moradores de outros assentamentos irregulares dentro do PPB39. Também essa cidade foi expandida por meio de ocupações de iniciativa não oficial, em vista da sempre crescente demanda por moradia em Brasília. Na Parte III deste trabalho analisaremos com maior detalhe a questão da localização de Taguatinga e das demais cidades satélites, suas áreas irregulares e o seu significado dentro da urbanística de Brasília. Anos População TMGCA (1) Densidade Demográfica Hab/km2 1957 12.283 / 2,12 1959 64.314 128,82 11,11 1960 140.164 117,94 24,21 1970 537.492 14,39 92,84 1980 1.176.935 8,15 203,3 1991 1.601.094 2,84 276,57 1996 1.821.946 2,62 314,72 2000 2.051.146 3,01 354,31 2005 2.391.313 3,12 403,71 2006 2.449.376 2,43 413,32 2007 2.504.684 2,26 422,1 2008 2.557.160 2,1 441,74 2009 2.606.885 1,94 450,33 2010 2.654.059 1,81 458,47 Fonte: Censo Experimental e Censos Demográficos – IBGE. Contagem da População – IBGE. Indicadores Sócio Demográficos Prospectivos para o Distrito Federal 1991-2030 – Codeplan, 2009. (1) TMGCA – Taxa Média Geométrica de Crescimento Anual entre períodos. TABELA I.4. Evolução da População do Distrito Federal, TMGCA e Densidade Demográfica – 1957 a 2010. Fonte: Codeplan/Seduma, 2010. A implantação de Sobradinho foi posterior à de Taguatinga – em 1959 –, e teve um tipo de tratamento de infraestruturas diferente, implantadas em maior quantidade que nas demais cidades satélites. Alojou principalmente os ocupantes da Vila Amaury e acampamento da DNOCS, mas posteriormente passou a receber funcionários da burocracia estatal. A implantação da cidade satélite do Gama data do mesmo ano e também segue o mesmo padrão de implantação a grande distância do Plano Piloto. Destinou-se a alojar os funcionários da Novacap e as condições de infraestruturas urbanas permaneceram precárias nessa cidade por muitos anos ainda (Brito, 2008: 94). O início da ocupação do Núcleo Bandeirante e da Candangolândia, hoje Regiões Administrativas de Brasília, data de 1956, originados graças à fixação de acampamentos pioneiros implantados nessas 39 Plano Piloto de Brasília. 53 localidades, adjacentes ao PPB. O Núcleo Bandeirante nasceu da concessão temporária de terrenos a comerciantes que quisessem se estabelecer no grande canteiro de obras que era Brasília naquela época, e tinha data para ser removido: 1960. Contudo, fruto de um movimento popular consistente, conseguiu a aprovação por meio de lei federal, em 1961, o que garantiu a sua fixação, mesmo estando tão próximo ao centro urbano, fato isolado dentro da política urbana daquela época. Junto ao Núcleo Bandeirante, que nos primórdios da cidade funcionava como um verdadeiro centro popular de comércio e serviços e trocas sociais, avolumavam-se ocupações espontâneas 40 de migrantes que afluíam para Brasília em busca de empregos. FIG. I.11. BRASÍLIA – Densidade Populacional. Fonte: PDOT/2009 – Sedhab/DF. 40 Usamos neste trabalho o termo ocupações “espontâneas” no sentido de ocupações não coordenadas ou dirigidas pelos esforços do Estado. 54 As ocupações de áreas dentro do PPB, próximas aos canteiros das obras, eram constantemente removidas para áreas mais distantes do centro urbano, mas ressurgiam rapidamente, num processo contínuo de remoção/reimplantação. Houve três exceções – os acampamentos de operários da Vila Planalto, Paranoá e Telebrasília –, que resistiram aos sucessivos processos de remoção promovidos pelo governo e se mantêm até hoje como bairros, com características socioespaciais distintas do conjunto do PPB. Surgiram, posteriormente, fruto de ocupações informais que não se utilizaram de instalações dos acampamentos de obra, dentro dos limites da EPCT, a Vila Varjão e a Vila Estrutural (Brito, 2008: 105). FIG. 1.12. BRASÍLIA – Tecido Urbano: Continuidades e dispersões. Fontes: Sedhab/DF; Paviani, 2010; Sanzio, 2010; Abramo & Campos, 2009. 55 Os núcleos urbanos do Guará I e Guará II foram criados ainda na década de 1960 e situados na borda interna da EPCT, entre a EPTG e a BR 040, a Sudoeste do centro urbano. Ceilândia foi criada no início da década de 1970 e teve o objetivo de concentrar os moradores removidos de diversos assentamentos populares de dentro do Plano Piloto, inicialmente os da Vila IAPI, Tenório e Bernardo Saião (Brito: 2008: 137). Sua criação foi operacionalizada pela Campanha de Erradicação de Invasões – CEI, sigla da qual deriva seu nome. A Ceilândia Sofreu sucessivas expansões do seu projeto original, ao longo do tempo, e hoje abriga uma extensa área de ocupação informal de baixa renda – o Setor Habitacional Sol Nascente, em processo de regularização pelo Governo do Distrito Federal. “Em 1967, a SHIS construiu o Guará II, uma cidade para abrigar 40.000 pessoas, localizada de forma a aproximar a moradia do trabalhador ao seu local de trabalho. A obra foi concluída em 1973, sendo que a previsão era atender, inicialmente, um número aproximado de 6.200 famílias removidas de invasões, acampamentos e vilas.” (PDOT/DF, 1997) Nos primeiros anos da década de 1980, foram criados os núcleos habitacionais de Samambaia, a Sudoeste da Ceilândia, Riacho Fundo, entre Guará e Taguatinga e as QUELC41, junto à EPTG. Nos anos subsequentes, foram criadas Santa Maria, à Leste do Gama e próxima do limite Sul do Distrito Federal, e o Recanto das Emas, a Sudeste de Samambaia. Todas essas áreas foram destinadas, em maior ou menor medida, a atender a demanda das populações de baixa renda. Águas Claras, núcleo urbano criado entre Taguatinga e Guará II, fez exceção a essa regra, tendo sido destinada à população de média renda. Em 1993 se consolidou a Agrovila São Sebastião, hoje Região Administrativa, assentamento surgido na área de uma antiga fábrica de tijolos, a Sudeste do Plano Piloto, junto à BR 140. Também surgiu nessa época o assentamento do Itapuã, a Norte da Vila Paranoá, nas margens da DF 250. Nessa época também se implantou Sobradinho II, a Oeste de Sobradinho, em áreas de condomínios privados42 (Brito, 2008: 181). A população de renda média e alta, em vista das limitadas opções de moradia dentro do Plano Piloto, mormente de custo muito alto e com oferta escassa de unidades, e não vendo atrativos nas áreas habitacionais mais populares concentradas no eixo de expansão 41 Quadras Econômicas Lucio Costa. O termo “condomínio” é usado comumente em Brasília no lugar do termo mais adequado “loteamento”. Isso se deve ao fato de que, na época em que se iniciou o processo de parcelamento das glebas rurais, por lei, elas não podiam ser parceladas por particulares. Dessa forma, criava-se o parcelamento sob a forma de condomínio rural. Esse impedimento só veio a cair em 1992, com a publicação da Lei do PDOT/DF. 56 42 Sudoeste de Brasília, buscou alternativa de moradia no modelo de subdivisão de lotes das SMPW do Setor de chácaras do Lago Sul, Norte e Park Way e em condomínios irregulares, fruto de parcelamento de áreas rurais próximas a esses bairros. Outras áreas, principalmente rurais, parceladas irregularmente para a criação de “condomínios”43, porém, estes de baixa renda são o Sol Nascente, na face Sul da Ceilândia, Mestre d’ Armas e Aprodarmas, em Planaltina, em outros em Brazlândia e na Região Administrativa de São Sebastião. A expansão urbana dirigida pelo governo, fruto da criação de novas “cidades”, se deu principalmente entre os anos de 1988 e 1994. Após esse período, o aglomerado urbano, como um todo, sofreu um processo de adensamento, a ser aprofundado na Parte III do trabalho. “No Distrito Federal, pode-se classificar, de acordo com as características socioeconômicas, as Regiões Administrativas – RA’s em três grandes grupos: Grupo 01 (de renda mais alta) – RA’s do Plano Piloto, Lago Norte e Lago Sul, com participação de 16% da PEA. Grupo 02 (renda intermediária) – RA’s do Gama, Taguatinga, Guará, Sobradinho, Planaltina, Cruzeiro, Candangolândia, representando 44% da PEA. Grupo 03 (renda mais baixa) – RA’s de Ceilândia, Brazlândia, Samambaia, Paranoá, Santa Maria, São Sebastião, Riacho Fundo e Recanto das Emas, com participação em 40% da PEA.” (PDOT/DF 1997 – Documento Técnico) 43 Em Brasília, convencionou-se usar a terminologia “condomínio” para designar parcelamentos urbanos clandestinos feitos em áreas originalmente rurais, já que até 1992, data da publicação do primeiro PDOT, a cidade não possuía legislação que regulamentasse o parcelamento de glebas por particulares, e estes eram levados a utilizar a figura do condomínio rural para a criação de parcelamentos à margem da Lei. 57 FIG. 1.13. Brasília – Classes de Renda (em Salários Mínimos). Fonte: PDOT/2009 – Sedhab/DF. Os núcleos periféricos ao PPB, após algumas décadas, passaram a apresentar uma configuração espacial mais integrada entre si e ao conjunto. Com exceção dos Guarás e Águas Claras, todos apresentam renda média familiar inferior a 1,5 salário mínimo. A renda média do PPB – constituído das Asas Sul e Norte, e setores Sudoeste e Park Way –, somado à dos Lagos Sul e Norte, é superior a sete salários mínimos. Ou seja, existe uma clara segregação social expressa na estrutura espacial de Brasília. 58 I.4 Brasília: Concepção Urbana e Planejamento Moderno “Thomas Morus, no período renascentista, utiliza o mesmo recurso de pensar um ‘lugar nenhum’ para idealizar uma nova sociedade. Em seu livro Utopia, ele descreve a organização social de uma ilha que não figurava em nenhum mapa da época, povoada por uma sociedade ideal, distribuída por 54 núcleos urbanos, todos iguais. Nessa ilha a propriedade privada tinha sido abolida, sendo que seus moradores habitavam as casas que de 10 em 10 anos eram distribuídas à população por sorteio e sua ocupação era gratuita. Todos os inquilinos tinham que trabalhar pelo menos seis horas por dia, sendo que o trabalho era organizado de forma racional com uma divisão funcional de tarefas.” (Campos, 2003: 15) O Processo de formação de Brasília, entendida como um conjunto polinucleado com um centro urbano fortemente polarizado, o Plano Piloto, deve ser estudado à luz de um contexto nacional e regional, já que, além de ser uma cidade de implantação planejada, sua realização faz parte da concretização de um projeto nacional de promover a interiorização do desenvolvimento econômico e a integração do território (Ipea, 2001). “A cidade de princípios urbanísticos modernistas (Brasília) é produzida para ser a capital de um país, num momento histórico onde (sic) o pensamento hegemônico da economia política brasileira se baseava nas teorias do nacional-desenvolvimentismo capitalista com forte presença do Estado.” (Oliveira, 2008: 60) Outras cidades brasileiras já haviam sido implantadas, fruto de um planejamento prévio, em territórios fracamente povoados, como Belo Horizonte, Goiânia, Londrina e Aracaju. Contudo, a criação dessas cidades não ocasionou mudanças regionais como as ocorridas no Centro-Oeste brasileiro, com Brasília. A dimensão dessas mudanças foi proporcional à intensidade dos investimentos em infraestrutura nessa cidade, como rodovias conectando o planalto central aos confins do território e na importância estratégica que Brasília teve como signo de poder e desenvolvimento, inserido numa estrutura capitalista global (Farret, 1985). O crescimento do aglomerado urbano de Brasília, num período de 50 anos, foi sem precedentes. Passou de uma população de cerca de 130 mil pessoas em 1960, na inauguração, a 2,5 milhões de habitantes em 2007, segundo o censo demográfico do IBGE. Isso ocorreu apesar da determinação governamental de restringir as funções da cidade, desde o início, à de cidade administrativa e marco da expansão da fronteira agrícola no Brasil central. Essa determinação foi sustentada desde a sua inauguração e após a retomada de investimentos, depois do golpe militar de 1964, e perdura até os dias de hoje. 59 Contudo, segundo Quinto Jr. e Iwakami44, mesmo sem a implantação de indústrias dentro do quadrilátero do Distrito Federal, a possibilidade de absorção da mão de obra rural e integração desse contingente populacional ao complexo processo de urbanização por que passava o país nas décadas de 1950 e 1960 atraiu populações dos estados vizinhos e até mais distantes, do Norte e Nordeste. Dessa forma, o plano original de se construir Brasília – o Plano Piloto, apenas como sede do funcionalismo estatal, sem considerar áreas, dentro da cidade, para a moradia da população trabalhadora da construção civil, por exemplo – gerou, desde 1958, a necessidade da criação de núcleos habitacionais populares ligados ao Plano Piloto. Com essa finalidade, a Novacap criou Taguatinga (1958), Cruzeiro Velho (1958), Sobradinho (1960), Gama (1960), fixou o Núcleo Bandeirante (1967) e criou o Guará (1969). Contudo, essas “cidades satélite” não tinham autonomia funcional em relação ao centro urbano, o Plano Piloto. Os moradores desses assentamentos dependiam do centro para ter acesso a serviços, comércio e empregos. “Conforme previsto no projeto original do Plano Piloto de Brasília, as cidades-satélite (sic) só deveriam ser implantadas após a ocupação total da sede, projetada para uma população de 500 mil habitantes. Entretanto, já em 1958, mesmo antes da inauguração de Brasília, tornou-se premente a criação da primeira cidade-satélite, Taguatinga, para abrigar moradores das invasões existentes na área de inundação do lago Paranoá.” (Quinto Jr. e Iwakami, 1991: 58) A população com menores recursos, dentro da cidade, tende a carecer de alternativas habitacionais adequadas, fenômeno comum em praticamente todas as metrópoles dos países em desenvolvimento. Essa camada populacional sofre um processo histórico de expulsão das regiões centrais e de maior acessibilidade pelas infraestruturas viárias, e configuram extensos bolsões de pobreza nas periferias urbanas. Apesar de alguns ainda se surpreenderem com o fato, Brasília, mesmo tratando-se de uma cidade planejada e extremamente controlada pelas políticas governamentais, foi alvo de processos semelhantes de ocupação espacial, típicos das demais cidades brasileiras não planejadas, com algumas particularidades, as quais abordaremos no decorrer deste estudo. O Plano Piloto, projeto de Lucio Costa, foi tombado como patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1987, fruto do empenho do governo e da sociedade. O tombamento do Plano Piloto de Brasília, projeto eminentemente moderno e reconhecidamente único, contribuiu, segundo alguns autores, para o agravamento da 44 Quinto Jr. e Iwakami, 1991: 58. 60 problemática da segregação espacial no conjunto urbano, já que o desenho moderno de baixa densidade, aliado às extensas áreas de parque circundante ao plano, associadas à escala bucólica, como citada por Lucio Costa no documento Brasília Revisitada, transformam o Plano Piloto num grande mar de terrenos arborizados com edificações esparsas. O tipo de desenho urbano moderno plasmado no Plano Piloto de Lucio Costa, cuja circulação viária foi feita dentro de uma lógica diferente das cidades tradicionais, com cruzamentos viários de características rodoviárias e onde há a necessidade da manutenção de extensos gramados e áreas verdes, comprovou ser verdadeiramente oneroso para o Estado, em função da extensão das infraestruturas viárias, elétricas, hidro sanitárias e de drenagem pluvial, não tendo sido repetido nos núcleos urbanos periféricos. Contudo, é marcante a precariedade da qualidade urbana de alguns núcleos urbanos periféricos de Brasília, fator que fica agravado em face do contraste com a alta qualidade dos espaços do PPB, e esse fato gerou inúmeros estudos e teses que associam a segregação socioespacial e o desenho urbano moderno. Contudo, a cidade é uma representação física da sociedade que a constrói e planeja, e apesar do projeto urbano moderno conter em sua gênese a ideia da melhoria da condição de vida para a maioria da população, em Brasília esse projeto se prestou aos objetivos estabelecidos pelo Estado, e este se prestou aos objetivos estabelecidos por quem o legitima – a classe dominante. A constatação dessa realidade já em 1974 – quando da realização do Seminário de Problemas Urbanos de Brasília, organizado pelo Senado Federal, que teve a presença de Lucio Costa e Oscar Niemeyer – demonstra a intensidade dos problemas demonstrados na Capital já naquela época. “Em razão da necessidade de se preservar o Plano Piloto na sua característica de cidade administrativa, o assentamento em massa da população, particularmente a de mais baixa renda, foi sendo transferido sucessivamente, em sua quase totalidade, para áreas mais periféricas, que se transformaram em cidades-satélites (sic)” (PDOT/DF 1997 – Documento Técnico). (...)”51,36% das terras45 do Distrito Federal foram integralmente desapropriadas; 33,28%, praticamente um terço do território, ainda se encontram nas mãos de particulares; 8,53% foram desapropriadas parcialmente, e 6,83% estão em processo de desapropriação” (PDOT/DF 1997 – Documento Técnico). 45 Dados fornecidos pela Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap. 61 “A Política Fundiária que se estabeleceu no transcorrer dos anos, levou a que todo o patrimônio fundiário do Distrito Federal fosse gerenciado de forma desvinculada da política habitacional e não encarado sob uma perspectiva social. Além disso, não se dispunha de uma política urbana que minimizasse os efeitos da especulação imobiliária. Ao contrário, os procedimentos adotados pela TERRACAP para a liberação de terrenos, ao lado das constantes alterações das normas de uso e ocupação do solo, foram usados constantemente para favorecer empreendedores privados.” (PDOT/DF, 1997 – Documento Técnico) Segundo Oliveira, a incapacidade do ideário moderno de sobrepujar a desigualdade na sociedade brasileira gerou uma reação de desconfiança em relação à eficácia do próprio planejamento como ferramenta de gestão do território. “Fia-se no entendimento que a formação social brasileira e do Estado moderno brasileiro foram determinantes para a não realização plena da ideia de transformação social pretendida pela implementação do planejamento urbano modernista. Por isso a decepção do arquiteto e urbanista moderno concretiza dois tipos de críticas: à ineficiência do planejamento total como ferramenta; e ao Estado como agente que não toma este planejamento como vital à transformação social. Esse sujeito, com dificuldade, reconhece a força das mudanças sociais que operam no conjunto social.” (Oliveira, 2008: 60) Segundo Gouvêa (1988, apud Oliveira, 2008: 61), os princípios expressos na Carta de Atenas, que inspiraram o desenho urbano do Plano Piloto e das cidades satélites, convergiram para os interesses das classes dominantes. Para esse autor, Brasília teria servido “como objeto de reprodução de ações de controle social desenvolvidas pela FCP (Fundação da Casa Popular) e pelo próprio BNH (Banco Nacional da Habitação), por meio da disseminação da ideologia da casa própria”. Contudo, Oliveira (2008: 61) ressalta que o Estado “tem que garantir as formas adequadas para a reprodução das relações sociais da sociedade que o legitima”. Não é a forma ou preceitos do projeto moderno que determina o resultado final, nem as ações de instituições específicas do Estado, mas o conjunto da atuação deste46. 46 Oliveira, 2008: 61. 62 Fig. I.14. Tipologia sócio-espacial do Aglomerado Urbano de Brasília. Fonte: Alex da Guia in Freitas, 2009. Ainda segundo Oliveira, o Estado faz uso do discurso ideológico disponível no sentido de reafirmar certos contextos que lhe interessam. Ele apoia o ideário moderno da Carta de Atenas quando lhe convém, no sentido de reproduzir as relações necessárias à manutenção do seu “aparelho”. O indivíduo que faz parte da sociedade e está inserido em seu contexto inevitavelmente se constituirá num produto dessa ideologia, em que, por exemplo, a ideia da necessidade da casa própria passa a ser um requisito do sujeito enquanto integrante dessa sociedade47. Por esse e outros motivos, Brasília, mesmo tendo sido uma cidade originada a partir de um poético projeto urbano modernista, foi uma realização do Capital por excelência. Foi implantada no centro do país a fim de expandir as fronteiras econômicas naquela direção e ampliar os mercados para o Sudeste, já industrializado. Além disso, a cidade deveria preencher uma agenda de ícone nacional e internacional, e de representar a prosperidade e um desenvolvimento que não era completamente sólido. O Plano Piloto funcionou, nesse aspecto, como um estandarte ideológico para vários governos, de forma que era conveniente ter sempre os sinais do Brasil da miséria e do subdesenvolvimento bem “escondidos” em cidades satélites e mesmo no entorno do Distrito Federal. 47 Idem. 63 PARTE II 64 II. A CIDADE INFORMAL NO BRASIL – CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO “(...) a maior parte das nossas cidades se constitui de imóveis ilegais, tanto quanto ao uso ilegal do solo e a ilegalidade das edificações, se observados a Lei do Parcelamento do Solo, o Código de Obras e a Lei do Zoneamento” e “mesmo em relação à cidade formal, as administrações municipais são ineficazes em virtude da fragmentação de competências” (Maricato, 2000, apud Barbosa, 2008: 240). As cidades brasileiras cresceram rapidamente nas últimas décadas, a ponto de, atualmente, mais de 80% da população viver em áreas urbanas, taxa acima da média dos demais países em desenvolvimento da América Latina48. Segundo Fernandes (2007: 01), como resultado da urbanização, o Brasil tem cada vez mais apresentado processos de exclusão social, crise habitacional, segregação espacial, violência urbana e degradação ambiental. E a exclusão está associada a um processo histórico de concentração de riquezas e terras nas mãos de uma pequena parcela da sociedade, além da permanência de uma legislação urbana que não possibilitava o acesso do pobre à terra. (Saule Jr., 2006: 15). Segundo dados da Cepal, pelo menos 40% da população urbana vivem informalmente na América Latina. No Brasil, segundo Fernandes (2007: 01), mais da metade da população vive em favelas, loteamentos irregulares e clandestinos e outras formas de ocupação precária. Em Brasília, entendida neste trabalho como o aglomerado urbano inserido dentro do perímetro do Distrito Federal, 24% da população vive em favelas ou loteamentos irregulares/clandestinos (Supar/Seduh, 2006). Na RIDE49, como vimos na Parte I deste trabalho, uma porcentagem bem maior da população vive em loteamentos clandestinos/irregulares, com índices de precariedade urbana bem superiores aos do Distrito Federal (Ipea, 2001). A cidade informal é composta por aquelas áreas da cidade onde houve um tipo de apropriação da terra urbana que não fez uso do mercado formal de compra e venda e locação (Abramo, 2003). A cidade informal inclui áreas de baixa, média e até alta renda e em variadas localizações na cidade, prioritariamente em áreas de menor valor da terra urbana, mas também em locais onde não há a permissão de ocupação urbana. Alguns exemplos são as várzeas dos rios, áreas de relevo acidentado, morros e áreas de reserva ambiental (Saule Jr., 2003: 64). E uma das principais características estruturais do processo 48 Fernandes, 2007. Segundo esse autor, em média, 75% da população dos países em desenvolvimento da América Latina vivem em cidades. 49 Região Integrada de Desenvolvimento Econômico de Brasília. 65 de urbanização no país e também na América Latina é que a produção social do espaço urbano tem se dado cada vez mais através de processos informais de acesso ao solo urbano e à moradia nas cidades (Fernandes, 2007; Abramo, 2003). II.1. O Padrão Periférico de Expansão Urbana Segundo Grostein (2001: 05), o padrão brasileiro de urbanização tem duas características constantes: sua insustentabilidade no que diz respeito aos processos de expansão e transformação urbana e a exclusão de parcelas significativas da população de uma condição satisfatória de vida na cidade. A autora denota que esse padrão de expansão urbana materializa na cidade uma clara diferenciação de espaços: aquele da cidade formal, onde há investimentos por parte do Estado, e outro – o da cidade informal, “que cresce exponencialmente na ilegalidade urbana, sem atributos de urbanidade, exacerbando as diferenças socioambientais” (Grostein, 2001: 01). Segundo Smolka (2003: 119), a literatura e documentos oficiais sobre a informalidade no acesso ao solo urbano na América Latina consideram esse um fenômeno resultante da pobreza urbana, principalmente em função do alto custo do solo urbanizado no mercado formal. Esse autor, contudo, verifica que recentemente há a tendência de se responsabilizar a sobre-regulação do solo urbano como causa, já que as condições definidas pela legislação são inalcançáveis pela população de baixa renda (Smolka, 2003: 120). Essa última hipótese é considerada por Smolka “um passo adiante em relação às hipóteses convencionais”, ligadas à delinquência, pobreza, incapacidade administrativa do poder público e omissão, já que relaciona o problema da informalidade urbana com o conjunto de políticas urbanas praticadas no âmbito local do município (Smolka, 2003: 121). Em Brasília, como veremos na Parte III deste trabalho, a informalidade urbana tem estreita relação com as políticas urbanas adotadas pelo Estado e é consequência não apenas de fatores socioeconômicos, mas uma conjuntura de fatores inter-relacionados. De fato, a pobreza urbana é um componente quase onipresente da cidade informal, mas a conclusão que se pode chegar a partir desse fato é que a dificuldade de acesso à moradia de qualidade nas cidades é um aspecto da pauperização social. Contudo, a cidade informal em Brasília, por exemplo, inclui não apenas parcelamentos clandestinos e irregulares de baixa renda, mas de média e até alta renda. Desse modo, verifica-se que a informalidade urbana engloba aspectos de outras ordens que não apenas a carência de recursos. A cidade informal adquire uma série de nuances se observada do ponto de vista da sua 66 importância mercadológica, por exemplo, quando a ausência de entraves burocráticos e formalidades legais faz com que as transações econômicas sejam mais dinâmicas e rentáveis que no mercado imobiliário formal. Brasília, assim como as demais cidades brasileiras, lida com limitações e problemas institucionais no controle do solo urbano. Esses problemas incluem variadas instâncias, desde a omissão na fiscalização das irregularidades urbanas devidas a fatores como reduzido número de agentes fiscais até a conivência de instâncias do poder público com a permanência de situações urbanas inadequadas, passando por questões como desconhecimento dos cidadãos em relação às normas urbanísticas e edilícias, cadastro imobiliário desatualizado, etc. O resultado disso é o grande número de situações de ilegalidade urbana – obras sem alvará, ocupação irregular de logradouros públicos, ocupações de áreas públicas e privadas, loteamentos irregulares e clandestinos, entre outros. Segundo Abramo (2003: 07), na maioria das cidades latino-americanas, o acesso à terra urbana se dá por meio da informalidade fundiária e/ou urbanística. Esse autor explica que o acesso à terra para os pobres se dá por meio de três grandes lógicas de ação social. A primeira é a lógica de Estado, segundo a qual a sociedade civil e os indivíduos se submetem a uma decisão do poder público, que decide em relação à forma, à localização e ao público alvo que terá acesso à moradia e à terra urbana, tendo em vista que o Estado assume a responsabilidade da escolha que garanta o melhor bem-estar social. A segunda é a lógica de mercado, a partir da qual o mercado é o mecanismo social que possibilita o encontro entre os que desejam consumir a terra urbana e os que desejam negociá-la. A lógica de mercado pode assumir características institucionais diferentes, de acordo com o vínculo que o objeto negociado (terra) estabelece com as normas jurídicas e urbanísticas de cada cidade ou país. O mercado formal requer objetos que se enquadrem em pré-requisitos de “normalidade” jurídica e urbanística. O mercado informal é aquele onde o objeto transacionado não se enquadra dentro das normas jurídicas e/ou urbanísticas vigentes (Abramo, 2003: 08). A terceira é a lógica da necessidade, a partir da qual a lógica de acesso à terra se pauta pela condição de pobreza do indivíduo – ele é incapaz de dispor de recursos monetários que possibilitariam o acesso ao mercado. Segundo Abramo (2003: 08), à carência de recursos financeiros soma-se a “carência institucional”, seja por um déficit de “capital político” 67 (produto de uma situação de conflito ou o resultado de práticas populistas) (Abramo, 2003: 08). Dessa forma se dá a ocupação, coletiva ou individual, de terrenos públicos ou privados e imóveis vazios que caracteriza as áreas de favelas, villas, barriadas50, palafitas etc. A cidade informal se caracteriza por incluir áreas ocupadas segundo a lógica da necessidade e/ou uso de relações de mercados informais. É uma parte significativa do solo urbano na América Latina, na qual o Brasil se insere como dramático representante e onde a cidade da informalidade se mostra um desafio de difícil controle para a promoção de cidades com maior equidade urbana e social. II.2. A Cidade Informal – Nomenclatura e Definições Segundo Cardoso (2008: 01), a situação de precariedade habitacional na cidade envolve várias formas de expressão além da favela, a mais comum e de maior visibilidade. A precariedade se apresenta nas formas de loteamentos irregulares, loteamentos clandestinos, cortiços e conjuntos habitacionais degradados, correspondendo cada denominação a uma forma específica de processo de produção desses assentamentos. De forma geral, os cortiços caracterizam-se como moradias de aluguel, habitação geralmente composta de apenas um cômodo, onde o sanitário e outras instalações são coletivas. Surgem, na maioria dos casos, da subdivisão de edificações antigas em áreas centrais, que passaram por processo de esvaziamento econômico e/ou transformação de uso. Loteamentos correspondem a processos de parcelamento do solo em que existe um agente econômico responsável pela subdivisão e pela venda. O que diferencia os loteamentos irregulares dos clandestinos é o fato de os primeiros serem parcelamentos cujo processo de regularização não foi cumprido de forma integral, o que pode significar a não conformidade aos parâmetros de uso e ocupação do solo, às exigências relativas à infraestrutura, ao não cumprimento de procedimentos administrativos para a aprovação de projeto ou para habitese, irregularidades de documentação, não exigência de profissional responsável pela execução do projeto ou da obra, entre outras. Os Loteamentos Clandestinos são aqueles parcelamentos efetuados sem qualquer iniciativa de licenciamento, ou seja, empreendimentos sobre os quais não há registro oficial pelo poder municipal (Cardoso, 2008: 05-06). 50 Villas: favelas mexicanas; barriadas: favelas argentinas. 68 Segundo Pasternak (2009: 01), a irregularidade do loteamento ocorre em razão de irregularidades urbanísticas e jurídicas. As irregularidades jurídicas decorrem de obstáculos para o registro, como incorreções no título de propriedade da gleba. Entre as irregularidades urbanísticas, têm-se: - “O loteador obtém a aprovação do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do Município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, mas não executa as obras de infraestrutura necessárias que constavam do projeto aprovado. - O loteador não executou vias públicas de circulação e/ou a demarcação de logradouros públicos (implantação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público). - O projeto de loteamento foi aprovado pelo Poder Público, mas a obra não atende ao traçado oficial do loteamento. - Combinações diversas entre os itens acima” (Pasternak, 2009: 01). Segundo o IPEA (Ipea, 2002, apud Pasternak, 2009), pode-se sintetizar a conceituação das ocorrências na cidade informal da seguinte forma: “Parcelamento regular, quando está de acordo com a legislação federal, estadual e municipal. O parcelamento só é considerado regular quando: aprovado pela prefeitura, executado segundo o projeto aprovado e registrado no Cartório de Imóveis. Parcelamento irregular, quando possui o projeto de parcelamento aprovado, porém está em desacordo com as exigências físicas, jurídicas ou administrativas. As situações de irregularidade podem ser as seguintes: - técnicas são relativas ao cumprimento das diretrizes do parcelamento, uso e ocupação sintetizados no ato de aprovação; - físicas são relativas à implantação do loteamento e às condições dotação de infraestrutura conforme a respectiva aprovação; - jurídicas são relativas à garantia do direito de propriedade, inerentes à forma de aquisição, à destinação e à localização do terreno; - administrativas são relativas às condições de registro do parcelamento e ao seu cadastro. Permitem o controle da ocupação do solo, da circulação e dos serviços urbanos; Parcelamento clandestino, quando é executado sem nenhuma licença e está em desacordo com as exigências jurídicas e administrativas, podendo também não cumprir as exigências físicas e técnicas; (...) Cortiço: habitação coletiva precária de aluguel. O caráter coletivo é dado pela coabitação de várias famílias. A precariedade habitacional decorre do congestionamento e das condições de insalubridade” (IPEA, 2002, apud Pasternak, 2009). 69 A definição de favela e seus similares – “invasões”, mocambos, malocas, palafitas, entre outros tipos de habitações autoconstruídas, precárias e localizadas em áreas sem título de propriedade – se refere a áreas que se caracterizam pela ocupação irregular do solo, público ou privado, frequentemente com tipologia irregular e com padrões urbanísticos inferiores aos mínimos exigidos pela legislação. Para o IBGE, essas áreas são denominadas de “aglomerados subnormais”. Em Brasília, exemplos de aglomerados subnormais são a Vila Paranoá, Vila Varjão e Vila Estrutural, comumente chamadas, na cidade, de “invasões”. O Censo demográfico do IBGE começou a fazer levantamentos em áreas de favela a partir de 1950, e, ao longo das décadas seguintes, várias nomenclaturas, metodologias de mensuração e definição foram adotadas. O termo “favela” foi utilizado até 1960. Em 1980, passou-se a adotar a denominação de “setor especial de aglomerado urbano”; e, em 1991, passou a ser denominado de “aglomerado subnormal”. Consideramos o termo “subnormal” inadequado, uma vez que os padrões de “anormalidade” e subnormalidade são costumeiramente associados a fatores negativos, e hoje sabemos que a favela é parte integrante da cidade e com aspectos espaciais distintivos. Essa parcela da cidade informal segue a lógica de acesso à cidade correspondente à lógica da “necessidade”, como já foi dito, apesar de, uma vez instalada, passar a integrar o mercado informal de terra urbana. Seus ocupantes se caracterizam por não terem outra forma de acesso à moradia na cidade que não através da ocupação irregular. Farret e Campos (2005), em seu estudo sobre a estrutura informal do solo no Distrito Federal em áreas de assentamentos populares informais consolidados, revelam que, apesar de essas áreas terem como característica socioeconômica uma população de renda até três salários mínimos, nelas há uma significativa movimentação de compra e venda. (Vide parte III do Trabalho – Vila São José, Vila Estrutural e Itapuã.) II.3. Loteamentos Clandestinos/Irregulares em Brasília “Durante a abertura política, ocorreu uma série de mudanças legislativas importantes depois do fenômeno, que explodiu nos anos 70, do crescimento informal das cidades, dos loteamentos clandestinos irregulares. Houve pressão no sentido de modernizar a lei, de criar um paradigma jurídico mais equilibrado, e foi criado o conceito de função social da propriedade. Foi só na Constituição de 1988, que, pela primeira vez, se reconheceu que o Brasil é urbano. Os municípios ficaram obrigados a organizar seus territórios para dar função social à propriedade e à cidade.” (Fernandes, 2009: s/n) 70 Em Brasília, os loteamentos ilegais existem desde o início da implantação da cidade. Segundo Malagutti (1998: 152), em 1966 já se encontrava consolidado o loteamento clandestino “Nossa Senhora de Fátima”, localizado na Fazenda Mestre D´Armas, próximo a Planaltina. Em 1975 surgiu o primeiro empreendimento imobiliário em área rural – o “Country Club Quintas da Alvorada”, posteriormente chamado de “condomínio Quintas da Alvorada”, localizado na Fazenda Taboquinha, entre as cabeceiras do ribeirão da Taboca e do córrego Mata Grande –, um padrão que foi seguido por muitos outros loteamentos ilegais surgidos na cidade nas décadas de 1980 e 1990, conforme veremos na Parte III. Em 1985, segundo dados do levantamento do Grupo de Estudos criado pelo governo à época para buscar uma solução para o problema, havia cerca de 150 loteamentos clandestinos na cidade. Em 1989, quando da promulgação da Lei nº 54/1989, que dispunha sobre a regularização ou desconstituição de parcelamentos urbanos implantados no território do Distrito Federal, sob a forma de loteamentos ou condomínios de fato, constatouse a existência de 170 empreendimentos. Em 1992, na época da elaboração do primeiro PDOT da cidade, esse número já seria de 200 empreendimentos. Já em 1995, a partir de um novo levantamento, esse número seria de 529 empreendimentos cadastrados, incluídos nesse cômputo parcelamentos implantados ou não (Malagutti, 1998: 153). Em 2006, segundo levantamento realizado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDUH, a cidade abrigava 347 parcelamentos informais, dos quais 317 eram parcelamentos urbanos informais que se encontravam implantados (SEDUHSUPAR, 2006). “A população residente nos parcelamentos urbanos informais implantados corresponde a 533.578 habitantes, ou seja, 24% da população do Distrito Federal, estimada em 2.383.614 habitantes para o ano de 2006.” (SeduhSupar, 2006) A reprodução e a permanência desse padrão de urbanização na cidade apontam para a incapacidade recorrente do Estado em gerir e fiscalizar o uso e a ocupação do solo e atuar como controlador, financiador ou provedor de moradia para as populações com menos recursos. Isso se deve a uma forma liberal de encarar o uso do solo urbano que dá ao proprietário da terra o direito de auferir lucros com ela, especulativamente, sem se responsabilizar com a consequência social de suas ações. 71 Em Brasília, cuja maior proprietária de terras é uma empresa estatal – a Terracap51 –, esse modelo não é diferente. Essa empresa, como representante dos interesses do Estado e consequentemente de seus mantenedores, reproduz, a partir do tipo de oferta de lotes e preços praticados, essa mesma lógica de exploração da terra urbana. As restrições de uso e ocupação do solo contribuem para o encarecimento do solo nas áreas centrais, com a consequente expulsão das populações mais pobres para as áreas de periferia. Esse processo findou por expandir a cidade horizontalmente ao longo das décadas, deixando grandes vazios em seu caminho. Segundo o Ministério das Cidades (apud Fernandes, 2009: s/n), há quase seis milhões de imóveis vazios ou subutilizados, públicos e privados, nas grandes cidades brasileiras – áreas de reserva para a especulação imobiliária. Paradoxalmente, há um déficit de oito milhões de moradias no país, demanda que não deverá ser atendida pelos atuais programas habitacionais sociais, já que o “Minha Casa Minha Vida”, por exemplo, apenas atinge a população acima de três salários mínimos – dos oito milhões, 93% são de famílias com renda inferior a três salários mínimos52. Segundo Grostein (2001), o padrão periférico de urbanização praticado no Brasil evidencia uma série de características inerentes a essa forma de fazer cidade. A ilegalidade urbana em relação à posse da terra, além de fator de exclusão social da população de baixa renda, é o principal agente do padrão de segregação espacial que caracteriza as cidades brasileiras. “A negligência do Estado em suas diferentes instâncias, com a construção das cidades e a formulação de uma política de desenvolvimento urbano; a ilegalidade como fator estrutural na dinâmica de expansão urbana das metrópoles brasileiras; o lote urbano precário, a casa na favela e o aluguel de um quarto em cortiços como as alternativas predominantes para resolver o problema de moradia dos pobres nas metrópoles; a ausência de uma política habitacional metropolitana; a insuficiente produção pública de moradias sociais em face da demanda; e o descaso absoluto da sociedade e do poder público com os problemas socioambientais decorrentes, com a construção das cidades e a formulação de uma política de desenvolvimento urbano.” (Grostein, 2001: 06) 51 Companhia Imobiliária de Brasília. Entrevista de Edésio Fernandes para o Estado de São Paulo; Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,bolsoes-de-sonhos-perdidos,353554,0.htm. “Bolsões de sonhos perdidos: As lições que África do Sul e Chile nos ensinam sobre a construção de casas populares não podem ser ignoradas.” 11 de abril de 2009. Acessado em Junho de 2011. 52 72 Segundo Fernandes (2007), o pobre também foi historicamente empurrado para as periferias porque, quando a administração dos municípios começou a ordenar seu território, com leis de uso do solo e zoneamento, eles não previram um espaço para as classes de renda mais baixa. O paradigma da legislação tradicionalmente aplicado no Brasil, com excessivos requisitos técnicos, se por um lado tem em vista garantir que haverá bons padrões para a habitação e urbanização, por outro não reflete a realidade brasileira. O alto custo do lote legalizado e o financiamento público subsidiado pelos fundos financiadores findam por atingir apenas a população com renda superior a três salários mínimos, pelas necessidades de garantias que esses empréstimos requerem. O documento técnico do PDOT/DF 2009, que faz a revisão e a atualização do PDOT 1997, credita muitos problemas de ordenamento territorial no Distrito Federal, hoje, às questões fundiárias, sobretudo relacionadas ao processo de desapropriação de terras do quadrilátero do Distrito Federal nas décadas de 1950 e 1960, deixado inacabado (Oliveira, 2008); também à precariedade dos títulos de domínios das terras e à imprecisão na demarcação das terras públicas e particulares. “A indefinição da titularidade da propriedade da terra, a carência de moradia, o monopólio do Estado no parcelamento e na comercialização das terras, a falta de uma política de financiamento para a habitação, sobretudo para classe média, e a especulação imobiliária, entre outros fatores, provocaram no Distrito Federal o surgimento de numerosos parcelamentos ilegais do solo, em áreas públicas e privadas.” (PDOT/DF 2009: 104) A situação fundiária das terras do Distrito Federal compreende diferentes situações jurídicas, que, segundo Oliveira (2008), também concorrem para aumentar o quadro de ilegalidade no processo de urbanização. Segundo o PDOT/DF 2009, no território do Distrito Federal encontram-se: - “terras devolutas, de domínio público, que não se acham no domínio particular por qualquer título legítimo e não foram objeto de ação discriminatória; - terras públicas, agregadas ao patrimônio público por desapropriação ou doação; - terras particulares registradas no Cartório de Registro de Imóveis do Distrito Federal; - terras públicas e particulares em regime de propriedade comum, adquiridas pela Terracap – Companhia Imobiliária de Brasília – por desapropriação ou compra e venda, ainda não submetidas ao competente processo legal ou amigável de divisão; - terras cujos proprietários são desconhecidos, designadas como terras em exame pela Terracap” (Souto Maior, 2006, apud PDOT/DF, 2009: 105). 73 II.4. A Cidade Informal no Brasil – Breve Retrospectiva Fazendo-se uma breve retrospectiva do processo de expansão das áreas urbanas brasileiras – e, consequentemente, de suas áreas habitacionais –, verificamos que o declínio da produção agroexportadora e o aumento da produção manufatureiro-industrial, em fins do século XIX, somados à abolição da escravatura e à modernização tecnológica da produção agrícola, ocasionaram a primeira crise habitacional nas cidades brasileiras, onde, até então, havia relativo equilíbrio. Segundo Gordilho-Souza, esse equilíbrio era deficiente, e constituído entre áreas mais nobres, localizadas no centro, e áreas proletárias, localizadas nos limites intraurbanos. Conforme essa autora, predominava, então, o sistema de aluguel de casas, arrendamento e aforamento de terras, principalmente em relação aos grupos de baixa e média rendas, uma vez que os proprietários das terras formavam a alta renda, e mantendo um incipiente mercado de lotes urbanos (Gordilho-Souza, 2008: 37). Cada grande centro urbano teve seu próprio processo distinto de urbanização, mas com resultados, em termos de padrões de informalidade urbana, bastante parecidos. São Paulo, por exemplo, teve um processo de urbanização acelerado e precoce em relação ao restante do país, em virtude do investimento dos excedentes da economia cafeeira. Antes do fim do século XIX, os cortiços do centro já eram superpopulosos, e a municipalidade buscava soluções para as grandes concentrações insalubres. A “vila higiênica”, como eram propostas, na época, as vilas operárias junto às fábricas e que seguiam padrões de higiene estipulados pela prefeitura, eram, em sua maioria, em sistema de aluguel e pertenciam à própria fábrica. Esse sistema durou até que o fluxo migratório se mostrasse impossível de ser atendido dentro desses moldes, mantendo-se a margem de lucro do industrial capitalista. A forma de moradia possível para abrigar a quantidade sempre crescente de recém-chegados do campo a cidade a partir de então será a casa individual e autoconstruída, em situação fundiária regular, irregular ou ilegal, expandindo-se a cidade horizontalmente por meio da criação de loteamentos populares de periferia e formando-se novos bairros. As cidades Brasileiras têm crescido de forma desordenada desde a década de 1980, devido a um processo de urbanização acelerada vigente nos países capitalistas em desenvolvimento. Esse processo se relaciona com as demandas de eficiência do capitalismo monopolista vigente e contribui para acirrar os processos especulativos em relação à 74 produção de riqueza com o uso do solo urbano. Essa é uma realidade das grandes metrópoles do terceiro mundo – crescem de forma que o Estado não consegue e não se dedica a gerir. Dessa forma, as cidades se expandiram de modo intenso, compondo grandes regiões metropolitanas, com imensas periferias empobrecidas, onde o habitar é precário. “Na década de 80, as periferias das nove regiões metropolitanas cresceram 3,1%, enquanto o município-sede apresentou índices da ordem de 1,4% (Ipea, 1997:190). Esse crescimento ocorreu apesar de o processo de metropolização ter-se atenuado, com a taxa de crescimento populacional passando de 3,8%, na década de 70, para 2%. Ainda assim, as metrópoles absorveram 30% do crescimento demográfico do país na década de 80, recebendo 8,3 milhões de novos moradores (Ipea, 1997:190-191). Para o mesmo período, os dados do IBGE apontam índices significativos de crescimento da população residente em favelas (118,33%) e de domicílios situados em favela (133,19%), destacando-se o aumento nas regiões de Belém, Recife, Curitiba e São Paulo.” (Grostein, 2001: 02) No caso de Brasília, a intensa migração das décadas de 1960 e 1970 e o aumento populacional vegetativo pelos quais passou, apenas dentro do quadrilátero do Distrito Federal, sem considerar todo o território da RIDE, fez com que a cidade chegasse a uma população de 1,8 milhões de habitantes em meados dos anos 1990, e, em 2010, a uma população urbana de 2,6 milhões. Essas altas taxas de crescimento populacional de Brasília foram sem precedentes no Brasil, no caso da implantação de uma nova capital, e foram sempre mais altas que no restante do país. Nos primeiros anos de implantação da cidade, deviam-se à propaganda governamental da possibilidade da oferta de empregos na construção civil, aliada às sucessivas crises econômicas que penalizavam as pequenas cidades do norte e do nordeste, além da decadência dos antigos modos de produção agrícola. “O afluxo populacional (para Brasília) foi de tal porte que, a partir dos trabalhadores pioneiros (cerca de 500, em fins de 1956), a população passou de 12.700, em 1957, para 64.314, em 1959, e para 127.000, quando da inauguração da cidade, em 1960.” (FIBGE, in Paviani, 1985) Em Brasília, o modelo de ocupação excludente que se consolidou no Brasil, a partir de meados do século passado, se estabeleceu antes mesmo de sua inauguração, quando as várias ocupações espontâneas53 de pioneiros trabalhadores se espalhavam pelo território recém desbravado. Segundo Holanda, apud Brito (2009: 30), a ocupação de terras públicas e privadas, na capital, realizou-se como solução de moradia, tendo a consequente falta de 53 Usamos neste trabalho o termo ocupações “espontâneas” no sentido de ocupações não coordenadas ou dirigidas pelos esforços do Estado. 75 segurança da posse, vulnerabilidade política e baixa qualidade de vida como características intrínsecas. Esse tipo de ocupação irregular atendeu não apenas as camadas mais pobres da população, mas também os estratos médios e mesmo alto, como já mencionamos. Criaramse condomínios horizontais fechados, a partir de meados da década de 1970, em zonas determinadas da cidade e das áreas rurais adjacentes, em terras com diversas situações fundiárias, em sua franca maioria, sem nenhum tipo de regularização pelos órgãos competentes. O que se verifica também é que a conjuntura política e socioeconômica vigente na época da implantação e consolidação de Brasília foi importante na configuração das áreas de irregularidade urbana da cidade, principalmente a intensa atração de migrantes. Também a restrição à implantação de indústrias e a opção pelo reforço da cidade como metrópole administrativa fizeram com que os principais polos geradores de empregos na cidade, fossem os setores terciários público e privado, com o principal centro gerador de emprego e renda localizado na Região Administrativa de Brasília. O Resultado disso foi a sobrecarga das infraestruturas daquela área e a criação de uma relação de dependência funcional entre os demais núcleos do aglomerado urbano, com funções limitadas à residencial. “Esse fator criou um modelo de cidade com um único grande centro, ligado a vários núcleos habitacionais dependentes. Configurou-se uma macrocefalia urbana, de funções, infraestruturas, e, por que não dizer, de imagem e identidade.” (Paviani, 2001) Brasília, apesar das conhecidas peculiaridades de seu centro urbano, que justificaram sua inclusão como patrimônio cultural da Humanidade pela UNESCO54, em 1987, e o tombamento pelo IPHAN, em 1992, assim como a maioria das cidades brasileiras, é palco de disputas e convergências de interesses em relação à posse e comercialização do solo. O Plano Piloto, centro do aglomerado e projeto de Lucio Costa, possui caráter estético e ideológico representativo, filiado ao movimento moderno e à Carta de Atenas. É reconhecida como cidade moderna por excelência, concebida com esta ideologia e preconizada dentro deste ideário: a crença no potencial do urbanismo de promover a justiça e o bem-estar social. 54 A Legislação que mantém o tombamento é o Decreto nº 10.829, de Outubro de 1987, que regulamenta o art. 38 da Lei n° 3.751, de 13 de abril de 1960, no que se refere à preservação da concepção urbanística de Brasília, entendida como a área contida dentro dos limites da atual Região Administrativa de Brasília – RA I. 76 Segundo Farret (1985: 21), apesar da forte ideia de obra autoral em sua gênese, como fruto da intenção desenvolvimentista de uma época e de um presidente, ao observar-se com mais atenção o panorama econômico dos anos 1950 percebe-se que a fundação de Brasília decorreu de uma expectativa capitalista clara. O impulso planejador da cidade foi fruto de uma série de demandas nacionais e internacionais e de um processo de desenvolvimento relacionado à necessidade do aumento de mercados no interior do país, dentro de um processo de aumento de ocupação na parte central e de expansão de mercados consumidores de produtos industrializados do sudeste e produtores de forma geral. Como consequência desse desenvolvimento em direção ao centro, grandes contingentes populacionais foram direcionados para essa região, em busca de oportunidades, qualidade de vida e empregos, configurando extensas ocupações do território. Uma vertente explicativa, centrada numa curiosa combinação de ufanismo com misticismo, coloca a nova capital como produto de uma epopeia de bandeirantes modernos “cumprindo os desígnios eternos manifestados na visão profética de Dom Bosco” (Silva, 1971: 7). Outra, mais realista, aponta para a ocupação do hinterland como vital à soberania e ao desenvolvimento nacional (Farret, 1985: 18). Contudo, a iniciativa governamental que implantou a cidade como sede da nova capital não contemplou seu caráter de centro polarizador de desenvolvimento econômico, priorizando as atividades administrativas de capital burocrática do país e uma incipiente atividade agrícola55. Como resultado, a cidade seguiu um modelo de desenvolvimento em direção a tornar-se uma metrópole terciária, sem atividades industriais geradoras de emprego e renda. Na década de 80, segundo estudo do Ipea (2001), Brasília apresentava 6,2 % da população vivendo de forma irregular. Em meados dos anos 2000, esse percentual chegaria a 24% (Supar/Seduh, 2006). Os loteamentos irregulares se espalharam pelos municípios contíguos ao Distrito Federal (Luziânia, Sto. Antônio do descoberto e outros), onde as terras são mais baratas e o acesso aos serviços, mais precário. O que ocorreu em Brasília também foi verificado em outros grandes centros do país, onde houve o agravamento das condições de moradia das populações pobres, caracterizando um tipo de crescimento metropolitano típico dos países em desenvolvimento. Esse crescimento urbano feito com base na periferização, que em Brasília extrapolou os limites do Distrito Federal e atingiu municípios de Goiás e Minas Gerais, foi acompanhado 55 Ipea: Instituto de Pesquisa Econômica. Gestão do uso do solo e disfunções do crescimento urbano. Avaliação e recomendações para a ação pública. Brasília, 2001, mimeogr. 77 do crescimento do índice de favelização e do aumento da degradação ambiental provocada pela ocupação de áreas ambientalmente sensíveis por loteamentos ilegais. Sobre os efeitos da legislação urbanística na proliferação dos loteamentos irregulares na cidade de São Paulo, Saule Jr. (2008: 267) cita trecho de Marta Dora Grostein, em sua tese “A cidade clandestina: os ritos e mitos”, na qual a autora ilustra esta situação: “No decorrer das quatro primeiras décadas, foram criadas as condições para que a clandestinidade e a irregularidade se estabelecessem como prática de parcelamento do solo para fins urbanos. A sua reprodução até a década de 50 deve-se, entre outras causas, aos aspectos relacionados com os instrumentos normativos e administrativos. Quanto aos normativos, podemos destacar que as ‘ruas particulares’ eram permitidas por lei; era possível construir-se com planta aprovada (isto é, com o reconhecimento oficial) mesmo nas ruas particulares do município (que, como vimos, confundem-se com as clandestinas); era possível incorporar à cidade oficialmente constituída os arruamentos e loteamentos abertos e executados em desacordo com a lei; a legislação contemplava um único tipo de loteamento urbano, independente (sic) das classes sociais a que se destinassem e, finalmente, não havia apoio legal para punir o loteador clandestino, uma vez que prevalecia uma posição ambígua do Estado, na qual a intervenção na propriedade privada era vista como indevida, ainda 56 que interferindo nos aspectos coletivos da vida urbana ” (Grostein, 1987: 541). II.5. A Cidade Informal e o Problema da Mensuração Segundo Cardoso (2008: 04), a única estatística que atinge a cidade informal, com alcance nacional, é a desenvolvida pelo IBGE que faz a mensuração das favelas e similares. Outros tipos de ocupação, como os loteamentos, cortiços e conjuntos irregulares e precários, não possuem levantamentos em escala nacional, apenas aqueles desenvolvidos pelas prefeituras de algumas cidades. Segundo esse autor, os loteamentos são quantificados dependendo da forma como se processa sua implantação. Caso passem por algum tipo de registro prévio, antes do início da urbanização, esses loteamentos uma vez considerados irregulares, através de denúncia de adquirentes, contam com a inscrição na prefeitura. Já os loteamentos e condomínios horizontais ilegais ou clandestinos que não possuem nem um tipo de registro administrativo ou licença dependem de vistorias in loco para que possam ser identificados e quantificados. “Em municípios que promovem programas de regularização e urbanização para esses loteamentos, como Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo, existe um forte incentivo para que os adquirentes procurem a Prefeitura 56 GROSTEIN, Marta Dora. A cidade clandestina: os ritos e os mitos. São Paulo, FAU-USP, 1987. p. 541. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 78 para denunciar a situação e habilitar-se a participar do programa. No caso dos municípios periféricos, mais pobres, com prefeituras de menor capacidade de fiscalização e de controle urbano e que não dispõem de programas de regularização, a situação é de total ausência de informações a respeito desse fenômeno. É possível, inclusive, que, mesmo em se tratando de parcelamentos em desacordo com a Lei nº 6.766, existam procedimentos de “regularização” fiscal ou mesmo urbanística sem que sejam atendidos por completo os preceitos normativos. Isso significa que não existem dados confiáveis de abrangência nacional, mesmo para uma apropriação quantitativa do fenômeno apenas em nível metropolitano.” (Cardoso, 2008: 04) Segundo artigo de Pasternak (2008: 05), sobre loteamentos irregulares no Município de São Paulo, por exemplo, a prefeitura municipal dessa cidade levantou, em 1981, processos relativos a 3.567 loteamentos irregulares e clandestinos, cuja superfície total correspondia a 23% da área do município e a mais de um terço da mancha urbanizada. No começo da década de 80, o parcelamento de novas áreas sofreu algum decréscimo, mas na década de 90 voltou a aumentar. A partir de dados do Resolo/Sehab 2002 (Caldas, 2009, apud Pasternak, 2009: 05), em 2002, havia 439.412 domicílios em loteamentos irregulares no Município de São Paulo. No Distrito Federal, há levantamentos em relação a parcelamentos irregulares a partir de 1985. Em 2006, por exemplo, a população estimada, vivendo em parcelamentos informais era de 545.651 habitantes, ou seja, 24% de toda a população (Supar/Seduh, 2006: 15). Segundo o Diagnóstico Preliminar de Parcelamentos Urbanos Informais no Distrito Federal, elaborado em 2006 pela Seduh/DF, foram identificados 529 parcelamentos irregulares em 1995, dos quais 297 foram considerados inabilitados e 232 aptos à continuidade do processo de regularização proposto pelo governo naquele momento. Contudo, apenas um dos empreendimentos cumpriu todas as etapas até a regularização e nenhum daqueles considerados inadequados para a regularização foi desconstituído (Supar/Seduh, 2006: 14). Para fins de análise, é importante que se possa mensurar o fenômeno de forma confiável. Contudo, essa é uma questão complexa, já que os levantamentos quantitativos que existem sobre as favelas, por exemplo, são recentes e de exatidão questionável, em função de complicadores metodológicos. Isso se deve à própria natureza do fato urbano “irregularidade”, uma vez que se caracteriza por ocorrer em áreas de difícil acesso e fiscalização, de forma anômala, muito densa ou muito rarefeita. As áreas habitacionais irregulares e ilegais são ocupações territoriais feitas, na maior parte das vezes, sem nenhum registro formal, o que dificulta as tentativas de levantamento por parte dos institutos de pesquisa e estatística. A natureza ilegal de sua ocupação e construção também concorre 79 para a dificuldade de levantamento, já que as informações prestadas pelos moradores podem sofrer distorções. Há um esforço para a mensuração das favelas, em São Paulo, desde a década de1950. Não se pode dizer o mesmo de outros tipos de “irregularidade” urbana, como os cortiços e os loteamentos ilegais, cujos estudos ou são inexistentes ou datam das últimas décadas. Dessa forma, é difícil estabelecer análises comparativas acuradas em relação à cidade informal, tanto em Brasília ou em cidades com tradição mais antiga de estudos urbanísticos. Em Brasília há estudos e levantamentos municipais em relação aos lotes com casas “de fundo de lote” e quantificação de “invasões”. Mas não há estudos sistemáticos da evolução dessas ocorrências ao logo do desenvolvimento da cidade até 1985, quando novas políticas de tratamento das ocupações irregulares de baixa renda, na cidade, começaram a ser adotadas. Veremos esses estudos com maior detalhe na Parte III do trabalho. II.6. A Cidade Informal e a Sustentabilidade do Meio Urbano Os efeitos danosos da urbanização sobre o meio-ambiente são conhecidos há muitas décadas, mas pouco se tem feito de fato, desde então, para o controle desses danos. A divulgação, através dos fóruns internacionais promovidos pelas Nações Unidas a partir das décadas de 1980 e 1990, das questões ambientais urbanas e da necessidade de se buscar cidades mais sustentáveis para o presente e futuro concorreu para a difusão de conceitos como o da finitude dos recursos naturais. Isso levou à compreensão da impossibilidade da universalização de certo tipo de moradia para a população em geral, de modo que fez a ideia dos grandes conjuntos habitacionais padronizados se tornar um conceito ultrapassado. “A conferência do Rio de Janeiro, em 1992, ECO/92 (United Nations Conference on Environment and Development UNCED/Rio 92), centrada nos problemas do meio ambiente e desenvolvimento, concluiu que ¾ do crescimento da população urbana mundial, na última década do século XX, será absorvido por cidades do Terceiro Mundo, e colocou em evidência as questões da pobreza urbana e do custo econômico e social da degradação ambiental urbana.” (Grostein, 2001: 07) A Conferência ECO 92 teve como resultado a criação de uma agenda de recomendações – a Agenda 21 – que orienta as políticas públicas e práticas urbanas mais adequadas para um desenvolvimento sustentável das cidades. Entre as diretrizes constantes da Agenda 21 estão: o conceito de desenvolvimento sustentado; a necessidade de coordenação setorial; a descentralização da tomada de decisões; a integração e a participação dos grupos interessados em instâncias específicas da gestão urbana. 80 Na Conferência Habitat II, verificou-se que um dos principais problemas para alcançar a meta de se disponibilizar moradia adequada para toda a população era a falha dos mercados e dos governos em colocar terra e financiamento numa medida adequada, em condições de custo, tempo e lugar (Grostein, 2001: 07). “Os compromissos assumidos pelos governos (na Habitat II), entre os quais o governo brasileiro, com a implementação das agendas mencionadas apontam para a importância do papel sinalizador de uma política urbana federal que apoie as ações locais nos estados, metrópoles e municípios da federação. As cidades são centrais para alcançar o desenvolvimento sustentado, uma vez que é onde se localiza a maior parte da atividade industrial, do transporte e da concentração de pessoas.” (Grostein, 2001: 07) Segundo Grostein (2001: 7-8), os problemas ambientais urbanos se devem tanto aos processos de construção da cidade, ou seja, às diferentes decisões políticas e econômicas que interferem na construção do espaço, quanto às condições de vida na cidade e os aspectos culturais que determinam os modos de vida e as relações sociais. A autora ressalta que, no caso da cidade informal, a escala e a frequência com que certos tipos de ocorrência lesiva ao meio ambiente e à saúde do homem ocorrem, relacionam esse padrão de expansão urbana ao agravamento dos problemas socioambientais. “Nas parcelas da cidade produzidas informalmente, onde predominam os assentamentos populares e a ocupação desordenada, a combinação dos processos de construção do espaço com as condições precárias de vida urbana gera problemas socioambientais e situações de risco, que afetam tanto o espaço físico quanto a saúde pública: desastres provocados por erosão, enchentes, deslizamentos; destruição indiscriminada de florestas e áreas protegidas; contaminação do lençol freático ou das represas de abastecimento de água; epidemias e doenças provocadas por umidade e falta de ventilação nas moradias improvisadas, ou por esgoto e águas servidas que correm a céu aberto, entre outros.” (Grostein, 2001: 08) Chegou-se a um momento em que não é mais possível ignorar o impacto da ocupação urbana no meio ambiente, já que se tomou consciência, nas últimas décadas de que vivemos num sistema ambiental mais amplo e que os danos que estão sendo causados ameaçam a sobrevivência de todos na cidade. Dessa forma, cuidar da qualidade do ambiente na periferia e em áreas de proteção permanente é algo que deve ser feito pela sociedade como um todo, já que isso a afeta de uma forma sistêmica. Na última década, a necessidade da urbanização de favelas e assentamentos precários adquiriu maior força em vista dos danos socioambientais que provocam. A incorporação da cidade informal ao complexo metropolitano, de forma a requalificá-las e dar-lhes qualidade ambiental e urbanística, além de ser visto como necessidade de legalidade jurídica passou a 81 ser entendido como um interesse de toda a população da cidade, já que concorre para a melhoria da qualidade da água dos mananciais de abastecimento e contribui para a proteção para as áreas de reserva, proteção ambiental e parques urbanos (Grostein, 2001: 06). II.7. A Cidade Informal e a Gestão do Território Embora a pobreza e a desigualdade social sejam fatores fundamentais para o surgimento e o agravamento da crise de moradias e para a irregularidade e precarização dos assentamentos humanos, entende-se que a dinâmica habitacional não pode ser pensada apenas a partir do problema da distribuição de renda. Mesmo nos países desenvolvidos, em que os rendimentos se distribuem com maior equidade, a intervenção pública no campo da moradia é fundamental para garantir o acesso universal da população a esse bem. Nesse sentido, deve-se tomar a precarização da moradia como sintoma de um processo de insuficiência da oferta de moradias novas através dos setores formais (mercado ou setor público). A literatura especializada é unânime em afirmar que, para a ampliação da oferta, são de relevância estratégica dois elementos: o padrão de financiamento habitacional e a oferta de terras57. “Nas metrópoles brasileiras, a enorme desigualdade social produz espaços altamente desiguais. Não apenas do ponto de vista de seus equipamentos – coisa já fartamente destacada – mas do ponto de vista de suas localizações. Na disputa pelo controle dos tempos de deslocamento (...).” (Villaça, 2001: 357) Segundo Sérgio Magalhães58, não há carência de moradias no Brasil; há falta de cidade, onde já há habitações. A população encontra seus meios de construir na cidade em condições em que ela não tem apoio financeiro do setor público. E é preciso estar na cidade, porque é nesta que se encontram as oportunidades de emprego e de trocas sociais. Diante da tendência de urbanização acelerada experimentada pelos países em desenvolvimento, vê-se a necessidade de encontrar formas mais sustentáveis para a cidade que está fora dos padrões atuais de formalidade. “No contexto geográfico brasileiro, a favela foi o ajustamento possível diante dos altos custos dos imóveis construídos por empresas e mesmo por governos municipais. Em vista disso, a favela se espraia, acompanha o declive de morros ou as várzeas e barrancas de rios. Nesses casos, a moradia dos empobrecidos fica à mercê de inundações ou queda de 57 Maricato, 1979; Ribeiro, 1997; Smolka, 1991; Abramo, 2001, apud Cardoso, 2008. Sérgio Magalhães, notas de entrevista para esta autora e a colega Daniela Eigenheer, em companhia da Profa. Dra. Nadia Somekh, Rio de Janeiro, 2010. 58 82 barreiras, o que aumenta as possibilidades de acidentes graves com perdas de vidas e incalculáveis perdas materiais.” (Paviani, 2007: s/n) Desse modo a população de baixa renda, não tendo condições materiais e financeiras de fazer de outra forma, invade terras de baixa valorização imobiliária e constrói, com recursos próprios, conforme suas capacidades técnicas, e com os materiais de que dispõe. O resultado desse modo de construir “possível” é, na franca maioria das vezes, precário para o morador e lesivo para o meio ambiente. Esse modelo ou antimodelo de cidade autoconstruída em sítios que desafiam as normas edilícias e urbanísticas sempre foi considerado inadequado e indesejado pelos urbanistas, que buscavam soluções “higienistas” desde o início do século XX, no Brasil. A partir da década de 1990, a administração pública começou a aplicar soluções de gestão que buscavam agregar a cidade informal à cidade formal, melhorando a infraestrutura implantada e os serviços urbanos nessas áreas. “A expressão Cidade Clandestina ou Cidade Irregular define a forma abusiva do crescimento urbano sem controle, próprio da cidade industrial metropolitana, compreendendo os bairros relegados pela ação pública, a cidade dos pobres e dos excluídos, a cidade sem infraestrutura e serviços suficientes, a cidade ilegal, ainda que legítima.” (Grostein, 2001: 04) Segundo Magalhães (2007), os urbanistas modernos acreditavam, com convicção, que as cidades do futuro seriam melhores, mais democráticas. Segundo esse autor, não acreditamos nisso hoje em dia. A contemporaneidade é “desconfiada” de projetos reformadores e que propõem salvações messiânicas. A ruptura total com o passado não mais é uma opção viável de intervenção na cidade, por diversos motivos. Entre eles, por não mais se ter certeza de soluções “perfeitas” e sequer se desejar isso, além do que, se sabe hoje da importância social da permanência imaterial inerente aos espaços. Contudo, há a importância da dignidade da condição humana. O valor da união de uma comunidade, seja na favela ou num conjunto habitacional. Como o urbanista poderá reproduzir essas condições, quando são feitas remoções massivas de favelas para localidades distantes dos locais de trabalho dessas populações. Também são questionados nos programas de assentamentos de populações de baixa renda o tipo padronizado das construções, de características excessivamente anônimo, onde o morador sente-se destituído de seu passado e de suas relações de vizinhança e laços de amizade. Para populações de baixo poder aquisitivo, o senso de comunidade tem importância mais presente do que para populações de classe média e alta. 83 Apesar de possuírem componentes de espaços urbanos complexos e muitas vezes socialmente agregados, assentamentos informais de baixa renda consolidados têm os maiores índices de crescimento justamente nos países mais pobres. Experiências bem sucedidas no tratamento dessas questões, como no caso do Programa Favela-Bairro, no Rio de Janeiro, devem ser estudados, a fim de buscar alternativas sustentáveis para a cidade informal. As experiências não tão bem sucedidas também devem ser pesquisadas, a fim de se identificar quais as ações que não foram efetivas e por quê. Morar na cidade é necessário para a manutenção de relações sociais e de trabalho. Contudo, paga-se um alto custo pela moradia. Segundo Gordilho-Souza (2008: 36), tanto em países como o Brasil, de economia periférica, como nos países no centro do capitalismo monopolista global, o sistema habitacional de promoção da “casa própria” prevaleceu sobre o rentista, ou de aluguel, vigente na Europa no século XIX. Esse fato tem origens no processo de constituição do solo urbano como a mercadoria em si, não mais apenas como o lugar prioritário de reprodução do capital. O lote urbano privado passa a ser, a partir do século XX, importante fonte de geração de capitais. É um fato de que se trata de uma questão de difícil tratamento, em função de afetar a dinâmica social e econômica na cidade. Grandes e pequenos capitais veem no solo urbano uma fonte de riqueza e sobrevivência. Em função disso, o conhecimento e a difusão da informação é um meio importante para que haja uma mudança de consciência em relação ao assunto. A pesquisa de Campos et Farret – “Mercado Informal em Assentamentos Informais no Distrito Federal”, elaborada dentro do projeto Infosolo, coordenado por Abramo, no âmbito de oito capitais brasileiras59, pode-se verificar que, mesmo em assentamentos denominados subnormais, o mercado imobiliário informal demonstra importância e vitalidade. Segundo Saule Jr. (2008: 11), a responsabilidade pelo estabelecimento de normas e procedimentos para o parcelamento do solo urbano é de competência do Município obedecidas as regras de fixação de normas urbanísticas e padrões mínimos válidos para todo o território nacional, colocadas pela normatização federal, como as Leis nº 6.766/79 e nº 11.977/09. Assim, faz-se necessário o conhecimento da legislação federal e da política municipal para a compreensão e acompanhamento da regularização dos loteamentos (Pasternak, 2009: 05). 59 Prof. Pedro Abramo – Projeto Habitare/Finep – Cidades: Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Brasília, Salvador, Recife e Belém. 84 Do ponto de vista dos marcos jurídicos que passaram a contribuir para a democratização do acesso à moradia nas cidades, destacam-se a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade60, de 2001, que, segundo vários autores (entre eles Saule Jr., Edésio Fernandes, Raquel Rolnik e Pedro Abramo), possibilitou a prática do planejamento, da defesa e da preservação do ambiente urbano no Brasil. “As funções sociais da cidade, como princípio constitucional dirigente da política urbana, foram introduzidas na Constituição Brasileira pelo caput do artigo 182 de forma vinculada com a garantia do bem-estar de seus habitantes. Com essa vinculação dos objetivos, o interesse em que as funções sociais da cidade sejam plenamente desenvolvidas é dos habitantes da cidade, o que abrange qualquer pessoa, qualquer grupo social. Com isso, não há o estabelecimento de categorias entre os cidadãos pelo fator econômico, abrangendo todos os habitantes como cidadãos, independente (sic) da origem social, condição econômica, raça, cor, sexo, ou idade.” (Saule Jr., 2008: 263) Segundo Saule Jr. (2008: 260), o Estatuto da Cidade foi inovador no sentido que estabeleceu um direito legal à cidade, estendido a todos os cidadãos, no mesmo patamar de outros direitos coletivos como o direito do consumidor, do meio ambiente do patrimônio histórico e cultural da criança e do adolescente, da economia popular. O direito à cidade deixou, a princípio, de ser reconhecido apenas no campo da política e passou a ser reconhecido no campo jurídico. Essa definição do direito à cidade presente no Estatuto da Cidade se estende inclusive a gerações futuras de moradoras de comunidades tradicionais. Uma comunidade tradicional que esteja ameaçada de perder sua memória ou identidade poderá demandar os direitos garantidos ao cidadãos, assegurados no Estatuto da Cidade, para demandar do poder público proteção para essa comunidade. “Devido a essa definição jurídica, são sujeitos que tem proteção jurídica com base no direito à cidade, por exemplo: – os grupos de habitantes e as comunidades que tenham formado a identidade e memória histórica e cultural da cidade, – os grupos sociais e comunidades que vivem em assentamentos urbanos informais consolidados que podem demandar do Poder Público, ações e projetos de urbanização e regularização fundiária de interesse social.” (Saule Jr., 2008: 260) 60 Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. O Estatuto da Cidade é a lei federal de desenvolvimento urbano que dispõe sobre os princípios e as diretrizes fundamentais da política de desenvolvimento urbano com base na competência concorrente da União em legislar sobre direito urbanístico (Saule Jr., 2008: 259). 85 Segundo Saule Jr. (2008: 261-262), em relação ao princípio da função social da propriedade, os incisos do Artigo 2º do Estatuto da Cidade devem ser considerados como diretrizes da Lei de Parcelamento do Solo Urbano e da Política de Desenvolvimento Urbano no país, em que destacamos: Em 2003, o Governo Federal criou o Ministério das Cidades, órgão dedicado à resolução das questões urbanas e responsável pela proposição de ações e programas de regularização fundiária de assentamentos ilegais, urbanização de áreas de infraestrutura precária e promoção da melhoria da qualidade de vida do morador dessas áreas. Dentre as ações promovidas pelo órgão, conforme dados do Ministério das Cidades, citamos: - Apoio à Melhoria de Habitabilidade de Assentamentos Precários – programa destinado ao apoio aos Estados, Distrito Federal e Municípios, para dar melhores condições de moradia às populações residentes em assentamentos precários, redução de riscos mediante a urbanização, através da integração com o tecido urbano da cidade. - Programa Habitar Brasil BID – HBB – programa que destina recursos para o fortalecimento institucional dos municípios e para a execução de obras e serviços de infraestrutura urbana e de ações de intervenção social e ambiental, por meio, respectivamente, do Subprograma de Desenvolvimento Institucional (DI) e do Subprograma de Urbanização de Assentamentos Subnormais (UAS). 86 FIG. II.1. Parcelamento Irregular: Condomínio Minichácaras do Lago Sul – RA do Paranoá, Brasília. (Foto de novembro de 2011.) FIG. II.2. Parcelamento Irregular: Condomínio Minichácaras do Lago Sul – RA do Paranoá, Brasília. (Foto de novembro de 2011.) FIG. II.3. Edícula de elementos de concreto prémoldado, de construção rápida: Condomínio Minichácaras do Lago Sul – RA do Paranoá, Brasília. (Foto de novembro de 2011.) FIG. II.4. Parcelamento Irregular: Condomínios na RA de Sobradinho, Brasília. (Foto de janeiro de 2011.) 61 FIG. II.5. ocupação do Sol Nascente – RA da Ceilândia, Brasília. (Foto de fevereiro de 2011.) FIG. II.6. Paranoá, RA do Paranoá, Brasília. (Foto de fevereiro de 2011.) 61 O Sol Nascente é composto por vários parcelamentos, aos quais os moradores se referem como “condomínios”. Contudo, não há a caracterização de condomínios de fato, mas uma estrutura do tipo favela. 87 II.7.1. A Regularização Fundiária e seus efeitos sobre a Cidade Informal A regularização fundiária de áreas que se enquadram dentro da legislação federal para essa ação deve seguir regramentos estabelecidos pelos municípios, por meio do Plano Diretor ou lei municipal específica, e devem estabelecer a política de regularização de loteamentos irregulares, que pode incluir as seguintes medidas: “– Delimitação das áreas com grande concentração de loteamentos irregulares, ou de loteamento irregular com elevada densidade populacional, como as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS. – Exigir do Poder Público, para os loteamentos irregulares delimitados como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, um plano de urbanização contendo normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo e de edificações compatíveis com a realidade da ocupação existente, como principal instrumento de regularização do loteamento irregular” (Barbosa, in Saule Jr., 2008: 243). O objetivo da delimitação de Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS é o de possibilitar a regularização fundiária e urbanística das ocupações existentes nessas áreas, de modo a reconhecer aquela realidade como parte da cidade formal. Segundo Barbosa (in Saule, 2008: 243), em áreas de grande concentração de loteamentos irregulares ou de loteamentos populares de elevada densidade populacional, é caracterizada uma zona de urbanização específica, “o que possibilita o estabelecimento de normas de parcelamento, uso e ocupação do solo e de edificação específicas, no plano de urbanização, para fins de regularização de loteamentos irregulares” (Barbosa, in Saule Jr., 2008: 243). Segundo artigo dessa autora, com base em Fernandes (2006), a promoção de regularização fundiária é vista hoje por instituições de financiamento internacionais como sendo uma condição essencial para a ampliação de mercados nas cidades e reativação da economia urbana. Com base nesse argumento, o Banco Mundial – BID tem instituído a condição da outorga de título de propriedade como condição de liberação de investimentos para países da América Latina. O banco baseia-se na justificativa de que a formalização da posse e o consequente aceso ao crédito formal farão com que seus moradores invistam em seus lotes e casas, gerando atividade para a economia urbana como um todo (Barbosa, 2008: 256). Contudo, o processo de regularização fundiário tem efeitos complexos no mercado imobiliário formal, já que transforma imóveis que antes faziam parte da cidade informal em mercadoria disponível para o mercado formal urbano. Caso não haja uma política global de qualificação do parcelamento e seus moradores, as áreas, antes informais, correm o risco de sofrer um processo de gentrificação, ou seja, de expulsão das populações originais da 88 área para outras precárias da cidade, mantendo as populações mais pobres da cidade em condições sub-humanas. “(...) a mera atribuição de títulos individuais de propriedade pode até garantir a segurança individual da posse, mas com frequência acaba fazendo com que os moradores vendam suas novas propriedades e sejam ‘expulsos’ para as periferias precárias, em muitos casos invadindo novas áreas – onde o mesmo processo de ilegalidade começa novamente.” (Fernandes 2006, apud Barbosa, 2008: 243) Ou seja, a regularização fundiária do solo urbano é um processo complexo, que, caso não seja feito com critério, apenas irá contribuir para o abastecimento dos mercados imobiliários formais. Áreas urbanizadas pelo poder público findam, nesse processo, por beneficiar grupos econômicos que especulam com os capitais gerados pelo comércio do solo urbano (Fernandes 2006, apud Barbosa, 2008: 243). 89 PARTE III 90 III. A CIDADE INFORMAL EM BRASÍLIA: PROCESSO HISTÓRICO DE EXPANSÃO Uma vez que foram delineadas, na Primeira Parte deste trabalho, a natureza física e as características socioespaciais de Brasília, e, na Segunda Parte, a problemática da cidade informal emoldurada pelo panorama no qual se insere no Brasil, damos prosseguimento ao objetivo final deste estudo, que é a análise da expansão urbana da cidade informal em Brasília, do ponto de vista do seu espaço intraurbano, a fim de compreendermos a natureza desse processo. Para isso, o recorte temporal estudado, de 50 anos, foi dividido em períodos menores com certa homogeneidade, e estes em fases com predominância de determinado modelo de gestão urbana e/ou políticas públicas. Essa periodização, que tem como datas de início e fim determinados marcos legislativos e políticos, já foi utilizada por alguns autores em estudos anteriores (Ipea, 2001; Sanzio, 1991, 2003, 2010; Brito, 2009), com alguma variação de um anos a mais ou a menos, de acordo com a ênfase do estudo aplicado. Sabemos que essa periodização é de utilidade principalmente metodológica, já que, a rigor, os processos socioespaciais tem uma evolução paulatina e às vezes não contínua. Para este estudo, usamos como critério para a elaboração da periodização marcos de transição em que houve acontecimentos que afetaram a cidade do ponto de vista de sua expressão físico-espacial, relacionada ao objeto em tela, a Cidade Informal. III.1 - De 1956 a 1974 – A Aurora da Capital: Período Voluntarista O primeiro período a ser analisado foi dividido em três fases, momentos em que houve diferentes conjunturas para o desenvolvimento do pensamento e da praxis do urbanismo em Brasília. Essas fases se justificam por terem determinado diferenças no processo de expansão da cidade e na ocorrência da irregularidade urbana. Num primeiro momento, a partir do chamado do presidente e da propaganda oficial feita em torno da construção da Capital, as levas crescentes de migrantes chegavam ao sítio das obras e encontravam habitação nos acampamentos de operários das construtoras, a cidade temporariamente oficial no período. Também podiam se alojar provisoriamente em “invasões”62 próximas à Cidade Livre (Núcleo Bandeirante) ou junto às instalações de obra 62 Usaremos o termo “invasão” entre aspas por ser este um fenômeno legítimo, na maioria dos casos em que ele acontece no Brasil e em Brasília, uma vez que é função do Estado prover moradia digna 91 da Novacap – a barragem do Paranoá, Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes, entre outras. Em 1959 foi criado um assentamento definitivo para receber a população dessas áreas, que tivessem condições de arcar com o pagamento de prestações, ou seja, para uma determinada faixa de renda, de forma que o problema da carência de habitações não seria resolvido de forma definitiva. Na segunda fase do período, após a inauguração do Grande Projeto63 que foi Brasília, muitos acampamentos operários foram desativados pelas construtoras, contudo, em face da carência de habitações disponíveis no mercado formal, os acampamentos temporários passaram a constituir-se em uma importante reserva de habitações para a cidade. Não eram apenas para os moradores de menor renda que não tinham acesso à compra de lotes no mercado formal, mas para o funcionalismo público que buscava uma moradia temporária. Esse é o caso da Vila Planalto, onde as casas construídas para os engenheiros e técnicos das construtoras, cujo padrão construtivo era superior às demais, foram ocupadas pelos funcionários públicos locais e federais. A segunda fase do período estudado – 1960-1964 – é também um período de instabilidade política, quando o sempre ferrenho controle do Estado sobre o território é arrefecido, permitindo a expansão da cidade informal. Com o início do governo militar, em 1964, alguns movimentos sociais surgidos na fase anterior são atenuados ou extintos, caso do MPFUNB Movimento Pró-fixação e Urbanização do Núcleo Bandeirante64. Em 1964 tem início uma fase de maior controle das “invasões”, redução dos acampamentos pioneiros remanescentes ou mesmo sua supressão total, com a transferência para outras localidades distantes do centro urbano. Em 1969 foi criada a CEI – Campanha para a Erradicação de Invasões, e o GER – Grupo de Erradicação de Invasões; e em 1970 é elaborado o Planidro65, estudo que expôs uma ao cidadão. Ressalvados as situações em que a “invasão” provoca danos à coletividade, ela deve ser vista como uma demonstração de que os Estado está sendo ineficaz em atuar de forma democrática. Ao colocar o termo entre aspas, buscamos ser fiéis ao conceito da função social da propriedade, abordado na Parte II. 63 Segundo Ribeiro, in Paviani (1991: 26), os grandes projetos de engenharia – como hidrelétricas, que demandam a imobilização de grandes somas de dinheiro e um grande contingente populacional – têm estreita relação com o processo de desenvolvimento do sistema econômico capitalista. Essas obras demandam um tipo especial de acampamento operário, cuja morfologia facilita o controle por parte das empresas gestoras do empreendimento. Esse foi o caso dos vários acampamentos de obra em Brasília, cujo espaço apresentava características físicas que facilitavam o controle por parte da Novacap. 64 Falaremos um pouco mais do MPFUNB quando falarmos do Núcleo Bandeirante, no Item III.1.3. 65 Plano Diretor de Água, Esgoto e Controle da Poluição do Distrito Federal. 92 alegada66 fragilidade hídrica da Bacia do Lago Paranoá. Esse estudo recomendou a limitação da ocupação urbana na Bacia do Lago Paranoá, além de fornecer uma justificativa técnica à premissa de se manter um cinturão de áreas verdes sem ocupação urbana no entorno do PPB - Plano Piloto de Brasília. Essa fase tem dois marcos importantes de fechamento. O primeiro é a elaboração do Decreto nº 2.739, de 16/10/1974, primeiro documento formal que solicita à Administração Pública a elaboração de um Plano Diretor para o Distrito Federal. Esse decreto também estabelece um primeiro zoneamento para o território (Ipea, 1998: 46). Essa mudança se deve à conscientização dos gestores públicos da cidade, de que havia a necessidade de planejar seu crescimento. Até então, as decisões relacionadas à gestão urbana haviam sido tomadas com base em soluções, em maior ou menor medida, emergenciais. Não havia um planejamento claro67 de como se daria a ocupação do território, apesar de que, ao estimular ou bloquear iniciativas, através de avanços e recuos, por vezes descontínuos e até contraditórios, o Estado interveio de forma definitiva no período (Ipea, 1998: 45). O segundo marco adotado é a implantação do Sistema Integrado de Transporte Urbano, feito em 1975, sobre o trajeto da Estrada Parque Ceilândia (EPCL), a Via Estrutural. Essa via foi de extrema importância na promoção da integração funcional entre os núcleos periféricos localizados no eixo de expansão sudoeste e o centro do conjunto urbano. Ela marcou um momento de transição entre a concepção estatal da importância de se atender as populações da periferia urbana de modo mais satisfatório do ponto de vista de infraestruturas e equipamentos. 66 Segundo Freitas (2009), a área da bacia do Lago Paranoá foi poupada, em parte, por motivos de reserva imobiliária. 67 Segundo Leitão et Ficher (2010: 107), o Plano Piloto deveria alcançar uma população máxima de 500 mil habitantes, a partir de resposta fornecida pela Novacap a consulta da revista Módulo (n. 8: 12). Contudo, segundo esses autores, o projeto de Lucio Costa só chegou perto dessa cifra após as modificações sugeridas pelo júri do concurso e das ampliações feitas durante o processo de detalhamento feito pela Companhia. 93 FIG. III.1. Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; FIG. III.2. Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; FIG. III.3. Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; FIG. III.4. Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; FIG. III.5. Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; FIG. III.6. Núcleo Bandeirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; 94 III.1.1 De 1956 a 1960 – Nos Bastidores da Construção, uma Cidade de Lona e Tábuas Iniciamos essa abordagem em 1956, ano em que é publicada a lei que cria a Novacap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - empresa pública singular, poderes muito amplos, responsável pela operacionalização do processo de transferência. Entretanto, o processo histórico de mudança da Capital Federal para o Planalto é bem mais longo, e remonta a pelo menos cem anos antes do início da construção efetiva da cidade, como frisa Barbosa Ferreira, in Paviani (2010: 25)68. Contudo, até a década de 1950, a região onde viria a se localizar a futura Capital permanecia parcamente ocupada, com uma densidade de dois habitantes por hectare. Uma vez iniciadas as obras, porém, a ocupação do sítio adquiriu uma velocidade surpreendente, e manteve taxas de 8,15% a.a. até 1970 (Ipea, 2001: 46). Esse primeiro momento de implantação da cidade se caracteriza pela ação voluntarista do Estado, na figura administrativa da Novacap, atuando em todas as esferas, com o objetivo de implantação física da Capital. Além da implantação do Plano Piloto, até 1960, são criados os núcleos urbanos do Gama, de Taguatinga e de Sobradinho, destinados a receber os trabalhadores removidos de “invasões” localizadas dentro do centro urbano e fora dele, e que não atingiam a renda necessária para ocupar imóveis nas áreas mais centrais. Tem início o modelo de ocupação polinucleado e esparso que caracterizou o conjunto urbano até a década de 1990, com um centro urbano fortemente polarizado e áreas habitacionais periféricas separadas por vazios urbanos e grandes distâncias – entre 20 e 35 quilômetros. Esse modelo foi possível graças ao contexto ideológico vigente, que incluía, entre outras ideias, a premissa de que essa era uma solução “moderna” e “racional” de cidade, cujas ligações com o centro se dariam de modo eficiente, por meio do automóvel e o transporte coletivo de massa, através de rodovias. 68 Consideramos o envio da mensagem de José Bonifácio à Assembleia Constituinte de 1923 como o primeiro momento do processo de interiorização da Capital, na qual José Bonifácio sugere o nome de Brasília para a Capital do Império. A questão da centralidade em relação ao território aparece no Império opondo-se à fase colonial, quando o poder era concentrado politicamente e territorialmente (Barbosa Ferreira, 2010: 25-27). 95 FIG. III.7. Núcleo Banteirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely Et Kim, 2005; FIG. III.8. Núcleo Banteirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely Et Kim, 2005; FIG. III.9. Núcleo Banteirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely Et Kim, 2005; FIG. III.10. Núcleo Banteirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely Et Kim, 2005; FIG. III.11. Núcleo Banteirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Foto: Wesely Et Kim, 2005; FIG. III.12. Núcleo Banteirante, Metropolitana e Candangolândia – Década de 60. Fonte das Fotos: Wesely Et Kim, 2005; 96 É interessante observar que, antes mesmo da criação da Novacap69, em 1956, já havia sido iniciado o processo de desapropriações de terras destinadas ao Distrito Federal. Ou seja, antes mesmo da eleição de Kubitscheck como presidente, já se iniciava efetivamente o processo de adequação do sítio para a nova função, através da negociação fundiária para a criação do território de Brasília dentro do Estado de Goiás70. Segundo Brito, o processo de interiorização da Capital, associado ao da integração regional do país, através de rodovias, era item importante na agenda do desenvolvimento nacional e necessitava ser cumprido. Dessa forma, quando foi anunciado o resultado do concurso para o Plano Piloto de Brasília, em 1957, já estavam iniciadas as obras do Palácio da Alvorada, do Brasília Palace Hotel (Hotel de Turismo), do Aeroporto comercial e de várias rodovias que deveriam fazer os trajetos e promover a integração do sítio com o restante do território71. O mais intenso fluxo migratório para Brasília, nos três primeiros anos de construção, se deu pela antiga estrada de Corumbá, que acessava o Distrito Federal pela face Oeste. Foi com o objetivo de captar o fluxo populacional que acorria para o sítio das obras a partir dessa estrada, que ali foi localizada a sede do INIC, Instituto Nacional de Colonização e Imigração. O INIC foi implantado, contudo, a certa distância do Plano Piloto – cerca de 30 km. Foi a localização da sede do INIC que motivou a posição de Taguatinga, a primeira Cidade satélite, criada em 1958. (Brito, 2009: 75) Naquela época, outra forma de se chegar a Brasília, vindo-se do Nordeste, origem de boa parte dos migrantes, era de trem, fazendo-se um longo percurso com inúmeras baldeações pelas cidades de Recife, Colégio (AL), Propiá, Aracaju, Caculé (BA), Monte Azul (MG), Belo Horizonte, São Paulo, Anápolis. De Anápolis, pegava-se um caminhão para Brasília. Segundo Brito, Anápolis já possuía ligação rodoviária com o sítio das obras, e, nos primeiros anos, além de se prolongar as ligações daquela cidade com os demais centros econômicos 69 A Novacap foi criada em fins de 1956, pelo mesmo decreto que deu o nove de Brasília à nova capital (Brito, 2009: 75). 70 A Lei nº 2.874, de 19 de Setembro de 1956, criou a Novacap no mesmo momento em que extinguiu a Comissão de Planejamento e da Mudança da Capital Federal. Nesse decreto também foi determinado o nome de Brasília para a nova Capital. No ano anterior, em 1955, já havia sido criada a Comissão de Cooperação para a Mudança da Capital Federal, presidida por Altamiro de Moura Pacheco, para proceder com as desapropriações de terras destinadas ao futuro Distrito Federal. (Para aprofundar o tema, pesquisar em Barbosa Ferreira, in Paviani, 2010.) 71 Para se aprofundar com relação às infraestruturas realizadas nesse período e nos subsequentes, consultar Brito (2009). 97 FIG. III.14. Núcleo Bandeirante – “Cidade Livre”. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; FIG. III.15. Núcleo Bandeirante – Avenida Central. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; 98 do país, além de Belém (Transbrasiliana), criaram-se ligações rodoviárias do Distrito Federal com as várias regiões do país: o Nordeste, através da BR 020; o Sudeste, com São Paulo, Rio de Janeiro, passando por Cristalina e Luziânia, através da BR 040; o Norte, rumo a Boa Vista, passando por Anápolis e Goiânia, através da BR 060; a Manaus, pela BR 080. O território do Distrito Federal foi criado a partir de três municípios preexistentes de Goiás: Formosa, Planaltina e Luziânia (Santa Luzia). No sítio localizavam-se as cidades de Brazlândia e Planaltina, que, distanciadas entre si por cerca de 100 km, tinham, por sua vez, aproximadamente 40 km de distância do centro urbano. Uma vez que essas cidades se localizavam a noroeste e nordeste das obras, findaram por não integrar a dinâmica do trânsito de pessoas, mão de obra e mercadorias para o centro. Até hoje, Brazlândia e Planaltina são as cidades mais segregadas em relação ao centro urbano, não por outro motivo que estarem em localização excêntrica em relação aos principais fluxos de pessoas, das matérias-primas e mão de obra na cidade. Uma vez que as cidades preexistentes não foram utilizadas para dar suporte à logística da construção, foi criado um núcleo urbano provisório, situado junto ao principal ponto de cruzamento de fluxos das obras, a fim de viabilizar a construção do PPB72. Segundo Brito (2008: 81), a Novacap destinou parte da área para uso residencial e outra para uso comercial e de serviços populares – o Núcleo Bandeirante –, e outra ainda para o funcionamento de uma sede central da própria companhia, com alojamentos, armazéns e administração – a Velhacap. Na sequência, reuniu os acampamentos das construtoras do PPB em outra área da cidade – na futura Vila Planalto. Além dessas sedes em “perímetro urbano”, a Companhia autorizou a montagem de acampamentos isolados destinados às demais obras do período. “(...) até começarem os trabalhos definitivos da construção, mais de 12 mil pessoas já habitavam terras da nova sede do governo. Isso porque, a partir de 1956, anunciando-se oficialmente a transferência da Capital Federal, o território de Brasília havia se tornado destino não somente daqueles incumbidos das atividades oficiais, vindos a convite da Novacap, mas de milhares de migrantes em busca de oportunidade de trabalho.” (Brito, 2008: 81) Com base nos estudos de Brito (2009), Ipea (2001) e Sanzio (1991), entendemos que a estrutura rodoviária de acessos ao sítio das obras de Brasília foi determinante no sentido de definir a localização dos núcleos urbanos criados a partir do Plano Piloto. A antiga estrada de Anápolis, principal acesso da mão de obra e dos materiais necessários para a 72 Plano Piloto de Brasília. 99 construção, foi o principal corredor, onde surgiram vários núcleos habitacionais formais e informais. Outro fator importante da modelagem urbana da urbe foi a criação de assentamentos periféricos a distâncias que variavam entre 20 e 35 km do centro urbano, separado deste por grandes fatias de zona rural. Vestígios dessa estruturação polinucleada do território, inspirada numa urbanística moderna e rodoviarista, é visível no aglomerado até os dias atuais. Sobradinho Planaltina Brazlândia Plano Piloto Taguatinga Núcleo Bandeirante Gama FIG. III.16. BRASÍLIA - Mancha Urbana em 1960. Fonte: Anjos, 2010. A Estrada Parque Contorno – EPCT – teve importância desde o momento do concurso, quando, segundo Brito, integrantes da comissão julgadora teriam solicitado que houvesse uma via que funcionasse como contenção das “ocupações indesejadas” dentro do centro urbano. O Núcleo Bandeirante (NB) foi localizado junto à estrada que ligava as obras à Luziânia, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, futura BR 040. Uma vez que o Núcleo Bandeirante deveria ser um assentamento provisório de suporte às obras, e seria removido após a inauguração do Plano Piloto, teve sua localização na face interna da EPCT. Taguatinga foi localizada na face externa da EPCT, junto à estrada de Anápolis, já que se destinava a receber a população removida de “invasões” dentro do centro urbano. Esse também foi o caso de Sobradinho, localizado junto à estrada que ligava o sítio das obras à Planaltina, a futura BR 020, e do Gama, localizado a 35 km. Do PPB, próximo à estrada de ligação de Brasília com o Rio de Janeiro e São Paulo – a BR 040. 100 Ou seja, a estruturação urbana dirigida pelo Estado, nos anos iniciais, teve o claro objetivo não apenas da polinucleação, mas também da pulverização, já que teria sido mais simples localizar toda a população dos vários núcleos periféricos em apenas um mesmo sítio, e este avizinhado a Taguatinga, por exemplo. A premissa da polinucleação pode ter tido origem no ideário das garden cities inglesas e das suburban settlements norte-americanos, que preconizavam um limite para a população das cidades, já que acima de determinado contingente populacional a cidade tenderia ao caos urbano. Mas isso são apenas especulações. O fato é que havia um núcleo urbano popular junto a cada via principal de acesso ao centro urbano, e essa lógica, associada por muitos pesquisadores a uma estratégia oficial de segregação socioespacial, de fato contribuiu para a segregação física e social da cidade. O fato que nos interessa aqui é que a ocupação urbana conduzida pelo Estado, a formal, seguiu um padrão, em Brasília, de centro em oposição aos núcleos periféricos. A ocupação informal já teve uma característica diversa, uma vez que – como no caso do Núcleo Bandeirante, Velhacap (Candangolândia), Vila Planalto e Vila Paranoá – se situou em localidades dentro dos limites destinados ao centro urbano. Esses remanescentes de acampamentos e instalações para os operários se tornaram exceções ao tipo de estrutura socioespacial segregada de Brasília, nos primeiros anos. Após a perda de função, esses assentamentos não foram removidos como os demais acampamentos de obras e conseguiram manter-se até os dias atuais, estando atualmente regularizados e fazem parte, atualmente, da cidade formal. Desse modo, apenas algumas ocupações informais foram capazes de resistir às pressões das sucessivas remoções pelo Estado até a década de 1980. Veremos adiante quais foram esses assentamentos e quais os fatores que contribuíram para que se mantivessem clandestinamente na área de maior valorização da terra urbana em Brasília – nas proximidades do Plano Piloto. Contudo, de forma geral, a maior parte das “invasões” situada na área interna ao anel sanitário73 foi sumariamente removida até o início da década de 1980. De fato, a ideia de se implantar um centro urbano isolado e protegido, imerso em um cinturão verde, que o separaria das cidades satélites autônomas a serem criadas após a sua saturação, demonstrou-se ingênua, tendo sido atropelada por uma realidade mais forte e 73 O Anel Sanitário foi o limite instituído pelo Planidro, em 1970, e limitava as ocupações no interior da Bacia do Lago Paranoá. Coincidia com a linha de cumeada da Bacia do Lago Paranoá e com o traçado da EPCT. 101 incrivelmente dinâmica. O que de fato ocorreu foi que, ao mesmo tempo em que se implantava o Plano Piloto, a periferia também se formava. Também nesse período inicial e em todos os que se seguiram, o centro urbano teve a prioridade dos investimentos destinados ao conjunto da Capital. Nos primeiros anos, essa situação era mais flagrante em função de haver núcleos urbanos inteiros sem atendimento de água, energia e esgoto, enquanto o centro urbano tinha toda a infraestrutura necessária, além da execução de acabamentos de cunho estético apurado. Ou seja, a diferenciação presente entre o centro e a periferia se expressava não apenas na proximidade e acessibilidade aos locais de trabalho do centro, mas também na qualidade de atendimento dos serviços públicos. Os primeiros trabalhadores que chegaram a Brasília para participar das obras foram alojados em barracas de campanha fornecidas pelo ministério da guerra. Segundo Kim et Wesely, a esses primeiros alojamentos se sucederam outros de madeira, feitos para os operários da Novacap em área próxima ao que seria o futuro Núcleo Bandeirante e que seria chamada futuramente de Velhacap, e mais tarde de Candangolândia. Os trabalhadores com família foram alojados em acampamentos fora da Velhacap e os técnicos foram alojados na área de acampamentos que viria a formar a Vila Planalto, junto à face Leste da Praça dos Três Poderes (Kim et Wesely, 2010: 78). O grande esforço que foi construir Brasília e inaugurá-la, já como “fato irreversível”, demandou grandes recursos e um grande contingente de mão de obra. A sua localização no Planalto Central do Brasil, com o objetivo de polarização populacional e econômica tinha essa justa finalidade. Contudo, a cidade central, o Plano Piloto, foi idealizado para abrigar apenas o funcionalismo estatal e seu suporte necessário. Então, onde residiriam os milhares de trabalhadores que afluíam ao sítio das obras, em busca de postos de trabalho? Essa situação de forte atração de migrantes e a determinação de não haver, dentro do centro, áreas habitacionais improvisadas para as populações de renda mais baixa, fez com que, já em 1958, fossem criados núcleos periféricos com a função de abrigar a camada operária da população. Esse primeiro momento da urbanística de Brasília deu origem aos núcleos urbanos de Taguatinga, Gama e Sobradinho, as primeiras cidades satélites, localizadas a uma grande distância do PPB. Posteriormente, foram criadas outras 102 “cidades”74 dentro desses moldes, fruto de remoções de ocupações irregulares dentro da área do centro urbano, de modo que esse foi o modelo utilizado para a configuração do aglomerado urbano nos anos inaugurais. O fato é que os núcleos habitacionais criados pelo governo para as populações de mais baixa renda tinham o objetivo de liberar o centro urbano de ocupações do tipo favela, com barracos de madeira e outros materiais improvisados. Apesar da forte determinação do governo em relação a essa política de “saneamento visual” do centro urbano, algumas ocupações informais seguiram resistindo ao longo dos anos, através de organização popular, ou simplesmente persistência mesmo, até conseguirem sua aceitação por parte das autoridades. É importante frisar aqui que o centro urbano, ou PPB, com seus parcelamentos anexos, o Lago Sul, Lago Norte e Park Way, era visto de forma idealizada, como cidade moderna, que não deveria ter indícios das mazelas da realidade social brasileira, fortemente desigual. O tipo de urbanismo idealizado por Lúcio Costa, assim como um quadro impressionista que precisa de certa distância para a adequada apreciação, também precisava dos amplos espaços, vazios de ocupação, ao seu redor, que compunham com coerência a estética daquela proposta. Esses amplos espaços foram mantidos vazios com a determinação de um perímetro de contenção urbana, criado no alinhamento da cumeeira da bacia do Lago Paranoá, onde foi implantada a Estrada Parque Contorno – EPCT75. Dessa forma, ao mencionarmos o centro urbano, estaremos nos referindo às áreas internas a essa via, com exceção da face Noroeste que engloba os limites da reserva do Parque Nacional de Brasília, área de proteção ambiental não ocupada. Desde antes da inauguração da cidade, a EPCT foi vista como um limite claro entre a cidade central e a periférica, com o reforço de ser justamente em seu alinhamento que era definido o limite da Bacia do Lago Paranoá, área a ter ocupação urbana limitada por questões sanitárias. Essa premissa viria a ser reforçada em 1970, com o Plano Diretor de Águas, Esgoto e Controle da Poluição do Disrito Federal – o Planidro, momento importante de registro das intenções do Estado em relação à preservação da área compreendida pela bacia do Lago Paranoá. 74 As “cidades satélites” de Brasília, como comentado na Parte I deste trabalho, são núcleos urbanos com relativa independência, contudo, não constituem municípios separados do Plano Piloto, já que o Distrito Federal ou Brasília é, por lei, indivisível. Cada cidade satélite, ou “cidade”, como o governo tem utilizado recentemente, está situada em uma Região Administrativa. Atualmente Brasília possui 30 Regiões Administrativas. 75 A construção da EPCT teria atendido a uma exigência dos jurados do concurso do Plano Piloto de Brasília, muito provavelmente para constituir um limite físico resguardando o centro urbano (Brito, 2009: 105). 103 FIG. III.17. Acampamentos pioneiros em Brasília – a cidade de lona. Fonte: Wesely Et Kim; Arquivo Brasília, 2005. FIG. III.18. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte: Wesely Et Kim; Arquivo Brasília, 2005. FIG. III.19. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte: Wesely Et Kim; Arquivo Brasília, 2005. FIG. III.20. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte: Wesely Et Kim; Arquivo Brasília, 2005. FIG. III.21. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte: Wesely Et Kim; Arquivo Brasília, 2005. FIG. III.22. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte: Wesely Et Kim; Arquivo Brasília, 2005. 104 III.1.1.1. Núcleo Bandeirante O Núcleo Bandeirante ou “Cidade Livre”, como foi chamado no início, foi criado pela Novacap para dar suporte às obras do centro urbano, já que as cidades preexistentes, Brazlândia e Planaltina, foram descartadas para esse fim. Os terrenos do NB 76 foram cedidos a comerciantes no sistema de comodato, sem escritura definitiva, prevendo-se que fossem devolvidos aos domínios da Novacap em fins de 1959. Segundo Kim e Wesely (2010: 93), o NB foi demarcado e implantado em uma área de 115 ha, com arruamento constituído de três avenidas paralelas, com 3 km de extensão, cortadas por umas poucas ruas transversais. Havia uma regulamentação de que todas as construções deveriam ser de madeira, a fim de assegurar o caráter transitório do assentamento. Segundo Ribeiro, apud Brito (2009: 85), o Núcleo Bandeirante já apresentava, em 1958, um panorama de ocupação por “invasões” muito intenso, o qual se agravava a cada obra finalizada no PPB, já que eram removidos os respectivos alojamentos para trabalhadores, que tinham como única saída a ocupação de áreas adjacentes ao Núcleo Bandeirante. Segundo esse autor, as ocupações eram compostas, nessa época, por construções muito precárias de materiais reutilizados e restos de obras. A alternativa habitacional dessa época, além das “invasões”, eram os aluguéis de cômodos, por altos preços, no Núcleo Bandeirante. (Vide fotos.) Segundo Brito, já no final em 1958, foram proibidas novas construções no NB, pela Novacap, o que resultou em determinação inócua, já que, em 1959, censo realizado nessa cidade indicou um total de 11.856 habitantes. Considerando-se que em 1956 havia um total de 12.700 habitantes em todo o quadrilátero do Distrito Federal, entende-se que esse é um valor significativo apenas para o NB. A urbe pioneira seguiu abrigando os migrantes vindos para o sítio das obras, mesmo com as ameaças de remoção. Uma vez inaugurado o PPB, e, teoricamente, perdendo-se a função do NB e sua razão de existência, intensificaram-se os conflitos entre a organização de moradores e comerciantes do local e a Prefeitura do Distrito Federal77. As edificações tinham características simples e sistema construtivo com estrutura e vedação de madeira. O programa era constituído, via de regra, em comércio e serviços voltados para a avenida e residência na parte oposta da construção, voltada para os fundos do lote. Uma 76 Núcleo Bandeirante. Com a Fundação de Brasília, foi criada a Prefeitura do Distrito Federal – PDF, pelo Decreto nº 3.751, de 13/04/1960, tomando, esta, parte das atribuições da Novacap. 77 105 vez que o Núcleo Bandeirante concentrava todas as atividades da vida dos operários das obras de Brasília, FIG. III.23. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; FIG. III.24. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; 106 quando não estavam a serviço – lazer, descanso, convívio social –, adquiriu o status de centro popular por vários anos. Concentrava atividades de comércio e serviços variados: hotéis, pensões, açougues, barbearias, agências de automóveis, postos de gasolina, empresas de transporte, oficinas, armazéns, farmácias, consultórios médicos e dentários (Kim et Wesely, 2010: 93). Os comerciantes do local obtinham a franquia dos impostos, o que levou o assentamento a ganhar o nome de “Cidade Livre” nos primeiros anos. Outros acampamentos criados no início das obras, em caráter provisório, por iniciativa do Estado e das empresas envolvidas na construção de Brasília, executado com boa qualidade construtiva e arranjo urbanístico racional, foram os acampamentos de obra da Barragem do Paranoá, da Barragem do Torto, do Centro de Transmissão de Contagem, do aeroporto definitivo e das granjas modelo. Cada um desses acampamentos, graças às infraestruturas já instaladas, em diferentes momentos e de diferentes maneiras, deu origem a ocupações informais do território. Também houve outras áreas ocupadas de forma espontânea e precária, fruto de iniciativa da população migrante, exemplo da Vila Matias, Vila Tenório, Vila São José, Placa das Mercedes, Vila Amaury. Essa última, localizada em sítio que depois foi inundado para formar o Lago Paranoá, teve seus moradores encaminhados para a recém-criada cidade satélite de Sobradinho (Kim et Wesely, 2010: 79). III.1.1.2. Candangolândia (Velhacap) e Metropolitana Próximo ao Núcleo Bandeirante ficava a sede da Novacap, que contava com diversas instalações, depósitos, alojamentos, residências de engenheiros, além de um hospital – o Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira ou “do IAPI”, e de um grande restaurante – do Serviço de Alimentação da Previdência Social (Brito 2009: 84). Depois de findo o seu uso esse conjunto passou a ser chamado de Velhacap, e posteriormente deu origem a um assentamento informal que se expandiu, principalmente nos anos 1990. Atualmente essa área encontra-se regularizada e compõe a Região Administrativa da Candangolândia. A Metropolitana foi a empreiteira responsável pela construção do aeroporto comercial, que também teve seu acampamento de operários localizado junto ao Núcleo Bandeirante, e deu nome à localidade pioneira surgida da ocupação de suas instalações. 107 III.1.1.3. Vila Planalto Como vimos, ao contrário do que era esperado pelo governo, ao serem concluídos os serviços a que se destinavam, algumas sedes de acampamentos tornaram-se opção de moradia para muitos e suas proximidades passaram a atrair processos de ocupação espontânea. Entre esses acampamentos pioneiros estão os criados para dar suporte às obras do Brasília Palace e para o Palácio da Alvorada, obras iniciadas em fevereiro de 1957, aos quais se juntaram os acampamentos das construtoras Rabello e Pacheco Fernandes, entre outros. Inicialmente muito próximos das obras da Praça dos Três Poderes e da Esplanada dos Ministérios, esses acampamentos foram remanejados para uma posição um pouco mais a Leste do conjunto, a fim de liberar o local das obras. Na nova localização, esse pool de acampamentos de construtoras passou a incluir um total de vinte e dois acampamentos. Depois de perder o uso original, essa área, que viria a ser chamada de Vila Planalto, tornouse um núcleo habitacional pioneiro, encravada no coração do centro urbano, que foi consolidada e mais tarde tombada, juntamente com o PPB de Brasília, como Patrimônio Cultural pelo Iphan. III.1.1.4. A “Invasão” do Paranoá Para que fosse represado o ribeirão Paranoá e criado o lago para completar a proposta ambiental e paisagística da nova capital, foi construída uma barragem, em sítio distante cerca de 20 km do centro urbano. Nessa localidade foi instalado um acampamento provisório para as obras, iniciadas em 1957. Uma vez que se tratava de empreitada de grande porte, necessitou dos serviços de várias empreiteiras e seus operários, reunindo ali grande quantidade de pessoas e uma infraestrutura urbana necessária para dar suporte para toda essa população. A independência momentânea que a localidade obteve, segundo Brito (2009), quase motivou a Novacap a criar ali uma urbe. Porém, em função da proximidade desta com o Plano Piloto de Brasília, a Companhia desistiu do intento. Com o fim das obras da barragem e o alagamento de algumas de suas áreas, o acampamento perdeu vitalidade. Em fins da década de 1960, sua população não ultrapassava 1.000 habitantes. 108 Sobradinho Brazlândia Planaltina PLANO PILOTO DE BRASÍLIA Taguatinga Mansões do Park Way Ocupação do Paranoá Núcleo Bandeirante Gama FIG. III.25 - BRASÍLIA - Mancha Urbana em 1964. Fonte: Anjos, 2010. III.1.2. Urbanização Dirigida: Os Primeiros Núcleos Urbanos Periféricos – Taguatinga, Sobradinho e Gama A primeira cidade satélite criada em Brasília foi Taguatinga, em 1958, com o objetivo inicial de abrigar os moradores removidos da Vila Sarah Kubitscheck, assentamento informal surgido próximo ao Núcleo Bandeirante, junto à estrada de Anápolis. Contudo, Taguatinga seguiu sendo o principal destino das remoções promovidas pela Novacap. Segundo Brito (2009: 91), uma pequena parte dessa comunidade foi transferida para Taguatinga em Fevereiro de 1960, onde foram construídas 100 casas com sobras de madeira usadas na construção dos edifícios públicos do PPB. Taguatinga também foi alvo de ocupações informais, e a Novacap se esforçava para coibir as ocupações não permitidas, derrubando os barracos, normalmente construídos à noite. Foi assim que surgiu a Vila Matias, sob a liderança de Raimundo Matias. Um enorme contingente populacional, sem outra opção de moradia, decidiu ocupar, de forma coletiva, uma área junto a Taguatinga, no final de 1959. Nessa época, também surgiu em Taguatinga outro assentamento informal, a cerca de cem metros da estrada Brasília-Anápolis, no Setor Sul da cidade, a Vila Dimas, sob a liderança de Dimas Leopoldino da Silva. 109 Os lotes “formais” concedidos pela Novacap nos primeiros anos em Taguatinga, mesmo autorizados pelo Estado, não tinham sua situação fundiária legalizada, já que a Companhia transferia os lotes aos seus ocupantes por meio de procurações, sem registro em cartório. Em função da grande demanda por habitações, começou a haver casos de venda duplicada da mesma parcela, fazendo com que muitos, ao ver-se sem ter onde morar, ocupassem terrenos para depois virem a requerer a posse (Brito, 2009: 92). Essa situação passou a ser uma constante no território do Distrito Federal, como no de muitas outras cidades Brasileiras cuja expansão se deu de forma mais espontânea que dirigida. Sobre a localização de Taguatinga, Brito esclarece: “A localização dessa primeira cidade satélite não foi fortuita. Além de ocorrer balizada pela EPCT (estrada que cingiu o sítio da cidade central) e de atender à modelagem de expansão em núcleos isolados do centro, foi estrategicamente posicionada em terreno avizinhado à sede local do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC).(...) A Hospedaria de Migrantes ou Centro de Recepção e Triagem foi construída em terras da fazenda Guariroba, avizinhada da fazenda Taguatinga, a cerca de 30 km do centro urbano. Uma localização margeada pela antiga estrada de Anápolis (via Corumbá) e cuja relativa proximidade ao seu novo eixo de ligação – que se encontrava em fase implantação naqueles anos – demonstrou uma clara preocupação com a interatividade ao posto auxiliar do INIC instalado naquela cidade goiana. Além disso, naquele momento, tal trajeto era percorrido pela maior parte dos migrantes direcionados ao sítio das obras (inclusive daqueles provenientes da região Sudeste e Nordeste), pois Anápolis era a cidade mais próxima servida de linha férrea e de onde era mantido transporte com alguma regularidade para Brasília” (Brito, 2009: 93). Segundo essa autora, a posição da infraestrutura do INIC e de outras ligadas ao recepcionamento dos imigrantes junto ao principal vetor de acesso ao sítio das obras, porém, situado a 30 km deste, teve a finalidade de criar uma contenção do acesso dos migrantes ao centro urbano, e consequentemente de novas “invasões”. Outra cidade satélite criada nos moldes de Taguatinga78 com a finalidade de abrigar a população removida de ocupações informais no centro urbano foi Sobradinho. Esta, com o objetivo de receber, a princípio, os moradores da Vila Amaury, localizada em área de alagamento do Lago Paranoá, também seguiu o modelo de satélite locada a grande distância do centro, assim como o Gama e Taguatinga. Sobradinho recebeu a maior parte 78 Planta elaborada pela Divisão de Obras Públicas, apresentada para a apreciação da diretoria da Novacap em Dezembro de 1959 (Brito, 2009: 93). 110 das famílias removidas da Vila Amaury e do acampamento do DNOCS, localizado também no centro urbano (Brito, 2009: 93-94). Segundo Oliveira (2008, 109-110), Sobradinho teve a especificidade de se destinar a tornarse uma “cidade rural”, dentro do quadrilátero do Distrito Federal, a fim de atender a solicitação de um dos diretores da Novacap. Sua localização foi indicada pelo DTA – Departamento de Terras e Agricultura da Novacap, a partir dos levantamentos do relatório Belcher, em que constavam estudos sobre os melhores locais para a produção agrária. Segundo Silva, apud Oliveira (2008, 110), Sobradinho se inseriu dentro de uma estratégia de abastecimento do Distrito Federal, que, juntamente com outras quatro áreas, fazia parte do Plano de Abastecimento da cidade a ser implementada pelo DTA. Essas cinco áreas, denominadas Unidades Socioeconômica Rural – USER, juntamente com supermercados e centros de abastecimento, se caracterizavam como um complexo de mercados e depósitos que deveriam servir, entre outras coisas, como base para o desenvolvimento das comunidades rurais. Das cinco USER, duas foram localizadas nas proximidades das cidades satélites de Sobradinho e Gama, cujos arredores tiveram a implantação de núcleos rurais. Uma das USER foi implantada entre Taguatinga e Núcleo Bandeirante; outra, a 10 km de Brazlândia; e outra, na saída para o município mineiro de Unaí. Todas as USER se tornaram embriões de parcelamentos informais implantados posteriormente, conectados pela via EPCT, criando um cinturão em torno do PPB (Oliveira, 2008: 110). É interessante notar que a ocupação que deu origem a Sobradinho tinha como liderança um funcionário da Novacap. Posteriormente, Sobradinho tornou-se residência de funcionários públicos da esfera local e federal, e dentre os núcleos periféricos criados pelo governo, foi objeto de obras de urbanização em quantidade significativamente superior à média implantada em meados da década de 1960. Há várias hipóteses para que isso tenha ocorrido: a influência dos primeiros moradores nas esferas do governo ou a tendência de o funcionalismo buscar um sítio que estivesse em posição segregada em relação ao vetor das obras e dos operários, o sudoeste, já que Sobradinho é o único núcleo criado que se situa a norte do centro. Também é possível que as características de seu sítio – de cota mais alta em relação ao centro, em um platô próximo ao parque nacional, onde se tem belas visuais e um microclima serrano – tenha estimulado o 111 FIG. III.26. Acampamentos pioneiros em Brasília – Década de 1950 (ao fundo, a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes em construção). Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005. FIG. III.27. Acampamentos pioneiros em Brasília. Fonte das Fotos: Wesely et Kim, 2005; 112 desenvolvimento de uma comunidade diferente dos demais núcleos, atraindo moradores de renda mais alta. O núcleo habitacional do Gama foi criado, a princípio, para abrigar os funcionários da própria Novacap. Foi locado a sul do centro urbano, a uma distância de 38 km. Teve plano assinado por Paulo Hungria Machado, mesmo autor do plano de Sobradinho. Em fevereiro de 1959, já contava com sistemas de esgotos estudados pelo Escritório Saturnino de Brito, e sua locação seria aprovada em dezembro de 1960. Contudo, a infraestrutura nesse núcleo urbano não chegou nos primeiros anos. Também se tornou destino dos moradores removidos de assentamentos informais do centro urbano (Brito, 2009: 94). Juntamente com Taguatinga e Sobradinho, o Gama compôs a modelagem do urbanismo de Brasília dos primeiros anos, em que a diretriz principal era a manutenção da baixa densidade de ocupação dentro dos limites da bacia do Lago Paranoá. Dessa feita, as ocupações não planejadas ocorridas dentro do PPB eram prontamente removidas para essas cidades, que, num primeiro momento, com exceção de Sobradinho, eram muito carentes de infraestrutura urbana. Houve poucas exceções de ocupações informais mantidas e posteriormente regularizadas dentro dos limites da EPCT, caso do Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Vila Planalto e Vila Telebrasília. Segundo Oliveira (2008, 110), as cidades satélites foram inseridas em meio aos núcleos rurais, que faziam parte do Plano de Abastecimento do Distrito Federal, criando com aquelas uma integração que não se sabe se foi ou não intencional. O fato é que se criaram cidades satélites em meio à zona rural, para destinar populações removidas de “invasões” oriundas do centro urbano, que haviam migrado inicialmente para o Distrito Federal para sair de suas áreas rurais de origem. “Esses Núcleos-Rurais (sic) tinham características que eram urbanas, mas inseridos, envoltos por glebas rurais redivididas em pequenas propriedades, representam um ideário que buscava criar a condição de colônias agrícolas. Poderia se dizer que a pequena cidade do interior era reproduzida pela visão idealizada do administrador público.” (Oliveira, 2008: 111) É fato que algumas dessas áreas alcançaram grande êxito produtivo, graças à assistência da Embrapa à produção e aos convênios com o Ministério da Agricultura e linhas de crédito específicas, para as glebas que seriam cedidas ao produtor mediante instrumento de concessão de uso por um prazo de vinte anos, renovável, não havendo, portanto, transferência ou venda de propriedade. 113 FIG. III.28. Vila Amaury – Antes de 1960. Fonte das Fotos: Wesely et Kim; Arquivo Brasília, 2005. FIG. III.29. Vila Amaury – Antes de 1960. Fonte das Fotos: Wesely et Kim; Arquivo Brasília. 114 III.1.3. De 1960 até 1964 – Período de Breve Arrefecimento das Remoções “Quando, em 1960 inaugurou-se Brasília, a cidade central ainda estava incompleta. Mas em seus domínios, contando com a Asa Sul e algumas quadras do Lago Sul e Setor de Mansões Park Way, a urbanização incluía vias asfaltadas, luz, água e esgoto encanados. Dentre as parkways que recortavam o sítio do centro urbano – e que eram restritas ao território destinado a sua localização no interior da Bacia do Lago Paranoá – uma delas, a estrada em círculo sobre o divisor de águas, a EPCT, constituiria um importante instrumento no planejamento territorial e balizaria, por décadas, o ideário urbano como um perfeito divisor natural de valores fundiários.” (Brito, 2009: 29) Entre 1960 e 1964, o panorama político no país e, principalmente em Brasília, foi instável, tendo assumido dois presidentes e, na cidade, sete prefeitos. Juscelino Kubitscheck já não dava a sustentação política de manutenção da cidade, sendo que se iniciaram os questionamentos no congresso em relacionamento aos custos das obras, superfaturamento e pertinência da interiorização da Capital. O ritmo de construções, dessa forma, caiu vertiginosamente, e não havia a certeza de que a Capital seria de fato transferida. Mas, ainda assim, o ritmo da migração para o sítio das obras não diminuiu, e com o ritmo de remoções diminuído graças à instabilidade política momentânea, vários assentamentos informais tiveram suas ocupações ampliadas e consolidadas nesses anos. É um fato a ser notado – a falta de registro fundiário, mesmo para os parcelamentos formais, sendo os lotes concedidos aos seus proprietários por meio de procurações. Isso acontecia em função da complexa situação fundiária das terras do Distrito Federal, o que viria a se repetir em vários outros momentos da Capital. Segundo Brito (2009: 113), nesse período entre 1960 e 1964, a oferta de habitações destinadas às faixas de renda e categorias funcionais de menor escalão seria muito baixa. Em 1962, criou-se a Sociedade de Habitações Econômicas de Brasília (SHEB), e em 1962, o Fundo Habitacional dos Servidores de Brasília (FHASB). Contudo, as ações tomadas nesse período não teriam resultado significativo, apenas atingido após 1965, com a Sociedade de Habitações Econômicas de Brasília, transformada em Cohab (Companhia de Habitação) e, em seguida, SHIS (Sociedade de Habitações de Interesse Social), a partir de 1964. O Período entre 1960 e 1964 experimentou ainda uma queda na oferta de empregos na construção civil, principal empregadora no período. Segundo Brito (2009: 114), a combinação de taxa de imigração alta com o desemprego e o déficit habitacional se 115 expressaram diretamente no aumento da cidade informal, única opção de moradia para os trabalhadores que não estavam engajados nas obras cujos acampamentos continuavam em operação. Já entre 1964 e 1976, Oliveira (2008: 82) cita que há uma “proliferação e diversificação de atores no mercado imobiliário com a introdução de forma organizada do empresário da construção civil, como incorporador independente dos contratos governamentais”. Brasília adquire claramente o status de área para o investimento, com rentabilidade imobiliária, já a partir do quarto ano de existência. Por outro lado, é nesse período que se define a política habitacional para as camadas de rendas inferiores a três salários/família/mês. Em 1964, a antiga SHEB79, passa a chamar-se SHIS – Sociedade de Habitações de interesse Social, e a partir de 1966, pelo menos 78% do capital investido pela SHIS é proveniente de fundos do BNH – Banco Nacional de Habitações. Contudo, segundo a pesquisa de De Lannoy (2006), o BNH não seria capaz de atingir a camada da população com rendimentos inferiores a três salários mínimos.80 A forte demanda por habitações praticamente inviabilizou ações mais radicais de remoções das “invasões”. Praticamente nada era desconsiderado como opção de moradia: acampamentos de obra criados pela própria Novacap ou “invasões”. Segundo Brito (2009, 111), no período, quase nada poderia, na verdade, ser considerado “regular”. Uma vez que as cidades satélite recém-criadas eram profundamente carentes de infraestruturas urbanas. A população de renda mais baixa era levada a ocupar áreas próximas ao Plano Piloto, este, em contraste, rico de infraestruturas e empregos. “Após a inauguração da Capital, houve grande onda de desemprego, decorrente, principalmente, da diminuição do ritmo das construções. Os desempregados perderam a moradia nos alojamentos, tornando ainda mais sério o problema habitacional. As invasões existentes (Vilas Sarah Kubitscheck, Amauri, Tenório, dentre outras) inchavamse, enquanto novas formavam-se.” (Ipea, 2001) Um exemplo importante e particularmente ímpar de organização e movimento popular por uma causa comum que ocorreu nesse período foi o caso do MPFNB81. Esse movimento popular legítimo, conforme relata a pesquisadora Nair Heloísa Bicalho de Sousa, tirou partido da desorganização momentânea dos poderes de repressão e buscou apoio do 79 Sociedade de Habitações Econômicas de Brasília. Sobre o assunto, consultar “O Descompasso das Políticas Públicas para a Solução do Déficit Habitacional”, De Lannoy, 2006. 81 Movimento Pró-fixação e Urbanização do Núcleo Bandeirante. 80 116 Congresso Nacional. Curiosamente, a atuação política “apolítica” e truculenta de Jânio Quadros, segundo essa autora, parece ter estimulado ainda mais a revolta popular. Para compreender melhor o processo de fixação do assentamento pioneiro Núcleo Bandeirante, buscamos informações principalmente no trabalho de Bicalho de Sousa, que, juntamente com Luciana de Barros Jacoud, coordenaram a pesquisa sobre o MPFNB, com o apoio da Fundação Pró-Memória e do CNPq. Essa pesquisa utilizou como metodologia o cruzamento de dados de jornais da época – no caso, o Correio Braziliense – e entrevistas feitas com habitantes do Núcleo Bandeirante participantes do movimento em 1960. Junto ao Núcleo Bandeirante surgiram outros assentamentos, esses por iniciativa da população, já que o NB logo atingiu sua capacidade máxima de ocupação, mesmo tendo às vezes várias famílias morando em um mesmo barraco. Surgiu nas proximidades, mas do outro lado da rodovia BR 040, a Vila Tenório; e a Vila Mercedes do outro lado da linha do trem. A Vila Tenório, segundo relatos coletados por Bicalho de Sousa e equipe, surgiu a partir de um loteamento em área de certo Tenório Cavalcante. Junto às primeiras ocupações se avolumaram outras, a ponto de a Vila Tenório ficar maior que o próprio NB. A Vila Mercedes teria surgido também nas adjacências do NB e se tornado ainda maior que a Vila Tenório, formada de pequenas vielas, atendidas por água de “cacimbas” e energia elétrica vinda de motores a diesel (Bicalho de Sousa, 1991: 180). Antes de deixar o governo, em 1960, o presidente Kubitscheck iniciou o processo de urbanização da cidade, porém não criou garantias legislativas para a manutenção do assentamento. Com a posse de Jânio e sua decisão em relação à remoção do assentamento, foi fundado o Movimento Pró-Fixação e Urbanização do Núcleo Bandeirante – MPFUNB, para que, através da união da população, se encontrasse, com o Congresso, uma forma de legalizar a ocupação e se impedisse a demolição da cidade. Segundo Bicalho de Sousa, in Paviani (1991: 183), a atitude contraditória de Jânio Quadros em prometer a fixação em campanha e depois ordenar a remoção, inclusive mandando prender as pessoas que insistissem em iniciar novas construções, provocou a reação organizada da comunidade. “A diferença entre o discurso e a prática Janista foi o ponto de ruptura com a população do Núcleo Bandeirante. Não havia carisma capaz de se sustentar na atitude ambígua e ameaçadora diante das reinvindicações de urbanização e fixação por parte dos moradores. A promessa da ‘segunda Viva Maria’ desfez-se rapidamente, dando origem a uma intensa política de erradicação, que provocou uma reação popular organizada.” (Bicalho de Sousa, 1991: 183) 117 Outras medidas de cunho repressivo à ocupação foram tomadas por parte da prefeitura do Distrito Federal (segundo documento entregue pelo movimento à PDF em 1961), como a supressão de linhas de ônibus que ligavam o Núcleo Bandeirante à Avenida W3, no Plano Piloto, remoções de pessoas de suas casas de forma desumana, estímulo aos inquilinos a desocupar lotes, destruição de barracos, proibição de construções. Apesar das ações da prefeitura, o MPFUNB continuou organizado e fazendo reuniões e assembleias. Havia uma integração do movimento com a paróquia da cidade, grupos de estudantes, donas-de-casa, comerciantes, e praticamente todos os grupos que participavam da vida social da cidade. Segundo Bicalho de Sousa, in Paviani (1991: 190), a capacidade de manter os moradores mobilizados contra as investidas de repressão da prefeitura do Distrito Federal, juntamente com o trabalho de sensibilização dos parlamentares para a causa da fixação, foram dois elementos fundamentais para alcançar o crescimento da participação e do envolvimento da sociedade com o movimento e, ao mesmo tempo, garantir o recuo da ação intimidatória e violenta das forças policiais. Contudo, foram tempos difíceis para aquela população, como visto em relato de pioneiro e participante do movimento: “A gente não tinha prazo coisa nenhuma, só arbitrariedade. Era a vontade deles, ‘eu mando, eu forço, eu faço e acabou’, porque a lei é clara, o sujeito condenado ainda tem um prazo. Com eles não tinha negócio de prazo não, o negócio deles era quebrar e acabar, não estavam incomodando com o pedido de ninguém (...). Nós detínhamos a derrubada, mas o plano era destruir geral. Mas a gente resistia, vinha (sic) dois choques da GEB82 e nós éramos quinhentas pessoas, oitocentas, mil e tantas pessoas... Aí eles desanimavam e iam embora.” (Bicalho de Sousa, 1991: 190) O intenso trabalho do MPFUNB junto ao Congresso, e denunciando ali as arbitrariedades praticadas pela PDF, findou por conseguir a aprovação do projeto de lei da fixação do Núcleo Bandeirante, com unanimidade pelos parlamentares, tendo sido este sancionado por João Goulart no final de 1961, devido à renúncia de Jânio. A Lei nº 4.020, de agosto de 1961, garantiu a fixação do Núcleo Bandeirante e deu início ao processo de urbanização da cidade. Com a legalização do assentamento, a comunidade se sentiu dotada de cidadania e de novos direitos e passou a cobrar da prefeitura os serviços públicos básicos. Até então a cidade não possuía rede de luz, água ou esgoto, tendo este último chegado só na década de 1970. Segundo Bicalho de Sousa, o MPFUNB foi bastante esvaziado após conseguir seu 82 A GEB – Guarda Especial de Brasília, foi uma corporação paramilitar, criada no início da construção de Brasília. Era formada por pessoas às vezes sem nenhum treinamento, apenas com porte físico, arregimentadas pela Novacap. Ficou notória pelo uso de truculência e práticas arbitrárias. Segundo Bicalho de Sousa, sua atuação em relação ao MPFUNB é controvertida. 118 principal objetivo, contudo seguiu existindo até 1964, quando, segundo relatos, teve lideranças presas e arquivos roubados pelo governo militar, quando foi extinto. O exemplo do Núcleo Bandeirante demonstra com clareza como o Estado se comporta em relação aos assentamentos formais e informais, e inclusive em relação a um mesmo assentamento, antes informal, tornado formal através de lei. Também demonstra como o governo lida com esse assentamento durante o governo JK, voluntarista e desenvolvimentista, dando garantias apenas verbais de manutenção do assentamento, e durante o governo populista de Jânio – desnudo do véu da barganha clientelista do voto, já que a população do NB apoiava Kubitscheck e não possuía o direito ao voto direto. Em campanha, Jânio prometeu a fixação daquela população, mas, uma vez eleito, ordenou sua remoção sumária. Graças a uma organização popular coordenada, o movimento conseguiu a aprovação, pelo Congresso, da lei de fixação; porém, ao assumir, o governo militar forçou a extinção do MPFUNB e inviabilizou sua continuidade. O Núcleo Bandeirante se manteve em sua localização original, mas as demais ocupações adjacentes – Vila Mercedes, Tenório, IAPI, Urubu, Querosene – foram removidas e sua população encaminhada para cidades satélite fora dos limites da EPCT. Após o golpe militar, segundo Brito (2009: 116), acirrou-se o controle sobre a ocupação de terras nos domínios da Capital, e, em 1965, foi criada uma comissão permanente incumbida do processo da remoção de “invasões”, constituída de representantes da Prefeitura do Distrito Federal, da Fundação do Serviço Social, da Novacap e do Departamento Federal de Segurança Pública. Sousa e equipe (1991: 176), em pesquisa elaborada na cidade do Núcleo Bandeirante, iniciada em 1986 e publicada em 1991, com apoio do CNPq e da fundação pró-memória, buscou resgatar os fragmentos da história do movimento popular que findou por conseguir a promulgação de uma lei que garantiu a permanência da cidade em sua localização original. Segundo Sousa, o caso do Núcleo Bandeirante é uma das poucas exceções de resistência e de movimento popular pela manutenção da moradia por parte de seus ocupantes em uma área não permitida pelo Estado. Depois de 1964, esse tipo de movimento foi duramente reprimido pelo governo militar; porém, o NB já havia garantido a sua fixação. Após a abertura política, em 1988, um novo pacto entre a classe política e a população seria inaugurado em Brasília, mas até que aquele momento chegasse – e, segundo Bicalho de Sousa, in Paviani (1991: 173), por motivos não totalmente conhecidos –, não haveria pleitos diretos em Brasília. No início havia um prefeito indicado pelo presidente e, mais tarde, um 119 governador, também indicado. Dessa forma, a população da cidade não seria alvo da barganha clientelista do governo janista. Houve justamente o contrário. Após vencer as eleições, em 1960, Jânio Quadros, que, quando em campanha, havia prometido em palanque a fixação do núcleo urbano, sob palavras de efeito, recém-empossado, encarregou o prefeito do Distrito Federal, Paulo de Tarso, de executar uma política de transferência de comerciantes do Núcleo Bandeirante para a Asa Norte (bairro do Plano Piloto) e dos favelados (“invasores”) para as cidades satélite (Bicalho de Sousa, in Paviani, 1991: 174). “ ‘Montar comércio sem pagar impostos’ foi o lema para aqueles que traziam algum capital para investir na obra pioneira. Porém, para a maioria dos recém-chegados, a alternativa era ‘fichar nas companhias’ como ‘peão de obra’ sujeito ao ritmo intenso da jornada e à precariedade das condições de trabalho (Bicalho de Sousa, 1983:36-37). Essa combinação de comerciante e trabalhadores assalariados dava à Cidade Livre um aspecto peculiar, reforçado pela própria função econômica e social que desempenhava junto aos moradores da nova capital. Eixo de articulação com as áreas fornecedoras de gêneros alimentícios, insumos e bens necessários à construção de Brasília, e espaço central da sociabilidade candanga, a Cidade Livre era o core da vida econômica, social e cultural, papel este só superado por Brasília (Plano Piloto) anos após sua inauguração.” (Bicalho de Sousa, 1991: 177) Apesar da criação da SHEB – Sociedade de Habitações Econômicas de Brasília, em 1962, e, em 1963, do FHASB – Fundo Habitacional dos Servidores de Brasília, a oferta habitacional destinada ao funcionalismo das categorias de menor escalão foi crítica durante os mandatos de Jânio Quadros e João Goulart. Dessa forma, os investimentos da SHEB foram destinados em provimento de habitações para servidores da municipalidade, dos quais muitos ainda viviam em moradias precárias (Brito, 2009:113). Em 1965, a SHEB foi reestruturada e transformada em SHIS – Sociedade de Habitação de Interesse Social, de forma a ser integrada ao Sistema Financeiro da Habitação, passando a se responsabilizar pela construção de habitações para as camadas de mais baixa renda, quando então apresentaria resultados mais significativos. Segundo Oliveira, a SHIS se comprometia a garantir: “-Urbanização mínima para as áreas selecionadas; - Construção de unidades habitacionais básicas; - Urbanização de áreas construídas; - Ajuda técnica e financeira para ampliação e melhoria de unidades residenciais; - Seleção das famílias destinadas às unidades construídas; - Cobrança do custo do empreendimento e demais encargos; - Transferência do domínio das unidades residenciais aos seus ocupantes, após o pagamento do valor de aquisição.” (Oliveira, 2008: 113) 120 FIG. III.30. . Brasília - Mancha Urbana 1964 e indicação da Cidade Informal no Período. Fonte: Brito, 2009; Anjos, 2010; Sedhab, 2011. III.1.4 De 1964 até 1975 – A Cidade Informal sob Controle Aparente Com a posse do governo militar, o interesse pela consolidação da transferência da Capital foi renovado, além de reanimados os intentos de integração e segurança nacional, com a retirada estratégica da sede do Rio de Janeiro. O ritmo das obras na cidade voltou a aumentar, graças à nova política habitacional capitaneada pelo BNH, com fundos do SFH. Promoveu-se uma política habitacional diretamente vinculada ao BNH que, além de criar empregos na construção civil, expandiu assentamentos já consolidados e deu condições para a criação de dois novos núcleos periféricos: Guará e Ceilândia. Em 1965, como mencionado, a partir da estrutura da SHEB, criou-se a SHIS, e, no mesmo ano, o FUNDEFE – Fundo de Desenvolvimento do Distrito Federal, voltado para a implantação de infraestrutura. Após a criação do FGTS, em 1967, houve condições para a operação do SFH, e o setor de habitações populares de Brasília se tornou mais dinâmico. Com sua atuação baseada no processo de transferência de ocupações informais, dentro do centro urbano, a SHIS converteu-se no agente do SFH de maior produção em Brasília (Brito, 2009: 133). 121 As opções que os migrantes tinham ao chegar a Brasília era fazer seu cadastro na SHIS, a fim de pleitear uma casa popular. Contudo, caso não conseguissem ingressar no mercado formal de empregos da cidade a fim de assumir um financiamento pelo BNH, teriam que ingressar nas várias “invasões”, podendo construir seu barraco ou pagar o aluguel de um cômodo, numa cidade satélite. Também poderiam alugar uma casa “de fundo de lote”, construída fora da legislação, uma opção de moradia para quem não podia participar do mercado formal de habitação. Em 1965, a SHIS produziu 1.674 unidades habitacionais. Em 1966, passou a utilizar recursos do BNH, e entre 1966 e 1968, os recursos do BNH já representavam 78% do total de recursos utilizados pela SHIS, sendo que apenas 2% desse montante foram fornecidos pelos beneficiários e o restante foi fornecido pela própria SHIS (Oliveira, 2008: 114). Num segundo momento, a partir de 1968, uma vez que a pressão migratória para Brasília continuasse alta, foram criadas as cidades satélites do Guará I (1967), Guará II (1969), e Ceilândia (1969/1970), desta vez em modelagem contínua ao tecido urbano já constituído, e não em forma de arquipélago, como foi o caso dos núcleos periféricos criados no final da década de 50. O Guará foi concebido, inicialmente, como expansão do Setor de Indústrias anexo ao Plano Piloto e destinava-se a abrigar os trabalhadores desse setor. Seria chamado inicialmente de SRIA – Setor Residencial Indústria e Abastecimento. Com o tempo, ganhou uma expansão – o Guará II. A implantação do Guará, a meio caminho do PPB e Taguatinga, na direção Sudoeste, em continuação ao Setor de Indústrias, firmou a EPTG como um importante eixo de expansão urbana de Brasília, tanto da cidade formal, com a criação das QELC e de Águas Claras, quanto em relação à expansão da cidade informal, com os loteamentos irregulares surgidos ao longo do córrego Vicente Pires nos anos 1980 e 1990 (vide Figura III.37). O núcleo urbano da Ceilândia já seguiu outra diretriz, tendo surgido, a princípio, como uma expansão de Taguatinga em direção aos limites externos do Distrito Federal, porém atingindo dimensões de um núcleo urbano distinto. Já em meados da década de 1970, constatou-se o esgotamento do modelo urbano polinucleado e disperso de Brasília, cujas deseconomias do ponto de vista das infraestruturas urbanas e dos desgastes causados nos movimentos pendulares impostos aos trabalhadores que residiam nos distantes núcleos periféricos. (Seminário dos Problemas Urbanos de Brasília – 1974) Segundo Brito (2009: 130), é de 1975 o plano de um corredor de transporte de massa ligando a cidade central, o 122 PPB e os núcleos periféricos de Taguatinga e principalmente com a Ceilândia, a EPCL, ou Via Estrutural, de 1975. As ocupações feitas com materiais precários, de forma espontânea83, eram continuamente removidas pelo governo e agrupadas em uma “invasão” maior localizada próxima ao Núcleo Bandeirante – a Vila IAPI. Segundo Ávila em Brito (2009: 136), a Vila do IAPI absorveu a maior parte das “invasões” menores removidas do PPB, a partir de 1968. Em 1969, foi criada a Campanha de Erradicação das Invasões – CEI, cujo trabalho era promover a remoção das ocupações informais, localizadas principalmente dentro dos limites do centro urbano. Juntamente com o GER – Grupo Executivo de Remoção, a CEI foi responsável pela implantação da Ceilândia. III.1.4.2 O Zoneamento Sanitário Em 1970, o ideário que permeou o urbanismo praticado na década anterior, ou seja, a proteção da Bacia do Lago Paranoá e a manutenção da EPCT como um limite para a ocupação dentro do centro urbano, foi compilado em um plano chamado Planidro – Plano Diretor de Água, Esgoto e Controle da Poluição do Distrito Federal –, cujas principais recomendações, além da não ocupação dos espaços livres localizados na Bacia do Lago Paranoá, estabelecia um limiar populacional para essa área, além de um zoneamento sanitário para toda a área do Distrito Federal. Contudo, foi na década de 70 que a administração pública teve consciência da contradição que havia entre as duas premissas básicas da implantação da nova Capital: a de cidade administrativa – ilha de tranquilidade onde seriam tomadas as grandes decisões nacionais, na ausência de pressões de todos os tipos, e, simultaneamente, polo de desenvolvimento econômico (Ipea, 2001: 46). “O zoneamento sanitário foi estabelecido de acordo com as possibilidades de ocupação do solo previstas na época, visando preservar os recursos hídricos da região, bem como facilitar o esgotamento sanitário dos diversos núcleos urbanos já existentes ou ainda a implantar. Tal estudo consolidou o Anel Sanitário de Brasília, definido pela Estrada Parque Contorno (EPCT), contornando a Bacia do Paranoá. Essa rodovia foi assentada exatamente sobre o divisor de águas das diferentes bacias que confinam com a bacia do Paranoá.” (Ipea, 2001: 46) 83 O termo ocupação “espontânea” é utilizado neste trabalho como expressão da ação de pessoas isoladas, ou de um grupo organizado, de forma independente em relação aos interesses do Estado. Trata-se de uma nomenclatura utilizada em oposição a ocupação “dirigida” – aquela promovida pelos esforços oficiais. O urbanista e escritor Gert Urhahn se refere à “spontaneous city” como aquela que nunca está acabada, é relacionada com o usuário e é o resultado da oferta e da procura (tradução livre da autora). <http://www.bispublishers.nl/bookpage.php?id=181> 123 Ainda segundo o Ipea, é a partir da divulgação dos dados do Planidro que se começou a ter ideia das limitações do sítio do Distrito Federal com relação aos recursos hídricos. Na sequência as ações recomendadas pelo Planidro de 1970, elaborou-se, em 1974, o primeiro documento formal em que é solicitado um Plano Diretor para o Distrito Federal, no qual deveria ser estabelecido o primeiro zoneamento para o território, definidas competências quanto ao uso urbano e rural do solo e ainda apresentadas normas para o uso, concessão, distribuição e arrendamento das terras rurais (Ipea,2001: 46). Ao chegar-se ao final desse período, conclui-se que a ação do Estado nos primeiros anos de existência de Brasília teve um caráter mais gerenciador que planejador, solucionando os problemas na medida em que lhe eram apresentados. O critério ordenador atuante foi o da relocação das “invasões” promovidas pelas classes de menor renda em núcleos distantes do centro urbano. Com a criação das cidades satélites, foi dada a justificativa da necessidade da proteção dos limites da Bacia do Lago Paranoá. O que se verifica é que a cidade formal, planejada e mais provida de infraestruturas e serviços, além de conter as melhores localizações e os empregos, já nesse momento de implantação de Brasília atinge uma valorização imobiliária que inviabiliza a moradia dos mais pobres. “Apesar de o período 1971-75 ter-se constituído no mais importante em termos de expansão urbana do núcleo do aglomerado, caracterizado pela ocupação extremamente rápida não só da sede, mas também dos diversos centros urbanos, não se construiu nenhuma nova cidade-satélite (sic). Nessa época, removiam-se as populações das áreas de invasões da sede para os assentamentos já existentes nas satélites.” (Ipea, 2001) Em 1975 foi feita a implantação do Sistema Integrado de Transporte Urbano sobre o trajeto da Estrada Parque Ceilândia (EPCL), a Via Estrutural (PPCUB/2011, 45). Essa via foi de extrema importância na promoção da integração funcional entre os núcleos periféricos localizados no eixo de expansão sudoeste e o centro do conjunto urbano. Ela marcou um momento de transição entre a concepção estatal da importância de se atender as populações dos núcleos periféricos de modo satisfatório do ponto de vista de infraestruturas e equipamentos (Brito, 2009). A EPCL ou via Estrutural daria nome à ocupação que surgiria às suas margens na década de 1970, em área da Terracap84, próxima à área do “Lixão” e do Parque Nacional de Brasília. Como se pode observar no Mapa III.1, há uma expressiva expansão da ocupação do conjunto urbano entre os anos de 1964 e 1975, representada principalmente pelas ocupações do Plano Piloto, Guará e Ceilândia, além da expansão dos núcleos de Planaltina 84 Companhia Imobiliária do Distrito Federal – Empresa Pública do Distrito Federal. 124 Sobradinho, Gama e Taguatinga. Pode-se observar a expansão de cidades fora do Distrito Federal, como Formosa, e verifica-se o surgimento de Sto. Antônio do Descoberto, em Goiás. FIG. III.31. . Brasília - Mancha Urbana 1975 e indicação da Cidade Informal no Período. Fonte: Brito, 2009; Anjos, 2010; Sedhab, 2011; 125 FIG. III.32 a III.37. Ceilândia - Implantação – Por volta de 1970. Fonte das fotos: <http://www.achetudoeregiao.com.br/df/ceilandia/fotos.htm> . 126 III.2 Período de 1976 a 1986 – Período de Expansão Urbana Fortemente Controlada pelo Estado Esse período se caracteriza por enfatizar o planejamento e a normatização estatal, com a criação de legislação referente ao uso e à ocupação do solo, normas de edificações, uso e gabarito (NGB) e de planos de ordenamento. Neste período foi definido o principal vetor de crescimento da urbanização dirigida – a Cidade Formal, a sudoeste do núcleo do aglomerado, estabelecido pelo PEOT em 1977 (homologado em 1978). Também se Iniciou o processo de conurbação do Distrito Federal com os municípios vizinhos do Estado de Goiás, pela proliferação de loteamentos, não apenas pela ausência de legislação de parcelamento e controle da ocupação em tais municípios, mas também de uma política habitacional para o próprio núcleo urbano. (Brito, 2009; Ipea, 2001) III.2.1 Urbanização Dirigida O Brasil vivia a fase do II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento, em que foi verificada a necessidade de se definirem diretrizes para a região geoeconômica de Brasília. Dentro desse contexto é que foi desenvolvido o PEOT – Plano Estrutural de Organização Territorial, em 1977, e os demais planos subsequentes – POUSO e POT. Dessa forma, à medida que surgia o problema da carência de habitação e a consequente ocupação irregular do solo e dos lotes, a administração pública respondia com o desenvolvimento de planos retóricos, porém com poucas ações realmente eficazes. As ações no sentido de solucionar a crise habitacional se limitaram ao adensamento dos núcleos já existentes e à expansão de seus limites, o que atendeu de forma restrita à alta demanda habitacional no Distrito Federal. Em 1975, teve início o Pergeb – Programa Especial para a Região Geoeconômica de Brasília, implantado nas áreas rurais de Brasília, dentro do contexto do II Planasa – Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1974, que tinha como objetivo promover o desenvolvimento da produção, principalmente agroindustrial e agropecuária, no Distrito Federal. Num primeiro momento, esse programa não teria grande efeito sobre o processo de urbanização da cidade. Anos mais tarde, as infraestruturas instaladas pelo Planasa deram suporte a várias ocupações informais surgidas na zona rural. (Ver Parcelamentos Irregulares em Zona Rural – Item III.4.) Segundo Brito (2009: 145), a ocupação do tipo favela localizada próxima ao aterro sanitário, que mais tarde viria a se chamar de Vila Estrutural, e outra, de tipologia semelhante, 127 localizada na península do Lago Norte, chamada de Vila Varjão, já apresentavam contornos definidos em 1975. “Seguindo-se ao Planidro e à implantação da Ceilândia – antes mesmo que qualquer outro assentamento urbano fosse iniciado em terras da Capital – um viés mais pragmático do planejamento territorial reconheceu a inviabilidade da manutenção do sistema disperso de cidades sobre o qual a urbanização de Brasília havia se estabelecido e passou a recomendar a ocupação de tecido contínuo. Em 1975, o Projeto de Transporte Planejado, que criou uma via expressa sobre o eixo da Estrada Parque da Ceilândia (EPCL), Inaugurou esse entendimento.” (Brito, 2009: 149) O PEOT – Plano Estrutural de Organização Territorial, elaborado em 1977 e homologado em 1978, pelo Decreto nº 4.049, preconizava um urbanismo pragmático, visando à ocupação urbana do território em tecido contínuo. O PEOT influenciou vários outros planos e ações governamentais nos anos seguintes, até a elaboração do PDOT de 1992. Baseavase numa avaliação objetiva da cidade, tendo o eixo Sudoeste o vetor ideal para o crescimento da cidade, considerando o aproveitamento das infraestruturas já instaladas naquela área como um facilitador da urbanização. A partir do PEOT, uma nova lógica de implantação passou a nortear os assentamentos implantados pelo Estado: a existência de condições indispensáveis às funções urbanas, unindo a possibilidade de estabelecimento de uma rede integrada de transporte e a viabilidade técnica de implantação de redes infraestruturais e de serviços (Brito, 2009: 149). Toda a análise teórica para suporte do PEOT baseou-se no que se denomina de “Threshold Analisys”, ou análise de limiares, “que se constitui na observação das limitações no tocante à topografia, usos da terra e infraestrutura, buscando quantificar as limitações em termos de custos necessários à sua implantação” (Oliveira, 2008: 86). Segundo esse autor, a tônica das decisões públicas nesse momento era voltada para um pragmatismo econômico, no qual o impacto econômico das decisões tinha peso maior que a contrapartida social dos investimentos. De acordo com Oliveira (2008, 87), o PEOT teve como fonte importante um estudo realizado pela Caesb – Companhia de Água e Esgoto de Brasília, em que eram analisadas três alternativas de ocupação do território do Distrito Federal, quanto aos aspectos de saneamento básico e ambiental. Concluiu-se que o eixo Sudoeste apresentava melhores condições para essa implantação, já que o eixo oposto continha as microbacias do São 128 Bartolomeu, que deveriam ser preservadas para futuro abastecimento de água do Distrito Federal 85. Oliveira ainda destaca, no texto do PEOT, a referência ao tipo de ocupação dispersa e “atomizada” do território, na qual a segregação espacial estabelecia baixas densidades, com altos custos de implementação de infraestruturas: “Em Brasília, o problema da densidade apresenta-se primeiramente em plano global. A ocupação territorial atomizada e dispersa cria distâncias entre os núcleos que agem como barreiras à integração das partes da cidade. Essa segregação espacial tem como consequência estruturas urbanas pobres e mal providas de equipamentos.” (PEOT-DF, volume II,1977: 296, apud Oliveira, 2008: 87) A proteção da Bacia hidrográfica do Lago Paranoá também teve grande ênfase no texto do PEOT, uma vez que naquela época já eram identificados sinais de eutrofização do Lago Paranoá devido ao esgotamento sanitário não tratado lançado naquela bacia. O texto recomendava a limitação de alocação de população na área. (Ipea, 2001: 47) Nos anos 1980 surgiriam outros planos urbanísticos para Brasília, que, a rigor, seguem a tônica do PEOT e ratificam suas recomendações: o POUSO – Plano de Organização do Uso do Solo Urbano, e o POT – Plano de Ordenamento Territorial, ambos planos de macrozoneamento, que, segundo Oliveira, seguiam os princípios de áreas de expansão urbana já definidos no PEOT. Em 1980, a população do DF era de um milhão de habitantes, com taxa de crescimento média geométrica anual de 7,9% ao ano, e a população tendo aumentado mais que o dobro na década de 1970. A ocupação do Distrito Federal se distribuía principalmente na zona urbana (97% da população) e de forma “atomizada” em núcleos dispersos – as cidades satélites, com grandes vazios urbanos entre elas, vazios constituídos de zona rural rarefeita. Apesar de dispersa, a ocupação urbana se concentrava em duas regiões administrativas – RA: Brasília, que incluía o Plano Piloto e áreas adjacentes, Guará e Núcleo Bandeirante; e a Região Administrativa de Taguatinga, que incluía Taguatinga e Ceilândia (Ipea, 2001: 49). Graças às altas taxas de incremento populacional em Brasília, desde sua implantação, no início da década de 1980, os núcleos habitacionais periféricos do aglomerado urbano já apresentavam sinais de saturação em seu quadro de ocupação urbana. Intensificava-se, 85 Oliveira, 2008: 87. 129 portanto, o processo de subdivisão dos lotes em parcelas menores, com a construção de casas ou cômodos “de fundo”. Para os que não podiam pagar o aluguel de um barraco “de fundos”, a saída eram as invasões de terrenos desocupados, passando a proliferar as favelas no centro e na periferia (Ipea, 2001: 49). A alta densidade de ocupação nas áreas de ocorrência de ocupação com casas “de fundos”, pode ser avaliada utilizando-se a variável dada pelo número de habitantes por cômodo do Censo de 1980. Foi constatado que o índice de ocupação nessas áreas era semelhante ao da Vila Paranoá, localidade próxima ao Lago Norte, que tinha estrutura de favela. Por outro lado, a baixa densidade populacional apresentada pelo Plano Piloto – o centro urbano, mantida no processo de gestão de uso do solo à custa dos vigilantes olhos do Estado, constituía-se em fator de pressão sobre a demanda imobiliária por habitações por parte da classe média, a fim de atender seu próprio crescimento vegetativo. “Em 1982, os dados indicavam que 70.000 pessoas estavam morando em invasões. Além da redução da oferta de emprego no Distrito Federal, o quadro restritivo se caracterizou, no período de 1978 a 1984, pela adoção de uma política de contenção das construções habitacionais populares, acarretando, inclusive, um desestímulo a novos fluxos migratórios. No entanto, essa contenção ocasionou o movimento de um número considerável de pessoas em busca de local de moradia que passaram a viver em invasões, no caso da população de baixa renda, ou em condomínios irregulares, no caso da classe média.” ( PDOT/DF 1997) Segundo o Ipea (2001, 49), apesar dos esforços feitos pelo governo do Distrito Federal para solucionar o problema da habitação popular na cidade, entre 1975 e 1979, aproximadamente 6% da população – cerca de 68 mil habitantes – moravam em locais invadidos e em fundos de quintal. Segundo levantamento feito pelo governo em 1982, foi constatada a existência de grande número de favelas ou “invasões” no DF, somando um total de 70 mil habitantes. Somente a Vila Paranoá, na ocasião, apresentava população de 15 mil habitantes. Dessa forma, em vista do aumento “alarmante” da cidade informal, no início da década, aos olhos da Administração Pública, em 1982 foi criado o Gepafi – Grupo Executivo para Assentamento de Favelas e Invasões, vinculado à Secretaria de Serviços Sociais, com o objetivo de estudar as possibilidades de melhoria das condições de vida das populações de baixa renda, solucionando o problema da moradia precária nas “invasões” e ocupações de “fundos de quintal”. 130 III.2.3 O Gepafi e o Início da Gestão Social da Irregularidade A política adotada pelo Gepafi86 compreendia a urbanização das áreas de favela e ocupação informal, quando esta podia ser mantida no mesmo local; incluía a transferência da população para áreas vizinhas e para as áreas de expansão urbana definidas pelo PEOT, quando a manutenção no local de origem não era possível. Dentro dessa filosofia são fixadas as ocupações Vila Metropolitana, Candangolândia, Vila Planalto, QE 38 do Guará e a Vila Maricá do Gama. Dentre as diretrizes do programa estavam: “urbanizar as áreas de invasões, quando fosse viável e adequado; transferir a população das áreas de invasões para áreas vizinhas; deslocar a população das áreas de invasões para áreas residenciais previstas no Plano Estrutural de Organização Territorial” (Ipea, 2001: 46). Segundo dados do Gepafi (Ipea, 2001: 47), no ano de 1982, havia no Distrito Federal um total de 70 favelas ou “invasões”, as mais populosas localizadas nas Regiões Administrativas de Brasília, que incluía o Plano Piloto e áreas adjacentes, e de Taguatinga. Foram levantadas 37 favelas na RA de Brasília, totalizando 37.611 pessoas, e 10 na RA de Taguatinga, com o total de 20.601 pessoas, seguida por Planaltina, com 17 favelas e um total de 6.244 habitantes. Foram levantadas ainda 4 favelas no Gama, com 2.492 habitantes, e 2 favelas em Sobradinho, num total de 3.303 habitantes. Nesse levantamento do Gepafi foi possível identificar a média de 7 habitantes por domicílio. TABELA III.1. Favelas em Brasília – Ano de 1982. Fonte: Gepafi/GDF (Ipea, 2001: 47). Como estratégia para lidar com a situação de expansão da irregularidade urbana que se configurava na cidade, o governo ampliava os núcleos urbanos já existentes e buscava soluções técnicas de planejamento, sem, no entanto, ofertar um volume suficiente de lotes, habitações ou imóveis regulares passíveis de serem locados ou comprados pela população de baixa renda. 86 Gepafi: Grupo Executivo para Assentamento de Favelas e Invasões. 131 Apesar da atuação do Gepafi, até meados da década de 1980, assentamentos consolidados, como a Vila Telebrasília – situada junto à Avenida das Nações, o Varjão –, nas margens da EPPR (Estrada Parque Paranoá), e a “invasão” do aterro sanitário ou Estrutural, situada junto à EPCL (Estrada Parque Ceilândia), ainda não haviam sido regularizados. Essas ocupações resistiram aos sucessivos programas de remoções e permaneciam em situação de informalidade. Mudança de Direção na Gestão da Habitação “Com a ‘Nova República’ reduz-se significativamente a produção de habitações populares em Brasília. A presença de áreas informais nos domínios da Capital reduz-se no período graças à fiscalização intensa. O governador José Aparecido empreende um programa denominado ‘Entorno com Dignidade’, erradicação de favelas e expulsão de sua população não mais para a periferia do Distrito Federal, mas para assentamentos promovidos pelo setor privado no entorno do Distrito Federal, reforçando a expansão da área periférica. Paralelamente, empreendem-se ações de consolidação dos assentamentos no local em que se encontravam.” (PPCUB/SEDHAB, 2011: 45) Em 1987, com um novo governo no Distrito Federal, a direção da gestão da irregularidade urbana foi mudada. A partir de então foi adotada a política da erradicação sumária das “invasões”, empurrando a população para o entorno do Distrito Federal. Em relação à cidade informal, o segundo período se caracteriza pelo aumento intenso das ocupações de lotes unifamiliares por mais de uma residência e o aumento relevante da favelização nos núcleos periféricos dentro do Distrito Federal e nos municípios adjacentes a ele. Isso aconteceu pelo arrefecimento da fiscalização em relação às ocupações irregulares do solo urbano, principalmente nas áreas mais próximas do PPB (Ávila, in Brito, 2008: 155). A atuação do Gepafi contribuiu para a diminuição da informalidade, quando regularizou núcleos como a Vila Planalto, Vila Metropolitana e Candangolândia. Contudo, essa diminuição foi aparente, em função do aumento do índice de locação de barracos de fundo de lote, cômodos e outras soluções informais de moradia à salvo da fiscalização. Segundo Brandão (apud Brito, 2008: 155), a partir de estimativas do Gepafi, na época, cerca de 200 mil pessoas viviam em barracos de fundo de lote em Brasília. O Documento Brasília Revisitada Em 1985, fruto de uma solicitação do Governo do Distrito Federal ao urbanista Lucio Costa, foi publicado o estudo “Brasília 1957-1985 – Do plano piloto ao Plano Piloto”, denominado 132 como Brasília Revisitada pelo CAUMA87, por meio do qual o urbanista dá soluções definitivas para o adensamento e a expansão da área. No documento, Lucio Costa propôs complementações ao PPB, autorizando o adensamento dentro do “anel sanitário”, estabelecido anteriormente pelo Planidro. Também determinou os limites do PPB, que seria considerado pela Unesco, em 1987, como Patrimônio Cultural da Humanidade. Em 1990, o Plano Piloto de Brasília, ou “Brasília”, seria tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo Ministério da Cultura. Não há no estudo menção à cidade informal, com exceção dos acampamentos pioneiros – Vila Planalto e Candangolândia –, uma vez que a ênfase dele é o centro urbano, o PPB e as áreas mais próximas a ele, como o Taquari e as QELC, e a representatividade histórica e simbólica que esse conjunto urbano e arquitetônico teria para o imaginário nacional88. “O plano Brasília Revisitada propôs a criação de seis novas áreas habitacionais: Bairro Oeste Sul (Área A); Bairro Oeste Norte (Área B); Quadras Planalto (Área C); Quadras da EPIA – SHEP (Área D); Asa Nova Sul – SHB (Área E); e Asa Nova Norte (Área F). Dessas intenções originais resultaram a construção do conjunto de quadras econômicas do Guará, feitas segundo anteprojeto do próprio Costa e a manutenção da Vila Planalto. Os demais setores implantados destinaram-se a estratos de renda mais alto. Em 1988, além do Sudoeste, o Taquari – situado no Lago Norte, entre as margens da Estrada Parque Paranoá (EPPR) e a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA) – já estavam ocupados por parcelamentos privados (sic). Com o Plano teve reforço para que seu processo de regularização fosse iniciado em meados da década de 1990.” (PPCUB/SEDHAB, 2011: 45) III.2.4 O Acampamento de Obras Preservado como Bairro Pioneiro – A Vila Planalto A Vila Planalto era, originalmente, uma área de concentração de vários acampamentos das obras dos primeiros edifícios públicos de Brasília. Localiza-se entre o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada, junto à Avenida das Nações. Após a inauguração da cidade, em face da carência de habitações para moradores de diversas faixas de renda, apenas parte dos acampamentos foi removida, mantendo-se ali um núcleo habitacional que se mantém até os dias de hoje. 87 Conselho de Arquitetura e Meio Ambiente Não há referência, no documento, à política habitacional em Brasília de uma forma mais ampla, nem há a consideração da ocupação do território como um todo (Costa, 1985). Brasília 1957-1985 – Do plano piloto ao Plano Piloto. 88 133 A Vila Planalto, assim como os demais remanescentes dos acampamentos de obra da construção de Brasília, fez parte da cidade informal, já que todos esses fazem parte das estratégias que a população encontrou para lidar com a crise da habitação, à revelia das normas do Estado. Atualmente, a Vila Planalto está regularizada; contudo, as normas estabelecidas para a área não atendem os antigos proprietários, que, em função da posição de centralidade do assentamento, viram seus imóveis sofrerem uma grande valorização. Muitos transformaram suas casas em pequenos comércios, principalmente restaurantes, que atendem a vizinhança, repleta de autarquias. Outros construíram mais pavimentos e subdividiram as edificações de modo a alugarem quartos e suítes. Outros apenas venderam a concessão de uso de sua residência por meio de um contrato de gaveta e foram residir em outros lugares. Segundo Zarur, in Paviani (1996: 81), a Vila Planalto é um exemplo raro de assentamento irregular, já que ocupa uma parcela muito central dentro do centro urbano – o PPB, fato incomum em Brasília. Os motivos de sua permanência naquele local, os quais essa autora analisa em seu trabalho “Vila Planalto: Um Caso de Resistência Popular”, de 1996, se relacionam com a criação de uma identidade “pioneira” para o local, ligada à história da cidade, que justificou sua preservação quando do tombamento da cidade, em 1988. Também segundo Zarur (1996: 85), ao longo dos mais de trinta anos de resistência no local, até a comunidade obter permissão definitiva por parte do Estado, várias foram as estratégias para fazer face às Tentativas de remoção oficiais. Um aspecto também citado por Zarur em relação ao assentamento da Vila Planalto é o fato de se tratar de um acampamento de obra de “grande projeto” que foi a construção da nova Capital brasileira. “Os ‘grandes projetos’ expandem os sistemas econômicos, e tanto podem induzir o desenvolvimento, a partir dos investimentos direcionados para concentrar o capital em determinado espaço, reunindo grandes recursos humanos e financeiros, como podem provocar a depressão econômica, ao seu término, quando os recursos até então imobilizados são retirados e levados para outra área.” (Zarur, 1996: 85) Nesse tipo de empreendimento, algumas características são o gigantismo, o isolamento e a temporariedade, características de grandes obras como hidrelétricas, áreas de exploração 134 petrolífera e novas cidades, como no caso de Brasília. Zarur, em seu estudo, cita o tipo de relação criada entre as construtoras e seus operários, classificada por Lopes89. Como “servidão burguesa” nas obras do Plano Piloto de Brasília, entende-se que, em função do isolamento e poucas opções de alimentação e lazer, os peões findavam por trabalhar sob as condições estipuladas por aquelas empresas que, no afã de entregar as obras dentro do prazo, exigiam de seus funcionários cargas horárias excessivas. Para Zarur (1996: 85), a busca do controle por parte das empreiteiras em relação a seus funcionários era visível na primeira configuração espacial do acampamento da Vila Planalto, onde havia uma hierarquia clara entre o posicionamento das casas e um ordenamento interno do espaço, que se destinava a permitir a vigilância, típico de arranjos espaciais utilizados em edifícios com fins disciplinadores, como presídios e conventos. Contudo, uma vez que Brasília foi inaugurada, e na falta de uma política habitacional clara nos primeiros anos da cidade, assentamentos juridicamente irregulares como a Vila Planalto passaram a ter outra função dentro do centro urbano: a de moradia provisória para alguns e definitiva para outros. O acampamento de obra, antes com ruas largas e retilíneas, passa a ser modificado pelos moradores e adquire becos e sinuosidades. Algumas casas são demolidas e outras ampliadas, a maioria das edificações, constituída de barracos de madeira, mantinha paralelismo ao perfil natural do terreno. Segundo levantamento socioeconômico realizado pela SHIS/GT – Brasília, citado por Zarur, em 1987, a maior parte da população da Vila Planalto vivia em barracos. Após a inauguração da capital, a composição social da Vila Planalto tornou-se mais heterogênea. Uma vez que as melhores construções do acampamento, aquelas anteriormente destinadas aos engenheiros, foram ocupadas por funcionários do governo local e federal. Estas se localizam na faixa do acampamento mais próxima ao Palácio do Planalto. Essa heterogeneidade fez parte das estratégias de manutenção do acampamento no local, especialmente necessárias após 1964. A partir dessa época, a organização das casas passou a ter uma diretriz importante – as casas mais ricas ficavam nas áreas externas da Vila, e as mais precárias, nas áreas centrais, menos visíveis à fiscalização. “Esse cinturão se fez pelo Tamboril EBE, Rua dos 89 Em J. S. Leite Lopes, apud Zarur, “Fábrica e vila operária: considerações sobre uma forma de subordinação burguesa”, em Mudança social no Nordeste: reprodução da subordinação, estudos sobre trabalhadores urbanos. 135 Engenheiros, e Fazendinha da Pacheco Fernandes Dantas, Avenidas principais da Rabello (incluindo a casa que pertenceu ao seu presidente), e tangencialmente por casas da Emulpress e da DFL.” (Zarur, in Paviani, 1996: 89) As casas cujos donos tinham poder aquisitivo melhor se localizavam nas bordas do acampamento, e seguiram tendo boa manutenção, já que as crises econômicas tiveram repercussão maior na população mais pobre. Contudo, a parte central do acampamento tendeu ao adensamento e à precariedade, uma vez que a população de renda mais baixa não tinha como manter as moradias em boas condições. Outra estratégia de “camuflagem” utilizada pela população da Vila Planalto foi o plantio de árvores frondosas nos quintais e entorno do acampamento, dando a este um aspecto mais mimetizado com a paisagem e menos incômodo para as autoridades. Outro fator que concorreu para a manutenção da ocupação, segundo os moradores, foi o fato de funcionários da Novacap/Terracap residirem ou terem parentes que residiam no local, fato que facilitava na obtenção de informações sobre remoções. Para o brasiliense, os anos de construção da cidade foram uma época difícil, mas foi quando havia o sonho de estar se construindo, juntamente com a nova cidade, um novo país. Aquela certeza passou, mas a valorização de uma época de “heróis” desbravadores, pessoas de visão, desprendidas e corajosas, se manteve. Esses seriam chamados de “pioneiros”. Logo, mesmo os comerciantes e funcionários que chegaram à cidade depois de 1964 também quiseram ser chamados de pioneiros. E assim estava plantada a semente que, mais tarde, legitimaria a manutenção dos vários acampamentos pioneiros preservados na capital. Além da Vila Planalto, foi mantida a Vila Telebrasília, e outras construções “provisórias”, como o Catetinho, residência do Presidente Juscelino Kubitscheck durante a construção da Capital. Os moradores da Vila Planalto, conscientes de seu “status” de pioneiros, passaram a reivindicar sua fixação com base no argumento de fazerem parte de um “bairro histórico”. “O fato de a Vila Planalto ter uma origem distinta das favelas facilitou o trato com as autoridades, pois sua inscrição no espaço urbano tinha sido, ainda que em termos provisórios, determinada pelo próprio governo local.” (Zarur, 1996) Após a inscrição do Plano Piloto de Brasília como Patrimônio Histórico, a Vila Planalto passou a ter a sua garantia de permanência. Os moradores, contudo, não se tornaram proprietários definitivos de suas casas – eles receberam a concessão de uso do lote, fornecida pela Terracap. Com isso, o governo buscou impedir a expansão da ocupação na 136 área. Contudo, os primeiros proprietários comercializam seus lotes por meio de contratos “de gaveta”, alimentando o mercado informal de habitações na cidade. VILA PLANALTO ANO ÁREA POPULAÇÃO 1956 a 1960 310 ha. 19.000 hab. (12.827 em firmas privadas e 6.196 na Vila Amauri) 1964 s/ dados 6.500 hab. 1988 56 ha. (momento da regularização) 6.000 hab. TABELA III.2. Vila Planalto – Área e População. Seduh/DF, 2004. Atualmente, a Vila Planalto, apesar de estar regularizada, teve seu conjunto extremamente modificado em relação ao que foi preservado em 198890. No relatório elaborado pelo Plano de Ação para a Vila Planalto, realizado pelo Grupo de Trabalho91 com o objetivo de sanar as questões de desconformidades na área, houve várias propostas para solucionar e adequar o núcleo urbano. Esse Grupo de Trabalho foi criado com o objetivo de propor soluções para sanar os problemas identificados no Relatório do Plano de Verificação nº 2/2007 – Sucon/Seduma, que se constitui num diagnóstico dos problemas relativos ao uso e à ocupação do solo e à gestão da Vila Planalto, e identificou diversas modificações em relação ao plano preservado originalmente. “Em relação ao fracionamento, verificou-se a existência de 81 casos de fracionamento de lotes em 2006, o que corresponde a cerca de 8% do total de lotes registrados na Vila Planalto. Além do fracionamento físico dos lotes, foram constatados o fracionamento de unidades habitacionais, a criação de condomínios urbanísticos e a implantação de edificações coletivas com características de pousada/hotel. Quanto à ampliação das construções, constatou-se 188 construções com dois pavimentos e 22 com três pavimentos, totalizando 210 construções com mais de um pavimento, que não é permitido pelas normas do setor, representando cerca de 20% do total de 1.020 lotes do parcelamento oficial. No que diz respeito à ocupação de áreas públicas, foram constatadas ocupações de becos, áreas intersticiais, adjacentes a lotes e conjuntos, destinadas 90 91 Decreto de Preservação da Vila Planalto – nº 11.079, de 21/4/88. criado pelo Decreto nº 29.652, de 28 de outubro de 2008, pelo GDF 137 à urbanização – áreas verdes, circulação e praças.” (Plano de Ação Para a Vila Planalto92, 2008: 10) O fato é que a Vila Planalto foi preservada com parte de suas características de acampamento pioneiro, mas sofreu inúmeras modificações até ser concedido a seus moradores o direito de se manter legalmente em seus lotes. Contudo, desde 1988 até agora, a tendência crescente é a de valorização da área, em função da localização central do assentamento, próximo da praça dos três poderes, com acesso rápido a vias importantes, como a Avenida das Nações e o Eixo Monumental. A tendência que a localidade tem seguido é a de transformação de algumas casas em restaurantes, de modo a atender a demanda dos funcionários dos ministérios e demais autarquias próximas. As edificações originais de madeira já não existem mais e há casos de pequenas pousadas funcionando na área, com até três pavimentos. III.2.5 A Cidade Informal se Espraia para além dos Limites do Distrito Federal No início da década de 1970, os investimentos em infraestruturas concentravam-se no centro urbano, a fim de se consolidar o processo de centralização do poder federal. No período, houve a intensificação do trabalho da erradicação das invasões no Plano Piloto e o adensamento e expansão dos núcleos periféricos. Em 1974, com a criação do Pergeb – Programa da Região Geoeconômica de Brasília, abriu-se um canal de investimentos na região dos municípios do entorno do Distrito Federal. Esse programa, segundo Ferreira (1988, apud Ipea, 1998: 50), deu vigor ao grande capital imobiliário, que não apenas loteava, mas passava a construir conjuntos habitacionais destinados, inclusive, à população de baixa renda. Desse modo, antes mesmo da década de 1980, parte das infraestruturas necessárias para a expansão da mancha urbana de Brasília para fora dos limites do Distrito Federal, junto à sua periferia imediata, já estava instalada. Um aspecto importante a ser ressaltado é a relação que esses municípios mantêm com o centro urbano de Brasília, uma vez que não há atividades industriais nos municípios próximos ao Distrito Federal, o que faz com que tenham a função eminentemente de cidades dormitório. 92 Seduma/DF 138 População nas Regiões Administrativas e Municípios do Entorno Imediato do DF* 1960 1970 1980 1991 2000 92.761 71.728 279.295 243.163 410.999 293.210 458.556 262.264 528.842 198.422 Lago Sul - - - - 28.137 Lago Norte - - - - 29.505 - 24.864 85.507 97.374 115.385 21.033 11.268 32.282 47.688 36.472 Candangolândia - - - - 15.634 Riacho Fundo - - - - 41.404 Gama 811 75.914 139.016 153.279 322.546 Gama 811 75.914 139.016 153.279 130.580 Santa Maria - - - - 98.679 Recanto das Emas - - - - 93.287 Taguatinga 27.315 109.452 479.893 719.969 751.933 Taguatinga 27.315 109.452 192.938 228.249 243.575 - - 286.955 364.289 344.039 Brasília Plano Piloto Cruzeiro Guará Núcleo Bandeirante Ceilândia Samambaia 51.230 63.883 - - - 127.431 164.319 Brazlândia 734 11.507 22.504 41.119 52.698 Sobradinho 10.217 42.553 69.094 81.521 128.789 Planaltina 4.651 21.907 47.364 90.185 147.114 Paranoá-Jardim 5.253 4.589 8.038 56.465 119.224 DISTRITO FEDERAL 141.742 545.217 1.176.908 1.601.094 2.051.146 Luziânia 23.247 32.832 92.814 243.183 508.338 Luziânia 23.247 27.869 80.089 207.674 141.082 Cidade Ocidental - - - - 40.377 Novo Gama - - - - 74.380 Valparaíso de Goiás - - - - 94.856 Sto. Antônio do Descoberto - 4.963 12.725 35.509 51.897 Águas Lindas de Goiás - - - - 105.746 Padre Bernardo 4.637 8.581 11.811 16.500 21.514 Planaltina 6.339 9.032 16.172 40.201 78.187 Água Fria de Goiás - - - - 4.469 Planaltina de Goiás 6.339 9.032 16.172 40.201 73.718 TOTAL 34.223 50.445 120.797 299.884 608.039 *Note-se que ao longo dos anos os limites das regiões administrativas se modificaram, tendendo ao desmembramento na medida em que ficavam demasiado grandes e complexas. TABELA III.3. População nas Regiões Administrativas e Municípios do Entorno Imediato do DF. Fonte: Sedhab/DF, 2011. 139 Esses municípios fazem, atualmente, parte do conjunto metropolitano de Brasília, por sua condição de subúrbios-dormitório, tendo a sua população se expandido de forma intensa na década de 1980. Segundo Anjos (1991, apud Ipea 2002: 51), a população de Luziânia, por exemplo, quadruplicou entre 1977 e 1990. Entre 1980 e 1991, houve um aumento de 162%, com um aumento bruto de mais de 170 mil pessoas, equivalente a 40% do crescimento do Distrito Federal no mesmo período. Ainda segundo o estudo (Ipea, 2001: 51), a taxa média de crescimento dos municípios lindeiros ao Distrito Federal foi maior que 9% ao ano, e, em 1991, o total da população da região do “entorno” do Distrito Federal, que inclui os municípios de Luziânia, Planaltina de Goiás, Padre Bernardo, Água Fria de Goiás, Valparaíso, Novo Gama, Cidade Ocidental, Águas Lindas e Santo Antônio do Descoberto, ultrapassava 300 mil habitantes (Codeplan e IBGE, apud Ipea, 2001). “A partir de meados da década de 1980 se estrutura uma organização metropolitana tendo Brasília como destino diário de emprego para um contingente de mão de obra não especializada que habita além do Distrito Federal. A área periférica de Brasília engloba hoje 22 municípios localizados nos estados de Goiás e Minas Gerais, cuja população estimada em 1980 era de 1.519.981 habitantes, passando em 1991 a 2.161.709 habitantes e no ano 2000 chega a 2.958.196.” (PPCUB/SEDHAB, 2011: 45) A cidade informal no entorno do Distrito Federal93, além de apresentar áreas de precariedade urbana, ambiental, irregularidade fundiária, carência de equipamentos urbanos, serviços e infraestruturas, sua população apresenta índice de renda inferior ao das localidades do Distrito Federal, como pudemos ver na Parte I. A população do entorno também exerce pressão sobre o mercado de trabalho do Distrito Federal, já que as oportunidades de trabalho em seus municípios de origem são raras. O entorno do Distrito Federal é uma região cuja economia se baseia num setor agropecuário de baixa produtividade e um setor industrial incipiente, não sendo capaz de gerar empregos em escala regional. Quando a fiscalização recrudesceu, em meados dos anos 198094, a moradia precária e distante nos municípios lindeiros a Brasília foi a solução para muitos trabalhadores da 93 Como vimos na Parte I, os limites do Distrito Federal correspondem aos limites de Brasília, considerada como conjunto urbano composto por núcleos urbanos integrados ao centro fortemente polarizado, em maior ou menor medida. Utilizamos os termos “Brasília” e “Distrito Federal” para nos referirmos a esse sistema. 94 Com o fim do PAPE, a política de regularização de assentamentos voltou a dar lugar à de remoções, no período do Governador José Aparecido. 140 cidade. Esse quadro mudaria a partir de 1988, quando Brasília passou a ter a possibilidade de eleger seu governador e representantes distritais. Assumindo o governador Joaquim Roriz, ainda por indicação do presidente José Sarney, este se reelegeria em 1990. A partir dessa nova conjuntura política vigente na cidade, houve a possibilidade da população de baixa renda integrar as listas da SHIS para as novas áreas habitacionais que o governo criou, principalmente, até 1994. Contudo, o problema principal não seria resolvido: a falta de qualificação profissional da população, aliada à carência de empregos generalizada, fato que faria com que muitos vendessem os lotes recém ganhos para ir morar em áreas de informalidade urbana nos municípios do entorno do Distrito Federal. Perpetuou-se um processo de segregação espacial dos mais pobres, em que a população de baixa renda foi empurrada para as áreas mais novas e mais distantes, sem infraestrutura e de menor valor de localização. As condições de vida nesses locais eram precárias, com moradias improvisadas, desemprego e ausência de urbanização. Atualmente essa situação perdura em muitas localidades do entorno do Distrito Federal, sem que sejam tomadas medidas adequadas tanto por parte das prefeituras dos municípios lindeiros como do Distrito Federal. FIG. III.38. Brasília - Mancha Urbana 1990 e indicação da Cidade Informal no Período. Fonte: Brito, 2009; Anjos; Sedhab, 2011; 141 III.3 De 1987 a 1995 – Período de Franca Expansão da Cidade Informal de Média Renda e da Cidade Formal de Baixa Renda A expansão urbana de Brasília nesse período foi a mais expressiva até então. Tanto a urbanização dirigida pelo Estado como aquela promovida pelos agentes privados foram responsáveis pelo crescimento significativo da cidade. Houve o adensamento do Plano Piloto e áreas adjacentes com a implantação das áreas propostas pelo documento “Brasília Revisitada”, de Lucio Costa, e o fortalecimento do vetor sudoeste de expansão urbana, seguindo a orientação do PEOT, com a criação de novos núcleos urbanos para as classes mais pobres. O vetor de expansão sudoeste da cidade, relacionado às vias EPTG, EPCL e EPCT, foi especialmente fortalecido, com a criação das áreas habitacionais “QELQ”95, Águas Claras, Recanto da Emas, Riacho Fundo e Santa Maria. Foi intensificada a ocupação urbana irregular dos núcleos rurais entre o Plano Piloto e Taguatinga, com parcelamentos irregulares de classe média e baixa. Essas áreas viriam a constituir, nos anos 2000, os setores habitacionais Vicente Pires e Arniqueiras. Junto ao vetor de expansão nordeste da cidade, rumo a Sobradinho e Planaltina, foi criado o Setor Habitacional Taquari, por recomendação constante no documento “Brasília Revisitada”96. Esse vetor, não incluído dentro dos planos oficiais de expansão e adensamento da cidade, sofreu intenso processo de ocupação informal com parcelamentos irregulares de baixa e média renda, como veremos a seguir. Outro vetor de expansão da cidade não previsto pelos planejadores foi aquele representado pela estrada para Unaí, onde se expandiriam os parcelamentos irregulares situados sobre a APA do Rio São Bartolomeu. 95 Quadras Econômicas Lucio Costa. 96 Em 1987, o centro urbano de Brasília – o PPB, como já mencionado, havia sido considerado pela Unesco como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade e publicado o documento “Brasília Revisitada”, de Lúcio Costa. O perímetro do Conjunto Urbanístico de Brasília também foi tombado 96 96 pelo DePHA/DF . Em 1990 foi feito o tombamento do Conjunto Urbanístico de Brasília, pelo IBPC . 142 FIG.III.39 a III.41. Ocupação do Paranoá – Antes da Regularização em 1988. Fonte das fotos: <http://forumeja.org.br/df/book/export/html/201>. (Acervo do CEDEP - Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá) Para Brito, desde meados da década de 1980, dois polos urbanos de características distintas já se delineavam na Capital. O primeiro, que essa autora chama de “central”, corresponde ao Plano Piloto, Lago Norte, Lago Sul, Park Way, Guará, Núcleo Bandeirante, 143 Vila Planalto e adjacências, e é onde se concentram os empregos, os serviços públicos e as infraestruturas mais consolidadas da cidade. É nessa região de Brasília que se concentram as populações de mais alta renda na cidade, e onde os imóveis atingem maior valorização. O segundo polo, chamado de “demográfico”, composto por Taguatinga em seu centro, tendo Ceilândia e Samambaia como núcleos adjacentes ligados a ele, é, segundo essa autora, a sede popular da metrópole, e domicílio das classes de menor renda. Para Brito, foi a partir da década de 1980 que os polos “demográfico” e “central” principiaram a sua integração urbana, recomendada nos diversos planos oficiais elaborados a partir do PEOT. Com a promulgação da nova Constituição, em 1988, o Distrito Federal passou a ter autonomia política e dispor de novos instrumentos de gestão do território, com destaque para a exigência da aprovação de um PDOT. Também surgiu um novo componente dentro das forças que passaram a compor a configuração do urbanismo na cidade: o populismo. O lote, urbanizado ou não, no caso dos mais pobres, e a regularização de invasões e parcelamentos clandestinos, no caso de pobres e classe média, passaram a ser importante moeda política na cidade. III.3.1 Urbanização Dirigida: Os Novos Núcleos Urbanos Em 1987, como já mencionamos, foi elaborado um amplo programa de fixação de famílias de baixa renda inscritas no programa distrital de habitação social, chegando-se, no ano de 1994, com um total de 110 mil famílias atendidas, em seis anos. O índice de irregularidade urbana – invasões e ocupação de “fundos de lote” – foi reduzido significativamente, contudo a demanda por habitação, em Brasília, manteve-se alta. O aumento da mancha urbana da cidade, nesse período, foi significativa, decorrente da política de doação de lotes semi-urbanizados e a criação de novas áreas urbanas para classe média – como, por exemplo, com a implantação efetiva da cidade de Águas Claras prevista desde o PEOT, e a acelerada expansão da ocupação urbana em direção a Luziânia, Santo Antônio do Descoberto e Planaltina de Goiás. De acordo com levantamento elaborado em 1996 pelo Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (IPDF), este programa de assentamento promoveu a distribuição de um total de 109.128 lotes, distribuídos no adensamento de núcleos urbanos já existentes, criação de novos núcleos e fixação de assentamentos irregulares consolidados: 144 Regularização de “Invasões”: Foram regularizadas ocupações urbanas com características de favela nas seguintes localidades: Vila DVO – 347 lotes; Areal – 1.129 lotes; Varjão – 634 lotes. Agrovila São Sebastião – 7.000 lotes; Paranoá: 6.774 lotes. Fixação de Acampamento Pioneiro: Foi fixado o Acampamento pioneiro da Vila Planalto – 986 lotes. Ocupação de Vazios Urbanos: Foram ocupados vazios urbanos e expandidos setores em núcleos já existentes: Candangolândia (complementação) – 3.017 lotes; Expansão das QNM 34, 38, 40 e 42 de Taguatinga – 1.056 lotes; Bairro Veredas de Brazlândia – 1.545 lotes; Expansão da QNP 22 e 24 de Ceilândia; QNO de Ceilândia – 2.113 lotes; Samambaia (complementação) – 28.967 lotes; Expansão Oeste de Sobradinho – 3.290 lotes; Setor Oeste do Gama – 366 lotes; QE 42, 44 e 46 do Guará – 1.070 lotes. Criação de novos Núcleos Urbanos: Foram criados novos núcleos urbanos localizados dentro da mancha de expansão urbana definida pelo PEOT: Santa Maria – 18.090 lotes; Recanto das Emas – 15.619 lotes; Riacho Fundo – 8.007 lotes (PDOT/DF 1997). A expansão urbana decorrente da ocupação não dirigida pelo Estado foi significativa nesse período. Em paralelo às estratégias territoriais formuladas pelo poder público, proliferaram os loteamentos privados clandestinos, os denominados “condomínios” – na realidade, parcelamentos urbanos clandestinos ou irregulares, destinados ao atendimento da demanda reprimida de novas habitações para a classe média. Apesar de terem sido criadas as áreas do Setor Sudoeste e de Águas Claras, a fim de atender a demanda da classe média por moradia, a velocidade, a quantidade, o tipo e o valor que essas unidades foram oferecidas não foram suficientes para atender à grande demanda reprimida. Essa situação gerou uma das características da cidade informal em Brasília, já que a classe média na cidade passou também a recorrer aos métodos de ocupação irregular típico das faixas de renda mais baixa para resolver o acesso à moradia, como a compra de lotes irregulares em parcelamentos em áreas rurais ou em áreas de APA, em terras desapropriadas, desapropriadas em comum e privadas. Veremos isso em mais detalhe no Item III.3.3. 145 III.3.1.1 A Cidade Informal “Oficial” O poder público, quando promove o assentamento da população mais carente, o faz recorrendo ao mesmo padrão periférico de expansão da cidade informal, inclusive, muitas vezes, ele próprio promovendo parcelamentos irregulares, por parcelar áreas com restrições técnicas de vários tipos, como por exemplo, a ambiental. Em Brasília isso foi feito em várias cidades satélites, como samambaia, por exemplo, quando áreas da cidade se inserem dentro da poligonal de área de proteção permanente97. Outro exemplo ainda mais problemático foi o assentamento de moradores retirados da ocupação da Estrutural, situada sobre área do Parque Nacional de Brasília. Parte dessa ocupação foi regularizada, mesmo sob o risco de comprometimento dos mananciais hídricos de abastecimento da cidade, e parte da população foi assentada a 50 metros do lixão, em casas padronizadas e construídas com financiamento do BID98. Contudo, não há condições de salubridade para a ocupação das casas, e até setembro de 2011 não havia sido decidido o que fazer. Mas as inadequações técnicas podem ser de outros tipos – e a enorme maioria dos conjuntos habitacionais feitos pelo governo, federal ou estadual, é ilegal tecnicamente. Ou porque a desapropriação das áreas não foi completada, ou porque o governo não respeitou a legislação urbanística do município, ou porque o terreno não tem registro no cartório. O próprio Estado é responsável pela ilegalidade de muitas formas99. Um exemplo citado por Fernandes100 é a Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, que se iniciou com um assentamento governamental para famílias pobres e acabou se transformando em uma imensa favela. O isolamento e a falta de previsão de formas de sustentabilidade econômica dessas comunidades acabam por tornar essa área em um grande bolsão de miséria e marginalidade. Vê-se que a solução da problemática da moradia não é suficiente, quando se fala de cidade. A moradia é apenas um aspecto da vida do cidadão, de forma que, ao focalizar apenas nela e em sua materialidade, os governos minimizam todos os demais aspectos invisíveis, porém imprescindíveis para a vida do cidadão. Em Brasília isso se repete da mesma forma, porém, com a cultura espacial dos parcelamentos populares. 97 Área de Samambaia parcelada sobre APP. Banco Interamericano de Desenvolvimento 99 Fernandes, 2008. 100 Idem. 98 146 III.3.2 Expansão da Cidade Informal entre 1988 e 1996: Parcelamentos Irregulares de Classe Média em Brasília Segundo Oliveira (2008), uma das causas do problema dos parcelamentos irregulares em Brasília se relaciona aos trabalhos de desapropriação não concluída na ocasião do estabelecimento do regime de propriedade pública das terras do Distrito Federal, ocasionando uma pluralidade de regimes jurídicos, tais como: terras não discriminadas, terras públicas adquiridas em comum e não submetidas a um processo legal de divisão e a uma situação de terras públicas arrendadas para o uso rural. Essa situação fundiária plural e por vezes indefinida, segundo esse autor, teria contribuído para o aumento da cidade informal em Brasília. Para Brito (2009: 169), essa expansão se relaciona à carência de opções no mercado formal de habitações para a classe média, o que teria levado essa camada da população a buscar nos parcelamentos privados a sua solução de moradia. Essa autora cita a crise das instituições responsáveis pelo financiamento da habitação no país, e uma crescente demanda qu e viria aumentando desde a década de 1980. Além disso, como vimos, as opções disponíveis no mercado formal, dentro do Plano Piloto, aparentemente estavam acima da capacidade financeira da classe média. Varjão Paranoá Vila Planalto Riacho RecantoFundo das Emas São Sebastião Santa Maria FIG. III.42 – Novos Núcleos Urbanos Criados e Áreas Regularizadas no Período. Fonte: Brito, 2009; Anjos, 2010. 147 Essa forma de crescimento urbano, constituída pelo fenômeno dos parcelamentos irregulares de classe média em Brasília, em função da intensidade em que ocorreu, contribuiu para alterar o padrão urbano da cidade, configurando outra dinâmica territorial e criando novas condições de ocupação do espaço. Os parcelamentos irregulares/clandestinos em Brasília ocasionaram vários efeitos ao conjunto urbano de Brasília, entre eles, citamos: o aumento significativo da mancha urbana; expansão urbana fora dos vetores propostos pela urbanização dirigida pelo Estado; surgimento de uma nova forma urbana constituída pela cidade ilegal e pelo parcelamento privado da terra; alteração do poder local, com a participação da iniciativa privada no parcelamento da terra no Distrito Federal; surgimento do mercado informal de lotes clandestinos/irregulares. A partir de dados de Malagutti (1996, apud Ipea, 2001: 115), verificamos que, em 1995, observando dados do GET/PI, verificou-se que, havia o total de 529 parcelamentos (nem todos implantados) cadastrados, 297 foram considerados inviáveis para a continuidade do processo de aprovação. O motivo da inviabilização desses parcelamentos não foi explicitado. Acreditamos que se relacione a causas difusas que vão desde o não atendimento da Lei nº 6.766, problemas de localização em áreas de proteção ambiental ou até diplomas cartoriais questionáveis. Ainda segundo esse levantamento, 144 desses parcelamentos eram urbanos (27%) e 88 rurais (17%), num total de 232 parcelamentos considerados viáveis para análise. A população estimada para esses parcelamentos era de 211.103 habitantes. A população moradora dos parcelamentos urbanos era de 180.421 habitantes (85%). Nos parcelamentos rurais viviam 30.681 habitantes, ou seja, 15% do total. Uma vez que essa caracterização não leva em conta o universo dos parcelamentos irregulares existentes, e sim apenas aqueles 232 considerados aptos a serem analisados e prosseguirem com o processo de aprovação, não é possível, com esses dados, ter um quadro exato da situação dos parcelamentos irregulares na época. O que se verifica é que, desse total, a maioria é urbana (85%). Porém, segundo o relatório do GET/PI afirma, boa parte desses parcelamentos se encontrava em área de APA (APA da bacia do Descoberto e 148 APA do Rio São Bartolomeu), o que inviabilizava a sua aprovação dentro dessas unidades de conservação naquela época. Essas duas unidades de conservação, especialmente a APA criada pelo Decreto Federal n° 88.940/83, tinham a finalidade de proteção dos recursos hídricos para abastecimento da cidade. Os dispositivos constantes na Lei Federal n° 6.902/81, que estabelece as regras para a ocupação em áreas de APA, não impedem que os particulares utilizem as terras das áreas de proteção, não havendo a necessidade de desapropriação. Contudo, há restrições de uso inerentes às áreas, devido ao seu zoneamento e plano de manejo101. FIG. III.43. Parcelamentos Irregulares Brasília, em 1995 – Fonte: Levantamento GET/PI/IPDF. 101 As diretrizes de uso e ocupação dessas APA foram estabelecidas em seus respectivos zoneamentos, aprovados pelas Instruções Normativas n° 001/88 e n° 002/ 88 da Sema/SEC/CAP (APA da bacia do rio Descoberto e APA da bacia do rio São Bartolomeu, respectivamente). Em nenhuma das duas APA os zoneamentos em vigor em 1997 permitiam o uso urbano nas áreas efetivamente ocupadas, fazendo-se necessária uma avaliação de tais diretrizes (Ipea, 2001). 149 “(...) são 115 os empreendimentos de parcelamentos clandestinos dentro das diversas APA, dentre os 232 considerados em análise pelo governo do Distrito Federal. Esses empreendimentos ocupavam, em meados de 1997, uma área de quase 12 mil hectares. O referido grupo de estudo (GET/PI) constatou que vários loteamentos cadastrados para regularização, e inicialmente arrolados para estudo, não se constituem em parcelamentos urbanos, mas rurais.” (Ipea, 2001: 116) Segundo os dados fornecidos pelo GET/PI (apud Ipea, 2001: 116), apesar de 57% dos parcelamentos urbanos estarem em área de APA, em comparação com 43% que se encontram fora de áreas de APA, a área dos parcelamentos situados em APA é de 37% do total da área dos parcelamentos urbanos irregulares, enquanto a área somada dos parcelamento fora de APA é superior, chegando a 63%. Já os parcelamentos rurais, 75 % deles encontram-se foram de área de APA, somando 88 parcelamentos. Ou seja, apesar de haver relativa quantidade de parcelamentos irregulares em área de APA, a área desses parcelamentos somada fora de, excede em pelo menos 20 pontos percentuais a área somada dos parcelamentos que estão dentro de APA. No caso dos parcelamentos irregulares com características rurais, um quarto da área somada está dentro de APA. III.3.2.1 Breve Retrospectiva dos Parcelamentos Irregulares de Classe Média no Período Segundo Malagutti (1997,152), apesar da expansão dos loteamentos clandestinos em Brasília ter se dado principalmente entre os anos de 1988 e 1996, desde 1966 já existia, na cidade, esse tipo de parcelamento. Em 1966, já estaria com a ocupação consolidada o loteamento Nossa Senhora de Fátima, na Fazenda Mestre D´Armas, próximo a Planaltina. Segundo essa autora, a primeira notícia que se tem sobre um loteamento clandestino, na forma de condomínio, como esses parcelamentos são conhecidos em Brasília, foi o inicialmente chamado Country Club Quintas da Alvorada, posteriormente chamado de Condomínio Rural Quintas da Alvorada, localizado na fazenda Taboquinha, entre as cabeceiras do Ribeirão Taboca e o Córrego Mata Grande, na APA do São Bartolomeu. Na época também foram iniciados outros loteamentos em municípios vizinhos do Estado de Goiás. A origem do uso do termo “condomínio” no lugar de loteamento, em Brasília, se deve ao fato de que, em 1977, o Cartório do 2º Registro de Imóveis da União levou à Procuradoria Geral do Distrito Federal – PRG, a dúvida da pertinência do registro de uma escritura de compra e venda do imóvel Quintas da Alvorada, que se apresentava como “loteamento mascarado”, sob a forma de condomínio rural. Em resposta, a PRG sustentaria a impossibilidade do 150 registro do referido condomínio, por se tratar de outra coisa. Porém, “após um impasse dentro da própria curadoria de registros, ficou definida, através do Acórdão nº 13.615, de 22/04/77 – Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Apelação Cível nº 4.890, a possibilidade de registro dessas primeiras glebas particulares, oriundas de um parcelamento particular, no DF” Malagutti (1997,152). Inclusive, com isso, abriu-se um precedente jurídico para a situação de loteamento ilegal disfarçado de condomínio rural, com aval do poder público. Proliferaram, a partir daí, outros tantos “condomínios” em igual situação na área rural do Distrito Federal, de modo que, em 1985, quando da primeira contagem após o surgimento do Quintas da Alvorada, somavamse cerca de 150 loteamentos clandestinos em Brasília. Em 1985, os Cartórios de Registros de Imóveis foram impedidos de proceder com registros de operações imobiliárias em área rural, graças ao Provimento da Corregedoria da Justiça nº 07/85, complementado pelo Ato Normativo nº 1/88, do Juízo de Direito da Vara de Registros Públicos, Falências e Concordatas do Distrito Federal (Malagutti, 1997:158). Em Brasília, até 1992, não era permitido o parcelamento do solo por particulares. Desde 1985, os Cartórios de Registros de Imóveis foram proibidos a lavratura, o registro ou a anotação de toda e qualquer formalização de transação que fracione o solo rural, sem a prévia e expressa concordância das autoridades competentes, mesmo quanto aos empreendimentos existentes anteriormente102 (Malagutti, 1997:158). 102 Provimento da Corregedoria da Justiça nº 07/85, complementado pelo Ato Normativo nº 1/88, do Juízo de Direito da Vara de Registros Públicos, Falências e Concordatas do Distrito Federal (Malagutti, 1997:158). 151 FIG. III.44 – Parcelamentos Clandestinos em 1985 em Brasília. Fonte: Malagutti apud Sampaio, 2009: 90. O fato é que, além da impossibilidade de se parcelar legalmente a terra em Brasília até 1992, com o PDOT, e da ausência de legislação que regulasse os parcelamentos até 1989, com a Lei nº 54/89, havia o mito do controle fundiário estatal, advindo da ideia da propriedade estatal das terras na cidade. Segundo Oliveira (2008: 63), essa “abertura” legal veio tarde, e em 1992 já havia grande número de parcelamentos irregulares. Em 1989, quando da promulgação da Lei nº 54/89 que dispunha sobre a regularização ou desconstituição de parcelamentos urbanos implantados no território do Distrito Federal “sob a forma de loteamentos ou condomínios de fato”, foi estimada a existência de 170 loteamentos clandestinos no Distrito Federal. Em 1992, quando da promulgação da Lei do PDOT/1992, quando se deu o cadastramento para a regularização de parcelamentos implantados de fato, somavam-se por volta de 200 empreendimentos. Em 1995, o número de empreendimentos cadastrados para serem regularizados chegou a 529 (GDF/SET/1995) (Malagutti, 1997: 153). Malagutti (1997, 150), quanto aos parcelamentos ilegais em Brasília, comenta que há sim um oportunismo por parte dos loteadores que se aproveitaram do interesse e a demanda 152 dos compradores e o desconhecimento das dificuldades ou impossibilidade, em alguns casos, de regularização dos parcelamentos. A despeito disso, o Estado buscou desde sempre o controle da irregularidade urbana em Brasília, e atuou em cada momento político da cidade, de acordo com possibilidades de que dispunha. Na década de 1990, por exemplo, lançou mão de equipes organizadas exclusivamente para o monitoramento das “invasões” e parcelamentos irregulares como o SIV-SOLO103, que atuou como uma espécie de polícia fundiária. Porém, a atuação desse tipo de fiscalização é limitado no caso de ocupações pulverizadas no território ou quando as terras ocupadas apresentam algum tipo de litígio (Oliveira, 2008: 65). O controle das ocupações desconformes promovidas pela baixa renda sempre foram mais efetivas do que quando os ocupantes eram identificados como fazendo parte da classe média ou alta (Gonçalves, apud Oliveira, 2008: 65). Verificamos isso em várias situações como no surpreendente caso do condomínio Villages Alvorada, situado na Região Administrativa do Lago Sul e a algumas centenas de metros do Palácio da Alvorada. Esse condomínio de alta renda, situado em terras desapropriadas, resistiu a todas as tentativas de retirada e hoje se encontra em fase de regularização pelo poder público. É fato que os parcelamentos clandestinos expandem a cidade pela ação de agentes privados que parcelam e comercializam o solo rural e o transformam em urbano, auferindo lucro, se aproveitando da ausência ou incapacidade do Estado de gerir essas áreas para atender a demanda da população por habitação a custos razoáveis. Contudo, o padrão espacial precário desses parcelamentos contribui para uma baixa qualidade de infraestruturas, equipamentos e degradação ambiental da cidade. Sobre isso, Malagutti comenta: “Os loteamentos clandestinos podem causar prejuízo não apenas aos compradores dos lotes, mas, também, a toda coletividade, tendo em vista que, geralmente, são implantados através de urbanização que não se preocupa em atender a legislação vigente, seja com referência aos aspectos ambientais, fundiários ou urbanísticos. Mesmo que não onerem de imediato, os recursos públicos, sem dúvida o comprometerão no futuro”. (Malagutti,1997: 149) 104 A complexidade legal e a burocracia administrativa existente para a regularização de um parcelamento, em Brasília, também são impedimentos para que o cidadão comum possa 103 104 Sistema Integrado de Vigilância do Uso do Solo. Malagutti, in ANPUR, Anais...; Recife, 1997 – v. 1. p. 149. 153 realiza-lo. Como já foi comentado na Parte II, o paradoxo das leis é que, ao mesmo tempo em que sua existência é fundamental para a manutenção de um estado de direitos, deveres e de igualdade entre os cidadãos, o seu conteúdo, que por vezes é distanciado da realidade de determinada parcela da sociedade e contribui para o surgimento da desigualdade e seus efeitos deletérios advindos do surgimento da cidade “ilegal”. De fato, apesar de se ter permitido o parcelamento de glebas a partir do PDOT, em 1992, em 1996 apenas um parcelamento havia conseguido preencher os requisitos exigidos pela legislação tendo sido regularizado. Outra questão que dificultou a regularização de parcelamentos em Brasília foi a grande quantidade de unidades de conservação, que restringem a possibilidade de certos tipos de ocupação urbana dentro de suas poligonais. Porém, o que vimos é que o impedimento e até a ausência de legislação a respeito não impediu que as terras na cidade fossem parceladas, o que fez com que a cidade informal se expandisse significativamente nas últimas três décadas. “A experiência comprovou que as leis, por si sós, sem a participação dos diferentes atores sociais sobre os quais elas incidem (governo, comunidade, organizações de classe, dentre outros), não garantem as mudanças. Deve haver um compromisso social para que as determinações previstas realmente ocorram. No caso específico dos loteamentos clandestinos no Distrito Federal, o amplo ordenamento jurídico vigente, em vez de contribuir para solucionar os graves problemas de ordem socioeconômica, de uso e gozo do solo, agrava-lhes a situação.” (Ipea, 2001) O aspecto mais importante a respeito dos parcelamentos irregulares em Brasília, a nosso ver, é que a sua ocorrência não teria sido tão expressiva caso o Estado não tivesse se abstido de prover espaços para moradia a preços razoáveis e em localidades satisfatórias para a classe média. Ninguém prefere comprar um lote irregular, sabendo que poderá pagar por ele de novo, posteriormente. O que ocorreu foi que a Terracap, companhia imobiliária do governo, não teve a destreza de atender a demanda que vinha se avolumando desde meados da década de 1980. Buscaram fazê-lo com a implantação de Águas Claras, porém, a demora de instalação de infraestrutura na localidade, aliada aos graves problemas viários de ligação com o Plano Piloto, fizeram dessa uma opção menos atraente. 154 FIG. III.45. – Brasília - Parcelamentos de Baixa Renda em Áreas Ambientalmente Frágeis. Fonte: FREITAS, 2009. III.3.2.2 Parcelamentos Irregulares de Classe média em Brasília - Localização Do ponto de vista da lógica locacional, os loteamentos clandestinos no Distrito Federal situam-se próximos ou contíguos às áreas urbanas formais e consolidadas. Também se situam, em sua maioria, em áreas rurais remanescentes, que em Brasília são muitas, em função do polinuclemento inicial do conjunto urbano. Os quadrantes sudoeste, norte e sudeste foram os priorizados por esse tipo de ocupação, coincidindo com as vias de ligação do centro urbano com Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo, Bahia e Unaí, respectivamente. Quanto às suas características físico-espaciais, esses empreendimentos apresentam a tendência de aproveitamento máximo da gleba parcelada com unidades imobiliárias, sem dispor do percentual mínimo de áreas comuns, ou áreas para equipamentos comunitários, serviços ou comerciais, como estabelece a Lei de Parcelamentos – nº 6.766/79. A forma utilizada de gestão dos parcelamentos privados foi o condomínio, onde há uma maior facilidade de angariar fundos entre os condôminos para a execução de benfeitorias dentro do parcelamento. Também dentro da estrutura de condomínio intramuros estabelece-se o controle de entrada, com serviços de segurança privada, o que confere ao morador a “sensação” de proteção desejada. 155 Com a instituição do condomínio como figura jurídica registrado, o pagamento de mensalidades condominiais para a execução de benfeitorias e demais despesas era obrigatória até pouco tempo atrás, independente se o condomínio era referente a um parcelamento ilegal ou não, independentemente se as benfeitorias estavam realmente sendo executadas. Esse fator obrigava os condôminos a manter suas contribuições. III.3.3 Ocupações Irregulares de Baixa Renda no Período Em Brasília, o Estado tem todas as condições de executar programas de assentamentos sobre terrenos públicos, sem a necessidade de se utilizar de desapropriações. Nesses assentamentos o governo adotou, uma série de procedimentos com o objetivo de subsidiar a terra e prover a infraestrutura urbana, como a não taxação pela ocupação nem pela urbanização dos loteamentos, apenas a cobrança única da conta de energia elétrica (Ipea, 2001: 113). Os procedimentos para a regularização das áreas invadidas seguiram, segundo estudo do Ipea (2001: 113) os seguintes passos: “A primeira providência para regularizar áreas invadidas é verificar sua situação fundiária. Procura-se, na maioria das vezes, o assentamento da população em áreas de propriedade do governo. Em seguida, fazse o levantamento topográfico-cadastral, visando à elaboração do plano de ocupação da área, e solicita-se o licenciamento ambiental, no âmbito do qual se realiza o EIA/ Rima. Procedidas as adaptações no plano, em razão de possíveis exigências ambientais, ele é enviado à Câmara Legislativa para aprovação. Algumas vezes, já existem leis aprovadas anteriormente, tendo em vista o interesse que o tema tem despertado na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Por fim, elaborase o projeto do parcelamento, para aprovação pelo governador do Distrito Federal” (Ipea, 2001: 114). Em casos de regularização de invasões em terrenos públicos, o empreendedor é o próprio governo, que assume, dessa forma, todos os custos decorrentes do processo. A Terracap, imobiliária pública, atua como coordenadora até a fase de registro do parcelamento em cartório e a Secretaria de Obras coordena a implantação da infraestrutura, uma vez que as concessionárias de serviços públicos a ela são subordinadas. A ocupação Lucena Roriz, foi regularizada seguindo esse padrão de procedimento, já que o assentamento foi considerado como uma ocupação urbana consolidada. A efetivação da regularização foi condicionada ao rezoneamento da APA da bacia do Rio Descoberto. Em 1989 foi feita a remoção da Vila Paranoá, uma ocupação irregular com tipologia de favela, e o 156 reassentamento da população em uma localidade próxima, e em 1991 foi feita a regularização do Varjão, ocupação com características físico-espaciais e sociais semelhantes. Em 1995 foi iniciado um programa de regularização fundiária dos assentamentos implantados pelo governo entre 1988 e 1994, já que a maioria desses assentamentos não possuía registro em cartório. Até agosto de 1997 já havia sido efetuado o registro de mais de 35 mil lotes em Santa Maria, recanto das Emas e Samambaia. A Vila Paranoá105, originou-se do acampamento de obras construído em 1957, cuja finalidade era alojar os trabalhadores que vieram construir a barragem formadora do Lago de mesmo nome. Após o término da construção, em 1960, uma parte dos moradores permaneceu no local, apesar da ocupação como um todo haver sofrido expressiva diminuição. Com o crescimento da cidade e a manutenção da ausência de opções de moradia dentro da formalidade, o assentamento cresceu significativamente, levando o Governo de Brasília a criar o Núcleo Urbano do Paranoá, numa área próxima à antiga vila, por meio dos esforços do GEPAFI. No novo núcleo foram instaladas as famílias pioneiras, que viviam na antiga “invasão” e os moradores de outras invasões, que para lá foram transferidos e fixados. 105 O Paranoá é a sede da RA VII, que foi criada pela Lei n.º 49/89 e o Decreto n.º 11.921/89. 157 FIG. III.46. Brasília - Mancha Urbana 2000 e indicação da Cidade Informal no Período. Fonte: Brito, 2009; Anjos, 2010; Sedhab, 2011; 158 FIG. III.47. Candangolândia 106 FIG. III.49. Varjão. FIG. III.51. São Sebastião. 106 . FIG. III.48. Candangolândia. FIG. III.50. Varjão. FIG. III.52. São Sebastião. Fonte das fotos nesta página: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=52029147. 159 FIG. III.53. Paranoá 107 . FIG. III.55. Itapoã. FIG. III.57. Estrutural. 107 FIG. III.54. Paranoá. FIG. III.56. Itapoã. FIG. III.58. Estrutural. Fonte das fotos nesta página: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=52029147>. 160 III.4 De 1995 a 2006 – Período de Consolidação de Brasília como Aglomerado Urbano Metropolitano108Composto pela Cidade Informal Difusa no Território A partir de 1995, a direção da Administração pública em Brasília passa a priorizar o processo de consolidação da expansão urbana ocorrida no período anterior. É feita a ocupação de vazios urbanos, dentro do ideário dos planos territoriais Brasília Revisitada e do PDOT/1992, o qual consagra a ocupação do quadrante sudoeste e a interligação dos assentamentos mais antigos pelo preenchimento dos vazios. Não se criam novas “cidades”, e as que haviam sido criadas passam por programa de regularização fundiária. Verifica-se um processo de conurbação do Plano Piloto em direção aos seus vetores de expansão, a nordeste com Sobradinho, a leste com o Paranoá, ao sul, com Gama e a oeste com Taguatinga e Ceilândia. A RIDE109, como já comentamos, foi formalizada em 1998 e firmou administrativamente acordos entre os 22 municípios que compõem o conjunto metropolitano de Brasília. Com a consolidação e manutenção do processo de expansão do aglomerado urbano de Brasília em direção aos municípios vizinhos, Brasília se estabeleceu como metrópole nacional com uma população de 3,2 milhões de habitantes em 2007. O Brasil possui outros 11 centros metropolitanos que exercem influência sobre redes urbanas regionais. As 12 metrópoles comandam redes urbanas que são diferenciadas em termos de tamanho, organização e complexidade e apresentam interpenetrações, pela ocorrência de vinculação a mais de um centro (IBGE, 2008). “A população da rede de Brasília representa 2,5% da população do País e 4,3% do PIB nacional. A extensão dessa rede também é reduzida, compreendendo o oeste da Bahia, alguns municípios de Goiás e do noroeste de Minas Gerais. Essa rede tem alta concentração de população e renda no centro, que responde por 72,7% da população e 90,3% do PIB da rede. Entre todas as redes, esta tem o mais alto PIB per capita, R$ 25,3 mil” (IBGE, 2008). Para chegar a essas conclusões, o IBGE110 realizou estudo que levantou dados a respeito do comportamento dos habitantes nos 12 maiores centros urbanos, de forma a demonstrar a 108 Já comentamos anteriormente, neste trabalho, as várias definições de regiões metropolitanas, segundo o IBGE e outros autores. Vide p. 33. 109 Região Integrada de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal e Entorno. 110 Nesse estudo, a atual configuração da rede urbana brasileira foi comparada com estudos feitos pelo IBGE em 1972, 1987 e 2000. 161 inter-relação que os diferentes municípios que compunham suas redes urbanas mantinham entre si. Verificou-se, por exemplo, que a população brasileira se desloca em média, 49 km para fazer compras. Em Brasília desloca-se, em média, 100 km para ter acesso a hospitais, lazer e ensino superior e os jornais de grande circulação no centro alcançam até 240 km de distância dentro da na rede de influência de onde ele é editado. III.4.1 Urbanização Dirigida Com um novo governo em 1995, e o compromisso da regularização dos assentamentos governamentais criados no período anterior, é dado início a um extenso programa de regularização de parcelamentos oficiais. Entre os anos de 1995 e 1998, segundo a Terracap (apud Brito, 2008: 201), foi feita a expansão de vários núcleos urbanos como Samambaia, Guará, Taguatinga, Santa Maria, Planaltina e Ceilândia. Foram regularizados os núcleos urbanos do Recanto das Emas, Santa Maria, Riacho Fundo e Vila Planalto e foram regularizados 18 condomínios, distribuídos nos seis novos setores habitacionais criados para esse fim. Com a mudança de governo distrital em 1999, manteve-se a política de regularização dos assentamentos urbanos consolidados iniciada no mandato anterior. Foi criada a SEAF – Secretaria de Estado de Assuntos Fundiários com a finalidade de agilizar o processo de regularização dos parcelamentos informais na cidade. Contudo, segundo Brito (2008: 202), manteve-se o impasse em relação aos condomínios irregulares, além de se manter a tendência de surgimento de novas “invasões”. 162 TABELA III.4. Assentamentos Informais Regularizados entre 1995 e 1998. Fonte: Brito: 2008. Em 2000, segundo a autora, mantinham-se irregulares 65 novos focos de “invasão” nas proximidades de Ceilândia, Brazlândia e Sobradinho, além da manutenção da Estrutural com cerca de 4.000 moradias e o Itapuã com cerca de 20.000 moradores. Em 2001, contava-se 368 parcelamentos irregulares de classe média, ocupando 80 mil lotes, em processo de licenciamento na extinta SEAF. “Ainda em 2004 os processos do Condomínio Del Lago, a Fazenda Paranoazinho e o Condomínio Itapuã II (na região do Paronoá), Bairro Mestre D´Armas, Estância Mestre D´Armas, Estância Planaltina, Mestre D´Armas VI, Setor de Mansões Itiquira, Vila Nova Esperança, Condomínio Arapoangas e Lago Oeste, (no eixo Sobradinho – Planaltina) ainda não haviam chegado a bom termo. Na mesma situação encontravam-se as áreas ocupadas nas Colônias Agrícolas Vicente Pires que, em 204 somavam 370 parcelamentos e 60 mil moradores” (Brito, 2008: 202) Segundo estudo feito pela Supar/Seduh (2006, 63), Brasília possuía, em 2006, 513 parcelamentos informais, sendo que destes, 379 estavam localizados em área urbana e 134 163 em área rural, aproximadamente 75% e 25% do total de parcelamentos, respectivamente. Ou seja, a maioria dos parcelamentos informais existentes em Brasília, localizam-se em área urbana. Nesse relatório se esclarece que estão incluídos sob a denominação de parcelamentos “informais”, aqueles implantados de fato, mas que não possuem nenhum tipo de licença ou processo formalizado para sua regularização junto ao Governo, ou seja, os parcelamentos Ilegais. Também estão incluídos nesta contagem aqueles parcelamentos que já apresentam processo de regularização iniciado, mesmo que não apresentem condições para tanto. Também estão incluídos os que deram entrada em processo de regularização, contudo a administração pública não identificou sinais de implantação do parcelamento de fato. A questão dos parcelamentos informais em Brasília e seu aumento na última década é complexa e preocupante sob diversos ângulos, e suas causas se relacionam a uma conjuntura de fatores socioeconômicos, políticos e sociais. Após o explosivo aumento da cidade informal ocorrida até 1995, o governo do DF se dedica à busca de formas de impedir o avanço da irregularidade na cidade e proceder a regularização das áreas já ocupadas de modo a integrá-las à malha urbana formal. É fato que desde 1989, várias leis e decretos haviam sido editados com o objetivo de regular a ocupação informal do solo em Brasília, como já vimos, sem no entanto, serem encontradas soluções concretas para o problema. Como vimos, em 1995, foram identificados 529 parcelamentos irregulares, dos quais 297 foram considerados inabilitados para prosseguir o processo de regularização e 232 aptos ao prosseguimento, de acordo com as diretrizes e condicionantes vigentes à época (Supar/Seduh, 2006: 14). Surpreendentemente, desse total de empreendimentos levantados pelo GET/PI, nenhum foi efetivamente desconstituído (apesar de alguns estarem apenas cadastrados, sem sinais de implantação no local) e apenas um conseguiu cumprir todo o processo de regularização até o registro final. Em 1996 foi criado um novo Grupo de Trabalho (GET/PI) que, após estudos e procedimentos com vistas à regularização dos empreendimentos junto à Teracap e à Câmara Legislativa, instituiu seis setores habitacionais, formados por agrupamentos de parcelamentos irregulares. Nesse estudo que contou com a participação de diversos órgãos e entidades públicas, foram identificados agrupamentos de parcelamentos informais que seriam, em princípio, passíveis de regularização. Para esses agrupamentos foram estabelecidas áreas de estudo, dimensionadas de modo que incluíam as áreas efetivamente ocupadas mais uma parcela de terras públicas, de forma que cada agrupamento pudesse 164 compor um futuro bairro, dotado de equipamentos e infraestruturas adequadas do ponto de vista urbanístico. Como resultado deste trabalho, foram aprovados pela Lei no. 1.823/1998 os seguintes setores habitacionais: -Setor Habitacional Taquari – RA do Lago Norte; - Setor Habitacional Boa Vista – RA de Sobradinho; - Setor Habitacional Dom Bosco – RA do Lago Sul; - Setor Habitacional Jardim Botânico – RA Jardim Botânico, São Sebastião e Paranoá. - Setor Habitacional São Bartolomeu – RA do Paranoá; - Setor Habitacional Vicente Pires – RA de Taguatinga. (Supar/Seduh, 2006: 15). TABELA III.5. Assentamentos/Parcelamentos em Processo de Regularização Fundiária no Ano de 1999. Fonte Brito, 2008: 206. Foram criados novos setores, bairros e núcleos habitacionais, sem que, com isso houvesse avanços na regularização dos parcelamentos irregulares implantados. Em 1999 foi criada uma Secretaria de Estado no DF, exclusivamente para tratar dos assuntos fundiários da cidade, a fim unificar as tarefas de planejamento, execução e implementação da política de regularização fundiária das terras urbanas e rurais do Distrito Federal. Esta teria sido uma ação extremamente benvinda, em face da pulverização de atribuições existente e a necessidade de ações coordenadas para se proceder as regularizações. Contudo, a SEAF foi extinta em 2002, sem que houvesse nenhum resultado concreto advindo de sua atuação (SUPAR/SEDUH, 2006: 15). A Terracap, em 2002, passou a tratar dos 507 processos de parcelamentos existentes naquela época na extinta SEAF, atribuição recebida pela Lei no. 3.104/2002. Segundo essa 165 Lei, a companhia imobiliária de Brasília passou a ter a atribuição de localizar, sistematizar e regularizar os parcelamentos informais no Distrito Federal. Em 2003, foi instituída a Comissão Paritária de Estudos para a regularização de condomínios no DF111, cuja ação principal foi o estudo da viabilidade da venda direta dos lotes, além da elaboração de sugestões para a solução definitiva para a regularização dos parcelamentos irregulares na cidade. Também foram levantadas soluções para combater as causas da irregularidade. No final de 2003, como resultado da criação de um novo Grupo de Trabalho, novas diretrizes foram apontadas. Segundo o diagnóstico sobre a situação fundiária dos loteamentos irregulares/clandestinos no Distrito Federal, realizado pela Terracap, em 2003, apenas 150 condomínios, divididos em 19 setores habitacionais, foram considerados passíveis de regularização, de um total estimado por associações de moradores de condomínios de aproximadamente 500 parcelamentos. Em 2006, em Brasília, de acordo com levantamento realizado pela Supar/Seduh, foram identificados 513 parcelamentos do solo no DF, dos quais 379 foram considerados urbanos e 134 rurais. Dentre aqueles considerados urbanos, 317 são informais e encontram-se implantados de fato. Ainda do total considerado urbano, 30 são objeto de processo de regularização. Porém, não foram implantados; 28 são formais, e estão em processo de aprovação e quatro encontram-se registrados. (Supar/Seduh, 2006: 16). A população moradora em parcelamentos informais implantados, em Brasília, ao final de 2005, segundo o estudo da Supar/Seduh, era de 545.651 habitantes. Ou seja, 24% de toda a população do DF. Como o próprio estudo aponta, a questão dos parcelamentos informais em Brasília, não se se refere apenas a um problema de inadequação urbana às normas vigentes ou à invasão de terras públicas ou privadas. Apesar dos parcelamentos informais estudados e identificados não se enquadrarem na legislação vigente, estes devem ser vistos de forma a serem agregados à cidade, o que requer uma adequação espacial dos mesmos e uma adequação da própria legislação de modo a possibilitar que estes parcelamentos possam tornar-se áreas de formalidade. 111 Decreto no. 23.831/2003. 166 Para isso, o estudo lista as estratégias propostas pelo Executivo para a regularização fundiária dessas áreas, a principal delas, o agrupamento dos parcelamentos em setores habitacionais, de acordo com suas características físicas e sociais. Segundo o Diagnóstico, essa estratégia favorece uma visão sistêmica para a solução dos problemas urbanísticos, ambientais e de infraestrutura urbana de cada localidade, com a integração de ações governamentais e simplificação de procedimentos administrativos, resultando em redução de custos e prazos no processo de regularização (Supar/Seduh, 2006: 59). Também foram definidos os padrões urbanísticos a serem agregados às áreas regularizadas, estabelecendo as dimensões mínimas e máximas dos lotes, o percentual mínimo de área pública dos assentamentos; densidade habitacional bruta; e coeficientes de aproveitamento dos lotes. De fato, no caso do conjunto de parcelamentos informais denominados “condomínio sol nascente”, localizado junto à face sudoeste da Ceilândia, o agrupamento dos diversos loteamentos que compõem a área em um único setor habitacional com características homogêneas socioeconômicas possibilitou que essa área fosse inscrita e incluída dentro das áreas a serem contempladas por um dos programas de realização de infraestrutura urbana do governo em áreas de habitação social incluída dentro do PAC. Nos parcelamentos informais já implantados, e que apresentam condições precárias, há a necessidade de implantação de equipamentos públicos e de infraestrutura urbana básica, com o objetivo de melhorar as condições de vida da população dessas áreas mais carentes. Outra questão identificada, o conflito entre a ocupação antrópica e a proteção das áreas ambientalmente sensíveis também é uma questão delicada nas áreas de parcelamento irregular. Para solucionar essa questão seria necessária a integração dos diversos órgãos envolvidos no processo de regularização dos parcelamentos em Brasília – IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis e SEMARH – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, referentes às diversas instâncias de licenciamento ambiental e de realização de estudos de impacto, projetos e obras de reparação aos danos ambientais. O licenciamento ambiental dos parcelamentos do solo no DF é feito por dois órgãos, dependendo da área onde se encontra o parcelamento em questão. Parte encontra-se sob a responsabilidade do IBAMA e parte sob a responsabilidade da SEMARH. Isso se deve ao fato de parte do DF estar inserida dentro da APA – Área de Proteção Ambiental - do Planalto Central, sob a responsabilidade do IBAMA, de acordo com o Decreto Federal s/ número de 167 10 de Janeiro de 2001. Dessa forma, todos os parcelamentos localizados nessa área devem ser licenciados pelo órgão Federal. Do total de 317 parcelamentos urbanos implantados, 147 encontram-se fora da APA do Planalto Central e 170 dentro dos seus limites. Ou seja, 54% do total de parcelamentos urbanos implantados em Brasília encontram-se sob a responsabilidade do IBAMA. (Supar/Seduh, 2006: 59). Segundo IPEA (2001: 113) a “invasão” da Estrutural ou Lixão, localizada na RA do SCIA, após a resistência popular demonstrada em face às várias tentativas de remoção por parte do governo, no ano de 1997 já demonstrava a inviabilidade de sua desconstituição. A área da “Estrutural” apresenta interferência com o Parque Nacional de Brasília e com a captação de água para abastecimento do DF. Nessa época, apresentava 3.308 barracos e um total de 12.300 moradores, segundo dados oficiais. Segundo a associação de moradores do local esse número seria de 20 mil pessoas. TABELA III.6. Operações de Controle de Ocupação Promovidas pela SUDESA. Fonte: Brito, 2008. III.4.2 Parcelamentos Irregulares em Brasília – Medidas Adotadas pelo Governo após o Estatuto da Cidade (até 2006) Atualmente, a administração pública, em Brasília, vê a regularização fundiária como uma estratégia de ordenamento territorial e uma importante ferramenta para o desenvolvimento urbano na cidade. É fato que essa decisão veio com certo atraso e a reboque das ocupações irregulares já implantadas. Para a regularização das áreas informalmente ocupadas, no texto explicativo do PDOT/DF aprovado pela Câmara Distrital em 2009, a Seduh/DF lista as várias áreas a serem regularizadas e as agrupa de acordo com critérios de proximidade, categoria de renda, características urbanas e ambientais, de modo a facilitar o processo de regularização. O critério do nível de renda, por exemplo, viabilizou a 168 inclusão dos setores habitacionais com essas características em zonas habitacionais de interesse social – ZEIS. Segundo Sampaio (2009), contudo, a definição de restrições ambientais em zonas de uso controlado no PDOT/2009, não corresponde a uma real fragilidade ambiental do solo e sim a uma reserva especulativa de terras por parte do Estado. Acreditamos ser essa uma possibilidade real, já que o Estado é proprietário, em Brasília, da maior imobiliária da cidade, a Terracap, e como vimos nesse estudo de 50 anos de expansão do da urbanização, seu comportamento pouco diferiu de uma imobiliária privada. Vimos desde 1973, ano da criação da Terracap, a terra urbana em Brasília ser tratada como mais valia à disposição apenas dos que podiam pagar muito. A falta de imóveis a bom preço e em localizações que interessassem a classe média na década de 80, por sua vez, desencadeou um processo de irregularidade urbana vantajoso tanto para o loteador clandestino quanto para o comprador, já que este encontrava moradia em locais com belas visuais como o altiplano Leste ou as proximidades do Parque Nacional de Brasília, a baixo custo comparado com os altos preços cobrados nas licitações públicas de terrenos da Terracap. Também, no caso dos parcelamentos localizados nas proximidades de Sobradinho e na Bacia do São Bartolomeu, era possível se esquivar do tráfego do quadrante Sudoeste da cidade, bastante sobrecarregado nos horários de pico, um grave problema de Brasília, onde os empregos se concentram no Plano Piloto e a moradia nos núcleos periféricos. Para que se chegasse ao estágio das propostas constantes do texto da revisão do PDOT/2009, várias ações foram tomadas no sentido de se reavaliar o processo de regularização em curso em 2005, segundo a própria Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação na época: os Setores habitacionais com maior concentração de população em parcelamentos urbanos informais estão localizados nas RA de Planaltina (Mestre D´Armas, Aprodarmas, Vale do Amanhecer e Arapoanga), RA de Sobradinho (Grande Colorado, Boa Vista, Contagem e Região dos Lagos), RA de São Sebastião e Paranoá (Jardim Botânico e São Bartolomeu) e RA de Sta. Maria (S. H. Tororó). 169 FIG. III.59. Setores Habitacionais. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Na Região Administrativa de Sobradinho, sob solicitação do IBAMA, houve a necessidade da elaboração de EIA/RIMA do imóvel Paranoazinho, onde se situam os 84 parcelamentos ocupados por 53.294 habitantes. FIG. III.60. Setor Habitacional Boa Vista – Condomínios às margens da via EPIA – RA de Sobradinho. Foto da Autora. 170 FIG. III.61. Parcelamentos Irregulares - Setores Habitacionais Taquari, Alto da Boa Vista, Região dos Lagos, Boa Vista, Fercal, Contagem, Região dos Lagos, Mansões Sobradinho, Nova Colina, Aprodarmas, Arapoanga, Mestre D´armas e Vale do Amanhecer. Fonte: Sedhab/DF. Na RA de Santa Maria, onde está situado o S. H. Tororó, o licenciamento ambiental também está sendo feito pelo IBAMA, diretamente com a associação de moradores do setor. Como se trata de área de média renda, o processo de licenciamento é feito por meio de concessão de licença prévia. As ocupações de baixa renda Sol Nascente, Estrutural e Itapuã, situadas em terras públicas, foram alvo de estudo de impacto ambiental, com vistas a buscar medidas mitigadoras de danos causados em áreas ambientalmente sensíveis – caso do Sol Nascente. Quanto à ocupação do Itapuã, localizado na RA de mesmo nome, o estudo da Supar/Seduh informa que até o final de 2005 a Seduh já havia iniciado os estudos urbanísticos para a sua regularização, com a elaboração de plano de ocupação, contendo a estruturação viária e de 171 transporte coletivo, alocação de equipamentos e proposta de endereçamento para a área. Foi aplicada na área, segundo Brito (2008: 207) a Medida Provisória 292/06112, pela Secretaria de Patrimônio da União. FIG. III.62. Parcelamentos Irregulares - Setor Habitacional Tororó. Fonte: Sedhab/DF. Foram considerados os seguintes aspectos com relação ao universo de parcelamentos irregulares levantados em Brasília, pelo estudo da Supar/Seduh, em 2006: Regularidade – Formal ou Informal; Grau de Implantação, Implantado ou não; 112 Altera a Lei no. 9.636, de 15 de maio de 1998, que passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1º. É o Poder Executivo autorizado a executar ações de identificação, demarcação, cadastramento, registro, fiscalização, regularização das ocupações, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, promovendo a utilização ordenada dos bens imóveis de domínio da União, podendo, para tanto, firmar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa Privada”. 172 Localização nas Regiões Administrativas; Distribuição em relação aos setores habitacionais previamente criados. Situação fundiária do parcelamento – se em terras desapropriadas pertencentes à União, ao GDF ou à Terracap; terras não desapropriadas ou de particulares; terras desapropriadas em comum, onde parte das terras pertence à União ou à Terracap, sem que tenha sido feita essa separação. Faixa de Renda da População. Distribuição nas APA, conforme Mapa Ambiental do Distrito Federal, ano de 2006. FIG. III.63. Brasília - Mancha Urbana 2007 e indicação da Cidade Informal no Período. Fonte: Sedhab/DF, 2011; 173 FIG. III.64. Parcelamentos Irregulares - Setores Habitacionais Don Bosco, Jardim Botânico e São Bartolomeu. Fonte: Sedhab/DF. Situação em relação ao zoneamento estabelecido pelo PDOT/1997, se em áreas urbanas ou rurais e se em Áreas Especiais de Proteção (Aárea de Proteção de Mananciais – APM, Áreas de Restrições Físico-ambientais – ARFA, Áreas de Lazer Ecológico – ALE e Áreas Rurais Remanescentes). Responsabilidade pelo licenciamento ambiental do empreendimento, se pelo IBAMA ou SEMARH. 174 FIG. III.65. Parcelamentos Irregulares - Setores Habitacionais Vicente Pires e Arniqueiras. Fonte: Sedhab/DF. l FIG. III.66. Setor Habitacional Vicente Pires (visto a partir de Taguatinga, com Águas Claras ao fundo). Foto da autora. 175 Descrição Quantidade Percentual* Parcelamentos urbanos informais 347 92% Parcelamentos urbanos formais (em processo de aprovação) 28 7% Parcelamentos urbanos formais registrados 4 1% 379 100% Total Observação: (*) dos parcelamentos urbanos identificados TABELA III.7. Situação dos parcelamentos urbanos formais e informais - quanto à sua regularidade. Fonte: Supar/Seduh, 2006 Descrição Habitantes Percentual* RA V - Sobradinho 138.624 26% RA VI - Planaltina 107.290 20% RA III - Taguatinga 91.253 17% RA IX - Ceilândia 77.694 15% RA XXV - SCIA 25.000 5% RA XIV - São Sebastião 23.484 4% RA IV - Brazlândia 15.741 3% RA XIII - Santa maria 11.131 2% RA II - Gama 10.505 2% RA VII - Paranoá 9.084 2% RA XV - Recanto das Emas 8.331 1% RA XVII - Riacho Fundo 4.722 1% RA X - Guará 4.409 1% RA XVI - Lago Sul 1.670 RA XII - Samambaia 1.624 RA I - Brasília 1.240 RA XVIII - Lago Norte 900 1% 176 RA XIX - Candangolândia Total 876 533.578 100% Observação: (*) % residente nos parcelamentos urbanos informais implantados. TABELA III.9. Distribuição da População Residente nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados - por Região Administrativa. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Habitantes Percentual* Situados Fora de Setor Habitacional 186.144 35% Setir Habitacional Região dos Lagos 67.418 13% Setor Habitacional Vicente Pires 51.978 10% Setor habitacional Arapoanga 51.548 10% Setor Habitacional Arniqueira 37.000 7% Setor Habitacional Mestre D`Armas 27.064 5% Setor Habitacional Vale do Amanhecer 22.360 4% Setor Habitacional Mansões Sobradinho 14.297 3% Setor Habitacional Jardim Botânico 12.369 2% Setor Habitacional Contagem 12.073 2% Setor Habitacional Grande Colorado 10.367 2% Setor Habitacional Água Quente 9.371 2% Setor Habitacional Boa Vista 6.733 1% Setor Habitacional Fercal 6.690 1% Setor Habitacional Nova Colina 5.973 1% Setor Habitacional São Bartolomeu 5.248 1% Setor Habitacional Aprodarmas 2.330 Setor Habitacional Dom Bosco 1.670 Setor Habitacional Tororó 1.646 Setor Habitacional Alto da Boa Vista 152 Setor Habitacional Taquari 100 1% 177 Total 533.578 100% TABELA III.10. População dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados por Setor Habitacional. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual* Situados Fora de Setor Habitacional 115 36% Setor Habitacional Contagem 37 12% Setor habitacional Arapoanga 25 8% Setor Habitacional Mestre D`Armas 19 6% Setor Habitacional Jardim Botânico 18 6% Setor Habitacional Boa Vista 12 4% Setor Habitacional Nova Colina 12 4% Setor Habitacional Tororó 11 4% Setor Habitacional Grande Colorado 10 3% Setor Habitacional Região dos Lagos 10 3% Setor Habitacional Mansões Sobradinho 10 3% Setor Habitacional Água Quente 9 3% Setor Habitacional Fercal 7 2% Setor Habitacional São Bartolomeu 6 2% Setor Habitacional Aprodarmas 4 1% Setor Habitacional Vicente Pires 3 1% Setor Habitacional Arniqueira 3 1% Setor Habitacional Vale do Amanhecer 2 Setor Habitacional Dom Bosco 2 Setor Habitacional Alto da Boa Vista 1 Setor Habitacional Taquari 1 1% 317 100% Total 178 TABELA III.11. Distribuição dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados por Setor Habitacional. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quantidade Percentual* Parcelamento em Terras Desapropriadas 88 28% Parcelamento em Terras Não-Desapropriadas (ou de particulares) 189 59% Parcelamento em Terras Em Comum 40 13% Total 317 100% TABELA III.12. Parcelamentos Urbanos Informais Implantados Quanto à Situação Fundiária. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Habitantes Percentual* Habitantes de Baixa Renda 369.692 69% Habitantes de Média Renda 158.484 30% 5.402 0 533.578 100% Habitantes de Alta Renda Total (*) % da População dos parcelamentos informais implantados. TABELA III.13. Distribuição da População Residente nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados - por Faixa de Renda. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual* Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de baixa renda, situados em Terras Desapropriadas. 52 27% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de baixa renda, situados em Terras Não-Desapropriadas. 106 55% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de baixa renda, situados em Terras Em Comum. 33 18% Total 191 100% 179 TABELA III.14. Número de Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, com População de Baixa Renda - por Situação Fundiária. Fonte: SUPAR/SEDUH, 2006. Descrição Habitantes Percentual* Habitantes de baixa renda, em parcelamentos situados em Terras Desapropriadas. 163.009 44% Habitantes de baixa renda, em parcelamentos situados em Terras Não-Desapropriadas. 117.126 32% Habitantes de baixa renda, em parcelamentos situados em Terras Em Comum. 89.557 24% Total 369.692 100% TABELA III.15. Distribuição da População de Baixa Renda nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual* 30 25% 83 70% 6 119 5% 100% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de média renda, situados em Terras Desapropriadas. Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de média renda, situados em Terras Não-Desapropriadas. Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de média renda, situados em Terras Em Comum. Total TABELA III.16. Número de Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, com População de Média Renda - por Situação Fundiária. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Habit. Percentual* Habitantes de média renda, em parcelamentos situados em Terras Desapropriadas. 112.799 71% Habitantes de média renda, em parcelamentos situados em Terras Não-Desapropriadas. 39.719 25% 180 Habitantes de média renda, em parcelamentos situados em Terras Em Comum. Total 5.966 4% 158.484 100% TABELA III.17. Distribuição da População de Média Renda nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual* Parcelamentos com população de alta renda, situados em Terras Desapropriadas. 6 86% Parcelamentos com população de alta renda, situados em Terras Não-Desapropriadas. 0 0% Parcelamentos com população de alta renda, situados em Terras Em Comum. 1 14% Total 7 100% TABELA III.18. Número de Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, com População de Alta Renda - por Situação Fundiária. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Habit. Percentual* Habitantes de alta renda, em parcelamentos situados em Terras Desapropriadas. 5.062 94% Habitantes de alta renda, em parcelamentos situados em Terras Não-Desapropriadas. 0 0% Habitantes de alta renda, em parcelamentos situados em Terras Em Comum. 340 6% 5.402 100% Total TABELA III.19. Distribuição da População de Alta Renda nos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual* Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de baixa renda, situados em Terras Desapropriadas. 52 17% 181 Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de baixa renda, situados em Terras Não-Desapropriadas. 106 34% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de baixa renda, situados em Terras Em Comum. 33 10% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de média renda, situados em Terras Desapropriadas. 30 9% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de média renda, situados em Terras Não-Desapropriadas. 83 26% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de média renda, situados em Terras Em Comum. 6 2% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de alta renda, situados em Terras Desapropriadas. 6 2% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de alta renda, situados em Terras Não-Desapropriadas. 0 0% Parcelamentos urbanos informais implantados, com população de alta renda, situados em Terras Em Comum. 1 0% 317 100% Total TABELA III.20. Distribuição dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária e Faixa de Renda. Fonte: Supar/Seduh 2006. Descrição Habit. Percentual* Habitantes de baixa renda, em parcelamentos situados em Terras Desapropriadas. 163.009 31% Habitantes de baixa renda, em parcelamentos situados em Terras Não-Desapropriadas. 117.126 22% Habitantes de baixa renda, em parcelamentos situados em Terras Em Comum. 89.557 17% Habitantes de média renda, em parcelamentos situados em Terras Desapropriadas. 112.799 21% Habitantes de média renda, em parcelamentos situados em Terras Não-Desapropriadas. 39.719 7% Habitantes de média renda, em parcelamentos situados em Terras Em Comum. 5.966 1% 182 Habitantes de alta renda, em parcelamentos situados em Terras Desapropriadas. 5.062 1% Habitantes de alta renda, em parcelamentos situados em Terras Não-Desapropriadas. 0 0% Habitantes de alta renda, em parcelamentos situados em Terras Em Comum. 340 0% 533.578 100% Total TABELA III.20. Distribuição da População dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados – Quanto à Situação Fundiária e Faixa de Renda. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual* Parcelamentos situados em Zonas Urbanas, de acordo com o PDOT/97. 200 63% Parcelamentos situados em Zonas Rurais, de acordo com o PDOT/97. 117 37% Total 317 100% TABELA III.21. Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados com Relação às Zonas Urbanas e Rurais definidas pelo PDOT/97. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual ARR Sobradinho II 8 40% ARR Taguatinga 3 15% ARR Vicente Pires 1 5% ARR São José 1 5% ARR Águas Claras 1 5% ARR Vereda da Cruz 1 5% ARR Arniqueiras 1 5% ARR Vereda Grande 1 5% ARR Bernardo Sayão 1 5% ARR Ponte Alta Norte 1 5% ARR Santa Maria 1 5% Total 20 100% 183 TABELA III.22. Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, Situados nas Áreas Rurais Remanescentes – ARR, Definidas pelo PDOT/97. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual APM Futura Barragem do São Bartolomeu 4 33% APM Cachoeirinha 7 58% APM Mestre D`Armas 1 8% Total 12 100% TABELA III.23. Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, Situados nas Áreas de Proteção de Mananciais – APM, Definidas pelo PDOT/97. Fonte: Supar/Seduh, 2006. Descrição Quant. Percentual ARFA Entorno do Parque Nacional 6 86% ARFA Bordas de Ceilândia 1 14% Total 7 100% TABELA III.24 Situação dos Parcelamentos Urbanos Informais Implantados, Situados nas Áreas de Risco Físico-Ambiental – ARFR, Definidas pelo PDOT/97. Fonte: Supar/Seduh, 2006. 184 Apesar de finalizarmos o presente estudo no ano de 2006, é importante mencionarmos que, em Abril de 2007, o Superior Tribunal de Justiça (STF) julgou constitucional a Lei nº 9. 262/96, cujo conteúdo autoriza os ocupantes de condomínios do Setor São Bartolomeu a adquirirem, por meio de venda direta, os lotes onde residem. Por analogia, essa Lei seria estendida posteriormente aos demais ocupantes de parcelamentos irregulares do Distrito Federal, situados em terras da Terracap. Também seria firmado um Termo de Ajustamento de Conduta entre o GDF e o Ministério Público - o TAC nº.02/2007, estabelecendo as regras que norteariam o processo de regularização. Em consequência da decisão do STJ, que julgou constitucional a Lei 9.262/96, autorizando os ocupantes do Setor Habitacional São Bartolomeu a adquirirem seus lotes por venda direta, em 2007, foram registrados em cartório os condomínios San Diego, Mansões Califórnia, Portal do Lago Sul e Parte do Condomínio Estância Jardim Botânico. O TAC 02/2007estabelece, entre outras coisas, a preservação de Áreas de Proteção de Mananciais (APM) e de Preservação Permanente (APP) como parte das normas a serem seguidas. De acordo com o TAC, a ocupação urbana em APP só é autorizada às margens de corpos d´água desde que respeitando uma faixa mínima de 15 metros para cursos d’água de até 50 metros de largura, e faixa mínima de 50 metros para os demais. É proibida, ainda, a construção em topos de morros, áreas consideradas de risco de inundações ou deslizamentos. O interessado em participar da venda direta deve estar morando no terreno desde 1º de janeiro de 2007. O ocupante adquirente, seu cônjuge ou companheiro e filhos incapazes não podem possuir outros imóveis no DF, a partir de dezembro de 2006. Os valores dos lotes foram definidos de acordo com o preço de mercado, descontadas as benfeitorias realizadas pelos adquirentes. Também ficou acordado que os imóveis em que houver divergência sobre a posse entre duas ou mais pessoas, a venda direta não será realizada113. O TAC no. 02/2007 também definiu diretrizes para a regularização dos parcelamentos tendo em conta a defesa do meio ambiente. Uma delas é a elaboração e observação de Planos de Saneamento Básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos). Outro aspecto abordado pelo TAC o2/2007 foi Entre outras normas, a determinação de uma atenção especial do Estado em relação aos condomínios ocupados pela população carente. De acordo com o Estatuto das Cidades (Lei nº 113 Só foi permitida a compra de um lote por pessoa e, para sua aquisição, o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) deverá está em dia. 185 10.257/01), famílias que ganham até cinco salários mínimos têm o direito de ganhar o lote que ocupam. O governo também se responsabiliza pelos outros custos da regularização, como o pagamento dos estudos urbanísticos e ambientais, além das taxas do cartório para a concessão da escritura. O que não podemos deixar de citar aqui é o fato da venda direta do lote a seu ocupante ser condicionada à comprovação de que o ocupante realmente tenha iniciado a obra de sua residência antes de dezembro de 2006. Nos casos em que é comprovada a posse especulativa, a Terracap não considera a venda direta do lote ao “posseiro” e procede a venda do mesmo por licitação normal. Ou seja, o comprador de um lote que não houver iniciado a construção até o final de 2006, correu o risco de ter seu lote vendido para outra pessoa, pela Terracap. Em casos como o condomínio Estância Jardim Botânico, localizado no Setor habitacional Jardim Botânico, onde a Terracap questiona judicialmente a propriedade de alguns lotes, há ainda conflitos entre a imobiliária pública e a administração deste condomínio, com a lavratura de embargos de construção e notificações por parte da agência distrital de fiscalização de obras - AGEFIS. Também há demolições de novas invasões em áreas de propriedade da Terracap, promovidas pela SUDESA, em parceria com várias autarquias públicas ligadas ao GDF. Contudo são poucos agentes fiscalizadores para promover o controle de um território tão vasto como o do Distrito Federal. O resultado disso é que novas áreas de invasão não param de surgir, apesar do olhar sempre vigilante da Terracap. 186 CONCLUSÃO O período estudado permitiu que chegássemos a algumas conclusões em relação ao processo de urbanização do aglomerado urbano de Brasília, em seus limites internos ao quadrilátero do Distrito Federal. Uma das conclusões que surgiu em primeiro lugar no estudo, ainda a partir dos estudos da Parte I deste trabalho, foi o papel antagônico assumido por Brasília como Capital administrativa do país, em relação a uma de suas premissas iniciais de criação – a de polo de desenvolvimento regional. Apesar da predominância do significado político-administrativo sobre o econômico da cidade, Brasília não deixou de atrair, desde sua implantação, intensa migração populacional. Outra questão que se evidenciou no processo de expansão da Cidade Informal em Brasília foi o aspecto ideológico relacionado à questão da ilegalidade. Vimos que quando uma ocupação era de baixa renda, a mesma era qualificada de “invasão”, de caráter mais indesejável que os parcelamentos “irregulares” de média e alta renda, vistos pelo poder público como menos indesejáveis. Uma prova disso é que desde que os loteamentos ilegais de média renda começaram a ser implantados em 1975, não se tem notícia de nenhum que tenha sido implantado de fato e que tenha sido desconstituído. Todos aqueles que foram implantados, foram tratados como fatos consumados. Já no caso dos moradores de renda até três salários mínimos, caso da maioria das ocupações irregulares de baixa renda em Brasília, a sorte só mudou depois de 1988, com a nova Constituição do país e um paradigma mais democrático da gestão pública. Antes disso, a regra geral era a das remoções sumárias, salvo raras exceções. Com a nova constituição em 1988, a participação popular pode ter mais peso no jogo político de forças e o lote semiurbanizado em Brasília passou a ser uma importante moeda política. Isso nos leva a conclusão seguinte, relacionada ao aspecto político ligado à questão das ocupações irregulares de terras em Brasília. Vimos que em diferentes momentos políticos, de acordo com os atores e interesses envolvidos na dinâmica de forças sociais, uma mesma ocupação é mantida em seu local de origem, ou removida para outra área de menor valor imobiliário. Um exemplo interessante desse processo foi a remoção da favela do Paranoá. Depois de muitos anos de luta da população pela manutenção em seu local de origem, a comunidade foi removida e fixada em outra localidade próxima. Isso se deu imediatamente antes das primeiras eleições para 187 governador em Brasília, oportunidade política aproveitada para fixar outras populações na nova Vila Paranoá, três vezes maior quando foi relocada. Ao analisarmos a expansão da Cidade Informal em Brasília, verificamos, nos quatro períodos estudados que: De 1956 a 1974, na aurora da Capital ou “Período Voluntarista”, as decisões de planejamento urbano eram tomadas na medida em que as necessidades surgiam, sendo que a prioridade era a de se consolidar Brasília como um fato urbano irreversível. Havia um projeto para o Plano Piloto da Cidade, de cunho moderno e original, contudo a ocupação do território não foi planejada tendo em vista a permanência de contingentes populacionais de baixa renda, nem havia um planejamento a médio e longo prazo da cidade, principalmente com a previsão da intensa migração que estaria por vir nos anos seguintes. As ocupações de baixa renda era removidas para áreas mais distantes do centro urbano, e aglutinadas próximas ao Núcleo Bandeirante ou a Taguatinga. Entre a inauguração da cidade até 1964, houve um breve momento de instabilidade política, quando o ritmo de remoções foi diminuído. Em 1961, a população do Núcleo Bandeirante conseguiu a aprovação de uma Lei Federal que amparasse a sua manutenção naquele local, contra a vontade da Prefeitura do Distrito Federal. Ao Assumir o governo militar, contudo, os poucos movimentos populares que estavam vicejando, como o MFUNB, cessaram. Tem início uma intensa fase de remoções de ocupações irregulares de baixa renda, sendo que entre os poucos que resistiram a essa época foram a Vila Planalto, a Vila Telebrasília e a Candangolândia. A década de 1960 terminou com a criação do Guará e Ceilândia, corolário da política de remoções. O nome dessa cidade, derivada da sigla CEI - Campanha de Erradicação de Invasões, explicita a natureza segregadora que Brasília assumira nesse momento de sua história. Em 1971, a população da Ceilândia juntamente com Taguatinga já alcançava 100 mil habitantes, tendo sido esta cidade satélite criada a cerca de 25 km de do Plano Piloto. Se não bastasse a longa distância que separava seus moradores do centro urbano, seu local de trabalho, Taguatinga e Ceilândia, nessa época, não possuíam ruas asfaltadas, água encanada ou luz. Em face da precariedade urbana que vivenciava cerca de 20 % da população do Distrito Federal, em 1974, a Administração Pública iniciou um plano de infraestrutura viária de ligação entre Ceilândia e o Plano Piloto - a via EPCL. Essa via marca a mudança de 188 mentalidade em relação ao tratamento das periferias em Brasília, de modo que, a partir de 1977, com o PEOT, o vetor Sudoeste do território é priorizado do ponto de vista de adensamento populacional. Termina nesse momento a fase voluntarista da expansão da Cidade Informal em Brasília, e se inicia um período de intenso planejamento do território, com a elaboração de diversos Planos de ordenamento. A maior parte desses planos ratificam as diretrizes estabelecidas pelo PEOT, em 1977, até que, em 1988, a nova constituição estabelece a obrigatoriedade de se elaborar um PDOT. Esse período de intensa planificação também é de intenso controle. Em 1987, o Plano Piloto de Brasília foi inscrito pela Unesco na lista de Patrimônios Culturais da Humanidade. A Vila Planalto e a Candangolândia, inseridas dentro da poligonal de tombamento, são incluídas no conjunto preservado, e, considerados como acampamentos pioneiros, seus moradores adquirem o direito de continuar morando em seus lotes. Antes do final desse período, a cidade informal sofre intensa expansão, na contramão da vontade oficial, os parcelamento ilegais de classe média proliferam, na ausência de opções de moradia, Brasília chega à virada dos anos 1990 com cerca de 200 loteamentos irregulares. Em 1988 a Vila Paranoá é removida e fixada em área próxima ao seu local de origem, mas com o triplo do seu tamanho inicial. Outras “invasões” são fixadas a partir de 1988 e novos núcleos habitacionais são criados, perfazendo entre 88 e 94 um total de 110 mil lotes semiurbanizados doados para a baixa renda no Distrito Federal. Essa mudança abrupta de paradigma na administração da irregularidade urbana provocou estranhamento em alguns e euforia em outros. O governo seguinte, de oposição, optou pela regularização dos lotes criados no governo anterior, ainda que tendo criado novas áreas habitacionais. Em 1992 foi elaborado o primeiro PDOT, quando pela primeira vez, é criada a possibilidade do particular parcelar seu próprio lote, no caso da criação de condomínios em SMPW e SMDB. Em 1997, o novo PDOT 1997 propõe a flexibilização de usos, estratégias para a regularização de parcelamentos irregulares, que naquele momento já alcançavam um número significativo de 529, segundo levantamento do GET/PI – 1995, entre outros instrumentos de planejamento. Até 1995 a cidade sofreu franca expansão da cidade informal de classe média na figura dos condomínios irregulares e da cidade formal de baixa renda, através da expansão dirigida pelo Estado. 189 A partir de 1996, a Administração pública tem buscado controlar a expansão dos condomínios irregulares, através de métodos de monitoramento e fiscalização. Contudo, forças políticas antagônicas, dificuldades de fiscalização, extensão do território, carência de oferta de lotes regulares, altos preços do mercado formal, entre outros fatores, fazem com que a grilagem de terras seja uma atividade lucrativa, em Brasília. Por exemplo, quando, em 2007, o Poder Público regularizou os condomínios do Setor Jardim Botânico - Etapa I, e seus ocupantes tiveram que comprar novamente seus lotes pelo valor estipulado pela Terracap, esse valor foi estipulado ainda abaixo do valor de mercado. Ainda Houve vantagens para aqueles moradores que pagaram suas benfeitorias através de taxas condominiais amortizadas. Um lote de 600 m2 no jardim Botânico - Etapa I, seria vendido, no ano de 2008, por 80 mil reais, diretamente ao seu morador. No ano de 2011, o mesmo lote, caso estivesse vazio, seria vendido por 400 mil reais, o que proporcionou um lucro de pelo menos cinco vezes o valor inicial pago pelo proprietário114. Vimos, nessa retrospectiva, que desde a sua criação, em 1973, a imobiliária Estatal de Brasília, a Terracap, tem dificuldades em ofertar lotes num volume e em localidades de acordo com a demanda das várias camadas populacionais em Brasília. Isso tem gerado uma crescente especulação imobiliária, causando uma majoração artificial de preços em um local abundante de terras, como Brasília. Uma explicação para isso pode estar na forma como a Terracap apresenta seus lotes para licitação, em uma espécie de leilão às cegas. Tem direito de comprar o lote aquele que tiver depositado o maior lance acima da proposta mínima. E no mês seguinte, o lance mínimo será aquele mais alto, atingido do mês anterior. No Plano Piloto de Brasília, esse processo de licitação, aliado à concepção de cidade pronta e finita, se sustenta apenas com base em formas oligopólicas de compra. O resultado disso é que com uma oferta finita de lotes, o centro de Brasília atingiu em tenra idade - menos de 50 anos115 - valores imobiliários, sobretudo de aluguéis, comparáveis aos mais caros de Nova Iorque. Desse modo chegamos à resposta de um dos questionamentos iniciais desta pesquisa: Quais as Principais Causas da Cidade Informal em Brasília? 114 Exemplo fornecido com base em valores para o condomínio Estâncias Jardim Botânico. Em 2001, estudo do Ipea já indicava que os valores imobiliários no centro do Plano Piloto eram semelhantes aos praticados em Nova Iorque Ipea, 2001: 59. 115 190 Uma motivação importante para a ocorrência da cidade informal em Brasília são os altos preços alcançados pelos lotes legalizados. Mesmo lotes irregulares não são baratos. Isso porque a valorização imobiliária dos lotes formais atinge os lotes informais elevando seus preços. Contudo, ainda assim a população de média renda, recorreu de forma intensa a esse tipo de solução de moradia nas décadas de 1990 e 2000. Como vimos no Item III.4, no ano de 2006, quase um quarto de toda população do Distrito Federal morava em áreas irregulares. A partir da decisão do STJ de considerar constitucional a Lei da venda direta e a aprovação do TAC 02/2007, em 2007, intui-se que esse percentual de irregularidade tenha diminuído. Inclusive porque fazia parte do TAC, o compromisso dos ocupantes dos condomínios em zelar pelos seus limites e facilitar a sua fiscalização. Em relação às ocupações de baixa renda, estas estão isentas de recompra do lote, caso da maior parte dos loteamentos próximos a Planaltina. Percebe-se no quarto período, inclusive, um aumento populacional superior da Cidade Informal em Brasília, neste quadrante – o Nordeste, em comparação com o período anterior, quando o quadrante que apresentou maior aumento populacional na Cidade Informal foi o Sudoeste, relacionado ao aumento populacional dos condomínios localizados nos setores Arniqueiras e Vicente Pires. Outra questão que buscamos responder neste trabalho foi o porquê de Brasília, mesmo tendo mais de 50% de suas terras em posse do Estado, e ainda o monopólio do parcelamento urbano até o ano de 1992, ter sofrido a ação tão intensa de ocupações urbanas espontâneas, ou seja, fruto de iniciativas não coordenadas pelo poder público? Como vimos neste estudo, a Terracap, imobiliária Estatal, atuou como uma imobiliária privada em todos os momentos da história da cidade, a partir de 1973, inclusive de forma a provocar uma majoração artificial do preço da terra, liberando lotes para venda de forma racionada, em medida muito inferior à necessidade da demanda. Outra questão importante a ser ressaltada em relação à problemática da irregularidade urbana em Brasília é em relação à interferência com as áreas de preservação ambiental, que no Distrito Federal perfazem um total de 50 % do território. Freitas (2009), comenta que parte da justificativa ambiental em Brasília, desde sua implantação, se destina a criar espaços de especulação imobiliária, e reservas de mercado. Em última análise isso se realizou, já que áreas de reserva de APA, que não deveriam ser ocupadas, findam por ser loteadas por condomínios de média renda. 191 Concluímos também que a oferta de habitações apenas para as populações de renda mais baixa, descolada de uma política habitacional e econômica mais abrangente, não soluciona o problema de moradia desta parcela da população, uma vez que, assim que se vê pressionada economicamente, ela comercializa seu lote dentro do mercado informal para uma camada de renda imediatamente superior. Essa população, por sua vez, vai ocupar áreas de menor valorização imobiliária como “invasões”, favelas, ou loteamentos clandestinos. Esse é um dos exemplos de que políticas públicas desvinculadas de ações globais que envolvam a sociedade são ineficazes. Também sabe-se que as leis, como instrumento isolado, não garantem mudanças, sem a participação dos diferentes agentes sociais sobre os quais elas incidem - governo, comunidade, organizações de classe, e sem que exista um real compromisso do Estado de que as determinações previstas realmente ocorram. 192 . FIG C1 E C2. Gráfico Imagem com a linha de acontecimentos estudados no período. Fontes das imagens: indicadas. 193 BIBLIOGRAFIA ABRAMO, Pedro (org.). A cidade da informalidade: o desafio das cidades latino-americanas. Rio de Janeiro. Livraria Sete Letras, FAPERJ, 2003. ANDRADE, Liza Maria Souza de; GOUVÊA, Luiz Alberto de Campos. Vila Varjão: o problema da habitação como uma questão ambientaI. Conferência Latino-Americana de Construção Sustentável. X Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, 2004, São Paulo. <http://vsites.unb.br/fau/pesquisa/ sustentabilidade/pesquisadores/Alberto/curr%EDculo%20liza/4.pdf>. Acessado em 10/2011. ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. 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