http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 AS PERSPECTIVAS DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NO DISTRITO FEDERAL E OS VIESES DE SUAS POLÍTICAS HABITACIONAIS Rosângela Viana Vieira1 Universidade Federal de Goiás [email protected] INTRODUÇÃO No âmbito dos investimentos imobiliários, no Brasil em dezembro de 2005, as incorporadoras passaram a buscar financiamentos na bolsa através de abertura de capitais. Contudo, para ser possível participar do mercado de capitais as empresas tiveram que se preparar para atraírem investidores. A preparação envolve desde as articulações com a política local e federal, busca de terrenos, faixas de valores de imóveis que serão executados e planejamento futuro. Nesse movimento, a falta de entrave na utilização dos terrenos é essencial para a captação de financiamentos. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) do Distrito Federal, sendo revisto a cada dez anos, teve, em 2007, os ensejos ao adensamento urbano em áreas ocupadas, mesmo precariamente assegurou a continuidade de expansão da urbanização do seu território ao ofertar mais áreas para uso urbano. Este artigo analisa o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal (PDOT/2009) para compreender o processo no espaço da política habitacional em Brasília. A dimensão territorial foi configurada no entendimento de que as funções da política pública em exercício realizam um arranjo no território não causal. É o ordenamento do território feito a partir de conflitos, consensos e dissensos que define os termos de sua institucionalização, aplicabilidade e significação. Os indicadores – modelo de cidade ideal, adensamento urbano e áreas como reserva de valor - ajudaram a compreender os conteúdos da política pública presentes, no contexto inerente ao planejamento do espaço para a política habitacional mediados por territórios-reservas. A análise do Setor Habitacional Jardins Mangueiral, empreendimento voltado para habitação de interesse social efetiva e articula a reprodução de um território seletivo. 1 Doutoranda em Geografia a pesquisa contou com o financiamento do CNPQ, CAPES e atualmente FAPEG. 1196 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 DE COMO O PDOT TRANSFORMA O PLANO DIRETOR EM PLANO DE DESENVOLVIMENTO LOCAL O governo de José Roberto Arruda (2007-2010) mediante o Projeto de Alteração da Lei Orgânica – PELO 13/2007- e pela Emenda 49/2007 extinguiu o Plano Diretor Local, substituindo por Plano de Desenvolvimento Local, sem contrariar a Constituição Federal, porque Brasília é uma única cidade e, suas Regiões Administrativas (RAs) não são municípios. Entretanto, contrariou a Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) em seu Art. 316, a qual estabelece a obrigatoriedade do Distrito Federal (DF) ter plano diretor de ordenamento territorial (PDOT) e planos diretores locais (PDLs) como instrumentos básicos das políticas de ordenamento territorial e desenvolvimento urbano. Algo que parece ser uma simples troca de palavras – plano diretor local para plano de desenvolvimento local – desvela o real combate nos movimentos sociais que colocam em risco a propriedade privada e a legitimidade do Estado neoliberal. O PDL foi tornado Plano de Desenvolvimento Local2, no qual a participação popular ficou subsumida, uma vez que o § 2 0 do Art. 319 determina: “serão elaborados e encaminhados à Câmara Legislativa do Distrito Federal pelo Poder Executivo, no prazo máximo de 3 (três) anos, a partir da data de vigência do Plano Diretor de Ordenamento Territorial.” A base de elaboração do PDL passaram a ter como conteúdo base os projetos de intervenção urbana. Quando se leva em análise as formas em que o PDL é elaborado, não é complicado observar a espacialização de políticas setoriais como resultado da fragmentação no tecido urbano – via doação de lotes - na anterior formação dos lugares distantes do Plano Piloto. O destaque para o local por agrupamento de RAs, segundo consta no Art. 319 é um fato importante na análise porque trata o lugar como objeto e não lugar de agentes coletivos. A operacionalização do poder cita a participação social como ressaltada no Art. 56, que trata das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal. A participação social não garante, no entanto a efetividade de suas demandas. Cabe ao governador sancioná-las ou não. Cabe ressaltar que grande maioria dos cidadãos não tem sequer conhecimento dessas disposições. O corpo dessas regras ao reunir diferentes RAs sob um determinado sistema administrativo busca manter o domínio do mercado de terras. Claro que são regras 2 A citada denominação foi questionada pelos participantes da audiência pública de atualização do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT/DF – 2011, p.07. Disponível em <<http://www.sedhab.df.gov.br >>. Acesso em meses variados de 2013. 1197 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 oriundas da arbitragem de certo número de interesses. Esses interesses para se tornarem políticas públicas precisam da construção e interlocução de sua credibilidade e de subsunção, ainda que em tese, ao interesse geral. Muitas vezes sob o discurso da carência de espaços urbanizados e da necessidade de geração de emprego e renda para a realização da cidade ideal. Em outras palavras, o artigo 56, se a princípio mostra o ponto de entrada de interesses via participação popular, interesse público ou técnico como um processo de comunicação sociedade e Estado, é na verdade formas de estratificação hierárquicas sobre as práticas sociais por serem canais de seleção de acesso restrito ao desenvolvimento econômico, portanto, baseado na desigualdade. Sem propor nenhuma lei para a regularização fundiária dos lotes doados no governo anterior Arruda criou a Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB) e o Sistema de Habitação (SIHAB-DF) pela Lei n 0 4.020/2007 para estruturar a oferta de unidades habitacionais (u.hs.) sem estruturar uma política habitacional. O CONDHAB é, portanto parte da contrapartida do DF ao governo federal para a Capital ser inserida no Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Ainda no corpo desta mesma supracitada Lei, o artigo 14 congrega a urbanização, regularização, qualificação e melhorias habitacionais de interesse social. Sem dispor sobre a sua execução. Nessa mesma propositiva de criação de leis, a Lei Complementar n 0 794 de 19 de dezembro de 2008 instituiu o Programa Cheque-Moradia para a qualificação e produção de moradia uma herança ‘melhorada’ do governo anterior. Mas na verdade tratava-se apenas do financiamento de melhorias, utilizando recursos do PAC, sem nem mesmo prever uma política de assistência técnica conforme a Lei Federal n 0 11.888, do Estatuto da Cidade, a qual dispõe sobre a assistência técnica, pública e gratuita ao projeto e a construção de interesse social. Em 2008 o governo de Arruda por meio do Decreto 29.072 de 20 de maio de 2008 regulamentou a Lei nº 3.877, de 26 de junho de 2006, dispensou prévia licitação para transferência de imóveis públicos ou de terrenos destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social. Isto porque estava amparado por dispositivos legais como a Lei Federal 8.666/93 e os artigos da Lei Orgânica do DF de 21 de junho de 1993. Esse Decreto ao instituir a Política Habitacional do DF forneceu os meios legais para o governo dispor de lotes públicos sob as diretrizes do PDOT, do Plano de Desenvolvimento Local e da Lei de Uso e Ocupação do Solo com o 1198 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 discurso de realizar o habitat. Mais importante, o Decreto garantiu a indústria da construção imobiliária recursos públicos e privados oriundos dos financiamentos federais por meio dos subsistemas de habitação de interesse social e de habitação de mercado, além de terrenos. Sob a chancela da moradia criou projeto público-privado do Setor Habitacional Jardins Mangueiral para atender a classe média, o qual continuou a ser construído no governo posterior de Agnelo dos Santos Queiroz Filho (2011-2014). Durante o transcorrer dos anos de 2007, 2008 e parte de 2009 as modificações no PDOT foram apresentadas pelos técnicos do Governo do Distrito Federal (GDF) à Câmera Legislativa. Esta inclusive apresentou emendas parlamentares relativas ao uso dos terrenos. Ressalta-se que embora ocorridas algumas audiências públicas e, com protestos por parte da sociedade ali presente, não ocorrerão debates. Pode-se dizer que foram comunicados. Em 25 de abril de 2009 foi sancionada a Lei Complementar n 0 803. Em dezembro de 2009 o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ajuizou ação de inconstitucionalidade à LC 803/2009, bem como o IBAMA que apresentou conflitos entre esta e leis ambientais federais. Com modificações a LC 803/2009 foi mantida. Essa Lei Complementar dividiu território do DF em unidades de planejamento. O objetivo é regionalizar o território com a criação de Unidades de Planejamento Territorial (UPT) e fazer valer na prática o Art. 319, § 1º, do Projeto de Alteração da Lei Orgânica – PELO 13/2007- e pela Emenda 49/2007, como anteriormente citado extinguiu o PDL. DAS UPTS AO SETOR HABITACIONAL JARDINS MANGUEIRAL De acordo com o mapa 01, as UPTs formadas a partir do macrozoneamento urbano3 homogeneízam demandas habitacionais, que são diferenciadas por RA. Dessa maneira, dificulta o atendimento real das demandas e, ao mesmo tempo, permite trabalhar com o d.h. de forma relativa, o que pode permitir arranjos para favorecer uma determinada faixa de renda. Este mapa permite visualizar a regionalização das RAs como política (discurso) oculta as diferenças sociais de classes para criar uma abstrata identidade social no território. Não sem conflitos, o lançamento de oferta de novas áreas habitacionais, de áreas a serem adensadas – estas funcionam como reservas de valor - e de áreas para o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) do governo federal foram os ingredientes necessários para a construção da concordância da sociedade. Dessa maneira, o território foi 3 O macrozoneamento urbano é dividido por seis zonas, a saber, Zona Urbana do Conjunto Tombado, Zona Urbana de Uso Controlado I, Zona Urbana de Uso Controlado II, Zona Urbana Consolidada, Zona Urbana de Expansão e Qualificação e Zona de Contenção. 1199 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 planejado para atender as demandas populares e sua reprodução, mas voltado para determinadas faixas de renda. Na divisão regional do espaço o intuito de arrefecer os conflitos de classe e criar áreas de reserva de valor. As UPTs foram delimitadas a partir dos seguintes parâmetros: poligonal tombada do Conjunto Urbanístico de Brasília, os limites das regiões administrativas, principais corredores de transporte, morfologia urbana, afinidades econômicas e bacias hidrográficas. São divididas em sete as UPTs, a saber, UPT Central (Brasília, Candangolândia, Cruzeiro, Sudoeste/Octogonal, Central Adjacente I (Lago Sul, Park Way, Lago Norte e Varjão), Central Adjacente II (SIA, Guará, Riacho Fundo, Águas Claras, SCIA, Núcleo Bandeirante e Vicente Pires), Oeste (Taguatinga, Brazlândia, Ceilândia e Samambaia), Norte (Sobradinho, Planaltina e Sobradinho II), Leste (Paranoá, Itapoã, Jardim Botânico e São Sebastião) e Sul (Gama, Santa Maria, Recanto das Emas e Riacho Fundo II). Os critérios de agrupamento das RAs parece ser o da proximidade, uma vez que não é possível compreender, por exemplo, quais afinidades econômicas possam existir entre a RA Jardim Botânico RA São Sebastião com rendas médias domiciliares tão diferenciadas, respectivamente 21,68 e 3,44 salários mínimos, de acordo com a PDAD (2011). 1200 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Mapa 01 Feita a partir de uma noção fisiocrata de território essa regionalização não parece poder reverberar numa integração social e quiçá democrática. Pelo contrário irá sintetizar o PDL (que continua a ser plano de desenvolvimento econômico) como efeito regional ao redor de uma suposta resolução do problema de crescimento econômico. A ação e controle no território regionalizado para, assim, esvaziar ainda mais a participação social. Isso porque a heterogeneidade social assinalada pelas vinculações dos indivíduos com o trabalho não se situam na produção material. Mas, nas formas e nos processos, que tanto os assalariados, como os informais estão localizados principalmente no terciário de complexa heterogeneidade, aí incluso o funcionalismo público, esse conjunto por sua vez, expressa uma representação social ditada pelos parâmetros da racionalidade urbanística. A suposta organização no espaço dita as sociabilidades que aqui passaram a se desenvolver, como representações retiradas das ruas e arquitetura do Plano Piloto (ZUKIN, 1995), que tenta se replicar nas RAs. Claro que não em sua totalidade, porque a vida tem amplidões que escapam da racionalidade. Um embate que se realiza entre a cultura dos 1201 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 negócios no urbano e o cotidiano vinculado a uma forte tendência realista de aceitar o existente (LEFEBVRE, 1973). O espaço social, ao sintetizar o físico, as representações do espaço-espaços de representação e a prática sócio-espacial, estabelece a incorporação no urbano da sobredeterminação do valor de troca em relação ao valor de uso. O contexto desvela que a instauração das UPTs ao determinar apenas um PDL para cada região, com especificidades sócio-espaciais diferentes, tende a submeter a participação popular à racionalidade técnica, que por sua vez, representa a hierarquia do poder. Do poder dos proprietários e residentes do Jardim Botânico, por exemplo - dos investidores associados ao Estado, que incide nos resultados reivindicativos das demandas sociais. Para reverter esse quadro é necessário uma mobilização dos líderes comunitários de cada RA, para que seja possível fazer valer a justiça social. A regionalização das RAs constitui na verdade simples agrupamentos que não considera os interesses das comunidades, suas identidades, necessidades e lugar na divisão territorial do trabalho. Em um mesmo movimento de fomentar o tipo de pessoas, as relações sociais, estilo de vida no qual o direito à cidade – expressão tão comum nos discursos! – parta dos direitos do indivíduo a recursos materiais da cidade. Quase a totalidade dos entrevistados no Setor Habitacional Jardins Mangueiral ao serem perguntados o que seria uma cidade ideal para se viver responderam no sentido de ter objetos como coisas e não como relações sociais qualitativamente melhores. Sentido que expressa ter segurança, saúde, educação, lazer, entre outros, mas em patamares outros que não sejam da urbanização. Ou serão os desejos despojados do urbano naquilo que este pressupõe de sentido coletivo (LEFEBVRE, 2004)? Na base do planejamento territorial regionalizado desse momento está a prática de tornar a cidade concentradora de riqueza e da produção do terciário sofisticado voltado para a classe média, de produtos imobiliários e reprodução do espaço. A identidade situa-se no reforço ao saber fundador da cidade para congregar o todo social ao imobilizado sentido de cidade planejada para a execução do poder político. Estabelecida e socialmente reconhecida a origem, forma e significação da cidade, no território do DF, fornece a representação de idêntica a si mesma e intemporal. Portanto, coerente ao processo que a instituiu. O planejamento é a figura simbólica da identidade e unidade de Brasília que faz os dados empíricos, regionalização e território serem a realidade social, política e como tal coletiva. A identidade de Brasília é construída na tensão daquilo que pode ser visto como falta de planejamento urbano. Fácil ter no espaço urbano, reforçada nas UPTs a 1202 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 continuidade legitimadora do sentido da sua unidade. Sentido de homogeneização social, estratégica e política que perde seu conteúdo de classe para a consciência ufanista de Brasília. Esta homogeneidade reverbera nas políticas públicas dirigidas para cada RA, onde as análises do GDF definiram um quantitativo para a demanda habitacional 4. Entretanto a RA São Sebastião, inserida na UPT Leste, está por sua vez no grupo das RAs com a maior demanda habitacional e com renda domiciliar de zero até três salários mínimos, a saber, Planaltina, Recanto das Emas e Sobradinho. Dessa maneira, a UPT Leste passa a ser uma região com expressiva demanda habitacional onde os parcelamentos irregulares de terrenos alcançam maior intensidade (PDOT, [s.d], p.148). Dessa maneira, regularizar terrenos usurpados ao governo passa ser um mecanismo de atendimento ao déficit habitacional (d.h.), bem como, ampliar a demanda para as classes de maior poder aquisitivo. A demanda habitacional pode ser mais facilmente regulável à escala de análise e cálculo de projeção no território. Pela regularização dos parcelamentos irregulares essas áreas retomam ao controle público que por sua vez reproduz espaço na lógica mercantil em novos patamares. Todas as RAs da UPT Leste estão inseridas em áreas de oferta habitacional para todas as faixas de renda, áreas de adensamento urbano, além das áreas destinadas a habitação de interesse social. Também demonstra a demanda habitacional como mediação entre o direito à moradia e a mercadorização da habitação. Sem perder a valorização das externalidades urbanas, proporcionadas pela RA Jardim Botânico, uma vez que fomenta a produção de valorização pela pressuposição do uso em seus amplos e complexos sentidos. No atual governo petista de Agnelo o ideário de busca ou predisposição às políticas redistributivas e de nivelamento proporcional baseadas mais no trabalho do que no capital, típico de governos de esquerda, evidencia os conflitos e contradições para essa realização. Considera-se importante destacar que há na atual gestão petista contrapontos à sociedade globalizada de mercado. Entretanto, é preciso que a esquerda local possa radicalizar com questões profundamente enraizadas na sociedade de Brasília e isso passa pelos cortes na prática de favores e paternalismos que se efetuam no espaço. Não apenas na questão relacionada ao 4 Embora não foi possível a partir das informações do GDF e da análise documental a respeito ter o quantitativo exato da demanda habitacional de cada RA no PDOT (DOCUMENTO TÉCNICO, [s.d.], p. 76). O documento agrupou por renda a demanda habitacional e situa as RAs que sobressaem em cada agrupamento. 1203 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 habitat, mas nas práticas para se conseguir emprego, trabalho e outras inserções sociais como acesso a serviços públicos, benesses pessoais, entre outras. Evidente que são práticas sociais culturalmente arraigadas, típicas de sociedades altamente hierarquizadas e cujo rompimento ou mudanças são usualmente demoradas. Essas questões em Brasília assumem características peculiares. Ao tratar as classes sociais do DF e sua base sócio-espacial específica se observa5 um constante ajustamento do indivíduo e do próprio GDF a essa realidade que aparece no espaço do território nas formas precarizadas da vida, de baixa interação social e acirramento de uma realidade urbana economizada. A RA São Sebastião onde está inserido o Setor Habitacional Jardins Mangueiral tem na história de sua constituição um exemplo concreto dos favores políticos dos detentores dos poderes locais. Esta RA região que era ocupada por fazendas – Taboquinha, Papuda e Cachoeirinhas - cujas terras já haviam sido desapropriadas pela Constituição de 189 e, novamente em 1957. Aí se concentrou pessoas que viviam do comércio de areia, olarias e cerâmicas ao longo dos córregos Mata Grande e Ribeirão Papuda. Estas terras foram posteriormente arrendadas pela Fundação Zoobotânica do Distrito Federal 6 para atender à construção civil naquele momento. O contrato de arrendamento foi extinto devido à facilidade da vinda de materiais industrializados de outras partes do território nacional com a abertura e melhoria das estradas no contexto do arrefecimento no ritmo da construção das obras iniciais de Brasília. As pessoas que ali trabalhavam permaneceram e ampliaram as áreas ocupadas de maneira irregular. Não obstante, a ocupação do lugar foi consentida para fornecer mão de obra às olarias e encontrava-se em uma área que mesmo desapropriada, os negócios com suas terras continuaram a serem feitos. No momento de construção de Brasília a área ainda não oferecia nenhum atrativo, além daquele de uso para as pessoas que ali viviam e de fornecimento de tijolos e areia. Ressalta-se que a NOVACAP mantinha rígido controle sobre os acampamentos que reuniam operários da construção civil, para que ao final das obras estes serem removidos. Ao que parece a área na qual hoje se encontra São Sebastião esse controle era quase inexistente do ponto de vista jurídico e administrativo. A questão fundiária no DF não resolvida efetivamente teve implicações 5 A partir das análises de Nunes (2003), Souza (1997), das obras organizadas por Paviani (1998, 1997 e 1996) e Relatório Técnico de Pesquisa – “Estruturas de classe e estratificação social no DF” (2000) e os conteúdos referentes nas pesquisas de campo realizadas para a Tese em fase final de realização. 6 De acordo com o Decreto nº 20.976, de 27 de janeiro de 2000, a Fundação foi extinta e suas atribuições passaram a ser realizadas pela Secretaria de Agricultura. 1204 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 indiscutíveis nos parcelamentos ilegais de terras7 principalmente nessas áreas onde hoje se encontra São Sebastião, Jardim Botânico e Paranoá. O debate jurídico acerca do domínio das terras no novo Distrito Federal iniciou-se com a transferência da capital da República para o Planalto Central. Uma linha de argumentação afirmava se haveria necessidade de desapropriar terras que já pertenciam em sua totalidade à União, outra afirmava ser confisco, sendo ambos embasados no artigo 3 0 da Constituição de 1891, conforme relata Farias (2005, p.43). O Decreto-Lei n 0 203/1967 determinava que as terras do Distrito Federal passariam ao domínio da União. Mas na Constituição de 1967, no artigo 4 0, I, afirmava-se à União, como detentora de porções de terras devolutas necessárias à defesa e ao desenvolvimento nacional, nas quais as demais terras nessas condições ficariam no domínio dos Estados. A extensa discussão jurídica, política e fundiária tinham por trás interesses, de acordo com Penna (2000, p.62), das oligarquias dominantes do estado de Goiás, Minas Gerais e São Paulo que, de certa maneira, na prática não permitiram o efeito da Lei. Os conflitos fundiários e grilagens de terras tornaram-se mais agudos a partir de 1980, justamente na região de Planaltina e Paranoá, onde na década posterior foi criado a RA São Sebastião. É comum dizer que tais conflitos surgem devido às demandas habitacionais da população que se ampliava. O que ocorria era a produção do espaço para o mercado imobiliário para uma classe média desejosa de amplas casas luxuosas nessas regiões. Os conflitos fundiários travados nas Fazendas Paranoá, Papuda e Taboquinha resultavam dos problemas no entendimento da Lei. Se já eram terras da União não se investigou como tornaram-se privadas, e, os problemas nos registros para demarcar os limites que já haviam sido desapropriados tornaram-se impedimentos para a escrituração dos lotes pela TERRACAP nessas localidades que vieram a se tornar as Regiões Administrativas do Paranoá, de São Sebastião e do Jardim Botânico8. Assim, a formação da ocupação da futura São Sebastião ao longo dos córregos foi se tornando mais complexa na medida em que as valorizações das terras dessas antigas fazendas entravam nas extensões econômicas-políticas dos setores produtivos e financeiros. Nesse contexto que o discurso da sustentabilidade inseriu parte do território de São Sebastião e de outras RAs na área de 7 Ver análises de Penna (2000). 8 Ressalta-se em 2001 (p.07) o periódico Correio Braziliense destacava “33% das terras, segundo a TERRACAP, estão na mão de particulares e outros 8,55%, são antigas fazendas não totalmente desapropriadas, ou seja, parte é pública e parte é particular”. 1205 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 proteção ambiental (APA) do Rio São Bartolomeu9 e Descoberto10. Mas, principalmente, porque o valor socialmente determinado do seu espaço, resultado da criação de áreas de proteção ambiental e formação do mercado imobiliário privado no DF, foi constituído em detrimento ao uso e locais de moradia anteriormente ali estabelecidos. Mercado que passou a atuar semelhante ao planejamento urbano no DF que era indiferente com as classes populares e mesmo com a classe não articulada ao Estado. Indiferença que certamente fortaleceu frente à precariedade da vida e, que, possui a face do clientelismo e patrimonialismo a grassar, ainda hoje, nas relações sociais em Brasília. A área de São Sebastião pertencia anteriormente a RA Paranoá até 1993 11 e até 1995 ainda não havia sido desapropriada, de acordo com as informações do mapa do Distrito Federal relativo à propriedade da terra e sendo que 45,10% dos domicílios próprios, ainda hoje, estão em áreas não legalizadas (CODEPLAN, PDAD, 2012, p.18) e 20.000 domicílios com renda domiciliar de 3,4 salários mínimos e, não possuem a titularização dos seus imóveis. A sua criação se deu em um momento no qual os condomínios privados de alto padrão construtivo, próximos ao Lago Sul e do Plano Piloto, já tinham sido erguidos como (ex)apropriação privada da terra, em áreas de “ocupação restrita, proibida e ilegal, sobre a qual o GDF detinha o domínio total” (PENNA, 2000, p.55). Não obstante, o mercado imobiliário ao se adequar às normas de preservação ambiental consolidou “a valorização diferencial da periferia privada” (idem) sob o discurso da realização de habitações para alcançar legitimidade e investimentos públicos de infraestrutura urbana. Muitos desses condomínios, de acordo com Penna (ibidem, p.65), localizados na APA da Bacia São Bartolomeu encontram-se em terras públicas pertencentes ao GDF ou à União12. Eles se localizam em uma área, na qual em 2004, foi criada a RA Jardim Botânico 13. Dessa maneira São Sebastião ficou vizinho de duas RAs nas quais predominam a classe média alta do Distrito Federal – Jardim Botânico e Lago Sul. Contudo, esses condomínios se encontram também em São Sebastião e como as poligonais de apenas dezenove RAs possuem delimitações definidas, desde 2009, o GDF estuda as formas e possíveis conseqüências dessas definições. Segundo Araújo (2009, p. 04) faz parte desses estudos a 9 O Rio São Bartolomeu é formado pelos rios Pipiripaus e Mestre D’Armas nas proximidades de Planaltina no DF. 10 Decreto Federal n0 88.940 de 1983. 11 Decreto Lei 167 de 25/06/1993. 12 “Como não foi desapropriada a totalidade das terras no DF, e uma parte delas se encontra na mão de terceiros, formaram-se verdadeiros enclaves privados dispersos pelo território, e que constituem a origem dos conflitos pela posse da terra, dos parcelamentos ilegais e da grilagem da terra no DF” (PENNA, 2000, p.66). 13 Lei 3.435 de 31/08/2004. 1206 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 inclusão dos condomínios situados em São Sebastião, a partir da definição da poligonal, na RA Jardim Botânico. A criação de áreas de valor no DF sempre seguiu esse percurso, ou seja, permitir a ocupação primária pelos pobres, criar o discurso do crescimento desordenado para depois reproduzir o espaço com alto valor. Embora seja talvez não científico 14 afirmar que aqueles que ficaram às margens dos córregos em São Sebastião quando terminado o arrendamento da Sociedade Zoobotânica do DF, constituíram um espaço de heterotopia 15, ainda que momentâneo e sob a subjetividade do projeto urbanístico-planejamento urbano de Brasília, como demonstrado nos depoimentos coletados. Não se pode prescindir na análise o depoimento nas entrevistas das lutas de seus moradores por equipamentos públicos e para darem um nome à Região em 1985. No mesmo movimento em que líderes comunitários, conseguiram a posse de glebas em articulação a elite fundiária e política posteriormente comercializaram os lotes. Um processo no âmbito de interesses conflituosos e contraditórios constituintes do ordenamento urbano do DF, que não se interrompeu com a criação da RA São Sebastião. O encontro desses moradores com os termos da urbanização em seus códigos de comportamentos e ações públicas e privadas pode ter sido vivido, em parte, como afrontamento. O que de certa maneira foi diluído e absorvido na estrutura e prática social subordinada à lógica da acumulação, da força política instituída em Brasília e sua significação na mercantilização do espaço vivido. Nesse sentido que as UPTs homogeneíza a hierarquização do espaço do território do DF para disseminar a nova forma da riqueza imobiliária, na cidade de Brasília via Programa Morar Bem do DF, que previamente estipula os preços da unidades habitacionais que serão ofertadas. Trata-se, assim, da atualização da divisão do espaço pelo mercado imobiliário e suas frações. Cada vez mais distante da concepção inicial de construir uma cidade burocrática de Estado em torno da qual a vida deveria acontecer (NUNES, 2003, p.77). Sem, no entanto, perder a afirmação do Estado, por meio das parcerias público-privadas, de definir os elementos de aproximação estreita deste com o plano da economia, porque expande o território de uso para a classe média e alta. A instituição das UPTs neste mecanismo terminou por desprezar o vivido na construção de uma participação política onde, de longa data é sabido, a submissão das necessidades históricas das classes 14 Por demandar estudos mais aprofundados a esse respeito que possa de fato separar a coletividade em luta por permanecer nesse lugar e os favores clientelistas frente à legalização da propriedade depois de cessado a exploração econômica da areia e da argila. 15 Refere-se ao sentido dado por Lefebvre (2004, p.45) quando no lugar surge uma busca, mesmo que inconsciente, de “ruptura-sutura” de outros significados para a vida cotidiana. 1207 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 de menor renda na lógica da cidade burguesa. Portanto, não há como regionalizar apenas por vizinhança e por condições ambientais similares. Não se trata de ver o conceito de região como uma representação, mas uma realidade dada no território. Isso leva ao entendimento de regionalizar no ordenamento territorial serve para criar antagonismo que não cria divisão, não obstante faz emergir o contexto, no qual as decisões tomadas em uma audiência pública se tornam unânimes. Definem a dimensão onde, de acordo com Costa (2010, p. 138) “toda regionalização, em sentido amplo, trataria das formas de des-articulação entre esses distintos – mas inter-relacionados e concomitantes – processos”. Sendo essa des-articulação feita no sentido de coisa - no modo de ser das coisas e ação social - que separa para reunir na configuração do espaço do DF o território, porque político, solidificado no devir. A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NO JARDINS MANGUEIRAL Determinada pelo PDOT as áreas urbanas que irão se formar, principalmente e em direção sul, sudeste e sudoeste do território do DF resultam da retenção especulativa de terrenos, do adensamento urbano nas RAs e da transformação de áreas rurais produtivas em urbanas. Avaliar o uso nestas áreas por projetos habitacionais de interesse social é possível ver a seletividade na ocupação do território pelo GDF. Em 2011, o governo de Agnelo definiu o d.h. de 100 mil u.hs.16 para o DF com prioridade a faixas de renda da classe média e de maneira residual a classe de menor poder aquisitivo. Isso possui amparo jurídico uma vez que para a legislação distrital a habitação de interesse social compreende uma faixa que vai de zero a doze salários mínimos (PLANDHIS, 2012, p.56). O contrato assinado da Parceria Público-Privada em 2009, no Setor Habitacional Jardins Mangueiral, designou a construção de unidades domiciliares econômicas para adquirentes selecionados de acordo com a Lei 3.877/2006, que entre outros critérios 17 deveriam ter renda familiar de até doze salários mínimos18. 16 Dado obtido em entrevistas na Secretaria de Estado de Habitação Regularização e Desenvolvimento Urbano SEDHAB. 17 Demais critérios do Art. 4º -Para participar de programa habitacional de interesse social, o interessado deve atender aos seguintes requisitos, segundo a Lei n0 3.877/2006:I – ter maioridade ou ser emancipado na forma da lei;II – residir no Distrito Federal nos últimos cinco anos;III – não ser, nem ter sido proprietário, promitente comprador ou cessionário de imóvel residencial no Distrito Federal;IV – não ser usufrutuário de imóvel residencial no Distrito Federal;V – ter renda familiar de até doze salários mínimos. Mas em todos empreendimendos analisados o GDF faz a doação de terrenos. 18 Sobre os subsídios referente a esta faixa de renda o sítio da CODHAB traz o seguinte esclarecimento em relação aos programas habitacionais: “Famílias com renda bruta entre 5 (cinco) e 12 salários mínimos: O GDF vende o lote por um valor menor à entidade ou empresa credenciada. As famílias poderão utilizar recursos provenientes do Fundo de 1208 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Essa Lei proporcionou as formas legais de doação de terrenos públicos no DF para o PMCMV e permitiu a inclusão de renda familiar acima de R$5.000, 00, e, a disponibilidade de crédito com recursos do FGTS. O Contrato 007/2009 firmado entre a CODHAB19, empresa pública dotada de personalidade jurídica de direito privado 20 e a empresa Jardim Mangueiral Empreendimentos Imobiliários S.A teve como objeto de concessão administrativa a outorga de parceria público-privada, gestão do empreendimento, de implantação de unidades domiciliares econômicas na área do Projeto Mangueiral, incluindo a execução das obras de infraestrutura urbana. Como foi uma Parceria Pública-Privada (PPP), o GDF não realizou a venda dos terrenos e sim efetuou sua doação, como contrapartida não pecuniária, prevista neste tipo de PPP. Negócio tão vantajoso para o setor privado, que em 2012 o Mangueiral o contrato foi expandido, por meio de assinatura do terceiro e quarto termo aditivo. No Distrito Federal, e somente nele, foi criado a faixa 4. Para pessoas que recebem entre R$5.001,00 a R$8.136,00 como renda bruta familiar, com recursos provenientes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. Sendo o único benefício a diminuição no valor do imóvel, uma vez que o GDF doa o terreno para este ser subsidiado ao consumidor final, e, isto faz com que o valor das prestações sejam menores. Nesse sentido, que o governo de Arruda conseguiu inserir e institucionalizar a faixa 04 no DF. Esta faixa de renda, juntamente com a faixa 03, corresponde aos beneficiários atendidos no Setor Habitacional Jardins Mangueiral, localizado a 21 km de distância do Plano Piloto de Brasília, nas quais o terreno é 100% subsidiado. Dessa maneira, 13,42% dos residentes em São Sebastião vivem em condições precárias de habitabilidade, sendo 14,43% dos domicílios estão situados em área de APAS, não puderam adquirir moradia no Jardins Mangueiral. A Lei nº 3.877/2006 em seu artigo terceiro consubstanciou a política habitacional do DF ao PDOT e ratificou em seus parágrafos VII e IX a oferta de áreas residenciais à demanda habitacional. Elemento vago uma vez que o d.h. relaciona-se com a capacidade de pagamento das famílias à sua permanência em um determinado lugar no território da cidade. É na produção econômica e política do espaço, que se apresenta a mediação entre o Garantia do Tempo de Serviço – FGTS previstos no MCMV”. Disponível em: << http://www.codhab.df.gov.br/ >>. Acesso em abr 2014. 19 Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal criada pela Lei n° 4.020, de 25 de setembro de 2007, executa as políticas habitacionais. 20 Ressalta-se a esta denominação, instituída no DL n0 200/67, a intervenção estatal no campo econômico, surge com o desdobramento do Estado empresário que acentua a noção de propriedade. Situa-se em zonas nebulosas nas quais os contornos entre o público e o privado e se espera que o público tenha predominância sobre o privado. 1209 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 PDOT, a cidade e o vivido, por isso emerge as contradições. Em uma lógica de continuidades-descontinuidades, da qual não se trata mais de produção de coisas no espaço, mas de um processo. Portanto, essa é a ordem no urbano, como sinônimo de cidade, este é o jogo. Arriscar é uma aposta no possível e inerente ao jogo. Em outras palavras é preciso aproveitar os riscos disseminados pelos mecanismos de créditos e realizar a cidade para o oportunismo financeiro – uma cidade da oferta urbana inserida no urbano como negócio. No contexto do Jardins Mangueiral evidencia a habitação de interesse socialrealizando lucros ao privado. Retoma-se a definição de demanda habitacional-déficit habitacional como algo mercantil inserido nas condições de oferta e demanda. É interessante observar que a acumulação, sendo aquilo que move a economia, está inserida nas formas como a sociedade se organiza. Ao focalizar nessa faixa de renda a PPP exemplifica a política pública não universalizante, posto estar dirigida para um grupo da população, o qual tem se tornado o principal foco para a ampliação do consumo no “espaço sem cidadãos” (SANTOS, 2007). Além disto, segue a proposta neoliberal de transferir ao privado a produção de serviços públicos, para isso o Estado deve fornecer garantias de um negócio lucrativo. Pode-se refletir a respeito da pressão que os projetos habitacionais exercem a estes moradores. Fomenta-se a ocupação do território tal como aglomerados econômicos, a diferença é que são aglomerados de habitats de faixas de renda que podem ter um maior consumo de bens e serviços. O que se pode perceber é a retirada de um dos maios entraves ao capital imobiliário, constituído nos terrenos da cidade. Em Brasília as glebas permitem uso de tecnologia, que em um tempo reduzido, o que permite a construção de condomínios como fábricas de habitat. A localização do Jardins Mangueiral justifica por si os preços das u.hs.. Este Setor Habitacional está situado muito próximo as RAs Jardim Botânico e Lago Sul. Diante dos valores cobrados ao adquirente das u.hs.21 do Jardins Mangueiral, pode-se estabelecer relações entre a dinâmica do capital imobiliário em Brasília e o aprofundamento da seletividade daqueles que irão residir no território. Também não é possível deixar de identificar, que a instrumentalização do território por práticas alheias ao vivido no lugar 21 Esses valores são reajustados de acordo o índice INCC de acordo com a fórmula: P = Po x l/lo, onde P = valor de venda reajustado, Po = valor de venda determinada na proposta, l = valor do índice do mês devido para reajustamento e, lo = valor do índice do mês da apresentação da proposta (Contrato n0 007/2009, p.33). 1210 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 termina por favorecer, não apenas novas porções de ocupação fora das determinações do PDOT, mas classes e agentes com maior poder aquisitivo e político. Dessa forma seleciona quem mora, fomenta a segregação com mais exatidão, porque se torna uma tentativa de integrar a periferia às mudanças da acumulação capitalista atual. Ao avaliar as condições do relevo da RA São Sebastião observa-se que a ocupação urbana tenderia a se espalhar em direção ao local onde hoje se situa o Jardins Mangueiral. Dessa maneira, esse Setor Habitacional funcionou como um freio estatal, ao avanço da população menos favorecida para as proximidades residenciais da classe média alta e alta, formada por médicos, professores do ensino superior, engenheiros, empresários, alto funcionalismo público, entre outros. A habitação de interesse social na RA São Sebastião aparece como um efeito barreira contra possíveis ocupações ou loteamentos irregulares do ponto de vista fundiário e urbanístico. Encontra-se o liame entre o político e o econômico em suas correspondências dadas quando a lógica territorial e a lógica do capital naturalizam e funcionalizam a reprodução do espaço no contexto de aceitação social, ainda que permaneçam contraditórias. O espaço produzido mostra a contradição no território entre Estado, reprodução capitalista e meio ambiente, que repercute como problema de efetividade, coespacialidade e evidentemente de conflitos. Confrontam e consubstanciam a dimensão territorial na realidade e no trabalho de investigação do conceito em estudo, em sua base material naquilo que o provê, o justifica na manutenção das relações de poder – a racionalidade técnica no modelo de cidade administrativa que exclui as classes de menor poder aquisitivo do território do Distrito Federal. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Mara de Fátima dos Santos. São Sebastião – DF: Do sonho à cidade real. Dissertação de mestrado para o curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. COSTA, Rogério Haesbaert da. Regional-global: dilemas da região e da regionalização na geografia contemporânea. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. CORREIO BRAZILIENSE. Chance para condomínios. Brasília, 11 jun 2001, p.07. CODEPLAN. Distrito Federal em síntese: informações socioeconômicas e geográficas 2012. Brasília: Governo do Distrito Federal, 2013. Disponível em <<http://www.codeplan.df.gov.br>>. Acesso em 23 julh 2013, 15 jan 2014. os FARIAS, M. F. Cunha. Terras públicas: alienação e uso. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Plano Distrital de Habitação de Interesse Social -PLANDHIS. Distrito Federal: [S.I.], 2012. 1211 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 LEFEBVRE, Henri. A reprodução das relações de produção. Porto: Publicações Escorpião, 1973. apresentada ao curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000. ______. A revolução urbana. 2.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2004 PLANO DIRETOR DE ORDENAMENTO TERRITORIAL – Documento Técnico. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Governo do Distrito Federal, nov 2009. NUNES, Brasilmar Ferreira. A lógica social do espaço. In: PAVIANI, A.; GOUVÊA, A. (orgs.).Brasília controvérsias ambientais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003. p. 75-102. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 7.ed. São Paulo: Edusp, 2007. PENNA, Nelba Azevedo. Brasília: do espaço concebido ao espaço produzido. A dinâmica de uma metrópole planejada. Tese ZUKIN, Sharon. The cultures of cities. Oxford, Blackwell,1995. 1212 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 AS PERSPECTIVAS DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO NO DISTRITO FEDERAL E OS VIESES DE SUAS POLÍTICAS HABITACIONAIS EIXO 4 – Problemas socioambientais no espaço urbano e regional RESUMO Este artigo analisa o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal (PDOT/2009) para compreender o processo no espaço da política habitacional em Brasília. A dimensão territorial foi configurada no entendimento de que as funções da política pública em exercício realizam um arranjo no território não causal. É o ordenamento do território feito a partir de conflitos, consensos e dissensos que define os termos de sua institucionalização, aplicabilidade e significação. O espaço produzido mostra a contradição no território entre Estado, reprodução capitalista e meio ambiente, que repercute como problema de efetividade, coespacialidade e evidentemente de conflitos. Os indicadores – modelo de cidade ideal, adensamento urbano e áreas como reserva de valor - ajudaram a compreender os conteúdos da política pública presentes, no contexto inerente ao planejamento do espaço para a política habitacional mediados por territórios-reservas. A análise do Setor Habitacional Jardins Mangueiral, empreendimento voltado para habitação de interesse social efetiva e articula a reprodução de um território seletivo. Analisados. Confrontam e consubstanciam a dimensão territorial na realidade e no trabalho de investigação do conceito em estudo, em sua base material naquilo que o provê, o justifica na manutenção das relações de poder – a racionalidade técnica no modelo de cidade administrativa que exclui as classes de menor poder aquisitivo do território do Distrito Federal. Palavras-chave: espaço, habitação, território. 1213